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CULTURA INC

POR LUÍS COSTA

ESPELHO DO TEMPO

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The Brown Sisters, as irmãs fotografadas há mais de 40 anos: (da esq. para dir.) Heather, Mimi, Bebe e Laurie

O fotógrafo americano Nicholas Nixon, consagrado pelo retrato e pelo trabalho com o tempo, expõe pela primeira vez um projeto panorâmico no Brasil, no Instituto Tomie Ohtake

Nicholas Nixon fotografa a vida como ela passa aos seus olhos. Quando os filhos estavam na escola primária, fotografou escolas. Voluntário em uma casa de repouso, retratou idosos. O premiado fotógrafo americano, de 73 anos, chega a São Paulo pelo Instituto Tomie Ohtake, em uma exposição panorâmica com acervo da Fundación Mapfre, da Espanha, em cartaz até 18 de abril.

A mostra traz 182 imagens, divididas em nove núcleos. Seus temas tocam em questões como envelhecimento, família, afeto, cumplicidade e solidão. Entre as séries mais celebradas, está Aids, de 1990, na qual documentou o estado terminal de pessoas com a doença. A década anterior havia revelado o vírus HIV e estigmatizado a comunidade LGBT+, então sua principal vítima. “Foi muito fácil para a clas-

se média americana dizer ‘não sou como eles, que usam drogas, fazem sexo gay’”, afirma. “Eu esperava que, se os mostrasse como indivíduos, isso faria diferença, revelaria sua humanidade.”

Na série, Nixon fotografava pacientes no intervalo de uma semana a um mês, e construía com eles uma relação em um destino já traçado com a morte iminente. “Todos com HIV morriam em cinco anos. Sabia que viveria mais e esse foi o fato entre nós”, conta.

A mais famosa de suas séries é, provavelmente,The Brown Sisters, também exposta em São Paulo. Nixon fotografa, há mais de 40 anos, sua mulher e as três irmãs dela, juntas e na mesma ordem, todos os anos, desde 1975. O conjunto é considerada pelo estudo singular do retrato e do tempo.

Nixon começou a fotografar a sua mulher desde que se conheceram, nos anos 1970; seu filho Sam desde o nascimento, em 1983; e dois anos depois sua filha Clementine. Dos retratos

Nicholas Nixon Nixon nos lares de idosos às fotos da intimidade familiar, estabeleceu-se sobretudo como retratista e um especialista no uso de grandes formatos. E na aproximação com personagens revelou-se um grande negociador.

“Negociação significa que ambos temos algo que queremos e somos egoístas sobre isso, não queremos algo que seja bom para nós dois. Acho que em uma conversa o objetivo é algo que é bom para ambos. É como eu abordo”, diz o fotógrafo, que conhece os personagens pelo nome, por suas histórias e dramas.

“Acho que a foto pertence um pouco mais a mim do que ao retratado. Sei que provavelmente não é a coisa certa a se dizer, mas sou aquele que descobriu. A identidade pertence à pessoa, é claro. Eu não roubei”, afirma Nixon. n

TERRA PROMETIDA

A saga de 23 judeus que, em 1654, deixaram o litoral pernambucano, fugindo da Inquisição, e partiram em direção à costa leste americana, onde hoje é Nova York, é o mote do novo livro de Lira Neto, Arrancados da Terra (Companhia das Letras, R$ 84,90). O autor da premiada trilogia Getúlio (2014) articula as biografias desses pioneiros às histórias do Brasil e da América.

DENTE POR DENTE

Com Renata Sorrah, Paolla Oliveira e Juliano Cazarré, o thriller Dente por Dente (Júlio Taubkin e Pedro Arantes) chega aos cinemas com a história de Ademar, empresário que precisará investigar o desaparecimento do sócio, em um suspense investigativo com toques de horror entre as avenidas, hotéis e construções da capital paulista.

FILOSOFIA E MÚSICA

O filósofo e compositor Vladimir Safatle, professor titular da USP e pianista, lançou o single “O Amor Vai Desterrar Nossos Corpos”, do novo álbum autoral Tempo Tátil (Selo Sesc), disponível nas plataformas de streaming. A música é uma composição a partir de poema do romeno Paul Celan e tem parceria da soprano Caroline De Comi e do violinista Renan Vitoriano.

DIVERSIDADE

Com curadoria de Renan Quinalha, a mostra Orgulho e Resistências: LGBT na Ditadura, no Memorial da Resistência de São Paulo, revisita livros, cartazes, músicas, filmes e fotografias que, durante a ditadura militar, confrontaram a censura e levantaram questões de gênero e autoritarismo. Até 26 de abril.

O MAIS PESSOAL

Escritor português Valter Hugo Mãe relembra infância e juventude em novo livro

Valter Hugo Mãe foi à infância e à adolescência para contar histórias que ajudam a desfiar sua literatura. Em Contra Mim (Biblioteca Azul, R$ 54,90), uma espécie de autoficção, o escritor português, vencedor do Prêmio José Saramago de 2007 e autor de mais de 30 livros, refaz episódios e nomes dos primeiros anos, que lhes dariam a matéria-prima para seus enredos, personagens e temas.

Escrito durante a pandemia de Covid-19, o livro aproveita o confinamento para uma autoanálise nos seus 49 anos de idade: seus pais, o irmão morto antes de ele nascer, a descoberta do corpo e da sexualidade.

“Estamos sempre à procura das nossas grandes crianças. Essas que começamos por ser e que se tornam paulatinamente inacessíveis, como irreais e até proibidas. Crianças que caducaram, partiram, tantas por ofensa, tantas apenas por esquecimento”, escreveu Hugo Mãe.

Nessa busca, a infância retratada pelo autor passeia por Portugal e sua história recente – o fim do Império Colonial na África, a Revolução dos Cravos e seus desdobramentos e a influência da cultura brasileira em terras lusitanas – como pano de fundo e moldura para o retrato de um menino e sua mitologia particular. “Regalou-nos uma potente memória que se fez nossa. E, enquanto pautava feitos biográficos, desfiou o mistério da criação com a voz profética e imaterial do verbo. Ofertou-nos uma arte que o projetou para a grandeza literária”, escreve Nélida Piñon, da Academia Brasileira de Letras, no prefácio do livro. A capa é da artista Adriana Varejão. As escolhas literárias do mês pelo editor Paulo Werneck

TOM ZÉ – O ÚLTIMO TROPICALISTA PIETRO SCARAMUZZO (EDIÇÕES SESC SP)

De vez em quando uma grande biografia ajuda a reduzir a vasta lista de vidas brasileiras que precisam ser contadas. Escrita por um italiano “cabra da peste”, esta faz jus à vida e à obra de Antônio José Santana Martins, o genial baiano de Irará que fez a cabeça de meio mundo. Prefácio de David Byrne.

COZINHA PANTANEIRA:

COMITIVA DE SABORES PAULO MACHADO (BEI EDITORA)

Um registro pioneiro de uma tradição gastronômica que está mais viva na memória e na ponta da língua do que nos livros. Entre cozinhas de fazenda, festas, mercados e costumes regionais, o livro mapeia receitas surgidas no cruzamento das diferentes culturas que inundam o

Pantanal, bioma devastado por incêndios em 2020.

TRÊS IRMÃS JUNG CHANG (TRAD: ODORICO LEAL) (COMPANHIA DAS LETRAS)

A irmã mais velha, casada com o homem mais rico do país, foi intérprete e conselheira do supremo mandatário chinês, Chiang Kai-shek, marido da mais nova. A do meio pertenceu aos altos círculos do poder maoísta. Com sabor de série de TV, um épico de não ficção sobre “as três mulheres que definiram a China moderna”.

ASFALTO SELVAGEM NELSON RODRIGUES (HARPERCOLLINS)

Este folhetim profético e alucinado começa em tom de tragédia, no pacato

Espírito Santo dos anos 1950, e desemboca no abafado e delirante Rio da década seguinte, povoado por figuras sensacionais – a musa Engraçadinha, o ridículo e babão juiz Odorico Quintela e até mesmo colegas de redação que Nelson gostava de sacanear.

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