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CARREIRA SOLO
Um dos protagonistas da CPI da Covid ao apontar suspeitas de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) passou de aliado a traidor do governo Bolsonaro – o que não lhe causa queixa, mas trouxe aprendizados: a começar por não confiar em ninguém
POR DADO ABREU
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Após colocarem Jair Bolsonaro no olho do furacão com o relato de que teriam alertado o presidente sobre suspeitas na negociação da aquisição da vacina indiana Covaxin, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor Luis Ricardo Miranda, ex-chefe de importação do Ministério da Saúde, mudaram os rumos da CPI da Covid. Se de boas intenções o inferno está cheio, o deputado, então aliado do presidente e eleito na onda bolsonarista em 2018, caiu em descrédito e passou a ser visto como traidor por Bolsonaro e seu séquito – ao menos parte dele. “Eu não traí o presidente, pelo contrário, tentei ajudar. Se Bolsonaro traiu aquilo que defendia, que era o combate à corrupção, quem errou no percurso foi ele, não eu”, disse a PODER.
Legislando em seu primeiro mandato, Miranda não precisou da estrutura partidária para conquistar os 65.107 votos que o levaram ao Congresso. Sequer fez campanha no Brasil. Conhecido por um canal que mantinha no YouTube, “Luis Miranda USA”, no qual dava dicas para os seguidores sobre como empreender nos Estados Unidos, o deputado alavancou sua campanha vivendo em Miami, para onde se mudou em 2014 após prever que Dilma Rousseff seria reeleita. Na Câmara, quase sempre alinhado às pautas do governo mantinha boa relação com o Executivo e portas abertas no Planalto. Até que, em 20 de março, acompanhado do irmão Luis Ricardo, adentrou o palácio com uma informação que Bolsonaro não queria ouvir – e que mudaria para sempre a trajetória política de Luis Miranda.
PODER: A CPI PODE TER VIVIDO SEU GRANDE MOMENTO NA SUA OITIVA, COM SEU IRMÃO. DESDE ENTÃO, A COMISSÃO PARECE TER PERDIDO POPULARIDADE. TEME QUE A MONTANHA ACABE POR PARIR UM RATO?
LUIS MIRANDA: Nós fomos à CPI reafirmar a denúncia que havíamos feito ao próprio presidente. E não só relatar que estivemos com ele, como informar a preocupação acerca da possibilidade de existir fraude no contrato da Covaxin. A fraude hoje está mais do que provada, com a própria Bharat Biotech, fabricante da Covaxin, afirmando que os documentos apresentados pela Precisa [Medicamentos, intermediadora do negócio] eram falsos. Nosso objetivo foi concluído. Fizemos o nosso papel, protegemos o erário, R$ 1,6 bilhão que estava envolvido em um processo provavelmente fraudulento. Acredito que as investigações não ficarão dependentes da CPI. Hoje existem processos tramitando no Ministério Público Federal, bem como na Polícia Federal, e tudo baseado no nosso depoimento.
PODER: MAIS DE DOIS MESES SE PASSARAM DESDE A DENÚNCIA. QUAL A SUA AVALIAÇÃO SOBRE O DESENROLAR DO CASO?
LM: Foi comprovado tudo o que falamos e o próprio governo cancelou os contratos e demitiu funcionários. Me sinto confortável em saber que teve um desenrolar, e que esse desenrolar saiu da CPI e hoje tramita não só no Ministério Público Federal, mas com envolvimento da PGR, diretamente com o STF, e também com a própria Polícia Federal. Salvamos o Brasil de um grupo criminoso e estancamos uma sangria, mas, infelizmente, se tivéssemos feito antes teríamos salvado vidas. Foi tardio. Nossa ação,
quando em março denunciamos ao presidente, se tivessem feito algo naquele momento, cerca de R$ 1,6 bilhão reservado para comprar vacinas que não existiam seria utilizado em outras vacinas que estavam à disposição e teríamos salvado milhares de vidas. Infelizmente não fomos escutados, fomos traídos pelo presidente, essa é a grande verdade. O presidente se sentiu atacado por estarmos denunciando corrupção, mas foi ele quem atacou o parlamentar que nele confiou quando levou uma denúncia tão séria que teria salvado milhares de vidas.
PODER: COMO RESPONDE A AMEAÇAS DIGITAIS E REAIS? PRECISOU REFORÇAR A SEGURANÇA?
LM: Me senti muito ameaçado por conta da enxurrada de mensagens que recebi na primeira semana. Fiquei preocupado, pedi para que os servidores do meu gabinete, que são policiais aposentados e possuem porte de arma, ficassem sempre do meu lado. Mas no dia a dia continuei minhas reuniões externas e o que recebi da população foram palavras de incentivo. Alguns, em sua grande maioria que gostam do presidente Bolsonaro, diziam: “Estamos com o presidente e ficamos muito tristes dele estar rodeado de pessoas que não querem o melhor para nosso país. O que você fez foi correto”. E isso ocorreu em uma escala que eu não imaginava. Esse feedback nas ruas me fez me sentir mais tranquilo, e certamente tirar esse peso de que poderia sofrer algum tipo de ato criminoso. Me sinto tranquilo porque fui abraçado pela população.
Luis Miranda, em seu depoimento à CPI
PODER: DIANTE DA REAÇÃO DO PRESIDENTE BOLSONARO, AINDA O APOIA?
LM: Fiquei decepcionado no momento em que ele permitiu que o Palácio do Planalto, representado pelo ministro Onyx [Lorenzoni], pelo Élcio [Franco, ex-secretário executivo do Ministério da Saúde] e os senadores da base governista na CPI, me atacassem por trazer um problema que deveria ser enfrentado. Deveria ter uma medalha de honra para quem combate à corrupção, porque essa era a bandeira do presidente, foi por isso que muitos de nós votamos nele. Fui traído pela ideologia que sempre defendi. Esperava o mesmo do presidente, mas não foi o que aconteceu. Infelizmente Bolsonaro traiu a sua bandeira política e ideológica. Inclusive a própria reeleição, que ele disse que não buscaria. Tudo isso diz muito sobre o caráter do presidente e eu prefiro, obviamente, manter minha linha sobre o que eu quero para o meu país. E não é o mesmo que o presidente Bolsonaro quer.
PODER: APOIARIA O IMPEACHMENT DO PRESIDENTE?
LM: Jamais votaria em um impeachment simplesmente por ser oposição. Se porventura ele fosse pautado, analisaria a peça e, encontrando nela elementos que comprovem ilegalidades, crimes cometidos pelo presidente, não teria dificuldade nenhuma de votar “sim” e apoiar. Da mesma forma, se fosse um pedido apenas por questões políticas, midiáticas, que não enxergasse crimes, votaria “não”. Não vou me pautar pelo ódio, pelo populismo.
PODER: O SENHOR ERA ALINHANDO ÀS PAUTAS BOLSONARISTAS, MAS HOJE É VISTO COMO TRAIDOR PELOS APOIADORES DO PRESIDENTE. QUEM MUDOU DE LADO?
LM: Eu não traí o presidente, pelo contrário, tentei ajudar. Se ele traiu aquilo que defendia, que era principalmente o combate à corrupção, quem errou no percurso foi ele, não eu. Continuo na mesma linha, as minhas pautas se mantêm, não vou mudar, não vou virar oposição radical contra o presidente. Quem vem perdendo a identidade daquilo que defendia é o Bolsonaro. Ele segue em campanha e campanha não governa um país. Se tivesse se dedicando a fazer aquilo que nós defendíamos enquanto direita, o Brasil certamente seria outro. Enquanto estamos discutindo pautas ideológicas, a população vem padecendo. Bolsonaro está traindo as pautas que nós acreditávamos que ele iria defender e, automaticamente, traindo aqueles que acreditaram nele. LM: O Democratas está bem distante da pauta bolsonarista como partido. Mas se resolver embarcar numa possível reeleição, eu certamente me sentiria muito desconfortável em permanecer no partido. Confio que essa decisão não pode ser só do presidente ACM Neto. A independência do Democratas, sem vincular sua imagem a um governo que vai contra as ideologias do nosso partido, é o melhor caminho a ser seguido.
PODER: QUAIS SEUS PLANOS PARA 2022?
LM: Acredito na possibilidade de reeleição. Trabalhei muito e tenho números satisfatórios. Mantive a defesa das minhas bandeiras sem me preocupar com críticas. Aprovei o maior número de relatórios dos 513 deputados da Câmara, fui relator de vários projetos, aprovei pautas de direita de economia aberta, acreditando no equilíbrio, na pacificação,
sem atacar a esquerda e a extrema direita e esse resultado acredito que será reconhecido. Talvez mais quatro anos de mandato me consolide não só como um cara popular, mas principalmente um profissional. Aí, em 2026, haverá possibilidade de ir ao Senado e, na sequência, um cargo do Executivo. É o que eu almejo. Um governo, ou quem sabe, a Presidência da República.
PODER: APESAR DO “TRATOR” LIRA, VOZES DISSONANTES PARECEM TER OCUPADO A CÂMARA, COMO A DO VICE-LÍDER MARCELO RAMOS. A CÂMARA CONSEGUE MANTER CERTA INDEPENDÊNCIA DO EXECUTIVO OU ESTÁ COMPLETAMENTE SUBORDINADA AOS INTERESSES DO PLANALTO?
LM: Acredito ser muito difícil uma Câmara independente quando o presidente da Casa tem alinhamento com o presidente da República. Porque quem toma as decisões sobre pautas, projetos, e quem tem poder – e muito forte de distribuir as emendas parlamentares – é o presidente da Câmara. Isso faz com que ele tenha um poder absoluto sobre as decisões e, alinhado com o PR, é como se fosse realmente uma extensão do Executivo dentro da Câmara dos Deputados. Mas o próprio presidente Arthur Lira vem se demonstrando insatisfeito com algumas atitudes do Bolsonaro, e a convivência que eu tive com Rodrigo Maia [expresidente da Câmara] demonstra que isso tem sempre um limite. Acredito que cedo ou tarde o Lira terá que começar a escutar a voz da Câmara dos Deputados e não a voz do Executivo. Se ele tem suas próprias pretensões políticas, vai ter que mudar o caminho que vem seguindo.
PODER: O PRESIDENTE DO DEM, ACM NETO, JÁ DISSE QUE NÃO DESCARTA UM EVENTUAL APOIO A BOLSONARO EM 2022 – EMBORA A POSSIBILIDADE PAREÇA DISTANTE. CASO O PARTIDO PODER: QUE LIÇÕES O SENHOR TIRA DO EPISÓDIO?
LM: Quando tomei a decisão de proteger o meu irmão eu aprendi muito sobre o que é ser funcionário público, e a dificuldade que ele tem em fazer o certo enquanto o poder político e econômico pressionam. Por ser de direita, que defende menos Estado, mais liberdade, esse episódio me mostrou algo que eu nunca teria enxergado por ser uma pauta mais de esquerda a de defender o funcionário público. Eu estava do lado errado. Defender o funcionalismo público é defender o empresário, o setor produtivo, a geração de empregos, o crescimento econômico, o combate à corrupção, a democracia, é defender um futuro digno para a população brasileira. Aprendi uma lição grande de que não devemos confiar em ninguém, nem mesmo no presidente da República. E aprendi algo muito maior: não existe só um lado, uma só versão, existem outros lados e talvez o seu não seja o correto. n