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CULTURA

POR LUÍS COSTA

NÓS NÓS

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Em romance de estreia, Geovani Martins articula as narrativas de cinco jovens da Rocinha para recontar a história da ocupação militar das favelas do Rio

PODER É

BRASIL DAS MATAS

Um dos organizadores do sistema ambiental brasileiro, Zé Pedro de Oliveira Costa fez um inventário da ocupação do território do Brasil a partir da derrubada de sua vegetação original. O resultado está em Uma História das Florestas Brasileiras (Autêntica), que acompanha o processo de desmatamento desde as primeiras incursões coloniais nas matas litorâneas. Pesquisador da USP, Zé Pedro é um dos grandes responsáveis pela criação de parques e outras áreas protegidas, muitas delas integrantes da lista do Patrimônio Mundial Natural da Unesco. Com capa de Sebastião Salgado, o livro tem depoimentos de Drauzio Varella e Fernando Gabeira, entre outros.

Oouvido de Geovani Martins é atento ao vai e vem das ruas. Um diálogo, uma gíria, um dito, um palavrão. O escritor carioca de 31 anos – que movimentou a literatura brasileira em 2018, com a coletânea de contos O Sol na Cabeça, publicada em mais de dez países – volta às prateleiras com Via Ápia (Companhia das Letras), romance de estreia, com a mesma habilidade de povoar as páginas com os gestos e os falares das favelas cariocas.

Via Ápia é o movimentado centro comercial da Rocinha, maior favela do Rio de Janeiro. A história, narrada pelo ponto de vista de cinco moradores, se passa entre 2011 e 2013, no momento de implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade. Geovani diz que seus personagens são um contraponto ao discurso hegemônico que aplaudiu a ocupação das favelas carioca.

Ele morou na favela naquele período e dali extraiu, entre realidade e ficção, os personagens e as cenas do livro. Para Geovani, não existe uma realidade inata no mundo – afinal, quando duas pessoas contam uma história, já são duas realidades contadas. O livro vai da tensão da chegada da UPP à potência dos bailes funks que agitam a favela. Autor confirmado na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano, Geovani deu os primeiros passos como escritor profissional em uma oficina da Flup, a Festa Literária das Periferias. De lá para cá, o ambiente da literatura brasileira experimentou a ampliação da presença de escritores negros nas prateleiras e nos festivais. “É um avanço porque saímos de uma condição inaceitável”, avalia Geovani. Ele aponta a contradição entre um momento de maior visibilidade de escritores e artistas negros e o recrudescimento da violência policial contra populações marginalizadas. “A sensação é de estarmos vivendo o melhor e o pior, pois ainda enfrentamos a brutalidade policial, o conservadorismo, o desejo pelo controle desses corpos”, diz. “Não daremos nenhum passo atrás. O preço que a gente tem pagado é com vidas.”

Leitor formado pelos clássicos da literatura brasileira, recentemente Geovani mergulhou em autores como James Baldwin, mas conta que tem se dedicado quase exclusivamente a autores africanos. “Descobri coisas que me foram negadas na minha formação”, conta. Dentre as leituras recentes, cita o nigeriano Chinua Achebe, de O Mundo se Despedaça, e o senegalês Abasse Ndione, de A Vida em Espiral, uma das influências para a escrita de Via Ápia. Geovani revela seu fascínio pela figura do contador de histórias e pelas narrativas que encontra na música. “Vou beber no rap, no samba, no reggae. É um exercício diário”, finaliza.

CINEMA EM SP

Um dos mais importantes festivais de cinema do país, a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo chega à 46ª edição. Entre as atrações do festival, que acontece de 20 de outubro a 2 de novembro, está a projeção de No Bears (2022), do diretor iraniano Jafar Panahi, preso em julho deste ano por “propaganda contra o sistema”, em um contexto de crescente repressão naquele país. O festival também anunciou que exibirá em primeira mão na América Latina a cópia restaurada de A Mãe e a Puta (1973), de Jean Eustache, que foi exibida no Festival de Cannes deste ano.

O escritor Geovani Martins e dois de seus livros, ambos editados pela Companhia das Letras

EXPOSIÇÃO

A ARTE DO AFETO

Panmela Castro une política e educação em obras que criticam a desigualdade de gênero e aprofundam a relação com o espectador

A artista visual carioca Panmela Castro conta que, após a pandemia, organizou uma “agenda infinita de compromissos”. São Paulo receberá uma de suas obras públicas pela primeira vez. A exposição Retratos Relatos, que denuncia a violência contra a mulher, segue para Goiânia e então deve rodar o Brasil. Até novembro, espelhos de Panmela também estarão na Bienal do Mercosul, em Porto Alegre. Ela ainda marca presença em Inhotim, em Minas Gerais, e em exposições no MAM e no Museu Bispo do Rosário, no Rio. Em Fortaleza, na nova pinacoteca, integra a exposição Negros na Piscina, com curadoria de Moacir dos Anjos. “Além disso, produzo trabalho inédito de performance com Igor Simões e Lorraine Mendes”, diz ela, que, em 2023 vai participar da residência artística Black Rock Senegal, que convida artistas a explorar sua relação com a África. Detalhe: foram 16 selecionados entre mil inscritos.

Vítima de violência doméstica, Panmela desenvolve há quase duas décadas projetos de arte, arte-educação e murais públicos para chamar a atenção sobre a violência de gênero. Ela é fundadora da Rede NAMI, que usa a arte para a promoção dos direitos das mulheres e de populações marginalizadas. Na trajetória de Panmela, arte, crítica social, forma e conteúdo político estão intrincados. Ela conta que absorveu um conceito que ouviu da curadora Keyna Eleison sobre a versatilidade da arte contemporânea. “Acredito que é o próprio artista quem determina o que é o trabalho de arte, independentemente de um viés ativista, político, formalista.”

Panmela explica que seu trabalho depende da participação do público. Produzida durante a pandemia, a série experimental fotográfica Penumbra, por exemplo, que propõe pensar o racismo e a solidão da mulher, é atualizada pelo espectador, que pode se identificar com

as experiências de solidão a partir de suas experiências pessoais. Artista de rua, grafiteira, formada na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Panmela conta que seu trabalho é uma “busca incessante pelo afeto”. “O clássico – paisagens, retratos e naturezas-mortas – aparecem na minha produção como forma de alcançar isso”, explica. O clássico é o padrão, o que todos almejam. “Como uma moça suburbana, posso mimetizar a branquitude e seus valores, mas minhas experiências pessoais na rua e no underground, além de minha própria aparência e forma de ser, sempre serão antagônicas à ideia do clássico, e esse é o barato”, diz.

MC Carol retratada na exposição Vigília

ESTREIA NA MPB

Indicada como artista revelação ao Prêmio Multishow deste ano, a cantora e compositora baiana Rachel Reis lança seu primeiro e álbum solo. Meu Esquema tem MPB, samba, reggae, bolero, arrocha, ijexá e outros ritmos brasileiros. Autora do sucesso “Maresia”, single de 2021, Rachel é reconhecida pela brasilidade de suas composições, que misturam gêneros populares do país com acento pop.

100 ANOS DE JORGE ANDRADE

A Cia Triptal se debruça em uma dramaturgia que escancara as feridas – mais algumas – da história do Brasil. Livremente inspirada na obra Pedreira das Almas, de Jorge Andrade, o coletivo estreia Travessia Brasil – Um Caminho para Pedreira, com direção de André Garolli. Escrita em 1957, a peça tem lugar no Brasil de 1842, em meio à Revolta Liberal contra o imperador, em uma cidade destruída pela mineração. A montagem celebra o centenário de Jorge Andrade, dramaturgo que se tornaria nome consagrado no teatro e na televisão. Em cartaz entre 14 de outubro e 17 de novembro, a encenação passa pelos palcos da Oficina Cultural Oswald de Andrade, do Teatro Alfredo Mesquita e do Centro Cultural Vila Itororó na capital paulista. A entrada é gratuita.

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