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O PODER DO RISO

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Quem são os grandes nomes que souberam fazer do humor uma forma de resistência – à guerra, às epidemias e às pequenas tristezas de cada dia

por pedro alexandre sanches

“Rir é um ato de resistência”, disse o ator e humorista niteroiense Paulo Gustavo, em um vídeo de despedida do difícil ano de 2020, poucos meses antes de morrer de Covid-19, em maio. O ato de rir ficou mais penoso com o peso da pandemia, inclusive pelo simbolismo da morte do homem que fazia rir. Mesmo com altos e baixos, o poder depurador do humor não se extingue e é companheiro precioso em tempos duros como os de agora. Trata-se de um modelo de arte que acompanha a humanidade desde sempre, no mínimo desde as comédias teatrais gregas de Aristófanes, como As Rãs, datada de 405 a.C.

Rir no cinema é tão antigo quanto ir ao cinema: no mesmo ano em que os irmãos Lumière promoverem a primeira exibição de um filme, 1895, o francês Louis Lumière dirigiu O Regador Regado, de menos de um minuto de duração, mas considerada a primeira comédia da história do cinema. Outro fundador dos alicerces da chamada sétima arte, que atravessou soberana todo o século 20, o francês Georges Méliès dirigiu a ficção científica Viagem à Lua (1902), que corre o

mundo até hoje com a cena (cômica) em que um foguete espacial aterrissa na Lua, ou melhor, num dos olhos de uma Lua dotada de feições humanas.

Inicialmente dominado pelos europeus, o cinema teve no francês Max Linder (1883-1925) o primeiro ator especializado em comédia, que abriu caminhos a partir de 1905 e influenciou toda a primeira geração de comediantes cinematográficos norte-americanos. Um de seus discípulos, Charles Spencer Chaplin, iria se tornar o primeiro comediante de multidão da história do cinema, num personagem alegre-triste que aqui no Brasil chamamos de Carlitos. Listamos algumas das expressões maiúsculas dessa linhagem que souberam desde o princípio que o humor era uma forma de resistência – à guerra, às epidemias, às pequenas tristezas de cada dia.

PETER SELLERS

Ator em filmes de gêneros variados, o inglês Peter Sellers (19251980) imprimiu sua imagem na história da comédia com A Pantera Cor-de-Rosa, uma série de cinco filmes lançados entre 1963 e 1978, nos quais interpreta o desastrado inspetor Jacques Clouseau. Outros personagens cômicos antológicos de Sellers aparecem em Dr. Fantástico (1964), aventura do sisudo cineasta Stanley Kubrick pelo humor, e em Um Convidado Bem Trapalhão (1968), de cenas impagáveis como aquela em que, atarantado com um garfo e uma faca, ele arremessa ao ar um frango que vai parar na cabeça de uma fina convidada do jantar elegante.

O GORDO E O MAGRO

O inglês Stan Laurel (18901965) integrou a trupe em que trabalhava Charlie Chaplin, atuou como seu substituto e chegou aos Estados Unidos no mesmo navio que ele. Com o americano Oliver Hardy (1892-1957), formou a dupla que no Brasil ficou conhecida como O Gordo e o Magro, Laurel & Hardy no original. Os dois atuaram juntos no cinema em 1921, em O Cão da Sorte, mas se consolidaram como dupla no gênero pastelão a partir de 1926, com Laurel (o “magro”) no papel do atrapalhado e Hardy (o “gordo”) como o sabichão.

CHARLIE CHAPLIN

Nascido na Inglaterra em uma família atuante no gênero teatral chamado music hall, que misturava música e comédia, Charlie Chaplin (1889-1977) conheceu os Estados Unidos em turnês da trupe familiar e lá se radicou em 1912. Tornou-se um dos fundadores da United Artists, pela qual distribuiria os filmes mudos em preto e branco que ele, sozinho, escrevia, dirigia, produzia e financiava. Não bastasse tudo isso, criou também o mítico personagem Carlitos, ou, em inglês, The Tramp (O Vagabundo). Sem o recurso da fala, serviu-se da mímica e da expressão corporal como linguagens centrais e agrupou elementos expressivos como o rosto maquiado de branco, o bigodinho, o chapéu-coco, a bengala, o olhar tristonho e o modo de caminhar. Algumas de suas cenas de pastelão se confundem com o próprio cinema, como as do operário massacrado pela rotina da fábrica em Tempos Modernos (1936) e o “dono do mundo”, satirizando Hitler em O Grande Ditador (1940), sua estreia nos filmes falados.

OS TRÊS PATETAS

O pastelão em trio se consagrou nos Estados Unidos nas figuras histriônicas dos Três Patetas, pelos quais seis atores passaram desde 1922 até 1970. Inicialmente eram Larry Fine e os irmãos Moe Howard, Shemp Howard e Curly Howard (os dois últimos se alternando como o terceiro personagem e sendo substituídos por outros atores após sua morte, nos anos 1950). Mais estimados pelo público que pela crítica, deixaram 30 longas e 190 curtas. O advento da televisão tornou os filmes curtos obsoletos como atração principal de sessões de cinema, o que levou o trio a se transferir para o veículo mais jovem na década de 1960.

WOODY ALLEN

Modernizador da tradição de comediantes que roteirizam, dirigem e atuam em seus filmes, o nova-iorquino Woody Allen revolucionou o gênero a partir dos anos 1960, fazendo seus pastelões se encontrarem com o cinema de arte e introduzindo uma dimensão psicológica que se tornaria elemento crucial de sua produção. Alguns traços são comuns aos personagens que interpreta: eles são intelectuais, neuróticos, inseguros, obsessivos em relação ao sexo e à morte. Inicialmente bem-sucedido nos palcos nas comédias stand-up, Allen debutou no cinema como roteirista e ator de O Que É Que Há, Gatinha? (1965). Como diretor, estreou em Um Assaltante Bem Trapalhão (1969) e seguiu elaborando comédias cada vez mais densas e sutis, até ser tolhido por denúncias de abuso sexual de menores, agravadas a partir de 2014.

JACQUES TATI

Como ator e diretor, o francês Jacques Tati (1907-1982) revolucionou a comédia cinematográfica ao divergir diametralmente dos modelos escancarados do humor americano. Nas obras-primas As Férias do Sr. Hulot (1953) e Meu Tio (1958), dirigidas por ele, interpreta Monsieur Hulot, sempre de sobretudo, ancorado por um guarda-chuva e um cachimbo, e caracterizado como um sujeito sonhador, bem-intencionado e desajeitado, que semeia confusão por onde passa.

JERRY LEWIS

Mais um gênio americano, Jerry Lewis (1926-2017) foi roteirista, produtor, diretor e cantor em seus filmes. No princípio, apenas como ator, formou a dupla Martin & Lewis, com o cantor Dean Martin. Desfeita a parceria, ele passou a dirigir seus filmes solo em fenômenos de bilheteria como O Professor Aloprado (1963), refilmado em 1996 por Eddie Murphy, quando Hollywood se abria relativamente aos comediantes negros.

LUCILLE BALL

A comédia cinematográfica, assim como incontáveis outros setores, foi até muito recentemente monopolizada por homens, e nesse cenário a americana Lucille Ball (1911-1989) foi pioneira e estrela solitária. Nos anos 1930, ficou restrita a papéis menores. A televisão foi mais generosa com Lucille, que estrelou na CBS, entre 1951 e 1957, a sitcom I Love Lucy.

MONTY PYTHON

Outra revolução aconteceria na Inglaterra, sob responsabilidade do coletivo Monty Python, integrado por John Cleese, Eric Idle, Michael Palin, Terry Jones e Terry Gilliam, entre outros. Eles incorporaram o nonsense absoluto ao humor, em comédias inteligentes e ácidas como Em Busca do Cálice Sagrado (1975) e a profana A Vida de Brian (1979), sobre um jovem judeu que nasceu no mesmo dia e local que Jesus Cristo. O grupo abriu caminho do estilo absurdo para produções como Apertem os Cintos... o Piloto Sumiu! (1980).

MR. BEAN

As 1001 expressões faciais do ator inglês Rowan Atkinson fazem a delícia do desastrado personagem Mr. Bean, que de certa maneira promove um retorno ao humor mudo da aurora do cinema, fundamentando a graça não na palavra, mas nas mímicas e no gestual do ator. Num movimento inverso aos de Lucille Ball e Os Três Patetas, Atkinson pavimentou o sucesso de Mr. Bean primeiro na televisão, entre 1990 e 1995, e em seguida no cinema.

NO BRASIL

As chanchadas da Atlântida deram aos atores Oscarito (19061970) e Grande Otelo (1915-1993) a primazia de trabalhar pela comédia cinematográfica brasileira, em filmes anárquicos que adaptavam o teatro de revista à sétima arte. Já Dercy Gonçalves (1907-2008), a mais escrachada entre todos os artistas de teatro, cinema e televisão no Brasil, começou no teatro de revista e saltou para as telas de cinema nos anos 1940, primeiro em papéis secundários e subalternos, que ela soube aos poucos converter em protagonistas, a bordo de interpretações entre exageradas, extrovertidas e espalhafatosas, mais tarde afrontosas e obscenas. Na geração que começou a despontar nos anos 1960 e conquistou lugar cativo na tela da Rede Globo – com Chico Anysio, Jô Soares e Agildo Ribeiro –, o quarteto Os Trapalhões foi o único a construir história retumbante também na cinematografia brasileira. O humor infantil e circense do nordestino Didi Mocó (Renato Aragão), do galã suburbano Dedé (Manfried Sant’Anna), do bebum carioca Mussum (Antônio Carlos Bernardes Gomes) e do caipira mineirinho Zacarias (Mauro Gonçalves) conquistou gerações.

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