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MULHERES DE
Mulheres de 400 talheres
Nos anos 1960, o Clube Renascença quebrou tabus, preconceitos e paradigmas na sociedade carioca com seu concurso de miss. Alçadas ao estrelato, essas belas mulheres marcaram época e são lembradas até hoje
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por renato fernandes
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Inaugurado em 1951, durante os anos dourados no Brasil, o Renascença surgiu para os negros da classe média do Rio de Janeiro como uma opção de esporte e lazer, já que eles eram proibidos de frequentar os tradicionais clubes da cidade. “Entre os fundadores estavam um grupo de médicos e de comerciantes negros, que não queriam sofrer discriminação em outros espaços”, conta o missólogo e historiador Daslan Melo Lima, um dos maiores estudiosos do tema hoje.
O clube ficava no bairro de Andaraí, na zona norte, e as mulheres tiveram papel fundamental em seu desenvolvimento. Eram 19, dos 29 sócios que fundaram o lugar. Foi por essa forte presença feminina que surgiu o concurso de miss do Rena, nome usado na época, e a competição colocou suas participantes em total evidência. A olheira, que selecionava e que preparava as misses, era a cabeleireira Dinah Duarte, dona de um conceituado salão de beleza no Méier.
Ao desfilarem suas curvas no maiô Catalina, no Maracanãzinho, para o Miss Guanabara, como se chamava o Estado do Rio de Janeiro, as misses Renascença eram ovacionadas e consagradas. Só dava elas. Relembre aqui, três de suas maiores beldades.
Vera Lúcia Couto dos Santos, Miss Renascença, na capa do disco Carnaval Rio (à esq.) e em ensaio para a revista Manchete. Na pág. ao lado, Esmeralda Barros na revista Amiga
Vera Lúcia Couto – Mulata Bossa Nova
“Mulata Bossa Nova... Caiu no hully gully... E só dá ela.” Ela quem? Vera Lúcia Couto dos Santos, musa da marchinha carnavalesca composta por João Roberto Kelly e que venceu o Miss Guanabara em 1964. Detalhe, até então, nunca uma negra tinha alcançado esse título. Vera Lúcia venceu e venceu bonito, mas nada por vontade própria, mas sim por insistência do clube Rena que queria porque queria que ela concorresse. Ela recusou por dois anos os convites e o medo de sofrer preconceito era uma das razões. Só depois que teve o apoio do pai, aceitou. Não bastasse, Vera Lúcia foi a primeira miss negra a concorrer ao Miss Brasil. Não ganhou o concurso, mas ficou em segundo lugar e ainda representou o país no Miss Beleza Internacional, em Long Beach, nos Estados Unidos, ficando na terceira colocação.
No dia do concurso do Miss Brasil 1964 , enquanto desfilava, ouviu de uma senhora numa mesa: “Sai daí crioula, seu lugar é na cozinha!”. Mas não perdeu a altivez e nem o olhar de ternura. No ano seguinte, durante as comemorações do quarto centenário do Rio, desfilou deslumbrante no carro aberto dando tchauzinho para qualquer tipo de preconceito.
Não seguiu a carreira artística e não foi por falta de convites. Preferiu casar e ser mãe de três filhos. Tornou-se funcionária da Riotur e hoje mora em Niterói, mas continua virando o pescoço dos transeuntes quando passa.
Esmeralda Barros – Estrela Internacional
No fim da década de 1960, uma “mulata para quatrocentos talheres”, como era conhecida, invade os estúdios da Cinecittà, em Roma. Seu nome? Esmeralda Barros, a moça que perdeu o título de Miss Renascença 1964 para Vera Lúcia Couto. Na
Esmeralda Barros posando para a revista O Cruzeiro, que a descrevia como: “Na tevê os seus rebolados dão coqueluche em gente grande”. No detalhe, na revista Amiga, já como uma estrela internacional
época, houve grande burburinho: todos queriam saber o motivo pelo qual Esmeralda não tinha levado a coroa. E ele era um só: ela já era conhecida do showbiz brasileiro, porque havia atuado em shows de Carlos Machado, o que não era bem-vindo no concurso. “Isso é fato, garotas que sonhavam em ingressar no mundo artístico fugiam do perfil das que concorriam ao concurso de miss”, conta o missólogo Daslan Melo Lima. E Esmeralda tinha tudo e mais um pouco, mas aura de virgem e donzela, isso ela não tinha.
Não levou a faixa de Miss Renascença, mas ganhou um convite para atuar na Itália, depois de aparecer em Operação Paraíso, uma produção italiana rodada no Rio de Janeiro, em 1965, com o ator Raf Vallone. No filme, a estonteante Esmeralda aparecia em um comportado biquíni em plena avenida Atlântica. Fato que rendeu a ela uma capa estreladíssima na revista O Cruzeiro.
Suas curvas atravessaram o mundo e, em 1968, ela já era o primeiro nome do elenco do longa King of Kong Island, dirigido por Roberto Mauri. Anos depois, no início da década de 1970, era disputada para produções de western spaghetti e filmes de terror, também na Itália. Nos bastidores teve um tempestuoso romance com o robusto ator Maurizio Arena, a tal ponto de ganharem juntos a capa da revista de fofoca Oggi. Uma suposta tentativa de suicídio por excesso de barbitúricos, pelo gostosão, foi divulgada na época.
Estrelou os filmes Um Homem Chamado Django, ao lado de Anthony Steffen, e La Colt Era Il Suo Dio, com Jeff Cameron. Atuou com Mark Damon e Rosalba Neri em O Castelo de Drácula e, depois de consagrada, dividiu os créditos com as superstarlets Barbara Bouchet e Femi Benusse em Finalmente Le Mille e Una Notte, de 1972. Alcançou assim o seleto rol das divas eróticas do cinema italiano. “Esmeralda é o oposto de suas personagens e foi uma grande estrela no cinema. Era cultuada em um tempo diferente de hoje, nos quais as estrelas são medidas por curtidas em mídias sociais”, diz o cineasta Daniel Camargo, expert em bangue-bangue do país europeu. Sua opinião relembra um pouco o que dizia o jornalista brasileiro Ubiratan Lemos: “Seu corpo é um best-seller para um bom gosto internacional”.
No dia a dia, Esmeralda era puro charme. Amava marcas como Gucci e Pucci e só usava bota de cano longo verniz. Gastava a sola na
Esmeralda Barros foi capa da revista O Cruzeiro, em fevereiro de 1966
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famosa Via Veneto, em Roma. Meio Barbarella, meio sambista, arrasava ao chegar no Brasil. Participava de coletivas, logo no aeroporto. E em seus contratos na Itália, tinha licença para passar o Carnaval por aqui. Única e absoluta.
Em meados dos anos 1970, depois de outro tumultuado romance, agora com um mafioso, volta de vez a morar no Brasil. Linda e madura, é tragada pelas pornochanchadas como O BemDotado - O Homem de Itu, com o ator Nuno Leal Maia. Em 1976, é capa da revista Homem, futura Playboy. Participa de shows de Abelardo Figueiredo na boate O Beco.
A carreira começa a desandar no início dos anos 1980, quando atua no filme de baixíssimo orçamento O Castelo das Taras produzido na Boca do Lixo em São Paulo, sob direção de Arlindo Barreto, o Bozo. No longa, no qual vem de diva, enxertaram cenas de sexo explícito. Ela aparece em nu frontal e careca. Outro exemplo perança no Ar, aparecendo apenas no final dos créditos do elenco, não sendo mais a grande estrela. Passa muitos anos de sua vida residindo numa mansão em Itaipava e outros no prédio dos artistas, no Morro do Vidigal. Muitos pensam que já faleceu, mas não: vive sob cuidados de um ex-namorado dos tempos do Renascença, o produtor Eugenio Fernandes. “Ela requer cui
é que, em 1985, atua na novela do SBT Uma EsNascimento estrelando a capa de O Pasquim como a mulher mais sexy do Brasil; abaixo, desfilando pela escola de samba Mangueira, em foto da revista Manchete
dados e já não tem mais as regalias da fama, muito menos os amigos de então, que sumiram”, entrega Camargo em conversa com a J.P.
Hoje, de cabelos brancos, sentada, com movimentos limitados, Esmeralda se divide entre Ipanema ou Sepetiba, onde fica contemplando o mar. Um mar de glórias.
Aizita na revista Manchete (à esq.) e em um especial da revista Fatos & Fotos sobre os filmes que participaram do Festival de Cannes
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Aizita Nascimento – Atriz e Apresentadora
“Queremos a mulata! Queremos a mulata! Queremos a mulata!” Era o que se ouvia no concurso Miss Rio de Janeiro 1963, num Maracanãzinho lotado, com mais de 25 mil pessoas. A torcida era para ela, mas a bela Aizita Nascimento, inacreditavelmente, ficou em sexto lugar. Para os jornalistas presentes aquele foi o concurso mais emocionante até então, como consta no site Passarela Cultural, de Daslan Melo Lima.
O sorriso de Aizita era tão contagiante que o mesmo ganhou até crônica do jornalista e escritor Henrique Pongetti. Ela não venceu, mas ganhou muito mais fama do que Vera Lúcia Maia, filha da cantora Nora Ney, escolhida a miss da vez. No ano seguinte, em 1964, Aizita se lança como cantora e grava um disco compacto pela RCA. Em pouco tempo era requisitada para participar do concurso de beleza As Certinhas do Lalau, organizado pelo jornalista Stanislaw Ponte Preta, e fazer filmes e novelas na rede Globo. Pouco? Nada. Em maio de 1970, depois de um tour pelo Leste Europeu com o conjunto A Brasiliana, Aizita já declarava à revista Fatos & Fotos, na qual era capa: “Eu sou gente, não quero ser estrela, longe de tudo e todos”.
No entanto, brilhou no mesmo ano ao lado de Sandra Bréa na peça de teatro de revista Aqui Ó, no Teatro Poeira, em Ipanema. Dizem até que houve ciumeira entre elas enquanto estavam rodeadas de plumas e paetês.
Ao lado de Jardel Filho, ganhou capas de revistas quando atuaram na novela Assim na Terra como no Céu, mas nada marcou tanto sua carreira como quando participou da pornochanchada Como É Boa Nossa Empregada, de 1973, ao lado de Jorge Dória e Carlo Mossy. “Ela era supertalentosa e a primeira a chegar. Jamais deu trabalho à produção. Generosa e sempre alegre, item importante em uma atriz, fazia todos rirem nos bastidores”, relembra para a J.P o galã Carlo Mossy.
Em maio de 1974, Aizita é capa de O Pasquim, como sendo a primeira a ganhar o título da mulher mais sexy do Brasil. Anos depois, em 1979, participa, em São Paulo, da novela O Todo Poderoso, da Rede Bandeirantes, e, com ares intelectuais, apresenta o programa Olhar Eletrônico, na TV Cultura. Seu cabelo black power, estilo da ativista Angela Davis, sempre foi uma de suas marcas.
Formada em enfermagem pela escola Anna Nery – desde os tempos do Miss Renascença –, um dia Aizita sumiu, não quis mais saber de holofotes e se dedicou à profissão de enfermeira. Evita até hoje entrevistas e, como uma verdadeira musa, deixa o mistério “que fim levou a musa Aizita” no ar.