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DE CONVERSA EM CONVERSA
POR ANTONIO BIVAR
ASSÉDIO E
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HIPOCRISIA
Para nosso colunista, está declarada mais uma vez a guerra dos sexos: tudo sobre as atuais polêmicas de assédio sexual na indústria do entretenimento
Otema do assédio sexual contra a mulher foi o mais assuntado mês passado e o que mais ibope rendeu nas redes e na mídia em geral. Do desfile de pretinhos básicos do mulherio no Globo de Ouro, do discurso da Oprah e do sorriso
monolítico de Meryl Streep à resposta francesa de Catherine Deneuve & amigas em carta aberta publicada no Le Monde liberando os homens a não se sentirem tolhidos no sedutor approach aos encantos do eterno feminino... Praticamente não se falou noutra coisa. Na torcida entre as duas facções, parece que Deneuve levou vantagem. Moças gostam de serem abordadas. Depende de como a coisa é feita,
para o bom resultado o approach tem de ter finesse. Os críticos mais céticos viram em ambos os lados do fuzuê um tanto de hipocrisia. Estava declarada a guerra dos sexos como fazia tempo não se via no picadeiro do entretenimento, desde a grega Lisístrata e suas correligionárias. Os homens, crucificados pela tangente hollywoodiana, levantaram a voz em uníssono perguntando: “E as mulheres também não assediam os homens?”. Teve até quem se lembrasse do tempo quando mulher assediava macho e se este não se rendesse ao assédio ela espalhava que ele era viado. De modo que, desde que o mundo é mundo, homens e mulheres se assediam. Nem todos e nem todas, mas uma minoria bastante representativa. Quando a denúncia explode, o caso chega ao noticiário, ganha processo e puxada de tapete de quem estava acostumado a
FOTOS GETTY IMAGES; REPRODUÇÃO desfilar com segurança e naturalidade no tapete vermelho da fama. Astros de primeiríssima grandeza perdem seus empregos e despencam no ostracismo. No meio da balbúrdia geral tem os que não dramatizam e até brincam em cima e aproveitam, com conhecimento de causa, para lembrar das independentes, mulheres decididamente acima dessas picuinhas de somenos.
Da ala das independentes, primeiro me ocorre o nome de uma francesa bem mais esclarecida que Catherine Deneuve, a Jeanne Moreau. Em toda a sua bagagem cinematográfica não teve um filme em que La Moreau não fizesse os homens se arrastarem aos seus pés para, assim que arrastados, levarem um chute nos bagos. Na linha da francesa, mas num sentido mais funk carioca, temos a cantora e dançarina Anitta, cujo mais recente ataque é o hit “Vai Malandra”, recorde de babadas no YouTube. Poderosas e empoderadas, na profusão da independência.
Em meio à polêmica que tomou conta da coisa como prato do dia, foi muito lembrado o episódio dos que pretendiam fazer carreira na televisão e que tinham que passar pelo constrangedor teste não do divã freudiano, mas do sofá da sala de ensaio. Ou, num outro contexto, do episódio vivido pela estrela brasileira Norma Bengell quando, em 1972, rodava uma coprodução em Ibiza. O diretor do filme exigia de Norma que ela levasse para a cama do hotel onde a equipe se hospedava, o filho de Buñuel, seu galã na fita. O diretor exigia esse desempenho de Norma, pra que depois da experiência real ela e o ator ganhassem uma intimidade mais realista frente às câmeras, intimidade que até então o filme não estava demonstrando. Aquilo a atriz não engoliu. Fez mais foi valer sua experiência de guerrilheira brasileira no exílio assumindo liderança e conclamando os figurantes de Le Soleil de Palicorna (o nome do filme) a entrarem em greve e atrasar as filmagens. Desesperado o diretor, arrancando os cabelos, correu à atriz implorando-lhe que parasse com aquilo. Norma engrossou a voz e falou que só parava se o diretor não lhe enchesse mais o saco. Tal se deu e o filme continuou sem mais problemas até ficar pronto e ser lançado no fim do ano na televisão francesa e dinamarquesa.
E voltamos à ensolarada e incendiada Califórnia. Hollywood não é nenhuma santa. O Hollywood Babylon de Kenneth Anger é um clássico contando mil histórias de atrizes que tiveram que abrir as pernas para que ricos tycoons patrocinassem filmes por elas estrelados. A gloriosa Gloria Swanson, diva que atravessou a barreira do silencioso pro sonoro, de banhista de Mack Sennett em 1915 ao Crepúsculo dos Deuses em 1950, ainda no tempo do cinema mudo, levou o magnata Kennedy, pai do futuro presidente, a gastar os tubos nos filmes que a faria definitivamente alavancar a carreira de estrela. Kennedy Senior era casado, mas gostava de fazer gênero tendo a grande estrela como amante. E por falar nos Kennedy, ao contrário da vampiresca Gloria, a doce e meiga Marilyn Monroe, a mais sexy de tantas quantas, sem o menor esforço elevou a adrenalina e a testosterona do então presidente da nação que, mesmo casado com a fria e calculista Jackie, não resistiu aos encantos da loira. Depois de meter-se na cama com a estrela, o presidente deu por satisfeita a curiosidade e achou melhor se afastar, antes que a coisa caísse de vez na liga da decência do moralismo repressor. Mas, Marilyn, que no fundo continuava uma Norma Jeane como tantas outras ingênuas até certo ponto, apaixonou-se perdidamente pelo líder da nação querendo repeteco, porque aquilo tinha sido muito bom. Mas o arredio presidente tirou o corpo fora e Marilyn, arrasada, seduzida e abandonada, entregou-se ao sofrimento, ao álcool, aos barbitúricos, e acabou morta, sem que até hoje ficasse esclarecido se foi morta por conveniência, suicídio ou causa normal.
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ANTONIO BIVAR, escritor e dramaturgo, acredita que devagar e sempre, nesse passo, vai até honolulu