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CLAUDIO MARZO: GALÃ INDOMÁVEL

Ator respeitado, homem de muitas mulheres – a maioria estrelas –, ele marcou as décadas de 1970 e 1980 como astro da TV. Não gostava de se expor e, para alguns, era até arredio. Só cometeu um erro: fumar demais

por renato fernandes

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Descendente de imigrantes italianos e filho de pai metalúrgico, o menino Claudio Marzo cresceu em um sítio em Guarulhos, na Grande São Paulo. Apesar de serem seis irmãos, seu mundo interior bastava e ele era bastante quieto. Tinha como sonho ser caminhoneiro e, ainda criança, quando estava no terceiro ano primário, foi expulso do colégio. Arredio, brigou com um colega e, de quebra, com o professor também. Aos 13 anos, quando completou o ginásio, começou a fumar e nunca mais parou.

Diferente de muitos atores da sua geração, Marzo começou a carreira como figurante na televisão e não nos palcos. Tremendo boa-pinta, em pouco tempo era galã de fotonovelas e chegou até a dirigir algumas. Começava aí a ser objeto de desejo das mocinhas.

FOTOS REPRODUÇÃO

Contratado pela TV Tupi, começou sua fama de contestador e muitas vezes era chamado de rebelde. Era inquieto e questionava a televisão, veículo que lhe deu fama e dinheiro, e nunca aceitou preconceitos e padrões preestabelecidos.

Em dezembro de 1967, aos 27 anos, quando já era bem conhecido e trabalhando na Globo, estrelou a capa da revista Intervalo, na qual declarava: “Não devo nada a ninguém, a verdade é que nunca ninguém me ajudou, venci na carreira às minhas própria custas”. Essa era uma das características desse libriano: extrema sinceridade. Fato que algumas vezes o prejudicou, já que a fama vinha a galope – apesar de sempre dizer que o estrelado nunca o seduziu.

MULHERES, MULHERES

Sua primeira paixão foi a atriz Miriam Mehler, quando ele ainda morava em São Paulo. A relação durou pouco: dizem que foi apenas um mês. Na época, tinha um contrato com a TV Tupi e ficou por lá durante três anos, praticamente sem atuar. Chegou a pedir rescisã0, mas a emissora não aceitou e o deixou na geladeira. Foi apenas quando se mudou para o Rio de Janeiro e foi contratado da Globo que conseguiu seus bons cachês e os personagens que o fizeram cair de vez nas graças do público feminino. A tal ponto de ele ser, ao lado de Regina Duarte, capa da primeira edição da revista Amiga, em maio de 1970. A primeira, aliás, de muitas, já que Marzo e Regina sempre formavam um casal de protagonistas nas novelas. A química deu tão certo que eles foram par romântico em muitos folhetins: Véu de Noiva, Irmãos Coragem, Minha Doce Namorada e Carinhoso. Em menos de quatro anos, eram os “namoradinhos do Brasil”. No entanto, dizem que mesmo tendo uma boa relação como colegas de trabalho e trocarem muitos beijos em cena, nunca foram amigos íntimos. Regina chegou a almoçar apenas uma vez na casa dele. Eles se respeitavam e se admiravam, mas apenas nos estúdios.

Claudio Marzo e as muitas revistas em que apareceu: em sentido horário, no pôster da Amiga; na primeira capa com Regina Duarte da Amiga; e, já como galã, na Intervalo

BAILA COMIGO

Foi em 1967, ao encenar a peça Pequenos Burgueses pelo grupo Oficina, que Marzo conhece uma das grandes mulheres de sua vida, a estrela Betty Faria. “Eu achava que não iríamos ficar muito tempo juntos, era uma paixão tão forte que seria impossível perpetuá-la”, revela Betty em sua biografia Rebelde por Natureza, escrita por Tania Carvalho. Os dois moravam no emblemático Solar da Fossa, uma enorme pensão onde vários artistas viviam, entre eles Caetano Veloso, Paulinho da Viola, Tânia Scher e até mesmo o jornalista Ruy Castro.

Unidos, em seguida foram morar num pequeno apartamento em Ipanema. Fundaram a Cia. de Teatro Carioca de Arte, em parceria com o ator Antonio Pedro, amigo de longa data do casal, e foi durante a encenação de A Falsa Criada que Betty descobriu estar grávida. Alexandra nasceu no dia do nascimento do pai, em 26 de setembro de 1968, mesmo período em que a companhia tinha sérios problemas financeiros e peças proibidas pela censura. Era o auge da ditadura militar e pouco tempo depois tiveram de fechar o grupo.

O ativismo, aliás, fez com que Marzo partici

Com Regina Duarte, era o casal “namoradinho do Brasil”; e fumando, sempre,

Outras estrelas da TV tiveram seus nomes ligados a ele, como Suzana Gonçalves – uma das desde a juventude

“LEAVE ME ALONE’

Em 1973, após ficar quase um ano e meio sem aparecer em telenovelas e ter feito um personagem secundário em O Bofe, a imprensa desejava que ele tivesse um contato maior com o público. Mas nada. Em plena capa da revista Amiga, ele declarava: “Sou um ator em fim de carreira e não estou precisando mais conceder entrevistas, que na maioria das vezes só servem para enganar o público. Procurem outro ator que esteja precisando de badalação. Eu quero ficar em paz, livre da imprensa”. Na mesma entrevista, falava de

passe de comícios e ele chegou a ser preso, ficando sumido por 15 dias. “A prisão de Claudio deixou chegou a ser torturado, mas passava as noites ouvindo os gritos de quem levava choques elétricos e sabendo que qualquer hora poderia ser a sua vez”, conta Betty no mesmo livro. Foi o pai da atriz, que era do Exército, que conseguiu resgatá-lo da prisão.

Em maio de 1970, ao ser capa de O Pasquim, fumando e vivendo o auge da sua popularidade, Marzo já estava de mulher nova: a atriz Georgiana de Moraes, filha do poeta e compositor Vinicius de Moraes. Perguntado se as mulheres o desejavam por ele ser Claudio Marzo ou pelos seus personagens, não titubeou: “Olha, eu adoro as mulheres. Se elas estão apaixonadas por mim, eu não quero nem saber o motivo (...)”.

Inquieto, ele questionava a televisão, veículo que lhe deu fama e dinheiro

mais belas atrizes dos anos 1970 e irmã de Susana Vieira –, Débora Duarte e Maria do Rocio.

muitas marcas. Ele não seu novo papel, agora como protagonista da novela Carinhoso: “(Esse papel) Não acrescenta em nada na minha carreira, não representa nada para mim. É mais um personagem de novela das 7”.

ALIANÇA

Apesar de tantos relacionamentos, o primeiro casamento aconteceu em 1975 com a atriz Denise Dumont. O casal teve um filho, Diogo, e a união durou dois anos. Denise era filha de Humberto Teixeira, principal parceiro de Luiz Gonzaga, e, nos anos 1980, viveu dias de sex symbol e de protagonista na TV. Chegou a tentar a carreira no exterior como figurante em um filme de Woody Allen, A Era do Rádio, cantando “Tico-Tico no Fubá”, mas ficou conhecida por uma cena picante na piscina de Rio Babilônia, filme de Neville d’Almeida de 1982.

No mesmo ano da separação de Denise, Marzo casou-se novamente, agora com a atriz Thaís de Andrade. Também durou apenas dois anos. Nessa época, Marzo, já quarentão, vive personagens que vão de taxista a milionários, sempre com as entradas dos cabelos cada vez mais acentuadas e destilando charme. Impossível esquecer sua participação na novela Brilhante, em que interpretava Carlos, motorista que vivia uma paixão intensa por Chica Newman,

Era incapaz de falar mal de alguém e ajudava as pessoas. (...) Um homem gentil, cortês.

FOTOS REPRODUÇÃO interpretada por Fernanda Montenegro. Mais capas e capas de revistas.

O terceiro casamento foi em 1984 com a atriz Xuxa Lopes. Eles moravam em uma cobertura alugada no Alto Leblon, mas a paixão do ator era o sítio que tinha em Friburgo, onde criava porcos, peixes e galinhas. Uma pequena plantação de café também fazia parte do cenário: ele amava tomar café, desde criança, sem açúcar. Da união com Xuxa nasceu seu terceiro filho: Bento.

No fim da década de 1980, mais mudanças, agora de emissora: Claudio Marzo assina com a TV Manchete e logo participa de Kananga do Japão e brilha em Pantanal como José Leôncio, o Velho do Rio. Durante as décadas de 1980 e 1990, foi presença forte no cinema nacional. Atuou em Profissão Mulher, de Cláudio Cunha, Parahyba Mulher Macho, de Tizuka Yamazaki – quem não se lembra de Tânia Alves e ele nus sobre um cavalo? –, e também Fulaninha, vivendo um cineasta apaixonado por uma ninfeta vivida por Mariana de Moraes. “Ele era um homem calmo e bonito. Um colega generoso na arte de atuar”, conta para J.P a atriz Katia D’Angelo, que também contracenava com ele.

Uma coisa é certa: Marzo vivia seus personagens carregados de verdade, imprimindo em cada papel um semblante diferente. Gostava do ofício de atuar, de viver o personagem, mas não se dava bem com a fama. Também era incapaz de falar mal de alguém e ajudava as pessoas em momentos difíceis. Um homem gentil, cortês.

PELADÃO

Em 1997, Marzo surpreende ao aparecer completamente nu – de frente e de costas – em quase todo o filme O Homem Nu, de Fernando Sabino, com direção de Hugo Carvana. Na divertida comédia, mais uma vez ele mostrava que seus personagens tinham alma, vestidos ou pelados. Sob direção de Carvana, de quem era muito amigo, trabalhou também em Se Segura, Malandro!

Seu último casamento foi com a diretora Neia Marzo, com quem viveu mais de 20 anos. Nunca deixou de ser amigo de Betty Faria e comparecia nas ceias de Natal que ela promovia. Sua última novela foi em 2007 e seus filhos sempre o aconselhavam a parar de fumar, tentou algumas vezes, mas não conseguiu. Em 2014, aos 74 anos, começou a ter várias internações por enfisema pulmonar. Faleceu numa madrugada de domingo de março de 2015, internado na Clínica São Vicente, ao seu lado estava a filha Alexandra. No enterro, estiveram presente muitos amigos, os três filhos e algumas ex-esposas e namoradas do passado – da ficção e da realidade –, entre elas Betty Faria e Xuxa Lopes. Dizem que quando um homem é um bom ex-marido, é bom em tudo. Claudio Marzo era assim.

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