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Rio, Conselheiro Lafayette, 38
from Distensos verões
Rio, Conselheiro Lafayette, 38
Chegamos ao Rio, eu, Dety e Maria Inês, em 1971. Alugamos um apartamento no Posto 3, em Copacabana, por telefone. Queríamos as três ficar longe da família e entrar na vida adulta. Nossa chegada foi horrível. O prédio onde era o apartamento tinha de tudo: pequenas lojas, escritórios e “apartamentos de encontros”. Quando abrimos a porta, uma dezena de baratas enormes surgiu nas paredes. Tivemos que fazer uma grande faxina e dedetizar o lugar para poder viver ali.
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Começamos a procurar trabalho em seguida. Fui contratada para organizar a biblioteca do escritor Afrânio de Melo Franco, em Ipanema. Dety foi trabalhar no jornal O Dia. Maria Inês conseguiu trabalho numa biblioteca. Aos poucos, fomos nos habituando àquela vida movimentada da cidade grande, a ir ao cinema, ao teatro, a conhecer pessoas. O Xico, namorado da Dety, nos apresentou a várias pessoas simpáticas. O apartamento onde morávamos era muito precário e barulhento.
A Dety foi morar com o Xico em Santa Teresa. Eu e a Maria Inês alugamos outro apartamento no Posto 6, também em Copacabana. A Maria Inês ficou um tempo lá e foi morar com um amigo. Nesse meio tempo, descobrimos, eu e a Dety, dois apartamentos na rua Conselheiro Lafayette.
Mudamos para lá ao mesmo tempo. A Dety foi morar com o Xico no décimo andar e eu, no terceiro do mesmo prédio. Como a casa dela era mais organizada, eu ia muitas vezes fazer as refeições com eles. O Eduardo, nosso irmão, vinha sempre passar as férias conosco.
Tivemos o privilégio de ter o Carlos Drummond de Andrade como vizinho. Víamos o poeta caminhando, de manhã, pela rua, devagar, talvez criando versos enquanto andava.
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Na minha casa passava muita gente. O Yeti, um amigo, chegava trazendo atores dos grupos de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone e Ornitorrinco. Estávamos em plena ditadura, mas as peças desses grupos tinham um texto despojado, leve, cheio de humor, de alegria e de críticas sutis.
Num sábado, no início de julho, eu cheguei em casa e o Eduardo não estava. Fui procurá-lo no apartamento da Dety e ela não o tinha visto. —Talvez tenha ido à praia ou saiu com um amigo.
Lá pelas dez da noite, comecei a me preocupar. Liguei para vários amigos e ninguém sabia dele.
Esperei mais um pouco. Ele não voltava. Fui dormir apreensiva. No domingo cedo me vesti para ir à polícia, pensando: meu irmãozinho foi preso. Quando eu estava saindo, ele chegou com uma cara despreocupada. Fiquei furiosa, dizendo que ele era menor de idade e tinha que avisar aonde ia. Ele me disse que havia deixado um bilhete (que eu não encontrei) e que estava com o Jorge e o Sérgio, amigos nossos, numa festa de São João no Posto 6. Quando a festa acabou, dormiram na praia. Suspirei aliviada.
Em outro mês de julho, emprestei meu apartamento para uns amigos do Eduardo, os gêmeos Ubiratan e Tiaraju, conhecidos como Secos. Eles trabalhavam com teatro de bonecos em Porto Alegre e vieram com alguns amigos. O meu apartamento, naquele julho, foi uma festa só, com pessoas entrando e saindo o tempo todo.
Quando voltei, encontrei a vidraça da janela da sala com uma linda e colorida pintura em têmpera, obra coletiva do grupo.
Aqueles foram anos de festa e efervescência cultural no Rio. Peças de teatro com novas linguagens, shows musicais
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despojados. A literatura também estava em plena efervescência, apesar da censura constante.
O Posto 9, em Ipanema, era o lugar de encontro dos artistas e jovens “desbundados”, seguidores da contracultura dos anos 70. Eu, recém-chegada de Porto Alegre, absorvia tudo com curiosidade e espanto.
Um dia, a Helena, namorada do Jorge, um amigo de Porto Alegre, veio morar comigo, vinda de Curitiba. Lembro que, no início, nos estranhávamos um pouco. Depois, ficamos amigas e não nos perdemos mais de vista.
Aos poucos, o governo foi endurecendo. Pessoas próximas desapareciam, alguns amigos perseguidos pediam pousada por uma noite, para depois irem para algum lugar desconhecido. Nesse clima, decidi conhecer Santiago do Chile que, em pleno governo Allende, acolhia refugiados de toda a América Latina.
As famílias de vários refugiados me deram dinheiro, cartas e fotografias para entregar a seus parentes em Santiago. Fui para o Chile bastante apreensiva, porque temia ser presa na saída do Brasil com documentos comprometedores. Deu tudo certo. Fiquei um mês em Santiago, aproveitando os estertores do socialismo de Allende.
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