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Chegada em Maputo, 1981

Chegada em Maputo, 1981

Naqueles dias, eu estava esperando que o governo de Moçambique me enviasse a passagem para Maputo. Continuava em Paris, mas me sentia no meio do Mediterrâneo. O apartamento de Gentilly não era mais meu e minha mala estava pronta. Mas o bilhete não chegava. Eu deixava, aos poucos, a cidade, os amigos, os cafés, os cinemas.

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Estava numa enorme expectativa para chegar a Moçambique. Finalmente, era hora de embarcar. Fui com Marcius e um amigo para o aeroporto. Quando chegamos a Roissy, lembro que estavam chamando meu nome no alto-falante. Quase perdi o voo. Chorei muito durante a viagem. Um choro de despedida dos anos de longas aventuras, das viagens, dos muitos amigos, dos amores, das coisas deixadas para trás. Fui, aos poucos, me acalmando e dormi.

Chegando lá, não tinha ninguém me esperando. Eu não tinha visto de entrada no país e não sabia para onde ir. Depois de alguns telefonemas e da longa burocracia da entrada, alguém veio me buscar. Olhando através da janela do carro, eu via muita gente caminhando na estrada, bebês pendurados nas “capulanas” nas costas das mães. Muita pobreza e crianças correndo descalças na beira da estrada. Casebres de taipa ao longo do caminho.

O motorista me deixou no Hotel Rovuma, no centro da cidade. Tomei um banho, dei uma olhada na paisagem da minha janela do 12º andar e caí no sono. Apresentei-me no dia seguinte no Cedimo, Centro Nacional de Documentação de Moçambique, onde eu iria trabalhar.

Fui recebida pela diretora. Lembro que ela disse que eu não precisaria trabalhar na primeira semana. Pediu que eu

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aproveitasse aqueles dias para me familiarizar com a cidade. Deu-me ingressos para o festival de cinema português, que estava começando naquele dia.

Saí para caminhar e cheguei no mercado da cidade. Fiquei impressionada com a escassez de produtos: alguns molhos de couve, mangas verdes, uma barraca de peixes, arroz e farinha. Encantei-me com o colorido das roupas das mulheres descalças com suas caras sorridentes.

Entrei num café. Depois de buscar uma mesa, me dei conta que eu era a única mulher e a única branca no ambiente. Pedi um chá (não tinha café) rapidamente, e saí em direção ao hotel. No caminho, descobri o Tunduru, um pequeno parque muito bonito.

À noite, o motorista do Cedimo veio me buscar para o cinema. Quando ele me deixou na frente do prédio, me dei conta que havíamos percorrido dois quarteirões e que eu poderia, perfeitamente, ter ido caminhando.

O filme daquele dia era do Manuel de Oliveira, um cineasta português que fazia filmes herméticos. Além disso, os personagens falavam num dialeto e eu não entendi nada.

Alguns dias depois, encontrei a Sylvia, minha amiga chilena que me apresentou à Fernanda, uma bibliotecária moçambicana. Nos meus primeiros dias de trabalho, lembro que ficamos conversando. Eu fazia um milhão de perguntas para elas. Comecei a entrar, devagar, em contato com a realidade do país, os problemas de abastecimento e a pobreza.

Mais tarde, fui convidada para organizar a biblioteca do Arquivo Histórico, com cerca de 30 mil volumes. Os livros dessa biblioteca eram organizados por ordem de chegada. Apenas três pessoas eram capazes de localizar um livro nas estantes.

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Depois de algum tempo, consegui convencer a Diretora do Arquivo a reorganizar a biblioteca. Comecei pelos livros de História de Moçambique, os mais utilizados. Separei todos, coloquei-os numa mesa, e disse aos alunos que estavam me ajudando, que colocassem aqueles livros em ordem numérica numa estante.

Saí para almoçar. Quando voltei, os livros estavam todos com a lombada para dentro. Tive vontade de rir. Segurei o riso e perguntei, com a cara mais séria que consegui fazer, por que eles tinham colocado os livros daquela forma. Um deles me disse: experimentamos colocar os livros de dois jeitos. Dessa forma, cabiam mais na estante.

Eu e a Sylvia não tínhamos uma missão específica no Cedimo. Por essa razão, começamos a traduzir alguns capítulos de um manual de documentação da Unesco para o português.

Depois de traduzido, esse manual nos serviu no curso de iniciação à documentação, que criamos para os moçambicanos que trabalhavam nas bibliotecas do país, e que fez muito sucesso. Lembro que vieram pessoas de todas as províncias. A sala ficou cheia.

No início, lecionar para eles foi difícil. A realidade dos moçambicanos era outra. Nas primeiras aulas, tivemos que ensinar alguns deles a abrir as páginas dos livros, porque nunca tinham visto um. Apesar da dificuldade de alguns, todos se esforçaram para aprender.

Mais tarde, criamos outro curso para os funcionários que trabalhavam em bibliotecas e tinham feito um curso superior. Apesar da dificuldade, fomos em frente. Na verdade, essa experiência me levou, voltando ao Brasil, a fazer um concurso

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para professora na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis. Mas, isso é outra história.

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