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Brasília, um dia qualquer

Brasília, um dia qualquer

Fui trabalhar em Brasília como coordenadora de um sistema de informações. Fiquei na casa da Lícia por um tempo, até o MEC me instalar no Hotel das Nações.

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Enfim, um espaço meu depois de tanto tempo. Abrir malas, espalhar livros. Olhar Brasília do alto, no meio do néon e do espaço.

No Teatro Nacional, com salada e vinho branco, eu, Selma e Lícia viajamos, inevitavelmente, por Paris, Zanzibar e outros lados. Ao fundo, a cidade que não se descobre: está ali, sem surpresas. No alto, a lua cheia, poucas estrelas.

Barulhos ao longe, no décimo andar do Hotel das Nações. Música no parque, verão que chega. Marie Cardinal, “Les Mots pour le dire”.

Tenho os dentes cerrados, os ombros doídos de tensão. Um mês de Brasília, uma semana de hotel. Um pouquinho de paz. Muita TV, leituras dispersas.

Hoje, almoço com Carneiro, Lu, Carol e Flavinho. Brincadeiras de saquinhos d’água. Depois, a casa do Lago Norte, o silêncio do Planalto ao fundo. A horta, as crianças, as cores, a paz da casa. A beleza em cada cantinho.

Passaram-se quase dois meses entre viagens de trabalho ao Rio, Sampa, São José dos Campos, Brasília e Recife. Pessoas e aviões, aviões e pessoas. Rever Júlia, Caty, Beto, Ciano, Helena, Saulo, Andréa, Marçal, Dina, Carla, Xiquinho e Júnior na sua doçura magra e agitada.

Rever aqui-agora em Brasília, Yeda e Marco, Lalinha e Lurdes. Vinho, poesias, violão, cordel, pepinos, cachaça.

Depois, voltar de madrugada e ter um dia cheio de ressaca. No restaurante, as famílias de classe média e seus homens

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barrigudos. Outro dia, Rita Lee, uma carta do Xico. Chuva, um carro novo. Depois, Paranoá, um entardecer frio e calmo. Pescadores, gatos, crianças esfarrapadas. Outra Brasília. Barracos, bares, gente simples. Celina, Márcia, Edmond, Lu, Flavinho, Carol e Selma.

Bicicletas na chuva. Domingo no parque. O cerrado, as pernas cansadas, os cheiros do domingo. A cara vermelha. Estou em outra sintonia com o mundo, num lugar e num tempo meus.

Brasília, cidade aberta, inacabada, estranha. Muito álcool nas esquinas invisíveis da cidade. Discos voadores, mapas astrais, natureza, mel.

Às voltas numa cidade onde é difícil chorar, como dizia Clarice. Aquela luz chapada da cidade. Os filmes nas embaixadas, as feirinhas nas quadras. O pôr do sol vermelho no horizonte.

Brasília, futilidades, vinho e a sombra do poder por todo o lado. Uma cidade que parece sempre vazia. Pouca gente nas calçadas, sem encontros ao acaso, onde os endereços são números.

Depois, no parque da cidade, as orquídeas, os eternos encontros nos bares. O lago, a lua. Tu, chegando de repente.

Teu riso, nossas trocas, nossas lembranças vazias, vadias.

Talvez amanhã seja outro dia. Não sei. Pode ser que chova. A cidade está seca. Encontrar um filme. Ou voltar para o hotel. Lembrar de ti num dia sem esquinas. Caminhar no parque. Tomar um vinho, pedir demissão. Ir a Goiás Velho. Encontrar a Tânia.

“Amanhã ninguém sabe, traga meu violão antes que o amor acabe”, diria o Chico.

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Deixo Brasília no fusquinha branco por aquela estrada reta até o Rio. A monotonia da estrada, o barulho do carro, as paradas para um café. Uma viagem longa e chata.

No início da noite, chego em Sete Lagoas e procuro um hotel. Minhas pernas doem. Subo para dormir um pouquinho e acordo no dia seguinte. Pego a estrada de novo, rumo ao Rio. Posto de gasolina, café, seguir viagem.

No final da tarde, entro na avenida Brasil, no Rio. Vou para a casa do Xiquinho em Santa Teresa, onde tem sempre um quarto. Quem sabe para onde me leva o mundo agora.

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