Iniciação à Música Popular Brasileira - 5ª Edição

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iniciação à

música

popular

brasileira



iniciação à

música

popular

brasileira Waldenyr Caldas


Copyright © 2010 Editora Manole Ltda., por meio de contrato com o autor. Amarilys é um selo editorial Manole. Este livro contempla as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil. Projeto gráfico e editoração eletrônica Depto. editorial da Editora Manole Capa Christiane Wagner Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Caldas, Waldenyr Iniciação à música popular brasileira / Waldenyr Caldas – Barueri, SP: Manole, 2010. ISBN 978-85-204-3098-9 1. Cultura – Brasil 2. Música popular – Brasil – História e crítica 3. Música popular brasileira I. Título 10-01395

CDD-781.630981

Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Música popular: História e crítica  781.630981 2. Música popular brasileira: História e crítica  781.630981 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores. É proibida a reprodução por xerox. A Editora Manole é filiada à ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. 5ª Edição 1ª Edição pelo selo Amarilys – 2010 Editora Manole Ltda. Av. Ceci, 672 – Tamboré 06460-120 – Barueri – SP – Brasil Tel. (11) 4196-6000 – Fax (11) 4196-6021 www.manole.com.br / www.amarilyseditora.com.br amarilyseditora@manole.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil


Nikolas Wagner Bozzolo Meu caro amigo, este livro eu escrevi para vocĂŞ



Sumário

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX

1 Das origens. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 O cateretê e o cantochão gregoriano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 O lundu. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 O lundu-canção: produto da aristocracia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 Nem decadência nem ascensão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 No maxixe e no samba: a sobrevivência de elementos do lundu. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 A modinha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 Chiquinha Gonzaga: o talento a serviço da modinha. . . . . . . . . . 27 A modinha e o prelúdio da indústria cultural . . . . . . . . . . . . . . . . 31

2 Samba: nasce o remelexo brasileiro . . . . . . . . . . . . . 35

A mistura deu samba. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Um Sinhô no samba. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 O samba coletivo e o samba individual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Vila Isabel: o novo endereço do samba. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

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O samba do Estado Novo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 O samba livre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 O samba-canção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52

3 Sambalanço: vem novidade por aí . . . . . . . . . . . . . . 54 Bossa-nova: outras notas vão entrar. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 A canção de protesto. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

4 É uma brasa, mora!. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 Jovem Guarda: a rebeldia romântica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

5 Tropicalismo: fundem-se a paródia e o talento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 Me dê um beijo, meu amor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 O Tropicalismo “sacode” nossa vida musical. . . . . . . . . . . . . . . . . 72 A melodia e o texto tropicalista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76

6 A volta do autoritarismo: a canção verde-amarela. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84 A canção ufanista. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 84

7 Os sons da abertura. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 O grupo dos “independentes”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 Os novos roqueiros do Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91 Vocabulário crítico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94 Bibliografia comentada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 Índice remissivo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 105


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No decorrer do tempo, com o desenvolvimento da economia, os movimentos populacionais de transumância, êxodo rural, entre outros, as sociedades, aos poucos, tornar-se-iam mais complexas. Ao mesmo tempo, as relações sociais e a cultura foram adquirindo importância cada vez maior, especialmente no meio urbano-industrial, mas não só nele. Em países como o Brasil, de formação étnica heterogênea, esse fenômeno adquiriu notável singularidade. Ao recebermos escravos africanos de diversas partes desse continente, grandes contingentes de imigrantes europeus e um pouco mais tarde orientais, tornamonos, juntamente com o indígena, único elemento autóctone, uma civilização que os antropólogos classificam como híbrida. Em outros termos, somos um povo que herdou culturalmente alguns hábitos, costumes, tradições, normas, elementos lúdicos e até um pouco da gestualidade, como bem observa o sociólogo Gilberto Freyre em seu livro Casa grande e senzala. A malemolência, por exemplo, longe de ser expressão da preguiça, é hoje parte integrante da ginga de onde partem todos os golpes ofensivos ou defensivos do capoeirista. Esse jogo-dança lúdico talvez seja uma das IX


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maiores influências da cultura africana em nosso país. E, quando pensamos na criatividade, técnica e gingado do jogador de futebol brasileiro, certamente reconhecemos que a malemolência e o gingado são mesmo os elementos diferenciais em nosso favor. Que se pense em Mané Garrincha, o maior jogador das Copas de 1958 e 1962, em que pese o fato de não se importar com publicidade acerca da sua imagem. Aliás, ele nunca desejou isso. Todos os seus adversários já sabiam: era quase certo que seu primeiro drible seria sair com a bola pela direita. Sim, era verdade, mas depois disso seu gingado, sua malemolência, a técnica e a velocidade com que o fazia tornavam-no parecido com uma borboleta voando em um campo de futebol. Impossível segurá-lo. Ninguém sabia para onde ele iria com a bola nos pés. Não por acaso, seu adversário era transformado em “João” durante a partida. Garrincha e toda sua astúcia corporal representavam verdadeiramente a brasilidade e a plasticidade de um povo que aprendeu a usar o corpo como instrumento de comunicação. Somos muito simpáticos, entre outras coisas, aos olhos do mundo, por termos esse dom. Somos considerados, ainda, um povo alto-astral. Mas essa figura simples de Pau Grande não está só nessa trajetória. Há muitos outros atletas e artistas que também merecem esse destaque (ou não). Um exemplo contemporâneo encontramos nas mais diversas escolas de samba, em qualquer lugar do nosso país. Regidos e tomados por um misto de enlevo e êxtase pela cadência do samba, esses passistas fazem evoluções e contorcionismos muito difíceis de se ver em qualquer outra parte. Não diria impossível, mas quase. O som, a música e o rufar dos tambores transportam esses passistas para o universo dionisíaco do prazer, e o resto torna-se indescritível. Ficamos tomados de emoção pela beleza plástica da coreografia e de algo que as palavras não explicam. É preciso assistir para sentir. A combinação da música com a vontade de dançar faz de nós, brasileiros, um povo admirado por essas habilidades.


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Mas, para nós, a música é muito mais do que só ouvir ou dançar. Ela transcende o caráter lúdico de que se reveste para ganhar conotações e importância no plano social e político. O antropólogo Darcy Ribeiro, aliás, já nos chama a atenção para essa particularidade em seu livro Teoria do Brasil. Nela, certamente reside outro elemento diferencial da nossa cultura. Há toda uma trajetória na formação do Brasil estreitamente ligada às questões da colonização, da escravidão negra, das imigrações europeias, das lutas políticas e, contemporaneamente, do prazer lúdico e político de participar da sociedade. Não podemos esquecer e muito menos ignorar que a música foi o primeiro instrumento de cooptação na colonização brasileira. Nessa época, os jesuítas usaram o cantochão gregoriano para manipular a consciência indígena e assim tornar o índio cristão. Um ser passivo e subserviente, como convinha ao colonizador. Mas há algo ainda mais grave do que isso: aos poucos, esses religiosos iriam destruindo a música e os cantos indígenas e, com eles, sua própria cultura. Não por acaso, esse segmento cultural autóctone é uma das coisas menos conhecidas. Mário de Andrade, nos anos de 1940, já falava da dificuldade de se achar elementos empíricos e documentos sobre a música indígena dos tempos coloniais. Sobrou muito pouca coisa, como o cururu e algumas danças que simbolizam cerimônias e festejos. O cateretê, que originalmente é indígena, só veio a ser conhecido pelos pesquisadores em sua forma híbrida. Por outro lado, há consenso entre os estudiosos de que a música popular brasileira, embora híbrida em suas origens, é essencialmente negra. Não há dúvidas sobre isso. Ainda bem, pois é graças aos cantos negros e aos seus momentos de banzo que a música negra chegaria à colônia portuguesa de além-mar. O lundu (nome de uma dança das rodas de batuque dos negros africanos), pai do maxixe, já com influência híbrida de ritmos europeus e avô do samba, daria à música popular brasileira e à dança a malemolência e o gingado que lhes são tão peculiares. O maxixe acrescentaria ainda


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os trejeitos, volteios e requebros de corpo com que os negros, brancos e mestiços desafiavam o puritanismo da sociedade conservadora de fins do século XIX. Não por acaso, passaria a ser proibido nos salões de festas e em apresentações públicas. Na verdade, de nada adiantaria a proibição. Nessa época, na periferia do Rio de Janeiro, boa parte da população negra e branca continuava dançando o maxixe. Mas é só por volta de 1928 que esse ritmo cederia espaço para o chamado samba de carnaval, um estilo mais cadenciado e batucado de forma diferente do seu antecessor. O grupo da Tia Ciata, conhecido por suas composições coletivas, teve participação importante nesse processo. Um pouco mais tarde, Noel Rosa, Wilson Batista, Geraldo Pereira, Carlos Cachaça, entre outros, dariam ao samba os elementos e as características que, no decorrer do tempo, seriam consagrados por grande parte da sociedade brasileira. É inegável, por outro lado, a participação do “malandro” carioca, sempre visto à margem da produção e do trabalho. Sem ele, provavelmente, o samba não seria o que é hoje. E, mais do que isso, não teria tanta popularidade a ponto de ser considerado o principal ritmo da música popular brasileira, em que pese a perseguição implacável ao “malandro” e seu samba durante o período do Estado Novo. Pois é justamente esse “malandro” que vai dar ao samba a malemolência, a liberdade de movimentos coreográficos e toda a ginga que tão bem caracterizam a dança e o ritmo do samba. Um pouco mais tarde e já mais estilizado, surgiria o sambacanção. No início era conhecido também como “samba de meio de ano”. Isso porque a presença de marchas e sambas de carnaval predominava no início e no final de cada ano. Portanto, ao sambacanção sobraria o meio do ano para circular e fazer eventual sucesso. Aos poucos, no entanto, a forma jocosa e um tanto debochada e sensual do maxixe foi cedendo espaço para o samba-canção. Formado por ritmos românticos e melódicos herdados do século XIX, ele vai mais tarde se misturar ao bolero espanhol e difundir-se com


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muita força em todo o Brasil. É nesse momento que aparecem os cantores de estilo grandiloquente como aqueles de vozeirões típicos das serenatas feitas durante as madrugadas. Vale lembrar alguns nomes como Vicente Celestino, Orlando Silva, Silvio Caldas e Augusto Calheiros. Um pouco mais tarde, mas não muito, lá pelos anos de 1950 e 1960, surgiriam cantores que ajudariam a fazer a história desse ritmo. Cauby Peixoto, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra, Carlos Nobre, Almir Ribeiro, Anísio Silva, entre outros, consagraram definitivamente o estilo samba-canção no cancioneiro brasileiro. Ainda nos anos de 1940, em face da falta da televisão, que ainda não havia chegado ao Brasil, coube às rádios e mais especialmente à Rádio Nacional dar simultaneamente a popularidade ao samba e ao samba-canção. Foi um período em que a interferência do Estado na música popular brasileira transformaria a canção em produto de massa. Os primeiros ídolos desse segmento lúdico da nossa cultura popular, se é que assim podemos considerar, emergiram mesmo das ondas da Rádio Nacional. Jorge Goulart, Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Angela Maria, Orlando Silva, entre outros, tornar-se-iam os grandes ídolos da canção brasileira sem que a imensa maioria da população sequer chegasse a conhecer seu rosto. No final dos anos de 1950, a música popular brasileira passaria por uma transformação que se pode dizer que foi estrutural. Surge a bossa-nova. Mas, agora, meu caro leitor, é melhor deixá-lo mais à vontade para a leitura deste livro. Até porque o movimento bossa-nova foi o que aconteceu de mais importante no tocante à transformação estética da nossa música. Uma coisa, porém, é certa: por mais que queiramos resistir e não aceitar esse argumento, o bom senso e a realidade dos fatos nos mostram que a influência do jazz está presente no estilo bossa-nova. Não por acaso, o compositor Carlos Lyra, um dos precursores desse gênero, fez justamente um samba intitulado Influência do jazz. Não há nada de mau nisso. Que me desculpem os puristas e conservadores, mas em cul-


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tura não devemos criar hermetismos como forma de proteção. Nenhuma manifestação cultural deve receber esse escudo protetor. A Antropologia nos ensina que, quando uma cultura se hibridiza, ela não perde, necessariamente, seu “elemento resistente e rude que lhe é inerente”, como nos mostra o filósofo alemão Theodor W. Adorno. É muito diferente criar simulacros culturais com intenções meramente mercantis da situação vivida pelo movimento bossa-nova com a influência do jazz. Nesse caso, bem como no do Tropicalismo, a experiência estética foi o ponto de partida de toda a transformação da música popular brasileira. Nem por isso o samba perdeu seu ritmo e a música popular, seu rumo. Ela continua bonita como era antes, só que agora mais rica e plena de opções. Haverá sempre espaço para novas experiências, sem que isso seja uma negação ao passado. Noel Rosa e Cartola estão vivos e presentes na nossa música tanto quanto essa juventude, que nesse momento ensaia seus primeiros passos no gênero hip-hop. Passados mais de quarenta anos, não é difícil reconhecer que o compositor Caetano Veloso tinha razão quando usou o lema da juventude francesa de 1968: “É proibido proibir”. De fato, proibir não é o melhor a se fazer pela cultura.


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