A Sociedade de Todos os Povos

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A SOCIEDADE DE TODOS OS POVOS



José Arrabal

A SOCIEDADE DE TODOS OS POVOS ilustrações: Daniel Araujo


Copyright © 2010 Editora Manole Ltda., por meio de contrato com o autor. Amarilys é um selo editorial Manole. Este livro contempla as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil. Projeto gráfico e editoração eletrônica Depto. editorial da Editora Manole Capa e ilustrações Daniel Araujo Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Arrabal, José A sociedade de todos os povos / José Arrabal, ilustrado por Daniel Araujo. – Barueri, SP: Manole, 2010. ISBN 978-85-204-2920-4 1. Ficção – Literatura infantojuvenil I. Araujo, Daniel. II. Título. 09-11660 CDD-028.5 Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura infantojuvenil  028.5 2. Ficção: Literatura juvenil  028.5 Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores. É proibida a reprodução por xerox. A Editora Manole é filiada à ABDR – Associação Brasileira de Direitos Reprográficos. Edição brasileira – 2010 Editora Manole Ltda. Av. Ceci, 672 – Tamboré 06460-120 – Barueri – SP – Brasil Tel. (11) 4196-6000 – Fax (11) 4196-6021 www.manole.com.br info@manole.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil


Este livro traz histórias que recordam sonhos, esperanças, fatos, verdades dos corações e gestos de pessoas aqui registradas feito personagens de lugares imaginados que são projeções da vida real. Toda novela é, mais ou menos, assim. Desse modo, neste livro, reverencio povos e gentes que viajaram de outros cantos e, com seus corpos, espírito, mais trabalho, completaram e completam a fisionomia plural do Brasil, bênção de nossa nação. De modo mais particular, reverencio os que vieram de Espanha. Assim, escrevi este livro em homenagem a meu pai, José Arrabal Fernandes, filho de honestos imigrantes espanhóis, médico e escritor, homem inteligente, generoso e forte, danado de exigente, também. Sempre bom pai.


Este livro me exige agradecimentos. Primeiro, a Filipe Ortega, personagem e narrador, que, na convivência, ao escrever o livro para mim, tornou-se amigo inesquecível. Agradecimentos à paciência de minha assessora, Carla Massabki, ao cuidar de meu bem-estar enquanto escrevo. Agradecimentos, também, ao tradutor Carlos Reis e à jornalista Marijô Zilveti, que trataram de vigiar o espanhol usado no livro. E, por tudo mais, agradecimentos, sempre, a meus familiares, com quem aprendi a amar o Brasil, a Espanha, mais todos os povos do mundo. Graças a Deus. J.A.


Sumário

Mistura boa e teimosa É só você querer A las cinco de la tarde Macarrão com quibe O paraíso é azul Arenas Del Rey Matacavalos Doña Chica Rodriguez Tempo de pesadelo Dia de Reis Sueños y calles História sem fim A lua que dança

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Prefácio

“É bom estar no Brasil.” Clausewitz, personagem de “Novas Diretrizes em Tempos de Paz”, de Bosco Brasil

O escritor e jornalista José Arrabal é capixaba e, por linhagem paterna, descendente de espanhóis. Após décadas de estudo e trabalho no Rio de Janeiro, fez da capital paulista o seu lar. No Brasil é assim. Sejam brasileiros de origem ou imigrantes, a gente que faz este país está sempre em movimento, à procura de um lugar onde o sol chegue mais aprazível, para levar a vida da melhor maneira possível, com um pouquinho de sorte até feliz. Certo que o ato de ir e vir não se restringe a migrantes e imigrantes que chegam ou circulam pelas terras brasileiras. Faz parte do instinto da espécie humana. Conforme entendem os estudiosos das ciências da vida e da natureza, além da facilidade de adaptação aos mais variados ambientes, foi (e é) esta disposição de caminhar que fez – e faz – do ser humano a espécie mor entre os seres vivos deste planeta azulado. Mas esta terra aqui, grande e continental, ao sul do Equador, parece ter algo a mais, além de ser a única das Américas onde o idioma é a Língua Portuguesa. Consta que o país é abençoado por Deus, aquele mesmo que fez nascer por estas praças um povo diferente daquele que nasce em ou-


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tras nações. Afinal de contas, foi aqui que vieram ao mundo tanto Macunaíma quanto o moço Filipe Ortega. Garoto para lá de corajoso, esse Filipe é personagem – protagonista e narrador – do novo romance de José Arrabal, A sociedade de todos os povos, livro que aborda a vinda de emigrantes espanhóis para o Brasil. O garoto acabou de entrar na universidade e quer ser jornalista e escritor, em uma terra onde ainda muitos entendem pouco a palavra escrita, seja nas páginas dos jornais – de onde, na maioria das vezes, não vão além das letras grandes das manchetes da primeira página –, seja nas páginas de obras de ficção, hábito interno ainda em processo de formação. Filipe Ortega é um rapaz especial. Tão especial que muitos talvez duvidem de sua existência real. É um jovem com sonhos, erudição e interesses diversos daqueles que vemos pelas ruas, na TV ou no cinema, em pleno início do século XXI. Será possível? A resposta é simples: sim. Porque, nascido no Brasil, ele é fruto da mistura do barro de povos tão variados quanto o espanhol e o japonês. Além disso, cresceu com influências não só da cultura de seus pais, mas também da brasileira – leia-se, a mistura original de negros, índios e portugueses. E ainda mais: da cultura árabe, da italiana e de judeus sefarditas. O que podemos esperar de um jovem crescido nesse caldeirão fervido sob o sol do Brasil? Ah, caro leitor, podemos esperar um bravo, que definiu para si, logo em sua primeira criação literária, talvez um dos maiores desafios de qualquer escritor: contar a história de sua grande e variada família de imigrantes. No caso, o relato de uma trajetória que perdura há 120 anos sem parar, já que a vida é um processo. Para cumprir a tarefa, Filipe Ortega – que pode ser literato de primeira viagem, mas de bobo não tem nada –, decidiu de imediato criar um forte círculo de amizades. E qual o primeiro e melhor amigo que um personagem pode ter, senão o autor que lhe dá vida?

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Com o amor e o apoio inconteste que tem no coração de sua namorada sansei, a futura veterinária Emikim Himê, e também conquistada a amizade do escriba José Arrabal, seu companheiro de jornada, o jovem Filipe trama, com ousadia narrativa, as aventuras de seu romance. Entrelaça em sua história a realidade de fatos ocorridos no lado de lá do planeta – na Europa, Ásia e África –, e no de cá, no Brasil. Fatos de um mundo real que dialogam com os sentimentos e o cotidiano microcósmico da vida dos parentes e amigos que cercaram e cercam as gerações de sua família, em localidades ligadas por um eixo do Brasil entre o sul do Espírito Santo, o Rio de Janeiro e São Paulo. Para elaborar o romance de suas origens, Filipe, em 2003, faz de Paraty seu recanto de criação, tal qual Ernest Hemingway escolheu Cuba como local para suas aventuras literárias. É lá, no mar calmo do extremo litoral sul carioca, que o jovem Ortega põe para funcionar sua imaginação e memória. Ambas trabalharam de forma exaustiva para ordenar fatos e invenções da melhor maneira possível, a partir de suas anotações e experiências vividas ao visitar Matacavalos, povoado de imigrantes no extremo sul do Espírito Santo, por ocasião da morte de sua centenária bisavó espanhola, a velha Aurora Blanca, em 2002. Com prosa poética de forte oralidade, Filipe dirige-se a outra importante e essencial conquista: a conquista do leitor. Para este, o jovem expõe seu mundo familiar. Relata o relacionamento que mantém com seus parentes, mais marcadamente com seu pai, durante a viagem a Matacavalos. Diálogos ditos ou insinuados que levam o leitor diretamente a situações bem conhecidas, tanto por pais quanto por filhos, posto que, no ciclo da vida, ora se é um, ora se é outro e ora se é os dois. Assim, Filipe habilmente quer a cumplicidade de todos. Se a obra toca fundo as relações familiares, muito mais alcança aquele leitor cuja migração ou imigração faz parte de sua história de vida. Há vários modos de lidar com a questão da migração ou da imi­ gração.


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Há os que partem de seu local de nascimento de modo tranquilo, feito uma vela aberta ao comando dos ventos. Confiam na sabedoria da história, certos de que ela irá conduzi-los ao mais justo rumo. Apostam a favor da aventura de viver. Porém, há aqueles que concedem à expressão “terra-mãe” um peso maior na segunda palavra do que na primeira. Para estes, partir da terra natal é um doloroso ato de violência, maior do que o nascimento de uma criança ou a morte de um ente querido. Estes talvez passem pela dor sentida no corte do cordão umbilical durante o parto, ou pela sensação de uma árvore que tem suas raízes cortadas. Tristeza dentre as tristezas, esse tipo de pessoa não é árvore, muito menos bebê nascituro. Por isso, carece da inconsciência do mundo vegetal e do apagar da memória proporcionado durante o trajeto de vida do bebê que, ao crescer, se esquece da dor que sentiu ao deixar o conforto e o silêncio do ventre materno. Com maestria, Filipe Ortega trama os dois lados dessa moeda viajante. Mas, danado que é, toma posição. Durante a obra que escreve, prefere o tom alegre e a esperança na vida e no ser humano. Acredita na bondade, uma das características do homem, independente de seu país de origem ou de sua etnia. Com excelência narrativa, elabora essa crença através de histórias familiares, ouvidas e transformadas em espécie de textos de viagem que nos transportam de Matacavalos, no interior capixaba, às mais diversas localidades dos mais variados países e de outras regiões nacionais. Apresenta paisagens, povos, costumes, culturas, valores, dificuldades e destemores. Daí, reú­ ne na brasilidade todas essas vivências. O romance A sociedade de todos os povos chega ao público leitor em momento histórico peculiar, no qual o Brasil é centro das atenções planetárias. Não mais apenas pela exuberância de sua paisagem natural e de sua gente bonita ou ainda pela sua competência futebolística. Mas também por novas características, como a eficiência no posicionamento diante do cenário político e econômico mundial contemporâneo e, talvez mais do que tudo, pela diminuição – ainda que em pro-

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cesso inicial, gradual e lento – dos índices de desigualdade social e violência local. Por isso a epígrafe deste prefácio, dita por um imigrante polonês que, no final da Segunda Grande Guerra do século XX, procurava entrar no Brasil, tem agora seu sentido ampliado, neste início de século XXI: “É bom estar no Brasil”, sociedade de todos os povos, como bem sabe Filipe Ortega. Emerson Lopes da Silva Jornalista, pós-graduado/USP, blogueiro http://nosdiasdehojeno.blogspot.com/ São Paulo, 2009


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