Verdade e Progresso

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VERDADE E PROGRESSO



VERDADE E PROGRESSO

RICHARD RORTY


Título do original em inglês: Truth and Progress – Philosophical Papers, Volume 3 Published by the Press Syndicate of the University of Cambridge Copyright © Cambridge University Press 1998 Tradução: Denise R. Sales Jornalista formada pela UFMG com especialização em tradução (inglês) pela USP Editoração eletrônica: Deaazê Comunicação Revisão técnica: Marco Casanova Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da UERJ Vice-presidente da Sociedade Brasileira de Fenomenologia e Hermenêutica Autor de O instante extraordinário: Vida, história e valor na obra de Friedrich Nietzsche (2003) e Nada a caminho. Niilismo, impessoalidade e técnica na obra de Martin Heidegger (2005) Capa e imagem da capa: Hélio de Almeida Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Rorty, Richard Verdade e progresso / Richard Rorty; tradução Denise R. Sales; [revisão científica Marco Casanova]. – Barueri, SP: Manole, 2005. Título original: Truth and progress. ISBN 85-204-1879-1 1. Ética 2. Pragmatismo 3. Progresso 4. Verdade (Filosofia) I. Título.

05-1485

CDD-100

Índices para catálogo sistemático: 1. Filosofia 100

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida, por qualquer processo, sem a permissão expressa dos editores. É proibida a reprodução por xerox. 1a edição brasileira – 2005 Direitos em língua portuguesa adquiridos pela: Editora Manole Ltda. Avenida Ceci, 672 – Tamboré 06460-120 – Barueri – SP – Brasil Fone: (11) 4196-6000 – Fax: (11) 4196-6021 www.manole.com.br info@manole.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil


Sumário

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .vii Primeira Parte – Verdade e Alguns Filósofos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .1 1 Será que a verdade é um objetivo da investigação? Donald Davidson versus Crispin Wright . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .3 2 Hilary Putnam e a ameaça relativista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .36 3 John Searle sobre o realismo e o relativismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . .63 4 Charles Taylor sobre a verdade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .91 5 Daniel Dennett sobre a intrinsecalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .110 6 Robert Brandom sobre as representações e as práticas sociais . . .142 7 A verdadeira idéia da capacidade do ser humano de responder ao mundo: a versão de John McDowell sobre o empirismo . . .162 8 Armas contra o ceticismo: Michael Williams versus Donald Davidson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .182 Segunda Parte – Progresso Moral: Rumo a Comunidades Mais Inclusivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .197 9 Direitos humanos, racionalidade e sentimentalidade . . . . . . . . . . .199 10 Racionalidade e diferença cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .224


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11 Feminismo e pragmatismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .245 12 O fim do leninismo, Havel e a esperança social . . . . . . . . . . . . . . .282 Terceira Parte – O Papel da Filosofia no Progresso Humano . . . . . .303 13 A historiografia da filosofia: quatro gêneros . . . . . . . . . . . . . . . . . .305 14 A contingência dos problemas filosóficos: Michael Ayers sobre Locke . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .339 15 Dewey entre Hegel e Darwin . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .361 16 Habermas, Derrida e as funções da filosofia . . . . . . . . . . . . . . . . . .384 17 Derrida e a tradição filosófica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .411 Índice Onomástico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .443


Introdução

“Não existe verdade.” O que isso quer dizer? E por que alguém afirma isso? Na realidade, praticamente ninguém (exceto Wallace Stevens) de fato afirma isso.1 Mas, com freqüência, filósofos como eu são apontados como autores dessa frase. E existe um porquê. Aprendemos (com Nietzsche e James, entre outros) a suspeitar da distinção aparência-realidade. Achamos que há várias maneiras de enunciar o que está acontecendo, e nenhuma delas aproxima-se mais do que as outras da forma como as coisas são em si mesmas. Não temos nenhuma idéia do que significa “em si mesma” na frase “a realidade como ela é em si mesma”. Por isso sugerimos que a distinção entre aparência e realidade seja abandonada em favor da distinção entre modos de falar mais e menos úteis. No entanto, por acreditarem que a verdade corresponde à realidade como ela “realmente é”, muitas pessoas pensam que negamos a existência da verdade.

“Foi quando eu disse, /‘Não existe essa tal de verdade,’/Que as uvas pareceram maiores,/A raposa saiu correndo de sua toca” (Wallace Stevens, “On the Road Home”, em The collected poems. Nova York, Vintage, 1990, p. 203). 1


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Nossos críticos – os filósofos que consideram ser a verdade exatamente isso – acham que a distinção útil-inútil não pode tomar o lugar da antiga distinção aparência-realidade. Para eles, modos de falar menos úteis são apenas descrições das aparências, enquanto modos de falar mais úteis são descrições do que está de fato acontecendo. Por exemplo: cientistas primitivos ou membros conformistas de uma sociedade que defende a escravidão enunciariam o que parece estar acontecendo. Físicos modernos, na qualidade de defensores dos direitos humanos universais, saberiam o que realmente está acontecendo. Nossos críticos precisam da distinção realidade-aparência para evitar que a noção de “correspondência com a realidade” torne-se trivial. Pois toda crença, independentemente de quão primitiva ou viciada ela seja, corresponde a algum “mundo” – o “mundo” que contém os objetos mencionados por ela (as esferas cristalinas de Ptolomeu ou a natureza subumana dos escravos). Portanto, aqueles que querem persistir na noção da “correspondência” devem levar a sério a idéia de como as coisas realmente são. Os ensaios deste volume sustentam que a filosofia progredirá melhor sem as noções de “natureza intrínseca da realidade” e “correspondência com a realidade”. Para os que consideram essas noções indispensáveis, mas apenas para eles, esse parecerá um argumento de que não existe verdade. Quando afirmo que minhas visões pragmatistas ainda me permitem chamar algumas afirmações de “verdadeiras” e outras de “falsas” e defender essa classificação, meus críticos respondem que isso não basta. Segundo eles, retirei todo o sentido de termos como “verdadeiro” e “falso”; teríamos ficado sem um sentido “substantivo” para esses termos e apenas com um mero sentido “estético” ou “relativista”. É difícil livrar-se dessa carga de “relativismo”. A verdade é, de fato, uma noção absoluta, no seguinte sentido: “verdadeiro para mim, mas não para você” e “verdadeiro na minha cultura, mas não na sua” são expressões estranhas, sem sentido. Bem como “verdadeiro naquela época, mas não agora”. Embora digamos com freqüência “bom para esse propósito e não para aquele” e “certo nessa situação, mas não naquela”, parece paradoxalmente sem sentido relativizar a verdade conforme propósitos e situações. Por outro lado, “justificado para mim e não para você” (ou “justificado em minha cultura e não na sua”) faz todo sentido. Portanto, quando James disse que “o verdadeiro é o


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bom de acordo com a crença”, ele foi acusado de confundir justificação com verdade, relativo com absoluto. De fato, James teria feito melhor se houvesse dito que frases como “o bom de acordo com a crença” e “em que é melhor acreditarmos” podem ser substituídas por “justificado” mais do que por “verdadeiro”. Mas ele poderia ainda ter acrescentado que nós não temos outro critério para a verdade além da justificação, e que a justificação e o melhor-para-acreditar vão depender do público (e da série de candidatos à verdade) tanto quanto a bondade depende dos propósitos e a justiça, das situações. Tendo admitido que “verdadeiro” é um termo absoluto, suas condições de aplicação serão sempre relativas. Pois não existe tal coisa como uma crença sendo justificada sans phrase – justificada de uma vez por todas – pela mesma razão que não existe uma crença que possa ser considerada indubitável agora e sempre. Há uma abundância de crenças (por exemplo: “Dois mais dois são quatro”; “O Holocausto aconteceu”) a respeito das quais ninguém com quem vale a pena discutir tem nenhuma dúvida. Mas não existem crenças que possam estar acima de qualquer possibilidade de dúvida. Esta última afirmação resume o antifundacionalismo que se tornou hoje a sabedoria convencional dos filósofos analíticos. Mas o antifundacionalismo, em epistemologia, não é suficiente para livrar-nos da distinção metafísica entre aparência e realidade, pois ele não diminui o apelo do seguinte argumento: já que a verdade é uma noção absoluta e consiste na correspondência, a realidade deve ter uma natureza intrínseca, absoluta e independente das descrições, natureza para a qual é necessário encontrar uma correspondência. Ao admitir que o critério de verdade é a justificação, e que a justificação é relativa, a natureza de verdade não é. Para rebater esse argumento, nós, seguidores de James e de Nietzsche, negamos uma de suas premissas, a saber: que a verdade corresponde à realidade. Mas então nos dizem que temos a obrigação de oferecer uma teoria alternativa para a verdade, uma teoria capaz de explicar qual a real natureza da verdade. Quando, como James e Nietzsche anteriormente, falhamos em produzir tal teoria, dizem que “o ataque pragmatista à correspondência falhou”. A maior de todas as minhas inúmeras dívidas intelectuais com Donald Davidson é ter compreendido que ninguém deveria nem mesmo tentar especificar a natureza da verdade. A fortiori, os pragmatistas não


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deveriam. Quer concorde ou não com Davidson sobre a importância de dar uma definição de “verdade-em-L” para uma determinada linguagem natural (por meio de uma “teoria da verdade” do tipo da de Tarski para essa linguagem), alguém poderá concluir com base nos argumentos dele que não existe possibilidade de dar uma definição de “verdadeiro” que funcione para todos esses tipos de linguagem. Davidson ajudou-nos a perceber que a simples incondicionalidade da verdade é uma boa razão para considerar o “verdadeiro” indefinível e concluir que nenhuma teoria sobre a natureza da verdade é possível. Só há algo a dizer a respeito do relativo. (É por isso que o Deus dos monoteístas ortodoxos, por exemplo, permanece tão enfadonhamente inefável.) O modo não representacionalista usado por Davidson para examinar a verdade surge de sua convicção de que Tarski é o único filósofo que disse algo útil sobre a verdade, sendo dele a seguinte descoberta: nós não temos nenhuma compreensão da verdade que seja distinta da nossa compreensão da tradução.2 Esta última doutrina é desconcertante para os filósofos que consideram nossa compreensão da verdade como compreensão de uma relação palavra-mundo do tipo “ajustamento”, “correspondência” ou “representação acurada”, mas resume o desfecho do ataque de Davidson às visões representacionalistas da linguagem. Se os pragmatistas não podem oferecer uma teoria da verdade, o que podem fazer então? Podem mostrar, como afirmo no primeiro ensaio deste volume, que a verdade não é um objetivo de investigação. Se “verdade” é o nome de tal objetivo, então, realmente, não há verdade. Pois a incondicionalidade da verdade faz com que ela não se preste a tal objetivo. Um objetivo é algo do qual você pode dizer se está mais próximo ou mais distante. Mas não temos como saber a que distância estamos da verdade, nem mesmo se estamos mais próximos dela do que nossos ancestrais. Dessa forma, mais uma vez, o único critério que temos para aplicar a palavra “verdade” é a justificação, e esta depende sempre de um público. Assim, ela também depende das opiniões desse público – dos propó-

Veja Donald Davidson, “On the Very Idea of a Conceptual Scheme”, em Truth and interpretation: perspectives on the philosophy of Donald Davidson, ed. Ernest LePore (Oxford: Blackwell, 1986), p. 194. 2


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sitos que ele deseja atingir e da situação em que se encontra. Isso significa que a pergunta “Nossas práticas de justificação levam à verdade?” é tão irrespondível quanto não pragmática. Ela é irrespondível porque não há como privilegiar nossos objetivos e interesses atuais. E ela é não pragmática porque a sua resposta não faria qualquer diferença em nossa prática. Mas, seguramente, irão objetar que sabemos que estamos mais próximos da verdade. De fato temos feito progressos tanto morais quanto intelectuais. Com certeza temos feito progresso, segundo nosso ponto de vista. Em outras palavras, somos muito mais capazes de atender aos propósitos que desejamos atender e de lidar com as situações que acreditamos ter de enfrentar do que nossos ancestrais. Contudo, quando hipostasiamos o adjetivo “verdadeiro” em “Verdade” e investigamos nossa relação com ele, então não temos absolutamente nada a dizer. Se quisermos, podemos usar essa hipostasialização da mesma forma que admiradores de Platão sempre usaram outras – Beleza, Bondade e Justiça. Ou seja, podemos contar uma história sobre como o desenvolvimento recente nas artes, nas ciências, na moral ou na política nos aproxima dessas reificações majestosas. Não há, porém, razões claras para contar essas histórias, pois substantivar esses adjetivos não nos ajuda nem um pouco a responder às perguntas dos céticos – por exemplo: como sabemos que maior poder de predição e maior controle do meio (incluindo maior habilidade para curar doenças, construir bombas, explorar o espaço etc.) nos aproxima da verdade, entendida como uma representação acurada de como as coisas são em si mesmas, sem considerar necessidades e interesses humanos? Como sabemos que o aumento do padrão de saúde, segurança, igualdade de oportunidade, longevidade, supressão da humilhação e de outros índices de maior florescimento humano são sinais de progresso político ou moral? Muitas pessoas ainda querem que os filósofos forneçam respostas interessantes a essas perguntas. Tais pessoas não vão tirar nada de Nietzsche, James, Davidson ou dos ensaios deste volume. O vaticínio de Kant permanece mais acertado do que nunca: ao tentarmos nos projetar do relativo e condicional para o absoluto e incondicional, mantemos o pêndulo oscilando entre o dogmatismo e o ceticismo. A única maneira de parar essa crescente e fatigante oscilação é mudar nossa concepção a respeito da


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utilidade da filosofia. Mas isso não é algo que será alcançado por meio de argumentos pouco claros. Isso será alcançado, se algum dia o for, por um longo e lento processo de mudança cultural, ou seja, de mudança no senso comum, mudanças nas percepções disponíveis para ser impulsionadas por argumentos filosóficos. Após abandonarmos a distinção aparência-realidade e a tentativa de relacionar coisas como o sucesso das predições e a diminuição da crueldade à natureza intrínseca da realidade, teremos de apresentar descrições distintas para o progresso nas ciências e na moral. Chamamos algo de ciência à medida que isso nos possibilita predizer o que vai acontecer e, conseqüentemente, influenciar esse acontecimento. Existem, é claro, diversos outros critérios, além do sucesso das predições, para classificar teorias científicas, e muitos motivos, além do desejo de ajudar a controlar a natureza, para alguém se tornar um cientista natural. Mas a predição é, no entanto, uma condição necessária para que algo seja colocado no compartimento com a etiqueta “ciência”. Hesitamos em colocar economia, sociologia, história ou crítica literária nesse compartimento porque nenhuma dessas disciplinas mostra-se capaz de responder a questões do tipo: “Se fizermos isso, o que acontecerá?”. No que se percebe que “a ciência pode fazer predições à medida que apreende a realidade corretamente” é mais uma fórmula mágica do que uma explicação (porque não temos um teste para explanans distinto de nosso teste para explanandum), parece suficiente definir o progresso científico simplesmente como uma crescente habilidade em fazer predições. Se abandonarmos a idéia de que nos tornamos menos cruéis e tratamos os outros melhor porque compreendemos de forma mais completa a verdadeira natureza dos seres humanos, dos direitos humanos ou das obrigações humanas (mais pseudo-explicações), bastará definir progresso moral como a situação em que somos o que podemos ser de melhor (pessoas que não são racistas, nem agressivas, nem intolerantes etc.). Mas o que dizer do progresso filosófico? Como ele está relacionado ao progresso científico e moral? A meu ver, o progresso filosófico ocorre à medida que encontramos uma maneira de integrar as visões de mundo e as percepções morais herdadas de nossos ancestrais às novas teorias científicas ou às novas teorias e instituições sociopolíticas ou a outras inovações. Tenho citado freqüen-


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temente a doutrina de Dewey, segundo a qual “a questão principal, os problemas e a ocupação característica da filosofia nascem dos estresses e das tensões da vida comunitária na qual determinada forma de filosofia surge”.3 Os estresses e as tensões que Dewey tem em mente são os que surgem das tentativas de colocar novos líquidos borbulhantes e dilatáveis em velhas garrafas. Também tenho citado com regularidade o seguinte dito de Dewey: “a filosofia não pode oferecer nada mais que hipóteses, e essas hipóteses têm valor apenas à medida que tornam as mentes humanas mais sensíveis à vida ao seu redor”.4 Esse parece ser um modo estranho de descrever a atividade à qual se dedicaram homens como Platão, Descartes, Kant, Hegel e o próprio Dewey. Mas isso fica mais plausível quando percebemos que uma forma de nos tornarmos mais sensíveis aos avanços e às possibilidades da própria época é parar de fazer perguntas formuladas em épocas passadas. Os grandes filósofos do Ocidente deveriam ser lidos como terapêuticos mais do que como construtivos, como aqueles que nos disseram quais problemas não devemos discutir: problemas escolásticos no caso de Descartes; cartesianos, no caso de Kant; kantianos, no caso de Hegel; e metafísicos (incluindo os levantados pela tentativa de Hegel de provar que a realidade tem caráter intrinsecamente espiritual) nos casos de Nietzsche, James e Dewey. Seria exagerada simplificação dizer que a tarefa da filosofia é fazer com que as pessoas parem de pensar sobre coisas em termos obsoletos, herdados dos grandes filósofos já falecidos – persuadi-las a jogar fora as escadas indispensáveis galgadas por nossa cultura no passado. Mas isso é, com certeza, uma grande parte do trabalho da filosofia. Se tentarmos impor a terminologia aristotélica a Galileu, a terminologia cartesiana a Darwin ou a terminologia da filosofia moral de Kant a debates sobre o aborto, causaremos problemas desnecessários a nós mesmos. Abandonar a terminologia obsoleta torna-nos mais sensíveis à vida ao nosso redor, pois nos ajuda a parar de tentar cortar materiais novos, recalcitrantes, para atender a antigos padrões.

3 4

John Dewey, Reconstruction in philosophy (Boston, Beacon Press, 1948). Ibid., p. 22.


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Eu termino vários ensaios deste volume (em particular o primeiro e o terceiro) defendendo a idéia de que uma cultura na qual não levemos mais em conta a questão proposta pelo cético, que pergunta se estamos aproximando-nos da verdade, seria melhor do que aquela em que pedimos aos professores de filosofia que nos assegurem que estamos realmente fazendo isso. Em tal cultura, seríamos mais sensíveis à maravilhosa diversidade das linguagens humanas e das práticas sociais associadas a essas linguagens, pois teríamos parado de perguntar se elas “correspondem a” alguma entidade não-humana, eterna. Em vez de perguntar: “Existem verdades lá fora que nunca descobriremos?”, perguntaríamos: “Existem maneiras de falar e de agir que ainda não exploramos?”. Em vez de perguntar se a natureza intrínseca da realidade ainda está à vista (a contraparte secular de perguntar se as coisas são dis aliter visum), deveríamos perguntar se cada uma das diversas descrições de realidade empregadas em nossas várias atividades culturais é a melhor que podemos imaginar – os melhores meios para os fins a que essas atividades se destinam. Tal mudança em nossos hábitos intelectuais teria, no mínimo, mais duas vantagens. Em primeiro lugar, ajudar-nos-ia a parar de priorizar uma dessas atividades (a religião, por exemplo, ou uma ciência natural) em detrimento das outras. Em segundo lugar, ajudar-nos-ia a não nos preocuparmos mais com a objetividade, pois ficaríamos satisfeitos com a intersubjetividade. Isso nos faria parar de fazer perguntas inúteis, do tipo: “Existem fatos objetivos sobre o certo e o errado no mesmo sentido em que existem fatos objetivos sobre elétrons e prótons?”. Dewey antecipou Habermas ao afirmar que não há nada na noção de objetividade com exceção do acordo intersubjetivo – acordo alcançado pela discussão livre e aberta a respeito de todas as hipóteses e políticas disponíveis. Ele esperava que a ampla adoção dessa idéia nos conferisse maior sensibilidade em relação à vida ao nosso redor. Isso colocaria um fim às tentativas de estabelecer uma hierarquia social entre as atividades culturais e entre as partes de nossas vidas. Ao nos livrarmos da distinção kantiana entre o cognitivo, o moral e o estético, por exemplo, faríamos com que as ciências “rígidas” deixassem de olhar com ares de superioridade para as maleáveis, com que essas duas deixassem de olhar com ares de superioridade para as artes, e poríamos um fim às tentativas de colocar a filosofia no seguro caminho de uma ciência. Isso faria com que as pessoas parassem


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de se preocupar com o status “científico” ou “cognitivo” de uma disciplina ou de uma prática social. Dessa forma, também os filósofos não mais tentariam isolar uma área especial para si mesmos, e seriam destruídas as distinções entre, por exemplo, o transcendental e o empírico (Kant), o conceitual e o factual (Ryle), ou o ontológico e o ôntico (Heidegger). Se quisermos prosseguir com as sugestões de Dewey, será útil pensar no progresso da maneira como Thomas Kuhn nos exortou a pensar: como uma habilidade para resolver não apenas os problemas solucionados por nossos ancestrais, mas também problemas novos. Por isso Newton progrediu em relação a Aristóteles, e Einstein em relação a Newton, mas nenhum deles se aproximou mais da verdade, ou do caráter intrínseco da realidade, do que o outro. Hume progrediu em relação a Leibniz, e Hegel em relação a Hume, mas os últimos não superaram os primeiros no que se refere a chegar mais perto da Solução Correta para os Problemas da Filosofia. Analogamente, a pólis ateniense registrou um progresso moral e político em relação à monarquia persa; as nações-estado que aboliram a escravidão na Europa, no século XIX, também progrediram em comparação à pólis ateniense; as social-democracias dos tempos modernos, em relação a suas predecessoras do mesmo século, empobrecedoras do proletariado. Mas nenhuma dessas sociedades chegou mais perto da Demanda da Moralidade. Aos que dizem que as sociedades recentes fizeram progresso em reconhecer a existência dos direitos humanos, argumento, no nono ensaio deste volume, que isso só quer dizer que elas se adequaram melhor à maneira como nós, habitantes saudáveis, seguros e educados do Primeiro Mundo, pensamos que as pessoas devem tratar umas às outras. Temos boas razões para pensar assim, mas não podemos confrontar nossa opinião a respeito do problema com a natureza intrínseca da realidade moral. Não chegaremos a lugar nenhum se pedirmos a nossos professores de filosofia que se certifiquem da existência de coisas como direitos humanos e confirmem se eles são de fato como nós os descrevemos. Da mesma forma, não chegaremos a lugar nenhum se dissermos aos que pensam de forma diferente que eles não estão agindo de acordo com a realidade moral ou estão comportando-se irracionalmente. A questão sobre a existência real dos direitos humanos é, do ponto de vista que proponho, tão inútil quanto a questão sobre a existência real


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dos quarks. Os direitos humanos não são mais nem menos “objetivos” que os quarks, mas também podemos dizer que a referência aos direitos humanos é tão indispensável aos debates do Conselho de Segurança da ONU quanto a referência aos quarks, aos debates da Royal Society. A independência causal dos quarks em relação ao discurso humano não é uma marca de realidade em oposição à aparência; é apenas uma parte não questionada de nossa conversa sobre quarks. Provavelmente, uma pessoa que desconheça esse fato a respeito dos quarks terá tão poucas chances de compreender o que eles são quanto alguém que pensa que os direitos humanos existiam antes dos humanos. Podemos dizer, como Foucault, que tanto os direitos humanos quanto a homossexualidade são construções sociais recentes, mas apenas se dissermos, como Bruno Latour, que os quarks também são. É inútil dizer que os primeiros são “simplesmente” construções sociais, pois todas as razões que poderiam ser usadas para defender essa afirmação poderiam também ser aplicadas aos quarks. Um dos benefícios de nos livrarmos da noção da natureza intrínseca da realidade é que ficamos livres da noção de que os quarks e os direitos humanos são diferentes no que diz respeito ao “status ontológico”. Isso, por sua vez, ajuda a rejeitar a sugestão de que a ciência natural deveria servir como um paradigma para o restante da cultura e, particularmente, de que o progresso filosófico acontece quando os filósofos tornam-se mais científicos. Essas últimas más idéias desempenharam um papel na gênese da tradição intelectual conhecida agora como “filosofia analítica”. Essa tradição, porém, tem estado, desde Kuhn, em uma posição que lhe permite jogar fora essas escadas. É comum pensar que um ataque à teoria correspondencionalista da verdade, ao “realismo”, é um ataque à própria filosofia analítica. Mas isso é um erro. A tradição intelectual iniciada com Frege e Russell levou a Sellars e Davidson (filósofos analíticos, sem dúvida), assim como a tradição intelectual estabelecida por Galileu e Newton levou a Einstein. Ninguém pensa que Einstein apunhalou a física moderna pelas costas ao negar algumas doutrinas centrais de Newton, e ninguém deveria pensar que Davidson apunhalou a filosofia analítica pelas costas ao recusar-se a levar a sério a distinção entre realismo e anti-realismo ou que Sellars assim o fez ao recusar-se a levar a sério a distinção entre conhecimento por familiaridade e conhecimento por descrição.


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De acordo com a concepção de progresso filosófico oferecida neste volume, a filosofia progride ao se tornar não mais rigorosa, mas mais criativa. O progresso nesse campo, bem como em muitos outros, é feito por poucas pessoas, em cada geração, que vislumbram uma possibilidade até então não aproveitada. Frege e Mill, Russell e Heidegger, Dewey e Habermas, Davidson e Derrida são pessoas desse tipo. O restante de nós – os subtrabalhadores, aos quais resta limpar e utilizar o que esses pioneiros criativos consideraram como lixo – executa uma função social útil. Fazemos o trabalho sujo. (Mas essa, é claro, não é nossa única função. Também fazemos muito do trabalho de pedagogia, divulgação e popularização.) Dizer que executamos nosso trabalho “rigorosa” ou “profissionalmente” é apenas dizer que o fazemos da maneira aceitável pela, e adaptada à, comunidade de professores de filosofia à qual pertencemos. Existem, é evidente, várias dessas comunidades. Comparar umas às outras é o mesmo que comparar os legados dos pensadores originais entre si. Cada legado tem vantagens e desvantagens óbvias. Afirmar que a filosofia continental deveria tornar-se analítica ou o contrário, ou ainda que deveríamos reviver a teologia natural ou a fenomenologia husserliana ou o essencialismo aristotélico, é afirmar que a balança das vantagens e desvantagens dita certa decisão. Eu não tenho uma afirmação desse tipo para oferecer nem uma opinião a respeito da forma que a filosofia deveria tomar. Não vejo utilidade em dizer que a filosofia como tal deveria ser feita historicamente ou não, ou em dizer que uma ou outra área da filosofia é a “primeira filosofia”. Não há mais utilidade em discutir a “filosofia” num sentido amplo o suficiente para incluir Parmênides, Averroes, Kierkegaard e Quine do que em discutir a “arte” num sentido amplo o suficiente para incluir Sófocles, Cimabue, Zola e Nijinsky. A tentativa de obter neutralidade por meio do aumento, até esse nível, do grau de abstração produz somente platitudes banais ou slogans polêmicos. A tentativa de determinar a natureza, a tarefa ou a missão da filosofia em geral é apenas uma tentativa de transformar as próprias preferências filosóficas numa definição de “filosofia”. A chamada divisão analítico-continental é ponto de convergência de propostas desse tipo e de muitas tentativas de excomungar filósofos que algumas pessoas não desejam ler, criando uma definição de “filosofia” que exclui os trabalhos desses indesejados. A meu ver, essa divisão é, primeira-


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mente, uma divisão entre duas matrizes disciplinares – e, em particular, entre duas maneiras de formar os candidatos a professor de filosofia. Tais matrizes emergiram e solidificaram-se nos últimos cem anos, são realmente bem diferentes entre si, e é bastante improvável que venham a se juntar algum dia. Se você optar por um curso “analítico”, será encorajado a se concentrar nos problemas da “linha de frente”, nesses problemas discutidos nos artigos de revistas da atualidade por importantes filósofos analíticos. Você poderá fazer os cursos de história da filosofia, e talvez também os de lógica formal, como distração – bons para a alma, talvez, mas não para a carreira. Por outro lado, se você optar por um curso “continental”, haverá a expectativa de que você aprenda um bocado sobre a história da filosofia e escolha, conscientemente, uma das diferentes descrições que conectam os eventos dessa história (as oferecidas, por exemplo, por Hegel, Heidegger e Blumenberg). Você poderá passar muito bem sem ler nenhum dos filósofos “analíticos”, com exceção, talvez, de Wittgenstein. O curso escolhido influencia a lista de livros que devem ser lidos e o tipo de filósofo que o aluno terá mais condições de admirar. Dos três filósofos discutidos mais extensamente neste volume, Davidson será muito mais apreciado por sua originalidade por aqueles educados “analiticamente” do que Habermas e Derrida. No caso daqueles educados “continentalmente”, ocorrerá o contrário. Mas tais diferenças de formação são, é claro, superadas todo o tempo. Eu tenho sido, algumas vezes, condecorado erroneamente por minha originalidade só porque, com freqüência, coloco figuras aparentemente nada similares – como Nietzsche e James, Davidson e Derrida – no mesmo saco. Existe, porém, uma diferença entre ser original e ser eclético. O último é apenas o resultado de estar sempre entediado e olhar em volta à busca de algo novo. Eu me inquieto, procuro novos heróis, mas permaneço razoavelmente leal aos antigos e, dessa forma, acabo tornando-me um sincrético.5 Mas mesmo o sincretismo mais bem-sucedido não

Na década de 1960, quando eu era um jovem e confiável filósofo analítico, ouvi um reverenciado colega mais experiente, Stuart Hampshire, descrever uma conferência internacional cheia de estrelas sobre algum tema vasto e pretensioso – uma conferência da qual ele acabara de retornar e cujos resultados ele deveria resumir no final da sessão. “Não há segredos”, explicou Hampshire, “para 5


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pode sonhar em imitar os verdadeiros e heróicos avanços filosóficos: aqueles que nos deixam ver tudo de um novo ângulo, que induzem à mudança na Gestalt. A indução dessa mudança é o avanço mais difícil, e mais raro, na filosofia. Já não há motivos para esperar que tal avanço heróico surja da tradição analítica e não da tradição continental, ou vice-versa. O gênio sempre nos pega de surpresa. Ele pode florescer em qualquer clima, sob qualquer sol. Quando perguntaram a Goethe quem era o maior poeta, ele ou Schiller, ele replicou: “Apenas fique feliz em ter nós dois”. Essa me parece a atitude apropriada para os filósofos de ambos os lados da divisão entre analíticos e continentais. A filosofia seguirá fazendo progressos desde que gênios continuem surgindo. Os projetos dos não-gênios, descartados como lixo, ajudam a limpar e preparar o terreno para esse surgimento. Ou, para mudar a metáfora, eles acrescentam adubo aos grandes montes de onde, com sorte, algo inesperado surgirá. Esse crescimento inesperado não pode ser encorajado pela adoção laboriosa de um “método” (por exemplo, por meio da revelação de contra-sensos, agrupamento de experiências, análise ou desconstrução de conceitos, adoção do ponto de vista transcendental ou de enunciados ontológicos). Os métodos desse tipo são simples descrições das atividades nas quais se envolveram os imitadores entusiasmados de uma ou outra mente original – o que Kuhn chamaria de “programas de pesquisa” gerados por seus trabalhos. Deveríamos lembrar que é a mudança inicial na Gestalt, e não os resultados dos negócios triunfalistas e profissionalizados, que importa. A história da filosofia é a história das mudanças na Gestalt, e não da realização diligente de programas de pesquisa. No final, tais programas sempre acabam como gotas na areia, mas as mudanças na Gestalt podem permanecer e possibilitar novas mudanças no futuro. Abandonar a idéia de que a filosofia se aproxima da verdade, e interpretá-la como o fez Dewey, significa dar primazia à imaginação sobre o intelecto argumentativo, ao gênio sobre o profissionalismo.

um velho sincrético picareta como eu”. Naquele momento descobri o que eu queria ser quando crescesse.


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A primeira parte deste volume (“Verdade e Alguns Filósofos”) trata de várias coisas que os filósofos contemporâneos disseram sobre a verdade. Nenhum dos oito ensaios desta seção traz uma teoria da verdade ou uma definição de “verdadeiro”. Em vez disso, eles apresentam argumentos contra a teoria segundo a qual crenças ou afirmações verdadeiras correspondem à natureza intrínseca da realidade e também contra a idéia de que precisamos agora de uma nova teoria da verdade para substituir essa teoria correspondencionalista da verdade. O tom desses artigos não é o que constrói, mas o que descarta: eles descartam diversas questões e controvérsias que não levam a lugar nenhum. Eles não propõem um programa de pesquisa filosófica. Ao contrário, criticam vários programas de pesquisa concebidos erroneamente. Eles se ocupam do que alguns filósofos disseram acerca da verdade na esperança de desencorajar outros a dedicar atenção a esse tópico bastante infrutífero. Esses ensaios podem ser considerados notas de rodapé da seguinte afirmação de Davidson: “ [nós] não deveríamos dizer que a verdade é correspondência, coerência, assertividade garantida, assertividade justificada idealmente, o que é aceito nas conversas das pessoas decentes, o que a ciência acabará por manter, o que explica a convergência para teorias únicas na ciência ou o sucesso de nossas crenças comuns”.6 Se “pragmatismo” é um nome adequado para o panorama filosófico resultante da aceitação do conselho de Davidson, esse é um dos poucos pontos em que ainda discordo de Davidson. A segunda parte (“Progresso Moral: Rumo a Comunidades Mais Inclusivas”) contém quatro ensaios sobre o progresso moral. Nela, afirmo que esse tipo de progresso não deveria ser concebido como a convergência da opinião humana a respeito da Verdade Moral ou como o despontar de maior racionalidade, mas, muito mais, como um aumento em nossa habilidade de aceitar cada vez mais que as diferenças entre as pessoas são moralmente irrelevantes. Essa habilidade – considerar as diferenças de religião, nação, sexo, raça, condição econômica etc., irrelevantes para a decisão de cooperar com as pessoas a fim de alcançar um bene-

“The Structure and Content of Truth”, Journal of Philosophy 87 (Junho de 1990), p. 309. 6


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fício mútuo e de aliviar o sofrimento de todos – tem crescido bastante desde o Iluminismo. Ela tem gerado comunidades humanas mais inclusivas do que parecia possível antes. A imagem liberal ocidental que fazemos de uma utopia democrática global é a de um planeta no qual todos os membros da espécie estejam preocupados com os destinos de todos os outros membros. Em alguns desses ensaios, afirmo que não há nada de útil em enxergar no aumento da habilidade de compreender os sentimentos de pessoas diferentes de nós um sinal de que usamos melhor a faculdade que busca a verdade chamada Razão. Em outros (naqueles sobre feminismo e diferenças culturais), argumento que é a imaginação, mais do que uma clara compreensão de nossas obrigações morais, que mais faz pela criação e estabilidade desse tipo de comunidade. Essa última afirmação é coerente com a minha opinião, expressa em artigos anteriores, segundo a qual os romances, mais do que os tratados sobre a moral, são veículos úteis para a educação moral. Essas duas primeiras partes estão convenientemente unidas, de modo que a mesma linha de pensamento é reiterada em cada um de seus ensaios. Mas a terceira (“O Papel da Filosofia no Progresso Humano”) é mais variada. Seus cinco ensaios são metafilosóficos. Eles tentam dizer algo a respeito do que os filósofos – entendidos como pessoas que lêem Platão, Kant e o restante do cânone filosófico ocidental e pensam acerca das questões levantadas nesses textos – podem fazer pelo progresso humano. Os dois primeiros ensaios dessa parte versam sobre a historiografia da filosofia e argumentam que o que é considerado como “filosofia” está relacionado a quem decide, e com quais propósitos, quais figuras históricas serão vistas como “filósofos” (mais do que, por exemplo, cientistas, teólogos, cientistas políticos ou literatos). Os três últimos ensaios tentam contar a história da filosofia recente, dando a devida importância às contribuições de John Dewey, Jürgen Habermas e Jacques Derrida. Considero a teoria de Habermas da “ação comunicativa” um passo enorme para finalizar a tarefa iniciada por Dewey – reformular as concepções da filosofia tradicional de forma a torná-la mais útil para a autodescrição de uma sociedade democrática. O único ponto em que discordo de Habermas – a utilidade da noção de


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“validade universal” – é pouco importante, tendo em vista a superposição de nossas visões.7 Derrida é tão diferente de Dewey e Habermas quanto os dois últimos são similares entre si. Surpreendo-me voltando ao seu trabalho com freqüência, sempre incapaz de obter uma visão sinóptica clara de seu intento, mas sempre fascinado. Considero Derrida um análogo de Nietzsche do século XX. Minha intuição me diz que a assimilação de seu trabalho neste novo século será tão prolongada, e tão discutida, quanto a assimilação de Nietzsche no século XX. Com duas exceções, registradas adiante, esses ensaios foram escritos ao longo da década de 1990. Provavelmente quatro deles já terão sido publicados quando este volume ficar pronto. As versões apresentadas aqui são apenas um pouco diferentes (uma mudança ocasional de frase, uma omissão de parágrafo, algumas notas de rodapé adicionais) das versões já publicadas. A história de cada um deles é a seguinte: 1. “Será que a verdade é um objetivo da investigação? Donald Davidson versus Crispin Wright” seria uma resenha de Truth and objectivity, de Crispin Wright, mas ultrapassou os limites de uma resenha. Apesar disso, os editores de Philosophical Quarterly gentilmente publicaram o texto no vol. 45 (julho de 1995), p. 281-300, e deram permissão para republicação do ensaio neste livro. 2. “Hilary Putnam e a ameaça relativista” foi publicado como “Putnam and the Relativist Menace” no Journal of Philosophy, vol. 90 (setembro de 1993), p. 443-61. Agradeço aos editores pela autorização para reimpressão. 3. “John Searle sobre o realismo e o relativismo” foi uma resposta ao convite de Louis Menand para proferir uma série de palestras sobre liberdade acadêmica na American Association of University Professors (AAUP).

Eu discuto a questão da validade universal detalhadamente em “Sind Aussagen universelle Geltungsansprüche?” (Enunciados são requisições universais de validade?), em Deutsche Zeitschrift für Philosophie 42, no 6 (1994), p. 975-88. Não o reproduzi neste volume porque uma versão revisada desse ensaio aparecerá como um capítulo de uma monografia que pretendo publicar daqui a poucos anos. 7


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Aproveitei esse convite como oportunidade para responder à opinião de Searle sobre a importância da teoria da correspondência para a política cultural. Meu artigo foi publicado com o título “Does Academic Freedom Have Philosophical Presuppositions?”, inicialmente na Academe, a revista da AAUP (vol. 80, novembro/dezembro de 1994, p. 52-63), e mais tarde na Academic Freedom, ed. Louis Menand (Chicago: University of Chicago Press, 1996). Agradeço a ambos pela permissão para republicação. 4. “Charles Taylor sobre a verdade” foi uma contribuição para Philosophy in an age of pluralism: the philosophy of Charles Taylor in question, ed. James Tully (Cambridge University Press, 1994). A resposta de Taylor ao meu ensaio foi incluída naquele volume. 5. “Daniel Dennett sobre a intrinsecalidade” foi originalmente publicado como “Holism, Intentionality and the Ambition of Transcendence” em Dennett and his critics: demystifying mind, ed. Bo Dahlbom (Oxford: Blackwell, 1993), reimpresso com permissão. Uma resposta de Dennett ao meu ensaio foi incluída naquele volume. 6 e 7. Esses dois ensaios, respectivamente sobre o trabalho de Robert Brandom e John McDowell, não foram publicados antes. Fizeram parte de uma série de dez palestras que proferi na Catalunha, como professor convidado no âmbito do programa José Ferrater Mora, em Girona, em junho de 1996. Agradeço ao professor Josep-Maria Terrecabrias, diretor da cátedra Ferrater Mora, por essa oportunidade e por ter convidado Brandom e McDowell para responder às minhas considerações sobre o trabalho deles. 8. “Armas contra o ceticismo: Michael Williams versus Donald Davidson” foi proferido num simpósio sobre Unnatural doubts: epistemological realism and the basis of scepticism, de Michael Williams, realizado no encontro anual da Central Division of the American Philosophical Association, em abril de 1995. Não foi publicado antes. 9. “Direitos humanos, racionalidade e sentimentalidade” foi escrito para a Oxford Amnesty Lecture, em 1993, e publicado em On human rigths: the 1993 Oxford Amnesty Lectures, ed. Susan Hurley e Stephen Shute (Nova York: Basic Books, 1993). Agradeço a Basic Books pela permissão para reimpressão. 10. “Racionalidade e diferença cultural” foi proferido numa conferência sobre esse tema, organizada pelo Indian Institute of Philosophy e realizada em Monte Abu, em 1991. Foi publicado com o título “A Prag-


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matist View of Rationality and Cultural Differences” em Philosophy East and West, vol. 42 (outubro de 1992), p. 581-96, e reimpresso com autorização da University of Hawaii Press. 11. “Feminismo e pragmatismo” foi proferido na Tanner Lecture, na University of Michigan, em 1991, e publicado em The Tanner Lectures on Human Values, vol. 13 (Salt Lake City: University of Utah Press, 1994). Reimpresso neste volume com a gentil permissão de Tanner Trustees. 12. “O fim do leninismo, Havel e a esperança social” foi escrito para uma conferência intitulada “O fim da história”, realizada em 1991, na Michigan State University, cujo debate girava em torno das idéias de Francis Fukuyama. Uma versão revisada e mais curta foi publicada com o título “The Intellectuals at the End of Socialism,” em Yale Review, vol. 80, n. 1 e 2 (1992), p. 1-16. A versão completa foi publicada em History and the idea of progress, ed. Arthur M. Melzer et al. (Ithaca, Nova York: Cornell University Press, 1995), p. 211-26. Agradeço ao professor Meltzer e seus colegas pelo estímulo inicial e à editora pela permissão para republicar esta versão. 13. “A historiografia da filosofia: quatro gêneros” é uma reimpressão do texto publicado em Philosophy in history (Cambridge University Press, 1984), um volume de ensaios sobre a historiografia da filosofia, editado por mim em conjunto com J. B. Schneewind e Quentin Skinner. 14. “A contingência dos problemas filosóficos: Michael Ayers sobre Locke” foi escrito para uma conferência realizada em Göttingen, em homenagem a Lorenz Krüger. Será publicado também num livro de conferências a ser editado por Wolfgang Carl e Lorraine Daston. 15. “Dewey entre Hegel e Darwin” foi escrito para uma conferência organizada por Dorothy Ross e Olivier Zunz, realizada em Bellagio, em 1991. Foi publicado pela primeira vez numa tradução francesa em Rue Descartes, n. 5 e 6 (1992), p. 53-71, e em seguida em Modernist impulses in the human sciences, ed. Dorothy Ross (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1994). Foi incluído também em Rorty and pragmatism, ed. Herman Saatkamp (Nashville, Tennessee: Vanderbilt University Press, 1995). Republicado aqui por cortesia da Johns Hopkins University Press. 16. “Habermas, Derrida e as funções da filosofia” foi publicado em Revue Internationale de Philosophie, n. 4 (1995), p. 437-60, e reimpresso aqui com permissão dos editores desse periódico.


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17. “Derrida e a tradição filosófica” é uma versão um pouco modifi-

cada de uma resenha sobre Jacques Derrida, de Geoffrey Bennington e Jacques Derrida, publicada em Contemporary Literature, vol. 36 (1995), p. 173-200, sob o título “Is Derrida a Quasi-Transcendental Philosopher?”. Republicado aqui com a permissão dos editores desse periódico. A tarefa de reunir esses artigos num único livro foi facilitada pela ajuda de Andrew Moser e Mary Racine.


PARA MARY pelos vinte e cinco anos


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