Revista Sorria #15

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este valor, descontados os impostos, ĂŠ 100% revertido para o

Sorria ĂŠ vendida exclusivamente na

* 15 ago/set 2010


conviver

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o espaço de todos nós

Histórias de família

Quem foram seus avós, bisavós, tataravós? Conheça as aventuras de três pessoas que, ao buscar resposta para essa pergunta, viveram emocionantes descobertas texto

Dilson Branco e Larissa Soriano Heitor Yida

ilustração

“Era uma vez uma mulher que morava numa casa de pedra, numa rua curva, onde havia uma placa dizendo: ‘Passadiço da Lajinha’. Na parte de baixo da construção, uma portinha levava ao criadouro de cabras. Ao longe, via-se a Serra da Estrela – de onde, à noite, o vento trazia o assustador uivar dos lobos. Seu nome era Emília. Ela vivia em Forno de Algodres, uma cidadezinha lá do outro lado do oceano, em Portugal. Um dia, Emília resolveu cruzar a imensidão do mar. Foi sozinha, rumo ao desconhecido. Desembarcou no Brasil. O namorado veio depois. Casaram-se, viveram felizes. Quando completou 40 anos, ele morreu. Viúva, Emília criou os cinco rebentos. Um deles, um dia, teria uma linda filha. E essa menina é você”.

Quando era mais nova, a redatora Shirley Guimarães, hoje com 40 anos, adorava ouvir as várias histórias que seu pai lhe contava. Muitas eram inventadas. Uma, pelo menos, era verdadeira. E era essa, sobre sua avó Emília, a que mais encantava a menina. Há sete anos, Shirley, que mora em Niterói (RJ), decidiu revirar as gavetas atrás de detalhes sobre essa epopeia. Buscava documentos que lhe permitissem obter a cidadania portuguesa e todo tipo de informação que saciasse a curiosidade por suas raízes. “Quanto mais eu descobria, mais queria saber. Certa vez, fiz uma promessa: um dia iria à cidade dos meus antepassados e levaria uma flor até uma igreja para homenagear minha querida avó Emília”, conta.


Nas férias do ano passado, Shirley cumpriu o juramento. Desembarcou em Lisboa, tomou um trem para Guarda, pegou uma carona com um dono de restaurante que se comoveu com sua busca e assim chegou a Forno de Algodres. No único estabelecimento comercial do povoado, um café, foi recebida com curiosidade por duas senhoras. Logo, elas estariam telefonando para todos os vizinhos, tentando descobrir alguma ligação com a família da brasileira. “Começaram a chegar vários velhinhos, com fotos de parentes que haviam emigrado. Todos queriam me adotar!”, diverte-se Shirley. Então, as senhoras se lembraram de que havia, em visita à cidade, um casal cujo sobrenome era o mesmo de Emília: Ferreirinha. Localizados, foram chamados ao café. “Contei a eles o nome dos meus avós e bisavós. Aí a mulher estendeu os braços e exclamou: ‘Você é minha parenta!’”, lembra Shirley. O marido da emocionada senhora era primo do pai da brasileira. “Fiquei tão surpresa que nem sei o que disse na hora”, conta. Os recém-descobertos familiares almoçaram juntos e deram um passeio pela cidade. Aí, Shirley teve sua maior

revelação. Numa curva entre a meia dúzia de ruelas do povoado, cerca de 200 metros após uma antiga placa em que se lia “Passadiço da Lajinha”, o casal lhe mostrou uma construção de pedra, com um criadouro de cabras na parte de baixo e uma bela vista para a Serra da Estrela. Era a casa de sua avó, tal e qual seu pai havia descrito. “Que emoção! Colhi flores no canteiro que ladeava o muro e levei à igrejinha de São Pelágio, padroeiro do local”, conta Shirley. “Foi muito simbólico, era como se eu estivesse resgatando um pedaço de mim.”

Unidos por uma foto Curiosidade pela história dos antepassados é algo que todo mundo tem. Algumas pessoas, porém, se empenham mais nessa busca. Querem saber detalhes, reconstruir elos, entender como o destino costurou os casamentos, viagens, nascimentos e imprevistos que resultaram na sua chegada ao mundo. A procura nem sempre é fácil. Mas costuma compensar todo o esforço. Assim como Shirley, a jornalista Amanda Kartanas, de 37 anos, de São Paulo, também passou bons momen-


crescer

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valores que mudam a vida

paixão pela vida é... acreditar em um projeto e não poupar esforços para realizá-lo, como a diretora ana elisa


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Se sua vida fosse um filme, qual seria a trama principal? Que sonhos impulsionariam o protagonista até o fim da história? Não é preciso saber a resposta. Basta que você esteja sinceramente disposto a encontrá-la texto D i l s o n B r a n c o e J e a n n e C a l l e g a r i , c o m a c o l a b o r a ç ã o d e A n a L u í s a V i e i r a , C h i c o S p a g n o l o , D a n i e l a M a r q u e s , M a r i a n a G o m e s e Ta t i a n a B a n d e i r a fotos H e n r i q u e G u a l t i e r i e R o d r i g o B r a g a

Ana Elisa Siqueira pode falar durante horas sobre seu trabalho. Aos 46 anos, ela é diretora da escola pública Desembargador Amorim Lima, em São Paulo. Caminhando pelo prédio, ela explica, com brilho nos olhos, como as coisas por lá são diferentes. Não há, por exemplo, paredes separando as salas. As crianças do 5º ao 8º ano têm aula no mesmo espaço, divididas em pequenos grupos. Capoeira, música e teatro têm o mesmo peso de matemática, ciências e português. O material didático, exclusivo, não é catalogado por disciplinas, e, sim, por assunto, como água, família e desigualdades. A responsável por todas essas inovações é a própria Ana Elisa, que está à frente da escola há 15 anos. Implantar esse modelo pedagógico incomum teria sido bem mais fácil em um colégio particular, onde a tendência é haver mais recursos e menos obstáculos à inovação. Mas, por ideologia, Ana sempre fez questão de trabalhar na rede do Estado. Para mudar as regras da escola, ela teve de convencer a Secretaria de Educação de que sua ideia era viável e adaptar o modelo que lhe serviu de exemplo – o da Escola da Ponte, de Portu-

gal – às diretrizes e burocracias do ensino público. Quando enfim começou a pôr o plano em prática, ela enfrentou o descontentamento de muita gente: professores pediram transferência, pais tiraram os filhos do colégio – e ainda hoje muitos torcem o nariz para a Amorim Lima. Definitivamente, Ana poderia ter escolhido algo mais fácil para fazer de sua vida. Mas ela não é movida por um raciocínio pragmático. E, sim, pela mais potente força humana, que impulsionou as maiores realizações da história e permeia todas as conquistas do dia a dia: a paixão pela vida. “A grande aventura da existência é se apaixonar e buscar a concretização dessa paixão”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral e especialista em empreendedorismo Fernando Dolabela. “Quando a pessoa faz o que ama, isso é vivido de forma prazerosa, intensa. Caso contrário, o passar do tempo se torna um martírio”, completa a psicanalista e socióloga Nilda Jock. Ninguém duvida de que a paixão seja importante, nem que ela possa tornar nossa vida mais feliz, certo? Na teoria, em que nos permitimos ser mais român-

ticos, é assim. Na prática, muitas vezes outros interesses pesam mais. A escolha profissional é um bom exemplo disso. Segundo Fernando Dolabela, a negação da paixão é estimulada desde a infância. Uma pergunta tipicamente feita a crianças – o que você vai ser quando crescer? – encaminha para respostas preestabelecidas: as carreiras típicas, como engenheiro, médico, advogado. E permite aos pais, ainda cedo, convencer os filhos a mudar de ideia, caso a resposta não lhes agrade. Para Fernando, a indagação ideal seria mais ampla: “Qual é o seu sonho?”. E a criança deveria poder conceber livremente seu futuro. “Não aprendemos a sonhar. E pagamos muito caro por isso durante a vida”, defende o especialista. “O anúncio de emprego diz que procuram um ‘octógono’. Aí o indivíduo se prepara para se encaixar naquela vaga e afirma na entrevista que sempre foi um perfeito octógono. Faz concessões relativas à sua liberdade para conseguir o salário. Será um sério candidato à infelicidade”, completa. Liberdade para identificar as próprias paixões é o primeiro passo. Mas não garante que a resposta virá fácil. Há


movimentar

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as delícias do exercício

No meio

da pista O trânsito e a violência tornam a tarefa difícil, mas não impossível: veja como é divertido manter o corpo em forma redescobrindo as brincadeiras de rua texto C h i c o S p a g n o l o

fotos G a b r i e l R i n a l d i

Elas podem ser de terra, de pedra, de asfalto. Algumas se mantêm na medida para uma charrete passar, e nada mais. Outras são tão largas que exigem dois faróis para nos permitir atravessá-las. Tem as iluminadas, as escuras, as planas, as íngremes, as apinhadas de gente, as abandonadas, as arborizadas, as áridas, as de traçados caóticos, as cartesianas... Seja como for, as ruas estão por toda a cidade. Viabilizando, dia e noite, nosso sagrado direito de ir e vir. Não faz muito, elas eram também um lugar para se ficar. O meio do caminho entre a nossa casa e a do vizinho, um ponto de encontro, quintal coletivo. Ideal para serem transformadas, temporariamente, em quadra de esportes, aeroporto de pipa, feira livre de limonada ou o que a imaginação da garotada do quarteirão permitisse. Essas crianças viraram adultos, viram os centros urbanos se expandir, ser tomados por carros e, muitas vezes, pelo medo da violência. Mas algumas não desistiram das brincadeiras de rua. Se não dá para ser na via em frente de casa, buscase uma alternativa: o campus da faculdade, uma praça, um parque, um camping. A graça é ocupar os espaços, permitir-se ser feliz. Nós crescemos, as cidades também, mas isso não nos impede de continuar nos divertindo juntos.


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Ana, Ana, Ana Sella, do Brasil!

Um dos centros econômicos mais emblemáticos do

Ambiental da Universidade de São Paulo (USP), em

opções de lazer: cinemas, parques, museus, centros

rolimã que acontecia no campus. Achei interessante

país, a Avenida Paulista, em São Paulo, oferece inúmeras culturais, shopping centers... Para uma criança que

gosta de brincar na rua, porém, está longe de ser o lugar mais adequado do mundo. Que o diga Ana Sella, de

21 anos, moradora da região desde a infância. Quando

era pequena, ela contava os dias para trocar o trânsito

intenso da metrópole pelas férias no litoral. Nem tanto pelo mar em si, mas pela possibilidade de se divertir

com o irmão empinando pipa, brincando de pega-pega e, especialmente, andando de carrinho de rolimã. O

tempo passou, mas a vontade de brincar, não. “Logo quando entrei no curso de Geociências e Educação

2007, fiquei sabendo do Grande Prêmio de carrinho de e sugeri ao meu irmão que participássemos”, conta.

No ano seguinte, os dois fizeram a inscrição. O irmão,

Sergio Ricardo, de 24 anos, ficou responsável por montar o carrinho; ela, por pilotar. A dupla já soma cinco

participações no GP, que é organizado duas vezes ao ano, desde 1982, pelo centro acadêmico do curso de

Engenharia Mecânica da USP. “Nosso melhor resultado foi na edição passada, quando cheguei em segundo lugar”, conta Ana. Com ou sem pódio, a diversão é garantida: “Volto para casa exausta, com alguns

arranhões a mais e muitas histórias pra contar”.


comer

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sabores que confortam

Abóbora total São muitas as suas variedades, todas ricas em nutrientes, pouco calóricas e versáteis na culinária. Isso sem falar de suas sementes, folhas e flores texto R o m y A i k a w a foto S h e i l a O l i v e i r a / E m p ó r i o F o t o g r á f i c o


Produção culinária: Claudia Yendo Yoshida | Produção de objetos: Márcia Asnis

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Não fosse pelas mãos de um amigo dedicado às artes culinárias, talvez eu ainda ignorasse que as flores de abóbora são comestíveis. As que provei, ele havia colhido naquela tarde. Explicou que eram flores masculinas, sem o ovário em forma de frutinho na base – com esse cuidado, não estávamos devorando prematuramente a colheita. Para mim, a novidade elevou a aboboreira a outra categoria: a das plantas inteiramente aproveitáveis. As flores, amarelas, podem ser refogadas – como as que meu amigo me serviu –, recheadas com carne, queijo ou legumes, empanadas, misturadas a risotos e omeletes, servidas como salada ou batidas em sucos. Já os brotos e as folhas novas, chamados de cambuquira, são ótimos para reforçar sopas e refogados. Também podem ser consumidos como saladas e fazem boa parceria com farinha de milho. Tem ainda as sementes: assadas com sal e um fio de azeite, se tornam um delicioso aperitivo. Tudo isso sem falar no fruto em si. Há registros de seu uso na Europa desde a Antiguidade. Mas foi após a descoberta das Américas – e das variedades consumidas por maias, astecas e incas – que as receitas se multiplicaram. E como: a abóbora pode ser saboreada cozida, assada ou em forma de sopas, purês, pães, recheio de massas e doces. Além de versátil, é pouco calórica – devido ao alto teor de água – e apresenta um vasto leque de nutrientes – vitaminas A, C, E e do complexo B, bem como sais minerais. Selecionamos duas deliciosas receitas feitas à base do fruto: uma salgada – que cai muito bem pura, numa refeição leve, ou acompanhada de uma boa carne – e outra doce, ambas superfáceis de preparar. Ao lado, você confere os principais tipos do vegetal, para saber a melhor escolha na hora de fazer as compras. Bom apetite!

Abóbora assada picante* ingredientes • 1 abóbora baianinha

• 2 colheres (chá) de semente de coentro

Variedade não falta

Veja características e usos dos principais tipos de abóbora consumidos no Brasil

• 2 colheres (chá) de orégano seco • 1/2 colher (chá) de sementes de erva-doce (funcho)

• 1/2 colher (chá) de pimenta calabresa • 1 colher (chá) de sal

• 1 colher (chá) de pimenta-do-reino • 1 dente de alho

• 1 colher (sopa) de azeite de oliva

Seca (gigante ou canhão) Comprida e com até 15 quilos, é a mais indicada para doces.

Modo de preparo Lave a abóbora e corte-a ao meio. Com

uma colher, retire as sementes. Corte cada

metade ao comprido. Depois faça o mesmo com cada quarto. Você terá oito pedaços,

em formato de canoa. Reserve. Num pilão,

triture todos os temperos. Transfira-os para uma tigela, acrescente o azeite e passe a

Baianinha (goianinha ou paulistinha) Usada em sopas, refogados e chutney, tem até 1,5 quilo.

abóbora nessa mistura. Acomode as fatias numa assadeira, com a casca para baixo.

Leve ao forno, a 200 graus, por pelo menos 30 minutos, até ficarem macias.

Doce de abóbora ingredientes • 1 kg de abóbora (do tipo seca)

Japonesa (kabotiá) Consistente e menos úmida, é usada principalmente em pratos salgados.

• 500 g de açúcar cristal Modo de preparo

Corte a abóbora em cubos (não é preciso

retirar a casca). Coloque-os numa panela (de preferência de ferro e com o fundo grosso), com a casca para baixo. Cubra com o açúcar e tampe. Leve ao fogo

médio-baixo por um período entre 1h e 1h30min. Misture delicadamente

Moranga Famosa pelo camarão na moranga,

é consumida em refogados, sopas ou assada.

a cada 30min. Ao fim do cozimento, se a calda estiver muito fina, deixe apurar

por 5 minutos, com a panela destampada.

Desligue o fogo e transfira o doce para um refratário. Deixe esfriar e leve à geladeira. * Receita adaptada do livro Jamie Oliver – O Chef sem Mistérios (Ed. Globo)

As flores podem ser refogadas, empanadas

ou recheadas. As sementes, assadas com sal e azeite, caem muito bem como aperitivo.


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