Do caos à esperança
Natalia Moreno
Do caos à esperança
Edição e Organização: Juliana Maringonni ____________________________________________________________________________ M48e Moreno, Natalia. Do caos à esperança/ Natalia Moreno -- Itu (SP) :Editora Rosa Rosé, 2014. 94 p. ; 21cm. ISBN 978-85-65504-37-9 1. Contos. 2. Literatura Brasileira. I. Título. CDD 870 CDU 82 ____________________________________________________________________________
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Aos leitores que podem, ou nĂŁo, se encontrarem nas histĂłrias. E que por acaso ao encontrarem-se, transitem atĂŠ a felicidade.
Sumário Prefácio...................................................................................9 Vazio.....................................................................................12 Enquanto isso no lustre do castelo.................................14 Presença
indesejada.........................................................16
Lágrima.................................................................................21 Me passa o bisturi..............................................................23 Matar dragões......................................................................25 Adeus tristeza.....................................................................27 Flores desbotadas...............................................................29 Imagem refletida no espelho.............................................36 Cinza, Clara. Cinza claro....................................................38 Era assim que era para ser.................................................49 Primeira vez que esqueci!..................................................51 Arrumou tanto que esqueceu!...........................................54 Solidão em canto.................................................................57 Partiu.....................................................................................60 Destino.................................................................................61 Quanto dura?.......................................................................63
Do caos à esperança
Prefácio Diante de um papel em branco eu penso e repenso em escrever lindos romances de 300 páginas (ou mais) e encher de frases lindas, sentimentos, mas tudo o que os meus dedos conseguem passar em palavras escritas são histórias que desenrolam-se em uma página. Seca. Só quando eu aceito que meu jeito de escrever é outro que consigo, realmente, transmitir o que quero (ou muitas vezes sinto). Esse livro sustenta uma base para leituras com formatos de diversas cores já que a maioria dos textos foram escritos em épocas diferentes. Estão organizados de uma maneira agradável e não na ordem cronológica da criação. Não é um livro feminista, são só histórias com a visão de uma mulher. Não acredito que um sexo seja melhor do que outro. Acredito que o mundo pode ser bom ou mau com qualquer um deles. E que cada pessoa é responsável por seus sentimentos.
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Natalia Moreno Relato realidades inventadas, mas que não deixam de ser verdadeiras. Uma certa verossimilhança com os seres que nos cercam. A falta de nome de alguns dos personagens é um jeito de cada leitor poder se encaixar, se ver naquela situação. A história fica aberta e você pode ser a personagem principal. A escrita é marcada pela indecisão, a desilusão, o amor, o encontro e a esperança. Independente do que você está vivendo no momento da leitura, em alguma parte você se fará protagonista. Que esse livro abra portas antes fechadas e que faça cada leitor perceber que esses sentimentos, antes impossíveis de serem compartilhados, são sentidos por outras várias almas. Natalia Moreno
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Quem? Ela queria ser o que não podia. Ela não queria ser bailarina, nem advogada, nem qualquer outra profissional. Ela queria ser o outro. O outro com a sua alegria, suas motivações, esperanças e vontade de viver. Ela não conseguia se encontrar.
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Vazio Despertou, esticou os braços para encontrar a pele quente dele ao teu lado. Não encontrou e pensou que, como em outras vezes, ele estava na cozinha preparando o café da manhã. Juntou as roupas espalhadas pelo chão e tomou uma ducha. Desceu até a cozinha e o silêncio começou a incomodá-la. Encontrou na mesa um bilhete e uma flor. Não posso seguir adiante, espero que entenda. Entender o quê? Que ela estava levando um pé na bunda depois de uma noite de amor? Que sem ela saber o motivo ele partiu deixando um recado e uma flor murcha? Como entender que um pequeno bilhete e um vazio haviam destruído seu coração, seus sonhos? Sentou para tentar recuperar-se do choque e trilhou os passos dados nestes três meses de relacionamento para ver se entendia o que havia dado errado. Não encontrou, não entendeu. Chorou de desespero, de dor, de tristeza, chorou tanto que já não sabia mais o motivo de tantas lágrimas e soluços. 12
Do caos à esperança Pegou o telefone e discou o conjunto de números que transformou tantas vezes a ausência em presença. Nada. Apenas o eco da sua respiração. Pegou a chave do carro e seguiu o caminho que tantas vezes pareceu longo para sentir a presença dele e, hoje, pareceu interminável. Vasculhou a bolsa para encontrar sua cópia da chave da casa dele, no desespero jogou tudo na calçada e um pensamento a sobressaltou: É claro que ele pegou de volta a chave! Sentou no meio-fio e chorou de desgosto, de raiva, juntou suas coisas e olhou pela última vez para a casa que tantas vezes foi cúmplice de todo amor que um dia eles juraram um ao outro. Ele, do outro lado da janela, observou o desespero dela e se segurou para não correr para aquela pessoa que tanto amava, que tanto admirava. Secou a lágrima e fechou a cortina.
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Enquanto isso no lustre do castelo: Ela, toda colorida, com seu belo rosto escondido por detrás de uma maquiagem forte, como se aquilo fosse afastar quem lhe quer fazer sofrer. Ele, todo sedutor, armando um jeito de fisgar alguém naquele salão. O salão todo cheio de pessoas coloridas, alguns demonstrando uma sentem, outros realmente alegres, inventam passos para as marchinhas tempo.
com suas vestes alegria que não todos dançam, que resistem ao
Ele busca com seus olhos esverdeados seu alvo. Ela dança como se os movimentos pudessem apagar todo o sofrimento existente em seu coração. Os seus olhares se cruzam por instantes, ele encontra seu alvo, ela sente o coração querendo saltar pela boca. Ele se aproxima, ela se retrai. Ele diz oi e ela sorri timidamente. Trocam olhares e naquele instante mágico ele vê nos olhos dela tristeza e ela percebe que por detrás da máscara sedutora há alguém com medo de se apaixonar. 14
Do caos à esperança Ele desistiu de fisgá-la, não quer ser mais um mau caráter na vida dela. Então se afasta. Ela volta a dançar sorrindo e acredita mesmo que sua maquiagem o afastou.
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Presença indesejada “Tem gente que sente medo o tempo todo”. Ouvi isso certa vez na fila do banco. Era uma daquelas filas intermináveis de dia do pagamento. A frase me fez pensar como seria viver com medo a todo momento... geralmente, sentimos medo em certas ocasiões tais como em cima de uma escada, quando acaba a energia, quando ouvimos algum barulho estranho à noite e estamos sozinhos... mas sentir o tempo todo era um certo exagero! Parei de prestar atenção naquela conversa maluca e fiquei fazendo preces para aquela fila andar e eu poder pegar logo meu pagamento. Então me detive: eu tinha medo de não conseguir sacar meu dinheiro. Era um medo estranho, mas era medo. Em seguida me surpreendi ao perceber que eu sairia do banco com medo de ser assaltada e quando chegasse em casa sentiria medo dele ter partido como havia prometido várias vezes. “Ele não vai partir. Não hoje.” Prometi um tanto vagamente para mim mesma. Quando, enfim, peguei aquelas notas sujas mas cheias de valor, segui confiante, camuflando o medo com um sorriso nervoso e uma cara: “por favor, não tenho nenhum tostão comigo”. Na verdade 16
Do caos à esperança não tinha mesmo. Todo o dinheiro já tinha um destino certo. Deixei aquele medo vestido de insegurança de lado e segui meu caminho. Quando cheguei em casa, mais uma vez enganei a mim mesma que não sentia nenhuma ponta de medo de as coisas dele não estarem no lugar que deveriam. Abri a porta devagar, coloquei a cabeça, depois os braços e por fim os pés. Fui olhando tudo e anotando mentalmente se o que eu via era o mesmo que eu tinha notado de manhã. Para meu alívio era! Então percebi que eu estava forrada de medo, uma insegurança de não conseguir o que eu queria, um medo de fracassar. E percebi que aquela não era uma conversa maluca, era uma realidade. E seria a minha se eu não tentasse mudar essa situação. O meu maior medo neste dia foi não tê-lo ao meu lado na hora do jantar, na hora de dormir... Meu maior medo era perdê-lo. Busquei em minhas lembranças o que havia de errado para que já não fossemos perfeitos um para o outro. Não encontrei um motivo. Achei lembranças do primeiro passeio, beijo, da declaração de amor, do pedido de namoro, noivado, casamento. Lembrei das brigas e dos pedidos de paz carregados de emoção, beijos e abraços. Lembrei de tudo o que tínhamos sido, mas não sabia como 17
Natalia Moreno tínhamos nos tornado o que somos hoje. O medo me pegou de novo. Acredito que nos perdemos no meio da nossa jornada... em algum momento soltamos a mão do outro e começamos a trilhar caminhos sozinhos. Tentei fingir que não percebia o espaço que estávamos criando entre nós, a frieza que seus braços enlaçavam minha cintura, dos beijos sem gosto... confesso que não sei se foi só ele ou se eu também fiquei assim sem sal. Vivemos em um relacionamento que o que é bom pra mim também é bom para ele ou vice-versa. Sei que as coisas não funcionam assim. Somos seres ímpares com gostos próprios. Ficamos com tanta vontade de sermos um só que anulamos a parte que nos fez apaixonarmos pelo o outro. Fico me perguntando se isso tem conserto. Será que nessa altura do campeonato podemos voltar ao início? O barulho da chave na fechadura demonstrava que ele voltou. Pelo menos dessa vez. O medo ainda estava correndo pelas minhas veias. A porta que tanto me trouxe alegria ao ser aberta hoje trazia uma sensação estranha, um vazio, um desespero e uma certeza: as coisas haviam mudado. Cumprimentamos secamente. A discussão do dia anterior ainda estava ecoando pela casa. Os gritos, as lágrimas, as palavras rudes... seguimos fazendo nossos afazeres depois de um dia de trabalho. A rotina naquele 18
Do caos à esperança clima demorava a passar. Nos preparávamos para deitar, fingíamos que ignorávamos a presença do outro naquele espaço pequeno que dividíamos, cada vez que, sem querer, encostava em mim eu sentia meu corpo ferver. O medo de nunca mais sentir aquela sensação paralisava meus pensamentos e tudo o que ecoava era: medo, medo, medo... Passamos a noite entre o silêncio e os latidos do cachorro do vizinho. Parecíamos duas pessoas desconhecidas sendo obrigadas a dividir o mesmo espaço. Tentei várias vezes puxar assunto, mas a sua expressão me causava um certo desconforto, acabei por decidir ficar na minha e comecei a repensar se aquele relacionamento valia a pena! Notei que o medo que eu sentia não era maior que o amor. Tentei aproximar minhas mãos com as suas, mas não consegui. Ele foi mais rápido e tirou-as. Olhei-o para ver o que seus olhos transmitiam, mas estavam fixos na televisão, negros, opacos e vazios. Chamei-o, travei um monólogo com fases do tipo: “precisamos conversar”, “você vai ficar assim”... Acabei por desistir. Levantei-me. Saí da sala e voltei um tempo depois, tempo suficiente para eu mesma recolher as coisas dele. Depositei a mala no chão e disse: “Adeus”. Dessa vez ele me deu atenção e eu pude ver que o medo que eu senti a tarde, dessa vez, estava refletido nos olhos dele. Tentou balbuciar 19
Natalia Moreno algo, mas não deixei. Por mais que meu coração doesse e meu amor quisesse falar mais alto eu calei-o. Deixei o medo de perdê-lo de lado e passei a sentir o medo de ficar com uma pessoa egoísta demais para dividir as alegrias, medos, derrotas e vitórias. Ele se levantou e aproximou e eu afastei-me. Abri a porta da sala e disse: “nos vemos por aí, mas só se você realmente me amar.” Ele pegou sua mala, seu medo da solidão, seu orgulho ferido e bateu a porta atrás de si. E o único medo que passei a sentir foi de não ter do meu lado alguém que realmente estivesse disposto a entender que um relacionamento é feito por dois.
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Natalia Moreno é apaixonada por literatura, animais, músicas. Formada em Letras, cursando pósgraduação em Literatura Inglesa e autora do romance Quando eu me amar, encontrou na escrita uma maneira de extravasar seus sentimentos escondidos pelo seu jeito capricorniano de ser. Tem o defeito de querer colocar tudo em ordem, desde um quadro torto até o mundo e se desespera por este último estar fora do seu alcance.
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