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JEAN SIGEL - Não fomos feitos para ficar parados
VIVER conecta COM JEAN SIGEL
Não fomos feitos para ficar parados
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Meu avô me dizia: não fomos feitos para ficar parados. Ele empreendedor, contador de histórias e curioso pelo mundo. Junto com minha avó, viajaram o planeta e chegavam a sair de casa por 120 dias em jornadas épicas pelos continentes. Suas histórias até hoje ecoam. Venho de uma família viajante, Jean Sigel é pai de duas meninas, empreendedor por natureza e Co-fundador desde meu bisavô imigrante até minhas filhas que já da Escola de Criatividade. experimentaram vários destinos. Viajar e se mover Autor de O Melhor da Vida - sempre fez parte de nossa história e minha avó sempre dizia que viagem não é despesa, é investimento. Mas o que isso tem a ver com o momento atual, Simples e de Graça – e um dos autores do O Grande Livro da Criatividade em que todos, ou muitos de nós,estamos vivendo enclausurados em casa e não podemos viajar? enorme de produtos. Mas tínhamos praia livre, Tivemos que aprender a não ficar parados dentro da pedras e trilhas, pássaros, siris, peixe fresco, silêncio nossa própria casa para podermos nos adaptar. E a e pôr do sol todo dia, escancarado e belo. viajar de dentro para fora. Afinal, o espírito humano Nos adaptamos maravilhosamente a essas novas precisa da viagem, do desafio, do movimento. Evo- “casas”. Tudo por aqui é mais barato, mais simples, luímos assim. mais saudável e mais belo. O tempo das coisas é
Quando a pandemia nos obrigou ao recolhi- outro, mas mesmo assim a tecnologia nos permite mento em nossa casa, pensei: temos uma boa casa, falar com o mundo. Aí você deve pensar, “ahhh mas num bairro tranquilo, um jardim e um cachorro. na Ilha do Mel? Até eu!” Somos gratos por isso. Mas após 30 dias, resol- Morar em lugares paradisíacos, pode ser bem vemos nos movimentar, não por tédio, mas pela complexo para a maioria das pessoas. É preciso necessidade e oportunidade de explorar algo novo, disciplina e disposição para viver e trabalhar no mesmo com restrições dentro da rotina. Fomos a paraíso. Na ilha então, não há carros, grandes merSão Francisco do Sul – SC e decidimos morar por cados e para tudo é preciso caminhar ou pedalar. alguns dias na pequena e quase deserta praia de Além disso, não estamos de férias. Afinal, as contas Ubatuba. Acabamos ficando 80 dias. Minhas filhas chegam, os clientes esperam e as responsabilidaestudando online, e eu e minha esposa com nossos des continuam com os estudos das filhas e nosso trabalhos remotos. trabalho. Paraíso, estudo e trabalho, tudo ao mesmo
Logo depois nos movimentamos de novo. Fomos tempo era novidade também pra gente. Mas temos para a Ilha do Mel, num pequeno refúgio da minha tirado de letra. Talvez porque sempre nos movifamília, para continuar nossa quarentena na ativa. mentamos e em família já fomos a lugares que para Já são 4 meses nesse novo modo de viver. Quando muitos seria roots demais para levar os filhos. partimos, levamos pouca roupa, pois a ideia era Ajustamos horários e definimos regras e tarefas apenas alguns dias. Fomos ficando e vimos que para que todos colaborem. Cumprimos metas e a pouca roupa, era mais que suficiente. Um bom reuniões de trabalho online, mas também temos wi-fi era tudo que precisávamos para o trabalho e tempo de ver o nascer do sol, correr na praia deserta estudos. Não tínhamos o conforto de nossa casa em entre uma call e outra e nos permitirmos ajudar Curitiba, uma TV smart, os aplicativos de facilida- a puxar a rede de pesca no meio do dia. Quando des instantâneas, nem os mercados com variedade nômades, seres humanos se movimentavam, des-
cobriam novas oportunidades e impactavam menos. Nos fixamos a terra, e paramos em nome de estabilidade. Mas o perigo não é parar de viajar. E sim parar de se movimentar em sua própria vida, não importa em que teto esteja.
Não fomos feitos para ficar parados. Há pessoas que deixam de se movimentar em seus trabalhos, em suas rotinas e em sua própria casa. Criam rotinas impostas pela sociedade e por uma narrativa que não é sua, em nome do padrão. Deixam de experimentar novos aprendizados por estarem confortáveis e estáticas. Vão se fossilizando aos poucos e o
mundo começa a deixar de ser interessante e a fazer sentido. O castelo de baralho uma hora cai.
Sempre me interessei pelo modo de vida nômade contemporâneo onde pessoas corajosas ressignificam o termo casa, para algo muito além de tijolos e bens de consumo confortáveis em sua cidade de origem. Tenho amigos que abriram mão de suas propriedades para chamar uma mochila de 8kg ou uma Kombi 72 de casa. São felizes e interessantes. E tenho amigos que construíram mansões daquelas de propaganda de margarina, e não suportam sua rotina. E talvez para esses, a
única solução está em se mexer. Se movimentar para algum lugar, mesmo dentro da própria casa.
Por isso, a tal reinvenção tão aclamada por todos, começa pelo seu movimento, pelo seu sopro, sem esperar que o mundo conspire a seu favor. E nesse sentido, o simples pode nos ensinar muito mais do que o complexo. Do que realmente precisamos, e do que é exagero. Do que importa, e do que é imposto. Do que vale e do que é vaidoso. Sentir-se bem em casa, é sentir-se bem com o seu movimento e de quem você ama e se importa.