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Série Neurociências Aplicadas

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Série Neurociências Aplicadas

Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico: uma Abordagem das Neurociências

BRUNA BRANDÃO VELASQUES Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Neurociências Aplicadas do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ). Doutoranda em Saúde Mental pela UFRJ. Mestre em Saúde Mental pela UFRJ. Psicóloga formada pela UFRJ. Diretora do Instituto de Neurociências Aplicadas (INA). Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa Neuromuscular do Instituto de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (PNeuro/INTO). PEDRO RIBEIRO Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Neurociências Aplicadas do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ). Doutor em Controle Motor pela University of Maryland, EUA. Mestre em Educação Física pela Universidade Gama Filho (UGF). Formado em Educação Física pela UGF. Coordenador do Laboratório de Mapeamento Cerebral e Integração Sensório-Motora do IPUB/UFRJ. Diretor do Instituto de Neurociências Aplicadas (INA). Professor-Associado I da UFRJ.

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Série Neurociências Aplicadas – Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico: uma Abordagem das Neurociências Copyright © 2013 Editora Rubio Ltda. ISBN 978-85-64956-38-4 Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução desta obra, no todo ou em parte, sem autorização por escrito da Editora. Produção e Capa Equipe Rubio Editoração Eletrônica Elza Maria da Silveira Ramos

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ V539r

Velasques, Bruna Brandão Reabilitação motora no acidente vascular encefálico: uma abordagem das neurociências / [Bruna Brandão Velasques, Alair Pedro Ribeiro de Souza e Silva]. - Rio de Janeiro: Rubio, 2013. 150p. : 23 cm

ISBN 978-85-64956-38-4

1. Neurociências. 2. Medicina de reabilitação. 3. Neuroplasticidade. I. Silva, Alair Pedro Ribeiro de Souza e. II. Título. 12-5174. 20.07.12

CDD: 612.8 CDU: 612.8 31.07.12

037523

Editora Rubio Ltda. Av. Franklin Roosevelt, 194 s/l 204 – Castelo 20021-120 – Rio de Janeiro – RJ Telefax: 55(21) 2262-3779 • 2262-1783 E-mail: rubio@rubio.com.br www.rubio.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Colaboradores

Carolina Ferreira Christovão Pós-Graduada em Tráumato-Ortopedia e em Neurociências Aplicadas à Reabilitação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista no Método Pilates Aplicado à Reabilitação pela Escuela Internacional de Fisioterapia de Posgrado, Espanha. Especialista em Reeducação Postural Global (RPG) pelo Instituto Philippe Souchard, Rio de Janeiro. Especialista no Método Busquet pela Les Chaînes Physiologiques, França. Fisioterapeuta formada pela UFRJ. Fernanda Nunes Leal Ferreira Pós-Graduada em Neurociências Aplicadas à Reabilitação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Especialista em Acupuntura pelo Colégio Brasileiro de Acupuntura (CBA), da Academia Brasileira de Arte e Ciência Oriental (Abaco). Fisioterapeuta formada pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (Uni-IBMR). Atuante na área de Fisioterapia e Acupuntura no Tratamento de Dor e Reabilitação Esportiva. Gabriel Dias de Araújo Pinheiro Professor da Pós-Graduação em Neurociências Aplicadas a Reabilitação e Longevidade pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor da Pós-Graduação da Universidade Severino Sombra (USS), Vassouras (RJ). Professor da Pós-Graduação da Universidade Suprema, Juiz de Fora (MG). Pós-Graduado em Neurociências Aplicadas à Aprendizagem pela UFRJ.

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Juliana Rizzo Duarte de Carvalho Pós-Graduada em Neurociências Aplicadas à Aprendizagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-Graduada em Fisioterapia-Pneumofuncional pela Universidade Gama Filho (UGF). Especialista em Reeducação Postural Global (RPG) pelo Instituto Philippe Souchard, Rio de Janeiro. Fisioterapeuta formada pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (Uni-IBMR). Mariana de Oliveira Pacheco Pós-Graduada em Neurociências Aplicadas à Reabilitação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fisioterapeuta formada pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (Uni-IBMR). Pauline Boukaira Especialista em Neurociências Aplicadas à Reabilitação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fisioterapeuta formada pela UFRJ. Sérgio Eduardo de Carvalho Machado Coordenador do Laboratório de Mapeamento Cerebral e Estimulação Magnética Transcraniana para Estudos em Ansiedade do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ). Doutor em Saúde Mental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestre em Saúde Mental pela UFRJ. Educador Físico pela Universidade Estácio de Sá (Unesa). Pesquisador do Instituto Nacional de Medicina Translacional (INCT-TM). Professor convidado do Programa de Quiropraxia da Universidad Central de Chile (UCEN). Vinícius de Souza Gonçalves Mestrando em Atividade Física e Saúde pela Fundação Universitária Ibero-Americana (Funiber). Pós-Graduado em Neurociências Aplicadas à Reabilitação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Fisioterapeuta do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ).

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Dedicat贸ria

Dedicamos este livro a todos os nossos alunos e mestres.

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Agradecimentos

Este livro é resultado de um esforço de integração entre diversos profissionais. Agradecemos inicialmente a todos os autores o entusiasmo, a disposição, a disponibilidade e a dedicação durante a sua elaboração. Graças ao inestimável empenho de cada um, conseguimos cumprir de maneira eficaz um dos nossos principais objetivos: mostrar diferentes enfoques e aplicabilidades dos conceitos das neurociências na reabilitação de pacientes que sofreram acidente vascular encefálico (AVE). Não podemos deixar de mencionar a relevância da equipe da Editora Rubio, pela competência com que conduziu todo o processo de produção deste trabalho.

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Apresentação

Este livro, ao abordar os novos métodos de reabilitação motora no acidente vascular encefálico (AVE), limita-se, em especial, àqueles que têm como base os principais conceitos das neurociências, como neurônios-espelho, neuroplasticidade e estimulação magnética transcraniana. O público-alvo que esta obra pretende alcançar são os profissionais da área de saúde, notadamente fisioterapeutas, professores de educação física e terapeutas ocupacionais.

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Prefácio

O acidente vascular encefálico (AVE) é uma das maiores causas de óbito e de incapacidade no mundo. A reabilitação motora dos pacientes que sofrem esse tipo de lesão requer extremo cuidado, atenção e conhecimento do profissional de saúde responsável por essa abordagem. Outro aspecto a ser destacado é a escolha da técnica empregada no processo de reabilitação física dessas pessoas. Com base nessas questões, os autores Bruna Brandão Velasques e Pedro Ribeiro, que direcionam suas vidas ao estudo das Neurociências, envolvendo-se em pesquisas e palestras e contribuindo para a formação de profissionais dessa área, prepararam este livro, Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico: uma Abordagem das Neurociências, elaborado a partir de estudos realizados por alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em Neurociências Aplicada à Reabilitação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A obra vem preencher uma lacuna existente na área, pois aborda de maneira específica técnicas de base neurofisiológica aplicadas atualmente no processo de reabilitação desses pacientes. Os primeiros capítulos fornecem uma abordagem geral dos aspectos envolvidos no AVE e no processo que embasa a reabilitação física: a neuroplasticidade. A seguir são abordadas técnicas distintas, distribuídas didaticamente em diferentes capítulos, sendo contempladas: a imagética motora, a terapia-espelho, a técnica de restrição e indução do movimento, a acupuntura, a estimulação magnética transcraniana e a reabilitação robótica. Os métodos são abor-

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dados de maneira concisa, que fornece ao leitor uma descrição básica, sua aplicação na prática clínica e a apresentação de resultados de estudos científicos relacionados ao tema. Este livro será certamente bem aproveitado pelos profissionais que trabalham na área da reabilitação física de pacientes com doenças neuromusculares (em especial, o AVE), principalmente fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, fonoaudiólogos e médicos. Vale ressaltar que a obra, escrita em uma linguagem de fácil compreensão, interessará também a leigos que tenham interesse no assunto.

Juliana Bittencourt Marques Mestre em Ciências da Saúde pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/UFRJ). Pesquisadora do Laboratório de Mapeamento Cerebral e Integração Sensório-Motora pelo IPUB/UFRJ. Doutoranda em Ciências da Saúde pelo IPUB/UFRJ. Colaboradora do Instituto de Neurociências Aplicadas.

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Abreviaturas

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ACA

artéria cerebral anterior

ACI

artéria carótida interna

ACM

artéria cerebral média

ACP

artéria cerebral posterior

ARM Guide

Guia de mensuração e reabilitação assistida (assisted rehabilitation and measurement guide)

AVE

acidente vascular encefálico

AVD

atividades da vida diária

BDNF

fator de crescimento neural do cérebro (brain derived neutrophic factor)

BI

índice de Barthel (Barthel indice)

CMN

corticomotoneuronal

CIMT

terapia de restrição e indução de movimento (constraint-induced movement therapy)

DCC

doença congestiva cardíaca

DP

doença de Parkinson

EA

eletroacupuntura

EEG

eletroencefalografia

EMT

estimulação magnética transcraniana

ESS

estimulação elétrica somatossensorial

ETCd

estimulação transcraniana por corrente direta

EVA

escala visual análoga

FMA

avaliação de Fugl-Meyer (Fugl-Meyer avaliation)

GABA

ácido gama-aminobutírico

HAS

hipertensão arterial sistêmica

IFG

giro frontal inferior (inferior frontal gyrus)

IM

índice de motricidade

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IMR

índice de mobilidade de Rivermead

IPL

lobo parietal inferior (inferior parietal lobule)

LTD

depressão de longa duração (long-term depression)

LTP

aumento do tempo de resposta sináptica (long-term potentiation)

MAS

escala modificada de Ashworth (Ashworth modificated scale)

MEG

magnetoencefalografia

MIME

Mirror Image Movement Enhancer

MIT-Manus

Massachusetts Institute of Technology-Manus

MMSS

membros superiores

MS

membro superior

NMDA

N-metil-d-aspartato

NE

neurônios-espelho

NGF

fatores de crescimento neural (neural growth factor)

NIH

National Institutes of Health

SNE

sistema de neurônios-espelho

SNC

sistema nervoso central

PET

tomografia por emissão de pósitrons

PRM

potenciais relacionados a movimento

RMf

ressonância magnética funcional

RV

realidade virtual

TA

triplo aquecedor

TC

tomografia computadorizada

TE

terapia-espelho

TENS

estimulação nervosa elétrica transcutânea (transcutaneous electrical nerve stimulation)

TMR

teste motor de Rivermead

TMS

estimulação magnética transcraniana (transcranial magnetic stimulation)

TRIM

terapia de restrição e indução do movimento

VB

vesícula biliar

VG

vaso governador

VGEF

fatores de crescimento do endotélio vascular (vascular endothelial growth factor)

WMFT

Wolf Motor Function Test

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Sumário

1

Aspectos Gerais do Acidente Vascular Encefálico ...............1 Bruna Brandão Velasques e Pedro Ribeiro

2

Neuroplasticidade: Aprendizado Motor após AVE .......... 11 Carolina Ferreira Christovão e Pedro Ribeiro

3

A Imagética Motora como Auxiliar na Reabilitação Precoce do Paciente com Prejuízo da Função Motora após AVE ..................................................................................... 19 Juliana Rizzo Duarte de Carvalho e Bruna Brandão Velasques

4

Aplicações Clínicas dos Neurônios-Espelho na Recuperação Funcional de Membros Superiores em Pacientes Hemiparéticos após AVE ............................... 27 Pauline Boukaira e Sérgio Eduardo de Carvalho Machado

5 Infl uência da Terapia de Restrição e Indução do

Movimento (TRIM) na Neuroplasticidade de Pacientes após AVE: Evidências por Meio de Recursos Neurofi siológicos e Neuroimagem ...................................... 41 Gabriel Dias de Araújo Pinheiro e Sérgio Eduardo de Carvalho Machado

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6 O Efeito da Acupuntura no Tratamento das

Sequelas do AVE........................................................................ 49 Fernanda Nunes Leal Ferreira e Bruna Brandão Velasques

7 Efeitos da Estimulação Transcraniana Direta Associada à

Reabilitação Motora em Pacientes que Sofreram AVE.... 59 Mariana de Oliveira Pacheco e Sérgio Eduardo de Carvalho Machado

8 Reabilitação Robótica: uma Nova Abordagem na

Recuperação Funcional de Pacientes após AVE................. 75 Vinícius de Souza Gonçalves e Sérgio Eduardo de Carvalho Machado

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Índice Remissivo........................................................................ 89

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1 Aspectos Gerais do Acidente Vascular Encefálico Bruna Brandão Velasques Pedro Ribeiro

Introdução O acidente vascular encefálico (AVE) se caracteriza por anormalidades no fornecimento de nutrientes, circulação de glicose e oxigênio no encéfalo e que tenham como consequência um comprometimento funcional ou anatômico. O AVE se dá em áreas crescentes de infarto, com dano neuronal definitivo e, portanto, com a instalação súbita de um déficit neurológico focal com duração de pelo menos 24h, podendo ser de natureza isquêmica ou hemorrágica.1,2 Além disso, pode ocorrer em razão da presença de fator de risco vascular ou aneurisma. Estima-se que, entre os casos de AVE, 85% sejam isquêmicos e 15%, hemorrágicos.1 Em ambos, em virtude da perda de função cerebral focal ou global, os pacientes evoluem com alterações clínicas importantes. Os resultados do AVE dependem de sua localização, do tamanho da área afetada no cérebro e do tempo decorrido entre o evento e o atendimento à pessoa.3 As sequelas mais comuns são hemiplegia e hemiparesia, alterações da linguagem (fala e memória), alterações que envolvem mudanças na força muscular (fraqueza ou paralisia), no tônus muscular (flacidez, espasticidade), na ativação muscular (iniciação inadequada, dificuldades para sequenciamento, tempo inadequado de disparo da ação), mudanças sensoriais (consciência, interpretação), mudanças no alinhamento e na mobilidade, no comprimento do tecido muscular e articular, problemas ósseos e posturais, dor e edema, assim como insuficiência de movimentos, movimentos atípicos e compensações indesejáveis.4

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Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico: uma Abordagem das Neurociências

Epidemiologia Em 1990, o AVE era a segunda maior causa de óbitos em todo o mundo (cerca de 4,4 milhões de pessoas) e a terceira nos países em desenvolvimento. Somente havia mais ocorrência de mortes em razão da doença coronariana e do câncer. Já em 1999, esse valor aumentou e chegou a alcançar 5,54 milhões.5 Em virtude do envelhecimento da população mundial, o número de pessoas acometidas por AVE aumentou de maneira significativa ao longo dos anos. Esse tipo de acidente também é a maior causa de incapacidade funcional, danos emocionais e socioeconômicos para os pacientes e suas famílias, sem falar nos danos econômicos ao sistema de saúde.6,7 O AVE seguido de óbito costuma ocorrer em pacientes de 35 a 64 anos de idade e, a cada dia, atinge pessoas mais jovens. No período de 1994 a 1997, estima-se que houve, somente no Brasil, 198.705 a 295.596 casos de hospitalizações por ano por causa de AVE, e todos os anos são gastos bilhões de dólares com a reabilitação motora desses pacientes.8,3 O AVE é a maior causa de deficiência em adultos nos países ocidentais, e o tempo de recuperação depende da sua gravidade, estando estimada em 173/100 a prevalência de sobreviventes que requerem dependência no desempenho das atividades da vida diária (AVD).9 Em geral, acomete pessoas com mais de 65 anos, e sua incidência aumenta com a idade e é comum os pacientes apresentarem alguma deficiência.10 Já quanto às pessoas acima de 60 anos, as alterações cerebrovasculares estão entre as maiores causas de incapacidade, e apenas 30% dos sobreviventes se recuperam parcialmente com 20% necessitando de auxílio para a realização das atividades diárias. Dos pacientes que sobrevivem ao primeiro mês após o acidente, cerca de 80% apresentam alterações neurológicas, sejam de maior ou menor sequela, e necessitam de tratamento para prevenir possíveis complicações decorrentes do acidente e trazer mais independência. Dos 20% restantes, metade tem cura espontânea, e a outra parte, representa a parcela de pacientes com incapacidades severas. É de extrema importância que o paciente seja socorrido o quanto antes na tentativa de minimizar os efeitos do acidente.4,11,12

Classificação O AVE pode ser subdividido em três tipos: trombótico, embólico e hemorrágico (Tabela 1.1). O trombótico é causado por uma redução parcial de fluxo sanguíneo decorrente de placas ateroscleróticas em um dos vasos

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Aspectos Gerais do Acidente Vascular Encefálico

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sanguíneos cerebrais, com eventual ocorrência de oclusão.13 Pode haver redução do fluxo sanguíneo quando um êmbolo (placa solta no sangue) se desloca do coração e percorre uma artéria ou arteríola cerebral, causando oclusão. Os tipos trombóticos e embólicos causam AVE isquêmico, pois causam diminuição de pressão de perfusão sanguínea isquêmica.14 O AVE hemorrágico ocorre por ruptura no vaso sanguíneo cerebral e pode ser causado por aneurismas congênitos, hipertensão ou malformação congênita arteriovenosa. A frequência relativa de AVE trombótico, embólico e hemorrágico fica em torno de 50%, 30% e 20%, respectivamente.15 Tabela 1.1 Tipos de AVE Tipos

Descrição

Trombótico (isquêmico)

Interrupção total ou parcial do fluxo sanguíneo em razão das placas ateroscleróticas

Embólico (isquêmico)

Interrupção total ou parcial do fluxo sanguíneo em virtude do deslocamento de êmbolo

Hemorrágico

Ruptura de vaso sanguíneo

Fisiopatologia A oferta inadequada de oxigênio ou de glicose para o cérebro inicia uma cascata de eventos que resulta em infarto. A interrupção do fluxo sanguíneo desencadeia episódios neuropatológicos que vêm causar dano celular irreversível.16 A área que circunda o núcleo é chamada de penumbra isquêmica, composta por células viáveis, porém metabolicamente letárgicas. A isquemia provoca a liberação de uma série de elementos químicos, e o glutamato em excesso dá margem a que haja alteração na distribuição dos íons de cálcio, sobrecarregando o cálcio intracelular. O resultado é a ativação de enzimas destrutivas sensíveis ao cálcio, provocando morte celular. O edema cerebral isquêmico se inicia após o trauma e estende-se por três a quatro dias, além de ser resultado de necrose tissular e da ruptura de membranas celulares.10,17

Apresentação Clínica O AVE tem um impacto significativo na família, no meio social e na atividade profissional.18 As principais manifestações são16 (Tabela 1.2):

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Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico: uma Abordagem das Neurociências

■■Artéria carótida interna (ACI): cegueira monocular transitória; hipoperfusão dos hemisférios cerebrais. ■■Artéria cerebral anterior (ACA): fraqueza do neurônio motor superior, déficits de sinais sensitivos corticais (negligência) do membro inferior contralateral; incontinência urinária, depressão e afasia motora transcortical. Se o dano for bilateral, há a presença de mutismo, distúrbios no humor e incontinência duradoura. ■■Artéria cerebral média (ACM): fraqueza contralateral, perda sensitiva na face e no membro superior; hemianopsia homônima no lado da fraqueza. Nos destros, a oclusão da ACM esquerda produz afasia global, e no hemisfério não dominante ocorrem negligência unilateral, anosognosia (falta de consciência sobre o déficit) e desorientação espacial. Pode apresentar déficits sensorimotores na face e nos membros superiores contralaterais, assim como afasia de Wernick, além de estereognosia. ■■Artéria cerebral posterior (ACP): as síndromes associadas à oclusão dessa artéria são variadas e podem apresentar: hemianestesia e hemianopsia contralaterais, dislexia e discalculia, dor lancinante, hemibalismo. ■■Artéria vertebral e basilar: apresentam síndromes cruzadas, com perda contralateral da força e sintomas sensitivos contralaterais e ipsolaterais. Wallenberg, Horner, além de outras, são algumas síndromes causadas pelo comprometimento da artéria vertebral. Já o comprometimento da artéria basilar consiste em uma combinação de sinais bilaterais de tratos longos sensitivos e motores, disfunção cerebelar e anormalidades dos nervos cranianos, paralisia ou paresia de todas as extremidades e dos músculos bulbares, comprometimento da visão, ataxia cerebelar bilateral e síndrome do cativeiro. Tabela 1.2 Manifestações clínicas de acordo com a artéria atingida pelo AVE Artéria afetada Artéria carótida interna (ACI)

Apresentação clínica ▪▪ Cegueira monocular transitória ▪▪ Hipoperfusão dos hemisférios cerebrais

Artéria cerebral anterior (ACA)

▪▪ Negligência do membro inferior contralateral ▪▪ Incontinência urinária ▪▪ Depressão ▪▪ Afasia motora

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2 Neuroplasticidade: Aprendizado Motor após AVE Carolina Ferreira Christovão Pedro Ribeiro

Introdução O sistema nervoso central (SNC) apresenta diversas características, entre elas a plasticidade, que corresponde à capacidade de o córtex cerebral alterar a organização funcional como o resultado da experiência.1 Desse modo, plasticidade se refere ao fenômeno de troca, não a um mecanismo específico subjacente. Somente há duas décadas que numerosos correlatos de plasticidade foram demonstrados em modelos animais, possibilitando começar a endereçar os mecanismos básicos.2 Em animais doentes e normais, o mapeamento da representação cortical é alterado: sinapses mudam sua morfologia; dendritos crescem e se contraem; axônios mudam sua trajetória; diversos neurotransmissores são modulados; as sinapses são potencializadas e deprimem; e os neurônios se diferenciam e sobrevivem.3 Embora as descobertas dos últimos 20 anos tenham sido excitantes, esses eventos ainda representam pouco mais do que fenômenos correlativos, ao menos para o entendimento de como o cérebro atua na recuperação de funções pós-lesões. Essas investigações não têm determinado quais os aspectos da plasticidade que estão associados a eventos de adaptação versus má adaptação ou qual desses são epifenômenos. Foram feitos esforços significativos para entender quais fatores interferem na plasticidade cortical em um cérebro normal ou afetado.4 Há algumas décadas, parecia inconcebível que a plasticidade funcional e estrutural fosse possível no córtex cerebral de adulto mamífero.5 Embora

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Aspectos Gerais do Acidente Vascular Encefálico

Artéria afetada Artéria cerebral média (ACM)

5

Apresentação clínica ▪▪ Perda sensitiva na face e no membro superior ▪▪ Hemianopsia homônima no lado da fraqueza ▪▪ Negligência unilateral, anosognosia e desorientação espacial ▪▪ Afasia de Wernick ▪▪ Estereognosia

Artéria cerebral posterior (ACP)

▪▪ Hemianestesia contralateral ▪▪ Hemianopsia contralateral ▪▪ Dislexia ▪▪ Discalculia ▪▪ Dor lancinante ▪▪ Hemibalismo

Artéria vertebral

▪▪ Perda contralateral da força ▪▪ Sintomas sensitivos contralaterais e ipsolaterais ▪▪ Síndromes associadas: Wallenberg e Horner

Artéria basilar

▪▪ Disfunção cerebelar ▪▪ Anormalidades dos nervos cranianos ▪▪ Paralisia ou paresia de todas as extremidades e dos músculos bulbares ▪▪ Comprometimento da visão ▪▪ Ataxia cerebelar bilateral ▪▪ Síndrome do cativeiro

Comprometimentos Diretos e Indiretos Pacientes com hemiplegia ou hemiparesia resultante de AVE têm déficits de movimentos que levam a limitações funcionais e a incapacidades. Esses problemas se manifestam como uma perda de mobilidade no tronco e nas extremidades e ações involuntárias do lado afetado, o que acarreta a perda da independência na vida diária.10 Pacientes com AVE frequentemente têm condições de comorbidades, como doença coronariana, doença congestiva cardíaca (DCC), falência cardíaca, hipertensão arterial sistêmica (HAS) ou diabetes. Associado a isso, há muitas complicações específicas resultantes do AVE que requerem atenção e tratamento.19

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Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico: uma Abordagem das Neurociências

Hebb defendesse a plasticidade sináptica em seu livro de 1949, Organização do comportamento, a plasticidade neural demorou um tempo para ser aceita6 e se tornou um marco que estimulou a investigação e o debate em torno da causa do fator de crescimento do nervo no cérebro adulto.7 Entre outros fatores, nas últimas décadas surge uma tendência de circuitos de sinapses e neurônios serem modificados por conta de determinada atividade, afetando diretamente a maturação cerebral.5,8-10 Valiosas visões sobre os mecanismos neurofisiológicos mediante o processo de neuroplasticidade emergem da introdução de técnicas não invasivas em estudos com humanos, como tomografia por emissão de pósitrons (PET), estimulação magnética transcraniana (TMS – transcranial magnetic stimulation) e ressonância magnética funcional (RMf). Assim, rápida ou lentamente, a plasticidade neural cortical vem sendo identificada: cada destino, seu tempo de curso e mecanismos básicos.11-13

Mecanismos Associados à Neuroplasticidade O estudo do processo de neuroplasticidade serve de base para o processo de recuperação direcionando o tratamento e auxiliando na escolha da melhor conduta para restabelecer a função perdida. Durante a plasticidade cortical aparecem mudanças que causam alterações na anatomia neural, e um comportamento motor repetitivo durante o processo de aprendizagem pode produzir mudanças na organização representacional do córtex motor. A plasticidade foi documentada em tecidos peri-infartados, assim como em áreas corticais remotas.8 Alguns fatores são determinantes no processo de neuroplasticidade no cérebro, como: a modulação de neurogênese, a reorganização neuronal e a mudança na força das sinapses com base em experiências posteriores (Tabela 2.1). Tabela 2.1 Fatores determinantes para a neuroplasticidade Fator

Descrição

Modulação de neurogênese

Fatores externos e internos que contribuem para a geração de novos neurônios

Reorganização neuronal

Depende dos estímulos e ambientes aos quais o indivíduo é exposto

Força das sinapses

A força que os neurônios utilizam para alterar sua força de comunicação dependendo de experiência prévia


Neuroplasticidade: Aprendizado Motor após AVE

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A neurogênese é uma das evidências que corroboram a existência de neuroplasticidade. De acordo com alguns estudos, algumas áreas encefálicas são responsáveis por essa neurogênese, ou seja, zona subventricular dos ventrículos laterais e zona subgranular do giro denteado do hipocampo que contém células-tronco que produzem neuroblastos. A neurogênese no acidente vascular encefálico (AVE) corresponde à proliferação de células nervosas e células-tronco, diferenciação dessa última e migração de neuroblastos para a região isquêmica.3,13 Outro fator importante no processo de recuperação está na capacidade de realização de sinapses e na reorganização dos circuitos neurais.14 A reorganização neuronal e a mudança na força das sinapses levam ao chamado aumento do tempo de resposta sináptica (LTP – long-term potentiation) ou à diminuição de tempo de resposta sináptica (LTD – long-term depression), que são decorrentes da ação do neurotransmissor excitatório glutamato juntamente com a do neurotransmissor inibitório ácido gama-aminobutírico (GABA) nos neurônios pré- e pós-sinápticos. O fator de crescimento neural do cérebro (BDNF – brain derived neutrophic factor) por meio da ativação elétrica reforça a formação de LTP em associação ao alargamento das espinhas dendríticas. O LTP está associado à formação da memória no hipocampo, e o LTP e LTD servem de base para a reorganização da atividade dependente e para a estabilização do desenvolvimento das redes neurais no córtex sensorimotor. Foi observado em roedores que a experiência sensorial estimula o brotamento contínuo e a retração das sinapses nas espinhas dendríticas para remodelar os circuitos neurais. Provavelmente um mecanismo similar é responsável pelo aumento da atividade excitatória no córtex cerebral de humanos, muito observada em treinamentos motores.14,15

Resposta Cerebral a Lesões Focais Vastas áreas de excitabilidade cortical aparecem imediatamente após o infarto cerebral, e essas alterações diminuem durante os meses subsequentes. As mudanças ocorrem em regiões estruturalmente ligadas à lesão em ambos os hemisférios como consequência da baixa regulação do neurotrasmissor inibitório GABA. O bloqueio do receptor de GABA resulta na redução da inibição GABAérgica, facilitando a potencialização a longo prazo no córtex motor primário.3 Alterações relevantes funcionalmente adaptativas ocorrem no cérebro humano após danos focais.16 O córtex motor tem um efeito inibitório via corpo caloso um sobre o outro, equilíbrio esse

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que pode ser manipulado a fim de promover melhorias comportamentais e ganhar suporte. As lesões induzidas por hiperexcitabilidade cortical e as alterações neuroquímicas são consideradas substratos potenciais para as mudanças em nível sináptico, o que pode facilitar os sistemas de níveis de reorganização cerebral subjacente à redução do comprometimento da lesão após AVE.3,16,17 Os danos focais no cérebro adulto podem produzir uma série de alterações moleculares e celulares, tanto em regiões ao redor da lesão (p. ex., perilesionais) como em regiões distantes. Mais especificamente, importantes mecanismos que interferem na reorganização cortical envolvem o desmascaramento de conexões e modulações inibitórias GABAérgicas e eficácia sináptica. A interferência nesse mecanismo pode bloquear ou facilitar o processo de reorganização. Dessa forma, após uma lesão no córtex motor primário, observam-se alterações no sistema regulatório de neurotransmissores, recrutamento de áreas não lesionadas (proximais ou distais), além de alterações anatômicas, como arborização axônica e sinaptogênese no tecido circundante à lesão ou em áreas motoras do hemisfério não afetado.18 Além disso, essa nova arquitetura funcional depende também de alguns fatores, como idade biológica do indivíduo e do tempo de início da lesão.3 Na área lesionada, o mecanismo de recuperação imediata é a reorganização de tecidos adjacentes intactos, como novas regiões que tomam posse da função da área afetada. No hemisfério intacto e observada uma importância de projeções ipsolaterais (p. ex., projeções secundárias) para neurônios motores da medula espinal, constatando-se uma contribuição significativa para a recuperação funcional. De qualquer modo, projeções da área motora secundária para a medula espinal são conhecidas por serem menos numerosas e menos excitatórias do que as vindas da própria área lesionada, e, assim, a recuperação nesses pacientes se torna dependente dessas regiões para uma produção motora.3,16 Danos em uma dessas redes podem ser parcialmente compensados pela atividade de outra. De qualquer modo, a explicação para isso pode ser dada pelo fato de que os sistemas motores secundários são pouco prováveis para substituir completamente projeções de área lesionada, como projeções da medula espinal são menos numerosas e menos eficazes na excitação de motoneurônios dessa medula. Nesse aspecto, as regiões motoras secundárias, ou o hemisfério não afetado, adquirem a função da

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funcional, reduzindo daí os déficits motores, pesquisadores indagaram se a combinação da técnica terapia-espelho (TE) com a recuperação neurológica seria eficaz. Partindo desses princípios, a terapia-espelho é uma proposta terapêutica interessante e de baixo custo, em que o espelho é colocado no meio do plano sagital, posicionando-se o braço não afetado na parte refletida como se fosse o membro afetado.9 Este capítulo vai abordar a importância do NE na recuperação funcional de pacientes hemiparéticos após AVE e sua aplicabilidade como forma de tratamento na reabilitação neurológica nos pacientes com paresia em membros superiores (MMSS). Além disso, pretende elucidar uma nova abordagem terapêutica com o objetivo de potencializar a recuperação funcional do paciente e melhorar sua qualidade de vida. Quando um paciente é posicionado frente a um estímulo ou a um movimento que possua algum significado, é ativado um grupo de neurônios especializados, ou seja, os NE. Com uma abordagem diferenciada em que um paciente após AVE utilizará um espelho no qual aparecerá uma imagem do membro sadio, enquanto o outro membro, dito lesado, permanecerá atrás desse mesmo espelho, o fisioterapeuta poderá utilizar diversos comandos para estimular o lado lesado que se encontra atrás do espelho. Dessa forma, as áreas de associação sensorimotoras são “enganadas” pela ilusão visual de um membro sadio em movimento.

Controle Motor e Acidente Vascular Encefálico O sistema motor é afetado em aproximadamente 80% dos casos de AVE agudo, cujas consequências são déficits e comprometimentos motores. Há uma relação entre mudanças no controle do sistema motor após um AVE com a resposta da melhora no controle corporal.10 Para a realização de um ato motor, a pessoa deve produzir ou ter arquivada uma estimativa interna dos parâmetros necessários para sua execução.11 O planejamento, a correção e a execução dos movimentos estão inscritos em redes neurais que incluem os córtices pré-central, motor primário e pré-motor, também a área motora suplementar, os córtices parietal e o cingulado, o cerebelo e os núcleos da base, os talâmicos e os do tronco cerebral, além da medula espinal.12 Os programas e sua execução derivam da atividade orquestrada de redes cerebrais corticais, subcorticais e medulares interconectadas, organizada em série e em paralelo. O grau e a maneira como esses circuitos serão

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4 Aplicações Clínicas dos Neurônios-Espelho na Recuperação Funcional de Membros Superiores em Pacientes Hemiparéticos após AVE Pauline Boukaira Sérgio Eduardo de Carvalho Machado

Introdução O acidente vascular encefálico (AVE) tem como consequência muitos déficits neurológicos, os quais reduzem muito as capacidades do paciente na realização de suas atividades da vida diária (AVD). Aproximadamente 30% dos pacientes com paresia de membros superiores não recuperam significativamente a destreza após seis meses de acometimento.1,2 Nesse sentido, foi elaborada uma nova abordagem para promover a recuperação motora de membros superiores com base na descoberta dos neurônios-espelho (NE) na área pré-motora de macacos.3,4 Há evidências de que esse sistema de neurônios também esteja presente em seres humanos, com similaridades entre execução e observação motora, ou seja, quando uma pessoa executa determinada ação e observa outra pessoa a executando.5 A recuperação de funções motoras voluntárias de membros superiores após um AVE representa um grande desafio clínico. Após seis meses de acometimento por um acidente desse tipo, somente 38% dos pacientes recuperam alguma destreza no membro parético e apenas 12% demonstram recuperação funcional significativa apesar de terem se reabilitado de alguma maneira.6 Portanto, faz-se necessário o desenvolvimento de métodos ou técnicas mais eficazes para a reabilitação de déficits motores após um AVE, assim como revisões sistemáticas de estudos clínicos apontam que programas de reabilitação mais diversificados produzem resultados de maior significado.7,8 Assim, na tentativa de acelerar o processo de recuperação

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recrutados dependerão da experiência da pessoa, da integridade dessas vias neurais, do tipo e da complexidade do movimento a ser executado. Ademais, para a execução de um movimento, são importantes o controle da ação, a percepção, a cognição e a motivação. Além disso, esses circuitos são plásticos e podem ser modificados pelo aprendizado ou após lesões centrais e periféricas.11 O dano cerebral em diferentes partes do sistema nervoso central (SNC) resulta em uma variedade de comprometimentos no controle do movimento relacionado ao processamento de informação. O problema na identificação do estímulo ocorre quando há dano no córtex primário ou nas áreas associativas de processamento sensorial.13 Déficits na atenção visual e perda do campo visual são o resultado de lesões do córtex parietoccipital.14 Acidente vascular encefálico no hemisfério esquerdo demonstra mais déficit na programação de resposta do que no direito.15 As estruturas dos gânglios da base têm alguma relação com memória, orientação ou atenção a estímulos16 e, aparentemente, estão envolvidas na iniciação do movimento e execução,17 mas esses déficits parecem estar independentes do comprometimento perceptivo.18 Em razão do fato de vários tipos de movimento estarem envolvidos em diferentes sistemas de memória, alguns tipos específicos de lesão resultam em diferentes problemas de controle motor7. As estruturas de memória de trabalho para sincronia e força parecem estar danificadas por lesões no cerebelo e nos gânglios da base.19 A memória de trabalho para processamento espacial é afetada por danos no córtex posterior,20 e a memória de imitação e sequência de cópia de movimentos ou gestos resulta em dano do córtex, particularmente no lobo frontal21 (Tabela 4.1). A organização somatotópica do córtex motor refere-se à relação espacial dos locais de representação do movimento para diferentes segmentos corporais. Estudos em que se utilizou mapeamento cerebral após AVE descreveram desvios no local de representação do movimento10 de uma a duas regiões ou na ativação cerebral durante as tarefas.22 O comprometimento motor pode ser causado por uma lesão isquêmica ou hemorrágica dos córtices motor e pré-motor e pelos tratos motores ou vias associadas ao cérebro ou cerebelo.23 Esses comprometimentos afetam a habilidade individual para completar as atividades da vida diária (AVD), tornando o sujeito incapacitado. Mudanças na habilidade motora podem ocorrer pelos mecanismos da restituição, substituição e compensação.24

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7 Efeitos da Estimulação Transcraniana Direta Associada à Reabilitação Motora em Pacientes que Sofreram AVE Mariana de Oliveira Pacheco Sérgio Eduardo de Carvalho Machado

Introdução Geralmente os métodos de estimulação cerebral não invasiva, como a estimulação magnética transcraniana (EMT), demonstram bons resultados na reabilitação de transtornos psiquiátricos e doenças neurológicas e cerebrovasculares, como o acidente vascular encefálico (AVE). Entretanto, a EMT ainda é uma ferramenta de alto custo.1 Nesse contexto, uma possibilidade de uso simples e seguro e que apresenta resultados positivos na modulação da atividade cerebral é a chamada estimulação transcraniana por corrente direta (ETCd).2 As investigações em torno dessa técnica começaram a ser desenvolvidas na década de 1960, quando diversos pesquisadores iniciaram uma investigação sistemática com o uso de correntes de baixa intensidade, aplicadas diretamente no córtex de animais, e demonstraram efeitos controláveis sobre a atividade espontânea e as respostas evocadas de neurônios. Nos últimos anos, tornou-se evidente que a ETCd pode influenciar a atividade cortical em humanos de maneira semelhante à observada nesses experimentos pioneiros.3 Durante essa estimulação, as correntes diretas de baixa amplitude, aplicadas através de eletrodos posicionados em pontos predeterminados no couro cabeludo, penetram o crânio e atingem o cérebro, o suficiente para modificar os potenciais neuronais transmembranares, influenciando os níveis de excitabilidade e modulando a taxa de disparo de células neuronais isoladas.1

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Tabela 4.1 Dano cerebral e comprometimento no controle motor Estrutura danificada

Consequência

Lesão no córtex primário ou nas áreas associativas

Problema na identificação do estímulo

Lesão na junção parietoccipital

Déficit da atenção visual e perda do campo visual Alteração na memória de trabalho para processamento espacial

Lesão no cerebelo e nos gânglios da base

Déficit de memória e orientação envolvidos na iniciação e execução do movimento Alteração na sincronia e na força do movimento

Lesão no hemisfério esquerdo

Déficit na programação da resposta

Lesão no córtex frontal

Alteração na memória de imitação e sequência de cópia de movimento

A recuperação motora está relacionada à restauração da função do tecido neural que foi inicialmente perdido, à restauração da habilidade para realizar o movimento de maneira similar antes da lesão e ao sucesso na conclusão da tarefa como se fossem pessoas sem incapacidade.25 Tipos de compensação motora nessas três áreas incluem: aquisição pelo tecido neural de uma função que não tivesse uma lesão antes, desempenho do movimento de maneira nova e sucesso na conclusão da tarefa usando técnicas diferentes.26 A avaliação do paciente com patologia do SNC que inclui estágios da memória, processos seletivos de atenção e capacidade para ensaiar ou se concentrar por tempo adequado vai oferecer orientação valiosa para o fisioterapeuta.13

Alterações Neuromusculares e Acidente Vascular Encefálico As lesões do SNC, como AVE, ocorrem em uma alta porcentagem de pacientes,27 o que causa comprometimento do desempenho funcional.28 Muitos tipos de comprometimento motor já foram descritos em pacientes, havendo várias evidências de que ocorre degeneração de neurônios motores inferiores seguida de lesão nos superiores.29 Os mecanismos neuromusculares envolvidos na hemiparesia são diminuição da função da unidade motora e mudanças na ordem do recrutamento de unidades motoras, além

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A técnica utiliza correntes anódicas e catódicas. A corrente anódica foi idealizada para aumentar a excitabilidade cortical no cérebro de regiões-alvo, enquanto a corrente catódica foi idealizada para diminuir a excitabilidade cortical. Idealizou-se também que as mudanças na excitabilidade ocorreriam em razão de uma subliminar despolarização da membrana neuronal. Quando a ETCd é aplicada por um tempo suficiente, a função cortical pode permanecer alterada além do período de estimulação, mas por curto tempo.2 Assim, é necessária a concepção de um modelo de tratamento por meio da ETCd para doenças neurológicas direcionada a áreas cerebrais específicas e responsáveis pelas disfunções produzidas por essas condições e que provocassem, ou não, leves efeitos colaterais, como náuseas, vertigem ou dificuldade de concentração.3 Além disso, tal modelo de tratamento deveria ser altamente eficaz e economicamente viável e razoável para uso na prática clínica. Desse modo, é visível que os tratamentos existentes para as doenças neurológicas, particularmente os farmacológicos, têm grandes limitações, como os efeitos adversos moderados a graves e inespecíficos. Embora outros tipos de tratamento, como a fisioterapia neurológica, sejam mais seguros e específicos, precisam de maior nível de formação e experiência do terapeuta, bem como grande cooperação do paciente. Daí se tornar necessário um consenso em que novas abordagens terapêuticas no campo da neurorreabilitação sejam desenvolvidas por meio da ETCd.4 Partindo desses princípios, diversos ensaios clínicos foram realizados nos últimos anos, demonstrando que a aplicação dessa estimulação é uma ferramenta útil no tratamento e nos processos de reabilitação de doenças cerebrovasculares, como o AVE.1,5 Por exemplo, a aplicação de corrente anódica no córtex motor resulta em melhor desempenho motor, aumento do rendimento do aprendizado motor implícito e memória operacional em pacientes com doença de Parkinson (DP).5,6 Nesse contexto, a técnica de ETCd demonstra efeitos positivos sobre padrões específicos de atividade cerebral, por diminuição da excitabilidade de circuitos encontrados em áreas não lesionadas, na supressão de padrões da atividade de redes neurais com má adaptação e no restabelecimento do equilíbrio dessas redes neurais com má adaptação, aumentando a excitabilidade das áreas lesionadas possivelmente por meio do fortalecimento sináptico, promovendo assim restabelecimento do equilíbrio dessas mesmas redes neurais antes mal adaptadas1,2 (Tabela 7.1).

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Tabela 7.1 Efeitos positivos da ETCd sobre padrões específicos da atividade cerebral ▪▪ Diminuição da excitabilidade de circuitos encontrados em áreas não lesionadas ▪▪ Supressão de padrões da atividade de redes neurais com má adaptação ▪▪ Restabelecimento do equilíbrio das redes neurais com má adaptação ▪▪ Excitabilidade das áreas lesionadas via fortalecimento sináptico

Desse modo, as evidências sobre a eficácia dessa técnica para que sejam utilizadas na prática clínica são incentivadas e promissoras, porém ainda insuficientes em relação ao que tem sido observado por meio do crescente número de estudos em que se utiliza a referida técnica, a qual está associada somente a leves efeitos adversos, sendo possível, dessa forma, oferecer ótimos benefícios à neurorreabilitação clínica.7 O problema encontrado na literatura em relação ao uso dessa técnica é a variabilidade de diversos parâmetros, como número de pulsos, intensidade de estimulação, número de sessões, além das características dos pacientes, como o estágio da doença, o uso de medicações e o estágio de tratamento4 (Tabela 7.2). Por exemplo, sessões repetidas com efeitos cumulativos mostram-se superiores em relação a sessões únicas e são necessárias para induzir um efeito sustentado. Embora alguns estudos tenham demonstrado um relativo efeito de longa duração (ou seja, de algumas semanas), esse período é curto se o objetivo for induzir um resultado clinicamente significativo.8,9 Apesar disso, há evidências de que a ETCd teria valor terapêutico nas diversas doenças neurológicas. Tabela 7.2 Parâmetros relevantes para o uso da ETCd ▪▪ Número de pulsos ▪▪ Intensidade de estimulação ▪▪ Número de sessões ▪▪ Características do paciente ▪▪ Estágio da doença ▪▪ Uso de medicamentos ▪▪ Estágio do tratamento

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Além disso, nos últimos anos, estudos publicados exploram novas abordagens de estimulação, como períodos de intensidades de estimulação e novos tamanhos de eletrodo nessa estimulação transcraniana. Portanto, essas novas abordagens devem ser testadas em grandes ensaios clínicos, a fim de se determinar se esses ensaios oferecem importantes efeitos clínicos e, desse modo, junto com as informações já concebidas, promover um consenso a respeito de protocolos de tratamento para tais doenças, além de também serem testadas em combinação com técnicas específicas de reabilitação motora.

Estimulação Transcraniana por Corrente Direta: Bases Neurofisiológicas e Métodos de Aplicação A ideia que há por trás da ETCd é induzir um deslocamento externo no potencial de repouso da membrana com uma mudança no grupo de neurônios estimulados. Esse tipo de estimulação envolve o fluxo da corrente direta através de eletrodos para o escalpo. O dispositivo usado na ETCd é alimentado por uma bateria que gera uma corrente capaz de manter um constante fluxo de corrente elétrica até 2mA. O dispositivo é preso em dois eletrodos embebidos em uma solução salina que é mantida no lugar por uma estrutura de borracha colocada ao redor da cabeça. Embora os parâmetros da estimulação possam variar, a densidade da corrente (p. ex., a intensidade da corrente, o tamanho do eletrodo), a duração, a polaridade e a posição ou local da estimulação mostram implicações importantes no resultado neuromodulatório da estimulação. A ETCd baseia-se na aplicação de uma corrente fraca, constante e direta no escalpo através de dois eletrodos relativamente grandes, sendo um anodo e outro catodo. Durante a estimulação, correntes de pequena amplitude penetram no crânio para entrar no cérebro. Embora haja um substancial desvio de corrente no escalpo, a corrente entranha de maneira suficiente no cérebro para modificar o potencial de ação transmembranar neuronal,10,11 influenciando desse modo o nível da excitabilidade e a modulação da taxa de disparo individual dos neurônios. De fato, a corrente da ETCd não produz o potencial de ação, mas parece modular a polaridade da atividade neuronal espontânea de maneira dependente. Por exemplo, a aplicação da ETCd anódica sobre o córtex occipital produz aumento de curta duração na excitabilidade do córtex visual.12,13

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Angústia e Existência na Contemporaneidade Jurema Barros Dantas

Dependência, Compulsão e Impulsividade Analice Gigliotti Angela Guimarães

Neurociências – Diálogos e Interseções Vanderson Esperidião Antonio

Neuropsiquiatria Clínica Antonio Lucio Teixeira Arthur Melo e Kummer

O Exame Psiquiátrico Marcelo Caixeta Leonardo Caixeta Ciro Vargas Victor Melo Cedric Melo

Saiba mais sobre estes e outros títulos em nosso site: www.rubio.com.br

O acidente vascular encefálico (AVE) é uma das maiores causas de óbito e de incapacitação no mundo. A reabilitação motora de pacientes que sofrem esse tipo de lesão requer extremo cuidado, atenção e conhecimento do profissional de saúde responsável. Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico: uma Abordagem das Neurociências, o primeiro livro da Série Neurociências Aplicadas, apresenta os novos métodos de reabilitação motora no AVE e ressalta, em especial, os métodos que têm como base os principais conceitos das Neurociências, como neurônios-espelho, neuroplasticidade e estimulação magnética transcraniana. Escrita em linguagem de fácil compreensão, a obra é de interesse dos profissionais que trabalham na área de reabilitação física de pacientes com doenças neuromusculares, principalmente fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, educadores físicos, fonoaudiólogos e médicos, além de leigos que busquem informações sobre o assunto. O livro aborda: ■Aspectos gerais do AVE. ■A imagética motora como auxiliar na reabilitação precoce do paciente que apresenta prejuízo da função motora após AVE.

Sobre os Autores Bruna Brandão Velasques

Série

Neurociências Aplicadas

Coordenadora do Curso de Pós-Graduação em Neurociências Aplicadas do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/ UFRJ). Doutoranda em Saúde Mental pela UFRJ. Mestre em Saúde Mental pela UFRJ. Psicóloga formada pela UFRJ. Diretora do Instituto de Neurociências Aplicadas (INA). Pesquisadora do Laboratório de Pesquisa Neuromuscular do Instituto de Traumatologia e Ortopedia Jamil Haddad (PNeuro/INTO).

Pedro Ribeiro Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Neurociências Aplicadas do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPUB/ UFRJ). Doutor em Controle Motor pela University of Maryland, EUA.

■Aplicações clínicas dos neurônios-espelho na recuperação funcional de membros superiores em pacientes hemiparéticos após AVE. ■A reabilitação robótica, uma nova abordagem na recuperação funcional de pacientes após AVE.

Neurociências Reabilitação Motora

Velasques | Ribeiro

Áreas de interesse

Mestre em Educação Física pela Universidade Gama Filho (UGF).

Série Neurociências Aplicadas

■O efeito da acupuntura no tratamento das sequelas do AVE.

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Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico

Outros Títulos de Interesse

Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico

Formado em Educação Física pela UGF. Coordenador do Laboratório de Mapeamento Cerebral e Integração Sensório-Motora do IPUB/UFRJ. Diretor do Instituto de Neurociências Aplicadas (INA). Professor-Associado I da UFRJ.

Uma Abordagem das Neurociências

Bruna Brandão Velasques | Pedro Ribeiro

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