40 anos de grandes obras do Governo Militar

Page 1

Revista FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Agosto de 2014

www.rudders.com.br

Ano 5 Nº 47 R$ 27,00

Ano 5 – Nº 47 – Agosto de 2014

anos

www.rudders.com.br

4

Edição de Aniversário


destaque

40 anos de grandes obras do Governo Militar A partir da década de 1960, o Brasil foi marcado por construções denominadas “faraônicas”. Neste debate serão apresentados os entraves e tropeços na realização destas obras que até hoje possuem relevante influência na engenharia civil nacional

Fotos: Acervo ABMS

Por Dellana Wolney

Viaduto da Ferrovia do Aço

A Rodovia Transamazônica (que liga a cidade de Cabedelo, na Paraíba a Lábrea, no Amazonas, cortando sete estados brasileiros: Paraíba, Ceará, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pará e Amazonas), a Ponte Rio-Niterói (RJ), as usinas hidrelétricas de Itaipu (PR) e Tucuruí (PA), as usinas nucleares de Angra (RJ) e a Ferrovia do Aço (MG-RJ) são obras que possuem um importante aspecto em comum: todas foram construídas durante o Regime Militar. Este período no Brasil foi marcado pelo aperfeiçoamento do modelo desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, que durante o seu mandato lançou o PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), também conhecido como Plano de Metas, que tinha o célebre lema “Cinquenta Anos em Cinco”. Este plano possuía 31 metas divididas em cinco grupos: Energia, Transportes, Alimentação, Indústria de Base, Educação e a meta principal ou meta-síntese, a construção de Brasília. O planejamento tinha como intuito estimular a diversificação e o crescimento da economia brasileira, embasado 10 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

na expansão industrial e na inclusão dos povos de todas as regiões do Brasil através da nova capital localizada no centro do território brasileiro, na região do Brasil Central. Embora as décadas de 1960 e 1970 tenham sido marcadas por tropeços e escândalos de corrupção, estas grandes construções, que ainda hoje têm importância estratégica para o país, recrutaram um grande número de trabalhadores. Os presidentes militares criaram um modelo econômico que gerou grandes mudanças. Caracterizado por ser autoritário e pragmático, esse padrão tinha o Estado como centro e a eficiência técnica como modelo de administração de empresas estatais. Para discutir a importância destas obras e os seus reflexos na engenharia civil contemporânea, essa seção traz a análise de renomados profissionais do setor sobre o assunto. Alguns destes engenheiros estiveram presentes na realização destes empreendimentos e outros vivenciaram de perto a influência do período Militar.


Ferrovia do Aço. Viaduto inacabado

Arquivo Pessoal

Parte do período do Governo Militar no Brasil foi marcada por grandes construções, que mesmo após cerca de 40 anos têm importância estratégica para o país. É notório o avanço da infraestrutura advinda a partir dos poucos recursos que existiam na época. Como avalia o impacto destas obras na engenharia brasileira? Atualmente estas obras ainda possuem valores estratégicos para o país? Comente sobre as principais obras daquele período. Os anos de 1960 foram controversos. No exterior, foi a época da Guerra Fria com a crise dos mísseis em Cuba, no Vietnã e o medo de um conflito atômico. No Brasil, a década entrou para a história pelas mudanças políticas e pela inédita sucessão de governos, pois foram ao

todo oito presidentes. A nova capital, Brasília, foi inaugurada em 1960 por Juscelino Kubitschek, que finalizou seu mandato com uma economia acelerada, investimentos, prosperidade, industrialização e crescimento de 7% ao ano. Esse desenvolvimento trouxe, entretanto, entraves que precisaram ser enfrentados. Gradualmente, a migração rural para as grandes metrópoles brasileiras gerou problemas. Obras de infraestrutura demandaram gastos excessivos, empréstimos externos e emissão de moeda. Foi uma época de importantes empreendimentos industriais, como a REDUC (Refinaria de Duque de Caxias), a siderúrgica COFUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS • 11


Durante a construção da Ferrovia do Aço

Imagem recente do viaduto da Ferrovia do Aço

SIPA (Companhia Siderúrgica Paulista) e as hidrelétricas de Furnas e Três Marias, todas contaram com a participação ativa da engenharia geotécnica. No Rio de Janeiro, houve obras de reestruturação urbana, destacando-se o Túnel Rebouças e o Aterro do Flamengo. No ano de 1961, ao assumir a presidência, Jânio da Silva Quadros impôs medidas duras, renegociando a dívida, desvalorizando a moeda, aumentando impostos e gerando insatisfação. Após sete meses de governo, ainda em 1961, uma grave crise política e social o fez renunciar, assumindo desta forma o governo, o seu vice-presidente, João Belchior Marques Goulart, até abril de 1964, quando foi deposto, iniciando a série de governos militares, com sérias restrições e 12 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

conflitos de ordem política e judicial. O governo implantou um plano de ação econômica, para conter a inflação e resgatar o crescimento econômico. Em outubro de 1969, com uma conjuntura financeira internacional favorável a empréstimos no exterior, o general Emílio Garrastazu Médici foi empossado na presidência e criou um novo ciclo de desenvolvimento que seria batizado como “Milagre Econômico Brasileiro”, com o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) oscilando entre 7% e 14% ao ano. O Brasil foi então o país que mais cresceu na América Latina. O modelo de endividamento permaneceu viável até os últimos anos da década seguinte, quando o choque internacional do petróleo promovido pela OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) elevou subitamente o preço do produto e os juros internacionais, com sérios reflexos na nossa dívida externa. O governo brasileiro demorou a se ajustar ao novo cenário mundial e seguiu gastando muito nas obras, até a economia entrar num longo processo de recessão, que durou quase duas décadas, com alta dos juros, espiral inflacionária, indexação, gatilhos, reajustes, planos econômicos, fuga dos investimentos do setor produtivo, aplicação overnight, dólar black, concentração de renda e desemprego. Só quem viveu aquilo consegue entender. Lembro-me que A. Penman e Z. Eisenstein, dois grandes nomes da engenharia geotécnica internacional, estiveram aqui nos anos de 1980 e achavam espantoso como os brasileiros conviviam com uma inflação beirando os 100% ao mês, sem uma revolta popular. Dizer que havia poucos recursos no tempo dos militares não confere com a realidade daquela época. Houve recursos para as grandes obras, em especial para as barragens. Algumas foram bem estudadas e construídas por engenheiros


competentes e experientes. Por outro lado, hoje, as grandes obras em andamento, como a Usina Hidrelétrica Belo Monte (PA), a transposição do Rio São Francisco e o Circuito das Águas do Ceará têm prazos e recursos limitados, dificultando a prática da boa engenharia. O modelo criado pelos presidentes militares mudou o país. O período foi marcado por construções faraônicas, insufladas pela propaganda desenvolvimentista do “Brasil Grande” e do “Milagre Econômico Brasileiro”. Algumas das obras têm ainda hoje importância estratégica, pelo inegável avanço da infraestrutura, mas deixaram graves impactos ambientais. Exemplo de obras marcantes da época é a Ferrovia do Aço, a Ponte Rio-Niterói e algumas das maiores hidrelétricas do mundo, com as barragens de Itaipu, Tucuruí, Balbina (AM) e Ilha Solteira (entre os municípios de Ilha Solteira – SP e Selvíria – MS). Para solucionar a crise do petróleo, os militares criaram ainda o PróÁlcool (Programa Nacional do Álcool), com subsídios para produtores de cana. Além dos investimentos em geração de energia hidrelétrica, o governo Costa e Silva construiu o polêmico projeto das usinas nucleares de Angra 1 e 2, aproveitando a enorme reserva de urânio do País. Instaladas perto dos centros consumidores, elas hoje geram 2% da energia consumida no Brasil.

Ferrovia do Aço Ao ser anunciada em 1974, a Ferrovia do Aço pretendia ligar Belo Horizonte (MG) a Volta Redonda (RJ) em mil dias. A obra foi também chamada de “A Ferrovia dos Mil Túneis”, pois previa grandes extensões de túneis e viadutos para cruzar a Serra da Mantiqueira. Dada a extensão do empreendimento e a diversidade de terrenos, incluindo trechos com solos moles e condições variadas de litologia, os trabalhos demandaram soluções criativas e intensa supervisão geotécnica. Na época, a Ferrovia do Aço surgiu como solução para as dificuldades do transporte de minério de ferro entre as áreas produtoras e os centros siderúrgicos de Volta Redonda e COSIPA, e os portos de exportação no Rio de Janeiro e São Paulo foram os que mais sofreram atrasos e restrição de verbas, devido ao cenário econômico do País. Foi o projeto com a maior quantidade de túneis em número e extensão já vista no Brasil e o último projeto estatal de grande vulto no setor ferroviário. Um exemplo da grande dificuldade desta obra foi o Túnel da Mantiqueira também conhecido como Tunelão, o maior túnel ferroviário da América Latina, com 8.645 m de extensão, construído através do Maciço da Serra do Pacau, a uma altitude superior a 1.000 m, em Bom Jardim (MG). Com a crise econômica e a alta da inflação, o governo teve que reduzir os gastos no final dos anos 1970. Chegava ao fim o “Milagre Econômico Brasileiro”, tornando impossível concluir a ferrovia em mil dias, meta propagandística divulgada no início das obras. O projeto inicial ficou inacabado e nunca viria a ser executado na íntegra.

Ponte Rio-Niterói Denominada Ponte Presidente Costa e Silva, foi concebida como item básico da fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro. Previa-se na época da inauguração, em 1974, que a ponte teria um fluxo de 50 a 60 mil veículos por dia nos

dois sentidos. No entanto, o crescimento do Rio de Janeiro foi tão acelerado que, hoje em dia, em feriados e finais de semana, esse volume passa de 153 mil veículos por dia. Na verdade, há séculos se pensava em ligar o Rio de Janeiro a Niterói com um túnel ou uma ponte, atravessando a Baía de Guanabara. Em 1965, o governo decidiu construir a Ponte, nomeando uma comissão de engenheiros para o projeto definitivo. A construção foi iniciada em 1969. Por suas características audaciosas, com mais de 13 km de extensão, sendo 9 km sobre as águas da Baía e pela concepção e criatividade nos processos de construção, a ponte é um marco da engenharia nacional. É a maior da América do Sul, com 300 m de vão central em uma estrutura de aço suspensa a 60 m de altura, a mais importante estrutura protendida das Américas. É ainda uma das três maiores pontes do mundo em volume. A ponte é histórica em vários sentidos, até mesmo pelas complicações e acidentes em testes de carga, com vítimas fatais durante a construção. A parte mais complexa de sua construção envolveu perfurações no subsolo marinho, na busca por um terreno adequado ao suporte da estrutura no trecho sobre o mar. As fundações com tubulões de 1,80 m de diâmetro em concreto armado, escavados em meio agressivo (a profundidades de 20 a 60 m abaixo da superfície do mar), foi uma experiência pioneira. Já a tecnologia empregada nessa construção foi muito avançada, mesmo para os dias atuais. Durante a obra, de 1970 a 1975, foram investidos cerca de 400 milhões de dólares, que hoje seriam 2,5 bilhões de dólares. A geotecnia brasileira foi protagonista nos trechos cruciais. O cenário da Baía de Guanabara incorporou, para os cariocas e fluminenses, as linhas modernas da ponte.

Itaipu e Tucuruí As hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí garantem quase 25% da geração de energia do Brasil. Itaipu é ainda a maior usina geradora do mundo e gera 99 milhões de MW/h, o que supre o consumo de eletricidade do mundo por dois dias. Mas o progresso tem também custos sociais e ambientais. Duas semanas após serem fechadas as comportas de Itaipu para formar o reservatório, as cataratas de Sete Quedas, no Rio Paraná, desapareceram para sempre. Em 1975, na construção de Tucuruí, a maior usina brasileira geradora de energia, houve denúncias de corrupção. A obra, feita para atender os polos mineral e metalúrgico do Pará, inundou grandes extensões de floresta, afetando comunidades, a fauna e a flora locais. Outro grande projeto em que os temas ambientais foram atropelados pelos interesses energéticos é a Barragem de Balbina, de 1973, que custou um bilhão de dólares e criou um dos maiores lagos artificiais do mundo com 2,4 mil km² de florestas para gerar apenas 250 MW. Itaipu e Tucuruí gastam cerca de 15% de suas receitas com compensações por danos ambientais e uso dos recursos hídricos. Nas obras de infraestrutura, não houve preocupação com a ecologia e nem com as condições de trabalho. As decisões eram tomadas nos gabinetes do Estado, sem a população ser informada. Contudo, tais obras deram emprego para milhares de pessoas. Itaipu chegou a ter 40 mil operários no canteiro de obras. Tucuruí usou sete mil trabalhadores e a Ponte Rio-­ FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS • 13


Construção da Usina Nuclear de Angra dos Reis

Arquivo Pessoal

Niterói empregou 10 mil homens e outros quatro mil foram envolvidos na construção da Transamazônica. Na época, houve controvérsias sobre o custo e o benefício das construções da Ponte e da Usina Hidrelétrica de Itaipu, mas isso hoje ficou para trás. Atualmente, com a democracia e as restrições ambientais, essas obras não sairiam do papel. O governo militar teve a ousadia e também a audácia de materializar esses projetos, desafios também vencidos pela engenharia nacional. Alberto S. F. J. Sayão é engenheiro civil formado na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) em 1976, concluiu o mestrado em geotecnia na PUC-Rio em 1980. É professor na mesma universidade desde então, obteve o doutorado em geotecnia em 1989 na UBC (University of British Columbia) no Canadá. Em 2000, retornou a UBC para o pós-­ doutorado como professor visitante, lecionando Mecânica dos Solos na graduação e na pós-graduação.

14 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

O regime militar, instaurado no Brasil no dia 1 de abril de 1964 e que durou até 15 de março de 1985, tinha uma clara característica desenvolvimentista com relação à criação de infraestrutura. Lembro-me que ao ingressar na Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), os

professores apresentavam os planos quinquenais estratégicos de desenvolvimento, conhecidos como “Planos Nacionais de Desenvolvimento” com um rol de obras estratégicas que aguçavam os nossos interesses e nos entusiasmavam pelas possibilidades no campo de trabalho que havíamos escolhido. Estes planos pareciam bem estruturados e concatenados àquele estudante, no início da década de 1970. O I PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) criado por lei em 1971 tinha meta de crescimento de 8% a 9% ao ano e tinha o objetivo de preparar a infraestrutura para as décadas seguintes, com grandes obras de engenharia, como a Usina Hidrelétrica de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói, a Rodovia Transamazônica, a Ferrovia do Aço e muitas outras. É inegável que todas estas obras contribuíram para o desenvolvimento e crescimento da engenharia brasileira, com surgimento das grandes empresas de projeto, consolidando e ampliando as chamadas empreiteiras que eram as construtoras especializadas em obras de infraestrutura. Por outro lado, com a criação do BNH (Banco Nacional de Habitação) em 1964, desenvolveram-se também as construtoras imobiliárias, com financiamento de até 600 mil unidades habitacionais por ano, no seu auge em 1980, o mesmo número financiado em 2008, chegou a responder por um quarto das unidades habitacionais construídas na época. As metas estabelecidas no I PND conseguiram ser atingidas nos primeiros anos, chegando a crescer em média de 11,2% ao ano (13,9% em 1973), porém a crise do petróleo de 1974 interrompeu este ciclo, quando era saudado o chamado “Milagre Econômico Brasileiro”, com seis anos de crescimento consecutivo do PIB superiores a 10% ao ano, elevando o PIB nacional da 45ª para a 10ª posição no mundo.


municações S.A) em 1965 e a INFRAERO (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária) em 1972. E para propiciar desenvolvimento à região Amazônica, criou a Zona Franca de Manaus em 1967. Mas, as grandes obras de infraestrutura não foram executadas apenas pelo Governo Central. No Estado de São Paulo, por exemplo, a construção das grandes usinas hidrelétricas como Ilha Solteira e Jupiá (entre as cidades de Andradina e Castilho – SP e Três Lagoas – MS), concluídas em 1978 e 1974, respectivamente, foram através da CESP (Companhia Energética de São Paulo), bem como o início das obras do metrô conduzidas pela Companhia do Metropolitano de São Paulo que em 1974 colocou a primeira linha em operação. Sob o ponto de vista de execução das obras de infraestrutura, os militares atuaram de forma autoritária e pragmática, exigindo eficiência técnica na administração das empresas estatais, mas até onde se sabe, os técnicos não tiveram ingerências na execução de projetos e obras, de forma que podemos nos orgulhar delas como produtos da nossa engenharia, independente do pano de fundo político vigente. Na esteira destas grandes obras, o Brasil formou um contingente de empresas e profissionais treinados, com boas experiências, para responder a amplos desafios, abrindo caminho para estender suas atuações em obras de infraestrutura mundo a fora. E, já que tanto se fala de legados atual­mente, talvez a capacitação técnica e gerencial da nossa engenharia que se conseguiu nesta época de desenvolvimento das grandes obras seja um dos mais importantes legados, além das próprias obras que mantém a sua importância estratégica até os dias de hoje. Sussumu Niyama é engenheiro civil, mestre e doutor pela Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), foi presidente da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica), pesquisador do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo) e superintendente do Sinduscon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo). Atualmente exerce a função de diretor da empresa Tecnum Construtora.

Arquivo Pessoal

O II PND (1975-1979) procurou dar resposta à crise do primeiro choque do petróleo e na década de 70, intensificou-se a pesquisa pelo “ouro negro” em bacias submersas, pois a alta dos preços de combustível viabilizava a exploração das águas mais profundas. Descoberta em 1974, a Bacia de Campos viria a duplicar as reservas brasileiras na época, fazendo com que as principais plataformas começassem a ser instaladas a partir do início da década de 1980. Já o II PND também buscava diminuir a dependência do petróleo importado (80% do consumo na época) com grandes investimentos nesta área, incluindo o CENPES (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobras) que havia sido criado em 1968, bem como em outras fontes de energia alternativa, como o ProÁlcool criado em 1975 e o início da construção da Usina Nuclear Angra 1, em 1972. O Brasil realizou uma revolução industrial, mas o II PND não conseguiu alcançar plenamente os objetivos e ao final do regime, o país entrou numa estagnação econômica. De fato, várias das obras de infraestrutura construídas naquela época foram e continuam sendo as maiores obras do mundo, como é o caso da Usina Hidrelétrica de Itaipu, que com suas 20 unidades geradoras, mesmo hoje, continua sendo a maior usina geradora de energia no mundo (98,63 milhões de MW/h em 2013) seguida da usina de Três Gargantas na China (98,10 milhões de MW/h em 2012). Itaipu responde por aproximadamente 17% da energia consumida no Brasil e por 75% do consumo do Paraguai. Outra grande usina hidrelétrica, construída de 1974 a 1984, é a de Tucuruí que tem o segundo maior vertedouro do mundo. As duas usinas, Itaipu e Tucuruí juntas respondem por quase um quarto da energia consumida no Brasil, demonstrando a inequívoca importância estratégica para o país, mesmo após cerca de 40 anos. A ponte Rio-Niterói foi um dos grandes desafios para engenharia nacional, que com os 13,2 km de extensão era a terceira maior ponte do mundo na época e mesmo 40 anos depois, continua sendo a de maior extensão no hemisfério sul e a 13ª no mundo. A sua execução de 04 de dezembro de 1968 a 04 de março de 1974, levou cinco anos e quatro meses, quando o previsto inicial era de dois anos. Este atraso deveu-se às dificuldades técnicas, como também aos conflitos judiciais entre o consórcio vencedor que iniciou a obra e o governo que acabou colocando o segundo consórcio para concluir. Creio que o prazo inicial de dois anos para uma obra daquela envergadura, mesmo hoje, não seria fácil de ser cumprido. Ressalta-se, que as condições de trabalho, principalmente as relacionadas com a segurança, não só naquela obra, eram de outra realidade, não compatíveis com as legislações atuais. De qualquer forma, na Ponte Rio-Niterói cruzaram no primeiro ano, 20 mil veículos por dia e após 40 anos, mais de 150 mil veículos cruzam a ponte. Não é preciso ressaltar a importância estratégica desta grande obra de arte, que na época pareceu ser uma obra faraônica, mas hoje não passa quase que de uma avenida ligando duas cidades. O governo criou neste período órgãos e empresas estatais que tinham o propósito de desenvolver as infraestruturas em vários setores como a Embratel (Empresa Brasileira de Teleco-

Sobre esse assunto, antes de tudo, parece prudente firmar que, como é de conhecimento geral, política e engenharia quase sempre andam de mãos dadas. Desde os tempos imemoriais se sabe que boa parte do imaginário dos donos do poder, independente da forma como o exercem, só se converte em realidade quando se elaboram projetos e se realizam obras. No caso do Brasil, isso não foi diferente nem quando era dependente de Portugal, muito menos nas fases monárquicas e republicanas, se incluindo nesta última os governos militares que se sucederam entre 1964 e 1985. Todos, indistintamente, construíram obras, principalmente as de infraestrutura. FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS • 15


Construção da Ponte Rio-Niterói

No que se refere especificamente ao citado período foi perceptível uma tendência dos governos em acelerar a implantação dos projetos estruturantes nos setores vitais para o País: água e saneamento, transportes, energia, comunicações, indústria de base, entre os principais, visando com isso permitir que gradualmente uma porção relevante da economia se convertesse de agrária para industrial, de modo a aumentar a circulação econômica e assim alcançar o bem-estar social, diga-se, objetivo da maior parte dos governos pelo mundo. Grande é o território do Brasil, grandes são suas obras também. Por serem grandes, são mais complexas e caras. Como financiá-las? Naquela época, com poupança interna insuficiente, a saída encontrada foi a de contrair empréstimos com a banca internacional. Com isso, o país se endividou, mas criou uma determinada infraestrutura e com ela passou a ter condições de gerar produto e renda que lhe permitisse saldar seus compromissos a longo prazo. Foi o modelo clássico adotado por muitos países de desenvolvimento retardatário. Assim, foram então construídas ou ampliadas estradas de rodagem, grandes pontes, ferrovias, metrôs, portos, aeroportos, hidrelétricas, usinas atômicas, refinarias, polos petroquímicos, bem como estádios, complexos desportivos e muitas outras obras de infraestrutura necessárias para o bom funcionamento do País. Especial menção se faz às grandes usinas hidrelétricas construídas naquele período, que aproveitam a força das águas de nossos rios, como por exemplo, Ilha Solteira e Jupiá (operação a partir de 1974), Tucuruí e Itaipu (operação a partir de 1984), esta última, construída em sociedade com 16 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


Arquivo Pessoal

o Paraguai, é considerada uma das obras de engenharia mais importantes do mundo. Essas instalações incrementaram significativamente a oferta de energia elétrica no Brasil, além disso, por serem de fonte hidráulica, portanto mais limpa, renovável e de custo menor em relação às demais fontes de energia elétrica, ajudaram também a “limpar” a matriz energética nacional, dando ao país reais possibilidades de conduzir um crescimento ambientalmente sustentável de sua economia. Todo esse esforço envolveu não só uma enorme quantidade de capital financeiro e de recursos materiais e logísticos, mas, sobretudo, envolveu o emprego de um vasto capital intelectual, principalmente no que se refere à engenharia nacional, em todas as suas modalidades. Os desafios representados pela construção dessas diversas obras nos fez progredir científica e tecnologicamente e também nos fez ser criativos, além de ter possibilitado a realização de intercâmbio de experiências com outros países, que aqui aportaram muitos de seus conhecimentos, mas que conosco também tiveram a oportunidade de aprender. O conhecimento retido e sistematizado passou então a migrar continuadamente para o nosso sistema educacional, fomentando a pesquisa e resultando na elevação do nível de preparo de nossos estudantes, que depois desta época atuaram em nossas empresas, com reflexos positivos para toda a sociedade. É fácil constatar que a maior parte das obras do período em análise, devido à sua natureza estrutural, mantém seu valor estratégico para o país, mesmo que tenham sido dimensionadas quando a população, a renda per capita e a expectativa de vida eram menores que as atuais. Evidentemente, tais obras, mais antigas, se somam hoje a um conjunto muito maior de intervenções que há tempos vem sendo feitas, e estas, por sua vez, se somarão a outras que precisarão ser feitas, consoante com as necessidades futuras de desenvolvimento do País. Esta sucinta análise se propõe a avaliar, portanto, a contribuição “do que foi feito”, do ponto de vista macro e o efeito cumulativo que essas obras deixaram para o país. Mas, se olharmos “o como foi feito”, certamente encontraremos falhas suscetíveis a críticas, tanto no objeto como na forma como foram executadas várias obras e isso levaria a reflexões sobre como melhor aproveitarmos esse aprendizado em nossas ações futuras, tanto na política como na engenharia. Miguel Augusto Zydan Sória é engenheiro civil pela PUCRS (Porto Alegre, Rio Grande do Sul) e pós-graduado em Economia e Administração do Setor Público pela Universidade de Alcalá de Henares, Madrid, Espanha. Atuou na ITAIPU Binacional por 24 anos, tendo antes exercido por quatro anos funções em Furnas Centrais Elétricas S.A., no Sistema de Transmissão de ITAIPU. Na ITAIPU ocupou posições de coordenação, gerência e representação. Sória também é autor de artigos e capítulos de livros e organizador de publicações técnicas, o que inclui edições brasileiras de livros da ICOLD (Comissão Internacional de Grandes Barragens). Atualmente é diretor de comunicações do CBDB (Comitê Brasileiro de Barragens) e integrante do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Gestão do Conhecimento.

A engenharia nacional obteve considerável desenvolvimento com os projetos e obras elaborados e executados pelos governos militares. Comentarei sobre uma delas, na qual participei em meados de 1969. A obra a que me refiro trata-se da Ponte Presidente Costa e Silva mais conhecida como Ponte Rio-Niterói. Em meados de 1968, o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) contratou a construção da Ponte Rio-Niterói criando o CCNE (Consórcio Construtor Rio Niterói) formado pela Companhia Construtora Brasileira de Estradas, Construtora Ferraz Cavalcanti S.A., Servix Engenharia S.A. e pela EMEC (Empresa Melhoramentos e Construções) S.A. Estas empresas se encarregaram da parte de concreto da ponte, enquanto as firmas Redpath Dorman Long Ltda. e The Cleveland- Bridge and Engineering Co. Ltda. venceram a concorrência de fornecimento e montagem das estruturas de aço dos vãos centrais. O Rio de Janeiro vivia na época o crescente desenvolvimento no que tange a necessidade de ligações rodoviárias entre o Norte do estado e sua ligação com o Sul, de forma a promover a integração não só de transporte de cargas, mas também do desenvolvimento turístico da região, tendo sempre como transtorno a necessidade de se efetuar o contorno da Baía de Guanabara por estradas em condições precárias. Prejudicado também estava o turismo de ligação entre estas regiões, levando em consideração as épocas de verão, cerca de três a quatro horas para o embarque e desembarque em barcaças que faziam o transporte de carros e caminhões entre o cais na Praça XV e os terminais de Niterói (Praça Arariboia e Ponta da Areia). A Ponte Rio-Niterói veio reduzir este prazo de travessia aproximadamente em 30 minutos, considerando as velocidades normais, assim como sua extensão sobre água de 8,9 km e 3,1 km sobre terra. Com largura de 26,40 m, altura variável de 20 m e 60 m e vãos variando de 32 a 80 m com dois vãos de 200 m e um vão de 300 m de comprimento, era na época de sua construção considerada a maior do mundo, tendo sido utilizado cerca de 400.000 m³ de concreto e 41.300 t de aço respectivamente na sua construção, que contou com um minucioso planejamento logístico e com cinco canteiros de obra. De efeito impactante para este período de obras no Brasil, creio que a Ponte Rio-Niterói tenha sido, dentre outras, umas das grandes realizações da época do período do Governo Militar no Brasil, sendo até hoje reconhecida como uma das principais obras viárias do Estado do Rio de Janeiro. Silio Pereira Lima é engenheiro civil formado pela EEUFRJ (Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) com especialização em Mecânica dos Solos, Fundações e Obras de Terra. Foi professor titular da Universidade Veiga de Almeida na disciplina de Mecânica dos Solos e Fundações (1974 -2004) e presidente do NRRJ-ABMS (Núcleo Regional FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS • 17


Sondagem em tubulão na Ponte Rio-Niterói

do Rio de Janeiro da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica) no período de 2002 a 2004. Atualmente é sócio-diretor da empresa GEOINFRA Engenharia e Consultoria Ltda., membro do Conselho Diretor do NRR-­ ABMS e do ISSMFE (International Society for Soil Mechanics and Foundation Engineering).

Recursos naturais,interesse nacional, engenharia e grandes obras

Arquivo Pessoal

Visão estratégica A construção do Porto de Tubarão, pela Companhia Vale do Rio Doce, em Vitória (ES) marcou um ponto de inflexão na trajetória da corporação, que se inseria na política de abastecimento de matérias-primas adotada pelo Japão após sua derrota na Segunda Guerra Mundial. Conflito este, cujas motivações incluíam-se a conquista do Sudeste asiático de fontes seguras de matérias-primas, das quais o país era carente (dentre estas sucata de aço e minério de ferro). Já no pós-guerra o Japão adotou a estratégia de estimular a nível mundial o desenvolvimento de múltiplas fontes daqueles insumos, criando um vasto sistema de fornecedo-

18 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

res, diversificado e redundante, portanto capaz de garantir estabilidade de suprimento e de preços. E com este objetivo passou a oferecer contratos de compra de longo prazo, viabilizando os pesados investimentos exigidos pela produção e por sistemas de transporte confiáveis e de baixo custo. Assim as ferrovias de grande capacidade, portos profundos e grandes navios tornaram-se elementos fundamentais do sistema, reduzindo dramaticamente os custos de transporte entre o Japão e suas fontes de suprimentos dispersas mundo a fora. Neste contexto a Vale, empresa estatal produtora de minério de ferro de alto teor, foi incluída na cadeia de suprimento do Japão, por estar situada em uma localização antípoda, estimulada a construir um porto de grande profundidade e grande capacidade de carga. O Porto de Tubarão ao ser inaugurado (em tempo recorde no ano de 1964) tornava-se o terminal mineral mais avançado e de maior capacidade do mundo, pois operava navios de 100 mil DWT (Dead Weight Tonnage) carregados em uma velocidade de seis mil toneladas por hora (nominal). Rapidamente, em menos de uma década, foi expandido para receber navios de 250 mil DWT e carregá-los à taxa recorde de 16 mil toneladas por hora (nominal). Os volumes de exportação e os navios cresciam, os custos de transportes baixavam e o minério de ferro do Estado de Minas Gerais chegava ao longínquo Japão a fretes competitivos (notando-se que a Austrália, vizinha do Japão, portanto em posição mais favorável, também participava deste sistema de fornecedores). Com o Complexo de Tubarão, com seus vastos pátios de estocagem, parques ferroviários, usinas de pelotização, operação integrada e contínua entre minas, trens unitários, e grandes navios, cumprindo rigorosamente seus contratos, a Vale converteu-se na maior fornecedora transoceânica de minério de ferro do mundo. Nesta fase, pelos fins da década de 1960 e início da década de 1970, a United States Steel (na época a maior siderúrgica do mundo) ao prospectar manganês na região de Carajás (PA), descobriu fabulosas jazidas de minério de ferro (medidas iniciais revelaram cerca de 30 bilhões de toneladas de minério de alto teor, friável de fácil extração). Ao comunicar a descoberta ao Governo Brasileiro, dado o gigantismo das jazidas, a United States Steel foi induzida a associar-se com a Vale, que então passou a deter 50% do “Projeto Carajás”. Rapidamente as sócias, lideradas pela Vale, definiram a configuração fundamental do projeto que consistia em uma ferrovia de alta capacidade, eletrificável, de baixo custo, com cerca de 900 km de extensão e um porto capaz de operar navios de 350/400 mil toneladas, localizado na Baia de São Marcos, em Ponta da Madeira, nas proximidades de São Luís (MA). Tratava-se de um sistema concebido com capacidade de expansão superior a 200 milhões de toneladas de exportação anual, definido após minucioso estudo de alternativas envolvendo quatro portos, uma hidrovia e duas ferrovias. Neste momento, a United States Steel principiou a demonstrar hesitação e finalmente recuou diante da construção da longa ferrovia na região amazônica, ou por julgar a construção arriscada (em região de selva remota), porque a ferrovia seria usada para outras cargas além do minério (uma exigência do contrato de concessão), por pressão de


sindicatos de seus empregados nos Estados Unidos ou por erro estratégico (opinião do presidente do Banco Mundial, Robert MacNamara). A Vale diante desta hesitação iniciou unilateralmente a construção do trecho inicial de 80 km da ferrovia contíguo a São Luís. A United States Steel não acompanhou os aportes financeiros e após negociações vendeu sua participação à Vale, que como proprietária única do projeto foi projetada a níveis muito superiores aos de qualquer uma de suas congêneres mundiais. Oposições contra investimentos da Vale na região Norte (erroneamente considerados como prejudiciais a seus projetos no Sul) foram resolvidas com o apoio político regional e o projeto foi concluído. Paralelamente a este magno desenvolvimento, agindo sempre com competência e grande agressividade, a Vale lançou-­ se em um ambicioso programa de prospecção mineral por todo o território nacional, que resultou na descoberta de vastas reservas de bauxita, caulim, ouro, manganês, níquel, cobre, fosfato entre outros minerais. Foram descobertas que permitiram o desenvolvimento de novos projetos em associação com o Japão (no contexto da citada estratégia de abastecimento). Desta forma, dentre outros empreendimentos nasceu o Complexo De Bauxita-Alumina-Alumínio no Pará (alimentado pela energia de Tucuruí que deveria também eletrificar a ferrovia de Carajás) e um complexo florestal-celulose.

No centro desta saga via-se uma empresa estatal desenvolvendo os recursos naturais do País a fim de beneficiar o próprio território, investindo aqui seus resultados, apoiando a indústria, a geração de tecnologia e a engenharia nacional, com isso atraindo investidores e parceiros e progressivamente conquistando mercados, operando com seriedade e eficiência legendária (cabendo observar que já se previa que a China viria a ser um novo extraordinário mercado). A Vale executava política de desenvolvimento de recursos naturais com “P maiúsculo”. Paulo Augusto Vivacqua é engenheiro civil, possui especializações em Economia e Administração. Foi professor de portos, hidráulica e mecânica dos fluidos (chefe de departamento), secretário de Planejamento Estratégico da Vale. Fundou e presidiu a VALEC (Engenharia, Construções e Ferrovias S.A.), a Vale and United States Steel Engineering and Consultants (VALUEC Projeto Carajás) e a Vale Alumínios do Norte (VALENORTE). Foi presidente do Conselho de Administração do Banco de Desenvolvimento e secretário de Estado de Desenvolvimento do Espírito Santo, além de conselheiro, presidente e diretor de diversas empresas e entidades, desenvolveu projetos internacionais de integração, incluindo portos e ferrovias. Atualmente é consultor e conferencista, professor emérito de engenharia na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), presidente da Academia Nacional de Engenharia e membro do Capítulo Espanhol do Clube de Roma.

FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS • 19


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.