Revista Fundações & Obras Geotécnicas - Ed. 66

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Revista FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS www.rudders.com.br

Ano 6 Nº 66 R$ 27,00

Ano 6 – Nº 66 – Março de 2016

FUNDAÇÕES DE BARRAGENS E ESTRUTURAS EM ARENITOS: NATUREZA DOS MACIÇOS E CONTROLE DE FLUXO E EROSÕES REGULAMENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO SOBRE SEGURANÇA DE BARRAGENS AINDA É UM DESAFIO NO BRASIL

Março de 2016

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EDITORIAL Revista FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS www.rudders.com.br

Ano 6 Nº 66 R$ 27,00

Março de 2016

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Ano 6 – Nº 66 – Março de 2016

FUNDAÇÕES DE BARRAGENS E ESTRUTURAS EM ARENITOS: NATUREZA DOS MACIÇOS E CONTROLE DE FLUXO E EROSÕES REGULAMENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO SOBRE SEGURANÇA DE BARRAGENS AINDA É UM DESAFIO NO BRASIL Capa_1.indd 1

15/03/16 10:30

Ano 6 – No 66 – MARÇO 2016 www.facebook.com/editorarudder twitter.com/fundacoes_news

PADRONIZAÇÃO DA REVISTA Nesse editorial mais uma vez enfatizamos a publicação e disponibilidade de nosso Manual de Redação e Padronização. Desde de 2012 a revista Fundações & Obras Geotécnicas começou o desenvolvimento de um manual de padronização e estilo que orientasse sobre a publicação em cada uma das seções de nosso periódico. O objetivo desde a sua criação é explicar ao que se destina aquela seção, como funciona, quais são os conteúdos de texto e imagem necessários para a sua composição e também as etapas para que isso ocorra, explicando desde os primeiros contatos dos jornalistas com os entrevistados, até o momento da publicação, envio de exemplares, concessão do arquivo digital para uso etc. A sua criação foi motivada especialmente pela novidade e, às vezes, divergências que são causadas nos primeiros contatos para a realização de uma matéria em relação às linguagens utilizadas entre duas áreas tão diferentes: a utilizada na comunicação jornalística e na engenharia civil. O resultado foi motivador: o manual se mostrou uma ferramenta extremamente didática e ilustrativa do processo de produção e finalização da revista e ampliou o nosso alcance nos contatos para as matérias, assim como também se tornou uma ferramenta de grande utilidade para a continuidade do título, mantendo o padrão que ele possui hoje. Desde então criamos também uma periodicidade para a renovação do manual e para a sua revisão. Dessa forma, o manual é renovado, ou seja, tem seu layout e suas propostas atualizados a cada dois anos, e é revisado anualmente. Esses prazos nos permitem um intervalo para identificar novas necessidades de alterações e também a melhor forma de aplicá-las à revista. Por fim, no final de 2015 finalizamos a nossa edição do manual que agora contempla todas as seções. Esse material de grande proveito para a agilidade e organização de nosso trabalho, também é um meio esclarecedor para aqueles que se propõem a colaborar com a revista. As orientações de cada seção serão enviadas para os nossos entrevistados e colaboradores por nossos jornalistas, sempre que houver um contato para a participação em uma seção, e é extremamente importante que ele seja lido e seguido. Para aqueles que já tiveram recebido em alguma ocasião o nosso manual e tiverem qualquer dúvida, crítica ou sugestão para fazer sobre ele, basta enviar um e-mail para glessia@rudders.com.br DA REDAÇÃO


SUMÁRIO

Ano 6 – Nº 66 – Março de 2016

24 |

03 | Coluna do conselho 06 | Destaque – GeoNE 2015 supera expectativas e reúne 400 participantes

12 | Notas 16 | Entrevista – André Pacheco de Assis

22 | História 24 | REPORTAGEM – Regulamentação e fiscalização sobre segurança de barragens ainda é um desafio no Brasil

32 | Opinião 34 | Controle de qualidade

de geogrelhas compreende fatores como desempenho e durabilidade

66 |

38 | CBT celebra 25 anos com

uma série de comemorações

42 | Museu do Amanhã utiliza

sistema EPAMS para garantir sustentabilidade

44 | Artigo – Estudo do

Reforço da Camada de Base com Reciclagem do Revestimento com Adição de Cimento

56 | Artigo – Fundações de

72 |

72 | O QUE HÁ DE NOVO

– Barreira dinâmica de baixa energia é a nova solução da Maccaferri para proteção contra queda de rochas

76 | Geotecnia Ambietal – Trabalho de monitoramento geotécnico de encostas deve ser constante em faixas de dutos

80 | Geossintéticos –

Sistema de Drenagem com Geocomposto em Gramados Sintéticos - Estádio do “Baetão”

Barragens e Estruturas em Arenitos: Natureza dos Maciços e Controle de Fluxo e Erosões

84 | Livro

66 | EM FOCO – Fundações

85 | Agenda

em solos arenosos

70 | Acontece – IX CBPE acontece no Rio de Janeiro e destaca obras para os Jogos Olímpicos


www.rudders.com.br Rua Leopoldo Machado, 236 Vila Laís CEP: 03611-020 São Paulo - SP Telefone: (11) 2641-0871 CONSELHO EDITORIAL SÃO PAULO George Joaquim Teles de Souza, Paulo César Lodi, Sussumu Niyama, Álvaro Rodrigues dos Santos, Roberto Kochen, Paulo J. R. Albuquerque, Milton Golombek, Delma Vidal, Renato Silva Leme, Jorge Roberto Nouh RIO DE JANEIRO Alberto S. F. J. Sayão, Bernadete Ragoni Danziger, Mauricio Ehrlich, Flávio Miguez, Laura Maria Goretti da Motta, Paulo Henrique Vieira Dias MINAS GERAIS Sérgio C. Paraíso PERNAMBUCO Roberto Quental Coutinho, Stela Fucale Sukar BAHIA Luis Edmundo Prado de Campos, Moacyr Schwab DISTRITO FEDERAL Carlos Medeiros Silva, Renato Pinto da Cunha, Ennio M. Palmeira, Gregório Luís Araujo, José Camapum de Carvalho PARANÁ Miguel Augusto Zydan Sória RIO GRANDE DO SUL Marcos Strauss

www.rudders.com.br Fundador e idealizador Francisjones Marino Lemes (in memoriam) Colaboradores: Gléssia Veras (Edição); Dellana Wolney, Dafne Mazaia (Texto); Rosemary Costa (Revisão); Elisa Gomes (Arte); Melchiades Ramalho (Artes Especiais). Assinaturas Evelyn Lemes (assinatura@rudders.com.br) Publicidade publicidade@rudders.com.br Financeiro / Administrativo Jenniffer Lemes (jenni@rudders.com.br / financeiro@rudders.com.br) Foto de capa Eraldo Luporini Pastore, Paulo Teixeira da Cruz e Manoel Sousa Freitas Jr. Impressão Grafica Companygraf A Revista Fundações & Obras Geotécnicas é uma publicação técnica mensal, distribuída em todo o território nacional e direcionada a profissionais da engenharia civil. Os artigos assinados são de expressa responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da revista. Todos os direitos reservados à Editora Rudder. Nenhuma parte de seu conteúdo pode ser reproduzida por qualquer meio sem a devida autorização, por escrito, dos editores.

A revista Fundações & Obras Geotécnicas segue o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Esta publicação é avaliada pela QUALIS, conjunto de procedimentos utilizados pela CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e encontra-se atualmente com classificação B4.

IMPORTANTE: as seções “Coluna do Conselho”, “Artigo”, “Geossintéticos” e “Opinião” são seções autorais, ou seja, tem o conteúdo (de texto e fotos) produzido pelos autores, que ao publicarem na revista assumem a responsabilidade sobre a veracidade do que for exposto e o devido crédito as fontes utilizadas.

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COLUNA DO CONSELHO

BARRAGENS E REJEITOS ALBERTO SAYÃO E FLAVIO MIGUEZ

Em novembro de 2015 o mundo ficou abalado pelas imagens da enxurrada de lama em Mariana, cidade colonial no interior do Brasil, fundada no final do século XVII, em homenagem a Maria Ana, esposa do Rei D. João V, para ser a capital da província de Minas Gerais, e um centro de mineração de ouro para Portugal. Na região da mina da empresa Samarco, com o colapso da barragem de Fundão, os rejeitos desceram o vale e ocuparam o reservatório de Santarém (PA), logo a jusante, que operava no limite de sua capacidade, reservando água para reuso no beneficiamento do minério. O enchimento do reservatório com a lama causou galgamento e danos nas laterais da barragem de Santarém. A tragédia, causada pela ruptura da barragem, que desde 2008 recebia os rejeitos da lavra da mina de ferro de Germano (MG), deixou um rastro de destruição, com 17 pessoas mortas, duas desaparecidas e centenas desabrigadas. Para atender a meta de vendas e acomodar o volume adicional de minério produzido pela Samarco, a barragem de Fundão estava sendo ampliada pelo método de alteamentos sequenciais a montante, feitos com os próprios rejeitos espalhados por tratores. A torrente de lama arrasou os distritos de Bento Rodrigues (MG) e Paracatu de Baixo (MG), trouxe danos ao patrimônio histórico e cultural da região e causou problemas sérios no vale do Rio Doce, com assoreamentos nos reservatórios das hidrelétricas de Candonga (MG), Baguari (MG), Aimorés (MG) e Mascarenhas (ES), e desabastecimento de água em cidades importantes. Dois meses depois, em janeiro, após alguns dias de chuvas fortes, ocorreu nova movimentação na lama de rejeitos remanescente na área do reservatório de 3 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Fundão, preocupando a todos, pois não há ainda um parecer conclusivo sobre as causas da ruptura. Segundo o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Fundão nunca foi uma barragem tranquila, pois sempre apresentou problemas com o dreno de fundo, piping e surgimento de água na face de jusante. Como nos últimos dez anos, cinco barragens de rejeitos romperam em Minas Gerais, o governo federal admite haver algo errado nos parâmetros de segurança das nossas barragens e sugere uma revisão dos procedimentos. Hoje o governo de Minas já estuda a possível proibição da licença para novas barragens com projetos de alteamento para montante. Logo após o acidente de novembro, entidades tradicionais da engenharia — ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica), CBDB (Comitê Brasileiro de Barragens), ANE (Academia Nacional de Engenharia) e Clube de Engenharia – mobilizaram-se para partilhar os detalhes gerais de acidentes em barragens e promover uma série de eventos públicos com renomados especialistas, visando obter

lições e sugestões para aprimorar as normas da engenharia de rejeitos e garantir o nível de segurança demandado pela sociedade. Os primeiros eventos foram realizados ainda em 2015, em Porto Alegre (novembro) e Rio de Janeiro (dezembro), com auditórios superlotados, provando o interesse geral na busca de soluções, apesar do silêncio dos envolvidos e da inação do governo, que se limitou a sobrevoar a área arrasada e proclamar a irresponsabilidade da Samarco, aplicando multas bilionárias, bem antes de tentar conhecer as causas reais do acidente, com o objetivo de tentar recuperar o prestígio desgastado no ano anterior. Nos eventos ficou claro que a água é o principal agente instabilizador das barragens. Para reduzir o risco de novas rupturas, medidas visando a minorar o volume de água nos depósitos de rejeitos já começam a ser indicadas e debatidas pelos especialistas. Acidentes nunca acontecem sem uma ou mais causas, e o meio técnico precisa conhecer os detalhes da ruptura: a mineradora foi mesmo irresponsável? Como pode uma barragem ser vistoriada e de-


COLUNA DO CONSELHO clarada segura em julho, e depois romper subitamente em novembro? Houve registros de abalos sísmicos; teriam sido eles naturais ou induzidos? O desastre poderia ser evitado? Houve erros no projeto, na construção, na manutenção? Havia monitoramento e plano de emergência? A vila de Bento Rodrigues estava em local inadequado? Há um estudo técnico para determinar as causas, conduzido por uma entidade respeitável? Faltou fiscalização? Houve propina? O povo quer respostas claras. As investigações do acidente em Mariana seguem sigilosas, sem data para conclusão, a cargo de técnicos contratados pela própria Samarco e da polícia, que recentemente anunciou o indiciamento de vários diretores e técnicos da empresa mineradora por crimes ambientais. O documento policial alega que houve omissão e falhas no sistema de instrumentação da barragem. O governo atua apenas para multar e acusar a empresa, sem procurar definir as causas do acidente. O silêncio e a omissão geram especulações, boatos e descrença sobre a lisura do laudo que poderá ser produzido. A demora traz danos à imagem da nossa engenharia de barragens capaz de grandes projetos e obras. Temendo novos acidentes, a população pode reagir contra a construção de novas barragens, indispensáveis para o desenvolvimento do País. O DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), órgão do Ministério de Minas e Energia, contabiliza 663 barragens de rejeitos no País, sendo mais de 300 em Minas. Para fiscalizá-las, o governo estadual conta com apenas nove fiscais e um veículo. Depois da tragédia, a Samarco adotou medidas extras de segurança, reforçando as informações aos moradores de Mariana sobre procedimentos de emergência, com sirenes, pontos de encontro e monitoramento contínuo por câmeras, drones e radares. O sigilo oficial e o impacto emocional de uma tragédia geram propostas pouco plausíveis, como a de proibir a operação de empresas mineradoras. O governo deveria indicar uma comissão oficial, com especialistas isentos, para examinar o ocorrido e produzir um 4 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

laudo técnico bem fundamentado, com ampla divulgação. E nem se pode dizer que Mariana foi um caso isolado: ocorrem anualmente dois acidentes sérios com barragens de rejeitos no mundo. Em 2014 houve os acidentes de Mount Polley (Columbia Britânica, Canadá, em agosto, sem vítimas) e da Herculano Mineração (Itabirito, Minas Gerais, em setembro, com três mortes). É evidente a diferença na gestão dos acidentes nos dois países: no Canadá, poucos dias após o acidente o governo regional já anunciava uma comissão de investigação de alto nível, liderada pelo professor Norbert Morgenstern, um dos engenheiros mais ilustres do mundo geotécnico. O laudo final com as causas da ruptura foi entregue em sessão pública, com transmissão ao vivo pela internet, passados apenas cinco meses do acidente. O relatório com 3.400 páginas conclui, de forma transparente que houve erro no projeto da barragem. Já no caso de Itabirito, não há notícias sobre a nomeação de uma comissão técnica oficial para gerar o laudo com as causas do desastre. A investigação ficou no âmbito policial. O inquérito demorou 15 meses para ser concluído, apontando irregularidades e omissão: a empresa ignorou os avisos de problemas na drenagem da barragem de rejeitos e iniciou a produção de minério antes de obter a licença. Cinco pessoas, empregados da mineradora e da empresa que faziam auditorias anuais da barragem foram indiciadas no processo judicial. O meio técnico desconhece os detalhes da ruptura. Outro exemplo de leniência do governo refere-se ao desastre ambiental da região serrana fluminense, que vitimou milhares de pessoas em 2011, sem ninguém ter sido multado ou acusado de irresponsabilidade por permitir a ocupação irregular de encostas urbanas e de terrenos marginais a cursos de água. Cinco anos depois, pouco foi feito: há obras não iniciadas e a região permanece sujeita a novos desastres, com vítimas soterradas nas áreas mais afetadas por deslizamentos e avalanches. Por tudo isso, não se deve repetir o erro e esquecer o caso Mariana.

Outro fato a ser citado é o caso clássico do desastre ocorrido em outubro de 1963 na barragem de Vajont, nos Alpes italianos, que causou 1.917 mortes. O governo em apenas três dias nomeou uma comissão oficial para investigar o acidente: um grande deslizamento na encosta do Monte Toc, ativado pelo enchimento da represa, caiu abruptamente sobre o lago, formando uma onda de 100 m que ultrapassou a crista da barragem de concreto em arco. O enorme volume de água desceu o cânion e arrasou a vila de Longarone, a jusante. A divulgação técnica do conhecimento adquirido no acidente de Vajont reforçou os estudos e medidas de segurança e impediu que acidentes similares ocorressem em grandes encostas instáveis nas margens dos reservatórios das barragens de Libby, nos Estados Unidos e de Furnas, no Brasil. Estas encostas foram estabilizadas antes do fechamento das comportas para enchimento das represas. Infelizmente, o Brasil tem a tradição de nomear várias comissões para investigar os acidentes, o que impede a definição das causas e a obtenção de lições que contribuam para o avanço da engenharia. Em casos graves, cada parte interessada indica a sua própria comissão. Assim, há comissões nomeadas pela Polícia, IBAMA, Ministério Público e pelas empresas envolvidas. As conclusões, nem sempre isentas, são conflitantes e não levam a avanços da prática vigente. Restam, muitas vezes, resumos inúteis do relatório mais polêmico divulgado na mídia. Qualquer acidente em engenharia com consequências dramáticas, destruição e mortes precisa gerar um laudo isento e de elevado padrão técnico sobre as causas para produzir resultados e lições importantes para evolução do conhecimento e maior segurança em obras futuras.

Alberto Sayão e Flavio Miguez - Professores de Engenharia na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), e diretores da Academia Nacional de Engenharia


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DESTAQUE

GEONE 2015 SUPERA EXPECTATIVAS E REÚNE 400 PARTICIPANTES O simpósio foi palco de discussões atuais e inovadoras sobre pavimentação, investigação geotécnica, obras de terra, taludes e contenções, fundações e geotecnia ambiental Por Dellana Wolney

A ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica), juntamente com o Núcleo Nordeste, em parceria com a UFCG (Universidade Federal de Campina Grande) e o LEP (Laboratório de Engenharia de Pavimentos & Geotécnica) promoveram nos dias 05 e 06 de novembro de 2015 o 4º GeoNE (Simpósio de Geotecnia do Nordeste). Considerado um fórum privilegiado de debates sobre a geo­tecnia regional, o evento reuniu palestrantes de renome nacional e internacional. Foi a primeira vez que a cidade de Campina Grande (PB) recebeu o GeoNE. Dentro da programação foram realizadas homenagens aos engenheiros geo­técnicos João Batista Queiroz de Carvalho (homenagem póstuma), Francisco Barbosa de Lucena e Valdês Borges Soa­res, todos ex-professores do Departamento de Engenharia Civil da UFCG, UAEC (Unidade Acadêmica de Engenharia Civil) e LEP. O conteúdo programático foi dividido por temas específicos como: fundações, pavimentação, estabilidade de taludes e obras de contenção, investigação geotécnica e geotecnia ambiental. Lucena diz que fundações, estabilidade de taludes e obras de contenção e investigação geotécnica já são assuntos consagrados nos simpósios anteriores e, portanto, foram facilmente selecionados, mas que o tema de geotecnia ambiental, mesmo timidamente presente em edições passadas, desta vez se destacou por ser a linha de atuação de uma das organizadoras do evento e ser um tema em ascensão, devido à necessidade cada vez maior de uma engenharia mais sustentável. “Acredito que o grande diferencial do evento ficou por conta da introdução do tema pavimentação, uma vez que este não tinha sido abordado nas edições anteriores. A comissão local solicitou ao Núcleo Nordeste a introdução do assunto e eles prontamente atenderam. Esta comissão apresenta tradição no estudo de pavimentação, destacando-se no ce6 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

nário nacional e fazendo parte de redes de pesquisa envolvendo as principais universidades do País”, explica uma das organizadoras do GeoNE 2015 e professora da UFCG, Lêda Christiane de Figueirêdo Lopes Lucena.

PALESTRAS

No primeiro dia houve a conferência “What are the right values of soil mechanical properties for design?” com o engenheiro do (Laboratoire central des Ponts et Chaussées), Jean Pierre Magnan, assim como os casos de obras que abordaram: “Estabilização e Contenções na Bahia” com o professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia), Luís Edmundo Prado de Campos e “Aspectos Geotécnicos de Obras em Solos Colapsíveis e Expansivos: Estudo do Caso da Transposição do Rio São Francisco”, com o professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Olavo Francisco dos Santos Júnior. Também no primeiro dia aconteceu a primeira sessão técnica, cujo tema foi “Obras de terra, taludes e contenções: questões para reflexão”, apresentado pelo engenheiro e professor da UnB (Universidade de Brasília), José Camapum de Carvalho, que diz ter dado às suas apresentações e aos seus trabalhos escritos mais recentes um foco mais filosófico. “Busquei na apresentação chamar a atenção dos participantes do evento para a necessidade de tratarmos as obras de terra, os taludes e as contenções com o olhar voltado para o ontem, para o hoje e para o amanhã e observando o ‘aqui’ e o seu entorno. Como engenheiros, nossa percepção é geralmente muito estática, e voltamos quase sempre o nosso olhar apenas para o ‘aqui e o agora’”, analisa. Dentro dessa perspectiva, Carvalho iniciou então sua apresentação, formulando questões como: as propriedades e os parâmetros que definimos como intrínsecos ao solo são realmente se considerada a dinâmica espacial e temporal?


Fotos: Arquivo Ser Digital

Abertura do GeoNE 2015 7 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


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localizados. “Ao longo de minha apresentação fui formulando novas questões e ilustrando com casos reais para colocar em evidência a importância dos aspectos temporal e espacial nos estudos, projetos e execução de obras geotécnicas”, elucida Carvalho.

FUNDAÇÕES E GEOTECNIA AMBIENTAL

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1 O engenheiro do (Laboratoire central des Ponts et Chaussées), Jean Pierre Magnan durante a palestra “What are the right values of soil mechanical properties for design?” • 2 O engenheiro, professor do IFPE e professor associado da UPE (Universidade de Pernambuco), Alexandre Duarte Gusmão • 3 O professor da UFRN, Fagner Alexandre Nunes de França • 4 O professor da UFPE, Roberto Quental Coutinho • 5 O professor da UFCG, Erinaldo Hilario Cavalcante

Que horizontes espacial e temporal devem ser considerados? Como considerar o meio físico, incluindo-se a forma do relevo natural e antropizado e as condições de drenagem pretéritas, atuais e futuras? Além disso, ele também questionou qual é o impacto da ocupação e do uso do solo nessas propriedades e parâmetros e o impacto das mudanças climáticas em função do modo de vida atual. Mudanças e impactos muitas vezes 8 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Na segunda sessão técnica sobre fundações, a palestra destaque intitulada “Fundação de Edifícios Altos” foi ministrada pelo engenheiro, professor do IFPE (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco) e professor associado da UPE (Universidade de Pernambuco), Alexandre Duarte Gusmão. Na ocasião, ele salientou que o crescimento das grandes cidades brasileiras tem levado a uma verticalização das construções, e que nos últimos 20 anos o porte das edificações tem crescido bastante no Brasil, em particular nas capitais, e que no Nordeste não é exceção, pois já existem prédios com até 52 pavimentos. “Nesse porte de obra, o projeto de fundação adquire especificidades próprias e alguns aspectos se tornam muito relevantes na definição do tipo de fundação, em particular o carregamento horizontal, devido à ação do vento e eventuais sismos”, descreve Gusmão. Sua palestra apresentou os principais tipos de fundações usados em edifícios acima de 30 pavimentos no Nordeste. Também foram apresentados vários indicadores de projeto de fundação (número de estacas, volume de blocos, prazos, etc.) que permitem de maneira muito fácil e rápida os quantitativos da fundação e um orçamento estimativo. Depois de todas as sessões técnicas foram exibidos os casos de obras e os debates, ambos exemplificando e discutindo o tema em questão. Um dos casos de obras da sessão técnica sobre geotecnia ambiental foi apresentado pelo professor-­ adjunto do curso de engenharia civil da Poli-UPE (Escola Politécnica da Universidade Pernambuco), Eder Santos. Na ocasião, ele comentou sobre o “Uso de RCD-R (Resíduos de Construção e Demolição Reciclados) em Estruturas Reforçadas com Geossintéticos”, assim como as formas de geração dos RCD (Resíduos de Construção e Demolição) e os impactos (ambientais, sanitários e econômicos) decorrentes do seu descarte inadequado. Como uma solução para estes impactos, Santos apontou a opção de reciclagem por diferentes tipos de usinas de reciclagem e das principais formas de aplicação dos RCD-R. Por meio da apresentação de um fluxograma com os processos usualmente empregados em usinas de reciclagem, ele descreveu os principais produtos da reciclagem do RCD, em seguida as características do PPG-UnB (Campo Experimental de Fundações do Programa de Pós-graduação em Geotecnia da Universidade de Brasília) e as instalações executadas exclusivamente para a construção de estruturas experimentais em escala real. Segundo ele, as estruturas possuem 3,60 m de altura x 3,70 m de largura x 7,25 m de profundidade, e foram construídas com a técnica de solo envelopado, empregando uma PET (Geogrelha de Poliéster) como elemento de reforço, e ­RCD-R­­, como material de preenchimento. “Tentei também


mostrar o extenso programa de instrumentação das estruturas experimentais, o qual contou com a instalação de inclinômetros; extensômetros de cabos de aço; células de tensão total; extensômetros elétricos (strain gauges) e marcos superficiais”, explica Santos. No final, ele exibiu os resultados da caracterização geotécnica dos RCD-R, os quais revelaram propriedades físicas e mecânicas adequadas para a aplicação proposta e apresentou o desempenho da estrutura experimental em relação aos deslocamentos da face; recalques do topo; deformações do elemento de reforço e movimentos do solo de fundação. “Como conclusão, os resultados obtidos na caracterização geotécnica dos RCD-R, no desempenho da estrutura reforçada com geogrelha e a importância da proposta para desenvolvimento de uma engenharia civil sustentável foram excelentes”. Atualmente, o RCD é tratado como um assunto de extrema importância para a engenharia civil, visto que, a prática possibilita realizar dentro do canteiro de obra um consumo mais consciente de matérias-primas; a redução dos volumes de insumos e do volume de resíduos gerados; o reuso dos eventuais resíduos gerados e a reciclagem dos resíduos que não foram reutilizados. Especificamente sobre o uso dos RCD-R, pode-se destacar que o seu emprego sistemático dentro dos canteiros de obra contribui, por exemplo, para a redução dos impactos ambientais decorrentes de exploração de jazidas de agregados naturais e do transporte destes para os locais de obra. Além do aspecto ambiental, o seu emprego possibilita a criação e o desenvolvimento de novos mercados de equipamentos, produtos e serviços relacionados com a reciclagem do RCD. Com essa postura, a engenharia civil contempla importantes ações na busca do “desenvolvimento sustentável”.

As mesas de debates também compuseram a programação do simpósio

NORDESTE EM FOCO Num país de grandes extensões, como o Brasil, a abordagem de assuntos regionais é como uma excelente oportunidade para o debate de problemas técnicos dentro de um dado contexto espacial, físico, ambiental e econômico. Trata-se de uma ocasião para abordar de forma muito mais próxima os desafios locais. A partir dessas discussões e da troca de experiências profissionais locais, principalmente, pode-se avançar na elaboração de soluções cada vez mais eficientes e inovadoras, o que contribui de forma bastante significativa para o desenvolvimento do meio técnico como um todo. Para a professora da UFCG, Lêda Christiane de Figueirêdo Lopes Lucena, muitas vezes a geotecnia no Nordeste é negligenciada por darem créditos, principalmente, à atuação de profissionais do Sul e Sudeste. “Além de o evento servir como vitrine e mostrar que o Nordeste apresenta pesquisadores e engenheiros capacitados para atuarem nesta área, ele possibilita a discussão sobre as especificidades do solo da região contribuindo para reflexão e, consequentemente, encontrando soluções eficazes, econômicas e sustentáveis para os desafios frequentemente enfrentados no canteiro de obras”, opina. 9 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Homenagem concedida ao engenheiro Francisco Barbosa de Lucena

Já para o professor da UnB, José Camapum de Carvalho, os órgãos de fomento e avaliação no Brasil têm diminuí­ do a importância da produção científica orientada para os eventos nacionais, regionais e locais. No entanto, segundo ele, é por meio desses eventos que pode ocorrer a maior transferência de conhecimento para a sociedade técnico-científica do País, pois eles abrem os trabalhos, os resultados dos estudos para discussão e debate e, por


PARTICIPANTES DO GEONE 2015

ça. A abertura dos eventos permite chegar mais rápido e de modo mais direto a essas respostas. Deste modo, os eventos podem colaborar por meio de formulações de questões, apresentação de resultados de estudos, debates e construção de linhas de conduta técnica, administrativa e social a serem revistas periodicamente”, considera Carvalho.

ENCERRAMENTO

meio, dessas novas questões surgem para serem estudadas, por carecedoras de respostas que são. O contato direto entre o autor e o participante real­ça a importância de ambos e isso contribui para a popularização dos eventos, pois o todo termina sendo valorizado. “A contribuição dos eventos para o desenvolvimento, local, regional e nacional é indiscutível, pois neles as respostas às demandas da sociedade são diretas e abertas à discussão. Por exemplo, é preocupante a questão da estabilidade de encostas no Brasil no período chuvoso, e a sociedade e os profissionais de engenharia querem discutir o problema e buscam respostas concretas garantidoras de maior seguran10 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Ao longo de dois dias, o GeoNe 2015 em Campina Grande atingiu plenamente todos os objetivos da ABMS, com palestras relevantes e um público que superou todas as expectativas, pois 15 dias antes do evento, todas as 400 vagas disponíveis já tinham sido preenchidas por engenheiros associados e não associados à ABMS e, principalmente estudantes. A ocasião também trouxe novos associados ao Núcleo Nordeste. “Além dos muitos elogios que recebemos, vários estudantes e profissionais se associaram ao núcleo por ocasião do simpósio, o que demonstra que acertamos no modelo do evento”, declara a professora do IFPE e presidente do GeoNE 2015, Karina Dourado. Lucena acredita que o grande desafio desta edição foi inovar, visto que o GeoNE já se consolidou como um evento tradicional na geotecnia brasileira. “Tínhamos que planejar um evento que atraísse o público em um ano em que o País enfrentava uma crise e passava por uma contenção de gastos. Para isto não era possível apenas repetir a fórmula que deu certo nos anos anteriores, tivemos que mostrar ao público


Parte da área externa do evento

que embora o formato e os temas fossem essencialmente semelhantes, o GeoNE 2015 seria palco de discussões atuais, inovadoras e que era importante investir o tempo e o dinheiro neste evento”, esclarece. “Participar do GeoNE é sempre uma experiência engrandecedora. Como tive a oportunidade de participar de edições anteriores do evento, fiquei bastante satisfeito ao constatar o crescimento do evento em termos científicos, técnicos e comerciais. Vale ressaltar que o evento, no seu formato, permite, além de apresentar interessantes casos da geotecnia regional, realizar também o debate com palestrantes de renome nacional e internacional. Dessa forma, pode-se dizer que, mesmo para o palestrante, trata-se de uma ocasião muito interessante para conhecer casos de obras daquela região específica”, comenta o professor da Poli-UPE, Eder Santos. A próxima edição do Simpósio de Geotecnia do Nordeste será realizada no segundo semestre de 2017, na cidade de Maceió (AL). De acordo com a presidente do GeoNE 2015, Karina Dourado, devido à grande procura nesta quarta edição, o Núcleo Nordeste está comprometido em aumentar a capacidade do próximo simpósio para que possa receber um maior número de participantes. A meta para o GeoNE­2017 é receber mais de 500 inscritos.

11 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


NOTAS

5ª edição do Anuário ABCIC é lançada e revela crescimento de tecnologia e vendas

Divulgação / Abcic

Levantamento mostra que empresas estão aderindo mais ao Building Information Modeling e que os shoppings se destacam no levantamento

Documento que há cinco anos tem conquistado tradição no setor da construção civil, o Anuário ABCIC (Associação Brasileira da Construção Industrializada de Concreto) chegou em sua quinta edição. Lançado no dia 26 de novembro, em São Paulo, em um jantar de confraternização no Millenium Centro de Convenções, o estudo mostra resultados importantes da área analisados durante o ano. Durante o jantar, também houve o anúncio dos vencedores do Prêmio Obra do Ano em Pré-Fabricado de Concreto que foi concedido ao empreendimento da UFABC (Universidade Federal do ABC), localizado na cidade de Santo André, em São Paulo, projeto que destacou-se, entre outros motivos, por unir as vantagens da construção com 12 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

pré-fabricados à flexibilidade arquitetônica, assim como a característica hiperestática da estrutura, o que reduziu a altura das vigas, das deformações e uma diminuição do consumo de materiais. Com a participação de empresários, profissionais da indústria de pré-fabricados, arquitetos, representantes de entidades setoriais da construção civil e de órgãos governamentais, o evento contou ao todo com a presença de aproximadamente 200 pessoas. Para a presidente da ­ABCIC, Íria Doniak, o anuário é uma espécie de termômetro para que o futuro do setor possa ser projetado conforme os números do segmento. “Ele é de grande importância, pois permite que o setor tenha números para poder cons-


Por Dafne Mazaia

tatar os eventos passados e poder projetar o futuro. Ganha destaque ainda por ser feito com a chancela de uma das instituições mais respeitadas do País, que é a FGV (Fundação Getulio Vargas). Sua principal função é definir o perfil das empresas do setor e saber como a conjuntura atual interfere nas ações estratégicas do mercado”, aponta. A pesquisa demonstrou que houve alterações positivas em 2015 em relação a alguns segmentos, de acordo com a presidente da ABCIC. “O levantamento realizado pela FGV teve como um dos destaques a indicação de alteração tecnológica no segmento de pré-fabricado de concreto. Na comparação entre 2014 com 2013, cresceram as sinalizações de uso do concreto autoadensável – passou de 58,1% para 66,7%”, revela. A plataforma BIM (Building Information Modeling) também passou a ser conhecida entre as empresas também, com cada vez mais adesões. “Em 2014 observou-se uma mudança marcante em relação ao ano anterior: o percentual de empresas que não conhece a ferramenta caiu de 20,9% para 4,9%. Vale destacar também o aumento das sinalizações das empresas que conhecem e já implantaram a inovação tecnológica ou que pretendem fazê-lo nos próximos dois anos, que passou de 43,5% para 63,4%”, pontua Íria Doniak. O levantamento também indicou que a produção de concreto protendido regrediu. “Em 2014, o percentual de empresas que indicou produzir exclusivamente o concreto protendido retrocedeu para 9,4%. Em 2011, nenhuma empresa assinalou produzir apenas esse tipo de concreto, percentual que chegou a 8% em 2012 e passou para 11,8% em 2013”, informa a presidente da ABCIC. O anuário também mostrou que a preferência por concreto armado continua decaindo entre as empresas. “O percentual de empresas com produção integral dedicada ao concreto armado continua reduzindo a cada ano: era de 26% em 2011, passou para 22% em 2012, para 20% em 2013 e 18,4% em 2014”, menciona Doniak.

Shoppings e indústrias continuam como os principais pontos de venda do segmento, como mostrou o anuário, com um aumento de aproximadamente 10% em relação às vendas em shoppings. Já o setor de infraestrutura caiu algumas posições. “O segmento de infraestrutura, que vinha crescendo, voltou a cair várias posições e em 2015 representou apenas 8,4% da demanda das indústrias de pré-fabricados – em 2014, essa participação alcançou 14,3%”, destaca a presidente da ABCIC. O segmento que cresceu e ficou em terceira posição foi o de varejo, com 11,9%, em seguida, destacaram-se os centros de distribuição e logística, com 10,9% de participação. A menor contribuição ficou por conta do setor habitacional. Conforme os resultados apontados no anuário, empresas demonstraram uma redução dos planos de investimentos. Os números ressaltaram que ocorreu uma diminuição tanto na produção quanto no quadro de empregados, em relação às empresas pesquisadas. “A queda nos investimentos mostrou-se ainda mais severa que a anunciada no final de 2014. Indiscutivelmente, as empresas de pré-fabricados sofreram o impacto da retração da atividade do principal elo da cadeia e demandante de seus produtos: o setor da construção”, conta Íria Doniak. Também foi registrado uma diminuição na produção de pré-fabricados, em comparação com o ano anterior. “A produção média foi de 25.891 m³ por empresa. Em 2014, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a produção de materiais de construção registrou declínio de 5,9%. O desempenho menos negativo da indústria de pré-fabricado se deve à grande diversidade de atuação do segmento, além da garantia de agilidade e qualidade, características inerentes ao segmento das estruturas pré-fabricadas”, assegura a presidente da ABCIC. Para obter o anuário é preciso entrar em contato com a ABCIC por meio do e-mail abcic@ abcic.org.br

Livro de comportamento e propriedades dos solos não saturados é lançado em versão digital A publicação organizada por professores da área e com a ajuda da ABMS já está disponível online e também há previsão de ser lançada em versão impressa

Mesmo com mais de 8.000.000.000 km², o clima do Brasil é em quase toda sua extensão tropical, fator que torna mais provável o surgimento de solos não saturados, isto 13 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

é, constituído por três fases: uma sólida, com partículas minerais, uma fase gasosa, composta pelo ar e uma líquida, integrada pela água. No entanto, muitos profissio-


Arquivo José Camapum

nais ainda se deparam com dificuldades para encontrar um material que aprofunde especificamente esse tipo de solo. Com a percepção dessa ausência de obras voltadas para o tema, um grupo de engenheiros discutiu a ideia de organizar uma publicação que pudesse orientar e abordar os solos não saturados no Brasil. Em novembro de 2015, foi lançado o e-book “Solos não saturados no contexto geotécnico”, elaborado pelos autores Francisco Chagas da Silva Filho, Gilson de Farias Neves Gitirana Junior, José Camapum de Carvalho, Márcia Maria dos Anjos Mascarenha e Sandro Lemos Machado. A ideia da criação do livro começou a ser desenvolvida no VII Simpósio Brasileiro de Solos Não Saturados e a publicação foi lançada em formato digital no evento seguinte, em novembro do ano passado. De acordo com o professor Camapum, a proposta tomou forma em um comitê da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica), órgão que apoia e auxilia no processo da organização do livro. “A ideia do livro não é oriunda de uma pessoa. Ela surgiu e foi discutida e implementada pelo Comitê Técnico de Solos Não Saturados da ABMS graças ao esforço e dedicação dos organizadores do livro e dos autores dos capítulos e ao constante apoio da ABMS”, relata o engenheiro. Além de disseminar os conhecimentos de solos não saturados, a publicação ainda contextualiza esses solos frente à condição não saturada e também dos solos em transição para a fase saturada. Segundo Camapum, esse aspecto muitas vezes é pouco abordado no campo e é importan14 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

te para evitar acidentes, por exemplo. “Várias rupturas de encostas ocorrem devido exatamente a essa passagem da condição não saturada para a condição saturada ou quase saturada, logo, conhecer e avaliar a influência da não saturação e da perda do estado de saturação sobre o comportamento hidromecânico do solo é fundamental, pois permite avaliar os riscos e oferecer maior segurança à sociedade e às próprias obras de engenharia existentes nessas localidades”, assegura. Composto por 26 capítulos, o livro contou com a participação de 70 autores e transmite informações técnicas que possibilitam uma compreensão mais aprofundada sobre as propriedades e o comportamento dos solos não saturados. Algumas obras podem ser ainda mais profissionais, caso exista algum engenheiro com capacidade de entender o solo, como explica Camapum. “Os projetos rodoviários, de fundações de edifícios, de barragens de terra e enrocamento e as análises de estabilidade de taludes podem, em grande parte dos casos serem otimizados com a participação de profissionais conhecedores das propriedades e comportamento dos solos não saturados. Vários processos erosivos podem ser evitados, mitigados ou contidos, conhecendo-se melhor as propriedades e seus comportamentos”, argumenta. Segundo José Camapum há previsão de que o livro seja lançado em sua versão impressa ainda em 2016, com mais de 800 páginas. Ao longo dos capítulos, a publicação trata dos aspectos fundamentais desse tipo de solo, das aplicações em ramos da engenharia geotécnica, do meio ambiente, como barragens, fundações, pavimentação e erosões, além de contribuir para o avanço da engenharia geotécnica, com a consequente redução dos problemas que eventualmente podem surgir, caso exista desconhecimento das propriedades e comportamentos dos solos não saturados. Voltado para estudantes de graduação e com pós-graduação em engenharia civil, o livro também é destinado para profissionais que já atuam na área geotécnica em geral, assim como para agrônomos, geógrafos e geólogos. Já disponível gratuitamente no site da ABMS, na sua biblioteca virtual, (http://www.abms.com.br/links/bibliotecavirtual/ livros/Solos_nao_saturados_no_contexto_geotecnico_ 2015-bookmarks.pdf ), a edição impressa do livro ainda precisa de patrocínio, conforme Camapum. “Os organizadores e a ABMS estão em busca de patrocínio para a edição impressa do livro. Para angariar os recursos lançamos duas modalidades de cota: a ouro dá direito a um espaço publicitário de uma página no início do livro e mais dez exemplares e a cota prata com direito a um espaço publicitário de meia página no final do livro e mais cinco exemplares. Esse espaço publicitário ficará disponibilizado na versão digital até a publicação da próxima edição e na versão impressa na primeira edição”, conta. As empresas interessadas em colaborar devem entrar em contato com Sílvia Rabello (da ABMS), pelo e-mail srabello@abms.com.br.



ENTREVISTA – ANDRÉ PACHECO DE ASSIS

UMA CARREIRA DESAFIADORA E BRILHANTE O engenheiro André Pacheco de Assis enfrentou diversos desafios em sua carreira e construiu uma história como docente e na gestão de diversas associações Por Dafne Mazaia

Fotos: Acervo pessoal

panhamentos na área de geotecnia aplicada à mineração e em barragens em várias centrais hidrelétricas, como a Usina Hidrelétrica Serra do Facão, construída no rio São Marcos, no Estado de Goiás; Usina Hidrelétrica Batalha, localizada no rio São Marcos, entre os municípios de Cristalina (GO) e Paracatu (MG); Usina Hidrelétrica Ferreira Gomes, localizada na Bacia do Rio Araguari, em Ferreira Gomes (AP) e Belo Monte, em Vitória do Xingu (PA); os metrôs de Brasília (DF), Bucareste e São Paulo (SP); assim como a gestão de riscos geotécnicos do projeto TAV Brasil (Trem de Alta Velocidade) e suas atividades na empresa Vale. André Assis já foi presidente do ITA (Associação Internacional de Túneis e do Espaço Subterrâneo) e hoje preside a ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica). O engenheiro e professor André Pacheco de Assis

O engenheiro e professor André Pacheco de Assis nasceu no Estado de Minas Gerais, em junho de 1959. Mudou-se diversas vezes em sua infância, até fixar residência em Brasília (DF), onde prestou vestibular para Física, na UnB (Universidade de Brasília) e após um ano, resolveu mudar para o curso de Engenharia Civil, para seguir seu sonho na área de estruturas. Acabou interessando-se pelo segmento de geotecnia, no final da graduação. Iniciou sua carreira como engenheiro júnior na empresa Themag Engenharia e algum tempo depois realizou doutorado em Geotecnia na Universidade de Alberta, no Canadá. Cinco anos depois voltou ao Brasil e tornou-se professor na UnB. Já em sua carreira acadêmica, fez dois estágios de pós-doutorado, como professor visitante, na Mackay School of Mines da Universidade de Nevada, na cidade de Reno, nos Estados Unidos, entre os anos de 1996 e 1997, e no EPFL (Instituto Politécnico Federal de Lausanne), na Suíça, entre 2005 e 2006. Entre os trabalhos que já participou destacam-se seus acom16 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

CONTE-NOS UM POUCO SOBRE A SUA INFÂNCIA E COMO SURGIU O INTERESSE PELA ENGENHARIA CIVIL. Nasci em Itajubá (MG) em 02 de junho de 1959. Até os 13 anos morei em diversas cidades de Minas Gerais como Itajubá, Uberlândia e Prata, e em Penápolis no Estado de São Paulo e do Rio de Janeiro (RJ), tudo isso devido a profissão do meu pai que era funcionário do Banco do Brasil. Em 1973, a família se mudou para Brasília, onde nos fixamos de vez, pois meus pais diziam que os filhos precisariam de escolas melhores, visando a chegada à universidade. Desde que eu me entendo por gente, eu sempre quis ser engenheiro civil, e tinha a visão de um engenheiro estrutural, de projeto, fazendo cálculos, e sempre atraído pelas obras especiais, mais complexas. Acho que era isso que me encantava na engenharia, as soluções não convencionais para grandes obras. No entanto, no ensino médio, descobri a física, e fui me entusiasmando por ela, a ponto de fazer vestibular para Física na UnB (Universidade de Brasília), em julho de 1976. Foi uma surpresa para minha família e amigos. Era um período bastante direcionado para a energia nu-


A formatura junto com os pais: Antonio e Desirée, em julho de 1980

clear como opção para os problemas energéticos do mundo, e o Brasil entrava nessa área com os projetos de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Até alemão eu fui estudar, já que a nossa tecnologia nuclear era daquele país, e já começava a vislumbrar a possibilidade de uma futura pós-graduação. No entanto, ao final do primeiro ano de graduação, dúvidas diversas me fizeram reavaliar minhas convicções daquele momento, e retornar ao sonho da engenharia civil. Fiz outro vestibular e mudei de curso. Ao longo do curso de engenharia civil, mais uma convicção caiu. Me encantei pela geotecnia, e deixei o sonho de engenheiro estrutural para trás. Avaliei, na época, que a engenharia geotécnica exigiria maior julgamento e criatividade, dada às incertezas naturais dos materiais geotécnicos. Depois de quatro anos me formei (na época, o sistema de créditos inovador da UnB permitia adiantar o curso), tendo cursado todas as disciplinas optativas da área de geotecnia e um estágio na empresa Themag Engenharia (escritório de Brasília, na época encarregado do projeto geotécnico da barragem de Tucuruí, no sudeste do Pará). A formatura ocorreu em julho de 1980 e imediatamente fui contratado pela Themag como engenheiro geotécnico júnior. E ainda me lembro que na época houve um debate acalorado na empresa se deveriam contratar um engenheiro formado em apenas quatro anos, mas felizmente eles me deram este crédito.

QUAIS FORAM AS SUAS INFLUÊNCIAS PARA ESSA ESCOLHA? A engenharia apareceu na minha cabeça de forma natural, sem interferência alguma. Meus pais não tinham, na época, curso superior (mais tarde meu pai se formou em Direito), nem outros familiares. Pode-se dizer que éramos aquele tipo de família, do interior, sem recurso algum, que com seu trabalho foi ganhando a vida e tinha como grande sonho formar os filhos. E assim eles nos ensinaram (eu e mais três irmãos), o valor da educação e uma profissão com a qual nos identificássemos. Sempre apoiaram minha decisão pela engenharia civil e ficaram menos entusiasmados quando decidi pela física. Mas ao final todos ficaram felizes quando retornei para a engenharia. 17 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Início da carreira de André Assis como engenheiro geotécnico, em visita a Tucuruí, no Pará, em 1982

André Assis ao lado de Arsenio Negro, Argimiro Alvarez e Kenzo Hori, colegas da Comissão Organizadora do Congresso Mundial de Túneis da ITA, realizado em São Paulo, em 1998

CONTE-NOS UM POUCO SOBRE A SUA FORMAÇÃO ACADÊMICA. Como já dito, o curso de graduação em Engenharia Civil foi na Universidade de Brasília (1976-1980). Foi um curso bastante pesado na formação básica (disciplinas da física e matemática), o que durou cerca de dois anos. Depois já nas disciplinas da engenharia, as coisas fluíram de forma mais natural, embora as horas intermináveis de estudos e projetos nos ocupavam o dia todo, todos os dias da semana. Somente nessa época descobri as demais áreas da engenharia civil: geotecnia, recursos hídricos e saneamento, transportes e tecnologias construtivas, além da minha desejada área de estruturas. No último ano do curso, optei pela área de geotecnia e procurei um estágio na área, o que complementou muito bem minha formação de graduação. Na Themag tínhamos um projeto fantástico pela frente que era a Usina Hidrelétrica de Tucuruí e um time de engenheiros geotécnicos de primeira linha. Dentre eles destaco o chefe da divisão de geotecnia, Luís Valenzuela, chileno e


Divulgação / ABMS

O engenheiro após presidir sua primeira Assembleia Geral da ITA, em 2002

Divulgação / ABMS

Assis em um jantar durante o evento WTC, no Brasil, em 2014

O engenheiro durante a comemoração de 20 anos do CBT

com mestrado no Imperial College na Inglaterra. Já no primeiro dia do estágio, ele me deu um artigo em inglês sobre um método de estabilidade de taludes e disse: “Estude, discutiremos na semana que vem, e depois você fará a análise de estabilidade da barragem com carregamento sísmico”. Passado o choque, tive a convicção de que estava no lugar certo, pois aquele era o desafio e o tipo de engenharia que eu procurara sempre em minha mente. Luís Valenzuela se 18 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

tornou o mentor de minha carreira. Me desafiava o tempo todo, convidando para ir aos sábados para sua casa, discutir artigos, criticar e conversar sobre o futuro. Daí os planos de pós-graduação amadureceram, ele me ajudou a escolher para onde ir, fazer os contatos etc. Em agosto de 1984, segui para o Canadá para cursar o mestrado em geotecnia na Universidade de Alberta. Na época, já casado com a Sandra e com dois filhos, Bernardo e Daniel, optamos pelo mestrado no exterior, pois a bolsa lá era significativamente maior que nas universidades brasileiras. Foi uma experiência muito marcante em nossas vidas, pois na hora de viajar, a bolsa do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) não saiu e a universidade canadense foi reduzida a um terço pelas restrições financeiras daquele momento. Com poucos, mas suficientes recursos, apostamos e fomos para o Canadá, com a promessa do coordenador de engenharia do CNPq que se eu ficasse para o doutorado, nos ajudaria com uma bolsa. Deu tudo certo, e por isso fiz o doutorado, sem ter mestrado. A experiência da pós foi profunda em minha formação. Primeiro as disciplinas, algumas com nomes que somente conhecia da literatura (Morgenstern, Eisenstein, dentre outros). Todas com uma carga de conhecimento excelente, que me ajudaram a montar um leque de conhecimento que até hoje me acompanha. Depois veio a decisão do tema da tese. Após trabalhar quatro anos com projeto de barragens, e ter este tema como o natural, veio mais uma quebra de convicção momentânea. Durante as disciplinas, gostei muito das disciplinas de mecânica das rochas e de túneis. Não que não tenha gostado das demais, mas estas foram surpreendentes, pois eu não tinha nenhuma formação nesta área. Daí decidi fazer a pesquisa de doutorado em um tema relacionado a túneis em rocha. Trabalhei com rochas salinas, o que muito tempo depois passou a ser um assunto de primeira importância no Brasil, dadas as reservas de petróleo do pré-sal. Cinco anos depois, eu completei o doutorado e minha esposa Sandra, o seu mestrado (em nutrição), e retornamos ao Brasil, já comprometido com a Universidade de Brasília, que estava formando um grupo de geotecnia de alto nível e tinha iniciado recentemente seu curso de mestrado. Assumi minha posição de docente na UnB em novembro de 1989. Mais tarde, já na carreira acadêmica, aproveitei duas licenças sabáticas, e fiz dois estágios de pós-doutorado como professor visitante, o primeiro na Mackay School of Mines da Universidade de Nevada, na cidade de Reno, nos Estados Unidos, entre 1996 e 1997, e o segundo no EPFL (Instituto Politécnico Federal de Lausanne), Suíça, entre 2005 e 2006.

QUAIS SÃO AS SUAS EXPERIÊNCIAS COM PROJETOS E TRABALHOS NA ÁREA DE ENGENHARIA CIVIL? Minhas experiências em engenharia civil como se resumidas como quatro anos na área de projeto de barragens, como Engenheiro Júnior, ou seja, um trabalho sob supervisão dos engenheiros mais experientes, mas apesar do pouco tempo, foi uma experiência muito completa, passando pelos diversos tipos de estudos e aspectos de projeto de barragens, devido à complexidade e ao tamanho das obras: Usina Hidrelétrica


de Tucuruí, barragens de Mirorós (BA) e Zabumbão (BA) e os estudos de inventário e viabilidade do Médio Tocantins (Bacia do Rio Tocantins). A estrutura da empresa na época era muito favorável ao aprendizado e discussão, pois os diversos times de engenheiros discutiam uma vez por semana as diversas partes do projeto. E todos participavam destas reuniões. Este período imprimiu em meu “DNA” o orgulho de ser barrageiro. Depois do doutorado e já lecionando na universidade, o foco de minha atuação se alterou para atividades de consultoria, desde serviços especializados, revisão de projeto e junta de consultores. O primeiro trabalho de relevância foi o acompanhamento da construção do metrô de Brasília, que além de vários serviços especializados, gerou inúmeras dissertações de mestrado e teses de doutorado na universidade. Depois, outras oportunidades foram aparecendo, e sempre que eu julgava que o trabalho se beneficiaria de minha especialidade e ao mesmo tempo traria uma oportunidade de aprendizado, eu os aceitaria dentro de minhas disponibilidades de tempo. Ao final, acumulei experiências muito interessantes, tanto no Brasil, quanto no exterior, nas áreas de geotecnia aplicada à mineração (barragens de rejeito e estruturas em rocha – taludes e túneis), de barragens (várias pequenas centrais hidrelétricas, Serra do Facão, Batalha, Ferreira Gomes e Belo Monte), de túneis (metrôs de Brasília, Bucareste e São Paulo) e mais recentemente em gestão de riscos geotécnicos (projeto do Trem de Alta Velocidade no Brasil, metrô de São Paulo e Vale).

COMO É CONCILIAR O TRABALHO COMO DOCENTE E SUA ATUAÇÃO EM OUTROS TRABALHOS NO SETOR? Em minha opinião, conciliar o universo acadêmico com a experiência prática do setor é uma necessidade para garantir a qualidade de ensino em uma área tão aplicada e tecnológica como a engenharia civil. Foi isso que eu aprendi observando meus professores durante o período de doutorado no Canadá, onde todos se expunham às demandas das empresas e da sociedade como forma de uma maior e mais eficiente interação entre a universidade e empresas públicas e privadas. Tudo com muito respeito ao ambiente acadêmico e sua dedicação necessária. É desta forma que eu vejo esta conciliação, em que os trabalhos externos devem ser pontuais e especializados, e devem sempre trazer desafios para as pesquisas acadêmicas, motivando os alunos de graduação e pós-graduação a trabalharem com temas reais, complexos e de vanguarda. Pensando em desenvolver este conceito com os alunos, desde o início de minha carreira, eu incentivei os alunos da universidade a fazerem visitas a obras e a participarem de congressos na área. Para viabilizar isso, organizei por 15 anos uma viagem de campo anual, com duração de dez dias, onde professor e alunos viajaram de ônibus da universidade por diversas obras. Onde tinham obra de barragens, taludes e túneis, estávamos lá. Literalmente fomos do sul ao norte, passando por Itaipu, barragens de Santa Catarina a do Iguaçu, metrôs do Rio de Janeiro e São Paulo, minas de Minas Gerais, Tucuruí e demais barragens do Tocantins, Carajás (PA), dentre outras. Da mesma forma, foram organizadas diversas delegações de alunos a congressos. Essa iniciativa despertou uma resposta tão positiva, que hoje essas viagens continuam a ser realiza19 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

das, só que lideradas por colegas, que no passado foram nossos alunos e se beneficiaram delas.

QUAIS DISCIPLINAS MAIS GOSTA DE LECIONAR? Sinceramente esta é uma questão que eu não consigo responder de forma definitiva. Ministro quatro disciplinas: barragens, mecânica das rochas, túneis e métodos estatísticos e probabilísticos em geotecnia. São todas disciplinas de formação profissional ou de pós-graduação, e todas dentro de minhas especialidades. As disciplinas ofertadas também na graduação são optativas (mecânica das rochas e barragens) e mesmo assim tem de 30 a 50 alunos todos os anos, demonstrando o enorme interesse dos discentes. As da pós-graduação, também abertas a alunos especiais (profissionais já formados em busca de reciclagem e educação continuada), também atingem a capacidade total de nossa sala de aulas. Cada uma delas tem suas especificidades e seus desafios, mas tento sempre introduzir novos casos e exemplos, criando um ambiente dinâmico e renovado a cada ano. No momento, a disciplina mais difícil para mim é a de métodos estatísticos e probabilísticos, pois estamos introduzindo o tema da abordagem probabilística de projeto e da gestão de riscos em engenharia, o que tem atraído o interesse, não apenas de nossos alunos, mas de profissionais de todas as áreas da engenharia civil. Isto cria um ambiente mais disperso, muito desafiador, de muito aprendizado, mas que dá um trabalho acima da média.

CONTE-NOS UM POUCO SOBRE A SUA EXPERIÊNCIA COMO PRESIDENTE DA ABMS. A decisão de dedicar parte de seu tempo livre a associações profissionais vem do desejo de deixar algo relevante para a coletividade e para a sociedade como um todo. Eu realmente acredito que as associações têm um papel fundamental para a coletividade de seus profissionais e para a sociedade. Em primeira instância elas têm uma enorme capacidade de juntar informações e conhecimentos que estavam dispersos entre seus profissionais, organizá-los e redistribuí-los a todos os profissionais interessados. É a verdadeira democratização do conhecimento, só que do conhecimento especializado. Para cumprir esta missão, há várias formas e meios, e cabe a nós, dirigentes de associações, encontrar aqueles mais eficazes para os nossos associados. Em um estágio mais evoluído de nossas associações, elas podem imprimir padrões de qualidade profissional, publicando recomendações e diretrizes e serviços e procedimentos de engenharia, que passam a ser seguidos pela comunidade de profissionais do setor. E ainda participar ativamente da elaboração de normas técnicas e até de leis que afetam diretamente o setor. Dentro desta visão, desde muito cedo, me integrei à ABMS e seus comitês CBT (Comitê Brasileiro de Túneis) e CBMR (Comitê Brasileiro de Mecânica das Rochas). Fui presidente do CBT de 1998 a 2002. Hoje presido a ABMS, uma associação com cerca de 1.500 associados individuais e coletivos e mais de 65 anos de existência. Para mim é uma honra e um orgulho. Porém, mais importante do que o orgulho pessoal, é responder com responsabilidade a confiança que os associados e conselheiros me confiaram.


No final do ano, quando completar meu segundo mandato e concluir minha presidência na ABMS, muitas atividades terão sido desenvolvidas, pequenas e grandes, simples e complexas. Mas dentre elas eu destacaria quatro com muita satisfação: 1) ter concluído o processo de aquisição de uma sede própria para a ABMS (processo iniciado e muito bem conduzido pela diretoria anterior do Arsenio Negro), adequado o espaço com uma reforma e ao final dar uma casa nova, adequadamente mobiliada para nossos associados, realizando um sonho de toda a ABMS; 2) implementado a biblioteca virtual, que é a disponibilização gratuita ao público em geral, de toda produção técnica e profissional da ABMS, por meio de documentos digitalizados, o que é uma forma de disponibilização irrestrita de conhecimento à comunidade geotécnica em geral; 3) ter criado uma comissão técnica sobre educação e formação com a função de organizar e ministrar cursos de curta duração aos profissionais geotécnicos como forma de educação continuada, tão importante para o aperfeiçoamento profissional nos dias de hoje; 4) e por fim, estabelecer, junto com nossas comissões técnicas, que um de seus objetivos essenciais é produzir documentos de alcance social, tais como livros de conhecimento, recomendações e diretrizes (embora ainda em estágio inicial, esta atividade já gerou um livro sobre solos não-saturados que se encontra para descarregamento gratuito na nossa biblioteca virtual).

DENTRE OS TRABALHOS REALIZADOS EM SUA CARREIRA, QUAIS CONSIDERA DE MAIOR DESTAQUE OU QUE LHE TROUXERAM MAIS SATISFAÇÃO? Vou tentar responder a esta pergunta separando os trabalhos em diferentes tipos de atividades. Primeiramente, dentre os inúmeros trabalhos e atividades acadêmicas, eu destaco as dissertações de mestrado e teses de doutorado que orientei. São muitas orientações concluídas, cerca de 80, e embora seja o trabalho final dos alunos, todas elas trazem uma grande satisfação para mim, pois representam o ápice de um educador, que se propôs à formação de recursos humanos. É o momento que entregamos à sociedade profissionais com enorme potencial de contribuir para com nossa engenharia. Nas atividades profissionais, eu destacaria um trabalho que estou envolvido nos últimos quatro anos, que é a concepção e implantação de um sistema inteligente de gestão de riscos geotécnicos na empresa Vale. O destaque para este trabalho é o ineditismo de deste sistema e sua abrangência e complexidade, considerando os enormes desafios de estruturas geotécnicas em uma empresa de tal porte. Quanto à sua importância, é algo crescente no momento e o recente acidente de Mariana, em Minas Gerais, só veio para ilustrar o assunto, infelizmente de forma trágica. Por fim, destaco minha participação em associações profissionais, cujo auge foi a minha presidência junto à ITA (Associação Internacional de Túneis e do Espaço Subterrâneo), ocorrida de 2001 a 2004. Ser presidente de uma associação profissional, dentro de sua área de especialidade, é motivo de grande orgulho para qualquer um, mas a presidência da ITA foi mais. Primeiro, porque contei com o apoio total do CBT no Brasil, que me proporcionou todo o suporte para desenvolver a minha 20 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

função. Segundo porque com propostas inovadoras, tive o apoio do Conselho da ITA para implementá-las e transformar a associação em algo mais profissional e mais eficiente para seus associados e para o público em geral. No total, foram 11 anos de dedicação e muito trabalho, que resultaram em grande satisfação. Por fim, ainda na ITA, participei ativamente da criação do ITACET (Comitê de Educação e Formação da ITA), que presidi por seis anos (2007-2013), que estabeleceu um currículo padrão de um curso de mestrado em engenharia de túneis, que é ministrado em várias universidades do mundo, e um programa de cerca de 20 cursos de curta-duração, visando a educação continuada de profissionais de túneis, dada a deficiência de formação desta especialidade pelas universidades em todo o mundo. Todos estes anos ligados à ITA me permitiram viajar o mundo todo e ter a oportunidade de conhecer os maiores projetos de túneis do planeta, o que muito contribuiu para minha formação profissional, além de grande satisfação. Embora tenha destacado estas atividades, posso resumir que a minha carreira como um todo sempre me deu muita satisfação. Tenho prazer e orgulho do que faço.

QUAIS SÃO OS SEUS PROJETOS FUTUROS? Gosto muito do que faço, e vou continuar assim. Deixo a presidência da ABMS no fim deste ano. E a partir daí tenho o projeto de transformar em livros minha experiência acadêmica, principalmente nas áreas de mecânica das rochas e de túneis, pois temos carências severas nestas áreas em nossas universidades. Na área de gestão de riscos geotécnicos, já estou escrevendo um livro, junto com outros dois colegas.

COM UMA CARREIRA JÁ CONSOLIDADA ATUALMENTE, QUAL AVALIAÇÃO FAZ DA SUA TRAJETÓRIA ATÉ AQUI? Eu não tenho nada a reclamar. Tive algumas oportunidades por mudar, mas decidi ficar no rumo traçado depois de meu doutorado, que era me dedicar à academia no Brasil, sem perder o contato com as experiências do setor. Sinceramente acho que cheguei muito mais longe do que sequer um dia imaginei. Algumas coisas que aconteceram na hora certa e no lugar certo. Por outro lado, tentei aproveitar as oportunidades e respondê-las com trabalho e dedicação. Ao final aqui estou, muito feliz e agradecido pela minha carreira.

COM A EXPERIÊNCIA JÁ ALCANÇADA QUAIS SÃO AS SUAS PERSPECTIVAS PARA O MERCADO BRASILEIRO DA ENGENHARIA E GEOTECNIA? Falar de perspectivas em meio a uma crise severa no Brasil e em nosso setor parece sempre utópico, mas já vivi muitas crises em nosso país e esta não é a primeira nem será a última. O Brasil carece de planejamento estrutural, e isso afeta todo o processo da engenharia de infraestrutura, pois as grandes obras requerem planejamento detalhado, contratação justa e execução com qualidade. Enquanto estes fatores falham, ficaremos sujeitos a períodos de “boom” alternados com outros de “paradeira”. No geral sou otimista, pois temos acima de tudo uma grande carência de engenharia e em termos de


infraestrutura ainda falta tudo, de suprimento de água e tratamento de esgoto, a meios de transporte. Sempre repito aos meus alunos que o Brasil é o sonho de trabalho para qualquer engenheiro, pois para onde se olha, vê a necessidade de engenharia. A incerteza fica por conta de que tempo ainda precisamos para equacionar nosso modelo político e econômico de forma que possamos dar aos agentes (profissionais e empresas) da engenharia as condições mínimas e necessárias para fazer uma engenharia em quantidade e qualidade como o país demanda e a nossa sociedade merece.

QUAIS SÃO AS SUAS PRINCIPAIS REFERÊNCIAS NO SEGMENTO?

21 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

André Assis com sua família, durante a celebração das bodas de prata do seu casamento, em 2006

Divulgação / ABMS

Uma carreira como a minha, não seria possível sem a colaboração ativa ou inspiradora de muitas pessoas, e eu reconheço a cada uma delas. No entanto, é sempre complicado listá-las, esquecer alguém e deixar amigos e colegas chateados, mas correrei este risco. No entanto, serei curto na lista para ser bem específico, cada um dentro de certa perspectiva. Vou começar com o Luís Valenzuela, que já citei aqui como meu mentor profissional. Tivemos contato por poucos anos e depois ele foi para sua terra natal (Chile) e mesmo de longe, eu continuei a acompanhar seus passos, aqui no caso, foi o tempo que ele dedicou, de forma gratuita, para aquele jovem engenheiro, e ajudou a alavancar toda uma carreira. Nesta mesma linha, cito o Arsenio Negro, que comecei a acompanhar ainda na Themag, onde ele já era um geotécnico de renome e respeitabilidade. Depois convivemos por três anos no Canadá durante nossos doutorados. Sempre admirei sua seriedade e análise profunda e crítica dos assuntos profissionais. Estes dois profissionais brilhantes, admirei sem nunca querer imitar, até porque não conseguiria, mas me inspirar por uma postura profissional de trabalho, dedicação e seriedade, buscando a respeitabilidade de meus colegas e do setor. Outro que quero destacar é o Akira Koshima, neste caso pela sua dedicação às nossas associações, em especial ao CBT, e pela sua lealdade. Sua capacidade de trabalho e dedicação são excepcionais e invejáveis. Costumamos dizer entre nós, que “se está na mão do Akira vai sair”. E sai mesmo, é garantido. Do ponto de vista pessoal, já registrei aqui a satisfação que tive com minha gestão como presidente da ITA, o que em muito devo ao Akira. Sem entrar em maiores detalhes, ele agiu como o grande facilitador para que eu tivesse a tranquilidade para a função. Quero também destacar o José Camapum, meu colega de grupo acadêmico na UnB. Camapum sempre trabalhou para o bem comum de nosso grupo de geotecnia. Tem uma percepção de coletividade incrível. Foi o pioneiro de nosso grupo, teve visão de futuro, lutou pela formação de um grupo e pela criação de nossa pós-graduação. Também brigou por vagas e pela contratação de muitos de nós, que lá hoje estão, e depois cuidou do bem-estar de todos. Por fim, quero destacar, meu colega e amigo Fernando Franciss, com quem tenho tido intenso contato nos últimos oito anos, trabalhando com gestão de riscos. Franciss é um exemplo de retidão de pessoa, seriedade e competência profissional. Com seus 80 anos, sua cabeça permanece aberta a qualquer assunto, técnico ou não. E sempre estuda a fundo tudo que o instiga, e reparte conosco todo seu co-

Durante a inauguração da sede da ABMS

nhecimento, sem restrições. A todos estes colegas e amigos minha admiração e agradecimento. E aos que não citei, que são muitíssimos mais, minhas desculpas.

CONTE-NOS UM POUCO SOBRE A SUA TRAJETÓRIA PESSOAL. A família para mim sempre teve o papel fundamental para o balanço emocional, berço de felicidade e de inspiração. Sandra e eu nos casamos cedo, ela com 20 e eu com 22 anos. Também tivemos nossos filhos cedo, Bernardo e Daniel. Quando fomos para o doutorado no Canadá (ela com 22 e eu com 25 anos) a família já estava completa. Por isso toda nossa trajetória foi sempre feita em família. As decisões eram sempre guiadas para o que seria mais adequado para todos, e deu tudo certo. Quando os filhos cresceram, acabamos achando um hobby que nos uníssemos de novo, fazendo com que passássemos bons momentos juntos em família e com os amigos. Nos últimos 12 anos somos todos motociclistas e continuamos nos divertindo muito. Mais recentemente, a família cresceu, primeiro com o casamento de nosso caçula Daniel com Débora, e agora fomos brindados com nosso primeiro netinho Lucas. Tem sido muito bom dividir o tempo do profissional com a do avô.


HISTÓRIA

Obra: Instalações próximas ao Rio Pilões e ao fundo linha de tubulação instalada Local: Parque Estadual da Serra do Mar, Rodovia dos Imigrantes, Cubatão (SP) Data: Sem data Acervo da Fundação Energia e Saneamento

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Obra: Linhas de tubulações que ligam Cágado e Pilões Local: Parque Estadual da Serra do Mar, Rodovia dos Imigrantes, Cubatão (SP) Data: Sem data Acervo da Fundação Energia e Saneamento

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REPORTAGEM

REGULAMENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO SOBRE SEGURANÇA DE BARRAGENS AINDA É UM DESAFIO NO BRASIL Para especialistas, os acidentes devem ser analisados e divulgados para gerar progressos nos procedimentos relativos à segurança de empreendimentos relevantes

Arquivo Alberto Sayão

Arquivo Alberto Sayão

Por Dellana Wolney

Barragem Germano 24 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

As barragens são, em geral, feitas em cursos de água para deposição de resíduos ou a retenção de grandes quantidades de água. Neste caso, a sua utilização é, sobretudo, para o abastecimento de zonas residenciais, agrícolas, industriais, produção de energia elétrica (energia hidráulica), ou regularização de um caudal. As barragens devem ser construídas caso tragam algum benefício para a sociedade. Para construções como esta há os termos de segurança, no caso das barragens, uma medida de precaução para proteger as pessoas de operações indesejáveis, ou até mesmo de falhas das barragens e reservatórios. No Brasil, a responsabilidade primária da integridade e segurança da barragem deve permanecer com seu proprietário. Entretanto, a legislação e a ação governamental para todas as atividades industriais, inclusive a operação de barragens, devem prever um suporte para a integridade e segurança desta estrutura. O Plano de Segurança da Barragem é um documento elaborado para cada barramento do Brasil. Neste contexto, a ANA (Agência Nacional de Águas), responsável por fiscalizar a segurança de barragens para usos múltiplos de recursos hídricos de domínio da União, editou a Resolução nº 91, de 2 de abril de 2012, que estabelece a periodicidade de atualização, a qualificação do responsável técnico, o conteúdo mínimo e o nível de detalhamento tanto do Plano de Segurança da Barragem quanto da Revisão Periódica de Segurança da Barragem. De acordo com a ANA, o Plano de Segurança da Barragem é um instrumento da PNSB (Política Nacional de Segurança de Barragens) e deve ser obrigatoriamente implantado pelo empreendedor, agente privado ou governamental com direito real sobre as terras onde se localizam a barragem e o


Arquivo CBDB

reservatório, ou que explore o barramento para benefício próprio ou da coletividade. O objetivo do plano é auxiliar o empreendedor na segurança da barragem e o documento deve conter dados técnicos de construção, operação e manutenção do empreendimento. A complexidade e abrangência do conteúdo exigido para o Plano de Segurança da Barragem varia, de acordo com a sua classificação quanto ao risco de acidente e ao dano potencial associado.

CENÁRIO BRASILEIRO

PAPEL INSTITUCIONAL A Lei nº 12.334/2010, em sua redação, estabelece a PNSB 25 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Arquivo Alberto Sayão

Barragem de rejeitos antes da ruptura

Obra das barragens da Samarco

Arquivo Alberto Sayão

Apesar destas diretrizes estabelecidas pelos órgãos governamentais, a regulamentação e fiscalização sobre segurança de barragens no Brasil ainda apresenta desafios. Para o geólogo e diretor-presidente da empresa ARS Geologia, Álvaro Rodrigues dos Santos, a fiscalização técnica realizada pela administração pública guarda uma relação direta e exclusiva com a sociedade. Ele diz que esse procedimento tem como objetivo prover garantias à sociedade quanto ao bom desempenho e segurança do empreendimento fiscalizado. “Se essa fiscalização comete uma falha por ausência, insuficiência ou por despreparo, ela falhou com a sociedade a que se obrigava defender. O que de forma alguma sugere que a ela deva caber qualquer mínima responsabilidade por problemas que possam haver acontecido na obra fiscalizada. Essa afirmação sugere como totalmente equivocado o entendimento de que a fiscalização técnica possa ser confundida com algo que se assemelhe a uma consultoria técnica colocada à disposição do empresário pela administração pública, e cujo papel seria periodicamente examinar a obra, identificar problemas, e orientar o proprietário em sua correção”, analisa. Santos afirma que não existe e nem está preconizado esse tipo de relacionamento entre fiscalização e proprietário de obra, ou seja, nunca um dono de obra poderá alegar que deixou de tomar o cuidado técnico adequado pelo fato da fiscalização não haver solicitado tal providência. Isso precisa estar muito claro para todas as partes envolvidas. As relações de responsabilidade do empresário com sua obra independem radicalmente do processo fiscalizatório. Ou seja, é dele a responsabilidade técnica total sobre a qualidade de sua obra e sobre eventuais acidentes ou disfunções técnicas que com ela possam acontecer. Por outro lado, ele faz uma crítica ao atual arranjo institucional da ação fiscalizatória, tomando o caso das barragens como exemplo. “Hoje essa função está distribuída em diversos órgãos segundo sua natureza. No entanto, uma barragem sempre deverá apresentar e cumprir requisitos hidráulicos e geotécnicos muito próprios, para qualquer que seja sua natureza: geração de eletricidade, abastecimento, açudagem, irrigação, mineração, lazer etc., de tal forma que seria muito mais eficiente para o desenvolvimento de uma cultura técnica comum de fiscalização que essa operação fosse exercida somente por uma instituição, para tanto vocacionada por sua expertise na matéria”.

Lama de rejeitos da barragem atingindo o litoral do Espírito Santo

destinadas à acumulação de água para quaisquer usos, à disposição final ou temporária de rejeitos e à acumulação de resíduos industriais, e define segurança de barragem de forma abrangente e arrojada, quando extrapola o sentido de segurança do tradicional conceito de integridade estrutural ou com base nos aspectos de engenharia. Conforme o Art. 2º, Inciso III – Segurança de Barragem é necessário haver condição que vise manter a integridade estrutural e operacional da barragem, assim como a preservação da vida, da saúde, da propriedade e do meio ambiente. Complementando o Art. 4º, são fundamentos da PNSB, no


Arquivo Alberto Sayão

Extração de minério de ferro

Inciso I, que a segurança de uma barragem deve ser considerada nas suas fases de planejamento, projeto, construção, primeiro enchimento e primeiro vertimento, operação, desativação e de usos futuros. Para o engenheiro civil, diretor regional do CBDB (Comitê Brasileiro de Barragens) na Bahia e professor-titular na UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), Carlos Henrique Medeiros, estas definições obrigam os profissionais a serem rigorosos na apuração das causas do acidente e na identificação de eventuais falhas que convergiram para o acidente. Ele diz que isso é extremamente relevante, considerando que na prática, as ações de segurança são disparadas na fase de operação e na eventualidade de detecção de uma situação de risco iminente. “A legislação brasileira sobre segurança de barragens tem diversos instrumentos técnicos e legais, que permitem o monitoramento e controle das ações de segurança de barragem utilizadas pelo empreendedor. Os desafios são de natureza conjuntural e majoritariamente relativos à estrutura organizacional em número e qualificação técnica dos agentes de fiscalização como DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral), ANA e ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica)”, esclarece. Medeiros acrescenta que a função dessas instituições é fazer cumprir a Lei nº 12.334/2010 e, na mesma medida, é implantar a cultura de segurança de barragens no âmbito dos empreendedores, também deficiente de corpo técnico habilitado para a execução das tarefas. Complementarmente, ele diz que é importante fortalecer as ações de preparação dos Planos de Segurança da Barragem e PAE (Planos de Ação de Emergência) e suas inter-relações com a Defesa Civil e população atingida, em caso de acidente.

AVISOS De acordo com dados da ANEEL, mais de 40 países adotam programas de segurança de barragens. Em países avançados, como Suécia, Suíça, Canadá, Estados Unidos, Inglaterra e Espanha, o índice anual de acidentes é tolerável: um 26 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

acidente em 10 mil barragens por ano. No Brasil, somente em 2010 foi instaurada uma lei de Segurança de Barragens aprovada pelo Congresso Nacional. Este atraso levou a um índice pior diante do cenário mundial: um acidente para 250 barragens por ano, considerado inaceitável para a engenharia brasileira. A ANA define critérios e qualifica as barragens por classes de risco, dano potencial, volume do reservatório, frequência das inspeções regulares, preparo da equipe, e detalhes da revisão periódica do Plano de Segurança, que visa proteger as pessoas de falhas casuais na operação de barragens e reservatórios. A legislação e a ação do governo em atividades industriais objetivam a integridade e a segurança da barragem, mas a responsabilidade principal é do proprietário. Para o engenheiro civil, professor de engenharia civil da PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), diretor da ANE (Academia Nacional de Engenharia) e membro do conselho deliberativo do CBDB, Alberto Sayão, as rupturas em obras de engenharia não ocorrem sem avisos, contudo, esses avisos muitas vezes não são percebidos a tempo, ou são simplesmente ignorados. Ele cita o exemplo clássico do desastre de Vajont, nos Alpes Dolomitas, na fronteira entre as províncias de Belluno e Udine, na Itália. Ele conta que o acidente, talvez uma das maiores catástrofes da engenharia moderna, ocorreu na noite de 9 de outubro de 1963, causado por um enorme deslizamento com mais de 250 milhões de m³ de material do Monte Toc, na margem esquerda do reservatório, ao final do enchimento. Ao atingir o lago, o deslizamento gerou uma onda com mais de 100 m de altura, que galgou a barragem de concreto recém-construída e arrasou a Vila de Longarone e arredores, no Vale do Rio Piave, à jusante da barragem. O fato resultou na morte de quase metade dos 4,5 mil habitantes da região. Apesar do impacto da onda, a estrutura da barragem, de concreto em arco duplo, com 261 m de altura, ficou intacta, sofrendo apenas pequenos danos na crista. “É interessante registrar a ação do governo italiano. Três dias após o desastre, o ministro de obras públicas nomeava a Co-


missão de Inquérito do desastre, integrada por especialistas e policiais, com prazo de dois meses para apresentar as causas do desastre. A comissão demorou quase cinco anos para terminar o trabalho, indiciando dez pessoas para um processo penal por homicídio culposo (quando não há intenção de matar). No entanto, três réus morreram pouco depois, e o processo prolongou-se por muitos anos, relata Sayão. Os demais réus foram condenados a seis anos de prisão, mas um foi liberado, por doença grave, e quatro absolvidos no julgamento do recurso, alegando que o deslizamento era imprevisível. O processo prosseguiu até 1971, restando dois réus condenados pelo desastre: um teve a pena reduzida para cinco anos de reclusão, e o outro para oito meses. A decisão veio poucos dias antes de atingir o prazo de prescrição das acusações. Em 1997, a justiça italiana condenou, em caráter final, as empresas ENEL e Montedison a reparar os danos morais e materiais sofridos pelo estado e pela população, e a ressarcir os custos do processo. No total, as multas chegaram a mais de 20 bilhões de liras. O desastre foi causado por um grande deslizamento na encosta do Monte Toc, em decorrência das condições adversas de clima (chuvas intensas) e geologia (rocha estratificada com mergulho desfavorável). Houve também negligência no gerenciamento do nível do reservatório de Vajont, além do limite de segurança, e desatenção aos avisos e indícios prévios de instabilidade do terreno. Anos antes do desastre, os geólogos Edoardo Semenza e Leopold Müller já haviam avisado à empresa SADE (Sociedade Adriática de Eletricidade), responsável pelo projeto, sobre a existência de uma enorme trinca periférica na encosta alertando para o alto risco de deslizamento. Sayão conta que as soluções sugeridas para estabilizar a encosta (execução de um túnel de drenagem no Monte Toc, e enchimento da trinca com nata de cimento e esvaziamento controlado do lago) foram descartadas, devido ao alto custo e ao prazo para inauguração da usina hidrelétrica. “As lições de Vajont mudaram a prática da engenharia: os projetos de grandes barragens agora incluem sempre estudos detalhados da estabilidade dos taludes da região, para as diferentes condições possíveis de nível do reservatório”, esclarece.

PREVENÇÕES “Acidentes quando bem analisados e divulgados costumam acarretar progressos nos procedimentos relativos à segurança de empreendimentos de grande vulto como são as grandes barragens. Na Europa, o colapso da barragem de Malpasset na França em 1959 e o acidente em Vajont ocasionaram uma intensa atividade na ICOLD (Comissão Internacional de Grandes Barragens) na direção do estabelecimento de diretrizes e procedimentos que visam à segurança de barragens”, afirma o engenheiro civil, presidente honorário do CBDB e membro titular da ANE, Flávio Miguez de Mello. Ele acrescenta que nos Estados Unidos o acidente na Barragem de Teton em 1976 originou a verificação da segurança das barragens em todo o território americano pelo US Army Corps of Engineers. Ainda nos Estados Unidos, o impacto da ruptura da Barragem de Rejeitos de Buffalo Creeck em 1972, motivou maior atenção à segurança das barragens de rejei27 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

tos. No Brasil, o colapso das barragens de Euclides da Cunha e Limoeiro (Armando de Salles Oliveira) em 1977, propiciaram o início de atividade do CBDB no sentido de ser adotada no País uma lei de segurança de barragens. “Os esforços foram contínuos até que em 2010 a lei foi promulgada. A lei é objetiva e, se seguida pelos proprietários e concessionários de reservatórios de água e de depósitos de rejeitos, diminui a ocorrência de acidentes. A regulamentação é adequada aos objetivos da lei, mas há no País mais de 1.400 grandes barragens de acumulação de água e mais de 750 barragens de acumulação de rejeitos de mineração. A fiscalização ainda não tem como acompanhar toda essa atividade, pois os órgãos responsáveis por isso ainda não estão devidamente aparelhados por carências de recursos humanos e financeiros”, pontua Mello. Mesmo existindo alguns fatores de dificuldade, há alternativas mais simples e menos onerosas que podem detectar e diagnosticar problemas em estruturas como a instrumentação e a inspeção visual frequente que é a principal ferramenta para que deslocamentos e fissuras sejam detectados no início de suas manifestações. Surgimentos de água também são indícios de problemas de estabilidade. “Além das inspeções visuais, a instrumentação é de importância vital, pois detecta o que se passa no interior do maciço de rejeitos. Marcos superficiais e piezômetros são os instrumentos mais aplicados. No caso de barragens de rejeitos construídas pelo método de montante com rejeitos transportados em via aquosa, a piezometria assume maior importância na verificação dos comportamentos da barragem em comparação ao que havia sido estabelecido como premissas de projeto”, salienta Mello.

CASO BRASILEIRO O tema “Segurança de Barragens” ganhou mais destaque no Brasil após o rompimento da Barragem de Fundão, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro de Mariana, em Minas Gerais. O evento ocorreu no dia 5 de novembro de 2015. Trata-se de uma barragem de rejeitos de mineração controlada pela empresa Samarco Mineração S.A., um empreendimento conjunto de grandes empresas de mineração: Vale S.A. (brasileira) e a BHP Billiton (anglo-australiana). Com o rompimento da Barragem de Fundão, ocorreu o vazamento dos rejeitos que passaram por cima da Barragem de Santarém, que, entretanto, não se rompeu. Estas barragens foram construídas para acomodar os rejeitos provenientes da extração do minério de ferro retirado de extensas minas na região. A barragem antes do rompimento passava por um processo de alteamento, que é quando ocorre a elevação do aterro de contenção, pois o reservatório já chegava a seu ponto limite, não suportando mais o despejo dos dejetos da mineração. A contenção apresentou um vazamento e neste momento, uma equipe de funcionários terceirizados foi enviada ao local para tentar amenizar o vazamento, porém ocorreu o rompimento que lançou um grande volume de lama sobre o Vale do Córrego Santarém. O subdistrito de Bento Rodrigues foi quase totalmente arrasado pela enxurrada de lama.


Imagens de Satélite

Imagens de satélite de Bento Rodrigues em julho de 2015, antes do rompimento da barragem

De um ponto de vista mais técnico, Álvaro Rodrigues dos Santos diz que esse desastre, e outros que já aconteceram em barramentos similares, seriam radicalmente evitados se as relações dos proprietários com suas obras e com a sociedade fossem mais responsáveis. “A influência das lógicas comerciais e financeiras vem assumindo uma dimensão inaceitável na gestão das obras de engenharia, em suas diversas e clássicas fases: projeto, execução e operação/manutenção”, opina. Ele complementa dizendo que em nome de objetivos financeiros e comerciais de redução de custos, encurtamento de prazos e aumentos rápidos de produção, riscos técnicos cada vez maiores vêm sendo temerariamente assumidos pelo proprietário do empreendimento. “A maio28 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

ria dos acidentes em obras de engenharia tem acontecido em um cenário desenhado, ou seja, ou se reverte essa tendência, e se recupera a responsabilidade e o espaço devido da lógica técnica na gestão dos empreendimentos, ou essa escalada de desastres terá livre e crescente continuidade”, pontua.

FATORES DE RISCO Alguns pontos que podem ter influenciado o rompimento da Barragem de Fundão são o fator de segurança e as chuvas fortes que atingiram a região antes da ocorrência. Medeiros explica que o fator de segurança é uma relação com base na análise determinística, entre esforços resistentes (Fr) e esforços atuantes (Fa), ou seja: FS = Fr/Fa. A decisão sobre


a complexidade de formulação de uma resposta”, aponta Carlos Henrique Medeiros. O professor austríaco, Arthur Casagrande, em visita ao Brasil na década de 1950, comentou que para resolver uma situação difícil em uma obra os engenheiros geotécnicos devem sempre dizer “cherchez l’eau” (procure a água). Seguindo esta premissa, o engenheiro Carlos Henrique Medeiros diz que os geotécnicos têm a convicção de que um grande vilão é a água e sua ação sobre as estruturas. Neste caso, ele diz que a linha de defesa é o projeto de elementos e/ou sistemas de drenagens que permitam a condução da água de forma segura para fora do corpo da estrutura e áreas adjacentes. Dito isso, pode-se inferir que a adoção dessas linhas de defesa é de responsabilidade do empreendedor. Por outro lado, os profissionais da área devem avaliar o cenário de solicitação extrema e/ou excepcional, para o dimensionamento das estruturas de sangradouro e de liberação de vazões. “A água deve ser monitorada e seus efeitos negativos mitigados, por meio de ações definidas em planos de contingências ou emergenciais. Períodos de chuvas com intensidade excepcional aumentam o risco de ruptura dessas estruturas, razão pela qual é mandatória a elaboração desses planos para a atenuação dos danos em caso de uma tragédia consumada. No caso do acidente de Fundão é preciso estar em alerta para as cicatrizes deixadas nas estruturas das barragens de Germano e Santarém e, manter o foco no reparo e reforço dessas estruturas, sob pena de novos desastres”, enfatiza Medeiros.

PLANO DE CONTINGÊNCIA

o atendimento da condição de estabilidade é definida em termos de FS mínimo, que no caso de barragens é função da natureza dos carregamentos ou solicitações impostas à estrutura da barragem. O FS mínimo, normalmente para obras permanentes é fixado em FS ≥ 1,50, contudo, isso não quer dizer que com valores abaixo o acidente é iminente. “Não podemos afirmar se isso influenciou o rompimento da barragem, considerando que existem métodos de análise mais apurados que avaliam a probabilidade de ruptura quando são introduzidos a uma gama de variáveis e interdependentes e suas relações com a resistência ao cisalhamento do solo: grau de intemperismo, intensidade de chuva, tipo de solo, inclinação do talude e condições de drenagem. Isso demonstra 29 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Além da localização e dos acessos precários ao município, um agravante da situação no caso de Fundão foi que o empreendimento e as comunidades vizinhas à barragem não possuíam um plano de contingência, nem rotas de fuga que permitissem os deslocamentos dos moradores para regiões seguras. Também não havia um Plano de Gestão de Risco que levasse em consideração as atividades humanas e os fatores ambientais no vale atingido, com especial atenção para a ocupação urbana representada pelo distrito de Bento Rodrigues, o que para o geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos constitui um fato grave. “Se houvesse atenção para esses cuidados, há muito tempo deveria ter sido providenciado a desocupação das áreas urbanizadas potencialmente vulneráveis, com o deslocamento de seus ocupantes para áreas próximas garantidamente seguras. Essas áreas então desocupadas, e que coincidem hoje com a mancha de lama que pode ser vista em imagens aéreas pós-rompimento, seriam então utilizadas para funções de baixa presença humana, como bosques florestados e parques. É inaceitável que nessas áreas de extremo risco tenha-se convivido todo esse tempo com a instalação urbana de residências, escolas, comércio etc.”, comenta o geólogo. Ele ressalta que da mesma forma chama a atenção a ausência de um Plano de Contingência que envolvesse, devidamente para tanto treinada, a população do distrito, pois um Plano de Contingência concederia para cada cidadão saber


Imagens de Satélite

Imagens de satélite de Bento Rodrigues em novembro de 2015, após o rompimento da barragem

de antemão o que fazer de imediato na eventualidade de um sinal combinado que indicasse qualquer evidência de acidente com a barragem. Na mesma linha pode-se considerar a completa inexistência de Planos de Contingência para o abastecimento de água potável a populações de jusante da barragem acidentada. “Certamente essa é uma das maiores lições que situações similares que se espalham por todo o território brasileiro possam tirar do doloroso desastre de Mariana: com a maior urgência possível estruturar Planos de Gestão de Riscos que, por determinações de caráter preventivo de relativamente fácil implantação, possam ao menos evitar que vidas humanas sejam tão gratuita e estupidamente ceifadas”, observa Santos.

CONSEQUÊNCIAS O rompimento da Barragem de Fundão é considerado um dos maiores desastres ambientais da história brasileira, pois a lama chegou ao rio Doce, cuja bacia hidrográfica abrange e abastece 230 municípios de Minas Gerais e Espírito Santo. Ambientalistas consideraram que o efeito dos rejeitos no mar continuará por muitos anos, mas não houve uma avaliação de todos os danos causados pelo desastre. Segundo a prefeitura do município de Mariana, a reparação dos danos causados à infraestrutura local deverá custar cerca de 100 milhões de reais. “A recuperação do meio ambiente será lenta e demandará altos investimentos. Há muito que lamentar além das pessoas falecidas e desaparecidas. O rastro de lama que tomou os 650 km do rio Doce e atingiu o litoral do Espírito Santo 30 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

e do Sul da Bahia impactou negativamente a enorme área densamente habitada. O desastre ambiental poderia ser evitado caso a barragem de rejeitos tivesse sido reforçada ou não tivesse sido tão alteada. À medida que as investigações sobre as causas do acidente evoluem, algumas evidências têm aparecido”, afirma o engenheiro Flávio Miguez de Mello. Ele ainda acrescenta que em um colapso como esse há sempre uma ou mais causas, pois se a caracterização da fundação e dos materiais do rejeito forem corretamente conhecidas, assim como as características sismológicas, e se o projeto e a construção forem feitos com técnica adequada, bem como o monitoramento e as verificações de segurança forem bem conduzidas, a probabilidade de acidente é mínima e as consequências desprezíveis. Portanto, algum elo dessa cadeia não deve ter sido corretamente observado. Mello ressalta para que acidentes como esse sejam evitados, é necessário que todos esses elos sejam profundamente considerados. Isso significa investimentos em engenharia. Segundo ele, esses investimentos não podem ser relegados a um segundo plano de importância mesmo sendo investimentos de pequeno vulto comparados com os demais investimentos numa mineração. A engenharia tem que ser de elevada qualidade técnica e suportada por outros domínios da tecnologia tais como sismologia, geofísica, geologia, hidrologia e hidráulica.

REFLEXÃO Este trágico evento, chama a atenção para a necessidade de métodos mais rigorosos no trato de estruturas de bar-


ragens, com foco nas fases de concepção, projeto, operação e manutenção. Risco zero, não existe, assim como, segurança absoluta. Existem deficiências nas organizações e na qualificação técnica de profissionais designados para zelar pela segurança de barragens. Existem vilões importantes e conhecidos como a burocracia, falta de recursos e agilidade na liberação de recursos para a correção de defeitos ou anomalias. De forma analítica, Medeiros declara que o acidente não macula a engenharia de barragem brasileira, de notória reputação internacional, uma vez que há também registro de grandes acidentes de barragens em países com reconhecida expertise em engenharia de barragens. Em sua opinião, sem uma exaustiva investigação sobre as causas ou gatilhos do acidente, não é viável inferiorizar a sua margem de prevenção. “Temos informações sobre o cumprimento dos ritos de inspeções e monitoramento das estruturas, conforme definido pela legislação em vigor sobre segurança de barragens, em específico a Lei nº 12.334/2010 que define a PNSB e as resoluções emanadas do CNRH (Conselho Nacional de Recursos Hídricos) e do DNPM. Entretanto, o acidente impõe a apuração dos fatores de risco de natureza organizacional e erro humano, em todas as suas nuances: omissão, negligência e excesso de confiança nos processos adotados”, afirma. A extensão e a magnitude dos danos ambientais, sem dúvidas, impactaram a comunidade técnica, e sinalizaram para a urgência de detecção de vulnerabilidade nessas estruturas e seu grande poder de destruição, cuja avaliação fica comprometida pela imensurabilidade e intangibilidade. O acidente abre uma janela para uma revisão dos critérios de projeto, técnicas construtivas e, pode-se dizer: o estado-da-arte, além dos instrumentos de formação e capacitação de profissionais na área de engenharia de barragens de rejeitos. “Precisamos ser prudentes e não apontar, prematuramente, culpados, sem a apuração das causas e suas lições. Uma vez entendido o mecanismo do acidente, e as falhas na utilização de ferramentas de gestão de risco e de controle do desempenho da barragem, podemos esperar pela aplicação dos instrumentos legais e consequente apuração de responsabilidades”, conclui Medeiros. Com um ponto de vista similar, o engenheiro Alberto Sayão comenta que os casos de ruptura devem ser bem estudados e divulgados, para permitir avanços e aperfeiçoamento da técnica e eventual revisão nas normas. Os acidentes recentes com as barragens da Samarco e da Herculano Mineração já trouxeram à tona a discussão sobre os procedimentos para ampliação das barragens de rejeitos. “O governo de Minas Gerais pretende tornar mais rigorosa a legislação para conceder licenças para obras de barragens, e estuda a proibição de projetos de alteamento para montante, mais usuais e em geral mais baratos, porém sujeitos a um risco maior de ruptura. Nos últimos cinco acidentes com barragens de rejeitos no estado, as estruturas estavam sendo alteadas pelo método de montante. No caso do impedimento de projetos para montante as mineradoras deverão fazer alteamentos para jusante, considerados mais seguros”, explica. 31 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

MEDIDAS RECONSTRUTIVAS No dia 17 de fevereiro deste ano, a Comissão Temporária da Política Nacional de Segurança de Barragens aprovou o plano de trabalho proposto pelo senador Ricardo Ferraço. Segundo a estratégia estabelecida, o grupo de senadores investigará a situação das barragens com audiências públicas, diligências e pedidos de informações. Ferraço informou que o relatório final será apresentado ainda neste semestre. De acordo com informações da Agência Senado, na primeira audiência pública, ainda sem data estabelecida, a comissão discutirá e avaliará a situação técnica e legal da Barragem de Fundão antes do rompimento. Os senadores querem saber se a empresa responsável pela barragem seguia o previsto na Lei nº 12.334. Entre os convidados estão um representante da Samarco, um representante do Ministério Público de Minas Gerais e o diretor de Fiscalização do DNPM, Walter Arcoverde. A Comissão Temporária da Política Nacional de Segurança de Barragens também decidiu que visitará a barragem de rejeitos de exploração de ouro da empresa Kinross Gold Corporation, em Paracatu (MG). A atividade almeja checar se a PNSB e o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens estão sendo respeitadas. Depois do rompimento da Barragem de Fundão, a empresa Samarco contratou a consultoria internacional Golder Associates para mapear os impactos ambientais e traçar o plano de ações para recuperação do rio Doce. Como ação preventiva, espécies de peixes e crustáceos das regiões de Baixo Guandu, Colatina, Linhares e Aimorés foram resgatados e encaminhados para outros cursos d’águas, com características semelhantes ao de seu habitat original. Sayão e Miguez defendem a nomeação pelo governo de uma comissão de especialistas independentes, com indicações do CBDB e ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos solos e Engenharia Geotécnica), para estudar de forma isenta as causas da ruptura de Fundão. Em Colatina, 150 mil peixes foram resgatados pelo projeto Arca de Noé, iniciativa liderada por pescadores apoiados pela Samarco. As espécies foram transferidas para lagoas da região. Para a limpeza dos cursos d’água, estão sendo recolhidos os peixes mortos, cujas carcaças são direcionadas para aterros sanitários devidamente licenciados. Quanto às barragens de Germano e Santarém, a Samarco afirma que estão sendo realizadas intervenções com a finalidade de reforçar as estruturas remanescentes e ampliar a segurança. Uma equipe multidisciplinar se dedica à segurança das barragens, com peritos internos e externos dedicados a esse trabalho. Também está sendo feito o monitoramento da área, 24 horas por dia, por meio de radares, câmeras, drones, instrumentos para medir o nível e a pressão internos de água das barragens e inspeções diárias. Por meio de recomendações do Ministério Público, a Samarco declara que está oferecendo auxílio financeiro às famílias, no valor mensal de um salário-mínimo para cada núcleo familiar e um adicional de 20% do salário-mínimo para cada um dos dependentes, mais uma cesta básica. O auxílio foi estendido para ribeirinhos e pescadores cuja subsistência dependia do rio Doce.


OPINIÃO

Arquivo Fernando Luiz Lavoie

GEOCOMPOSTO BENTONÍTICO EM BASES DE ATERROS DE RESÍDUOS: UMA VISÃO OTIMIZADA DOS RECURSOS NATURAIS

No início do século atual, os aterros de resíduos no Brasil começaram a utilizar, como barreira de fluxo em suas camadas de base, o geocomposto argiloso ou também chamado de geocomposto bentonítico, pois se emprega a bentonita na sua composição, ou, ainda, em inglês, denominado de Geosynthetic Clay Liner, de onde se origina a sigla “GCL”. Os liners de base em aterros de resíduos no Brasil têm sofrido algumas importantes alterações em sua configuração ao longo dos últimos 30 anos. Inicialmente eram concebidos apenas por uma CCL (Camada de Argila Compactada). Com o início da comercialização das mantas poliméricas no País, a configuração dos liners ganhou uma camada adicional à camada de argila compactada, conhecida como geomembrana, e, atualmente, vastamente utilizada tanto em obras 32 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

ambientais quanto em obras de irrigação. Há pouco mais de dez anos, foi iniciada a fabricação nacional do geocomposto bentonítico (GCL) que têm como função substituir a camada de argila compactada (CCL) com inúmeras vantagens. O geocomposto bentonítico consiste em uma fina camada de bentonita sódica, com espessura em torno de 1 cm, com quantidade de bentonita da ordem de 3,5 a 5,0 kg/m2, com umidade deste solo em torno de 10%, envolvida por dois geotêxteis, formando um único material. Tal configuração resulta em um produto uniforme que cumpre com as exigências técnicas de um elemento impermeabilizante para aplicação em liners de resíduos. A bentonita é um solo composto por argilo-minerais do grupo montmorilonita, e é classificado como uma argila ativa,


33 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

- Elimina a necessidade de exploração de jazidas e de transporte de argila, reduzindo assim o custo ambiental da obra. Neste aspecto, supondo que seja construída uma base de um aterro de resíduos de 10.000 m2, utilizando-se um GCL com a espessura da bentonita estimada em 1 cm, considerando uma camada inicial com solo local de 20 cm, seriam necessários 2.100 m3 de solo na obra, sendo 2.000 m3 de solo local e 100 m3 de bentonita. Por outro lado, supondo que a obra fosse executada com a solução tradicional, ou seja, com solo argiloso compactado em camadas, com a construção em cinco camadas de 20 cm, totalizando 100 cm da CCL, seriam necessários 10.000 m3 de solo argiloso na obra. Portanto, o cálculo estimado de volumes de solo descrito mostra que realizando-se a substituição da solução tradicional pelo GCL é necessário utilizar em torno de 80% a menos de recursos naturais, ou seja, utilizando-se um produto industrializado composto por um solo com desempenho muito superior em termos de condutividade hidráulica, resulta na otimização da exploração dos recursos naturais em nosso planeta, lembrando uma palavra bastante em pauta atualmente, a sustentabilidade.

Os liners de base em aterros de resíduos no Brasil têm sofrido algumas importantes alterações em sua configuração ao longo dos últimos 30 anos. Inicialmente eram concebidos apenas por uma CCL (Camada de Argila Compactada). Com o início da comercialização das mantas poliméricas no País a configuração dos liners ganhou uma camada adicional à camada de argila compactada, conhecida como geomembrana Arquivo pessoal

com atividade coloidal (AC) maior que 1,25. Os argilo-minerais possuem cargas elétricas negativas que atraem as moléculas de água e também os cátions presentes na água no interior do solo. Portanto, quanto maior for a capacidade de troca catiônica do argilo-mineral, maior será a capacidade de retenção de água, e, então, maior será a capacidade de expansão deste solo. A montmorilonita possui capacidade de troca catiônica da ordem de 100 me/100 g e apresenta limite de liquidez em torno de 700%. O tipo de cátion presente na água interfere no comportamento do solo, pois uma bentonita com sódio (Na) atrai mais água do que uma bentonita com cálcio (Ca). Para aumentar o desempenho expansivo da bentonita no geocomposto bentonítico, é adicionado sódio (Na) ao solo. Desta forma, a grande evolução ocorrida na composição das barreiras de fluxo em aterros de resíduos foi a substituição da construção de uma camada de solo compactado da ordem de 60 cm a 100 cm de um material argiloso inativo, ou seja, não expansivo, que quando bem compactado resulta em um coeficiente de permeabilidade com valor da ordem de 10-7 cm/s, por um produto industrializado, com espessura em torno de 1 cm, composto por uma argila ativa (expansiva) que apresenta um comportamento hidráulico bastante favorável à aplicação em barreiras de fluxo na base de aterros de resíduos, com coeficiente de permeabilidade da ordem de 10-9 cm/s. Antes da aplicação do geocomposto bentonítico, faz-se necessária a construção de uma pequena camada de solo compactado, em torno de 20 cm a 30 cm, para evitar o efeito do transporte de resíduos por convecção, mas neste caso, não há o mesmo rigor técnico exigido para a construção da CCL, que apresenta especificações rígidas em seu controle de compactação (grau de compactação e desvio de umidade) e permeabilidade. Dentre as principais vantagens no uso do geocomposto bentonítico em relação à camada de argila compactada, destacam-se: - Processo de instalação simples e rápido. A CCL necessita da compactação em camadas com a adição de umidade e posterior processo mecânico de compactação adequado para o cumprimento do grau de compactação e desvio de umidade especificados; - Garantia de barreira de fluxo nos taludes. Na compactação de solo argiloso é muito difícil a compactação de solo nos taludes, sendo que nas regiões mais próximas à crista o efeito da compactação do solo não existe; - Resistência a recalques diferenciais do subleito muito maiores que os suportados pelo solo compactado, que tende a fissurar. As fissuras podem ser caminhos preferenciais de percolação dos resíduos; - Capacidade de expansão e autosselagem; - Controle de qualidade na fabricação, garantindo a condutividade hidráulica da bentonita especificada em projeto; - Fácil de reparar, com a colocação de manchão sobre a área danificada. O reparo em camada compactada é difícil, podendo exigir o deslocamento de equipamento pesado se a área a reparar for grande; - Custo bastante previsível, com pouca variação de projeto para outro. O custo do solo de empréstimo adequado para cumprir os requisitos de projeto pode aumentar, caso as características do solo local não atendam às especificações;

Fernando Luiz Lavoie é engenheiro civil e mestre em Geotecnia pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Atualmente atua como Engenheiro Técnico Comercial na empresa Ober S.A. Indústria e Comércio, fornecendo apoio em obras ambientais e de infraestrutura. E é professor-­ assistente do Instituto Mauá de Tecnologia, no qual leciona na disciplina de Mecânica dos Solos e Obras de Terra do Curso de Engenharia Civil.


NOTÍCIA

CONTROLE DE QUALIDADE DE GEOGRELHAS COMPREENDE FATORES COMO DESEMPENHO E DURABILIDADE Diferente de outros materiais utilizados na construção civil, poucas obras especificam, avaliam ou controlam as matérias-primas dos geossintéticos

Mesmo a geogrelha sendo amplamente utilizada em obras espalhadas pelo mundo inteiro, ela ainda é foco de estudos e desenvolvimento, inclusive no que se diz respeito ao seu controle de qualidade, que hoje segue uma nova tendência mundial. No Brasil, especificamente, existem diversas diretrizes e manuais de referência, entre eles está o Manual Brasileiro de Geossintéticos e as normas brasileiras da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) que referenciam o comportamento necessário dos geossintéticos para diferentes aplicações. Estas referências indicam fatores de segurança que devem ser adotados para as diversas aplicações e “importâncias” da obra, compreendendo desde os danos de instalação até o comportamento ao longo do tempo. Para isso, há ensaios como o de fluência, que mede a relaxação física ao longo do tempo, e os ensaios de degradabilidade química e biológica, que medem a deterioração do material em um meio agressivo. “Ambos os ensaios testam o material como um todo e o induzem à ‘deterioração controlada’, que necessariamente não reflete o conjunto total de fatores que ocorrerão somente ao longo de um tempo maior de utilização, como por exemplo, a hidrólise que acontece naturalmente pelo poliéster no solo. Estes ensaios de caracterização acabam por não avaliar o polímero utilizado como matéria-prima em todas as suas instâncias”, explica o engenheiro da empresa TDM Brasil – Tecnologia de Materiais, Marcus Vinicius Weber de Campos. Segundo ele, os manuais anteriores ao do NCMA (National Concrete Masonry Association), responsável pelas diretrizes de projeto e qualidade destas contenções, como as especificações da AASHTO (American Association of State Highway 34 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Arquivo Marcus Vinicius Campos

Por Dellana Wolney

Filamentos de poliéster parcialmente sem recobrimento

and Transportation Officials) e as diretrizes da FHWA (Federal Highway Administration), também fornecem subsídio para projeto de estruturas de solos reforçados com geossintéticos em mercados do setor público, como obras rodoviárias. Todos estes documentos possuem especificações de ensaios para avaliar o desempenho dos reforços geossintéticos a longo prazo, incluindo diretrizes específicas relativas à durabilidade das geogrelhas para reforço, produzidas com PET (Fibras de Poliéster). “Em meados de 1990, a FHWA se comprometeu com uma extensa pesquisa para desenvolver protocolos de ensaios e recomendações apropriados relacionados à durabilidade dos geossintéticos de poliéster. Es-


Arquivo Marcus Vinicius Campos

Geogrelha de poliéster revestida com PVC

tes estudos culminaram no estabelecimento de parâmetros importantes para a durabilidade a longo prazo do poliéster e, em consequência, das geogrelhas”, afirma Campos.

CARACTERÍSTICAS DO POLIÉSTER A hidrólise é o primeiro mecanismo de degradação do PET que ocorre naturalmente no solo. Normalmente associada a um álcali ou ao alto pH (Potencial Hidrogeniônico) do solo, em um ambiente úmido, simplesmente gera a ruptura de ligações moleculares, resultando em uma perda de resistência ao longo do tempo. A FHWA identificou três fatores chaves que afetam a durabilidade do PET, o primeiro é o pH do solo combinado com umidade, ou seja, solos alcalinos, com pH ≥ 10 e a presença de elevada umidade representam um ambiente com maior potencial de degradação. Os outros dois fatores são o MW (Peso Molecular) do poliéster: tamanho da molécula do polímero que tem influência significativa na durabilidade química e, como consequência, na durabilidade da geogrelha e, por fim, a terminação em grupo carboxila (CEG): fibra de PET com poucas “terminações em grupo carboxila” na sua estrutura molecular que são menos suscetíveis à degradação, gerando um produto (geogrelha) com maior resistência em um prazo mais extenso. Quando encontrado em meios alcalinos, o polímero do poliéster apresenta aumento na degradabilidade. Esta degradação surge devido à hidrólise que ocorre nas cadeias poliméricas, levando a sua ruptura e consequente perda 35 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Especificações necessárias às fibras de poliéster das geogrelhas Peso Molecular (g/mol) Terminações em Grupo Carboxila (mmol/kg)

> 25.000 < 30

de resistência mecânica do material como um todo (LOPES, 1992). O grau de suscetibilidade varia de poliéster para poliéster, dependendo da composição química e do processo de fabricação. Entre os fatores que influenciam fortemente esta vulnerabilidade está o MW, visto que um peso molecular maior apresenta menor degradabilidade em um meio propício. “Traçando uma simples analogia, o peso molecular representaria a densidade de um material. Quanto mais denso um material é, maior também é a quantidade de partículas em um mesmo volume, logo, maior será também a quantidade de elementos para contribuir na resistência e na durabilidade deste material”, esclarece o engenheiro da empresa Geo Soluções, José Orlando Avesani Neto. Ele ainda exemplifica esta analogia por meio das madeiras peroba e pinus. Ambas podem ser utilizadas como materiais de construção, para confecções de móveis entre outras funções, porém a peroba apresenta uma densidade, resistência física e biológica consideravelmente maior, já o pinus apresenta uma densidade menor e consequentemente menor resistência.


Divulgação Recyclechina

Filamentos de poliéster

As terminações em CEG (Terminação em Grupo Carboxila) são os subgrupos ativadores de reações degradativas das moléculas, formados a partir dos finais de cadeias, que normalmente têm maior vulnerabilidade à reação com o oxigênio, formando então este subgrupo. Logo, quanto menor a quantidade destes pontos vulneráveis, menor será a oxidação e a geração destes subgrupos. A reatividade dos grupos carboxila se dá devido à diferença de eletronegatividade da polaridade da ligação carbono-oxigênio. Em uma simples análise, José Orlando Avesani Neto comenta que as terminações em grupo carboxila podem ser entendidas como os radicais livres presentes no organismo do ser humano. Na biologia esses radicais são formados naturalmente após a transformação dos nutrientes em energia, sendo responsáveis por danificar células sadias do corpo e promover o envelhecimento do organismo, mesmo em condições normais. O MW e a CEG são características específicas das fibras de PET que devem ser testadas, especificadas e verificadas antes da instalação em campo. Além disso, projetistas, consultores e usuários têm o direito de solicitar os certificados de qualidade das fibras.

ESPECIFICAÇÕES CORRETAS Para que as geogrelhas apresentem as especificações adequadas, Campos diz que os especificadores (projetistas, consultores e usuários) precisam tomar medidas apropriadas para garantir a qualidade de todos os materiais de construção de aplicações críticas, incluindo o PET usado em geogrelhas de reforço. “Desde a introdução das geogrelhas uniaxiais no mercado norte-americano, no início da década de 1980, a aceitação da tecnologia tem crescido exponencialmente pelo mundo e atualmente representa o ‘estado da arte’ para a maioria das estruturas de solo reforçado”, enfatiza. Estruturas reforçadas com geogrelhas são comumente utilizadas em aplicações críticas (elevados desníveis e em obras 36 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

de alto grau de importância) e de longa duração, com projeção de vida útil que excede 75 a 100 anos. No Brasil, este ainda é um mercado em crescimento, mas que vem se mostrando extremamente promissor. Os níveis de segurança e vida útil necessários nas obras brasileiras são os mesmos das obras norte-americanas. O desempenho dessas estruturas no futuro não depende apenas de uma adequada concepção da estrutura (projeto) e de uma execução de qualidade, pois também está diretamente ligado à qualidade da geogrelha e principalmente à qualidade do polímero usado em sua fabricação. Hoje há diversos fabricantes nacionais e internacionais de geogrelhas para reforço. O controle de qualidade e a qualidade do produto no canteiro de obras são atingidos com os ensaios de verificação e das certificações do material. Com o acesso ao mercado global de geossintéticos aquecido, e a disponibilidade de recursos globais de fibras de poliéster, a geogrelha por si só tem se tornado mais do que uma questão de engenharia. Assim como um engenheiro estrutural especificando uma ponte de cabos de aço, ou o CALTRANS (California Department of Transportation) utilizando aço estrangeiro, também é um desafio para projetistas de solo reforçado e especificadores, garantirem que a geogrelha a ser utilizada atenda às normas industriais para composição química e molecular, assim como a outras propriedades, como resistência à tração de projeto. Avesani Neto salienta que as fibras de poliéster, assim como a maioria dos polímeros, possuem diferentes tipos. Cada um tem suas características físicas próprias e únicas. Especificamente em relação ao poliéster, é reconhecido que algumas variações das fibras não são apropriadas para aplicações em geogrelhas. A composição molecular das fibras de PET utilizadas para produzir geogrelhas é a consideração mais importante da matéria-prima, pois isso serve como base para o comportamento a longo prazo, química e mecanicamente. “Para utilizar corretamente as geogrelhas em um projeto, os engenheiros devem primeiro entender como projetar com elas e garantir que os materiais instalados atendam às especificações de projeto. Verificações de propriedades do material-base utilizado em projetos de construções críticas tem sido prática padrão há literalmente centenas de anos”, informa.

PARÂMETROS DE FABRICAÇÃO As diretrizes da FHWA a respeito da durabilidade do PET são adotadas pela NCMA, e indicam que fibras de poliéster para geogrelhas de reforço usadas em aplicações de longo prazo (75 anos ou mais) devem ter: contagem de CEG menor do que 30 mmol/kg, como determinado de acordo com a norma ASTM (American Society for Testing and Materials) D7409 (GRI-GG7) e MW maior que 25.000 g/mol, como determinado por correlação usando viscosidade inerente, baseado na ASTM D4603 (GRI-GG8).


O engenheiro Marcus Vinicius Weber de Campos diz que estas diretrizes objetivam estabelecer um mínimo de qualidade para as geogrelhas empregadas apresentarem uma vida útil compatível com as necessidades da obra em que elas estão sendo empregadas. “Dados de CEG e MW devem estar prontamente disponíveis de qualquer fornecedor de fibra de PET usada na produção de geogrelhas para projetos de solos reforçados. O especificador ou projetista deve requisitar a certificação da fibra de PET do fabricante da geogrelha”. Ele ainda justifica que devido ao crescimento de fabricantes estrangeiros no mercado de geossintéticos, os engenheiros devem requisitar certificações de que a fibra PET utilizada na produção atenda às especificações mínimas. Esta abordagem de requisitar certificações das fibras de PET do próprio fabricante é consistente com normas de certificações aplicadas a outros materiais de construção como o aço utilizado em pontes. A prática de requisitar certificados de controle de qualidade do material e do processo de fabricação para qualquer componente de produto utilizado em estruturas de elevado nível de segurança na engenharia é considerada comum por engenheiros profissionais. Isto deve incluir qualquer geo­grelha utilizada para aplicações, em que fibras de poliéster são responsáveis por sustentar cargas por muito tempo, como muros de contenção.

SEGURANÇA Para assegurar a especificação do produto e sua durabilidade ao longo do tempo, Campos descreve que o fornecedor deve apresentar certificações no lote específico de geogrelha proposta para o uso. A certificação obtida do fabricante de geogrelha deve originar do atual fabricante da fibra, mostrando conformação com esta especificação, a data e o número do lote de produção especificado na certificação do fabricante da fibra. Falta de certificações apropriadas desqualificará a geogrelha para o uso. Uma carta de certificação do fabricante da fibra de PET, adicionalmente ao fabricante da geogrelha de PET também é necessária. Juntamente deve haver uma documentação suficiente fornecida pelo fabricante de geogrelhas que demonstra que o produto fornecido para o projeto, incorpora as fibras certificadas. Em combinação, a documentação vai assegurar que o engenheiro e o dono do projeto estão em inteiramente complacentes com os padrões da indústria. Geogrelhas de PET são comumente usadas para aplicações de elevado nível de segurança de reforço de solos. Normas industriais existentes estão em vigor em outros países para propor durabilidade e desempenho por meio de verificações das características das fibras de PET. Sendo o Brasil um grande consumidor desse produto, com um mercado ainda em crescimento, se faz necessário o enquadramento em uma política de maiores exigências de qualidade das geogrelhas utilizadas. 37 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

“Em relação ao aço e aos geossintéticos, deve haver alguma diferença na certificação destes materiais? A resposta deveria ser óbvia, se houvesse um artigo sobre uma ponte estaiada suspensa por cabos de aço, cujos cabos não tiveram controle de qualidade exigido ou inspeções durante a fabricação? Ou se o engenheiro falhar ao delinear as principais especificações de desempenho do aço? Com certeza, mesmo os profissionais não especializados deverão questionar o desempenho e a segurança dessa estrutura, na qual seus materiais não tiveram controle de qualidade”, argumenta o engenheiro da empresa Geo Soluções, José Orlando Avesani Neto. Segundo ele, na engenharia geotécnica é comum a ausência de controle de qualidade das matérias-primas empregadas mesmo nos materiais mais importantes de uma obra. Poucos são os casos em que são exigidos os certificados de qualidade do aço empregado em tirantes. Tampouco esse material é inspecionado durante a sua fabricação, mesmo para obras de elevado nível de segurança. “No caso dos geossintéticos, ainda poucas obras especificam, avaliam ou controlam as matérias-primas destes materiais: os polímeros. Entretanto, assim como no caso de tirantes, nos dias atuais é comum a execução de obras de elevados desníveis (superiores a 15 m) e altos níveis de segurança. Por que apenas na área de engenharia de estruturas este controle de qualidade é feito? As obras geotécnicas não possuem a mesma necessidade de segurança?”, questiona Campos. Para referência comparativa, ele exemplifica que a compra de aço fabricado na China para a construção da Oakland Bay Bridge no estado da Califórnia, nos Estados Unidos atraiu grande atenção e a CALTRANS, entre outros, foram submetidos a uma investigação minuciosa, devido à sua decisão de concessão do contrato do aço desta ponte ser fornecida por uma empresa estrangeira com custos mais baixos. Mais de 200 empregados, consultores e representantes dos contratos foram enviados para a China para treinar trabalhadores e inspecionar a fabricação desse aço. O objetivo era tomar as medidas necessárias para garantir que o material apresentasse as especificações corretas. Com o crescimento da utilização destes materiais, espera-se que no Brasil as especificações, assim como os parâmetros de segurança, também sejam levados à risca.

REFERÊNCIAS CARTER, L.; BERNARDI, M. (2014) – NCMA’s Design Manual­for Segmental Retaining Walls. Geosynthetics Magazine (geosyntheticsmagazine.com), 4 p. LOPES, M. L. C. (1992) – Muros Reforçados com Geossintéticos. Dissertação da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Cidade do Porto, Portugal, 1992. 368 p.


NOTÍCIA

CBT CELEBRA 25 ANOS COM UMA SÉRIE DE COMEMORAÇÕES A palestra “NATM – Rock Supported Tunnel” ministrada pelo engenheiro João Duarte lotou o auditório e deu início às celebrações do comitê

Fotos: Divulgação CBT

Por Dellana Wolney

A palestra “NATM – Rock Supported Tunnel” deu início às celebrações dos 25 anos do CBT

Fundado em novembro de 1990, o CBT (Comitê Brasileiro de Túneis) completou no ano passado 25 anos de existência. O comitê foi criado pelo desejo de ter no País um grupo que representasse as obras subterrâneas nacionais, ligando definitivamente 38 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

o Brasil à ITA-AITES (International Tunneling and Underground Space Association). O CBT já nasceu com diversos desafios pela frente, o principal foi de trazer para o Brasil o primeiro evento internacional de túneis realizado em território nacional.

Para comemorar o aniversário da instituição, diversos eventos foram e posteriormente serão realizados até novembro de 2016. A primeira reunião aconteceu no dia 11 de novembro de 2015 em São Paulo (SP). Atendendo ao con-


vite do CBT, o engenheiro João Duarte Guimarães Filho ministrou uma palestra em que transmitiu um pouco da sua experiência em estabilização de túneis em saprolitos e em solos no Brasil e no exterior nos últimos 51 anos, usando o NATM (New Austrian Tunnelling Method). Com o relato de obras realizadas em mais de meio século, Duarte explicou na palestra intitulada “NATM – Rock Supported Tunnel” como foi possível construir mais túneis com menos recursos financeiros e mais segurança empregando o método NATM. Ele discorreu sobre o dimensionamento adequado das ancoragens e o tempo disponível para sua instalação, inicialmente previstos pela tabela de Lauffer, Bieniawski ou Nick Barton. Exemplificando, foram apresentadas diversas aplicações na engenharia de 1956 até 2015, comparações de custos em exemplos reais, mostrando a economia e a segurança que o sistema NATM tem propiciado. Um dos cases de sucesso foi sobre o metrô de Istambul, na Turquia, e sobre o túnel construído em uma mina do Estado de Sergipe a uma profundidade de 500 metros. Além de exemplos de escoramento e construção em diferentes tipos de solo, Duarte destacou um ponto muito relevante que é a presença do projetista no canteiro de obras. “Certa vez, um dos operários me disse uma frase que resume bem o nosso trabalho: ‘essa ancoragem tem que pegar a terra desprevenida’. Eu completo esse pensamento, dizendo que a construção de túneis é uma espécie de tourada. Nós temos que tourear a terra, ver onde é necessário mais ancoragens e onde é preciso mais dreno”, afirma o engenheiro João Duarte que completa: “Para fazer túnel é preciso experiência”.

RESULTADOS SATISFATÓRIOS O engenheiro civil e presidente do CBT, Tarcísio Celestino relata sua satisfação por ter visto um auditório lotado, contando com a presença de profissionais extremamente importantes na história do CBT como o engenheiro Sérgio Fontoura, primeiro presidente do co39 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

O presidente do CBT, Tarcísio Barreto Celestino

O ex-presidente do CBT, Sérgio Fontoura

Da esquerda para a direita: Tarcísio Barreto Celestino, o engenheiro João Duarte e Sérgio Fontoura

mitê. Celestino também enalteceu a presença dos jovens profissionais que estiveram presentes na ocasião. “Esses futuros tuneleiros já chegam ao CBT e encontram uma associação com maturidade, trata-se de uma comunidade multidisciplinar que não é apenas de geotécnicos, concreteiros e engenheiros, é tudo isso junto e muito mais”. Para Sérgio Fontoura, a entidade atin-

giu o seu amadurecimento e este evento refletiu isso. “São 25 anos, em que a relação com a indústria aumentou e que os debates agora discutem práticas internacionais versus as nacionais. Hoje, por exemplo, foi apresentada uma tecnologia de certa forma desenvolvida e aprimorada no Brasil. Foram 25 anos profícuos com várias diretorias, com uma continuidade, e isso


é forte, esse trabalho contínuo. A presença dos ex-presidentes nas reuniões, o conselho dos presidentes, tudo indica que o grupo está maduro. Agora é necessário dar lugar às novas gerações como já está sendo feito com o grupo de jovens tuneleiros”, analisa. Para Duarte, o CBT é um exemplo para o País, inclusive pela sua postura e pela técnica de seus diretores. “São diplomatas que representam o País e não 40 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

deixam que todo o mundo pense que o Brasil é o que alguns parlamentares têm mostrado, infelizmente. A comunidade técnica adquire uma esperança nova com os profissionais do CBT. Sinto-me orgulhoso, honrado e renovo minhas esperanças”, declara. As comemorações devem prosseguir por mais alguns meses e Celestino diz que o CBT está estudando a realização de um evento, principalmente sobre

contratação de obras de túneis. “Queremos colocar em discussão a ação do Ministério Público e do Tribunal de Contas, até para que haja um diálogo com esses órgãos no sentido de mostrar que nós somos como um médico, pois como engenheiros também fazemos uma espécie de ‘cirurgia’ e temos conhecimento técnico para isso. Queremos sair da caixa e assim fomentar discussões”, finaliza.


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NOTÍCIA

MUSEU DO AMANHÃ UTILIZA SISTEMA EPAMS PARA GARANTIR SUSTENTABILIDADE Edifício possui design sustentável e reaproveita recursos naturais com a ajuda de equipamentos fornecidos por empresa

Inaugurado em 19 de dezembro de 2015, o Museu do Amanhã, um dos projetos de revitalização da região portuária do Rio de Janeiro, levou quatro anos para ser finalizado. Iniciativa da Prefeitura do Rio de Janeiro e da Fundação Roberto Marinho, entidade relacionada com o Grupo Globo, em parceria com o banco Santander, o Museu do Amanhã foi projetado pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava e é composto por cinco espaços com o objetivo de fazer o visitante refletir sobre passado, presente e futuro. Até ficar pronto, o museu recebeu apoio de algumas empresas do setor de construção civil, como a Saint-Gobain, uma fabricante de sistema sem ferro fundido dúctil e para transporte de fluidos, que forneceu captadores de águas pluviais EPAMS (Evacuation Pluviale A Mouvement Siphoïde) e tubos de ferro dúctil. A empresa forneceu 1.230 metros de tubos, com diferentes diâmetros, além de 18 captadores EPAMS de 75 milímetros, equipamentos que permitem a redução de colunas d´água, com o objetivo de preencher os requisitos de sustentabilidade arquitetônica do projeto. Segundo o diretor comercial e de marketing do setor de canalização da Saint-Gobain, Marcelo Machado, uma das vantagens do EPAMS é em relação ao uso do número de colunas. “O EPAMS é um sistema de captação e drenagem de águas pluviais para grandes superfícies de telhado/cobertura. Uma das principais vantagens é o aproveitamento do número de colunas e a liberdade arquitetônica, considerando critérios técnicos, econômicos, estéticos e ambientais”, menciona Machado. Os EPAMS costumam ser empregados em empreendimentos com grande área de cobertura e telhados, em projetos considerados inovadores, como explica Machado. “O sistema EPAMS se adapta facilmente às exigências de uma arquitetura arrojada, que leva em consideração critérios técnicos, econômicos, estéticos e ambientais. Ele consiste em uma solução ideal para projetos arquitetônicos como: fábricas, 42 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Fotos: Divulgação / Saint-Gobain

Por Dafne Mazaia

A empresa Saint-Gobain forneceu equipamentos para o museu, para que o espaço possa cumprir seus requisitos de sustentabilidade

depósitos, shopping centers, hospitais, aeroportos, hotéis, estádios, supermercados, museus e outros”, acrescenta.

CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA EPAMS

De acordo com o diretor comercial e de marketing de canalização da empresa, o sistema consegue captar um volume oito vezes maior de água em comparação com outros modelos convencionais, o que garante uma maior eficiência. “Ao contrário do que ocorre em sistemas convencionais por gravidade, esse sistema possui um captador anti-vórtice que impede a entrada de ar, induzindo uma pressão negativa e, assim, gerando um efeito de sucção. Graças a esse dispositivo, ele capta um volume até oito vezes maior de água comparado ao sistema de drenagem convencional por gravidade. Isso reduz o número de colunas e os diâmetros das tubulações, permitindo maior eficiência e rapidez na drenagem, além de trabalhar livre de declividade nas tubulações”, assegura Machado. Ele também argumenta que a empresa garante ao cliente um serviço técnico, que fornece segurança ao instalar o equipa-


Foram disponibilizados 1.230 metros de tubos, com diversos diâmetros, além de 18 captadores EPAMS de 75 milímetros, equipamentos que permitem a redução de colunas d’água

mento. “Outra vantagem é o serviço técnico oferecido pela Saint-Gobain Canalização para a instalação do sistema EPAMS. A empresa tem uma equipe de engenheiros especialistas dedicada na viabilidade, técnico-econômica e dimensionamento do projeto”, conta Machado. Para o diretor comercial e de marketing do setor de canalização da Saint-Gobain, o sistema EPAMS precisa ser utilizado em locais com uma área de superfície que seja superior a 60 m² e a altura de queda deve ser maior que 3 metros. “Por isso, é indicado, sobretudo, para grandes superfícies de telhados (como aeroportos, estádios, hospitais e shoppings etc.). Outras limitações de ordem técnica devem ser observadas no processo da sua especificação em projeto, tais como limite de pressão e velocidade, por exemplo”, recomenda. Divididos em três partes, o sistema EPAMS é composto pelos captadores, que absorvem as águas pluviais, dispositivos equipados por um anti-vórtice. A segunda parte possui coletores horizontais, que são instalados em calhas ou coberturas, onde cada captador é conectado a um coletor horizontal, sem inclinação, ligado a uma coluna de queda. A outra região tem uma coluna para descompressão e desaceleração, em que ao seu pé é instalado um tê (peça empregada em hidráulica para dividir correntes de fluido) e um conjunto de ancoragem. Além da rapidez na instalação, o sistema EPAMS economiza em relação a linhas subterrâneas inferiores, reduz a quantidade de tubos, seu material não é inflamável, assim como proporciona estabilidade das instalações.

SISTEMA Situado numa área de 15 mil metros quadrados, o edifício do Museu do Amanhã possui suas formas inspiradas nas bromélias do Jardim Botânico. Cercado por espelhos d’água, jardim, ciclovia e espaço para lazer, totalizando uma área de 34, 6 mil metros quadrados. O museu tem também um auditório com 400 lugares, loja, cafeteria e restaurante. Conforme o diretor-comercial e de marketing do setor de canalização da Saint-Gobain, o museu possui design arrojado e sustentável, características que o sistema EPAMS pode garantir. “A escolha pelo EPAMS permitiu menores 43 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Os EPAMS são compostos pelos captadores que absorvem as águas pluviais pelos coletores horizontais e por uma coluna para descompressão e desaceleração

O sistema EPAMS precisa ser empregado em regiões com uma área de superfície superior a 60 m² e com uma altura de queda maior do que 3 metros

interferências devido à redução de colunas d’água e preencheu requisitos de sustentabilidade e liberdade arquitetônica do projeto”, considera. Segundo ele, a Saint-Gobain orgulha-se de ter contribuído com o projeto. “Estamos muito satisfeitos em ter participado desta obra que é um dos símbolos da revitalização da região portuária do Rio de Janeiro”, declara. Além de seguir as especificações para obter a certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), concedida pelo USGBC (Green Building Council), o museu ainda aproveita os recursos naturais da região. A água da Baía de Guanabara é captada para abastecer os espelhos d’água e para o sistema de refrigeração, onde é empregada na troca de calor. Após, é utilizada na climatização e devolvida mais limpa para o mar. Captar energia solar é outro destaque na cobertura móvel do edifício, local em que grandes estruturas de aço servem de base para as placas de captação. Durante o dia, elas movimentam-se como asas, com o objetivo de acompanhar o posicionamento do sol. O museu vai funcionar de terça a domingo, entre 10 h e 18 h, e ficará fechado às segundas. Localizado em Guarulhos (SP), o GRU Airport (Aeroporto Internacional de Guarulhos), assim como 8 dos 12 estádios que foram utilizados durante a Copa do Mundo em 2014 também utilizaram o sistema da Saint-Gobain, que segue as diretrizes para a certificação LEED, com o propósito de fornecer um modelo sustentável de captação e reutilização da chuva em sua estrutura.


ARTIGO

ESTUDO DO REFORÇO DA CAMADA DE BASE COM RECICLAGEM DO REVESTIMENTO COM ADIÇÃO DE CIMENTO Eng° Ronderson Queiroz Hilário Ouro Preto (MG). Engenheiro civil, mestrando em Geotecnia, NUGEO, UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) rondim@gmail.com Prof. Dr. Gilberto Fernandes Ouro Preto (MG). Docente na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) gilberto@em.ufop.br Eng° Pedro da Mata Resende Amora Ponte Nova (MG). Engenheiro civil pmaamora@hotmail.com Eng° João Flavio Almeida e Silva Ouro Preto (MG). Engenheiro civil na empresa CONCREMAT Engenharia e Tecnologia S/A. joao_flaavio@yahoo.com.br Leticia Mayumi Justus Sakaguti Ouro Preto (MG). Graduanda em Engenheira Ambiental pela UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) lejustus@gmail.com Engº Hebert da Consolação Alves Ouro Preto (MG). Técnico do Laboratório de Ferrovias e Asfalto na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) hebertalvesa@yahoo.com.br

RESUMO O presente trabalho tem por objetivo realizar um estudo técnico sobre a utilização da base existente reciclada com revestimento asfáltico fresado e adição de 2% de cimento no reforço de solos para camadas de base de uma rodovia de alto tráfego. A escolha da técnica neste estudo busca uma solução viável para os problemas ambientais gerados 44 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

pela dificuldade de destinação adequada do material fresado proveniente de obras de restauração e manutenção de rodoviárias. Os resultados indicam que com a incorporação do revestimento ao solo, a mistura se manteve dentro das faixas granulométricas estabelecidas em norma, os limites de consistência permaneceram dentro dos parâmetros estabelecidos e os valores de resistência e expansibilidade encontrados se mostraram satisfatórios. Palavras-chave: Reciclagem de Pavimento; Cimento; Ambiental; Reforço de Base; Solo.

INTRODUÇÃO A crescente dificuldade de obtenção de recursos naturais relacionada à volumosa demanda de matérias-primas nas obras de engenharia e o custo para transportar e destinar corretamente os resíduos gerados do setor industrial provoca a busca pela incorporação de novas tecnologias e soluções nos projetos de forma a amenizar os impactos ambientais. O reuso de subprodutos derivados do beneficiamento de pavimentos flexíveis em novos serviços se apresenta como alternativa viável na busca por soluções ambientalmente sustentáveis. O processo de reciclagem de revestimentos para o reforço de camadas de base, hoje com uma maior aceitação nos processos de manutenção e restauração de pavimentos tem se destacado no mercado de engenharia rodoviária, inclusive pelo desenvolvimento de equipamentos específicos para tal. Considerado como um processo tecnológico sustentável, também pode solucionar outros problemas como elevação do greide da pista, atenuar a propagação de trincas e evitar a sobrecarga excessiva sobre obras de arte e etc. Assim sendo, o emprego de materiais fresados por meio da reciclagem para a estabilização e melhora de parâmetros físicos de camadas dos pavimentos vem ao encontro de possíveis alternativas que atendam as demandas econômicas e de sustentabilidade ambiental necessárias nos projetos de manutenção e restauro de rodovias.


METODOLOGIA O presente trabalho objetivou-se na realização de ensaios em laboratório visando determinar as características físicas e mecânicas do material, para a obtenção de parâmetros na análise do potencial uso de material reciclado (revestimento + solo da base) com adição de cimento, no uso como reforço da camada de base dos pavimentos. As amostras utilizadas para o presente trabalho foram coletadas na BR-120 entre as cidades de Ponte Nova (MG) e Teixeiras (MG) durante obras de manutenção do pavimento. Para a análise laboratorial, o material reciclado (revestimento + base) e o teor de cimento selecionado seguiu a solução de projeto da referida obra: revestimento remanescente após fresa inicial + base + 2% de cimento. Para a coleta do solo foram escolhidos dois locais distintos a fim de se obter uma análise mais ampla. O solo foi retirado nas estacas 241 e 420 por meio de três perfurações na pista de modo a se retirar a quantidade suficiente de amostras de solo da base no estado deformado. O material reciclado foi recolhido nos mesmos locais após a passagem da fresa e do equipamento de reciclagem. Optou-se pela não adição de cimento no local, mas posteriormente em laboratório de maneira a evitar-se a hidratação prematura do cimento pela umidade natural da amostra.

ANÁLISE GRANULOMÉTRICA CONJUNTA A análise granulométrica do solo é necessária para que se conheçam as diferentes composições de tamanho dos grãos em faixas preestabelecidas e sua representatividade em relação à amostra, de modo a obter-se um dos parâmetros necessários à classificação do solo. A análise granulométrica do solo foi executada conforme a norma ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) NBR 7.181/1984. O ensaio para a determinação da massa específica dos sólidos, necessário aos cálculos para o ensaio de sedimentação, foi executado em concordância com a norma ABNT NBR 6.508/1984. A análise granulométrica aplicada a areias e pedregulhos se utiliza de dois parâmetros para fins de classificação da variação do tamanho das partículas e da distribuição granulométrica da amostra. O Coeficiente de Uniformidade (Cu) representa a inclinação média da curva granulométrica entre os valores dos diâmetros das partículas passantes de 60% e 10% mais fino. Pode assumir valor mínimo igual a 1, que correspondente a um solo uniforme, com todas as partículas iguais. O Cu é obtido de acordo com a Equação 1.

D60 – diâmetro do grão correspondente a 60% mais fino. D10 – diâmetro do grão correspondente a 10% mais fino. Esse valor é denominado diâmetro efetivo. A distribuição granulométrica das partículas é caracterizada 45 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

pelo Coeficiente de Curvatura (Cc), e seu valor é definido de acordo com a Equação 2.

D30 – diâmetro do grão correspondente a 30% mais fino. Os pedregulhos e as areias são considerados bem graduados quando por definição: • Pedregulhos – Cu > 4 e 1 < Cc <3; • Areias – Cu > 6 e 1 < Cc < 3.

IG (ÍNDICE DE GRUPO) O Índice de Grupo é um número inteiro utilizado na classificação dos solos, TRB (Transportation Research Board), que fornece subsídios para o dimensionamento de pavimentos. O cálculo do IG é feito com os valores obtidos no resultado do ensaio de granulometria e calculado conforme a Equação 3.

a = % do material que passa na peneira de n° 200, menos 35; caso esta % for >75, adota-se a = 40; caso esta % seja < 35, adota-se a = 0; b = % do material que passa na peneira de n° 200, menos 15, caso esta % for >55, adota-se b = 40; caso esta % seja < 15, adota-se b = 0; c = valor de LL (Limite de Liquidez) menos 40, caso o LL > 60%, adota-se c = 20; se o LL < 40%, adota-se c = 0; d = valor de IP (Índice de Plasticidade) menos 10, caso o IP > 30%, adota-se d = 20; se o IP< 10%, adota-se d = 0.

LIMITES DE ATTERBERG Os chamados de limites de consistência ou limites de Atterberg têm sua determinação feita de modo empírico, com base em ensaios normatizados, e são utilizados como parâmetros para a classificação dos solos assim como para a determinação de propriedades de alguns solos-finos. Para a determinação do limite de liquidez do material utilizou-­ se os procedimentos prescritos pela ABNT NBR 6.459/1984. A determinação do limite de plasticidade do material foi realizada de acordo com a norma ABNT NBR 7.180.

IP (ÍNDICE DE PLASTICIDADE) O Índice de Plasticidade é um parâmetro físico que representa a quantidade de água necessária a ser adicionada em um solo para que este passe do estado plástico para o estado líquido. O valor do IP pode ser calculado conforma a Equação 4.

Onde: IP – Índice de Plasticidade; LL – Limite de Liquidez; LP – Limite de Plasticidade.


Tabela 1 – Correlação entre as classificações TRB (AASHTO) e SUCS (DNIT 2006) Classificação SUCS

Classificação AASHTO

Mais provável

Possível

Possível, mais improvável

A–1–A

GW, GP

SW, SP

GM, SM

A–1–B

SW, SP, GM, SM

GP

-

A–3

SP

-

SW, GP

A–2–4

GM, SM

GC, SC

GW, GP, SW, SP

A–2–5

GM, SM

-

GW, GP, SW, SP

A–2–6

GC, SC

GM, SM

GW, GP, SW, SP

A–2–7

GM, GC, SM, SC

-

GW, GP, SW, SP

A–4

ML, OL

CL, SM, SC

GM, GC

A–5

OH, MH, ML, OL

-

SM, GM

A–6

CL

ML, OL, SC

GC, GM, SM

A–7–5

OH, MH

ML, OL, CH

GM, SM, GC, SC

A–7–6

CH, CL

ML, OL, SC

OH, MH, GC, GM, SM

O Índice de Plasticidade é expresso em porcentagem sendo importante para a classificação dos solos com grãos finos e a base para o Sistema Unificado de Classificação dos Solos.

CLASSIFICAÇÃO DOS SOLOS O SUCS (Sistema Unificado de Classificação dos Solos) baseia-se na identificação dos solos de acordo com seu comportamento quando usado em estradas, aeroportos, aterros e fundações. O Sistema de Classificação do AASHTP (American Association of State Highway and Transportation Officials) foi desenvolvido nos Estados Unidos da América e é baseado na granulometria e nos limites de Atterberg. Esse sistema foi proposto com a finalidade de classificar os solos para fins rodoviários e, por isso, é chamado de sistema rodoviário de classificação. A Tabela 1 representa uma correlação entre as duas classificações.

ENSAIO DE COMPACTAÇÃO E ÍNDICE DE SUPORTE CALIFÓRNIA A compactação dos solos é um método mecânico de estabilização dos solos que é obtido pela aplicação de alguma forma de energia. Sua aplicação proporciona ao solo um aumento do peso específico, diminuição do índice de vazios, permeabilidade e compressibilidade, além de incrementar a resistência ao cisalhamento, ocasionando uma maior estabilidade e, consequentemente, maior capacidade de suporte. O Índice de Suporte Califórnia (CBR – California Bearing Ra46 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

tio) é um ensaio utilizado para a estimativa da capacidade de suporte de um solo. Consiste em avaliar a capacidade de resistência de um corpo de prova de um solo confinado em um cilindro metálico a penetração de um pistão, em relação a mesma resistência provocada em um corpo de prova composto de brita graduada padrão, esta correlação é expressa em termos percentuais. Concomitantemente ao ensaio CBR é usual que se verifique a expansibilidade do solo quando imerso em água por um período de pelo menos quatro dias. O ensaio de compactação do solo observou a norma ABNT NBR 7.182/1986. O ensaio para a determinação do CBR do solo preconizou a norma ABNT NBR 9.895/1987.

ENSAIO DE COMPRESSÃO SIMPLES A determinação do valor de resistência à compressão axial da mistura foi realizada de acordo com a norma ABNT NBR 12.025/90. Os ensaios de resistência à compressão simples foram realizados com as amostras de solo da base, solo/ cimento (com a proporção solo/cimento sendo estabelecida após a realização do ensaio de granulometria do solo) e material reciclado com cimento. Os corpos de prova foram moldados de acordo com os procedimentos sugeridos pela ABNT NBR 12.024/2012 para teores definidos por norma e projeto. Procurou-se com isso, um solo estabilizado que se enquadrasse dentro dos critérios estabelecidos pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) para materiais de base. A resistência à compressão simples expressa em MPa foi calculada individualmente para cada corpo de prova de acordo com a Equação 5.


Tabela 2 – Energia de compactação e seus parâmetros (SANTOS 2009) Determinação do Número de Golpes por Camada Diâmetro (cm)

Altura (cm)

Volume (cm³)

Energia (kgf.cm/cm³)

Nº de camadas

Normal - 6

10

20

1570,8

Intermediária - 13

10

Modificada 27,3

Altura de queda

Peso do cilindro (kgf )

Nº de golpes por camada

30,5

2,5

12,4

45,7

4,53

4,6

30,5

4,53

6,8

45,7

2,5

8,2

30,5

2,5

26,8

45,7

4,53

9,9

30,5

4,53

14,8

45,7

2,5

17,9

30,5

2,5

56,2

45,7

4,53

20,7

30,5

4,53

31

45,7

2,5

37,5

Tabela 3 – Valores de MR para solos granulares (Adaptado – Valle e Valdo, 1997) Sendo: • c: Carga de Ruptura (kgf ); • RCS: Resistência à Compressão Simples; • A: Área da seção transversal do corpo de prova.

Trecho

1

2

3

4

5

6

Valor do MR base em BGS (MPa)

115

210

180

290

360

415

ENSAIO TRIAXIAL DINÂMICO De acordo com Medina e Motta (2015), o módulo de resiliência (MR) de um solo é obtido por meio de uma relação entre a tensão-desvio aplicada axial e ciclicamente em um corpo de prova e a correspondente deformação específica vertical recuperável conforme a Equação 6:

Os procedimentos para a realização do Ensaio Triaxial Dinâmico na determinação do Módulo de Resiliência em amostras de solos, são descritos pela norma DNIT 134/2010, Pavimentação – Solos – Determinação do Módulo de Resiliência – Método de Ensaio. O ensaio foi realizado na energia modificada de acordo com Tabela 2. Os valores do Módulo de Resiliência têm sido utilizados em vários projetos e estudos de pavimentos no Brasil. Como exemplo, podemos citar Franzoi (1990) apud Balbo (2015) que realizam ensaios em diversos solos no Estado de São Paulo tendo apresentado valores de módulo de resiliência variando de 32 MPa a 500 MPa. Valle e Balbo (1997) apresentam valores de MR obtidos por retro análise de superfícies deformadas com o emprego do FWD para bases graduadas em trechos de pavimentos asfál47 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

ticos no Estado de Santa Catarina. Os valores estão apresentados na Tabela 3. Segundo Holz, os valores sugeridos de MR para base de pavimentos flexíveis, variam de 150 a 300 MPa. Já para pavimentos semirrígidos, esses valores variam de 300 a 500 MPa. Rodolfo e Balbo (1996) apresentaram uma série de modelos para cálculos de deformação específica na fibra inferior do concreto asfáltico. Para tais parâmetros, variou-se o valor do MR para base de pavimentos flexíveis utilizando brita graduada de 100 MPa a 300 MPa. Já para misturas solo-cimento, os parâmetros utilizados variam de 2.500 MPa a 7.500 MPa. Analisando os dados do ensaio de triaxial dinâmico, podemos verificar que valores encontrados para o MR dos materiais estudados neste trabalho apresentam valores coerentes aos de outras referências. O que precisa ser feito é um estudo mais aprofundado do módulo de resiliência para diversos tipos de materiais para camadas de pavimento.

RESULTADOS E DISCUSSÕES ANÁLISE GRANULOMÉTRICA DOS SOLOS DAS ESTACAS 241 E 420


Figura 1 – Curvas granulométricas

Tabela 4 – Proporções dos materiais de acordo com a granulometria Argila (%)

Silte (%)

Areia Fina (%)

Areia Grossa (%)

Pedregulho (%)

Base (241)

2,5

13,1

13,9

34,5

36,0

Base + cimento (241)

2,1

14,0

13,8

33,8

36,3

Material reciclado + imento (241)

3,2

11,0

17,5

20,8

47,5

Base (420)

5,3

9,4

12,4

29,8

43,1

Base + cimento (420)

5,8

9,0

12,0

30,7

42,5

Material reciclado + cimento (420)

2,5

8,5

20,6

15,2

53,2

O resultado da distribuição granulométrica e suas respectivas curvas granulométricas, para o material da base, base + cimento e material reciclado + cimento dos solos das estacas 241 e 420, estão apresentados, respectivamente, na Figura 1 e na Tabela 4. Esta análise é feita de acordo com o Manual de Pavimentação do DNIT (DNIT, 2006), mesmo padrão utilizado pela ASTM (American Society for Testing and Materials). Os valores de D 10, D30, e D60 assim como os valores 48 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

do Coeficiente de Uniformidade (Cu) e o Coeficiente de Curvatura (Cc) de cada material ensaiado, também calculado pela curva granulométrica, estão apresentados na Tabela 5. A análise da distribuição granulométrica dos solos das bases das estacas 241 e 420 mostram que estes se apresentam não uniforme e mal graduado. Isso fica evidente com os valores de CU e CC em ambos os casos, mesmo que para a estaca 420 os valores dos coeficientes tenham sido bem


Tabela 5 – Índices característicos das curvas granulométricas D10

D30

D60

CU

CC

Base (241)

0,013

0,44

1,77

134,01

8,27

Base + cimento (241)

0,014

0,425

1,773

129,99

7,47

Material reciclado + cimento (241)

0,02

0,36

3,2

160,0

2,025

Base (420)

0,09

0,533

2,31

256,67

13,66

Base + cimento (420)

0,009

0,560

2,3

264,37

15,56

Material reciclado + cimento (420)

0,035

0,015

0,082

2,34

0,008

Tabela 6 – Granulometria para base granular (DNIT 2006) TIPOS PENEIRAS

PARA N > 5X 106 A

B

PARA N < 5X 106 C

D

E

F

TOLERÂNCIAS DA FAIXA DE PROJETO

% EM PESO PASSANDO

2”

100

100

-

-

-

-

±7

1”

-

75-90

100

100

100

100

±7

3/8”

30 - 65

40-75

50-85

60-100

-

-

±7

Nº4

25 - 55

30-60

35-65

50-85

55-100

10-100

±7

Nº10

15 - 40

20-45

25-50

40-70

40-100

55-100

±5

Nº40

8-20

15-30

15-30

25-45

20-50

30-70

±2

Nº200

2-8

5-15

5-15

10-25

6-20

8-25

±2

altos. Logo, o material de base precisa de uma metodologia de estabilização para que o material atinja uma melhor curva granulométrica. Analisando os resultados, observa-se que a mistura solo-cimento se mostrou ineficiente no que diz respeito à estabilização granulométrica. Na mistura do material reciclado adicionando cimento, fica evidenciado que houve uma melhora na sua curva granulométrica em relaçao ao material de base e à mistura solo-cimento em ambas as estacas. Para o solo da estaca 241, apesar do valor de Cu ter aumentado, mostrando uma curva não uniforme, o valor de Cc mostrou um solo bem graduado. A proporção de pedregulho à mistura teve um aumento, assim como o valor de areia fina. A proporção de areia grossa na mistura teve seu valor reduzido. Para a estaca 420, com relação ao valor de Cu, a curva mostrou-se muito uniforme. O valor de Cc mostrou um solo mal graduado, mas este valor apresentou uma melhora em comparação aos valores do material de base e da mistura solo-cimento. A proporção 49 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

de pedregulho à mistura teve um aumento, assim como o valor de areia fina. A proporção de areia grossa na mistura teve seu valor reduzido. Outra característica que podemos obter por meio do ensaio de granulometria, é o enquadramento do material na faixa do DNIT para uso em pavimentação. A Tabela 6 apresenta as faixas usadas pelo DNIT e suas porcentagens de material passante nas peneiras. A Tabela 7 apresenta as porcentagens passantes nas peneiras e o enquadramento das amostras das estacas 241 e 420 nas respectivas faixas do DNIT. Com relação ao enquadramento dos materiais nas faixas do DNIT, considerando que a rodovia em estudo se enquadrada no N > 5 x 106, os materiais de base existente e a mistura solo-cimento não se enquadrariam para o uso como base da rodovia em questão, pois se enquadraram na faixa D. Por outro lado, a metodologia da reciclagem do pavimento se mostrou eficiente. Considerando as tolerâncias da faixa de projeto, o material


Tabela 7 – Enquadramento das amostras na faixa do DNIT 2’’

1’’

3/8’’

Nº4

Nº10

Nº40

Nº200

Faixa DNIT

% EM PESO PASSANTE Base (241)

100

91

86,5

81,7

64,0

29,5

15,6

D

Base + cimento (241)

100

91,2

86,1

81,9

63,7

29,9

16,1

D

Material reciclado + cimento (241)

100

89,1

71,2

65,6

52,5

31,7

14,2

B

Base (420)

100

85,2

79,0

73,6

56,9

27,1

14,7

D

Base + cimento (420)

100

85,9

78,0

74,1

57,5

26,8

14,8

D

Material reciclado + cimento (420)

100

94,8

72,7

58,0

46,8

31,6

11,0

B

Tabela 8 – Resultado dos limites de consistência Base (241)

Base + cimento (241)

Material reciclado + cimento (241)

Base (420)

Base + cimento (420)

Material reciclado + cimento (420)

LL (%)

24,1

22,7

21,9

24,1

23,5

22,3

LP (%)

21,7

20,3

19,4

23,6

21,3

20,8

IP (%)

2,4

2,4

2,5

0,5

2,2

1,5

IG

0

0

0

0

0

0

Massa específica dos grãos (g/cm³)

2,705

2,69

2,751

2,718

2,718

2,752

Densidade dos grãos

2,711

2,697

2,76

2,723

2,725

2,762

reciclado acrescido de cimento das estacas 241 e 420, enquadraram-se melhor na faixa B, viabilizando seu uso como material de base mostrando assim a eficiência da metodologia empregada.

LIMITES DE ATTERBERG, CÁLCULO DO IG (ÍNDICE DE GRUPO) E MASSA ESPECÍFICA DOS GRÃOS DAS ESTACAS 241 E 420 A Tabela 8 a seguir apresenta os resultados dos ensaios dos limites de consistência dos materiais estudados em ambas as estacas, do Índice de Grupo e da Massa Específica dos Grãos. Analisando os resultados dos limites de consistência, to50 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

dos os materiais se enquadram para o uso como base de rodovias segundo o DNIT (2006). De acordo com a norma do DNIT, o material para ser utilizado como base de rodovias, deve ter um limite de liquidez menor do que 26 e um índice de plasticidade menor do que 6 e o IG para materiais granulares usados em camadas de pavimento deve ser igual a zero. Nas estacas 241 e 420, ambos os materiais estudados tiveram IG igual a zero. Isso comprova que a metodologia do uso do material reciclado não altera esse parâmetro, credenciando-o para uso como base de pavimento. Os valores da massa específica dos grãos e das densidades do solo da base e da base + cimento apresentaram pouca


Tabela 9 – Classificação dos solos Base (241)

Base + cimento (241)

Material reciclado + cimento (241)

Base (420)

Base + cimento (420)

Material reciclado + cimento (420)

TRB

A-1-B

A-1-B

A-1-B

A-1-B

A-1-B

A-1-B

SUCS

SM

SM

SM

SM

SM

SM

Tabela 10 – Resultados de umidade ótima e densidade máxima (estaca 241) Base (241)

Base + cimento (241)

Material reciclado + cimento (241)

Base (420)

Base + cimento (420)

Material reciclado + cimento (420)

Umidade ótima (%)

6,75

7,11

6,63

6,71

6,77

5,91

Densidade máxima seca (g/cm³)

2,222

2,172

2,213

2,277

2,165

2,235

Tabela 11 – Resultados do ensaio de CBR e Expansão Base (241)

Base + cimento (241)

Material reciclado + cimento (241)

Base (420)

CBR (%)

65,78

306,25

201,79

74,97

307,67

143,51

Expansão (%)

0,05

0,05

0,08

0,06

0,07

0,07

variação tanto nos materiais da estaca 241 como das estacas 420. O material reciclado + cimento apresentou um aumento dos valores de massa específica e, consequentemente, de sua densidade em ambas as amostras.

Base + cimento Material reciclado (420) + cimento (420)

Este item classifica os solos de acordo com a classificação SUCS e TRB (AASHTO) levando em consideração resultados descritos acima (análise granulométrica, limites de consistência e o valor do IG). A Tabela 9 apresenta as classificações das misturas para ambas as estacas. Os resultados mostram que os materiais, com relação a classificação têm características semelhantes. De acordo com a classificação TRB, todos os materiais ensaiados variam de bom a excelente material para serem usados na pavimentação. Com isso, nota-se que o material reciclado não altera essas características, mostrando sua eficiência quanto a utilização.

O ensaio de compactação foi realizado de acordo com a norma ABNT NBR 7.182/1986. A energia utilizada para a realização do ensaio de compactação foi a modificado por questão de projeto da rodovia estudada. A Tabela 10 apresenta os resultados de humanidade ótima e densidade máxima seca. Analisando-se os valores das estacas 241 e 420 observa-se com relação à umidade ótima pouca variação. Nota-se em ambos os casos que a umidade relacionada ao material reciclado apresentou uma pequena diminuição, acarretando em uma pequena economia de água para se atingir a umidade ótima do material. Mesmo sendo uma baixa porcentagem, se pensarmos na construção de uma rodovia, essa economia pode vir a ser bastante significativa. Em relação à densidade máxima, em ambas as estacas os valores foram muito próximos, ficando dentro dos padrões para uso em rodovias. Podemos concluir que houve pouca alteração dessa propriedade em relação a esses dois últimos materiais, mostrando a eficiência da metodologia.

ENSAIOS DE CBR DAS ESTACAS 241 E 420 COMPACTAÇÃO

A Tabela 11 apresenta os resultados do CBR e da expansão.

CLASSIFICAÇÃO DOS SOLOS DAS ESTACAS 241 E 420

51 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

RESULTADOS DO CBR E EXPANSÃO


Podemos concluir a partir dos resultados apresentados que tanto a mistura solo-cimento quanto o material reciclado tiveram um aumento significativo com relação ao valor de CBR. Segundo o DNIT, em rodovias de tráfego pesado, caso da rodovia em estudo, o valor do CBR do material a ser usado como base deve ser superior a 80. Logo, observa-se que os materiais utilizados como base para o pavimento, em ambas as estacas, necessitam de uma metodologia para aumento da capacidade de carga. Ambas as misturas estudadas, solo-cimento e solo + material reciclado + cimento, de ambas as estacas apresentaram um aumento significativo da capacidade de carga. O ensaio de expansão, em ambos os casos, se mostrou com pouca variação. O manual do DNIT discorre sobre a expansão dos materiais utilizados como base para o pavimento rodoviário e estipula que seu valor máximo deve ser de 0,5%. Logo, todos os materiais estudados se enquadram no valor preconizado pelo DNIT com relação à expansão. Analisando o material reciclado, adicionado 2% de cimento, a metodologia utilizada foi eficiente, pois houve um aumento do valor da resistência considerável. Entretanto, o valor do CBR da estaca 241 foi maior do que o da estaca 420. A diferença entre os valores de CBR das duas estacas pode ser explicada pelo fato de que a proporção de revestimento misturado ao solo-cimento da estaca 420 foi maior do que o misturado na estaca 241. Essa relação é inversamente proporcional onde, quanto maior o teor de revestimento na mistura, sua resistência tende a diminuir. Porém, mesmo com um teor de asfalto maior, o valor do CBR foi maior que o especificado em norma, mostrando a eficiência da metodologia.

ENSAIO DE COMPRESSÃO SIMPLES O ensaio de compressão simples foi realizado devido ao fato de que os valores de CBR do material reciclado e da mistura solo-cimento terem apresentado um valor acima de 100. Os corpos de prova foram moldados no cilindro de CBR à umiTabela 12 – Resultados dos ensaios de compressão simples Base (241)

Base (420)

0,55

0,59

Resistência (MPa)

dade ótima do material encontrado no ensaio de compactação. Os ensaios foram realizados com amostras a 0 dias, 7 dias, 14 dias e 28 dias de cura. Exceto as amostras de 0 dias, as demais foram mantidas em uma câmara úmida. A Tabela 12 apresenta os resultados dos ensaios de resistência à compressão axial das amostras das amostras do material de base das estacas 241 e 420. Os resultados dos ensaios com as amostras de solo-cimento e material reciclado, em MPa, estão apresentados na Tabela 13. Analisando os resultados de compressão axial, podemos notar um aumento significativo dos parâmetros de resistência das misturas em relação ao material de base. De acordo com o DNIT, misturas de cimento ao solo no teor de 2% a 4% são consideradas solo melhorado com cimento e teores que variam de 6% a 10% de cimento são misturas de solo-cimento. Seus parâmetros de resistência também variam. De acordo com o DER/PR ES-P 11/05, são definidos os parâmetros mínimos de resistência à compressão axial aos 7 dias. Para solo tratado com cimento, esse valor tende a estar entre 1,5 e 2,1 MPa para materiais de base. Já para mistura solo-cimento, esse valor deve ser superior a 2,1 MPa. Fazendo uma análise dos resultados, as duas misturas utilizadas na pesquisa atendem as especificações. Os resultados do ensaio de compressão simples também foram analisados de acordo com Batista (1976). O autor cita que o Departamento de Estradas e Rodagem do Texas preconizam valores mínimos para o ensaio de compressão simples dos materiais a serem usados como sub-base e base de rodovias. Tais Valores estão apresentados na Tabela 14. Fazendo uma análise dos resultados, o material de base ficaria abaixo da especificação mostrada acima, apresentando a necessidade de uma melhoria dos seus parâmetros de resistência. Com isso as duas metodologias estudadas, se expuseram muito eficientes, ficando bem acima dos padrões exigidos. Os resultados atestam mais uma vez a eficiência da metodologia da reciclagem de pavimento, se mostrando eficaz em seus resultados.

ENSAIO TRIAXIAL DINÂMICO A Tabela 15 apresenta os Módulos de Resiliência (MR) dos materiais de ambas as estacas obtidas no ensaio triaxial dinâmico para vários níveis de tensões. A partir dos resultados obtidos constatou-se que os valores dos módulos de resiliência das misturas solo-cimento e as misturas com material reciclado em relação ao material de base aumentaram, mostrando a eficiência dos métodos estudados.

Tabela 13 – Resultados dos ensaios de compressão simples 0 dias

7 dias

14 dias

28 dias

Solo cimento (241)

1,06

3,96

4,15

4,57

Material reciclado + cimento (241)

1,33

1,54

1,97

2,56

Solo cimento (420)

1,28

3,17

4,48

5,1

Material reciclado + cimento (420)

1,28

1,62

2,07

2,77

52 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


Nas Figuras 2 a 7 são apresentados em forma de gráficos a variação dos valores obtidos para o MR em função da tensão de desvio (σd) e tensão confinamento (σ3). Também são apresentadas as expressões para o MR por meio dos modelos de regressão em função de σd e σ3. Analisando os gráficos das Figuras 2 a 7, podemos observar que o material de base apresentou uma reta mais inclinada tanto para a tensão desvio quanto para a tensão de confinamento. Isso signifi- Figura 2 – Gráfico da variação dos valores obtidos para o MR em função da tensão de desvio (σd) e tenca que os valores de MR para este são confinamento (σ3) para o solo da base da estaca 241 material foram sensíveis tanto para a tensão confinante quanto para a tensão de desvio, indicando que o material tem influência tanto da parte granular quanto da sua parte fina. A representação segundo o modelo composto (função de σd e σ3 ao mesmo tempo) talvez seja a mais indicada para este material. Analisando os resultados de MR por meio do modelo composto temos as seguintes equações para o módulo de resiliência, apresentados na Tabela 16. Analisando a tabela, observamos que o modelo composto Figura 3 – Gráfico da variação dos valores obtidos para o MR em função da tensão de desvio (σd) e tensão foi a que melhor representou os confinamento (σ3) para o material reciclado da estaca 241 valores de MR dos materiais estudados, visto que os valores de R² foram maiores em comparação aos que foram apresen- tensão confinante são analisados de forma conjunta para a tados nos gráficos das Figuras 2 a 7. Isso nos mostra valo- obtenção dos valores das constantes k1, k2 e k3. O modelo res menos dispersos para os valores de MR em função da composto pode ser usado tanto para solos arenosos quanto tensão de confinamento e de desvio. Isso se deve ao fato para argilosos. de que no modelo composto, os valores de tensão desvio e De maneira geral, sobre o objeto de estudo deste trabalho que é a mistura de pavimento reciclado com cimento é importante destacar que é extremamente viável a sua utiliTabela 14 – Valores mínimos de resistência (Batista – zação como material de base, não só pelo valor de CBR encontrado, como também o valor do Módulo de Resiliência. modificado – 1976) Sub-base Resistência mínima (MPa)

0,35

Base

CONCLUSÃO

0,70

Os resultados apresentados indicaram que a metodologia de reciclagem de pavimento é viável e mostrou um desempenho satisfatório em âmbito laboratorial. Tal mistura melhorou

Tabela 15 – Resultados dos ensaios de Módulo de Resiliência

MR médio (MPa)

Base + cimento (241)

Reciclado + cimento (241)

Base (241)

Base + cimento (420)

Reciclado + cimento (420)

Base (420)

1.725,7

978,5

691,0

2.340,7

1.299,7

433,4

53 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


clagem a credencia seguramente como material de base de rodovia. Também foi possível obter uma análise para o desenvolvimento sustentável, já que a reciclagem de pavimentos é uma alternativa que contribui com a redução de passivo ambiental, reutilizando o próprio pavimento na construção de um novo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE CIMENTOS PORTLAND. Dosagem Figura 4 – Gráfico da variação dos valores obtidos para o MR em função da tensão de desvio (σd) e tensão confinamento (σ3) para o solo-cimento da estaca 241 das misturas de solo-cimento: Normas de dosagem e métodos de ensaios. 3° ed. São Paulo, 1986. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1984) – Solo – Análise granulométrica: NBR 7.181. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Solo-cimento – Ensaio de compressão simples de corpos-de-prova cilíndricos – ABNT MB-3.361/90. Rio de Janeiro, 1990. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAR TÉCNICAS (1984) – Grãos de solos que passam na peneira 4,8 mm – Determinação da massa específica: NBR 6.508. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1984) – Solo Figura 5 – Gráfico da variação dos valores obtidos para o MR em função da tensão de desvio (σd) e tensão confinamento (σ3) para o solo da base da estaca 420 – Determinação do limite de liquidez: NBR 6.459. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1984) – Solo – Determinação do limite de plasticidade: NBR 7.180. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1986) – Solo – Ensaio de Compactação: NBR 7.182. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (1987) – Solo – Índice de Suporte Califórnia: NBR 9.895. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (2012) – Solo-cimento – Moldagem e cura de corpos de prova cilíndricos – Procedimento: NBR 12.024. Figura 6 – Gráfico da variação dos valores obtidos para o MR em função da tensão de desvio (σd) e tensão confinamento (σ3) para o material reciclado da estaca 420 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (2012) – Solo-cimento – Ensaio de Compresseu desempenho em relação ao material de base, como po- são Simples – Método de Ensaio: NBR 12.025. demos observar nos ensaios de granulometria, CBR, resistên- BALBO, J. T. Pavimentação asfáltica: materiais, projeto e rescia à compressão uniaxial e triaxial dinâmico. Isso nos mostra tauração. São Paulo, 2015. que os parâmetros adquiridos com a metodologia da reci- BAPTISTA, C. N. Pavimentação: Compactação dos Solos no 54 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


Campo, Camadas de Base e Estabilização dos solos, 4ª ed. Rio de Janeiro: Globo, 1976. DEPARTAMENTO DE ESTRADAS E RODAGEM DO PARANÁ. Pavimentação: Solo-Cimento e Solo Tratado com Cimento – DER/PR ES-P 11/05, Curitiba, 2005. DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. Manual de pavimentação. Diretoria de planejamento e pesquisa. Coordenação geral de estudos e pesquisa. Instituto de pesquisas rodoviárias. 3° ed. Rio de Janeiro, 2006 a. Figura 7 – Gráfico a variação dos valores obtidos para o MR em função da tensão de desvio (σd) e tensão DEPARTAMENTO NACIONAL DE confinamento (σ3) para o solo-cimento da estaca 420 INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. Manual de restauração de pavimentos asfálticos. Diretoria de Tabela 16 – Equações do modelo composto planejamento e pesquisa. CoordeEquação do Módulo Resiliente R² nação geral de estudos e pesquisa. do modelo composto Instituto de pesquisas rodoviárias. Base (241) 0,869 2° ed. Rio de Janeiro, 2006 b. DEPARTAMENTO NACIONAL DE Reciclado + 0,867 INFRAESTRUTURA DE TRANScimento (241) PORTES. Pavimentação – Base de Solo-cimento (241) 0,713 solo melhorado com cimento – Especificação de serviço – DNIT Base (420) 0,746 142/2010-ES. Rio de Janeiro, 2010. DEPARTAMENTO NACIONAL DE INReciclado + 0,895 FRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. cimento (420) Pavimentação – Base estabilizada Solo-cimento (420) 0,691 granulometricamente – Especificação de serviço – DNIT 141/2010-ES. Rio de Janeiro, 2010. DEPARTAMENTO NACIONAL DE MEDINA, J., MOTTA, M. G. Mecânica dos pavimentos. 3ª EdiINFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES. Solos – Compactação ção. 2015. Rio de Janeiro. utilizando amostras não trabalhadas – Método de ensaio – SANTOS, R.B.R.; Determinação do módulo de Resiliência de DNIT 164/2013-ME. Rio de Janeiro, 2013. materiais típicos de pavimentos através do Ensaio Triaxial Rodolfo, M.P.; Balbo, J.T. (1996) Análise tensional de estruturas de paDinâmico. Trabalho final de curso da UFJF, Juiz de Fora, 2009. vimentos flexíveis. Caderno de resumos do 4º. Simpósio de Iniciação Valle, N.; Balbo, J.T. (1997) Estudo preliminar de desempeCientífica da Universidade de São Paulo, vol.2, p.83, São Paulo. nho de pavimentos com solos saprolíticos de granito em MARQUES, G. L. O. Notas de aula da disciplina pavimentação. Santa Catarina. Anais do 1º. Simpósio Internacional sobre Versão 06.2. Juiz de Fora, 2012. Disponível em: <http://www. Rodovias de Baixo Volume de Tráfego SINBATRA, ABPv, Vol. ufjf.br/pavimentacao/files/2012/03/Notas-de-Aula-Prof.1, pp.381-394, Rio de Janeiro. -Geraldo.pdf> Acesso em: 20 jul. 2015.

55 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


ARTIGO

FUNDAÇÕES DE BARRAGENS E ESTRUTURAS EM ARENITOS: NATUREZA DOS MACIÇOS E CONTROLE DE FLUXO E EROSÕES Eraldo Luporini Pastore. Doutor em Engenharia Civil Diretor da WRC Consultoria Empresarial – São Paulo (SP) elpastore@uol.com.br Paulo Teixeira da Cruz. PhD Consultor – São Paulo (SP) ptcruz@terra.com.br Manoel Sousa Freitas Jr. Diretor da Hydrogeo Engenharia – São Paulo (SP) hydrogeoeng@uol.com.br

fundação, assim como os principais dispositivos de controle de fluxo e erosão pela fundação. Palavras-chave: Barragens; Arenitos; Geologia-Geotecnia; Dispositivos de controle.

Tabela 1 – Classificação, propriedades geomecânicas e comportamento à escavação de arenitos Características do arenito GUIDICINI et al. (1972)

Tipologia do Arenito

C1

Arenito coerente

Quebra com dificuldade ao golpe do martelo, produzindo fragmentos de bordas cortantes. Superfície dificilmente riscável por lâmina de aço. Somente escavável a fogo.

Fortemente cimentado, com sílica, limonita e/ ou carbonatos.

C2

Arenito medianamente coerente

Quebra com dificuldade ao golpe do martelo, produzindo fragmentos de bordas cortantes. Superfície riscável por lâmina de aço. Escavável a fogo.

Pouco cimentado ou litificado.

C3

Arenito pouco coerente

Quebra com facilidade ao golpe do martelo, produzindo fragmentos que pode ser partidos manualmente. Superfície facilmente riscável por lâmina de aço. Escarificável.

Fracamente ou não cimentado, pouco litificado.

C4

Arenito incoerente

Quebra com pressão dos dedos desagregando-se. Pode ser cortado com lâmina de aço. Friável e escavável com lâmina.

Sem cimentação ou litificação, friáveis/ areias.

Categoria Denominação

RESUMO No Brasil existem cerca de 40 barragens com fundação em arenitos. Na maioria dos casos o comportamento destas barragens tem sido satisfatório, mas ocorreram alguns acidentes que exigiram intervenções e num caso a perda da barragem, logo após o enchimento do reservatório. No caso de fundação em arenitos é muito comum as camadas do maciço natural não serem homogêneas pelo fato de ocorrerem lentes ou mesmo camadas de areia (C4) intercaladas a camadas de arenito competente (C2/C1), condição inerente à própria gênese do depósito sedimentar. No presente artigo são apresentadas com base na experiência brasileira, as características geológico-geotécnicas dos maciços areníticos de 56 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

INTRODUÇÃO Os arenitos são rochas sedimentares clásticas, isto é, formadas pelo acúmulo e posterior diagênese de grãos minerais ou partículas de rocha com mais de 50% de grãos com tamanho entre 2 mm (areia muito grossa) e 0,06 mm (areia muito


fina) (ABGE, 1998). Os principais tipos de arenito são o quartzo arenito, que é o mais comum, o arcóseo e a grauvaca. No início do processo de formação os arenitos são depósitos de areia aluvio­ nares, eólicas, aquosas etc., que ao sofrerem diagênese (processos natu­ rais químicos e físicos) no decorrer do tempo geológico transformam-se em camadas de rochas com maior ou menor resistência mecânica, dependendo do tempo e do tipo de processo diagenético atuante. Os processos diagenéticos mais comuns são a compactação, gerada pelo peso próprio da camada de sedimentos, a cimentação dos grãos, formada pela precipitação de elementos químicos nos poros soldando os grãos e a autigênese que é a formação de minerais in situ durante o processo diagenético. Os processos diagenéticos transformam os depósitos de areia em maciços rochosos areníticos, os quais, por apresentarem elevada coesão entre os grãos, passam a possuir maior resistência ao

cisalhamento, à erosão, à colapsividade, ao piping e à liquefação, sendo escavá­ veis somente com escarificadores associados a fogacho ou explosivos. Os depósitos de areia tais como depósitos recentes que ainda não sofreram processo diagenéticos, ou parte de depósitos antigos que não sofreram processos diagenéticos, isto é, não se transformaram em rocha, continuam sendo areias do ponto de vista da engenharia, isto é, materiais sem coesão, com baixa resistência e facilmente escaváveis. Em geologia, devido a definições clássicas as areias também são denominadas de arenito o que tem gerado inúmeros equívocos quanto à classificação e as propriedades geotécnicas/geomecânicas destes materiais na construção de obras civis. Camadas de areias podem também se originar pela desagregação de camadas de rochas areníticas expostas a processos intempéricos atuantes na superfície do terreno que desagregam os grãos formadores da rocha deixa­

SPT (30 golpes) recuperação (%)

Velocidade sônica (m/s)

ndo o material residual sem coesão e com baixa resistência. As camadas assim formadas encontram-se na superfície do terreno sendo denominadas de solo residual de arenito. Os autores agradecem aos engenheiros Clovis Leme e Laercio Monteiro pelas informações sobre os tafoni.

1. CLASSIFICAÇÃO DOS ARENITOS Os arenitos são usualmente classificados de forma expedita para fins de engenharia em quatro categorias segundo seu grau de coerência, para avaliação indireta de suas propriedades geomecânicas e resistência à escavação. A Tabela 1 apresenta a classificação basea­da no grau de coerência adotada pela ABGE (Associação Brasileira de Geologia de Engenharia Ambiental), tendo-se associado a mesma às propriedades geotécnicas correspondentes a cada categoria a partir de informações apresentadas por inúmeros artigos científicos publicados sobre o assunto.

Método de Execução (experiências de obra)

σc (MPa) MARANESI et al. (1983)

KOSHIMA et al. (1983)

-

A fogo

-

-

A fogo

Fogacho e escarifador CAT D8/9H

KAJI et al. (1981) OLIVEIRA et al. (1979) Vermelho: 100 Branco : 49 Parcialmente: 34 Pouco: 29 KOSHIMA et al. (1983) > 3.6 KOSHIMA et al. (1983) 3.6 – 0.4

60% – 100%

10% - 60%

SPT>60 2100 - 3000

Fogacho e Com lâmina de trator escarifador CAT D8/9H

800 - 1400

Com lâmina de trator

0% - 10%

KOSHIMA et al. (1983) 5<SPT<60 < 0.4 57 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

-


As categorias de arenito da Tabela 1 podem ser associadas, com algumas modificações, ao perfil de alteração típico para rochas areníticas proposto por Pastore & Fortes (1998) (Tabela 2). Desta forma ter-se-iam as duas primeiras categorias C1 e C2 apresentando comportamento de maciço rochoso, ou seja, maciços areníticos formados pelo conjunto da matriz rochosa arenítica e descontinuidades representadas pelos planos de acamamento, uma das estruturas sedimentares mais comuns e de maior persistência, e sistemas de fraturas e falhas. A terceira categoria C3 representaria os arenitos com resistência entre maciço rochoso resistente e arenito friável e a quarta C4 os arenitos friáveis/areias. Esta correlação tem grande importância prática pelo fato de ser necessária nos Projetos de Engenharia a interpretação das sondagens para definição das camadas que formam o terreno onde a obra será construída. Com relação ainda à Tabela 1, cabe esclarecer que areias aluvionares e eólicas com baixa ou nenhuma coerência, pelo fato de apresentarem composição granulométrica e comportamento geotécnico muito próximos ao de solo residual de arenito, podem também ser classificadas como C4. Como fundação de barragens ou estruturas, os arenitos são a “rocha” com maior amplitude de resistência à compressão (σc > 100 MPa até < 0,4 MPa). No caso de camadas de arenito é muito comum as camadas não serem homogêneas encontrando-se lentes ou mesmo camadas de areia (C4) intercaladas a camadas de arenito resistente (C2/ C1), devido a não uniformidade nos processos diagenéticos que atuaram no local. No caso de ritmitos, a intercalação de camadas de siltitos e argilitos de forma repetitiva e alternada com camadas de arenito também são bastante frequentes devido à própria gênese do depósito. A existência de camadas de areia (C4) intercaladas a camadas de arenito resistente (C2/C1) pode ser identificada facilmente em um talude natural ou de escavação pela ocorrência de “cavas”, originadas pela erosão interna (piping) destes materiais pelo fluxo de água (Fotos 1 e 2). NICK DOE (2004) se refere a certos tipos de cavas com gênese diferente do 58 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Tabela 2 – Correlação entre terminologia de perfil de alteração e classes de coerência de arenitos (PASTORE & FORTES, 1998) Material

Categorias de arenito (Tabela I)

Solo residual (não apresenta estruturas da rocha de origem)

C4

Solo saprolítico (apresenta estruturas reliquiares)

C3

Maciço rochoso

C2/C1

Foto 01 – Estratos de arenito friável (C4) intercalados em arenitos mais resistentes com “cavas” formadas por erosão interna (piping)

Fotos 02 – “Cavas” formadas pelo fenômeno de piping em camadas de arenito friável (C4)


de barragens em arenitos no Brasil, separar estes casos em dois grupos: um de estruturas com fundação em maciços areníticos e outro de estruturas com fundação em solo arenoso.

2.1 Estruturas com fundação em maciços areníticos Destas obras destacam-se a Eclusa de Porto Primavera e a UHE Dona Francisca pelos estudos mais aprofundados do comportamento e propriedades dos are­nitos. Inclui-se também, como dito anteriormente, as obras do Canal de Pereira Barreto devido aos valiosos estudos nelas realizados.

2.1.1 Eclusas de Porto Primavera – Pontal do Paranapanema Foto 03 – Típico tafoni esculpido em bloco de grandes dimensões de metarenito

piping como tafoni definidas como “pequenas cavas, encontradas em rochas granulares como arenitos, granitos e calcários arenosos com entradas arredondadas e paredes lisas e côncavas, frequentemente conectadas, adjacentes e ou em networked” (Foto 3). Estas “cavas”, no entanto, constituem-se mais em verdadeiras esculturas naturais do que em algum risco para as obras. As seguintes causas principais destas “cavas” segundo o mesmo autor seriam:  “erosão salina” sobre a cimentação quando argilosa;  Ciclos de secagem e umedecimento em regiões áridas;  Variações estruturais na permeabilidade;  Influência de gelo.

2. BARRAGENS COM FUNDAÇÃO EM ARENITOS NO BRASIL Apresenta-se neste artigo a experiência brasileira na construção de barragens em arenitos no Brasil, basea­da em artigos técnicos publicados e na experiência dos autores. Inclui-se neste trabalho a experiência nas obras do Canal de Pereira Barreto, interligação entre os reservatórios da UHE Ilha Solteira e UHE Três Irmãos, devido à quantidade e boa qualidade dos estudos e ensaios em arenitos ali realizados. Algumas 59 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

informações e experiências em PCHs construídas recentemente são também apresentadas e discutidas. Dos registros de barragens construídas em arenitos no Brasil, 19 estão incluídos na Tabela 3. Esta Tabela mostra que doze obras possuem estruturas de concreto com fundação em arenitos, seis obras de terra com fundação em arenito e uma é relativa a taludes de escavação de canal. Das que possuem estruturas de concreto, oito tem fundação em maciço arenítico ou maciço de arenito brando e quatro em solo arenoso. Além das obras citadas na Tabela 3 foram ainda construídas sobre arenito no Brasil as barragens de Boa Esperança, Tinguís e Caldeirão (PI), Buriti, Garganta da Jararaca, Paranatinga, Canoa Quebrada e Itiquira (MT), Espora (GO), Estreito (MA), Gramame Mamuaba (PB), Ourinhos (SP/PR), Ponte de Pedra (MS). Em função desta constatação e do grande contraste de propriedades e comportamento existente entre as categorias C4/C3 (solo arenoso) e C2/ C1 (maciço arenítico), pelo fato de as primeiras apresentarem propriedades e comportamento típico de solos, e as segundas propriedades e comportamentos típico de maciços rochosos constituídos por rochas brandas e/ou duras, torna-se fundamental, para uma análise geotécnica mais aprofundada

Os estudos sobre os arenitos das Eclusas da UHE Porto Primavera foram publicados por MARANESI et al. (1983) quanto aos aspectos geológico-geotécnicos destas rochas na fundação, por NOGUEIRA JR et al. (1983) no tocante ao comportamento geotécnico nos taludes e por RÉ et al. (1983) sobre as características geomecânicas. Os arenitos que formam os maciços onde foram implantadas as eclusas da UHE Porto Primavera pertencem à Formação Caiuá do Grupo Bauru de idade Cretácea. A Formação Caiuá ocorre nas regiões noroeste do Estado do Paraná, sudeste do Mato Grosso e no Pontal do Paranapanema no Estado de São Paulo. No local de implantação das eclusas ocorrem os seguintes tipos de arenito:

Eclusa temporária

• Arenito C1 a C2 na parte inicial e final do canal de montante, na câmara de carga e canal e ponte de jusante. • Arenito C3 a C4 no restante. Este are­nito foi escavado com lâmina de trator. Durante as escavações os taludes sofreram ruptura devido à baixa coerência do arenito e a ocorrência de “fontes” com vazões da ordem de 1.000 litros/hora, obrigando ao abatimento dos mesmos.

Eclusa definitiva

• Arenito C1 a C2 nos canais de montante e de jusante. • Arenito C3 a C4 intercalado com arenito C1 a C2 na câmara de carga e parte jusante do canal de montante.


Tabela 3 – Barragens no Brasil construídas em arenitos NOME

ESTADO

ANO DE CONCLUSÃO

ESTRUTURA

MATERIAL DA FUNDAÇÃO

Anel Dom Marco

RS

1972

Vertedouro

Maciço de siltito/arenito/folhelho

Baruíto

MT

1992

Vertedouro e casa de força

Arenito friável (solo arenoso)

Canal de Pereira Barreto

SP

1990

Taludes

Maciço de Arenito

Casca III

MT

1971

Vertedouro

Maciço de arenito

Curuá Una

PA

1976

Vertedouro e Casa de Força

Arenito Inconsolidado (solo arenoso)

Dona Francisca

RS

2001

Vertedouro e Casa de Força

Maciço de arenito

Eclusas de P. Primavera

SP

1990

Taludes e Câmara de carga

Maciço de arenito

Isamu Ikeda

GO

1982

Vertedouro

Maciço de Arenito brando

Jaburu I

CE

1983

Vertedouro Barragem de terra

Arenito coerente com intercalações de arenito friável (solo arenoso)

Jurumirim

SP/PR

1962

Barragem de Terra

Arenito friável

Mesa de Pedra

PI

2000

Barragem e Vertedouro

Maciço arenítico

Piracuruca

PI

1992

Vertedouro

Arenito friável (solo arenoso)

Pitinga

AM

Casa de força

Arenito brando

Porto Primavera

SP/PR

2003

Barragem de Terra

Arenito friável

Pedra Redonda

PI

1999

Barragem de Terra

Arenito friável - aluvião

Retiro Velho

GO

2008

Casa de força/Vertedouro

Maciço de arenito brando

Rosana

SP/PR

1987

Barragem de Terra

Arenito brando

Sítio Grande

BA

2012

Barragem de terra e vertedouro

Arenito brando

Xavantes

SP/PR

1970

Barragem de Terra

Arenito brando

Área de montagem Esta estrutura encontra-se localizada na eclusa temporária junto à câmara de carga. A fundação da mesma é cons­ tituída por arenito rítmico de cor roxa com cimentação limonítica com coe­ rência C2 a C1. As superfícies finais de escavação apresentaram escalonamento devido aos planos de acamamento. O comportamento do arenito nas paredes de escavação e na fundação de acordo com os dados e fotografias apresentadas nos artigos publicados é claramente de um maciço rochoso constituído por rocha arenítica e sistemas de fraturas, as quais foram responsáveis em grande parte pela ocorrência de algumas rupturas nos taludes e 60 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

irregularidades na superfície de fundação devido às escavações a fogo. Os ensaios de laboratório e in situ realizados com amostras do arenito Caiuá das Eclusas foram: caracterização, densidade natural e porosidade, compressão simples, cisalhamento direto, compressão triaxial, permeabilidade, deformabilidade in situ, erodibilidade e ensaios dinâmicos.

2.1.2 UHE Dona Francisca – Estado do Rio Grande do Sul Os materiais constituintes das fundações das estruturas de concreto da UHE Dona Francisca são constituídos por arenitos e níveis de siltito e argilito intercalados. No início dos estudos de projeto havia preocupação com o com-

portamento dos arenitos em relação à estabilidade das estruturas, mas no decorrer dos estudos do Projeto Básico constatou-se que, na realidade, os condicionantes geológicos se referiam aos níveis de siltito/argilito devido à sua baixa resistência ao cisalhamento. Em vista disto os ensaios realizados foram conduzidos para caracterizar não somente os arenitos, mas principalmente estes níveis de materiais. Os resultados de ensaios de compressão uniaxial rea­ lizados com os arenitos, classificados em três tipos básicos, constam da Tabela 4 onde se verifica que estes apresentam consideráveis resistências à compressão, todas correlacionáveis as categorias C1/C2 da Tabela 1.


Além dos ensaios de compressão simples foram realizados com os arenitos ensaios de massa específica aparente seca e saturada, porosidade aparente, absorção d´água e deformabilidade. Para os níveis de siltito/argilito, condicionantes da estabilidade das estruturas foram retiradas amostras para caracterização e ensaios da resistência ao cisalhamento.

Tabela 4 – Resistência à compressão uniaxial dos arenitos Arenito

σ (MPa)

1

5 a 29

2

4 a 12

3

17 a 22

Tabela 5 – Resistência à compressão simples de solo residual de arenitos e arenitos Material

Resistência à compressão simples (MPa)

2.1.3 Canal de Pereira Barreto – Estado de São Paulo

Solo residual

σc < 0,4

Os estudos sobre os arenitos do Canal de Pereira Barreto foram publicados por KAJI et al. (1981), a respeito dos aspectos metodológicos das investigações geológico-geotécnicas, por KOSHIMA et al. (1983), no tocante ao comportamento e propriedades geomecânicas, e por KOSHIMA et al. (1983), sobre os aspectos construtivos. Os arenitos que formam os maciços onde foi escavado o referido canal pertencem à Formação Santo Anastácio do Grupo Bauru, Grupo de idade Cretácea e que ocorre na maior parte do Planalto Ocidental do Estado de São Paulo, assim como no Triângulo Mineiro, sul do Estado de Goiás, sudeste do Estado do Mato Grosso e noroeste do Estado do Paraná. A litologia predominante deste Grupo é arenito fino a médio com grãos arredondados, com cimento argiloso, ferrífero e carbonático, de coloração castanha, marrom avermelhado a arroxeada. Ocorrem também neste grupo arenitos grosseiros conglomeráticos, ricos em feldspatos e minerais pesados. No sítio da obra o pacote arenítico predominante é constituído por areias de granulação fina a média, cimentação argilosa e ferrífera, coloração avermelha­ da, por vezes amarelada e arroxeada, visualmente homogêneo. O sistema de fraturamento é pouco pronunciado. Outros dois tipos litológicos também são encontrados no maciço na forma de lentes sendo constituídos por are­ nito brechóide e argilitos, ambos com cimentação carbonática. Um terceiro tipo litológico também encontrado no maciço tem as mesmas características do pacote arenítico predominante exibindo, como diferencial alternância de laminas milimétricas de cor claras e marrom-avermelhadas. Na porção superficial do maciço ocorrem ainda

Arenito B1

0,4 < σc < 1,2

Arenito B2

1,2 < σc < 3,6

Arenito B3

3,6 < σc

61 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

depósitos aluvionares e coluvionares, além de solo residual de arenito tendo este também sido estudado do ponto de vista geotécnico. Devido ao aspecto homogêneo do arenito o mesmo foi subdividido em três categorias: B1, B2 e B3, em função da resistência à compressão simples, cujos resultados, juntamente com os do solo residual, são apresentados na Tabela 5. As principais propriedades, caracterís­ ticas e comportamentos destes are­ nitos estudados pelos autores inicialmente mencionados foram: Em laboratório: Caracterização e abrasão Los Angeles; Análise Petrográfica e mineralógica; Resistência à compressão simples; Resistência à tração; Resistência ao cisalhamento; Deformabilidade. Em campo: Tensões iniciais do maciço arenítico; Velocidade sísmica de refração; Permeabilidade do maciço arenítico; Comportamento do arenito submetido à intempéries; Material de construção; Material remanescente na superfície dos taludes; Erodibilidade na superfície dos taludes; Testes de escava­ ção; Acabamento dos taludes; Granulometria dos arenitos após escavação; Variação do lençol freático durante as escavações; Desagregação do arenito; Recuperação da área; Determinação do topo rochoso com base em SPT (Standard Penetration Test) e sísmica. Os arenitos estudados nas três obras anteriormente citadas são arenitos predominantemente coerentes (C1/ C2) cujo comportamento geomecânico se aproxima de rochas cujo desempenho como materiais de fundação de

estruturas de concreto e estabilidade de taludes é considerado satisfatório. Não são suscetíveis a fenômenos de erosão superficial e nem subterrânea como no caso dos arenitos friáveis.

2.2 Estruturas com fundação em solos arenosos (arenito C4) Das seis obras construídas em solos arenosos, aqui incluídas estruturas de concreto e barragens de terra, verifica-se que foram realizados ensaios geotécnicos de laboratório apenas na obra de Curuá-Una para avaliação do comportamento dos materiais como fundação das estruturas de concreto, sendo estes ensaios rotineiros (infiltração em furos de sondagem e triaxiais e de adensamento em laboratório) e nas obras de Porto Primavera e Pedra Redonda, onde as campanhas foram mais elaboradas, incluindo até ensaios de liquefação para estudo do comportamento das areias nas fundações das barragens de terra. Resultados dos ensaios destas duas últimas obras encontram-se em CRUZ (1996). Ainda são poucos os estudos realizados em arenitos friáveis quando comparado com os arenitos coerentes, sendo que os tipos friáveis são os responsáveis pelo maior número de problemas nas obras tal como erosão interna (piping).

3. ANOMALIA E RISCO GEOLÓGICO O termo anomalia geológica pode ser empregado de duas formas: uma primeira utilizada em mineração referindo-se a ocorrência de um ou mais corpos com


concentração elevada de minerais de interesse econômico em uma determinada região e uma segunda, normalmente incluída em documentos de contrato e relatórios técnicos de engenharia, significando feições geológicas conhecidas com probabilidade de impactar de forma negativa a estabilidade e a estanqueidade de estruturas de engenharia, mas cuja previsão quanto as suas dimensões e forma exata de ocorrência é muito difícil. Por exemplo, cavernas, vazios e aberturas em formações cársticas são anomalias geológicas conhecidas, mas suas dimensões, extensão, forma e frequência de ocorrência em um determinado sítio dificilmente podem ser definidas em uma campanha de investigações realizada dentro de padrões usuais. O problema, portanto, não está em se prever a ocorrência de “anomalias geológicas”, porque tais anomalias são próprias da natureza dos maciços rochosos, mas em se prever em que medida tais formações requerem tratamentos e qual a extensão, custo, tipo, e prazos que serão necessários para sua execução. Em maciços rochosos das mais variadas naturezas sempre deverão ocorrer feições menos cimentadas, feições frágeis de baixa resistência, bolsões de areia em meio a um maciço mais resistente, feições permeáveis, formações de baixa resistência à passagem de água, blocos de quartzito de alta resistência, camadas de rochas duras e outras alteradas e/ou muito alteradas etc. A experiência dos últimos 50 anos mostra que a localização, a extensão, a forma de ocorrência, e as dimensões de tais feições só são possíveis de serem conhecidas plenamente quando se escava a área e as feições são expostas, mapeadas, medidas e ensaiadas. E é somente nessa ocasião que os tratamentos necessários podem ser definidos, dimensionados e executados. À luz destas considerações entende-­se como risco ou imprevisto geológico a ocorrência de feições geológicas que apresentam interferência na estabilidade e/ou estanqueidade de estruturas de engenharia que não foram identificadas ou bem delimitadas nos estudos de projeto devido a limitações das técnicas de investigação e que se revelam somente nas escavações. No caso de arenitos tais feições são usualmente delgados estratos 62 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

cruzados de arenito friável (C4) permeáveis e suscetíveis a piping intercalados em estratos cruzados de arenitos resistentes cuja distribuição espacial só é possível de ser conhecida nas escavações. Uma das formas de se reduzir a ocorrência de risco geológico em arenitos é a de se utilizar barriletes triplos nas sondagens para recuperação de 100% do material perfurado e perfilagem óptica dos furos (televisionamento). Além disto, delegar a um profissional experiente a incumbência de descrever os testemunhos das sondagens com base principalmente no grau de coerência do material e a interpretação e elaboração de seções e modelos geológicos seguindo os preceitos consagrados dos ambientes deposicionais de sedimentos. Somando-se a isto é fundamental que toda a equipe de projeto atue de forma integrada para que todos tenham pleno conhecimento da natureza e propriedades do maciço de fundação e que a escolha das melhores soluções de engenharia para implementação dos dispositivos de controle de fluxo seja feita de forma criteriosa e correta.

4. DISPOSITIVOS DE CONTROLE São inúmeros os dispositivos de controle de fluxo pela fundação de uma barragem que se podem utilizar para controle das vazões e combate ao piping. A escolha de cada tipo vai depender da natureza da fundação, altura da coluna d’água, custo e cronograma. O sistema de controle de fluxo contemplando dispositivos de vedação e de drenagem para cada caso deve ser projetado e dimensionado com base em análises de percolação (por elementos finitos) as quais possibilitam avaliar a eficiência das possíveis soluções. Para isto é fundamental que a modelagem seja feita com base em dados de investigação e ensaios confiáveis.

4.1 Dispositivos de vedação da fundação Os dispositivos de vedação têm por finalidade impedir total ou parcialmente a percolação pela fundação, neste caso reduzindo as vazões e os gradientes a níveis aceitáveis.

4.1.1 Fundação de estruturas de concreto e barragens

de terra ou enrocamento constituídas por arenito coerente (C1/C2) A percolação ocorre pelas fraturas e planos de acamamento podendo ser utilizado como dispositivo de vedação a clássica cortina de injeção com calda de cimento, pois nestas feições a calda penetra quando aplicada sob pressão.

4.1.2 Fundação de estruturas de concreto e barragens de terra e enrocamento constituídas por arenito coerente (C1/C2) com intercalações de camadas delgadas ou pouco espessas de arenito friável (C4) A percolação ocorre pelas fraturas dos arenitos C1/C2 e pelas camadas de arenito friável. A utilização de injeção de cimento somente atinge as fraturas dos arenitos C1/C2, porque não conseguem penetrar nos poros do arenito friável. Os dispositivos de vedação da fundação têm como objetivo interceptar as camadas do arenito friável, o que se pode fazer com trincheiras ou chavetas preenchidas com solo (no caso de barragens) e concreto (estruturas). Se as feições permeáveis ocorrem também em profundidade tem-se recorrido a injeções de cimento que como vimos só é eficiente nas fraturas dos arenitos C1/C2. Se a ocorrência destas feições se estende também às ombreiras da barragem, uma solução mais radical pode ser necessária para evitar que a água percolada surja à jusante e instabilizando taludes da ombreira a jusante da obra. Nesse caso pode-se recorrer ao jet grouting, ou mesmo a um diafragma plástico penetrando ombreira adentro.

4.1.3 Fundação de barragens de terra ou enrocamento constituída por camada de arenito friável com pequena espessura sobre arenito coerente

Cutoff com profundidade de 3-4 m ou até atingir o arenito coerente conjugado com tapete impermeabilizante a montante pode ser suficiente. Para garantir-se uma boa performance do tapete os autores recomendam a aplicação de uma manta tipo PEAD (Polietileno de Alta Densidade), sob o tapete.


4.1.4 Fundação de barragem de terra ou enrocamento constituída por camada de arenito friável com espessura média sobre arenito coerente

Cutoff conjugado com trincheira de vedação, desde que o fundo fique em arenito coerente pode ser suficiente. Como nos demais casos este tratamento deve ser completado com um sistema de drenagem à jusante.

4.1.5 Barragem de terra ou enrocamento de pequena altura fundada em camada de arenito friável com grande espessura sobre arenito coerente Trincheira de vedação parcial, mesmo não alcançando a rocha impermeável, juntamente com tapete impermeabilizante a montante pode ser suficiente. Analisar as condições das ombreiras.

4.1.6 Barragem de terra ou enrocamento com grande altura, em fundação constituída por camada de arenito friável com grande espessura sobre arenito coerente A solução com trincheira de vedação pode exigir escavações profundas porque é necessário atingir o arenito coerente. Uma combinação de uma trincheira parcial trapezoidal seguida de uma trincheira vertical (tipo cut-off) preenchida com solo argiloso ou concreto dependendo da compressibilidade do arenito friável atingindo o arenito coerente pode ser aceitável. O tratamento das ombreiras pode requerer como no caso anterior uma solução mais radical. Este tratamento deve se estender às ombreiras. A solução por jet grouting visa a formação de uma “parede” formada por colunas adjacentes alinhadas, ou em 2 linhas para melhor vedação. Soluções por jet grouting nem sempre conseguem ser efetivas, porque a formação das colunas depende da penetração e remoção do arenito friável. Nestes casos o diafragma plástico é mais garantido.

4.2 Dispositivos de drenagem O controle efetivo do fluxo resultante da percolação da água, e as perdas que podem ocorrer nos sistemas de vedação das estruturas, só são conseguidos 63 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

combinando-se a vedação com a drenagem. Esta tem a função de conduzir as águas percoladas ou que passam pelas estruturas para fora da área da fundação e das ombreiras de forma segura. Complementando os dispositivos de vedação indicados no capitulo anterior, o projeto de drenagem, abrangendo filtros verticais, drenos horizontais, poços de alívio, trincheiras drenantes, tapetes drenantes etc., são soluções de proteção importantes no tratamento de fundações em arenito. Estas soluções de vedação e drenagem requerem investigações de campo e exposição das fundações e ombreiras muitas vezes ainda pouco conhecidas na fase de projeto, por exemplo, ocorrência de “cavas” mencionadas no item 1 deste artigo podem estar mascaradas pelas camadas de solo e pela vegetação e só são conhecidas quando o solo e a vegetação são removidos. A erosão interna e piping são responsáveis pela maioria dos acidentes e rupturas de barragens. No caso de fundação em arenitos, a construção de cutoff, sistema de drenagem interna, drenos de alívios e a colocação de materiais granulares nas áreas de jusante, de modo a reduzirem-se os gradientes de fundação e de saída são soluções aplicáveis e que têm garantido a segurança na fase pós-enchimento. O dimensionamento e a escolha dos materiais do sistema de drenagem interna fazem parte do conjunto de medidas de proteção, que não podem ser reduzidos pelo projetista, entre essas medidas estão os Critérios de Filtro (TERZAGHI-BERTRAM) e de retenção, empíricos, entre os materiais de filtros e da base, que devem ser aplicados. Esses critérios consideram os temas de retenção (e proteção contra erosão progressiva) e de permeabilidade. Na escolha dos materiais a serem aplicados nos drenos, filtros e transições, outras considerações devem ser atendidas tais como: granulometria e potencial de segregação dos materiais, materiais não coesivos etc. O critério de limitar-se o diâmetro máximo (Dmx) do grão ou partícula a 7,5 cm (3 polegadas) de modo a limitar-se a segregação durante o lançamento (filtros sanduíches, transições núcleo de solo e enrocamento), deve ser considerado na fase de projeto e observados na construção. Materiais bem graduados,

com CNU (D60/D10) ≥ 25 não são recomendados. Materiais bem graduados, como cascalho ou britas largamente graduados, potencialmente tornam incompatíveis e ao não atendimento ao Critério D85/D15 de filtro, de TERZAGHI-­ BERTRAM, abaixo mencionados: i) para prevenir o piping e proteção contra ao carreamento de partículas de arenito:

Sendo B material base a proteger e F (filtro). Os materiais coesivos são, em geral, menos suscetíveis ao piping. CRUZ (1995) recomenda que desde que haja experiência nos materiais em estudo e se executem ensaios especiais de filtragem, o valor pode ser acima de 5. ii) Para atender a condição de dreno, deve-se atender à condição abaixo:

Ambas as expressões são bastante conhecidas na engenharia de barragens. Complementarmente, na escolha da areia, a limitação da percentagem de finos < #200 (0.0074mm) < 3% é altamente recomendada, em vista da influência sensível de finos na permeabilidade dos materiais dos drenos. Em ombreiras muito inclinadas recomenda-se que as transições sejam alargadas, em vista de ocorrência de zonas de tensões e trincas nessas áreas. Recomendação essa estendida em regiões sujeitas a fenômenos sísmicos. Um dos fenômenos potenciais de ocorrências em arenitos, assim como em solos aluvionares é a formação de orifícios como os tafoni e outras feições como os das fotos 7 e 8, que posteriormente com aumento das infiltrações levam à formação de crateras ou orifícios (sinkholes) e a intensa erosão interna com a ocorrências de rupturas, caso não haja intervenção imediata. SHERARD (1979) relata a ocorrência de crateras (sinkholes) após intervenções por injeções nas fundações, em barragens de solos de origem glacial ou com


propriedades semelhantes, tais como: granulometria altamente bem graduadas com diâmetro máximo (Dmx) de cascalho ou britas e siltes e argilas no lado fino da curva granulométrica. DE MELLO (1975) aborda o tema da erosão interna e instabilidade, e resistência da porção fina, propondo que analiticamente o material pode ser dividido granulometricamente em duas porções no peneiramento e sedimentação, com respeito do Critério de Filtros de modo a avaliarem-se as variações de granulometria dos solos naturais. Sherard aplicou o método em um solo glacial (que podem resultar também de misturas de solos aluvionares e coluvionares ou de aluviões), separando a granulometria do solo em duas porções na fração de 1,0 mm. Obtendo-se assim, duas curvas: a fração fina (< 1,0 mm), onde se obtém o valor de D85. E, uma fração grossa (>1,0 mm) onde se obtém o D15. O exemplo citado por SHERARD mostrou não atendimento do solo aos Critérios de Filtros, com esse método analítico (D85/D15< 4 a 5). Na prática, se ambos os solos fossem colocados adjacentes, a porção mais fina poderia potencialmente penetrar nos vazios da fração mais grossa, durante a percolação. Ou no caso extremo, o arrasto do material fino através dos vazios poderia iniciar um processo de erosão interna. Em fundação de arenito, onde a execução de injeções ao longo do eixo sob o cutoff e nas ombreiras torna-se frequentemente pouco efetivas, a ocorrência de sinkholes na fundação do maciço de jusante pode ocorrer se uma “barreira” de proteção (parede diagrama ou muro de concreto), não for executada. Uma das razões pela não efetividade das injeções é a dissolução da cimentação dos arenitos com a passagem da água. Na medida em que a cimentação do arenito se perde por reações químicas entre a água e o “cimento”, o arenito se torna areia fina, facilmente carreável se houver saída livre a jusante. O processo erosivo ocorre de traz para frente, ou seja, de jusante para montante. Este fenômeno ocorreu numa barragem no Estado do Ceará na fundação de vertedor, canal de descarga e em uma das ombreiras, em diversas ocasiões e vários anos após o termino da construção da barragem (Souza, 2013). 64 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

CONCLUSÔES Em maciços rochosos de arenitos sempre deverão ocorrer feições menos cimentadas, feições frágeis de baixa resistência, bolsões de areia em meio a um maciço mais resistente, feições permeáveis e formações de baixa resistência, formando caminhos preferencias de passagem de água e formação de erosão interna. A experiência das ultimas décadas mostra que a localização e as dimensões de tais feições só são possíveis de serem conhecidas plenamente quando as feições são expostas, mapeadas, medidas e ensaiadas. E é somente nessa ocasião que os tratamentos necessários podem ser definidos ou corrigidos e executados. O programa de investigações deve utilizar barriletes triplos nas sondagens para recuperação de 100% do material perfurado e perfilagem óptica dos furos, além da participação de profissionais experientes na descrição e classificação dos testemunhos das sondagens, com base principalmente no grau de coerência do material, interpretação, elaboração de seções e modelos geológicos. Todos esses procedimentos, infelizmente nem sempre seguidos, contribuem para ampliar a ocorrência de risco geológico em arenitos e colapso das estruturas e taludes naturais.

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EM FOCO

FUNDAÇÕES EM SOLOS ARENOSOS IDENTIFICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DE SOLOS ARENOSOS A definição do tipo de solo utiliza alguns critérios: • Exame tátil visual de amostras deformadas obtidas nas sondagens usuais SPT (Standard Penetration Test); • Análise granulométrica e outros ensaios efetuados em laboratório; • Correlações utilizando o ensaio CPT (Cone Penetration Test); • Correlações utilizando o ensaio DMT (Dilatometric Marchetti Test); • Outros procedimentos. De uma forma simplificada, pode-se dizer que solos arenosos são aqueles cujos grãos são predominantemente da fração areia. Entretanto, como na natureza, raramente ocorrem solos puros, a denominação areia é, em geral, complementada pela consideração das características dos demais solos constituintes da amostra em estudo. Assim, uma areia fina, com presença de silte e argila é classificada como areia fina silto argilosa. Nas tradicionais sondagens à percussão, designadas por SPT, é usual adicionar-se outro adjetivo, relativo à compacidade da areia. Para tal, são considerados os valores dos índices de penetração medidos, NSPT (Índice de Resistência à Penetração), de acordo com a prática brasileira. Uma tabela relacionando a compacidade com os valores de NSPT é utilizada. Entretanto, a aplicação direta dessa tabela não é recomendável e pode conduzir a importantes equívocos. De fato, a resistência à penetração, NSPT, medida numa sondagem convencional SPT, depende não apenas da compacidadeda areia, mas também e principalmente do estado de tensões a que essa amostra de solo está submetida. Segundo Décourt, observa-se que, uma areia com valor 66 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

de NSPT = 20, a uma profundidade de 25 m é fofa e a uma profundidade de 1m é muito compacta. Alguns autores dão grande ênfase a uma classificação minuciosa das características das areias, distinguindo, por exemplo, uma areia silto argilosa de uma areia argilo siltosa. Em nosso ponto de vista, trata-se de um preciosismo sem nenhum interesse na prática da engenharia. No Brasil, assim como na imensa maioria dos outros países, a investigação do solo se limita ao ensaio SPT. Outros ensaios como o SPT-T (ensaio SPT complementado por medidas de torque) o ensaio CPT, o ensaio DMT são utilizados em muito menor escala. No caso de areias finas, abaixo do nível d’água, NA, o SPT convencional pode conduzir a graves erros no que concerne à sua classificação quanto à sua compacidade e/ou resistência, mesmo considerando-se, adequadamente, o efeito profundidade. Assim, para areias compactas, a geração de pressões neutras negativas pode induzir a resultados contra segurança. Já para areias fofas, resistência abaixo de dez, especialmente para valores de NSPT muito baixos, tipicamente dois ou três ocorre, justamente o oposto, isto é, a geração de pressões neutras positivas, o que faz com que, irrealisticamente, os valores medidos de NSPT sejam demasiadamente baixos. A utilização de medidas de torque, por serem estáticas, elimina esse problema, daí a grande superioridade do SPT-T com relação ao SPT convencional.

DIMENSIONAMENTO DE FUNDAÇÕES DIRETAS EM SOLOS ARENOSOS Esse dimensionamento é feito com base nos parâmetros obtidos nesses ensaios. É importante destacar que na moderna engenharia de fundações,

esse dimensionamento deve se basear em considerações de recalque e não de capacidade de carga. Em decorrência disso, conceitos tradicionais, largamente utilizados, como o de tensão admissível do solo, perdem totalmente o sentido. As fundações utilizadas em solos arenosos são, basicamente, as mesmas utilizadas em outros solos. Os fatores determinantes são os índices dados pelos ensaios efetuados e a posição do nível do lençol freático. Há aproximadamente 25 anos, Décourt e Quaresma Filho, aproveitando uma sugestão de Ranzini, introduziram as medidas de torque no tradicional SPT, que assim, passou a ser designado por SPT-T. A observação de que, para solos da BSTSP (Bacia Sedimentar Terciária de São Paulo), a relação entre o valor medido de torque (T) em kgf.m, dividido pelo valor de NSPT dá um número em torno de 1,2, induziu esses autores a definir o que chamaram de Neq (N equivalente). Neq = T (kgf.m) / 1,2 A análise da aplicabilidade do SPT para outros solos, fora da BSTSP sugere que, se utilizado o conceito de Neq, as correlações estabelecidas para os solos da BSTSP poderiam ser aplicáveis a quaisquer outros solos. Essa sugestão foi inicialmente apresentada como um postulado. Muitos anos depois, Décourt publicou um artigo intitulado “O Conceito de N-Equivalente (Neq) na Prática da Engenharia, ainda um postulado ou já uma realidade comprovada?”. Nesse trabalho, ficou evidenciado que essa conceituação deixava de ser um postulado para se tornar uma realidade comprovada. Algumas das maiores aplicações do conceito de Neq são extremamente úteis, especialmente no caso de solos arenosos. Sabe-se, de longa data, Terzaghi e Peck que para


areias finas e siltes abaixo do lençol freático, os valores de número de golpes do ensaio não refletiam as reais características desses solos. Estes autores então propuseram que para areais finas com valores de NSPT (americano) superiores a 15, os valores a serem utilizados em projeto deveriam ser reduzidos. Considerando as diferenças de eficiência, então o SPT americano das décadas de 1940/1950 e as do SPT brasileiro, isso implicaria em se corrigir esses valores para NSPT (brasileiro) igual ou superior a 10. O que interessa ao engenheiro prático é que a utilização pura e simples dos resultados de ensaios SPT, em areias finas abaixo do lençol d’água, pode conduzir a erros de até três vezes, contra a segurança, no caso de valores de NSPT superiores a 10 e de erros de até dez vezes, a favor da segurança para valores de NSPT inferiores a 10. Não é por outra razão que é muito difícil dimensionar fundações em areias finas, abaixo do nível freático, com base apenas nos resultados do NSPT. Já a utilização do SPT-T elimina quaisquer dúvidas a esse respeito. A moderna engenharia de fundações utiliza no dimensionamento de sapatas, critérios de recalque e não de capacidade de carga. Dentro dessa conceituação, como já anteriormente dito, o conceito de tensão admissível desaparece. Além do mais, é necessário enfatizar o objetivo de se conseguir recalques diferenciais praticamente nulos. Esses cálculos podem ser feitos de forma muito simples e muito confiável, utilizando-se o proposto por Décourt

Foto 01 - Detalhes do sistema de rebaixamento wellpoints

log q/quc = C + C log (s/Beq) • C (Coeficiente de Compressibilidade Intrínseca) • s (Recalque da Sapata) • q (Tensão Aplicada pela Sapata) • quc (Tensão de Ruptura Convencional) • Beq (Largura Equivalente da Sapata) O valor do coeficiente “C” é obtido através de provas de carga e é função apenas das características dos grãos constituintes do solo. Assim, para areias com grãos de quartzo (maioria dos solos brasileiros), C=0,42 ± 0,4. 67 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Foto 02 - Detalhes de uma fundação direta típica

A utilização do valor C=0,42 atende bem a maioria dos casos. Já para areias calcárias, o valor é cerca de 50% a 60% maior. Voltando ao assunto de classificação de solos, não há necessidade de se considerar mais que três tipos, designados por tipo I, tipo II e tipo III: • Tipo I: areias em geral, sedimentares e/ou residuais.

• Tipo III: argilas saturadas. • Tipo II: todos aqueles não enquadradosnos tipos I e III. É interessante observar que para solos tipo II, solos intermediários, a tensão de ruptura convencional quc em kgf/ cm² é, numericamente, igual ao NSPT. Para solos tipo I, areias, esse valor é 20% maior e para solos tipo III, argilas saturadas, é 20% menor.


Arquivo Pessoal

sionadas assim são muito mais seguras e econômicas do que as executadas da forma convencional. No presente caso, essa solução alternativa conduziu a custos da ordem de 1/3 dos originalmente previstos.

Foto 03 - Situação imediatamente antes da concretagem de uma Estaca-T, constituída por bloco sobre duas estacas do tipo hélice contínua

PROBLEMAS COM EXECUÇÃO DE FUNDAÇÕES DIRETAS EM SOLOS ARENOSOS A maior limitação relativa à execução de fundações diretas em solos arenosos diz respeito à presença de lençol freático (NA). Se houver necessidade de o terreno ser escavado abaixo do lençol freático e esse terá que ser rebaixado. Para isso deverão ser utilizadas ponteiras ”wellpoints”, jamais devendo-se utilizar bombeamentos convencionais, que poderiam comprometer, irremediavelmente, as características do solo (foto 1).

PROBLEMAS COM A EXECUÇÃO DE FUNDAÇÕES PROFUNDAS EM SOLOS ARENOSOS Quanto às fundações profundas, estacas de todos os tipos podem ser executadas nestes solos. Um cuidado especial deve ser tomado no caso da utilização da estaca tipo Strauss, cujas pontas devem, obrigatoriamente, estar em solo argiloso rijo, jamais em areia. Tubulões a céu aberto, ainda 68 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

muito utilizados, não devem ser executados em solos arenosos abaixo do nível d’água (NA).

CASO DE OBRA Na cidade de São Paulo (SP) são raras as fundações apoiadas em areias puras. A título de exemplo é apresentada uma fundação em sapatas e em algumas poucas Estacas-T, em areia praticamente pura, da orla marítima de Salvador (BA). Trata-se do Empreendimento Top Imbuí, da Construtora Ampla Imbuí SPE Ltda. A foto 2 retrata uma fundação direta típica. Já a foto 3 mostra uma situação imediatamente antes da concretagem de uma Estaca-T, constituída por bloco, sobre duas estacas do tipo hélice contínua. Foram executados ensaios tipo SPT-T e rebaixamento do lençol freático com “wellpoints”. As sapatas foram dimensionadas com a utilização do software RecZero que através da utilização de tensões diferentes, para cada sapata, conduzem a recalques diferenciais mínimos, quase zero. Fundações dimen-

Luciano Décourt é engenheiro civil formado pela Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo) em 1963. Possui pós-­ graduação pela mesma universidade e pela Universidade de Harvard, Estados Unidos, 1964 e 1965. Iniciou sua carreira no IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), na seção de solos, em 1964. De 1967 a 1973, foi chefe do departamento de Mecânica dos Solos da empresa Brasconsult Engenharia de Projetos S/A. Em 1969 fundou o Laboratório Rankine de Engenharia Civil Ltda., sendo seu principal executivo até 1978. Em 1973 fundou a Luciano Décourt Engenheiros Consultores Ltda., atual Luciano Décourt Consultoria S. S. Ltda. Nessa empresa elaborou centenas de projetos de fundações de edifícios, obras industriais etc. Em 1994 fundou a ETF, Estacas T Fundações Ltda., da qual foi diretor-técnico. De 1968 a 1978, lecionou Mecânica dos Solos na FAAP (Faculdade de Engenharia da Fundação Armando Alvares Penteado), inicialmente como professor assistente, passando depois a professor-adjunto e finalmente a professor titular. Pertence a diversas associações profissionais, tendo sido dirigente de todas elas, em especial, a ISSMGE (International Society for Soil Mechanics and Geotechnical Engineering) da qual foi vice-presidente entre 1989 e 1994. Fez parte de diversas comissões técnicas, tanto brasileiras quanto internacionais para a normalização de ensaios e projetos de fundações. Foi um dos autores da Norma Internacional para o SPT. Tem mais de 130 trabalhos publicados, a sua maioria em inglês.


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ACONTECE

IX CBPE ACONTECE NO RIO DE JANEIRO E DESTACA OBRAS PARA OS JOGOS OLÍMPICOS Congresso será realizado entre os dias 18 e 20 de maio apresentando as revitalizações e as construções feitas na cidade-sede das Olimpíadas de 2016

Fotos: Divulgação / CBPE

Por Dafne Mazaia

O IX CBPE ocorrerá entre os dias 18 e 20 de maio, no Rio de Janeiro

Entre os dias 5 e 21 de agosto, a cidade do Rio de Janeiro será a sede de um dos eventos esportivos mais esperados por atletas do mundo todo: os Jogos Olímpicos. Sua última realização foi em Londres, na Inglaterra, em 2012. A cidade londrina investiu mais de 9 bilhões de libras para construir seu parque olímpico, na época, com o propósito de ser o país mais sustentável a sediar as Olimpíadas. Em 2016, o Brasil recebeu a missão de ser o espaço para abrigar os jogos. Ao longo dos quatro anos que se seguiram, os cariocas depararam-se com um canteiro de obras. 70 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Com aproximadamente 24 bilhões de reais, que ajudou a erguer novas áreas esportivas, possibilitou melhorias no sistema de transportes, com a extensão do metrô até a Barra da Tijuca, além de obras contra enchentes e a revitalização da região portuária do Rio de Janeiro, que inclui a construção do Museu do Amanhã, assim como o Porto Maravilha. Todas as obras e reformas serão discutidas no IX CBPE (Congresso Brasileiro de Pontes e Estruturas), encontro anual que acontecerá entre os dias 18 e 20 de maio, no Rio de Janeiro.


Próxima edição tem a expectativa de atrair mais de 300 profissionais, entre projetistas, arquitetos, engenheiros e estudantes

Promovido pela ABECE (Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural) e pela ABPE (Associação Brasileira de Pontes e Estruturas), o congresso tem o objetivo de divulgar trabalhos de pesquisa e de aplicação aos profissionais, estudantes e pesquisadores de engenharia, com a intenção de debater e atualizar os participantes na área de engenharia de estruturas. De acordo com o presidente da ABPE, Sergio Hampshire de Carvalho Santos, o congresso reúne centenas de participantes todo ano. “O evento é voltado para projetistas, construtores, arquitetos e profissionais de áreas correlatas, em suma, todo o setor produtivo da construção civil. Temos tido um público médio de cerca de 300 participantes anualmente”, menciona o presidente. Por ser um ano olímpico no País, o encontro pretende ressaltar as variadas obras que ocorreram na cidade do Rio de Janeiro, que tiveram como intuito capacitar a região para receber os jogos, além dos temas gerais da área de construção civil e do contexto econômico atual do País, como destaca o presidente da ABPE. “Além dos temas usuais das novidades da construção civil, haverá discussões sobre como superar os tempos de crise. Estamos cada vez mais envolvidos nos problemas cotidianos de nossos colegas, buscando discutir novos caminhos”, explica.

PROGRAMAÇÃO A última edição do evento teve como tema as “Inovações em projetos, materiais e processos construtivos”, encontro que divulgou obras de engenharia que estavam em execução no País e reuniu diversos profissionais do setor, com temas que analisaram as obras no MIS (Museu da Imagem e Som) do Rio de Janeiro, o projeto da Ponte de Salvador-Itaparica (sistema de travessia entre Salvador e Ilha de Itaparica, na Bahia), além das intervenções no Museu do Amanhã, espaço localizado no Rio de Janeiro. Nesta edição, serão discutidos temas relacionados a projeto, construção, recuperação, reforço e manutenção de pontes, estádios, edifícios, indústrias, metropolitanos, portos, barragens, plataformas offshore, aerogeradores e fundações. Os palestrantes também vão debater questões de normatização, experimentação, análise e dimensionamento de estru71 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Na edição de 2016, o congresso irá discutir as obras realizadas no Rio de Janeiro, para preparar a cidade para os Jogos Olímpicos

Além das intervenções feitas para as Olímpiadas, o evento também propõe debates sobre o momento econômico atual

turas de concreto armado e protendido, estruturas metálicas, em alvenaria e materiais avançados. Ainda sem a grade completa de palestrantes confirmados, o congresso terá nomes importantes do segmento na comissão, como o engenheiro e professor da Faculdade de Engenharia de São Paulo, João Alberto de Abreu Vendramini, assim como o engenheiro Ubirajara Ferreira da Silva, entre outros profissionais de destaque. O evento está em processo de submissão de trabalhos até o dia 04 de março, por meio do site do evento, onde todas as informações para envio pode ser consultadas. Os aprovados serão divulgados em 22 de abril.

SERVIÇO IX CBPE – Congresso Brasileiro de Pontes e Estruturas 18 e 20 de maio Everest Rio Hotel – Rua Prudente de Morais, 1.117 Ipanema – Rio de Janeiro (RJ) www.cbpe2016.com.br/


O QUE HÁ DE NOVO

BARREIRA DINÂMICA DE BAIXA ENERGIA É A NOVA SOLUÇÃO DA MACCAFERRI PARA PROTEÇÃO CONTRA QUEDA DE ROCHAS Os modelos RMC 100UAF e RMC 050ICAT2 possuem capacidade de impacto de 100 e 500 kJ e não precisam de ancoragem de montante Por Dellana Wolney

Os projetos de proteção contra queda de rochas têm aumentando nos últimos tempos. A necessidade de expansão territorial, assim como o aumento populacional obrigam as cidades a se desenvolverem, porém muitas vezes essa expansão ocorre em áreas sujeitas a deslizamento de solos, enchentes e quedas de pequenos e grandes blocos. Melhorando esse cenário, a empresa Maccaferri tem pesquisado, desenvolvido e aperfeiçoado soluções de proteção contra queda de rochas. A proteção, principalmente contra a queda de rochas, é um elemento de extrema importância, visto que mesmo sendo pequenas as quedas ou os fluxos de detritos, podem prejudicar significativamente, gerando efeitos econômicos intensos além de diversos transtornos. Dentre as soluções desenvolvidas pela Maccaferri estão as malhas Steelgrid HR® e HEA Panel® e as barreiras flexíveis RMC. Barreiras dinâmicas ou flexíveis são estruturas que trabalham por meio da deformação de seus componentes (painel de intercepção e dissipador de energia) para absorver a energia de impacto de um bloco de 72 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

rocha em movimento. Comumente, as barreiras são compostas por postes de aço, placas base, cabos de ancoragem, painel de intercepção principal e secundário, dissipadores de energia, fundação dos postes e ancoragem de montante. Recentemente duas novas barreiras foram desenvolvidas pela Maccaferri: RMC 100UAF e RMC 050ICAT2. Ambas possuem capacidade de suporte de energia de 100 e 500 kJ (Kilojoules), o que mantém uma significativa vantagem diante das barreiras já existentes. De acordo com o engenheiro civil da Maccaferri do Brasil, Matheus Camargo Garcia, esta característica facilita a execução de uma obra, diminuindo a quantidade de perfuração do talude e o espaço necessário para sua execução. “Com esta capacidade, as novas barreiras são ideais para o suporte de blocos em velocidade média de 27 m/s (metro por segundo), pesando de 300 a 1.400 kg. Tanto a RMC 100UAF, quanto a RMC 050ICAT2 foram testadas e certificadas de acordo com a linha guia ETAG (European Technical Approval Guidelines) 027 que define o procedimento de ensaio mais rigo-

roso no mundo para estas estruturas”, afirma Garcia. No teste é exigido que um bloco seja lançado em uma barreira instalada em talude vertical. No local é medida a altura residual após o impacto e o máximo alongamento do painel metálico. Após ser avaliado, o desempenho da barreira em capacidade máxima e de serviço, a avaliação da qualidade da produção dos elementos do kit prossegue, para então permitir ao fabricante a comercialização da estrutura.

UTILIZAÇÃO Segundo Garcia, as novas barreiras RMC 100UAF e RMC 050ICAT2 foram idealizadas e fabricadas na matriz da Maccaferri na Itália no ano de 2013, porém devido ao longo processo de certificação de desempenho e de qualidade baseada na ETAG 027, elas ficaram aptas para o mercado mundial no segundo semestre de 2015, portanto ainda não foram instaladas em nenhuma obra no Brasil. Embora os dois modelos sejam muito semelhantes, há uma característica que as diferenciam que é a capacidade de suporte de energia.


Fotos: Arquivo Maccaferri

Obra Retanelli, na Itália 73 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS


Obra da mineradora Yanacocha, no Peru

Enquanto a barreira RMC 100UAF é capaz de suportar 100 kJ de energia a barreira RMC 050ICAT2 suporta 500 kJ. Apesar desta diferença o objetivo é o mesmo: complementar o extenso leque de estruturas de interceptação de blocos rochosos, atendendo a uma demanda de fenômenos de menor impacto de energia, uma vez que antes a menor capacidade de retenção era de 750 kJ, o que poderia ser 74 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

superdimensionado e inviável para alguns casos recorrentes. O processo executivo das barreiras é simples, comenta o engenheiro Matheus Camargo Garcia. Ele diz que é necessário executar as fundações dos postes por meio de dois chumbadores (barras de aço) inseridas em furos no solo. Esses furos são preenchidos com nata de cimento, em seguida são posicionadas as placas bases de onde

se fixam os postes de aço por meio de parafusos e porcas. Finalizado esse processo são passados cabos longitudinais no pé e no topo dos postes, onde também é instalada a malha que servirá de painel de interceptação dos blocos rochosos. “Depois de prontas, além de viabilizar projetos que envolvem energias de impacto de blocos inferiores a 500 kJ e reduzir o tempo de execu-


Ensaio de impacto em Belluno na Itália

ção da obra devido a falta das ancoragens superiores dos postes, as barreiras dinâmicas de baixa energia se enquadram em situações que demandam soluções simples, rápidas e econômicas, em locais onde até então essa alternativa não era viável economicamente, ou devido à falta de espaço geométrico causada por obras, vias, ou demais interferências externas”, reforça o engenheiro e 75 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

coordenador de marketing América Latina da Maccaferri, Paulo César Belesso Ferretti. Mesmo que as barreiras ainda não tenham sido utilizadas em obras brasileiras, Garcia e Ferretti acreditam que haverá uma demanda grande por estes produtos, devido à necessidade de proteção de infraestruturas, em especial ferrovias e rodovias, contra o impacto de pequenos blocos. “Há

hoje uma demanda específica para utilização de barreiras dinâmicas de baixa energia, em que a Maccaferri pretende atender com estes dois novos produtos da linha MacRo, portanto vislumbramos para um curto prazo, a utilização mais frequente desse tipo de solução de engenharia, o que ajudará a popularizar a utilização do produto junto à comunidade técnica”, destaca Ferretti.


GEOTECNIA AMBIENTAL

TRABALHO DE MONITORAMENTO GEOTÉCNICO DE ENCOSTAS DEVE SER CONSTANTE EM FAIXAS DE DUTOS A instrumentação e inspeção adequada permite obter um panorama dos sítios e o planejamento de novos acompanhamentos ou observações mais detalhadas

Fotos: Arquivo Concremat Inspeções e Laboratórios

Por Dellana Wolney

Realização das inspeções

A Petrobras Transporte S.A. – Transpetro é considerada hoje a maior processadora brasileira de gás natural, atuando no transporte e logística de combustível, assim como nas operações de importação e exportação de petróleo e derivados (gás e etanol). Com mais de 14 mil quilômetros de oleodutos e gasodutos, 49 terminais e 54 navios-petroleiros, a Transpetro ainda tem o desafio de levar aos mais diferentes pontos do Brasil o combustível que é um dos principais movimentadores da economia do País. Suas operações também abastecem indústrias, termelétricas e refinarias. Como subsidiária integral da Petrobras, a Transpetro une as áreas de produção, refino e distribuição do Sistema Petrobras, e presta serviço a diversas distribuidoras e à indústria petroquímica. Por isso, tem atuação nacional, com instalações em 20 unidades federativas brasileiras. 76 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Prospectando o aumento da produção de petróleo em função do pré-sal, a Transpetro lançou, em parceria com o Governo Federal, o PROMEF (Programa de Modernização e Expansão da Frota) com o propósito de retomar a indústria naval brasileira. O PROMEF encomendou a estaleiros nacionais 49 navios e 20 comboios hidroviários, com um índice de nacionalização superior a 65%. Dez novos navios já integram a frota da Transpetro. Além do PROMEF, a Transpetro também tem investido no monitoramento de oleodutos e gasodutos, inclusive na região Sudeste. Os oleodutos são o meio de transporte preferencial para suprir tanto as refinarias como os grandes centros consumidores de derivados. Esta rede de oleodutos, que interliga as diversas regiões produtoras de petróleo, refi-


narias, terminais e bases de distribuição, é supervisionada e controlada pelo CNCO (Centro Nacional de Controle Operacional), localizado na sede da companhia, no Rio de Janeiro.

GASODUTOS A Transpetro é responsável pela operação e manutenção de mais de 7.100 km de gasodutos e pelo TECAB (Polo de Processamento de Gás de Cabiúnas), em Macaé (RJ), o maior do Brasil. Esta malha integra as regiões Sudeste e Sul ao Nordeste, permitindo grande flexibilidade operacional, além de contemplar o transporte de gás natural de Urucu a Manaus, na região Norte. Por esta rede são escoados 75% de todo o gás natural consumido no Brasil. De acordo com a empresa, a utilização deste produto tem aumentado consideravelmente nos últimos tempos. Estima-se um crescimento médio anual, entre 2010 e 2015, de 12,4% e a expectativa é que o fornecimento de gás natural chegue a 149 milhões de m³/dia, sendo 134 milhões de m³ movimentados pelos gasodutos operados pela companhia. O TECAB é considerado uma das mais importantes e complexas unidades da Transpetro. Dentre suas atividades está a produção e o fornecimento de GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) a distribuidoras, além de matéria-prima para abastecimento do Polo Gás-Químico, por meio da Reduc (Refinaria Duque de Caxias). A malha de gasodutos da Transpetro compreende 68 linhas (entre gasodutos e ramais), estações de compressão, pontos de recebimento (entre os quais dois terminais de GNL), pontos de entrega, atravessando 306 municípios brasileiros. Atualmente, a capacidade de transporte é de 100 milhões de m³/dia, com crescimento previsto a partir da entrada em operação até 2020 de novas estações de compressão.

MONITORAMENTO Faixas de dutos precisam ser frequentemente fiscalizadas e monitoradas. Na região Sudeste do Brasil, a empresa Concremat Inspeções e Laboratórios é responsável por estes serviços, que são extremamente necessários, visto que essa região encontra-se sujeita à influência de situações ambientais de riscos potenciais, como erosão dos solos, escorregamentos (movimento de massa) e enchentes. Além desses fatores ambientais negativos, esses “corredores” passam por áreas que abrigam relevantes recursos naturais renováveis como florestas, mananciais hídricos, e também áreas agrícolas, industriais e urbanas. Os serviços da empresa, de forma geral, compreendem o monitoramento geotécnico frequente de encostas nas faixas de dutos. “Fazemos o acompanhamento e a análise da instrumentação, aliados às observações de campo dos técnicos durante as leituras. Os instrumentos são lidos mensalmente e os relatórios são emitidos para cada sítio instrumentado”, explica o gerente operacional de geotecnia da Concremat Inspeções e Laboratórios, Ovídio Santos. 77 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Ele garante que a análise conjunta de instrumentação e inspeção permite obter um panorama dos sítios, e o planejamento de novos acompanhamentos ou observações mais detalhadas. Este acompanhamento funciona como uma ação preventiva das possíveis movimentações das encostas e permite que as eventuais ocorrências geotécnicas sejam identificadas em sua fase inicial. “Nesse caso, a intervenção tem menores custos e pode ser realizada sem nenhum impacto aos dutos. Durante as leituras, qualquer comportamento anômalo na encosta é comunicado imediatamente para que as devidas providências técnicas e de segurança sejam conduzidas, tendo em vista a localização dos dutos próxima a áreas residenciais e de grande importância ambiental”, relata Santos.

EQUIPAMENTOS A Concremat Inspeções e Laboratórios também faz a execução de instrumentação geotécnica nestas obras por meio do monitoramento de cerca de 300 instrumentos instalados na encosta como inclinômetros, piezômetros e extensômetros instalados nos dutos, marcos superficiais, indicadores de ruptura e estação pluviométrica. Os instrumentos são instalados em diferentes trechos das encostas onde estão presentes as faixas de dutos, de acordo com a necessidade de cada local. “Para uma análise mais abrangente da situação, cada instrumento fornece dados específicos que se complementam na análise geral da área monitorada. São realizadas campanhas durante os meses com maior frequência de chuva, totalizando, minimamente, sete campanhas anuais. São monitorados, atualmente, inclinômetros, extensômetros, piezômetros, medidores de nível d’água, marcos superficiais, drenos horizontais profundos e pluviômetros”, descreve o diretor-executivo da Concremat Inspeções e Laboratórios, Gustavo Tristão. Os inclinômetros e os marcos superficiais são utilizados para medir deslocamentos do solo (magnitude, direção e sentido) tanto em superfície quanto ao longo da profundidade do terreno. Assim, é possível detectar superfícies preferenciais de cisalhamento e o movimento relativo entre as camadas de solo. Dados como velocidade, aceleração e profundidade permitem acompanhar a evolução destes movimentos da massa, e são fundamentais na avaliação da estabilidade das áreas e da necessidade de implantação de obras de estabilização. Já os extensômetros de corda vibrante, Tristão explica que são sensores fixados aos dutos, e que o mecanismo de funcionamento consiste na transferência da deformação do duto ao fio de aço. “Esses instrumentos permitem acompanhar se está ocorrendo alguma mudança de solicitação nos dutos. As leituras dos piezômetros de tubo aberto, dos medidores de nível de água, e de vazão nos drenos permitem avaliar o comportamento hidrogeotécnico das regiões e a influência das precipitações nos instrumentos”. Suas informações úteis são essenciais para relacionar qual-


Faixas de dutos precisam ser frequentemente fiscalizadas e monitoradas inclusive em regiões sujeitas a desastres ambientais

quer movimentação às alterações de pressão de água e do nível de água no solo. Todos os dados coletados em campos são processados para elaboração de planilhas, gráficos e relatórios com as informações a respeito da estabilidade de cada trecho monitorado.

CONTROLE A vistoria geotécnica da faixa de dutos para avaliação dos riscos geotécnicos é extremamente necessária. Elas costumam ser realizadas nos trechos monitorados, em que se encontram as faixas, e verificam indícios de possíveis movimentações como surgência de água, abatimentos, trincas ou fissuras nas canaletas ou qualquer outro evento que caracterize movimentação anômala. Em seguida, o resultado dessas visitas é comparado aos resultados das instrumentações, no intuito de obter um parecer e algumas providências de continuação. Santos esclarece que a Concremat Inspeções e Laboratórios não fiscaliza a instalação de instrumentos. Entretanto, durante as leituras e inspeções é feita uma análise das condições gerais de funcionamento dos instrumentos e das necessidades de adequação. Todos os instrumentos são verificados quanto a possíveis obstruções, colmatações e profundidades de instalação propostas em projetos. “A análise da instrumentação deve ser realizada considerando, simultaneamente, as informações obtidas por meio de todos os instrumentos instalados na faixa de dutos. Soman78 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

do a isso a necessidade de um curto tempo de resposta de repasse de informações para a fiscalização, tem-se como resultado a alta complexidade destes trabalhos. De modo geral, os instrumentos utilizados para faixas de dutos e demais obras são bastante similares. A diferença para outras obras fica nos locais de instalação e nas análises conjuntas com as outras observações”, informa. Estas faixas de tudo são responsáveis pelo transporte de gás, petróleo e derivados para os grandes centros metropolitanos, por isso qualquer interferência que afete sua operação irá impactar diretamente as populações das cidades atendidas. Sendo assim, o monitoramento é essencial para que as ocorrências não afetem a operação ou tragam limitações para o funcionamento destas estruturas. “No caso da faixa atualmente monitorada pela Concremat, vários trechos estão inseridos em depósitos de colúvio ou tálus que se caracterizam por serem depósitos detríticos, produto da movimentação de massas pretéritas. Em geral, esses depósitos de material inconsolidado apresentam características heterogêneas, seja em termos texturais, seja de resistência e permeabilidade, e historicamente apresentam problemas relacionados aos movimentos de massa gravitacionais, principalmente durante o período chuvoso, quando a maioria dos eventos ocorre, sobretudo os rastejos e os escorregamentos”, conclui o diretor-executivo da Concremat Inspeções e Laboratórios, Gustavo Tristão.


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GEOSSINTÉTICOS

SISTEMA DE DRENAGEM COM GEOCOMPOSTOS EM GRAMADOS SINTÉTICOS – ESTÁDIO DO “BAETÃO” RESUMO: Sistemas drenantes em campos desportivos têm papel significante no que se refere à realização de eventos de maneira geral, mesmo em condições adversas como na ocorrência de intempéries. Longos períodos de chuvas intensas resultam em consequências diversas, tais como impossibilidade ou complicação da realização de tais eventos, nestes casos dá-se a necessidade da concepção de um sistema drenante eficiente que possibilite que a superfície trabalhe sempre em condição drenada. Este trabalho tem como objetivo descrever a metodologia de dimensionamento, aplicação, desempenho e análise econômica de um geocomposto drenante utilizado como elemento principal de um sistema de drenagem para captação e condução das águas pluviais no Estádio Baetão, de aproximadamente sete mil metros quadrados, situado na cidade de São Bernardo do Campo (SP), local usado frequentemente nos jogos da Copa São Paulo de Futebol Júnior e também como um dos centros de treinamento de algumas delegações para os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro em 2016 no Brasil.

anos entre os meses de janeiro e fevereiro e televisionado em todo o país. Para tanto, o estádio deveria passar por algumas reformas, de maneira a apresentar melhores condições de jogo, resolvendo dois problemas específicos: a irregularidade no nivelamento do gramado e a inexistência de um sistema drenante eficiente, fato que após alguns estudos contribuiu para escolha da substituição do gramado existente por um novo gramado sintético, com a adição de um geocomposto drenante sob toda a área gramada, atuando como sistema drenante.

2 DESCRIÇÃO 2.1 Condição antiga do gramado Devido ao baixo prestígio que os campeonatos da segunda e terceira divisão recebem, os fundos necessários para a manutenção do gramado existente no estádio não estavam sendo suficientes para que este recebesse o tratamento ideal, e assim conseguisse manter boas condições de utilização, de modo que sua degradação tornava-se evidente ano após ano.

1 INTRODUÇÃO O estádio Giglio Portugal Pichinin, conhecido como “Baetão”, fundado em 1973, é a sede dos clubes Palestra de São Bernardo e Esporte Clube São Bernardo, e constantemente recebe jogos da segunda e terceira divisão do campeonato Paulista de Futebol. Devido à sua boa localização dentro da região da grande São Paulo, e de sua considerável infraestrutura, em 2010 o estádio foi convidado a ser uma das sedes da Copa São Paulo de Futebol Júnior, campeonato nacional realizado todos os 80 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Figura 1 – Grama sintética em monofilamentos

Com um gramado irregular e cheio de falhas, o estádio começou a tornar-se uma das últimas opções para os clubes que precisavam realizar jogos na região de modo que, atento a essa questão, os responsáveis pela manutenção da arena concluíram que alguma ação deveria ser tomada, com o intuito de trazer de volta o prestígio, eventos, público e finalmente renda à arena.

2.1

Gramado sintético

Uma das soluções propostas para a situação foi o revestimento do campo com um gramado sintético. A grama sintética surgiu como uma opção aos gramados convencionais na década de 1960 na Europa e nos Estados Unidos, e na década de 1990 chegou ao Brasil. O gramado sintético evoluiu consideravelmente nas ultimas décadas, a partir do uso de novos materiais em sua composição final, como por exemplo, a areia


de sílica e a borracha triturada, que caracterizam “a nova geração” dos gramados sintéticos, apresentando características finais muito próximas do gramado convencional (figura 1) e sendo utilizado por competições intercontinentais de clubes.

2.2 O sistema drenante Um dos principais responsáveis pela manutenção da qualidade de um gramado, sintético ou convencional, é o sistema drenante utilizado pelo campo. A drenagem deve ser considerada como um dos fatores mais importantes para um campo de futebol, tanto para questões imediatas como a realização de jogos em eventos chuvosos, como para questões de longo prazo, a exemplo da manutenção da qualidade do campo. A eficiência desse sistema drenante deve ser compatível com as propriedades do campo, sendo os principais pontos considerados: o gradiente hidráulico estabelecido em acordo com a inclinação do gramado, e a permeabilidade do conjunto grama-solo, que determinará a velocidade de entrada de água no sistema de captação e condução da água a ser drenada. No caso específico do “Baetão”, o gramado original já havia perdido sua capacidade drenante, pois a permeabilidade tanto do gramado como da camada superficial do solo já eram muito baixas, resultado da compactação gerada na realização de jogos durante muitos anos. O antigo sistema drenante existente era composto por um colchão de brita que encaminhava o excesso de água para duas canaletas laterais longitudinais, porém, devido às questões menciona-

das, o sistema já não apresentava mais condições suficientes para garantir a eficiência necessária para realização de jogos durante eventos chuvosos, acumulando assim o excesso d’água, além de deformações (figura 2), além de gerar demais custos onerosos para manutenção do gramado. Em gramados convencionais, a utilização do campo em dias de chuva intensa é extremamente prejudicial à grama, devendo ser evitada. Drenagens de alta eficiência também trazem problemas aos gramados convencionais, pois podem desidratar a grama, especialmente nas estações mais secas do ano, gerando uma demanda muito alta de irrigação, elevando também o custo da manutenção. Estes dois problemas não existem quando o gramado sintético é utilizado, e essas questões deveriam então ser consideradas durante a escolha do sistema drenante, ou seja, ele poderia, e deveria apresentar a melhor capacidade drenante possível, pois permitiria que o campo fosse utilizado em dias de chuvas intensas e reduzindo os custos com manutenção e rega. A resposta para os problemas relacionados ao sistema drenante foi encontrada através do uso de um geocomposto drenante aplicado em forma de colchão sob todo o gramado sintético, que possibilitaria a melhor condição possível em relação à capacidade de captação e condução da água a ser drenada.

3 RESOLUÇÃO DO PROBLEMA 3.1 Características do Geocomposto Drenante

Figura 2 – Funcionário retirando o acúmulo d’água durante uma partida em janeiro de 2010, no “Baetão” 81 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Para a obra em questão foi utilizado um geocomposto especialmente desenvolvido para a drenagem de campos desportivos naturais ou sintéticos, objetivando a captação e condução da água em um fluxo unidirecional, com o objetivo de melhorar a prática de esportes na arena, mesmo durante a ocorrência de chuvas intensas. O geocomposto caracteriza-se por um material leve e flexível, de núcleo drenante formado por uma geomanta tridimensional com mais de 90% de vazios. É comercialmente designado por MacDrain® SF (Sports Fields – Figura 3), sendo produzido pela empresa Maccaferri América Latina. O núcleo do geocomposto é termoligado a dois geotêxteis nãotecidos em determinados pontos de contato, sendo um dos geotêxteis permeável, e o outro laminado, com baixíssima permeabilidade. Ambos os geotêxteis sobressaem 10 cm além do núcleo nas laterais do geocomposto, a fim de garantir uma perfeita continuidade do sistema nas juntas e permitir a execução das sobreposições. O geocomposto em questão era disposto em rolos de 2 m de largura por 25 m de comprimento, dispensando emendas longitudinais, de modo que cada rolo deveria ser instalado interligando o eixo do campo a uma das laterais – mesmo sentido do fluxo de água a ser drenada. Sua capacidade de vazão informada em especificação técnica de 0.157 (l/s) / m deveria atender à necessidade de projeto, mesmo após aplicação dos Fatores de Redução adotados em acordo com o tipo de aplicação do material geossintético.

Figura 3 – MacDrain® SF no Campo no “Baetão”, com as sobreposições, garantindo a drenagem contínua


3.3 Vantagens e resultados obtidos com o uso do geocomposto drenante

Figura 4 – Emulsão asfáltica sendo lançada sobre o sistema granular convencional

A presença do geocomposto em toda a área do campo garantiu a drenagem de forma homogênea e uniforme, sem a presença de pontos falhos, assim, toda a área útil drenada apresentou ao final do trabalho a mesma qualidade. A baixíssima espessura do geocomposto (aproximadamente dez milímetros de altura), e sua baixa gramatura, (cerca de setecentos gramas por metro quadrado), garantiram a fácil e rápida instalação, promovendo considerável economia em relação à mão de obra necessária para a execução do sistema drenante.

3.4 Comparativo de eficiência drenante entre os sistemas

Figura 5 – Detalhe esquemático da solução proposta

3.2 Execução da obra Em relação ao antigo gramado, foi realizada a retirada deste e da camada de solo existente sob ele também. A camada granular em brita foi utilizada como base para a nova estrutura, sendo selada superficialmente por uma imprimação de emulsão asfáltica (figura 4), de modo a garantir que o fluxo pluvial seria drenado subsuperfcialmente exclusivamente pelo geocomposto drenante. Imediatamente acima da camada de brita selada seria aplicado o geocomposto drenante, com a face impermeável para baixo, auxiliando o sistema impermeabilizante já pré-disposto (emulsão asfáltica), e a face permeável atuando como elemento separador e filtrante (figura 5). Os rolos foram instalados no mesmo sentido do fluxo a ser drenado, o qual seria conduzido preferencialmente de 82 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

forma unidirecional (do eixo do campo para as laterais), e não encontraria barreiras em seu caminho, de modo que neste sentido não existiram emendas entre rolos (figura 6). Posteriormente, a instalação do novo gramado sintético ocorreu sobre o geocomposto aplicado de forma direta e sem quaisquer necessidades especiais, sendo necessária apenas a correta disposição das placas de grama (figura 7). Sobre o novo gramado foi lançada a areia de sílica, caracterizada por conter grãos arredondados a fim de não danificar os filamentos do gramado, tampouco seus usuários. Desta maneira finaliza-se a composição da camada de revestimento do campo com o lançamento da borracha triturada, responsável por aumentar a resistência ao impacto do gramado.

A comparação entre os desempenhos drenantes apresentados pelos dois sistemas propostos pôde ser realizada de maneira direta, isto é, devido às características da drenagem do campo em questão, onde não existem sistemas de alívio intermediários, o sistema deve captar a água e conduzi-la até uma das laterais do campo. Desta maneira, a comparação entre os sistemas pode ser feita entre as seções úteis por metro linear de cada sistema, ou seja, para cada metro de largura, a capacidade que cada sistema deverá drenar. A vazão por metro de um sistema convencional pode ser obtida através da lei de Darcy, onde a vazão é igual ao coeficiente de permeabilidade multiplicado pelo gradiente hidráulico e pela área do colchão drenante: Q = k.i.A Para este caso tem-se como coeficiente de permeabilidade da brita graduada k = 10-2 m/s, gradiente hidráulico igual a 0.01 e uma área de 0.3 m2, resultado de um metro de largura por 30 cm de altura. Assim: Q = 10-2 x 0.01 x 0.3 = 0.00003 (m3/s) / m ou 0.03 (l/s) / m A capacidade de vazão do geocomposto drenante é medida diretamente através do ensaio de permeabilidade planar e transmissividade, segundo a norma ASTM (American Society for Testing and Materials) D4716, sendo que este valor deve ser reduzido em acordo


Figura 6 – Instalação do sistema drenante

com os fatores de redução convenientes para a aplicação em questão. Estes valores são indicados por Koerner (1998), sendo que para a drenagem de campos de futebol são indicados valores de 1 a 1.2 para: intrusão do solo, fluência à compressão e colmatação química; e 1.1 a 1.3 para colmatação biológica. Assim, considerando a possibilidade mais conservadora, a vazão de projeto do geocomposto drenante é igual à divisão da vazão encontrada no ensaio pelo Fator de Redução Global (multiplicação dos fatores de redução supracitados), neste caso: Fator de Redução Global = FRIN x FRFC x FRCQ x FRCB = 1.2 x 1.2 x 1.2 x 1.3 = 2.25 A vazão de projeto do geocomposto é então encontrada: Qprojeto = Qensaio / FRglobal = 0.157 / 2.25 = 0,07 (l/s)/m Conclui-se que, mesmo adotando-se os valores de fator de redução mais elevados, segundo indicação da literatura relativa aos geossintéticos, a vazão obtida com o uso do geocomposto será de pelo menos duas vezes a vazão do sistema em brita e geotêxtil, mesmo para comparações em longo prazo, pois foi considerado o fator de redução relativo à fluência.

CONCLUSÃO Os excelentes resultados obtidos pela instalação do novo sistema drenante e do novo gramado são perceptíveis. Nota-se em períodos chuvosos, durante os eventos esportivos ao longo do ano, a prática segura de atividades na arena. 83 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Figura 7 – Instalação da grama sintética sobre o geocomposto

O novo sistema drenante em combinação ao novo gramado sintético instalados no campo possibilitaram a eleição deste como centro de treinamento dos Jogos Olímpicos no Brasil em 2016. A manutenção do sistema drenante com o geocomposto quando necessária torna-se efetivamente mais prática, visto que o sistema estaria mais acessível para manuseio se comparado à drenagem convencional, composta por materiais granulares de grande espessura. O geocomposto drenante atendeu plenamente as necessidades de projeto em um tempo de instalação considerável total de dois meses (sistema drenante e gramado sintético). Destaca-se ainda o ganho de produtividade no cronograma da obra, além da maior capacidade drenante com uso do geocomposto drenante de, ao menos, duas vezes em relação ao sistema convencional.

AGRADECIMENTOS Ao corpo de engenheiros da empresa Maccaferri do América Latina pela proposta e criação da solução.

REFERÊNCIAS

ABCD Maior (Março de 2015) – http://

www.abcdmaior.com.br/noticia_exibir. php?noticia=18170 Cedergren H.R. (1967) Seepage, Drainage and Flow nets, John Wiley& Sons Inc., USA. Jogos Perdidos Blog (Março de 2015) – http://jogosperdidos2.blogspot.com. br/2011/01/pelo-segundo-ano-seguido-o-paulista.html Koerner, Robert M., (1998) Designing with Geosynthetics (4th Edition), Prentice Hall, USA. Lambe T.W. & Whitman (1979) R.V. Soil Mechanics, 119-120, John Wiley. McClelland B. (1943) Large Scale Model Studies of Highway Subdrainage, Proceedings Highway Reasearch Board, 23. Power Grass (Março de 2015) – http:// www.powergrass.com.br/grama-esportiva-monofilamentos/ ProField (Março de 2015): http://www. gramasinteticapreco.com.br/grama-sintetica-pro-paisagismo.php

Paulo Eduardo Oliveira da Rocha - Maccaferri do Brasil, Jundiaí, Brasil paulorocha@maccaferri.com.br Jefferson de Almeida Prado - Maccaferri do Brasil, Jundiaí, Brasil - jefferson@ maccaferri.com.br

A seção “Geossintéticos” é um espaço da revista Fundações & Obras Geotécnicas em parceria com o CTG (Comitê Técnico de Geossintéticos) em que mensalmente é publicado um texto de autores vinculados a empresas participantes desse grupo. O CTG é formado por empresas fabricantes de geossintéticos no Brasil associadas à ABINT (Associação Brasileira das Indústrias de Nãotecidos e Tecidos Técnicos). Dentro do grupo estão produtoras nacionais, utilizando diversos polímeros como PP (Polipropileno), PET (Poliéster), PE (Polietileno) e PVC (Policloreto de Vinila). As empresas que atualmente compõem o comitê são: Bidim, Braskem, Cipatex, Huesker, Maccaferri, Ober, Santa Fé, Sansuy e Roma.


LIVRO MASP: ESTRUTURA, PROPORÇÃO E FORMA Editora: Escola da Cidade Ano: 2015 Autor: Alexandra Silva Cárdenas Com aproximadamente 11.000 metros quadrados, o MASP (Museu de Arte de São Paulo), foi fundado em 1974, pelo empresário e jornalista Assis Chateaubriand e também pelo crítico de arte e jornalista italiano Pietro Maria Bardi. Considerado como o mais importante museu de arte ocidental do hemisfério sul, o MASP integra até mesmo o Clube dos 19, associação que engloba os museus que têm acervo de arte europeia representativa do século XIX. Com mais de 40 anos, o MASP é uma das construções que mais inspiram profissionais da área. Com a proposta de contar um pouco das questões estruturais da obra, a arquiteta Alexandra Silva Cárdenas elaborou o livro “MASP: estrutura, proporção e forma”, com a ajuda de outro arquiteto, Marcelo Ferraz, além de revisão técnica e adaptação de Marcelo Suzuki e Roberto Rochlitz. A publicação foi lançada em 18 de novembro e teve o apoio da Editora da Cidade, da Escola da Cidade – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Museu da Casa Brasileira. O livro mostra, com base em novos desenhos técnicos, fotografias e de modelagem eletrônica, a análise do projeto da arquiteta Lina Bo Bardi para o MASP, com ênfase ao projeto estrutural do engenheiro Figueiredo Ferraz. Esposa de Pietro, um dos idealizadores do MASP, Lina Bo Bardi – cujo um dos desenhos ilustra a capa do livro – desenhou o projeto com inovação, quando decidiu que o museu teria um grande volume suspenso, que deixaria o térreo livre, estruturando-se em dois pórticos. Com um total de 74 metros entre os pilares e suspenso a oito metros do solo, a obra constituiu-se como o maior vão livre do mundo na época de sua construção. O livro de Cárdenas mostra que o detalhe não foi resultado de um capricho de Lina Bo Bardi, mas que envolveu técnica em relação ao concreto armado, que já era empregado no Brasil. “MASP: estrutura, proporção e forma” integra a Coleção Obras Fundamentais, que agora em 2016 vai lançar o segundo volume da coleção, sobre o edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, obra do arquiteto João Batista Vilanova Artigas.

Para comprar as obras indicadas nesta seção, envie um e-mail para assinatura@rudders.com.br

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AGENDA BRASIL 29 A 31 DE MARÇO BRAZIL ROAD EXPO 2016

São Paulo, São Paulo www.brazilroadexpo.com.br

O evento tem como objetivo discutir pavimentações e apresentar soluções que possibilitem um avanço nesse cenário. A conferência promoverá o compartilhamento de informações, exibirá novidades dos fabricantes, apresentará os produtos para construção e manutenção de pontes, túneis, viadutos, além de materiais para a pavimentação em asfalto e concreto. Os participantes ainda poderão conferir itens para drenagem, contenção de encostas, sistemas e produtos para segurança.

12 A 16 DE ABRIL FEICON BATIMAT 2016

São Paulo, São Paulo www.feicon.com.br

Com mais de 20 anos de existência, o evento permite que diversos setores da área da construção civil possam expor seus produtos, que incluem: máquinas, tintas, solventes, revestimentos, além de alguns acessórios de decoração, como artigos de louça sanitária, por exemplo. Os participantes podem conferir as tendências e os lançamentos da área da construção civil. O evento é voltado para engenheiros, arquitetos e profissionais envolvidos com o setor.

18 A 20 DE ABRIL

2º CONGRESSO BRASILEIRO DE PATOLOGIA DAS CONSTRUÇÕES

Belém, Pará

alconpat.org.br/cbpat2016/

Promovido pela Alconpat Brasil (Associação Brasileira de Patologia das Construções), o evento funcionará como um fórum, em que colocará em pauta a recuperação de estruturas, controle de qualidade e patologias. Voltado para profissionais do segmento da construção, engenheiros, técnicos e estudantes, o encontro pretende ainda tornar público alguns estudos e pesquisas científicas das áreas relacionadas.

10 A 13 DE MAIO

III CONGRESSO DA SOCIEDADE DE ANÁLISE DE RISCOS LATINO-AMERICANA SRA-LA

São Paulo, São Paulo

http://www.abge.org.br/3clasra-la

Em sua terceira edição, o evento tem como tema central o “Desenvolvimento e riscos no contexto Latino-Americano”, com o objetivo de enaltecer a análise de riscos como um recurso para auxiliar as ações de pre-

venções de riscos nas mais diversas formas. Haverá cursos pré-congresso, conferências, mesas-redondas, sessões técnicas e ainda apresentações de trabalhos orais no Espaço Ágora, local onde será possível a exibição de vários trabalhos orais simultâneos.

20 A 22 DE JUNHO

CBCI 2016 – 7º CONGRESSO BRASILEIRO DO CIMENTO

São Paulo, São Paulo www.7cbci.com.br/

No ano em que a ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland) completa 80 anos de história acontecerá a sétima edição do evento como o principal acontecimento comemorativo. Com a expectativa de atrair aproximadamente 350 profissionais envolvidos com empresas fornecedoras da indústria de cimento, assim como pesquisadores, estudantes, entre outros, o encontro discutirá inovações na fabricação do cimento, também debaterá questões de controles ambientais, a normatização e a qualidade do cimento, além de analisar os novos tipos e aplicações do material.

EXTERIOR 23 E 24 DE MARÇO

2016 DFI MIDDLE EAST CONFERENCE

Dubai, Emirados Árabes Unidos http://bit.ly/1QboUGg

A terceira edição do evento tem como intenção proporcionar oportunidades para os profissionais de engenharia geotécnica da região, assim como acadêmicos, para que possam trocar informações e experiências, além de estarem atualizados com os mais recentes avanços e desenvolvimentos na área de design de fundação e construção. A conferência deste ano vai possibilitar fóruns de discussões de tecnologias, além de expor cases. O evento também terá a exposição de produtos e serviços de empresas da área.

22 A 28 DE ABRIL

WORLD TUNNEL CONGRESS – NAT2016

São Francisco, Estados Unidos www.wtc2016.us/

Com expectativa de receber mais de 2.500 participantes, o evento mostrará as tendências do segmento de túneis no mundo, com 600 apresentações técnicas e mais de 250 expositores. Durante o congresso, haverá painéis e estudos de casos de métodos empregados em diferentes projetos de túneis, nas diversas regiões do planeta, com o objetivo de compartilhar experiên-

cias entre os profissionais da área. Entre os temas de destaque, serão debatidas questões de planejamento ambiental e urbano, segurança sísmica, reparação e reabilitação, entre outros tópicos relacionados.

08 A 11 DE MAIO

IABSE CONFERENCE GUANGZHOU 2016 Guangzhou, China http://bit.ly/1R6DajP

Promovida pela IABSE (International Association for Bridge and Structural Engineering), a conferência terá como foco a engenharia de estruturas e tentará mostrar que a área é a responsável por promover a sustentabilidade na sociedade. Dentre os temas abordados, destacam-se as novas tecnologias que estão sendo desenvolvidas para a área, além de discussões sobre concretos de alta performance e de aço, pontes dos mais variados tipos, como ferroviárias e marítimas, entre outros. Os participantes vão explorar o futuro de soluções inteligentes para a construção e manutenção de grandes projetos.

18 A 20 DE MAIO

ICSDEC 2016 – INTERNATIONAL CONFERENCE ON SUSTAINABLE DESIGN, ENGINEERING AND CONSTRUCTION

Arizona, Estados Unidos www.icsdec.org/

O evento costuma atrair centenas de participantes, vindos de mais de 30 países, atraídos pela reputação das edições anteriores. Entre os temas de destaque, serão discutidos avanços na mobilidade, gestão de recursos, uso da terra, temas voltados para a sustentabilidade. No que concerne à construção, serão debatidos a modelagem de informações, controles e métodos, questões de produtividade e força de trabalho, temas contratuais e relacionados à legislação, as novidades em materiais de construção, entre outros tópicos.

26 A 30 DE JUNHO

IB2MAC – 16TH INTERNATIONAL BRICK AND BLOCK MANSORY CONFERENCE Padova, Itália www.16ibmac.com/ Realizado a cada quatro anos, desde 1967 o evento é considerado um dos principais encontros relacionados ao segmento de alvenaria. Ao longo dos cinco dias de evento, haverá especialistas de diversas partes do mundo discutindo as principais tendências, novas técnicas e tecnologias de construção, além de debates dos códigos e normas existentes, a conservação de edifícios históricos, assim como apresentações de estudos de caso, entre outros.

JULHO/AGOSTO

HELICAL PILES & TIEBACKS

01 A 02 DE ABRIL CTF 2016 – 2ª CONFERÊNCIA EM TECNOLOGIA DE FUNDAÇÕES

Campinas, São Paulo www.acquacon.com.br/ctf2016

Com o tema “Estacas Cravadas por Impacto ou Vibração: Perspectivas Atuais e Futuras”, o evento acontecerá na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e devido ao sucesso da primeira edição, em 2013, os organizadores, membros da CTF (Comissão Técnica de Fundações) da ABMS (Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica), com o apoio do NRSP (Núcleo Regional de São Paulo) resolveram dar continuidade ao evento. Haverá mesas-redondas e discussões do uso, dos custos, das pesquisas e técnicas relacionadas às estacas de deslocamento e cravadas de concreto ou metálicas.

85 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS

Califórnia, Estados Unidos http://bit.ly/1oV2S1W

O seminário vai apresentar as melhores maneirar de elaborar projetos adequados, de aplicações e instalações de estacas helicoidais e tiebacks (tipos de ligações), em condições de cargas sísmicas e laterais, assim como vai mostrar estudos de caso sobre a concepção e utilização de sistemas helicoidais sobre projetos novos e de retrofit – termo aplicado para reformas customizadas. Também será discutido as inovações em design, construção e equipamentos.



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