ANAIS II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana

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II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA


Coletivo COMjunto de Comunicadores Sociais Editora Xeroca! Observatório da Mídia Paraibana A Editora Xeroca! é fruto do Coletivo COMjunto de comunicadores sociais. Carrega consigo a principal bandeira levantada pelo coletivo: a Democratização da Comunicação. Possibilitando o compartilhamento de ideias, pesquisas e de diversos pontos de vista através de publicações impressas e virtuais,com a linha editorial voltada para a desconstrução das relações opressoras da sociedade. Foge da lógica do lucro, tendo como prioridade a circulação e o acesso. A Xeroca! é imperativo de reprodução, de Creative Commons, que entende a noção de direito autoral como o direito de todo autor de ter suas publicações lidas, compartilhadas por aí, longe do mofo. Missão Publicar livros que possam promover o debate crítico sobre a sociedade, cultura, educação e comunicação, estimulando a leitura e a produção. CONSELHO EDITORIAL Cecília Bandeira Delosmar Magalhães Isa Paula Morais Juliana Terra Mayra Medeiros CONSELHO FISCAL Alexandre Santos Isadora Dias Lucas Pontes


CARLOS EDMÁRIO NUNES ALVES LÍGIA COELI ELANE GOMES JANAINE AIRES JOCÉLIO OLIVEIRA SKARLLETY FERNANDES (Orgs.)

II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

Editora Xeroca! João Pessoa 2016


Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-CompartilhaIgual 4.0 Internacional.

DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Janaine Aires CAPA Joelmir Oliveira BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL Leyde Klébia Rodrigues da Silva

S612 Simpósio de pesquisa sobre a mídia paraibana: A comunicação e a cidade: espaços, diálogos e vivências (2. : 2016 : João Pessoa, PB). Anais do II Simpósio de pesquisa sobre a mídia paraibana, 9 e 10 de junho de 2016, João Pessoa [recurso eletrônico]: a comunicação e a cidade: espaços, diálogos e vivências / organizado por Carlos Edmário Nunes Alves, Lígia Coeli, Elane Gomes, Janaine Aires, Jocélio Oliveira e Skarllety Fernandes. [realização Observatório da Mídia Paraibana]– João Pessoa: Editora Xeroca, 2016. 340 p. : il. ISBN 978-85-67001-17-3 1. Comunicação. 2. Mídia - Paraíba. 3. Mídia - Pesquisa. I. Autor. II. Título.

CDU: 070(813.3) CDD: 070.813 3

Todas as informações contidas nos artigos aqui reunidos são de responsabilidade d@s respectiv@s autor@s.


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE: ESPAÇOS, DIÁLOGOS E VIVÊNCIA A mídia é cotidiana. Se alimenta dos acontecimentos como fonte para produção de seus conteúdos. Ao mesmo tempo em que coloca seus discursos na arena pública, contribui com a significação dos espaços urbanos, grupos sociais e indivíduos que constituem as cidades. Elas, por sua vez, abrigam uma variedade de dinâmicas, problemas e rostos. Contudo, não se pode resumir as cidades a um retalho de culturas. Há de se levar em conta a circulação social. É nesse para lá e para cá dos indivíduos que os resíduos sensíveis que se despregam dos meios se sedimentam no tecido social. A interação com os meios não se encerra ao desligar o rádio, a TV ou ao encerrar a leitura do jornal, revista ou portal e os conteúdos dos media transitam pelo imaginário. Que hábitos se dão a ver a partir da elaboração dessas imagens? Que visões de mundo, e sobre seus habitantes, esses discursos elaboram? A que dão visibilidade e o que escondem? É possível identificar a diversidade sócio-cultural da pólis no espectro midiático? É acerca dessas relações que II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana quer discutir. Interessa-nos evidenciar como a mídia do nosso estado constrói simbolicamente as noções de global/local, a criminalização da pobreza, utilizações das tecnologias da comunicação (geolocalização no jornalismo, por exemplo), urbano x rural e reflexões sobre a publicidade construindo uma ideia de cidade. Trata-se de uma discussão sobre a urbe mediada e a importância de contextualizar os dilemas das cidades em suas diversas escalas e tamanhos.


SUMÁRIO A comunicação no espaço escolar urbano: uma análise dos jornais escolares da rede municipal de educação de Campina Grande/PB Edielson Ricardo da Silva (UFCG) // 11 MOVIMENTO #OCUPAPRAÇA: Entrelaçando resistências pelos direitos à cidade e à comunicação Sarah Fontenelle Santos (UFPI) Luan Rusvell de Abreu Andrade (UFPI) Luciene do Rêgo da Silva (UFPI) // 29 Entre estabelecidos e outsiders: a construção da informação social nas comunidades quilombolas e rurais nas rádios comunitárias Marco Antônio de Oliveira Tessarotto (UFPB) // 53 Espaço inclusivo: rádio e Inclusão Social Jonas David Monteiro (UFPB) Tayná Nunes Pires de Oliveira (UFPB) // 65 Jornalismo e a síndrome de down na Paraíba: uma comparação entre as informações das bases de dados da FBASD e o conteúdo veiculado em portais do estado Mayara Emmily Chaves Gomes (UFPB) Gloria Rabay (UFPB) // 71


A cidade do telejornal Jocélio de Oliveira (UFPB) // 84 Modo de ser, Modo de usar: a representação da cultura e da cidade por meio de perfis jornalísticos de artistas paraibanos Cibelly Correia dos Santos (UFPB) Hildeberto Barbosa de Araújo Filho (UFPB) // 100 Narrativa urbanas de João Pessoa: O olhar da página Hipster Pessoense sobre a cidade Amanda Azevedo (UFPB) Andrea Karinne Albuquerque Maia (UFPB) // 113 O Whatsapp como fonte de personagens para os telejornais da TV Cabo Branco Bruna Fernandes de Souza (UFPB) // 129 Das redes sociais para as ruas: o medo social e a midiatização na gênese do movimento “Fui Assaltado - JP” Luis Carlos Venceslau Franco (UFPB) Sandra Raquew dos Santos Azevêdo (UFPB) // 133 Charges na rua e intervenção comunicacional na cidade mídia Marcelo Rodrigo da Silva (UFRN) // 151 Desrespeito em movimento: quebras da Lei do Silêncio e da espiral do silencio em trajeto de ônibus em João Pessoa Maria Ferreira Diniz (UFPB) Giuliana Batista Rodrigues de Queiroz (UFPB) // 166


Pelos cantos da cidade: a comunicação pública como ferramenta de valorização da identidade de um povo através do programa Nosso Bairro Erika Bruna Agripino-Ramos (UFPB) Vitor Daniel Claudino Martins Teixeira (UFPB) // 173 Geografia do sangue na Comunicação da Paraíba Janaine Sibelle Freires Aires (UFRJ) // 194 Fotojornalismo: além do visto e lido nos jornais paraibanos - Uma análise de conteúdo das manifestações de junho de 2013 Nayanne Medeiros Nóbrega (UFPB) // 201 O empreendedorismo rural em séries de tevê: práticas de um jornalismo cívico em construção Renata Câmara Avelino (UFPB) // 217 Sonoridades e Visualidades na disputa de território entre EUA e OKD Carlos Edmário Nunes Alves (UFPB) // 232 Cultura urbana na cidade contemporânea: estilos de vida em João Pessoa Andréa Karinne Albuquerque Maia (UFPB) // 248 O centro ainda pulsa: mídia, cultura, identidade e território no caso do Varadouro Cultural João Alberto Batista Jales (UFPB) // 264


O profissional de Relações Públicas no cenário cultural de João Pessoa: o caso Varadouro Cultural Amanda Azevedo (UFPB) Gutemberg Cardoso (UFPB) Thâmara Roque (UFPB) Andréa Karinne Albuquerque Maia (UFPB) // 283 A cidade-fábula: a transformação midiática da cidade de Campina Grande durante o Maior São João do Mundo Skarletty Fernandes (UFPB) // 292 Ausência das Relações Públicas no Turismo no município de Casserengue /PB Gutemberg Cardoso (UFPB) Joelma da Silva Oliveira (UFPB) //299 Atualizar para corrigir: a política de correções de erros nos portais paraibanos Marcella Silva Mousinho Machado (UFPB) Maryellen Ingrid de Araújo Bãdãrãu (UFPB) Sandra Regina Moura (UFPB) // 306 Uma nota sobre como adotar parâmetros éticos para analisar a mídia Bruno Ribeiro Nascimento (UFPB) //325


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A COMUNICAÇÃO NO ESPAÇO ESCOLAR URBANO: Uma análise dos jornais escolares da rede municipal de educação de Campina Grande/PB Edielson Ricardo da Silva Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo saber como se dá o desenvolvimento de atividades que fazem uso do jornal escolar, na rede municipal de educação da cidade de Campina Grande/PB. Identificando metodologias educomunicativas e seus impactos no processo de ensino e aprendizagem e como estas podem ou não contribuir para estimular os jovens no exercício da cidadania e análise crítica das informações, divulgadas pela grande mídia. Analisa a configuração dos cursos e programas oferecidos pelo Governo Federal, de forma que foi ainda realizada uma coleta de dados, em que professores, coordenadores e estudantes responderam a questionamentos propostos e explicaram como se dá o processo de produção/edição/divulgação dos materiais nos jornais escolares e como isso pode auxiliar no ensino e aprendizagem e exercício da cidadania das crianças jovens. Palavras-Chave: Educomunicação. Escolas. Jornal Escolar.

Introdução O corpus de estudo deste trabalho é a produção do jornal escolar. Apresenta-se uma revisão bibliográfica sobre a temática e dados que foram coletados em campo com a intenção de compreender como essa ferramenta vem sendo utilizada em escolas de Campina Grande, Paraíba, resgatando para isso o pensamento dos professores e estudantes sobre os objetivos que os movem ao utilizar jornais nas escolas, bem como sobre a forma como são incorporados no processo de ensino aprendizagem nesses locais.

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A problemática motivou a busca por aprofundamento teórico e a realização de uma pesquisa de campo que viesse a retratar essa realidade. O fato de este pesquisador ter vivenciado a realidade de uma escola na qual a produção do jornal se resumia a apenas produzir textos, sem um estudo prévio ou planejamento, foi marcante e estimulador para que essas práticas pudessem ser estudadas, revistas e para que fosse possível contribuir para a melhoria do desempenho de atividades com jornal escolar. A pesquisa se ateve ao objetivo geral de analisar como se dá, atualmente, o desenvolvimento dos jornais escolares, observando se os alunos participam de forma total ou parcial na produção destes, analisando para isso uma amostra de escolas públicas de Campina Grande, PB. Além disso, como objetivos específicos pretendeu-se investigar a prática de planejamento e avaliação das atividades, a capacitação recebida por docentes e discentes para o trabalho com o jornal na escola, bem como verificar a importância que professores e alunos dão a essa ferramenta metodológica no âmbito educativo. Sucedendo a etapa teórica, realizou-se uma pesquisa de campo junto às comunidades escolares, colhendo a opinião de coordenadores, professores e alunos de três escolas que desenvolvem projeto de jornal escolar em Campina Grande, PB. Finalizando, realizou-se uma análise sobre os dados obtidos e com isso a expectativa de contribuir para o aprimoramento de políticas públicas, que venham a ser capazes de suprir as lacunas atualmente existentes. Educação e comunicação Falar sobre educação é sempre um dos principais e mais relevantes temas da atualidade. Muito se debate, se analisa, se justifica, se identifica, porém as melhorias na área sempre vêm a passos lentos. Não se pode


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negar que em comparação há décadas e séculos atrás ela muito evoluiu, vagas em escolas foram ampliadas, estruturas físicas mais equipadas e etc. Contudo, não se pode parar no tempo e é importante melhorar sempre, adequando-se aos padrões da sociedade atual e acompanhando as inovações e melhorias. A comunicação requer conhecimentos prévios que só a educação provê, pois um produto comunicativo qualquer (Programas de Rádios ou TVs, Jornais, Revistas, entre outros), de uma maneira ou de outra, sempre vai querer levar para o seu público alvo uma mensagem de caráter informativo. E essa informação, para ser acessada e decodificada, requer conhecimentos prévios: o cidadão que lê o jornal ou a revista precisa ter sido alfabetizado, para ligar o aparelho de TV ou de Rádio é necessário um conhecimento prévio para apertar os botões certos do controle remoto e assim por diante, além disso, os conteúdos trazem sempre dados a mais para todos e esses canais de informação podem se tornar uma ótima via para gerar e difundir a educação, tornando-os conhecimentos imbricados. Assim, a educação prepara para a comunicação e a comunicação dá suporte e difunde a educação. Adolescentes e jovens estão em uma fase da vida em que é necessário fazer descobertas, que venham fazer a diferença, motivá-los, etc. Soares (2011, p. 24) ainda sobre essa relação, aponta que é “[...] cada vez mais evidente que os jovens estão em busca de novas propostas para a sua formação e que, para apostarem no estudo, desejam uma escola que responda a esses anseios e ofereça elementos ante as suas realidades”. Portanto, é evidente que, a partir do momento em que a metodologia de ensino se torna mais prática e é relacionada ao cotidiano do aluno, ele se envolverá bem mais do que quando preso apenas a rotina teórica. Paulo Freire (2004) enfatizava que o seu método que

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[...] não ensina a repetir palavras, não se restringe a desenvolver a capacidade de pensá-las segundo as existências lógicas do discurso abstrato; simplesmente coloca o alfabetizando em condições de re-existenciar criticamente as palavras de seu mundo, para, na oportunidade devida, saber e poder dizer a sua palavra (FREIRE, 2004, p. 12).

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Conclui-se então que, além de relacionar os conteúdos com suas experiências, é de suma importância que os professores estimulem seus alunos à análise crítica dos temas e assuntos estudados para que assim venham a tornar-se cidadãos críticos e conscientes de seu papel na sociedade. Acreditava-se que para que o processo de comunicação viesse a acontecer seria necessária a existência do esquema: emissor, mensagem e receptor. Entretanto, o ato de comunicar, conforme citado, não se restringe a apenas essas três premissas aparentemente básicas. Para que o ato comunicativo se torne eficaz e estimule o ouvinte/leitor/telespectador a concluir algo sobre o fato narrado, se faz necessário que sejam abertos espaços dialógicos, para que assim não venha a existir e a prevalecer apenas uma verdade absoluta e sim que diferentes pontos de vistas possam compor um debate, cada um dialogando conforme suas vivências e aspirações. O que muitas vezes acontece, principalmente nos grandes veículos de comunicação, é que o comunicador acaba se tornando, conforme Kaplún (1985, p. 43) sempre aquele que emite, fala, escolhe o conteúdo das mensagens e sempre é o que sabe. Enquanto o receptor é o que recebe, escuta, recebe o conteúdo como informação e é o que não sabe. E, desta forma, este modelo de comunicação não fica atrás do modelo tradicionalista da educação, mencionado no tópico anterior. Um modelo comunicacional em que não há a interatividade entre os sujeitos e inexiste o feedback – a retroalimentação, o canal de retorno, o diálogo - é


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um modelo falido e que, certamente, não logrará muito êxito com suas mensagens. Relacionando comunicação e educação nessa realidade, pode-se afirmar que, em muitos casos, escolas e veículos de comunicação agem e enxergam o seu público como sujeitos pacatos e passivos a tudo que a eles chega. Não tendo um mínimo de comprometimento com a real aprendizagem, formação cidadã e análise crítica dos fatos, consequentemente, confundindo informação com conhecimento. É necessário assim criar e/ou fortalecer mecanismos que venham desenvolver ou até mesmo aperfeiçoar metodologias que venham despertar a criticidade e análise dos fatos pelos jovens e sociedade em geral. O pensamento educomunicativo e o jornal escolar como ferramenta metodológica e formativa para jovens e adolescentes A educomunicação busca entre seus objetivos qualificar a relação dos jovens com a mídia e a tecnologia, de forma a assegurar que ela seja sempre balizada por valores como a humanização e o interesse coletivo. Considera-se a escola como espaço fundamental, assim tenta-se evitar que nela se faça uma incorporação meramente tecnicista desses recursos na aprendizagem. Partindo desse pressuposto, surge a oportunidade de investigar com os estudantes se o que é noticiado é verídico ou até mesmo qual seria a melhor forma de se noticiar determinado fato. Outra questão que precisa ser observada são os objetivos e a forma de se analisar isso. A partir desta ação, de educar a sociedade para os meios de comunicação é que mudaremos e avançaremos, para que os cidadãos possam ter autonomia crítica, participar dos debates com domínio de técnicas e conhecimentos que possam lhes dar poder de argumentação, diante das suas experiências e vivências.

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O jornal escolar é uma atividade de comunicação bastante popular nas escolas do Brasil. Professores, coordenadores, estudantes universitários em estágios e diversos outros grupos trabalham com essa ferramenta em suas atividades. Além desses profissionais, diversas empresas patrocinam e estimulam a produção de jornais nas escolas públicas de diversas cidades (SOBREIRO, 2015). Utilizar o jornal como ferramenta de apoio ou metodologia de ensino não é algo inédito. Célestin Freinet (1896-1966), pedagogo francês, é um dos educadores mais conhecidos e referenciados quando se fala em usar jornais como meio de expressão para que se gere aprendizado. O polonês Janusz Korczak (1878-1942), médico de formação e educador, também ganhou bastante visibilidade e reconhecimento por trabalhar com as crianças o jornal impresso, como aliado indispensável no processo educacional (SOBREIRO, 2015). Freinet sempre defendeu que os jornais escolares deviam ser produzidos unicamente pelos estudantes, desde a escrita dos textos até a impressão, ele também era defensor da substituição das redações – geralmente impostas com temas específicos pelos professores para os alunos produzirem textos – por confecções de jornais onde os alunos tinham direito a livre expressão e a opinar sobre os fatos de acordo com sua vivência de mundo (SOBREIRO, 2015). Tomando como base o modelo pedagógico de Korczak, o educador não deve ser aquele que sempre vai impor os conhecimentos aos alunos, mas sim o indivíduo que oferece para eles os diversos caminhos, dotando-os de espaços para que eles possam refletir e decidir pelo que melhor lhes convém. Sobre isso o autor comenta que: O educador que deseje realmente compreender a criança precisa controlar sua própria conduta, e o jornal se torna um perfeito regulador de palavras e atos, porque é uma crônica viva dos erros que comete e dos esforços que faz para corrigir. O


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jornal pode ajudá-lo também a se defender contra eventuais detratores, porque é tanto uma prova de suas capacidades quanto testemunho de suas atividades. Tudo isso faz dele um documento cientifico de grande valor. Os cursos de jornalismo pedagógico poderão talvez, num futuro próximo, ser inseridos no programa de ensino nas escolas para professores (KORCZAK, 1997, p. 332).

Pesquisa de Campo Nas escolas, optou-se pela realização de pesquisa com caráter qualitativo exploratório por permitir uma compreensão mais aprofundada sobre como vêm sendo desenvolvidos os trabalhos com o jornal nas instituições escolares e, desta maneira, estabelecer relações entre os dados levantados. A pesquisa qualitativa é entendida, por alguns autores, como uma “expressão genérica”. Isso significa, por um lado, que ela compreende atividades ou investigação que podem ser denominadas específicas. Segundo Trivinos (1987), a abordagem de cunho qualitativo trabalha os dados buscando seu significado, tendo como base a percepção do fenômeno dentro do seu contexto. O uso da pesquisa qualitativa procura captar não só a aparência do fenômeno como também sua essência, procurando explicar sua origem, relações e mudanças, e tentando intuir as consequências. Ainda de acordo com esse autor, é desejável que a pesquisa qualitativa tenha como característica a busca por: [...] uma espécie de representatividade do grupo maior dos sujeitos que participarão no estudo. Porém, não é, em geral, a preocupação dela a quantificação da amostragem. E, ao invés da aleatoriedade, decide intencionalmente, considerando uma série de condições (sujeitos que sejam essenciais, segundo o ponto de vista do investigador, para o esclarecimento do assunto em foco; facilidade para se encontrar com as pessoas; tempo do indivíduo para as entrevistas, etc.) (TRIVINOS, 1987, p.132).

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Para Gil (1999), o uso dessa abordagem propicia o aprofundamento da investigação das questões relacionadas ao fenômeno em estudo e das suas relações, mediante a máxima valorização do contato direto com a situação estudada, buscando-se o que era comum, mas permanecendo, entretanto, aberta para perceber a individualidade e os significados múltiplos. A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Segundo os autores, a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada via de regra, por meio do trabalho intensivo de campo. A preocupação maior na pesquisa qualitativa com o processo é muito maior que com o produto e o interesse do pesquisador se dar ao estudar um determinado problema, e verificar como ele se manifesta nas atividades, nos procedimentos e nas interações cotidianas. A aplicação de questionários possibilitou compreender os significados dos fatos, expondo características ou dimensões não aparentes do fenômeno estudado. Quanto aos objetivos, a pesquisa descritiva mostrou-se a mais adequada, pois se pretendia investigar se as práticas de planejamento e produção de jornais escolares teriam características educomunicativas e se estavam gerando aprendizado e leitura crítica da mídia. Ao definir a temática deste trabalho, optou-se por ir a campo e coletar dados para compreender como vem sendo utilizado o jornal em escolas no município de Campina Grande (PB). Para obtenção dos dados, coletou-se informações em três escolas municipais da cidade. O instrumento de coleta consistia em um só questionário, com 13 perguntas, dirigidas tanto para professores, quanto para coordenadores e estudantes, bem como algumas questões específicas para cada público.


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Os nomes dos respondentes e das escolas foram resguardados, atendendo aos preceitos da ética em pesquisas com seres humanos. Apresentação dos dados obtidos a partir das pesquisas nas escolas. Os dados obtidos advêm de questionamentos feitos a educadores e educandos sobre o tema tratado neste trabalho. Os questionamentos propostos foram aplicados a 66 pessoas, sendo 45 alunos (da primeira e segunda fase do Ensino Fundamental) e 21 professores. Os alunos que responderam, cursam os seguintes anos: Figura 1: Série que os alunos cursam na escola

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Fonte: produzido pelo autor

etária de:

Quanto a idades destes alunos, os mesmos possuem uma faixa Figura 2: Idade dos alunos


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Fonte: produzido pelo autor

Dos 21 professores que responderam o questionário, 15 deles ministram aulas, 3 são coordenadores e 3 são gestores. Sobre o tempo de serviço no magistério apresentam:

Figura 3: Tempo de magistério dos docentes

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Fonte: produzido pelo autor

Foi perguntando aos respondentes se era desenvolvido um jornal escolar na instituição e todos, tanto professores como alunos, responderam que sim, que eram desenvolvidos, consequentemente, sabem do desenvolvimento desta atividade. O objetivo do uso dos jornais na escola de acordo com os alunos consiste em: Figura 4: Objetivo do jornal escolar para os alunos

Fonte: produzido pelo autor


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Já os professores das três escolas acham que trabalhar junto aos alunos com jornais escolares é importante para que seja possível atingir os objetivos do Programa Mais Educação e para estimular a leitura e escrita, na proporção a seguir: Figura 5: Objetivo do jornal escolar para os professores

21 Fonte: produzido pelo autor

O questionamento seguinte indagava-os sobre a contribuição dos jornais escolares para o processo de ensino e aprendizagem. Os resultados foram os seguintes:

Figura 6: Opinião sobre a contribuição do jornal escolar na aprendizagem

Fonte: Produzido pelo autor


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Quanto as justificativas todas centraram-se na afirmação que o jornal possibilita a leitura, a escrita e a aplicação das normas gramaticais e de redação, gerando, dessa forma, aprendizagem. Ambos os públicos, tanto alunos quanto educadores, em sua quase totalidade fizeram tal afirmação. Quanto ao questionamento se haviam reuniões, docentes e/ou discentes para planejamento de pauta, avaliação de edição, definir normas e regras de publicação, obteve-se não como resposta, nem professores nem alunos realizam reuniões para discutir e melhor planejar as edições jornalísticas. Figura 7: Reuniões de planejamento e avaliação

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Fonte: Produzido pelo autor

A questão seguinte versava sobre a redação dos textos que eram contidos nas edições, se estes textos, em sua grande maioria, eram escritos por alunos ou professores. A resposta foi unânime, de maneira tal que afirmaram que boa parte dos textos são produzidos pela coordenadora pedagógica e professores e quando feitos por alunos, ainda passam por revisão e por vezes alteração sem que haja uma discussão democrática ou explicação sobre retiradas de alguns fatos contidos nos textos.


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Figura 8: Produção de texto do jornal

Fonte: Produzido pelo autor

Também se indagou se os jornais prontos, além de impressos, eram disponibilizados em algum espaço virtual, tais como: Redes sociais, blogs, sites, etc. E novamente todos responderam que não. As produções consistiam apenas no modo tradicional e não abrangiam nenhum meio virtual.

Figura 9: Disponibilidade do jornal em espaços virtuais

Fonte: Produzido pelo autor

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Em seguida, foi perguntado enquanto educador ou alunos se achavam que a utilização dos jornais nas escolas contribui para outros aspectos teóricos metodológicos, obtendo os seguintes resultados:

Figura 10: Benefícios do jornal na escola

24 Fonte: produzido pelo autor

Quanto à questão anterior, a maioria dos professores, o correspondente a 56%, afirmou que a utilização dos jornais contribui somente para desenvolver a leitura e a escrita dos envolvidos na atividade. No que tange a conhecer e usar a linguagem midiática, apenas 44% afirmaram que o objetivo do jornal deve abranger também essa área. A última indagação consistia em saber se alunos e professores já tinham participado de algum curso ou formação específica para trabalhar com jornais em salas de aula e em escolas em geral e como resposta obteve-se um não. Ninguém tinha participado de algum evento que oferece metodologias para melhor desenvolver, planejar e avaliar os jornais escolares.

Análise dos Dados


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A partir dos dados obtidos através dos questionamentos realizados com alunos e professores, foi possível fazer uma breve constatação de como vêm sendo trabalhado os jornais nas escolas públicas municipais da cidade de Campina Grande (PB). Muitas das vezes, por falta de formação adequada, esses profissionais, que tentam inserir essa metodologia complementar para dinamizar a escola e tornar os alunos mais atentos às diversas linguagens que a mídia se utilizam para transmitir informações, não obtêm êxito em suas práticas. Pode-se justificar essa afirmação através dos dados obtidos e relatados anteriormente, pois muitos docentes declaram que nunca participaram de nenhum curso ou experiência anterior que aborde a relação mídia e educação. É possível observar, através das respostas, que o trabalho com uso dessa mídia tem uma participação maior de estudantes que cursam o 2º e 3º anos da primeira fase do Ensino Fundamental e vai diminuindo conforme são aprovados para cursarem as séries seguintes. Outra problemática encontrada nas escolas consiste na elaboração e organização dos jornais escolares tão somente pelas coordenadoras pedagógicas. E isso de certa forma impede que os trabalhos que envolvem mídia e educação deixem de ter uma gestão participativa e comunitária. Há a consciência tanto de professores como de alunos que o jornal ajuda no processo de ensino e aprendizagem, porém falta-lhes o suporte metodológico e formador para que eles tenham a capacidade de saber utilizar e ir além do básico, do simples e do superficial quando se trabalha com esse veículo de informação e que pode ser utilizado como metodologia na sala de aula, no ambiente escolar. Permitindo, assim, que o privilégio e o direito a comunicação seja delegado a poucos, o que pode se constatado quando os respondentes afirmam que inexistem reuniões, planejamentos, discussões de pauta, avaliação de resultados e de edição com os alunos. A partir do momento

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em que não se abre espaço para o diálogo, troca de informações/ opiniões/experiências o processo educacional pode não gerar resultados satisfatórios no desenvolver do processo ensino-aprendizagem, e é isso que ocorre. Em um patamar geral é notório que o entendimento sobre o que se pode trabalhar com jornais no ambiente escolar é reduzido, nas instituições que serviram de base para esta pesquisa. Nada do que é feito e produzido lá é divulgado na Internet e, bem sabemos, que esse espaço virtual é amplamente utilizado pelos jovens atualmente. Há compreensão de que o jornal feito em sala de aula apenas tem utilidade para se trabalhar alguma temática sem aprofundamento do Programa Mais Educação e estimular a leitura e escrita dos poucos alunos que sentem alguma curiosidade e prazer em trabalhar com essa ferramenta.

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Considerações Finais O que se observa em suma é que, não há uma preocupação do Estado em capacitar, formar professores para que estejam aptos a desenvolver, em uma perspectiva mais ampla, o jornal escolar com os alunos. Outro aspecto que gera espanto consiste na questão em que os alunos escrevem os textos de acordo com o que aprenderam até o momento, não recebem uma formação sobre: como se produz um jornal; quais são os formatos e gêneros jornalísticos; como usar essa ferramenta em diversas disciplinas do currículo; como lançar um olhar crítico sobre o que vêem na grande mídia e estabelecer relações com os assuntos estudados em sala de aula; sobre como construir um veículo de comunicação educativo - com foco na escola, interesses da comunidade escolar, entre outros. O que se vê é que quando o aluno produz um texto e a coordenadora considera-o como apropriado para constar no jornal, seleciona-o e lá estará, pois foi isso que a pesquisa detectou.


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Outra problemática encontrada nas escolas consiste na elaboração e organização dos jornais escolares tão somente pelas coordenadoras pedagógicas. Professores, gestores e alunos apenas complementam com textos para serem publicados. Essa observação, desenvolvida quando este pesquisador atuou profissionalmente nas instituições, foi um dos principais fatos que veio a estimulá-lo a elaborar uma pesquisa nesta área com observação mais aprofundada sobre como as atividades eram desenvolvidas, podendo assim constatar que podem ser melhor repensadas por todos, de tal modo que possam construir um produto educomunicativo, que realmente seja oriundo de uma gestão participativa e comunitária na perspectiva de Freinet. Além disso, ficou constatado que docentes e alunos têm no jornal escolar apenas um instrumento metodológico, que visa tão somente divulgar informações da escola e estimular os jovens a escrever e a ler. É necessário disseminar neles a consciência de que os jornais também podem e devem ser objetos de análise e debate, oferecendo aos jovens conhecimentos e capacidades críticas diante das mensagens das grandes mídias; que possam analisar e criticar, com argumentos sustentáveis, as opiniões dos veículos de comunicação, exercendo a sua cidadania e tornando a sociedade mais dialógica

Referências

FREINET, Celéstin. O jornal escolar. Lisboa: Editorial Estampa, 1974. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1999. KAPLUN, Mario. O comunicador Popular. 2ª Ed. Quito: Ciespal, 1985. KORCZAK, Janusz. Como amar uma criança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

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SOBREIRO, Marco Aurélio. Célestin Freinet e Janusz Korczak: precursores do jornal escola. Disponível em:<http://www.usp.br/nce/wcp/arq/textos/145.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2015. SOARES, Ismar Oliveira. Educomunicação - o conceito, o profissional, a aplicação: contribuições para a reforma do ensino médio. 1ª ed. São Paulo: Paulinas, 2011. TRIVINOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

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MOVIMENTO #OCUPAPRAÇA : Entrelaçando resistências pelos direitos à cidade e à comunicação 1 Sarah Fontenelle Santos 2 Luan Rusvell de Abreu Andrade 3 Luciene do Rêgo da Silva 4 Resumo: Este trabalho se propõe a realizar uma discussão entre cidade e comunicação e as vivências de resistências pelos sujeitos protagonistas de sua história. De outro lado, se realiza uma crítica ao modo como a mídia regional nega o direito da população de dizer a sua palavra, bem como nega o acesso a outros direitos, segundo o qual se observa falta de participação e uma discussão ampla sobre a cidade. O caminho da análise tomou como base o Sistema Clube de Comunicação afiliado à Rede Globo e se utilizou do Portal de Notícias G1 Piauí, por meio do qual se observou o conteúdo manifesto sobre o Movimento #OcupaPraça nas matérias escritas, bem como as matérias televisivas transmitidas na TV Clube que são posteriormente lançadas no Portal. A análise apontou que o debate de democratização da comunicação deve ser ampliado, do ponto de vista em que se compreende que o cenário regional repete o modelo monopolista e concentrador dos meios de comunicação, o qual impede uma participação da população nos diversos temas prementes não apenas na cidade, mas também do campo. Palavras-Chave: Direito à cidade 1. Direito à comunicação. 2. Movimento Ocupa Praça 3 Mídia regional.

1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Graduada em Jornalismo e Relações Públicas pela UESPI (Universidade Estadual do Piauí), Especialista em Educação contextualizada no semiárido pela UESPI e Mestra em Comunicação pela UFPI (Universidade Federal do Piauí), fontenellesarah@gmail.com. 3 Estudante do curso de Arquitetura da UFPI, luanrusvell@gmail.com. 4 Graduada em Letras Português-Francês na Universidade Federal do Piauí. Colaboradora do Projeto de Pesquisa Teseu o labirinto e seu nome. Integrante do Núcleo de Pesquisa Sobre Africanidade e Afrodescendência – Ifaradá. Professora da Atividade de Extensão SWDL (Sollen wir Deutsch Lernen) - curso de extensão desenvolvido na Universidade Federal do Piauí, rslucy@hotmail.com.

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Introdução

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Este artigo discute a relação entre a cidade e a comunicação em uma perspectiva de direitos. Encontrar o elo existente entre o concreto da cidade e as formas de comunicação, buscando sempre o que há de direito, ou sua negação, entre um e outro é o que nos moveu. Para tanto, registramos a luta do movimento #OcupaPraça, que há quase sete meses (até o presente momento) defende a Praça das Ações Comunitárias do Parque Piauí, periferia Sul da Capital Teresina (PI). Em defesa do patrimônio comunitário, da flora e fauna existente ali, dos espaços culturais da periferia, este movimento resiste no entendimento de que o direito à cidade, requer necessariamente uma participação em suas indas e vindas. Desta feita, os meios de comunicação, que em sua essência, ao menos no tocante ao papel idealizado desde os organismos internacionais às leis constitucionais, no entender dos movimentos sociais, deveriam garantir-se enquanto espaço de debate e construção plural, além de ser um direito que dá acesso a outros direitos, não cumprem este papel. Não obstante, garantem os interesses daqueles que (des)constroem a cidade ao bel prazer dos lucros de alguns. Temos sido refeitos a cada dia sem saber o porquê e nem como (HARVEY, 2013), isto muda a dinâmica dos sujeitos das cidades. As cidades se desconstroem, reconstroem e se constroem em uma velocidade vertiginosa, atendendo as necessidades do modo de produção capitalista. Essas mudanças acontecem sem nenhum respeito à memória e à funcionalidade em relação aos usos feitos pela população. O trânsito muda corriqueiramente. Não se sabe bem o porquê, mas Teresina, a olhos nus parece um grande canteiro de obras, no entanto é sabido que o baque das transformações serão sentidos por quem de fato vive a cidade, quem pega ônibus, quem precisa atravessar uma rua, quem precisa se deslocar de um canto a outro. Para citar exemplos de como isso acontece po-


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demos lembrar a construção da chamada Ponte do Meio (alargamento da Ponte Juscelino Kubitschek, construída sem a projeção das alças da ponte) trazendo a ameaça da demolição do histórico passeio da Av. Frei Serafim; a demolição dos prédios históricos do centro da capital para construção de estacionamentos; hospitais privados e outros estabelecimentos comerciais. Não podemos esquecer a resistência dos moradores da Av. Boa Esperança que lutam contra a remoção de suas moradias para construção do megaempreendimento urbanístico chamado Lagoas do Norte. Para esta análise se escolheu o Sistema Clube de Comunicação afiliado à Rede Globo e segundo o site Donos da Mídia possui quatro veículos, sendo eles Clube FM 99, 1 (Teresina-PI), Rádio Club AM (Teresina-PI), TV Alvorada (Floriano-PI) e TV Clube (Teresina-PI). Optou-se por analisar o Portal G1 Piauí, o mesmo é ligado ao portal de notícias da Rede Globo Nacional. A partir disso, procuramos examinar as matérias escritas do portal relativo ao movimento Ocupa Praça, como também se valeu da pesquisa do material do Jornal Televisivo, TV Clube 1ª Edição e TV Clube 2ª Edição, presentes no mesmo site. A leitura desta comunicação nos permite problematizar a mídia regional e (não) envolvimentos com o cotidiano dos sujeitos das cidades. Tal como a mídia nacional que restringe suas possibilidades aos grandes centros urbanos, principalmente o Sudeste, em alguma medida inserindo aspectos de outras regiões, a Globo local repete o mesmo padrão de negação da pluralidade. Piauí TV é o nome utilizado pelo telejornal local brasileiro, produzido pela TV Clube e exibido em duas edições no estado do Piauí. A primeira edição exibida em rede estadual vai ao ar às 12h e a segunda edição vai ao ar às 19h10min. O jornal enfoca diariamente – de segunda a sábado – notícias ligadas ao Piauí ou que tenham relevância para o Estado. Até 1987, era exibida, à noite, uma terceira edição do telejornal, o PITV - 3ª Edição. Em 2010, ganha um novo cenário e novo meio de pro-

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dução, ligado de forma mais substancial ao conhecido Padrão Globo de Qualidade. Dados da pesquisa Ibope5 realizada em 2010 apontam um público da primeira edição do telejornal formado em grande parte por pessoas entre 25 e 49 anos (44%). O público entre 18 e 24 anos é o segundo (20%) e maior que 50 anos (16%). A classe social predominante é a “C”, com 53% do público. Classes “A” e “B” correspondem a 17% e “D” e “E”, a 30%. A primeira edição do Piauí TV obtém uma participação de 45,3% dos televisores ligados no horário. Os dados para a segunda edição são parecidos com a primeira. O público entre 25 e 49 anos continua como maioria (46%). Na sequência os telespectadores com mais de 50 anos (20%) e entre 18 e 24 anos (16%). A classe C também predomina nesta edição e corresponde a 55% do público, contra 33% das classes D e E e 12% das classes A e B. A cidade e a comunicação, por quais vias se tocam? Mas afinal, o que tem a ver o direito à cidade e o direito à comunicação? Comecemos recorrendo às teorizações do latino americano Martín-Barbero: “A supervalorização da informação. Muito além da mitologia da “sociedade de informação”, é certo que por ela passam transformações fundamentais e avanços formidáveis do sistema produtivo, da administração, da educação (MARTIN-BARBERO, 1998, p. 7). A informação sendo supervalorizada e os meios de comunicação sendo lugar por meio do qual os habitantes de uma cidade recebem a maior parte de sua informação acaba por dar os caminhos de interpretação de uma rea5 Dados divulgados pelo departamento comercial da TV Clube, referentes à pesquisa Ibope realizada em novembro de 2010, acessível em:http://www.ibope.com.br/pt-br/conhecimento/historicopesquisaeleitoral/documents/13_08_resumo_pi.pdf. Acessado em novembro de 2015.


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lidade, muitas vezes cortando os vínculos dos indivíduos com as possibilidades de pensar uma cidade coletiva, segundo o desejo de seu coração. O que nos faz lembrar Robert Park, apud Harvey, para quem a cidade nada mais é do que o mundo criado segundo o desejo do coração dos homens. Não seria demais notar que em um país onde a concentração dos meios de comunicação solapam as condições de democratização, a mídia seja mais do que veículo de transmissão. É notório que os meios de comunicação se restringem a apenas repassar informações, muitas das quais sequer anunciam os fatos, mas jogam reinventando os mesmos, negando assim, o direito à comunicação que, por sua vez, restringe as possibilidades de ter acesso aos outros direitos e lutar por eles, tais como o direito à cidade, o direito ao transporte público, à educação e etc. De outro lado, urge que essa comunicação seja não apenas acesso, mas produção, gestão e possibilidade de distribuição por parte de quem quer queira fazer uso da mesma e não apenas segundo a vontade de quem detém os meios de produção. Ainda segundo Martín-Barbero, se costuma atribuir aos meios de comunicação a culpa pela homogeneização da vida, quando na verdade é a cidade que o faz impedindo as expressões e crescimento das diferenças. Ora, se é a cidade que o faz, há de se convir que não o faz sozinho, mas com a ajuda da parafernália tecnológica que não está nas mãos de quaisquer cidadãos, mas daquela fatia que se alimenta da cidade que serve ao modelo de produção capitalista. Há no mínimo uma retroalimentação de interesses. Como explica Mcquail (2013), a partir de um ponto de vista materialista, os meios de comunicação configuram-se como um aspecto da sociedade “base ou estrutura”, a cultura de uma dada sociedade terá relação dependente com a estrutura de poder econômico, em que os meios de comunicação desempenham um papel que vai estabelecer ou limitar determinados posicionamentos, a depender de

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quem detém os meios para isso. Ora se a estrutura da cidade obedece a um modelo de produção capitalista, desde seus primórdios industriais, não é exagero compreender que as indústrias culturais, tal como compreendemos os meios de comunicação do ponto de vista da Economia Política da Comunicação, serviria aos interesses vigentes que fortalecem esta cidade, como espaço de produção capitalista, obedecendo assim a uma paisagem, uma arquitetura, a um trânsito, enfim, configurando-se para corresponder as necessidades impostas.Neste caso, destaca-se os interesses de uma cidade que mantenha um transporte que possibilite a ida e a vinda das massas de trabalhadores do lar para o trabalho e vice e versa. A comunicação poderia ser canal para problematizar situações cotidianas, que na melhor das hipóteses tornam-se apáticas para vestirem o manto da neutralidade. No entanto, é preciso ler nas entrelinhas como se configuram os meios de comunicação e o papel que cumprem, pois, se de um lado há a aparência de equidade entre os embates e conflitos veiculados pela mídia, é sabido que há de fundo, interesses intrínsecos. Para Bolaño (2010), a dupla funcionalidade das indústrias culturais está a “serviço do capital individual monopolista em concorrência (função publicidade) e do capital em geral, ou do Estado (função propaganda), servindo como elemento-chave na construção de hegemonia” (BOLAÑO, 2010, p. 45). A terceira condição de funcionalidade apontada pelo autor está ligada à reprodução simbólica “de um mundo da vida empobrecida de suas condições de autonomia” (BOLAÑO, 2010, p. 45). A partir do viés crítico se observa o todo social ou a totalidade das relações sociais que constituem os campos econômico, político, social e cultural (MOSCO, 1999), mas compreendendo que as partes são dialéticas e se tocam entre si, quer dizer, não estão engavetadas e distantes umas das outras.


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De outro lado, se não há escola que tenha sua contra escola (GALEANO), é válido lembrar uma reivindicação dos movimentos sociais, que é a compreensão do direito humano à comunicação. Se há uma concentração dos meios de comunicação é preciso lembrar que tal é garantida como um direito na Constituição Federal de 1988, onde inclusive as concessões de rádio de e TV são outorgas públicas que deveriam cumprir uma função social. Desde esse ponto de vista é importante lembrar Peruzzo:

Nos anos recentes, a questão do direito à comunicação volta à cena e reafirma os preceitos legais, historicamente conquistados que garantem o acesso à informação e o direito à liberdade de opinião, criação e expressão e, ao mesmo tempo, são enfatizadas novas perspectivas. Entre elas podemos destacar a contestação do desrespeito às minorias e aos direitos humanos pela mídia, os direitos culturais e a defesa do acesso das pessoas também aos meios de comunicação de tecnologia avançada. (PERUZZO, 2010, p.3)

Parece-nos que a reivindicação por parte de cada cidadão e cidadã pelo direito de comunicar e não apenas receber informações prontas está cada vez mais na pauta do dia, sobretudo, com o advento da internet, embora o caráter restrito a este espaço também não contemple as necessidades deste direito, como um todo. A reivindicação está também na importância de apropriação de meios massivos como rádio e TV. Peruzzo (2010), destaca que se trata de sair da compreensão do direito individual ao direito coletivo, direito dos grupos humanos, dos movimentos coletivos e das diversas formas de organização social de interesse público. Mas como dialogar a perspectiva de democratização dos meios de comunicação e o direito humano à comunicação quando os processos privados de comunicação dominam o cenário, seja ele nacional ou regional?

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Assim como a situação nacional de extrema concentração dos meios de comunicação, em nível regional a concentração atinge também os graus de autonomia e protagonismo de uma população habituada a receber informações prontas dos meios de comunicação. No Brasil, os conglomerados que lideram as maiores redes privadas são cinco, segundo o projeto Donos da mídia1: Globo, Band, SBT, Record e Rede TV, que seguem direta ou indiretamente controlando os principais veículos de comunicação do país. Sendo que 34 é o número total de redes de TV e 1511 o total de veículos ligados às redes de TV e a seus respectivos grupos afiliados. “Este controle não se dá totalmente de forma explícita ou ilegal. Entretanto, se constituiu e se sustenta contrariando os princípios de qualquer sociedade democrática, que tem no pluralismo das fontes de informação um de seus pilares fundamentais” (DONOS DA MÍDIA, 2015). Seguindo a tendência internacional e nacional da comunicação, a concentração dos meios de comunicação no Piauí é acentuada. Segundo Donos da Mídia, atuam somente 3 grupos de comunicação: o Sistema Clube de Comunicação, o Grupo Tajra e o Sistema Integrado Meio Norte. Ressalte-se que o grupo Tajra destacado pelo Donos da Mídia, na verdade, dividem-se em dois, que apesar de controlados por pessoas da mesma família, têm redes diferentes, sendo elas Cidade Verde e TV Antena 10. Ainda segundo o mesmo estudo, o Estado totaliza 10 redes de TV atuando, sendo 3 redes de grupos religiosos. No total, são 139 o número de veículos que produzem comunicação no estado. É urgente notar que, se de um lado, há o discurso de que há participação regional no cenário da comunicação, ela ainda se limita a um espalhar geográfico antes mesmo de qualquer tentativa de democratizar o direito de dizer a palavra de uma diversidade tão grande. O modo de fazer comunicação se repete desde o Sudeste, local que hegemoniza a


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produção de comunicação tal qual o modelo a ser implementado, até os rincões nordestinos. Sendo assim, os meios regionais mais do que representam uma mudança no cenário, acabam servindo a outros interesses, que não os direitos humanos à comunicação, mas aos de mercado. Sendo a mídia regional uma importante estratégia de mercado para a captação de consumidores podemos inferir que os efeitos da globalização acirraram as disputas pelo espaço local, uma vez que através da inserção da mídia regional, pode-se incrementar a programação de um determinado meio de comunicação nos aspectos que envolvem credibilidade, e a busca por uma identidade regional, como cita Brittos e Andres (2010). O acréscimo de produtos culturais, tanto nacionais quanto internacionais, ocasionou um redimensionamento da cultura local, invadida por tendências diversas, a partir das décadas finais do século XX. Contudo, diante da concorrência ocasionada pelo surgimento de novos players no mercado, a cultura regional passou a ser novamente valorizada pelas emissoras de televisão, que vêm procurando cada vez mais regionalizar sua programação, como forma de conquistar sua identidade regional, uma estratégia para despertar maior credibilidade. (ANDRES E BRITTOS, 2010. p. 4).

Faz-se necessário refletir profundamente sobre o que significa regionalizar a comunicação. Para Peruzzo (2005), os meios de comunicação de uma dada região ou localidade, se ancoram na informação gerada dentro de um território de pertença ou identidade. No entanto, estas informações podem tanto servir como ancoradouro para legitimar um discurso que mantém o status da sociedade capitalista, como também podem repetir o mesmo modelo e ideário monopolista. No caso, o grupo escolhido, Sistema Clube Comunicação, sendo afiliado à Rede Globo, incorpora o mesmo padrão de produção da notícia e isto fica notório,

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inclusive, no que diz respeito a padronização da apresentação dos jornalistas, que sacrificam até o seu sotaque. E como a produção dessa comunicação afeta os sujeitos? No que toca a este trabalho, cabe pensar também diversidade e pluralidade de vozes. Desta feita, é instigante questionar os meandros desta comunicação e sua aproximação ou não aproximação das diferentes narrativas da cidade e de seus sujeitos. Adiante apresentamos os sujeitos de uma localidade, Conjunto Parque Piauí, que guarda uma história dentro de uma cidade, apresentando-se sua diversidade, suas cores, suas memórias, suas defesas e crenças, diante da qual é possível apostar que pouco se problematizou diante dos meios de comunicação. Parque Piauí: concebido às margens do direito à cidade

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Teresina, hoje com uma população de aproximadamente 850 mil habitantes, é a capital e município mais populoso do estado do Piauí, sendo a única das capitais nordestinas fora do eixo litorâneo. (IBGE, 2010). Seu traçado urbanístico, desde sua fundação em 1852, seguiu (transversalmente) aos conceitos de cidade moderna. O rabisco modernista da capital piauiense se espraiou pelas margens, a partir do seu eixo central, e acompanhou a tendência nacional de crescimento vertiginoso, que espalhou sua malha urbana. (TERESINA, 2007; MELO e BRUNA, 2009). Sua organização socioespacial e o acesso direto à terra, desde sua concepção, é reflexo das contradições sociais embrulhadas no tecido urbano. O traçado da cidade de Teresina foi planejado com uma clara destinação do uso social do seu espaço, como todas as cidades da época, ficando reservada a área central às elites, próximo às instalações dos poderes político-administrativo, econômico e religioso e, aos pobres, a periferia desse centro. (LIMA, 1996)


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Acompanhando o cenário nacional, a organização interna da cidade de Teresina foi fruto, principalmente a partir da década de 1950, da ação concreta do setor industrial, que, atraído pelo baixo valor do solo urbano e pelo interesse mútuo dos agentes detentores do poder, instalou, ao final da década de 1960, o Distrito Industrial de Teresina (DIT) na região sul do município. Seguindo os mesmos cálculos do valor do solo urbano e a lógica unilateral da oferta de terra, o Conjunto Habitacional Parque Piauí, concluído em 1968, foi produto das primeiras políticas habitacionais implementadas no estado. (FAÇANHA, 2003; TERESINA, 2007).

Cabe ressaltar as vias pelas quais foram elaborados os planos para implantação desse conjunto: o bairro Parque Piauí, acompanhado de diversos outros conjuntos habitacionais construídos na cidade de Teresina, seguiu à risca o modelo de política habitacional implementada na sociedade pós-industrialização. O bairro, que já nasceu periférico, foi o responsável por abrir as fronteiras ao sul da cidade de Teresina, criando um novo limite dentro do perímetro urbano. (FAÇANHA, 1998). Os subúrbios, sem dúvida, foram criados sob a pressão das circunstâncias a fim de responder ao impulso cego (ainda que motivado e orientado) da industrialização, responder à chegada maciça dos camponeses levados para os centros urbanos pelo “êxodo rural” (...) Com a “suburbanização” principia um processo que descentraliza a Cidade. (LEFEBVRE, 2001, p.24-25) Construído em duas etapas, até o fim da década de 1960, em sua primeira fase, o conjunto Parque Piauí representou quase 78 por cento de toda a produção habitacional dentro da cidade de Teresina. (BORRALHO, 1979). Visto como o maior empreendimento habitacional do estado da época, atendendo a logística da especulação imobiliário e sob a perspectiva do poder estatal, o conjunto abrigou uma boa parte da população que chegava à capital, vinda principalmente do interior do estado e

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de estados vizinhos, vítimas do êxodo rural, em busca do sonho da casa própria. (MELO E BRUNA, 2009).

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Figura 1 - Mapa de evolução da ocupação do perímetro urbano de Teresina-PI. (FAÇANHA, 1988) Se os números falam por si, a perversa lógica da produção em escala findou a primeira década de implementação da política habitacional com saldo positivo para o Estado, limitando diretamente as relações sociais de um conjunto geograficamente isolado. No entanto, mais tarde, esse quadro histórico-estrutural e o contexto sócio espacial serviu de referência para uma unidade de luta daquela comunidade.


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Pois bem, a ocupação foi decretada! A saturação do modelo de cidade em curso hoje em nosso país demonstra a crise da democracia e vem reeditando as formas de luta pelo espaço urbano. O que une os movimentos do tipo “ocupe” é a forma como articulam essa nova linguagem de reivindicação pelo direito à cidade, reverberando o sentimento de pertencimento político, estimulado, em nível global, pelo Occupy Wall Stret. No território nacional, diversos exemplos de luta engrossaram as pautas dentro das jornadas de redemocratização da cena política e escolheram as ruas como palco. Nesse cenário podemos citar o Movimento Ocupe Estelita, em Recife, o Ocupe Cocó, em Fortaleza, Ocupe Golfe, no Rio, ou ainda o Ocupe Parque Augusta e as ocupações das escolas estaduais em São Paulo que, de uma forma ou de outra, partilham da mesma essência da ocupação decretada ao sul da cidade de Teresina. É sob estas tensões de luta pelo território teresinense, tendo como protagonistas os moradores do bairro Parque Piauí e o antagonismo da política urbana desenhada no município: de um lado, organismos políticos governamentais aliados a empresários do setor imobiliário, de outro, cidadãos e cidadãs que reivindicam seu espaço dentro da cidade, o movimento Ocupa Praça se instalou na principal praça daquele bairro, dando início a um dos maiores atos de contestação coletiva do modelo de cidade inclusiva, publicizado pela mídia local e patrocinado pela gestão municipal teresinense. O projeto que precedeu o levante comunitário, é o imposto dentro do Plano Diretor de Transportes e Mobilidade Urbana de Teresina. O documento, apresentado no ano de 2008, previa a necessidade de construção de 8 terminais de ônibus, 2 na zona sul da cidade, um deles no bairro Parque Piauí. O projeto de integração física do transporte coletivo, proposto para Teresina e já implantado em outras cidades, é um regresso se comparado ao atual sistema de integração por bilhetagem

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eletrônica, em vigor atualmente no município. Sim, abrindo um parêntese para citar os interesses mútuos entre a gestão municipal e o empresariado do transporte coletivo, podemos afirmar que a cidade dá um passo para trás: dos 8 terminais, com custos totais de 30 milhões e com previsão de entrega para o segundo semestre (provavelmente nas vésperas das eleições municipais), 3 ainda não saíram do papel e os que estão em fase de construção vem gerando impactos socioambientais negativos nas áreas de implantação, como a derrubada de dezenas de outras árvores no Bairro Itararé, periferia sudeste de Teresina. É valido também refletir sobre os resultados efetivos dessa obra dentro do conceito mais amplo de Mobilidade Urbana. Revisando o estabelecido pelas diretrizes da lei federal 12.587/2012 da Política Nacional de Mobilidade Urbana, a recente empreitada em nome do transporte público de Teresina fere dalguns traços do recomendado pelo Ministério das Cidades. Dentro dos princípios estabelecidos, o item “desenvolvimento sustentável” deve ser alertadamente questionado na proposta de implantação dos terminais, que não apresentou estudos claros de impacto de vizinhança, impacto de frota de veículos e sem licenças ambientais sérias. A má destinação dos recursos públicos se confirma na ainda sucateada frota de ônibus, cujos investimentos não acompanharam o crescimento da demanda e restringiu ainda mais o acesso ao transporte público após o aumento recente (janeiro de 2016) de 10% na tarifa. “A Praça fica, o terminal sai” O projeto “Cidade para todos” (lema da Prefeitura Municipal de Teresina), seguindo o previsto no Plano Municipal de Transportes e Mobilidade Urbana, chegou à comunidade do Parque Piauí erguendo tapumes e isolando a mais tradicional praça do bairro. Na manhã de 4 de Outubro de 2015, o grupo primogênito do movimento, reivindicou


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sua participação no processo de planejamento do seu bairro e retomou a posse do seu patrimônio comunitário. “A praça fica, o terminal sai” dizia a comunidade. No Conjunto Parque Piauí este sentimento de ocupação aconteceu de modo bem peculiar, a começar pelos sujeitos protagonistas no processo, que vinha desde ativistas ambientalistas, militantes pelo direito á cidade, vizinhos dos bairros próximos, até os idosos moradores. Esta heterogênea composição após uma reunião com as pessoas que vinham de um ato público em defesa da praça, no mercado do bairro, optou coletivamente por derrubar os tapumes que estavam cercando toda a localidade, ação esta amplamente apoiada pelos moradores dos arredores, que logo se mobilizaram levando água e alimento, assim como redes e colchões para os ocupantes. Os tapumes de metal já geravam danos e constrangimento aos moradores, que tomados de assalto, se perguntavam o que significava o cerceamento, pois sequer foram avisados pela Prefeitura. Tal configuração também gerava perigo, pois os moradores tinham que escolher rotas outras para chegar em suas casas, já habituados a cortar a praça. A paisagem do bairro mudou completamente representando uma grande muralha cortando o bairro. É válido lembrar que a praça tem significação a todos os bairros vizinhos, que por ali passam indo e vindo de suas rotinas diárias. São trabalhadores que atravessam de bicicleta, são estudantes que atravessam bairros caminhando por ali, os trabalhadores estivadores que todos os dias se encontram ali a espera de trabalho, dentre outros usos. Desde então essas pessoas passaram a dormir na praça se revezando em turnos e planejando diversas atividades no local. Foram organizados reuniões, debates, eventos artísticos e manifestações culturais, tais como apresentações musicais e teatrais.

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As notícias: do céu ao inferno, que vença o que for melhor pra ambos os lados?

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Feita esta breve contextualização calcada na compreensão de como se configura a mídia regional e o Sistema Clube de Comunicação, vamos à análise das notícias. É possível observar uma mudança gradativa na forma de noticiar o movimento Ocupa Praça, com um recorte temporal. No início da ocupação, 04 de outubro de 2015, até as matérias mais recentes no ano de 2016 o movimento, aos olhos da Globo local, passou de protetores da natureza ao patamar de bloqueadores do progresso do sistema de mobilidade da cidade de Teresina. Na matéria escrita, no portal, do dia 06/10/15 o título “Grupo acampa em praça para impedir derrubada de quase 200 árvores no PI”, é apontada a existência de um grupo heterogêneo na luta, tanto população como ambientalistas. Há uma discussão rasa em defesa da natureza, mas não aprofunda a questão ambiental, nem o projeto dos terminais de ônibus e tão pouco a problemática da mobilidade urbana. Este tom se seguirá por todo o período, que ainda não se encerrou, vide que a praça continua ocupada até o presente momento. No dia 08/10/15 o portal noticia o embargo da obra “Liminar suspende obra de terminal em praça na Zona Sul de Teresina Local está ocupado por moradores da área desde o último domingo (4)”. Esta matéria se limitou a informar o embargo e a multa aplicada à Prefeitura caso continuassem as obras e contextualiza o que é o movimento Ocupa Praça. Não se enxerga um debate de fundo, com problematizações mais contundentes a cerca da questão. Assim, seguem as narrativas do portal. Na matéria do dia 09/12/15, chamamos atenção para o fato de que houve ampla cobertura para o show de uma banda nacional que em sua turnê apresentou-se na Praça, atendidos por enquete em rede social. O título da matéria é “Banda ‘faz som’ com sucata durante show em praça ocu-


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pada há 2 meses”, traduz como a mídia categorizou o movimento, destacando sempre as atividades culturais que ocorriam na praça. Assim, há um enfoque no show, mas ao final da matéria se destacou a causa em defesa das árvores. Muitos acontecimentos se seguiram desde os primeiros dias de ocupação, inclusive, estratégias da PMT de jogar as comunidades do entorno do Conjunto Parque Piauí, contra a ação dos manifestantes, sob a justificativa de que a obra beneficiaria mais pessoas. O discurso também atingiu o modo da mídia olhar o movimento. Fica notório na matéria do dia 12/02/16 que tem a manchete “‘Só quem perde é a população’, diz prefeito sobre polêmica em terminal”. No lead da matéria é possível ler “Declaração foi dada durante solenidade de entrega de 25 novos ônibus. Terminal ainda é problema judicial, mas prefeito garante que será construído”. A estratégia aqui passa a ser considerar a vitória já dada por parte da PMT. A mesma matéria enfoca a aquisição da nova frota e enaltece fala do Prefeito Firmino Filho de que os terminais do Bairro Dirceu Arcoverde estariam prontos ainda no final de abril de 2016. Na matéria há um breve comentário sobre a precariedade do sistema de transporte na capital, ao que é respondido pelo Prefeito “O transporte coletivo é um grande desafio para a cidade. E o crescimento da cidade prejudicou tanto o transporte individual como o transporte coletivo”, prosseguindo ele considera que a aquisição dos 25 ônibus, 2% da frota total, irão resolver os problemas de lotação. No entanto, na mesma matéria aponta-se que a aquisição não é para acrescer na frota, mas substituir. Apesar da matéria ser sobre a aquisição da frota e destacar a questão da superlotação dos transportes, a mesma fez defesa pela aceleração da construção dos terminais, que pouco tem a ver com a questão da superlotação, mas com a questão das rotas de transporte.

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Contraditória à matéria veiculado no mês anterior, 13/01/16 “Em noite cultural, populares voltam a protestar contra Terminal de ônibus”, a matéria destaca o festival da resistência e dá espaço para moradores comentarem sobre suas intenções em preservar a praça. Mais uma vez, pelo viés cultural a pauta é aceita mais brandamente nos meios de comunicação. Ao final da matéria há uma retranca que versa sobre a resposta da Prefeitura “Após decisão judicial que autorizou a Prefeitura de Teresina a retomar às obras, o poder público municipal informou que será construída uma praça em um terreno localizado em frente ao canteiro de obras do terminal. Serão plantadas ainda mais de 2 mil árvores nas proximidades”, segundo a matéria. Quanto às matérias televisivas segue-se a mesma narrativa superficial dos fatos, com o diferencial de que aos poucos é possível ver uma mudança de postura por parte da construção das matérias. Porém, uma coisa permanece durante toda a construção, a categorização enquanto um movimento cultural em defesa das árvores, em sentido restrito e sem aprofundamento, sequer na questão ambiental. A matéria do dia 08/10/15 no Piauí TV 2ª Edição o destaque foi para a liminar da Justiça proibindo a construção de terminal das linhas de ônibus na Praça Das Ações Comunitárias do Parque Piauí. A matéria destaca o movimento e sua ocupação, no entanto, não há abertura para depoimentos dos manifestantes. A matéria é feita toda em off do repórter com imagens da praça destacando-a como lugar cultural com música e atividades artísticas. Nenhuma menção de fundo quanto à problemática dos terminais. A prefeitura se manifestou em nota afirmando que não se posicionaria até receber a liminar oficialmente. A matéria do dia 06/10/15 no Piauí TV 2ª é um pouco mais detalhada e há abertura para depoimento de moradores, bem para o Engenheiro Ambiental, também ativista do movimento, este último aponta as consequências climáticas com a retirada das árvores e a construção


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do terminal. A matéria é feita diretamente na praça, onde aparecem manifestações culturais ao fundo, com música e oficina de dança. O depoimento de Dona Júlia destaca o fato das árvores terem sido plantadas pelos moradores mais antigos, a própria praça ter sido um esforço diário dos moradores. Ela, como idosa, aponta que os idosos irão sofrer muito, sendo ela mesmo asmática, podendo ser prejudicada com a construção do terminal. Já a moradora mais jovem, Luciene Rêgo, aponta que a Praça tem memórias de infância e juventude de muitos moradores, sendo um patrimônio. Na tela, aparece a imagem do projeto do terminal e o repórter afirma que segundo a prefeitura o local foi escolhido por ter distância ideal até o centro e o outro motivo é que a mesma não conseguiu comprar outro terreno na região. Volta para a âncora que comenta a nota da prefeitura que afirma que a construção do terminal é de fundamental importância para o projeto de mobilidade urbana da cidade e que também está preocupada com a arborização da cidade “segundo a prefeitura, por conta disso é que foi instuído um comitê de arborização que somente nos dois últimos anos já plantou cerca de 200 mil mudas na cidade. A prefeitura também afirma que as obras estão mantidas”. A já conhecida estratégia dos meios de comunicação de finalizar as matérias mais críticas com o depoimento da parte oficial, a qual é constantemente empregada neste caso, desde as matérias escritas no portal, até as televisivas. No dia 13/01/16 foram veiculados duas matérias em um dos momentos mais críticos para o movimento, pois foi o momento em que caiu a liminar que proibiria a PMT de dar prosseguimento às obras. O movimento resistiu e retirou os tapumes que estavam sendo recolados para cercar a praça e também houve queima de pneus, o que foi suficiente para o alvoroço dos meios de comunicação. A matéria exibida no Piauí TV 1ª Edição enfoca policiais, pneus queimados e manifestantes derrubando os tapumes e outros segurando placas com os dizeres “Fora

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Setut (Sindicato dos Empresários de Transporte Urbano de Teresina)”, “Juiz se vendeu”, “Sim à preservação, não à destruição”, “Progresso pra quem?”, “Prefeito Criminoso”. Nessas placas é possível enxergar o anseio dos manifestantes por debater e apresentar pautas quanto ao sistema de transporte, uma vez que critica os empresários do setor, bem como se colocam para pensar uma cidade que não tenha o progresso alinhado ao processo de destruição. Entretanto, nenhuma das pautas e anseios apresentados nas vozes silenciosos dos cartazes viriam a ser problematizadas pela emissora, que na matéria se restringiu apenas a ler a nota da prefeitura, sem qualquer intervenção dos manifestantes. Na matéria, in loco, o repórter afirma “A gente procurou a prefeitura de manhã e ela se pronunciou dizendo que muita gente está reclamando que vai ter corte de árvore, vai prejudicar a região. Mas prefeitura afirmou que irá fazer ‘sistema de compensação ambiental de forma a compensar os problemas que são comentados pelos manifestantes”. O repórter enaltece a medida da PMT que faria um espaço com 3.500m² para convívio da comunidade com 70 mudas. O repórter segue assumindo o papel de juiz, com uma aparente capa de neutralidade no processo “A gente só espera que não haja conflito e nem baderna como as pessoas reclamaram agora pela manhã”. Categorizar como baderna os movimentos sociais é uma das estratégias mais antigas da Rede Globo na tentativa de reverter a opinião pública contra causas sociais, também chamada como criminalização dos movimentos sociais. Adiante o repórter se refere aos tristes registros de depredação e em seguida diz como o movimento deve se comportar “(…) nesse protesto que é legítimo, pode acontecer, mas o que não pode acontecer são episódios de depredação, que segundo a lei são passíveis de punição de seis meses a três anos de prisão”. Segundo o repórter espera-se que se chegue a uma solução boa para os dois lados e reivindica o direito da coletividade


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deve ser preservada”, diz. O jornalista aponta anseio para melhor solução para ambos os lados, embora só tenha privilegiado a solução oficial. Em matéria do dia 08/03/16, Matéria exige o término da construção dos terminais com a manchete “Três dos oito terminais de ônibus de Teresina ainda nem saíram do papel”. Off do repórter inicia falando do investimento para construção dos terminais, 30 milhões de reais, ao tempo em que enaltece a importância da obra, segundo ele a intenção é a melhoria do transporte e o encurtamento do tempo das viagens. Isto introduz a fala da Diretora de Trânsito, Cyntia Machado “Com os terminais o trânsito terá uma maior mobilidade, criando novas opções para a circulação dos coletivos. O usuário terá todas as opções de circulação depois da implantação dos terminais”. Assim, o repórter aparece na Praça das Ações Comunitárias do Parque Piauí, apontando que ali está um dos entraves para conclusão do Projeto da PMT. O movimento Ocupa Praça, aos poucos foi se transformando em problema social, contrastando com a bravura em defesa da natureza construída no momento da resistência popular. O repórter lembra que a justiça ainda não decidiu o que irá prevalecer. Assim, entra em cena Dona Domingas, moradora do bairro, afirmando que não aceita a construção do terminal naquele local, pois a obra vai mudar a vida das pessoas. Após breve fala da senhora o repórter emenda “mas para o usuário, a bandeira é outra, é a melhoria do sistema”, ao que é complementado por uma usuária que apenas afirma “a gente sempre espera, né?”. São falas bem curtas, propositadamente utilizadas apenas para compor a argumentação do veículo de comunicação em defesa da celeridade no processo de construção dos terminais. Considerais finais O silenciamento das resistências das cidades está intimamente ligado ao processo de concentração dos meios de comunicação. Aqui se

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observa que mesmo o tema do Movimento #OcupaPraça tendo sido abordado, não garantiu uma pluralidade de pensamento e nem o aprofundamento da pauta. Além do mais, ora a mídia procurou se manter neutra no processo, ora se apresentou nitidamente a favor de que o movimento se dispersasse, uma vez que segundo ela o movimento é responsável por entravar o projeto de mobilidade urbana proposto pelo Prefeito Firmino Filho. Em nenhum momento foi problematizado outro modelo de cidade que não o proposto. Rebuscando Martin-Barbero (1998), é preciso romper com o preconceito de compreender que os processos de comunicação são estudados apenas pelos meios, uma vez que tem relações nas transformações nos modos urbanos de comunicação. Segundo ele, são mudanças nas relações entre o público e privado que produzem “uma nova cidade”. Imagina-se trazendo para níveis locais e regionais, esta comunicação, pretensamente mais próxima de seus públicos, ao menos do ponto de vista territorial, acaba por construir e reconstruir, intimamente com o discurso oficial e não raro em conjunto com o setor empresarial as realidades deste modelo de cidade. Dentro do entendimento legal de direito à cidade, o que de fato legitima a ocupação da Praça das Ações Comunitárias, palco desse movimento, é a escancarada supressão desse ideal democrático, que vem negligenciando a participação ampla e efetiva da população na tomada de decisões. Manifestada na irmandade das classes populares, a cidade reivindicada é muito mais que uma “sabotagem” ao progresso urbano, deve ser vista como um instrumento alternativo (e até mais eficaz) de acesso ao planejamento participativo. Manifestada na irmandade das classes populares, a ocupação da Praça das Ações Comunitárias é muito mais que uma “sabotagem” ao progresso urbano, deve ser vista como um instrumento alternativo (e até mais eficaz) de acesso ao planejamento


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participativo. Observando tal realidade de resistência é inevitável trazer a luz, Harvey A questão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de pessoas que desejamos nos tornar. A liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e a nossas cidades dessa maneira é, sustento, um dos mais preciosos de todos os direitos humanos (HARVEY, 2013,p.27).

Mais que uma área institucional, a Praça das Ações Comunitárias se caracteriza por ser a única área verde da área, semeada, regada e cultivada pelo esforço massivo daqueles que realmente ergueram o bairro e deram um real sentido de comunidade às 2.294 unidades habitacionais ali dispostas. Mais que sentido, recriaram sua própria realidade urbana, ressignificando seus conceitos de habitar. BIBLIOGRAFIA ANDRES, Márcia Turchielo; BRITTOS, Valério Cruz. Conteúdo local e reterritorialização: Estratégias do mercado televisivo rumo à digitalização. In: Revista de Economia Política das Tecnologias da Informação e Comunicação, Vol. XII, n.3, sep.-dic, 2010. BOLAÑO, César. Economia política da comunicação e da cultura. Breve genealogia do campo e das taxonomias das indústrias culturais. In: BOLAÑO, César; GOLIN, Cida; e BRITTOS, Valério (orgs.). Economia da arte e da cultura. São Paulo: Itaú Cultural; São Leopoldo: Cepos/Unisinos; Porto Alegre: PPGCOM/UFRGS; São Cristóvão: Obscom/UFS,2010. FAÇANHA, A. C. A evolução urbana de Teresina: passado, presente e... Publicado na Carta CEPRO, Teresina, v.22, n.1, p.59-69, 2003. FAÇANHA, Antônio Cardoso. A evolução urbana de Teresina: agentes, processos e formas espaciais da cidade. 1998. f. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Departamento de Geociências, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1998a. GALEANO, Eduardo. De Pernas pro Ar: a escola do mundo ao avesso. Porto Alegre: L&PM, 1999.

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ENTRE ESTABELECIDOS E OUTSIDERS: A construção da informação social nas rádios comunitárias pelas comunidades rurais e quilombolas1 Marco Antônio de Oliveira Tessarotto2 Resumo: O tema da democratização das comunicações no Brasil é instigante, pois, assim como a terra, tornou-se objeto e privilégio de poucos muito ricos ou detentores de prestígio, dos quais se utilizam deste instrumento como mecanismo de acúmulo de poder. A questão apresentada analisou como os membros das comunidades quilombolas/rurais dizem à respeito sobre a democratização dos meios de comunicação com os seguintes questionamentos e hipótese: a rádio comunitária contempla a participação dos segmentos negros/rurais em sua grade de programação? A atual programação é de interesse dos segmentos rurais? Este estudo, contemplou a análise da fala de 68 entrevistados em pesquisa de campo sobre a democratização da comunicação e o jogo conflituoso entre o centro urbano e a zona rural dos municípios de Serra Redonda, Alagoa Grande e Santa Luzia, a respeito do papel social da rádio comunitária. Palavras-chaves: Democratização. Comunicação Comunitária. Urbano e Rural.

Iniciando o diálogo O termo participação sempre encontrou resistência para sua efetivação devido aos regimes autoritários nos países latino-americanos, por isso, grande parte de nossa população e, em especial a rural, encontra-se numa situação de impossibilidade de participação na vida política, so1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Fundação Roberto Marinho: consultor, Mestre em Sociologia-UFPB/PPGS, marcotessarotto@uol.com.br

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mando às instituições ou organismos de caráter popular, como é o caso das rádios comunitárias. Neste aspecto, a pesquisa de campo revelou a existência de dois campos em conflito, o das vozes privilegiadas (políticos, personagens sociais, religiosos – da zona urbana) e, os silenciados (quilombolas, população de assentamento e áreas de conflito agrário). A pesquisa analisou a grade de programação das rádios comunitárias que cobrem os territórios urbanos e rurais das cidades de Serra Redonda, Alagoa Grande e Santa Luzia, verificando como o dispositivo dos artigos 2 e 3 da Lei 9.612/98 estavam sendo implementados pelas rádios comunitárias das cidades supracitadas. O estudo teve como objetivos: verificar como as rádios comunitárias das cidades de Serra Redonda, Alagoa Grande e Santa Luzia incluem na sua programação a participação dos segmentos da população local rural, em especial os interesses dos quilombolas de acordo com os termos da Lei 9.612/98; identificando o tipo de influência que as mídias comunitárias exercem, fortalecendo ou desconstruindo as identidades culturais, silenciando ou não as vozes dos segmentos sociais periféricos; e, analisando como as comunidades quilombolas e rurais reagem aos conflitos de interesse entre o direito à voz e os poderes hegemônicos. As pontes: entre o diálogo e o poder institucionalizado. O conflito contra-hegemônico (sistêmico) ainda está em curso nas comunidades rurais e quilombolas na Paraíba. O estudo traçou, inicialmente, um perfil claro daqueles que estão no comando e direção destas rádios comunitárias: são homens brancos, com mais de 25 anos e nível de instrução com segundo grau completo. Neste cenário, a mídia poderá ser o instrumento de libertação e reconhecimento destes grupos excluídos, no momento em que a mesma deixe “de ser mero instrumento da política e impõe sua própria gramáti-


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ca com a qual os políticos têm que negociar”, e com isso, formar “um dos pré-requisitos para que as discussões a favor do reconhecimento encontrem ressonância” (BARBALHO, 2005, p. 36). É, deste ensejo social, que a rádio comunitária pode se constituir enquanto instrumento dialógico democrático. A construção das vozes na rádio comunitária e seu reconhecimento da multiplicidade social é uma forma de contrapor-se enquanto força social, desenvolvendo alternativas e “formas de lidar com os processos de exclusão gerados pela concentração de poder e pela impossibilidade de acesso a formas de participação na vida coletiva que tenha justamente em conta essas diferenças” (SILVEIRINHA, 2005, p. 42). A imposição dos discursos homogêneos na radiodifusão comunitária é explicada por uma “progressiva política pensada para os grandes sujeitos históricos, como a nação e a classe” (SILVEIRINHA, 2005, p.42). Os sujeitos na rádio são em sua maioria, homens acima de 25 anos, predominantemente brancos, parentes ou apadrinhados de políticos locais. Deste aporte, a superação da negação do protagonismo social significa: enfrentar desafios especiais em sociedade multiidentitárias para garantir a representação e participação das minorias, protegendo, promovendo e realizando os seus direitos. O fio condutor das reivindicações dessas minorias é a ideia normativa de que os indivíduos e os grupos sociais têm de obter ‘reconhecimento’ ou respeito pela sua ‘diferença’. (SILVEIRINHA, 2005, p. 42)

O que foi possível diagnosticar na atual gestão das concessões públicas da comunicação comunitária, ao contrário que a Lei prevê é uma “ordem natural, estabelecida por Deus e consolidada pela experiência humana”, predominantemente urbana (GONÇALVES, 2005, p.15). Na

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análise de conteúdo das entrevistas realizadas nas cidades de Serra Redonda, Alagoa Grande e Santa Luzia foi possível detectar que, mesmo nas transformações do mundo moderno, não houve a destituição dos velhos preceitos e padrões sociais, mas seu fortalecimento e convivência no presente com novas roupagens institucionalizadas, midiatizadas.

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Ainda, sobre a construção da pesquisa de campo pesou a tradição interiorana da política partidária e suas vertentes em todas as áreas sociais acabam por construir as regras do jogo hegemônico, de um lado, aqueles que pertencem ao sistema, de outro, aos que estão de fora (sítios, comunidades negras, etc). Processo este, “pelo qual uma classe social constrói e reconstrói sua liderança intelectual e moral sobre as demais classes, reproduzindo ativamente valores, as ideias, as práticas culturais por uma determinada perspectiva e impondo-a ao conjunto da sociedade”. (GONÇALVES, 2005, p. 95).

Sobre a História: conexões e negações

A história brasileira tem se referido aos quilombos e comunidades rurais sempre no passado, como se estes não fizessem parte da vida social do País. O preconceito e o silenciamento tem produzido ao longo dos séculos, todo tipo de conflito com a sociedade brasileira, afirmada com a constante desconfiguração dos propósitos da radiodifusão comunitária que, inicialmente, pretende construir uma relação dialógica entre todos os segmentos como foi percebido pelo estudo realizado na cidade de Campinas – SP. O pesquisador Bruno Fuser (2002) analisou 14 rádios comunitárias, que:


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criadas com o objetivo de serem a expressão aberta e plural de uma comunidade ou bairro, estimulando a cultura local e sem fins lucrativos, terem se transformado em espaço ocupado por grupos religiosos e comerciais. Apenas três das 14 emissoras pesquisadas possuem características que permitem considerá-las como parte de uma esfera comunitária [...] (FUSER, 2002, p. 53)

Neste olhar, a mídia local que irradia seus sinais eletromagnéticos na zona rural atua como matriz configuradora das identidades culturais, orientando como as falas de prestígio devem ser apresentadas no universo tomado para estudo nas cidades paraibanas, todas as três emissoras possuem espaços voltado para grupos religiosos, políticos e comerciais.

Bebendo da fonte As primeiras experiências com a rádio comunitária remontam os anos 70, mas somente uma década mais tarde, os atores sociais, entidades e seus respectivos movimentos se apoderaram deste instrumento comunicacional. A pesquisa de campo revelou a existência de um protagonismo juvenil apenas do espaço urbano, em grande parte de movimentos religiosos, mas os jovens do contexto rural, onde se inserem os quilombolas estão excluídos e silenciados da grade de programação das rádios comunitárias (Sorriso-Serra Redonda, Piemonte-Alagoa Grande e 104 FM-Santa Luzia). No caso específico das comunidades rurais, as entidades de representação possuem pouca atuação voltada para a interação entre os instrumentos comunicacionais locais e os segmentos sociais rurais, ou seja, estimular a criação de processos dialógicos de informação, incentivando a inserção e participação nos processos de mobilização popular, a favor da cidadania e do cumprimento do dispositivo legal (Lei 9612/98, Art. 4º, §3) que rege a radiodifusão comunitária.

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O Ministério das Comunicações que fomenta e disciplina as ações das rádios comunitárias fala de um perfil de rádio comunitária legítima que é aquela que: (...) deve divulgar a cultura, o convívio social e eventos locais; noticiar os acontecimentos comunitários e de utilidade pública; promover atividades educacionais e outras para a melhoria das condições de vida da população. Uma rádio comunitária não pode ter fins lucrativos nem vínculos de qualquer tipo, tais como: partidos políticos, instituições religiosas etc. A programação diária de uma rádio comunitária deve conter informação, lazer, manifestações culturais, artísticas, folclóricas e tudo aquilo que possa contribuir para o desenvolvimento da comunidade, sem discriminação de raça, religião, sexo, convicções político-partidárias e condições sociais. Deve respeitar sempre os valores éticos e sociais da pessoa e da família e dar oportunidade à manifestação das diferentes opiniões sobre o mesmo assunto. (Ministério das Comunicações)

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A princípio, a implementação de uma rádio comunitária pretende criar novos canais dialógicos de entendimento, fomentando a emancipação do indivíduo e grupos silenciados. Segundo Jüngen Habermas (2003) na Teoria do Agir Comunicativo este fenômeno da rádio comunitária, se encaixa em suas reflexões e contribui para a compreensão do fenômeno da colonização do mundo da vida (comunitário) pelas forças sistêmicas (do neocoronelismo político/religioso). Objetivando a análise das mídias comunitárias, a pesquisa discorreu sobre a atuação das seguintes rádio comunitárias: Rádio Piemonte (Alagoa Grande); Sorriso da Serra (Serra Redonda) e Santa Luzia 104 FM (Santa Luzia).

Descrevendo o conflito: o legal e o real A pesquisa de campo realizada verificou a presença de duas populações distintas, num mesmo espaço geográfico. Os dados e entrevis-


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tas foram decodificados pelo software estatístico SPSS e tratados pelo Professor Doutor José Carlos Leite, do Departamento de Estatística da UFPB, que descreveu: O que se verificou no teste q2 é que a comunidade quilombola e o centro urbano apresentam opiniões diferentes. Enquanto a população do centro urbano considera que a rádio comunitária cumpre com seu papel, com relação à comunidade quilombola foi diferente, eles consideram que 50% da amostra considera que a rádio não cumpre com seu papel, e 25% que ela cumpre parcialmente, então, isso caracteriza bem que a comunidade quilombola não considera que está sendo bem assistida com relação ao papel social das rádios comunitárias. Uma observação é que se faz necessária coletar mais dados que estas primeiras impressões apresentaram (José Carlos Leite, UFPB)

Ainda, a pesquisa de campo detectou facilmente nas falas dos depoentes a existência de uma força política hegemônica e partidária do grupo da situação, que coordena a programação e a forma como as falas são difundidas naquele espaço. A programação da rádio não é um produto da comunidade, nas rádios atua apenas um locutor/técnico que nem sequer abrem espaço para os telefonemas dos ouvintes. Inexiste um programa feito pelos artistas locais, muito menos a valorização da cultura local com os artistas da comunidade. Um dos desafios para a superação dos processos sistêmicos, deslocando antigos preceitos da comunicação, se constrói pelo questionamento quanto à veracidade e manutenção de antigos dogmas. A rádio comunitária se insere nesta nova dinâmica para a construção da igualdade almejada, a mídia surge como nova ferramenta de interlocução, mas “há muito ainda que pensar e tentar” (PAIVA, 2005, p. 24), a exemplo da participação e inclusão de sindicatos, associações, movimentos sociais e comunidades negras na programação das rádios comunitárias.

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Os dados são referentes à primeira fase da pesquisa e as tabelas comprovam as primeiras impressões sobre a exclusão dos segmentos negros na rádio comunitária. 1)

Sexo

dos

entrevistados

nas

três

cidades

Fonte: SPSS, 2009 2) O Sr. (a) costuma sintonizar a rádio comunitária (Sorriso, Piemonte e Santa Luzia)?

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Fonte: SPSS, 2009


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3) 10ª pergunta: O Sr. (a) considera que a rádio está cumprindo com a sua função social para a comunidade?

Fonte: SPSS, 2009

O primeiro item em destaque é que a metade de ambos os sexos responderam os questionários nesta fase preliminar dos dados. O segundo ponto, sobre a audiência da rádio comunitária, mais de 86% dos entrevistados das cidades de Serra Redonda, Alagoa Grande e Santa Luzia são ouvintes da emissora local pelo menos uma vez ao dia. O que nos interessa nesta análise é a última variante da pesquisa, onde se questiona à ambas populações, tanto do espaço urbano, bem como rural, é se a rádio comunitária estaria cumprindo com o seu papel social, como preconizado pelo dispositivo legal de seu funcionamento. Estes números revelaram a sobreposição da Hipótese (H1) sobre a (H0) ou nula. Na hipótese (H0) pensava-se que ambas as populações não encontrariam opiniões discordantes sobre o papel social da rádio, o que não foi confirmado. Este dado revela a confirmação central da problemática proposta na análise do estudo, de fato, existe em curso, um conflito de interesses entre os moradores do centro urbano e populações rurais.

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A hipótese levantada na pesquisa inicial sobre a possível inclusão ou não de segmentos quilombolas na rádio comunitária foi ampliado, pois além dos quilombolas, as vozes dos moradores dos sítios, sindicalistas rurais e líderes de assentamento não ressoam naquele espaço “democrático” das falas. Dos depoentes, destacamos a descrição de uma das rádios comunitárias tomadas para estudo: a rádio comunitária Piemonte, na cidade de Alagoa Grande-PB, onde o professor do ensino fundamental e médio, José Abelardo Freire explicou que:

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“A questão da programação da rádio comunitária existe uma insatisfação da comunidade porque a rádio comunitária nos últimos quatro anos foi mais uma rádio político-partidária. Eu costumo dizer que ela é uma extensão política da prefeitura. Era mais, mas agora não, chegou o período eleitoral e contevese mais. Inclusive havia dois programas da oposição, a rádio cortou. Numa apologia tão grande, um dos locutores da rádio é assessor de comunicação da câmara municipal, o diretor da rádio é candidato a vereador do lado do prefeito” (José Abelardo Freire, 38, professor, Alagoa Grande)

O deslocamento de sentido ou a extinção da fala ideal é a morte anunciada do protagonismo social. A colonização do mundo da vida pelo da ação sistêmica passa a coisificar as dimensões da ação comunicativa, transformando a relação direta do sujeito/sujeito pela do sujeito/objeto. Esta consideração pode ser confirmada pela fala da agricultora, Auréa Alves, na cidade de Alagoa Grande que na rádio comunitária há pessoas: “Contra a gente que somos agricultor, nós queremos o menino do sindicato de Alagoa Grande não pode ser uma voz na rádio, não pode falar pelo povo na rádia, porque ele não deixa, não deixe a participação do sindicato na rádia, é isso que nós queremos ter direito, nós queremos participar da rádia de Alagoa Grande” (Auréa Alves, 63, agricultora).


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Fonte: TESSAROTTO, 2009.

Nesse ponto, a rádio passa a valorizar as relações do poder político e econômico em prol de uma “maior audiência” em detrimento aos programas artístico-culturais, dos movimentos sindicais, negros. Confirmando a hipótese sobre o conflito entre as vozes, entre o espaço urbano e rural, ainda na cidade de Alagoa Grande, a Rádio Piemont utiliza de equipamento tecnológico (ao lado do telefone da emissora) para filtrar as vozes de prestígio, onde os representantes da política local da rádio ganham espaço, enquanto as falas críticas e pertinente dos moradores da zona rural são bloqueadas. Concluindo O desvio dos princípios normativos da radiodifusão comunitária através de uma abordagem sobre os modelos atuais de implementação das políticas públicas universalistas continuam viciadas pelos antigos sistemas burocráticos do regime militar, contribuindo para o surgimento de uma nova figura nas comunicações que são os “neocoronéis” midiáticos. Deste cenário, questiona-se se a rádio comunitária no espaço rural poderá ser o instrumento e canal dialógico para o retorno do equilíbrio

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perdido? O desafio deste instrumento será o de descobrir o caminho da emancipação (através da rádio comunitária), afastando aquilo que reprime ou distorce o diálogo (neocoronelismo, política partidária) para que, somente assim, reconstruir o que foi reprimido na história do sujeito e da sociedade (a implementação de uma rádio comunitária no espaço rural. Nas rádios comunitárias foi possível perceber que além de não estimularem o exercício da cidadania, não convocando os diversos segmentos sociais e em especial àqueles excluídos (negros, sindicalistas, sitiantes), a mesma difunde e valoriza a cultura proveniente dos centros urbanos, não agregando quaisquer valores cidadãos na cultura local.

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ESPAÇO INCLUSIVO: Rádio e Inclusão Social 1 Jonas David Monteiro 2 Tayná Nunes Pires de Oliveira3 Espaço Inclusivo, o projeto Iniciado a partir da proposta de um projeto para uma disciplina do 3° período do curso de Radialismo, o programa “Espaço Inclusivo” começou a ganhar forma em meados de 2014. O roteiro inicial previa um programa de edição única, cujo tema foi escolhido através da realização de um ensaio fotográfico abordando uma instituição sediada em João Pessoa. A equipe inicial do programa “Espaço Inclusivo” (formada pelos estudantes Fernanda Guimarães, Jonas Monteiro, Otto de Sousa, Simone Elizabete e Tayná Nunes) escolheu o Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha (ICPAC), que fica localizado no bairro dos estados. Tal escolha se deveu ao fato do estudante Otto de Sousa ser deficiente visual desde nascença, frequentando desde a infância o Instituto. Vendo a necessidade de divulgar o ICPAC para além dos utentes, familiares e trabalhadores do instituto, o grupo decidiu por unir a prática do produto radiofônico a duas vertentes: a tão falada inclusão social das pessoas com deficiência e a necessidade de por em prática os ensinamentos adquiridos em sala de aula. Nasce, então, o programa “Espaço Inclusivo”. 1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Graduando em Comunicação Social – Habilitação em Radialismo da Universidade Federal da Paraíba, o_mais_mais@hotmail.com. 3 Graduanda em Comunicação Social – Habilitação em Radialismo da Universidade Federal da Paraíba, tatynunnes@gmail.com.

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No início de 2015, após a realização do ensaio fotográfico no Instituto dos Cegos, a equipe do trabalho se juntou para discutir e formatar o produto inicial: pauta, entrevistados, roteiro, vinhetas e trilhas sonoras, interação entre apresentadores e entrevistados, perguntas e temas – tudo foi pensado para a realização de um programa de rádio com duração de trinta minutos. Surgiram alguns alunos da UFPB que, de forma voluntária, se ofereceram para contribuir com o projeto. Além destes, outros dois estudantes do ICPAC – e que estavam matriculados no Ensino Médio regular -, também se ofereceram para serem entrevistados. A partir da escolha dos entrevistados, o programa piloto pôde ser realizado. Utilizando o estúdio de rádio da própria UFPB, o grupo escolheu uma sexta-feira para a realização do programa piloto “Espaço Inclusivo”. Entrevistando o próprio Otto de Sousa (que também assumiu a função de apresentador), o programa trouxe ao público os estudantes José Roberto e William Veras – estudantes da UFPB, além de Renan e Felipe, estudantes do Ensino Médio regular. Essa edição teve como objetivo apresentar o programa aos estudantes da disciplina do 3° período de Radialismo, mas obteve uma boa repercussão e, assim, chegou ao programador da recém-fundada web rádio Porto do Capim. Então, a equipe levou algum tempo para apresentar um projeto mais maduro e bem definido à equipe da web rádio. Com o convite de dar continuidade ao projeto, o programa “Espaço Inclusivo” começou a ganhar longevidade e novos programas. Espaço Inclusivo: da Universidade para a web rádio Porto do Capim Após ser aprovada para a veiculação na web rádio, a equipe (que agora seria formada por José Victor, Jonas Monteiro, Otto de Sousa, Si-


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mone Elizabete e Tayná Nunes) passou a pensar no tema do segundo programa da primeira temporada. Após uma pesquisa sobre os projetos que tratassem da inclusão social em João Pessoa, ficou definido que o tema principal do programa de número dois seria sobre a AC SOCIAL – Assessoria e Consultoria para Inclusão Social. Tal entidade foi escolhida devido a um projeto realizado pela mesma, chamado de “Praia Acessível” e que acontece todos os sábados na orla da praia do Cabo Branco. Entrevistamos o fundador da AC SOCIAL, Genílson Lima, bem como a voluntária Babi e o usuário do projeto Hamlet. A proposta do projeto seria a de levar lazer e esportes aos portadores de deficiência e com necessidades especiais, através de equipamentos especiais e que conta com a ajuda de voluntários. A gravação ocorreu em um sábado do mês de julho de 2015 e foi veiculado no início de agosto de 2015. A terceira edição do programa foi ao ar duas semanas depois. Foi realizado na instituição ASDEF (Associação de Deficientes e Familiares) e entrevistou o presidente e a diretora da instituição, uma voluntária e um usuário da ASDEF. Os três relataram como a entrada da inclusão social na vida deles fez uma grande diferença. A diretora da ASDEF, Carol, é deficiente física e debateu sobre a dificuldade de acessibilidade na cidade de João Pessoa. O mesmo sentimento foi compartilhado pelo usuário da instituição, Gutemberg, que falou que a acessibilidade é difícil até na prática de esporte dentro da cidade. O penúltimo programa de 2015 saiu em setembro de 2015 e foi gravado na FUNAD e teve como mote a acessibilidade dos deficientes na informática. Já o quinto programa (e último da primeira temporada) foi ao ar em outubro de 2015 e, em seu conteúdo, foi abordado o esporte. A segunda temporada do “Espaço Inclusivo” ocorre após uma pausa de cerca de quatro meses. Nesse tempo, a equipe é reformulada e, para além dos antigos componentes, o grupo ganha uma nova parceira: a estudante Jeniffer Lacerda, também do curso de Radialismo. Jeniffer pas-

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sa a dividir, junto com os outros integrantes, a tarefa de levar o tema da inclusão social para a sociedade pessoense. Então, a sexta edição do programa foi ao ar no final de março de 2016. Em seu conteúdo, entrevistas com participantes da UFPB (participantes do projeto “Aluno Apoiador” e alunas que fazem uso do mesmo projeto como apoiadoras). A segunda edição da nova temporada – sétimo episódio, e foi ao ar em abril de 2016, trazendo para os ouvintes um programa com temática esportiva. O goalball, esporte praticado por deficientes visuais, foi debatido em entrevistas e depoimentos dos atletas das cidades de João Pessoa e Campina Grande. Cerca de três pessoas foram entrevistadas e, a exemplo dos outros programas, nos contaram sobre a importância do esporte para a sua vida, bem como sobre as participações em campeonatos a nível regional e nacional. A oitava edição do “Espaço Inclusivo”, já editado e finalizado, é programado para ir ao ar em maio de 2016 e conta com a música como tema principal. Foram entrevistados os integrantes da banda Forró Pesado, grupo formado por usuários do ICPAC e que vem desenvolvendo um trabalho musical há mais de dez anos. Nessa edição, para além do bate-papo com os integrantes, os repórteres conseguiram gravar o áudio de uma pequena demonstração do estilo musical do grupo – que toca ritmos nordestinos, como o forró, baião e quadrilha. Com esses oito programas, o grupo vem mostrando o quão é importante a questão da inclusão social, acessibilidade e a inserção das pessoas com algum tipo de deficiência em diversos âmbitos da cidade de João Pessoa. Mais do que um programa que aborda a inclusão de forma superficial, o “Espaço Inclusivo” mostra que se consolida como um grande aliado na divulgação de projetos e institutos que trabalham com os deficientes e portadores de necessidades especiais – cumprindo, então, a proposta inicial do projeto.


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Atualmente, o programa possui veiculação quinzenal e tem duração mínima de vinte minutos. Seu dia de transmissão é a segunda-feira pela manhã, mas já foi apresentado às terças-feiras – também pela manhã. Abaixo verificamos a atual grade de programas da web rádio Porto do Capim.

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FONTE: website Porto do Capim http://www.radioportodocapim.com.br/

O “Espaço Inclusivo” hoje Criado com a necessidade de se debater a inclusão social dentro da cidade de João Pessoa, o programa “Espaço Inclusivo” vai além. Tendo como tema principal a inserção social, o produto mostra que está capacitado para a prática da inclusão no âmbito radiofônico, já que um dos integrantes da equipe é deficiente visual e trás ideias para as pautas das edições. Assim, o programa debate dentro e fora das gravações a neces-


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sidade de uma maior realização de inclusão social. Além disso, vêm oferecendo um ambiente inclusivo e educativo quer para os ouvintes, quer para a equipe do produto. Atua, também, na divulgação de informações e promove uma experiência única ao dar espaço para os deficientes e seus aliados. Mais do que um programa que trate sobre inclusão, o “Espaço Inclusivo” conseguiu fazer com que os ouvintes passassem a se interessar pelos temas tratados programa a programa, cativando os entrevistados e fazendo com que uma parcela da sociedade pessoense tratasse do tema com mais respeito. Consideramos, então, que o programa vem cumprindo com o que foi proposto no projeto original: levar a inclusão aos quatro cantos da cidade e do estado.

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Referências FERRARETTO, L. A. Rádio: o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Ed. Sagra – DC, 2001. MCLEISH, R.; SILVA, M. Produções do rádio: um guia abrangente de produção radiofônica. São Paulo: Ed. Sammus, 2001. PRATA, Nair. Web rádio: novos gêneros, novas formas de interação. Belo Horizonte: INTERCOM, 2008. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/estudioderadio/ wp-admin/textos/webradio_novos_generos.pdf>. PDF. Acesso em: 19 abr. 2016.


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Jornalismo e a síndrome de down na Paraíba: uma comparação entre as informações das bases de dados da FBASD e o conteúdo veiculado em portais do estado Mayara Emmily Chaves Gomes 1 Gloria Rabay 2 Resumo: Neste artigo, vamos analisar como os jornalistas atuantes no estado da Paraíba podem ter acesso e utilizar informações sobre a síndrome de down, a partir de bancos de dados disponibilizados pela Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down (FBASD). Descrevemos como se apresentam essas informações e fazemos sugestões acerca da maneira que as mesmas podem ser aproveitadas em matérias jornalísticas relevantes para o público. Partindo disso, discutimos sobre a possibilidade de aprofundamento das coberturas jornalísticas dos portais de notícias paraibanos que têm como temática a síndrome de down. Palavras-Chave: síndrome de down. jornalismo. bases de dados.

Introdução A população com síndrome de down no Brasil já ultrapassa os 300 mil indívíduos e, cada vez mais, vemos notícias e reportagens mostrando o cotidiano dessas pessoas, ou seus feitos, como, por exemplo, passar no vestibular, se destacar em algum esporte ou se casar. Fatos comuns na vida de pessoas sem deficiência viram notícia quando quem protagoniza são pessoas com síndrome de down. Essa visibilidade demonstra um dos frutos da luta desse grupo pelo seu lugar na sociedade e na conscientização social sobre suas habilidades e capacidades. 1

Especialista em Jornalismo Digital e mestranda em Jornalismo pelo Programa de Pós Graduação em Jornalismo da UFPB. 2 Doutora em Sociologia, é professora adjunta da UFPB e atua no Programa de Pós Graduação em Jornalismo da UFPB.

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Notícias, artigos, estudos e materiais educativos sobre a síndrome de down estão, continuamente, sendo disponibilizados e alimentam portais voltados para a informação, educação e desmistificação da síndrome como um fator impeditivo na realização de sonhos, desejos e aspirações. Esses documentos estão disponíveis para toda a sociedade, incluindo os jornalistas que a compõem. Diante desta realidade, neste artigo discutimos se é possível melhorar as matérias e reportagens que englobam o tema, veiculadas nos portais de notícias do estado da Paraíba, indicando possíveis caminhos para os profissionais de imprensa por meio da pesquisa em bases de dados, como as presentes na Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down (FBASD). Discorremos sobre os entendimentos de Suzana Barbosa (2007; 2013) e Claudia Quadros (2005) sobre o Jornalismo em Bases de Dados e a sua importância crescente no cotidiano dos profissionais da área. Além disso, explicamos resumidamente de que maneira se organizam as informações nos sites citados acima e, por fim, apontamos exemplos de materiais jornalísticos nos quais alguns profissionais do jornalismo “pecam” nas formas de se referir ou caracterizar quem tem síndrome de down, cristalizando preconceitos. Jornalismo em Bases de Dados e a síndrome de down O jornalista, determinado a escrever sobre um tema, tem um mundo de conhecimentos acessíveis, por vezes, por meio de poucos cliques no teclado do computador. Isso é possível graças ao crescimento da utilização das bases de dados pelos jornalistas, que vêm respaldando seus textos e, também, alimentando essas ferramentas desde os anos 19703. 3

No final da década de 70, as bases de dados já eram uma realidade nos maiores jornais dos Estados Unidos, chegando depois às redações das TVs. Índices de bases de dados, BDs textuais e


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As bases de dados estão disponíveis em sites e portais de organizações, instituições e governos, que ofertam informações sobre os mais variados assuntos. Assim, reportagens com informações estatísticas, infográficos interativos e outros materiais noticiosos mostram que os bancos de dados cada vez mais são guias da criação de produtos jornalísticos. Tal fenômeno, que, de certa forma, aproxima o fazer jornalístico da maneira de atuar de um pesquisador, pode ser definido da seguinte maneira: Segundo definição mais simples, Jornalismo Guiado por Dados é aquele produzido com dados, os quais podem ser gerados e disponibilizados por uma diversidade de fontes públicas e privadas – inclusive as próprias organizações jornalísticas do mainstream – e podem estar estruturados em sua forma mais bruta, comum, em planilhas Excel, ou mesmo publicados segundo padrões de design e formatos diversos para a narrativa jornalística que tiram partido de recursos variados para a melhor apresentação e compreensão do leitor/usuário, do público (BARBOSA, 2013).

Assim, as narrativas jornalísticas, apoiadas em bancos de dados, podem ser incrementadas tanto na qualidade das informações como na maneira como apresentam os seus conteúdos, o que as torna, além de mais atrativas, mais fiéis aos dados. Ainda assim, Quadros (2005) chama a atenção dos jornalistas para uma melhoria no uso dessas ferramentas: O uso da base de dados no jornalismo potencializa (...) a precisão e a contextualização da notícia. Nesse sentido, é necessário prestar mais atenção nessa tecnologia que abre muitas possibilidades para o jornalismo. Os jornalistas deveriam aprender mais sobre a base de dados para colaborar no seu processo de construção (QUADROS, p. 420).

bibliográficas voltadas para assuntos das ciências físicas, da medicina, da área jurídica eram os tipos de bases de dados disponíveis para ser pesquisadas por meio de terminais ligados aos grandes computadores centrais, que funcionavam conectados à linha telefônica e a um modem (BARBOSA, 2007, p.104).

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Neste ponto, podemos relacionar essa necessidade da atenção jornalística para os dados que incluem temas que ainda precisam ser debatidos e compreendidos pela sociedade, como é o caso da síndrome de down. Uma das plataformas que oferecem informações importantes sobre o assunto, voltada para jornalistas e a comunidade em geral, é o site da Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down (FBASD). Logo no primeiro contato com o site da FBASD, é possível perceber que se trata de uma plataforma que, além de contar com conteúdos próprios, tais como os boletins que podem ser conferidos na página principal do site, também é agregadora de conteúdos sobre a síndrome de down provenientes de outros espaços. Estas informações reunidas no site foram publicadas originalmente por instituições, órgãos governamentais e organizações da sociedade civil. A seção Notícias abarca as subseções (editorias) Todas, Saúde, Educação, Trabalho, Direito, Eventos e Publicações Antigas. Nesta última, podem ser vistas, entre outras informações, notícias do arquivo dos anos de 2011 a 2014. Na seção FBASD, é possível acessar o “Acervo FBASD”, clicando-se na subseção Download de documentos. Lá, estão disponíveis 24 documentos distribuídos entre as seguintes áreas: Saúde (7 documentos), Educação (6), Direito (3), Trabalho (1), Outros (5), Viver sem limite (1) e Dados Estatísticos (1). Quando clica-se nessas áreas, é mostrada uma lista com os documentos e, na lateral direita de cada um dos arquivos podem ser vistos os botões Details (que fornecem um resumo do que se trata o documento ou detalhes como tamanho, data e número de downloads) e Download, pelo qual se pode baixar o arquivo.


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Na área de documentos sobre Saúde4, é possível destacar a cartilha “Diretrizes de Atenção à Pessoa com Síndrome de Down”, elaborada pelo Ministério da Saúde, que informa, por exemplo, sobre os cuidados que devem ser voltados à pessoa com síndrome de down em suas diferentes fases da vida. Outro documento semelhante também disponibilizado é o “Cuidados de saúde às pessoas com síndrome de Down”, que inclui, entre outras informações, o esclarecimento de dúvidas sobre a possibilidade de essas pessoas terem filhos. O campo Trabalho conta com o estudo “O valor que os colaboradores com síndrome de Down podem agregar às organizações”, feito pela consultoria americana McKinsey & Company em parceria com o Instituto Alana, organização sem fins lucrativos voltada, entre outros propósitos, para a promoção do bem-estar da população. Neste trabalho, são demonstrados os impactos positivos da atuação de pessoas com síndrome de down no ambiente corporativo, e como é possível superar desafios e aproveitar as oportunidades. Apesar de não ter sido nomeado mais claramente, o campo Outros é um dos que mais chama a atenção no que diz respeito às importantes instruções aos jornalistas que podem ser extraídas de alguns de seus documentos. Um desses arquivos é denominado “TERMINOLOGIA SOBRE DEFICIÊNCIA NA ERA DA INCLUSÃO” e foi elaborado pelo consultor de inclusão social Romeu Kazumi Sassaki, especialmente para jornalistas e profissionais da educação. Neste texto, o autor apresenta 59 expressões incorretas sobre pessoas com deficiência, acompanhadas de suas formas corretas. Uma dessas expressões é a ultrapassada maneira como a pessoa síndrome de down era nomeada:

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Para os fins deste artigo, serão abordados com mais detalhes apenas as áreas/documentos relacionados especificamente à síndrome de down ou jornalismo.

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35. mongolóide; mongol TERMOS CORRETOS: pessoa com síndrome de Down, criança com Down, uma criança Down. As palavras mongol e mongolóide refletem o preconceito racial da comunidade científica do século 19. Em 1959, os franceses descobriram que a síndrome de Down era um acidente genético. O termo Down vem de John Langdon Down, nome do médico inglês que identificou a síndrome em 1866. (SASSAKI, 2003, p. 164)

O autor, após apresentar a terminologia, respaldou o uso dos termos corretos com uma citação de um dos maiores geneticistas e especialistas em síndrome de down, Zan Mustacchi: A síndrome de Down é uma das anomalias cromossômicas mais freqüentes encontradas e, apesar disso, continua envolvida em idéias errôneas... Um dos momentos mais importantes no processo de adaptação da família que tem uma criança com síndrome de Down é aquele em que o diagnóstico é comunicado aos pais, pois esse momento pode ter grande influência em sua reação posterior. (MUSTACCHI apud SASSAKI, idem)

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Outro material interessante disponibilizado no campo Outros é o documento “Como falar sobre Deficiência - Um manual para profissionais da comunicação”5, coordenado pela deputada Rosinha da Adefal e lançado pela Câmara dos Deputados. Já de início, o manual apresenta um rápido guia apontando que expressões como “pessoas portadoras de necessidades especiais”, “pessoa portadora de deficiência”, “pessoa deficiente”, “incapacitado”, “excepcionais” e “deficiente” estão em desuso. Segundo a publicação, a expressão mais correta é “pessoa com deficiência” e construções similares decorrentes desta, já que se constitui como o termo que consta na Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU). 5

Como falar sobre Deficiência - Um manual para profissionais da comunicação. Disponível em: <http://bit.ly/1Tvyzt7>.


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De maneira similar ao trabalho de Sassaki, publicado em 2003, o manual explora algumas terminologias, sendo que de uma maneira mais atualizada, já que data do ano de 2013. Uma delas explica o modo correto de se utilizar a expressão síndrome de down: SÍNDROME DE DOWN Parece inacreditável, mas ainda há pessoas que usam o termo “mongolóide” para se referir a alguém com síndrome de down. Essa expressão foi cunhada pela comunidade científica de séculos atrás, em razão dos traços fisionômicos da pessoa com down, notadamente pelo fato do formato dos seus olhos se assemelharem aos do povo da Mongólia. Mas esta expressão está completamente ultrapassada, pois além de externar preconceito com as pessoas com síndrome de down, também reforça arraigado preconceito de raça contra o povo da Mongólia. Se refira a “pessoa com síndrome de down”. Assim, com inicial minúscula e itálico, por se tratar de palavra em outra língua. O termo down diz respeito ao médico inglês, que identificou as características da síndrome em 1866. (MANUAL, 2013, p. 17-18)

Ainda na cartilha, são apresentados termos que devem ser evitados, que erroneamente equiparam deficiência com doença, palavras preconceituosas como “pessoa normal” ou “anormal”, além de ser proposta a substituição de expressões como “deficiência ou retardo mental” e similares para “deficiência intelectual”. O documento ainda aborda outras expressões equivocadas em relação às pessoas com deficiência, como “vítima da síndrome de down”, “mesmo com deficiência”, “apesar da deficiência”, “padece de”, “sofre de” e outras formas de se referir que descaracterizam e encaram a deficiência como algo ruim. Também traz sugestões sobre a maneira que o jornalista precisa tratar essas pessoas em suas matérias e o modo como deve entrevistá-las, sem subestimá-las ou o contrário. A partir dessas instruções e dados presentes nos documentos disponibilizados pela FBASD, fizemos uma rápida análise sobre como essas

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orientações estão sendo colocadas em prática em matérias jornalísticas de portais do estado da Paraíba. Uso dos dados da FBASD em matérias jornalísticas sobre síndrome de down

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Na nossa pesquisa sobre matérias que têm como tema a síndrome de down, selecionamos três portais de notícias sobre o estado da Paraíba (G1 Paraíba, Portal Correio e Click PB). Dentre os conteúdos veiculados por esses sites, selecionamos dois de cada um deles, totalizando seis matérias. Nelas, foi analisado como os profissionais de imprensa se referem à pessoa com síndrome de down, como usam a grafia da expressão e o modo como tratam a síndrome. Verificamos que na maior parte das reportagens, datadas do ano de 2015 e já de 2016, os jornalistas tiveram o cuidado de não escrever construções preconceituosas em relação às pessoas com a síndrome de down. No entanto, em todos os casos não foi observada a correta e atual maneira de escrever a expressão que foi tema dos textos. Abaixo, fizemos uma listagem com comentários sobre trechos de cada uma das matérias. 1) Portal G1 Paraíba a) Matéria “‘Um sonho’, diz paraibana com síndrome de Down sobre faculdade”6, veiculada em 21/03/2015 Este texto foi cuidadoso ao se referir à personagem. No entanto, a grafia utilizada da expressão “síndrome de down” não é a correta, segundo os materiais disponibilizados pela FBASD. Há ocorrências deste engano no corpo do texto, no subtítulo, título e também na legenda da foto que ilustra a matéria. Abaixo, alguns dos referidos trechos. 6

Disponível em: <http://glo.bo/1MXT7oy >.


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Figura 1

Fonte: Reprodução/G1 Paraíba/Destaques de autoria nossa

b) Matéria “Começa matrícula em escola especial de música em João Pessoa”7, veiculada em 02/02/2016 Neste texto, assim como a matéria acima, também foi percebido cuidado com a linguagem, exceto pela grafia: Figura 2

Fonte: Reprodução/G1 Paraíba/Destaque de autoria nossa

2) Portal Correio a) Matéria “Atleta da Capital não se intimida com Síndrome de Down e se destaca no boxe”8, veiculada em 08/01/2015 Nessa matéria, baseada numa reportagem feita para televisão, a síndrome de down é encarada como empecilho, como algo que se precisasse temer. E isso, mesmo que expressado de uma maneira não ofensiva, vai contra o que ensinam os materiais voltados para jornalistas que basearam as análises feitas neste artigo. 7 8

Disponível em:< http://glo.bo/1NygN97>. Disponível em: <http://bit.ly/1SzenUQ>

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Além disso, a colocação da palavra “perfeito”, mesmo que não tenha sido de autoria de quem escreveu o texto e não tenha sido intencional, também reforça a ideia de “imperfeição” associada às pessoas com deficiência. Figura 3

80 Fonte: Reprodução/Portal Correio/Destaques de autoria nossa

b) Matéria “Caminhada no Dia Mundial da Síndrome de Down espera 350 pessoas na Orla de JP”9, veiculada em 20/03/2015 A matéria em questão traz a expressão “síndrome de Down”, equivocada diante da grafia correta que é “síndrome de down”, e utiliza o termo “portadores” ao se referir às pessoas com essa condição genética, o que está ultrapassado, segundo a cartilha na qual nos baseamos: Figura 4

Fonte: Reprodução/Portal Correio/Destaque de autoria nossa

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Disponível em: <http://bit.ly/1TvAi1s>


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

3) Portal Click PB a) Matéria “João Pessoa incentiva inclusão social de pessoas com Síndrome de Down”10, de 20/03/2016 Além de conter a grafia equivocada do termo “síndrome de down”, este texto ainda trata a condição genética como uma doença que impõe obstáculos para quem a têm: Figura 5

81 Fonte: Reprodução/Portal Click PB/Destaques de autoria nossa

b) Matéria “Paraíba realiza atividades alusivas ao Dia Internacional da Síndrome de Down”11, de 20/03/2016 Nesse texto, o engano ficou apenas na grafia da expressão “síndrome de down”: Figura 6

Fonte: Reprodução/Portal Click PB/Destaque de autoria nossa 10 11

Disponível em:< http://bit.ly/1XVXozA>

Disponível em: <http://bit.ly/1QzmWwy>


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

Considerações finais Ao relacionarmos os exemplos acima com as informações dos documentos presentes nas bases de dados da Federação Brasileira de Associações de Síndrome de Down (FBASD), é possível percebermos que ainda há uma subutilização desses conteúdos pelos portais paraibanos, o que tem como consequência usos de palavras equivocadas, preconceitos velados e pouca variação nos tipos de pauta sobre o tema. Ainda assim, mostrar que as pessoas com síndrome de down estão se inserindo nos mais variados espaços da sociedade e como essas conquistas estão sendo benéficas para elas, por exemplo, é uma evolução que podemos perceber nos meios de comunicação.

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No entanto, é preciso também mostrar que os benefícios são mútuos, ou seja, existem tanto para essas pessoas como para a sociedade de um modo geral. É necessário desconstruir crenças de que pessoas com síndrome de down conquistando objetivos e “fazendo o que todo mundo faz” é algo incomum. Sobretudo, é fundamental que o jornalista, tanto o de redação como o assessor de imprensa, não se baseie apenas nos textos de outros jornalistas, ou no senso comum, ou em um conhecimento convencional sobre informações estatísticas. E isso vale para qualquer tema sobre o qual se for escrever: é uma necessidade e um dever do profissional de imprensa se apoiar em bases de dados especializadas para, assim, se aprofundar para escrever textos com qualidade, inovação e verdade.

Referências BARBOSA, S. O. Jornalismo Digital em Base de Dados (JDBD) – um paradigma para produtos jornalísticos digitais dinâmicos. 2007. 329 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia. Disponível em: http://migre.me/aTuYN. Acesso em: 27 jun. 2015.


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__________; TORRES, V. O paradigma ‘Jornalismo Digital em Base de Dados’: modos de narrar, formatos e visualização para conteúdos. Galaxia, São Paulo, v. 13, n. 25, jun. 2013. Disponível em: http://bit.ly/26sFOJa. Acesso em: 20 nov. 2015. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Como falar sobre Deficiência - Um manual para profissionais da comunicação. Brasília, 2013. Disponível em: http://bit. ly/1Tvyzt7 . Acesso: 30 jan. 2016 FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE ASSOCIAÇÕES DE SÍNDROME DE DOWN (FBASD). Disponível em: http://www.federacaodown.org.br. Acesso: 22 jan. 2016 G1 PB. Começa matrícula em escola especial de música em João Pessoa. G1 Paraíba, Paraíba, 02 fev. 2016. Disponível em: http://glo.bo/1NygN97. Acesso em: 20 abr. 2016. INSTITUTO ALANA. Disponível em: http://alana.org.br/. Acesso: 01 fev. 2016 QUADROS, C. I. de. Base de dados: a memória extensiva do jornalismo. Em Questão. Porto Alegre, v. 11, n. 2, p. 409-423, jul./dez. 2005 REDAÇÃO. Atleta da Capital não se intimida com Síndrome de Down e se destaca no boxe. Portal Correio, Paraíba, 08 jan. 2015. Disponível em: http://bit. ly/1SzenUQ. Acesso em: 20 abr. 2016. __________. Caminhada no Dia Mundial da Síndrome de Down espera 350 pessoas na Orla de JP. Portal Correio, Paraíba, 20 mar. 2015. Disponível em: http:// bit.ly/1TvAi1s. Acesso em: 20 abr. 2016. REDAÇÃO. João Pessoa incentiva inclusão social de pessoas com Síndrome de Down. Portal Click PB, Paraíba, 20 mar 2016. Disponível em: http://bit. ly/1XVXoz. Acesso em: 20 abr. 2016. __________. Paraíba realiza atividades alusivas ao Dia Internacional da Síndrome de Down. Portal Click PB, Paraíba, 20 mar 2016. Disponível em: http://bit. ly/1QzmWwy. Acesso em: 20 abr. 2016. SASSAKI, R. K. Terminologia sobre deficiência na era da inclusão. In: VIVARTA, V. (coord.). Mídia e deficiência. Brasília: Andi/Fundação Banco do Brasil, 2003. Disponível em:http://bit.ly/1TvxNwd. Acesso: 30 jan. 2016 XAVIER, G. ‘Um sonho’, diz paraibana com síndrome de Down sobre faculdade. G1 Paraíba, Paraíba, 21 mar. 2015. Disponível em: http://glo.bo/1MXT7oy. Acesso em: 02 fev. 2016.

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A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

A cidade do telejornal1 Jocélio de Oliveira2

Resumo: A cidade é espaço de comunicação e interação entre indivíduos e grupos sociais distintos e variados. Caminhar pelas ruas da urbe significa encontrar estranhos que ajudam a construir e compor a pólis. A experiência urbana é complementada ainda pelos elementos que dialogam com a vivência e fruição cotidiana da cidade, sejam eles de ordem estética, econômica, política, subjetiva, afetiva. A mídia é um deles. Como lugar de representação do real, permite que enxerguemos as dinâmicas sociais ao mesmo tempo em que ajuda a conformá-las. A cidade do telejornal é uma cidade possível, uma cidade que existe, mas que acima de tudo é construída e reelaborada por meio da agenda das redações. Essa retroalimentação ajuda a elaborar imaginários e promove modos de sentir, ser e estar no espaço urbano. Palavras-Chave: Mídia. Cidade. Telejornal. Experiência mediada.

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“Acho que eu tinha conservado da cidade uma lembrança fotográfica, e agora tudo o que se movia em cima dela me dava a impressão de um artifício.” (Chico Buarque - Budapeste)

Introdução Pretendemos refletir aqui sobre as relações entre mídia e cidade, pensando basicamente como ambas as instancias se constroem mutuamente. Nosso foco será no telejornal, como recorte com amplo espectro representado pelo termo mídia. Tomando ainda como suporte, a ideia de que a apropriação feita da cidade por meio dos programas de notícia, nos favorecem um tipo de experiência mediada da metrópole, que não é real nem falsa, mas uma relação possível. Para isso, nos baseamos em re1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 O autor é mestre em comunicação e culturas midiáticas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnografias Urbanas (GUETU/UFPB) e do Observatório da Mídia Paraibana. E-mail: oliveira.jocelio@gmail.com.


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ferencias clássicas de antropologia e sociologia urbanas, propondo ainda uma interlocução com autores do campo da comunicação. Partimos aqui de uma noção básica – mas extremamente rica no sentido da análise que queremos empreender aqui – de cidade. Segundo Wirth (p. 96, 1973) “uma cidade pode ser definida como um núcleo relativamente grande, denso e permanente, de indivíduos socialmente heterogêneos”. Para além de fatores como o número de habitantes, ou do seu crescimento industrial, a cidade é constituída por indivíduos. Mudanças na intensidade de suas relações são características dos traços do urbanismo experimentado nas metrópoles. Para Park (1973) elas deixam de ser do tipo face a face (primárias) e se tornam indiretas (secundárias). Reside nesse aspecto uma diferença importante entre a vida na cidade urbana e na rural. Outro aspecto que precisamos ressaltar é a noção de heterogeneidade. Para Caiafa (2005) sair à rua implica em viver a experiência de ter um encontro com estranhos. A cidade é basicamente o encontro, por vezes “indireto e secundário” com o outro, indivíduo de outro grupo, de outra turma, de outra classe, valores. Relacionar-se nesses termos implica numa “comunicação da diferença”, nos termos da autora. A cidade aparece como o espaço e o lugar dessas interações, que se desenvolvem e constroem no âmbito da vida cotidiana, visto como ambiente das interações subjetivas que ajudam a compor um caldo coletivo de imagens sobre a cidade, um ‘corpo de costumes’. De que maneira essas diferenças da metrópole são apresentadas e representadas nos meios? Como os telejornais informam sobre essa diversidade que compõe o urbano? Quais as implicações dessas manifestações na própria construção da cidade? Esses são os pontos sobre os quais queremos nos debruçar partindo da premissa de que “os relatos mais influentes sobre o que significa a cidade emergem agora da imprensa, do rádio e da televisão” (CANCLINI, p. 42, 2002).

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Cidade: espaços, diálogos e vivências

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Pensar a cidade como objeto de interpretação e análise das relações sociais, ou mesmo como palco e resultante desses contatos, foi uma das principais contribuições da chamada Escola de Chicago para os estudos que se desenvolveram nas ciências sociais em geral a partir dos anos 20 e 30 do século XX. Este grupo se propõe a pensar a cidade não apenas a partir de sua dimensão física e/ou geográfica, mas sim como processo, com um organismo, por meio de suas dimensões simbólicas. Ainda sem saber, os pesquisadores envolvidos nesse projeto lançavam as bases da antropologia e sociologia urbana, por exemplo. Em Simmel (1973) temos uma reflexão sobre as transformações que as novas rotinas da cidade grande provocam na “vida mental” da população. Ele chama atenção para o ritmo agitado imposto pelo crescimento industrial, assim como o desenvolvimento de uma individualidade e da preponderância da economia de mercado e das relações mediadas pelo dinheiro. Esse tipo de comportamento implica, para Simmel, em indivíduos com uma mente calculista. Não há talvez fenômeno psíquico que tenha sido tão incondicionalmente reservado à metrópole quanto a atitude blasé. A atitude blasé resulta em primeiro lugar dos estímulos contrastantes que, em rápidas mudanças e compressão concentrada, são impostos aos nervos. (SIMMEL, p. 15-16, 1976)

A ideia perseguida é, de um lado uma alteração da vida psíquica influenciada pelo modo de ser da economia de mercado típica da cidade grande, gerando essa indiferença da atitude blasé. De outro modo, a cidade ganha contornos maiores que os de sua extensão física, ou mesmo os do corpo dos indivíduos que a habitam, proporcionando uma eficiência de alcance e extensão. Por outra via, o sociólogo também acredita que a dinâmica da cidade estimula certa inteligência, que tem o objetivo de


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preservar o homem metropolitano do ritmo de vida imposto pelas grandes cidades. Ampliar as dimensões da cidade também é um discurso presente na narrativa elabora por Park (1976). Ele apresenta a ideia de que os aspectos subjetivos que compõem a metrópole. Ao mesmo tempo em que explica que a cidade é uma unidade também econômica, baseada na organização e divisão do trabalho, também propõe reconhecer nela seus aspectos culturais, que derivam da própria dinâmica do homem civilizado. Antes, a cidade é um estado de espírito, um corpo de costumes e tradições e dos sentimentos e atitudes organizados, inerentes a esses costumes e transmitidos por essa tradição. Em outras palavras, a cidade não é meramente um mecanismo físico e uma construção artificial. Está envolvida nos processos vitais das pessoas que a compõem; é um produto da natureza, e particularmente da natureza humana. (PARK, 1973, p. 26)

Além da experiência no ensino e pesquisa de sociologia, o autor também atuou como jornalista em cidades americanas, o que nos auxilia a fazer algumas entradas sobre como o elemento mídia interfere na “vida mental das cidades”. Isso porque ele relaciona elementos objetivos, naturais do crescimento urbano (transportes, por exemplo), a subjetivos, como a comunicação (rádio e telefone), na mudança de hábitos da população. Ponto de vista partilhado por outro autor da mesma escola: A predominância da cidade, especialmente da grande cidade, poderá ser encarada como uma consequência da concentração, em cidade, de instalações e atividades industriais e comerciais, financeiras e administrativas, de linhas de transporte e comunicação e de equipamento cultural e recreativo como a imprensa, estações de rádio, teatros, bibliotecas, museus, salas de concerto, óperas, hospitais, instituições educacionais superiores, centros de pesquisa e publicação, organizações profissionais e instituições religiosas e beneficentes. (WIRTH, p. 93, 1976)

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Ao colocar a imprensa como um dos elementos que distinguem as grandes cidades, o autor tem em vista um contexto muito distinto do nosso. Um espectro ainda reduzido ao rádio como principal mídia, publicidade incipiente, telefone como encurtador de distâncias. Contudo, já sinaliza para importância dos meios para estender o modo de vida além dos limites da cidade. Fenômeno que também aponta para a interrupção do contato direto entre os indivíduos. Nesse mesmo sentido, Park acredita que essa interação passa de um contato direto, ou “primário”, para indireto e “secundário”. Essa mudança é explicada Wirth (1976), como as cidades urbanas habitualmente tem um número maior de indivíduos, a dependência entre eles diminui. E embora as pessoas se relacionem também com um número maior de interlocutores, essa relação não é profunda, os indivíduos não se conhecem de maneira próxima. “Os contatos da cidade podem na verdade ser face a face, mas são, não obstante, impessoais, superficiais, transitórios e segmentários” (WIRTH, p. 101, 1976). E é nesse contexto que o papel da incipiente imprensa ganha destaque, segundo Park. Para ele a opinião pública é uma fonte de controle social nas sociedades em que há o predomínio das relações secundárias, ou seja, das metrópoles. Para ele, nesse ambiente “o jornal é o grande meio de comunicação dentro da cidade, e é na base da informação fornecida por ele que se baseia a opinião pública” (PARK, p. 61, 1973).

Mídia como mediação do cotidiano Essa cidade sobre a qual o grupo de Chicago se debruça, também inspirou o jornalista e contista brasileiro João do Rio, quando, ao abrir a janela, deparava-se com o diferente Rio de Janeiro do início do século XX, ainda capital federal. Ele registrou um retrato semelhante a esse em relação à chegada das máquinas às indústrias do Rio de Janeiro. Em


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‘As palavras da máquina’, publicado originalmente num jornal de 1920, o autor mostra o encanto de um narrador/personagem que se mostra encantando com o poder do maquinário industrial. Ao visitar uma fábrica, ele se depara com um equipamento antigo e encostado, com o qual começa supostamente a conversar ‘o homem enfim realizou o sonho da espécie’, equipamento que dilataria o tempo, pouparia a saúde do trabalhador, estimularia sua inteligência. Mas é a própria máquina, chamada de Deus, que lhe responde “até agora, como de agora em diante, a máquina não aliviou um só homem de uma só hora de trabalho. Ao contrário. Aumentou para cada um, mesmo para os ociosos, o peso da vida e o labor da atroz preocupação” (RIO, 2010, p. 213). Um sonho que, segundo o contista, gerou um novo regime de escravidão e sofrimento, isso porque é da natureza da máquina exigir mais e mais, alinhado aos propósitos do mercado, como também aponta Simmel. No fundo da narrativa sociológica e da literária, há uma reflexão sobre o ritmo de vida da cidade e sobre como sua modernização mobiliza novas formas de sociabilidade e de experimentação do espaço urbano. Tais comportamentos foram percebidos tanto pelo jornalista-escritor, quanto pelo jornalista-sociólogo. Já que Park, quando trabalhando em redação, já se interessava pelos efeitos e impactos da urbanização sobre o espaço da. Mas retomando a escrita da crônica, ela aparece nesse contexto temporal (início do século XX) como uma narrativa urbana, alocada nos jornais e responsável por capturar sutilezas cotidianas das cidades e seus fluxos. Fluida, ela se opõe ao livro enquanto produto e obra final. A crônica é descoberta e inspirada pela rua, e a própria rua é o lugar do jornalista (SANTOS, 2016). Embora a autora sinalize para uma efemeridade das narrativas jornalísticas – o que se justifica tendo em vista a oposição que faz ao livro – queremos nos apegar neste trabalho ao ponto

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em que ela coloca a “cidade” e sua vida como os elementos a serem elaborados e recontados por meio dos jornais. Apontamos para isso porque para reflexão desse artigo queremos inserir um novo elemento, uma nova máquina no interior da metrópole: as tecnologias da comunicação, mais especificamente, as mídias. E assim como no percurso feito pelos pesquisadores já citados, queremos refletir também sobre como elas interferem na sociabilidade, na compreensão e na experimentação da cidade moderna. Por isso, num primeiro momento iremos refletir um pouco mais sobre o que é a cidade a partir do ponto de vista de uma sociologia/antropologia urbana, refletiremos em seguida sobre a releitura que os meios de comunicação fazem da cidade e discutindo as implicações para as formas de habitá-la e seus regimes de visibilidade. A cidade que tomamos com palco dos meios de comunicação é uma cidade moderna, aquela que emerge com o capitalismo e que cresce e se urbaniza junto a industrialização. Mas existem outras vocações para as cidades em função das atividades que desempenham: educação, comércio e turismo são algumas delas. Todas demandam fluxo e trânsito de “estranhos” em função de sua expansão. Tornam-se ambiente de encontros e desencontros, de conflitos e convergências entre indivíduos diversos. Comunidades variadas, grupos sociais múltiplos se encontram e se esbarram nas ruas, partilhando suas brechas e curvas, e eventualmente dialogando, interagindo. É um espaço para produção da diferença (CAIFA, 2003; 2005). É nesse sentido que chamamos atenção para o proposto por Canclini, ao dizer que “a caracterização sócio demográfica do espaço urbano não consegue dar conta de seus novos significados se não incluir também a recomposição que a ação midiática lhes imprime” (CANCLINI, p. 41, 2002). Imprimir, mais do que em qualquer outro contexto, significa aqui, para nós, deixar marcas sobre a cidade. Marcas que tem a ver com o que


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é valorizado como digno de pertencer a cidade, e o que encaminhado como afetando o convívio social e a experiência de cidade. Em alguma medida, experimentamos o espaço urbano através dos meios de comunicação. Do passeio do flâneur que reunia informações sobre a cidade para depois transferi-las às crônicas literárias e jornalísticas, passamos, em cinquenta anos, ao helicóptero que sobrevoa a cidade e oferece a cada manhã, através da tela do televisor e das vozes do rádio, o panorama de uma megalópole vista em conjunto, sua unidade recomposta por quem vigia e nos informa. (CANCLINI, p. 41, 2002)

Se a industrialização da época de Simmel aparece com fator preponderante na alteração da vida psíquica da sociedade, acredito que podemos estabelecer um paralelo com o impacto da inserção de novas tecnologias de comunicação no espaço urbano e a sua utilização pelas mídias de informação (rádio, televisão, jornais, portais de notícia). É nesse sentido que a fala de Canclini, acima, ganha contorno interessantes para nossa discussão. O alcance dos recursos utilizados pelos meios oferece não apenas conteúdo, mas também vigilância. Recai ainda sobre o telejornal uma confiança associada a ideia de que se trata do real espelhado em suas imagens, pacto sobre o qual refletiremos no trecho a seguir. Contudo, ao tratar desse “reflexo” da cidade na mídia, sobre o poder das imagens criadas sobre o espaço urbano, Silva (2010) reforça algumas das noções apresentadas até aqui. Para ele, os conteúdos fragmentários da mídia ajudam a moldar uma construção imaginária, que apontam para um sentido, ou seja, para uma forma de ver e viver a cidade. O conjunto de referências visuais, sonoras, impressas, de expressões culturais das mais diversas; críticas, elogios, escândalos, belezas naturais, noções de cidadania que geram imagens

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de aspectos da cidade. As múltiplas imagens dos múltiplos aspectos também condensam impressões, referências, sentidos, que, por sua vez, no conjunto geram uma imagem de toda a cidade, uma maneira de como ela se vê e se concebe. (SILVA, p. 184-185, 2010)

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O autor segue a reflexão sugerindo que essas imagens geradas, por vezes ampliam aspectos do espaço, seja intensificando peculiaridades dos bairros, ou colocando em centralidades personagens simples e/ou marginais, alterando, com isso, os contornos da informação, enquadrando práticas sociais. Parte dessa seleção é considerada natural e inerente ao processo e a possibilidade de que os atores dessas ações sejam distintos, o trabalho da mídia será o de edificar uma cidade possível. De maneira complementar, Sousa (2011) acredita que a cidade é um cenário dos meios de comunicação. “É nesses contextos que podemos relacionar como diretamente proporcionais o desenvolvimento e a expansão da cidade às mudanças das tecnologias informacionais e de comunicação” (SOUSA, p. 49, 2011). Tal pensamento nos remete à reflexão sugerida por Simmel sobre as mudanças no ritmo de vida e nos modos de ser do homem urbano-industrial. Aqui, a inovação tecnológica não aparece como o “Deus Máquina”, mas sim no interior dos meios, na base de seu conteúdo, no significado de suas imagens. “Por essa perspectiva a cidade é assim formulada pela circulação da informação, que se estabelece nas trocas de experiências do fervilhar das ruas e nas interações no espaço público, e, principalmente, pela difusão dos meios de comunicação de massa” (SOUSA, p. 52, 2011), conclui. A partir do exposto até aqui, é possível apreender que ao mesmo tempo em que a mídia alimenta o cotidiano com suas impressões e criações, é também na cidade que se baseia, espaço onde exerce sua força e também a fonte de onde retira sua energia. Para autora, esse comportamento gera mediação.


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Assim os jornais representam o cotidiano. Recortes, escolhas e representações que mediam a relação entre cidadão e cidade. Como já discutimos, a imprensa faz parte da imensa rede sócio urbana, portanto, ela não só compõe como também interliga fios e se transforma em mediadora entre os homens e o compreender e viver a cidade. (SOUSA p. 59, 2011).

Outros pontos pertinentes à nossa reflexão, sugeridos pela autora, caminham no sentido de que a mídia tanto nos faz lembrar, quanto esquecer. Ou seja, ela é responsável por uma espécie de memória da cidade. Esses apagamentos, para Silva (2010), podem estar relacionados a uma sugestão arbitrária dos meios, que se revelam nos noticiários, nas novelas, nos produtos de entretenimento em geral. Nesse sentido, quando propomos observar os meios como mediadores da relação coma cidade, estamos sugerindo que “mais do que transmitir informações, os meios de comunicação criam novas formas de ação e de relacionamentos sociais porque facilitam a interação humana, dissociada do ambiente físico-espacial” (SOUSA, p. 61, 2011). Pensando o telejornalismo Começo a reflexão a partir das pesquisas de Coutinho (2003; 2012a; 2012b). A autora considera que atualmente os telejornais se caracterizam como uma nova “praça pública” ou “assembleia permanente da nação”, local onde parcela considerável da população tem contato as notícias e informações jornalísticas, transformando-os numa “síntese central do mundo”, como reflete a pesquisadora. Essa relação se dá por meio de uma espécie de ‘contrato de confiança’ entre os cidadãos e os jornalistas de forma que “podemos considerar que os telejornais atuam com redutores de incerteza na contemporaneidade” (COUTINHO, 2012a, p. 28). Desse modo, por meio dos programas noticiosos há um tipo constante de ordenamento do mundo, de hierarquização das demandas sociais. Há, dessa forma, uma preocupação com o posicionamento dos telejornais no espaço público, já que ele age, de acordo com o pensamento

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da autora, como uma forma de conhecimento cotidiano. Ao mesmo tempo em que é mediador desse dia a dia, ao dar visibilidade e presença a determinadas discussões, mesmo que no campo simbólico. Para além desse ponto, a pesquisadora enxerga no telejornalismo brasileiro características do que alguns autores chamam de “infoentertainment”, ou seja, a união entre informação e entretenimento para conquistar a audiência. Além disso, ela acredita que “(...) a principal característica da informação jornalística em televisão é o seu caráter emocional e a facilidade de sua apreensão” (COUTINHO, 2003, p. 4). Em sua tese publicada como livro (COUTINHO, 2012b), ela reflete sobre a existência de uma dramaturgia do telejornalismo, localizando nas estratégias de edição dos programas informativos a montagem de narrativas dramáticas, buscando em Aristóteles o conceito basilar “drama”, como imitação feita através da representação da ação de personagens. A reportagem se traduz, encaixa e reconhece nessa ideia: estamos sempre contando histórias de pessoas a partir de conflitos. Essa me parece a principal contribuição da autora, a possibilidade de desenvolver o “drama informativo” como uma chave para compreensão do jornalismo. Já Ekström (2002) propõe a elaboração de uma epistemologia do jornalismo de TV e em algumas de suas considerações dialoga com o que está sendo aqui exposto. A princípio, pondera que a televisão é um meio de sensações, prazer e entretenimento (EKSTRÖM, 2002). Na fundação dessa epistemologia o autor distingue três áreas do jornalismo: primeiro a ‘forma do conhecimento’ para dizer que o telejornalismo oferece modelos, jeitos de perceber e compreender a realidade; ‘produção do conhecimento’ que se relaciona com as rotinas produtivas e valores-notícias utilizados pelos profissionais ao longo do seu processo de definição sobre o que deve ser noticiado; por fim uma espécie de recepção da notícia, ou ‘aceitação/legitimação pública desse conhecimento pretendido’, área que reflete sobre o que tipo de conhecimento é considerado aceitá-


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vel e/ou verdadeiro tanto por quem produz, quanto por quem assiste aos conteúdos. Para ele, pela sua capacidade de produção de conhecimento, o jornalismo é uma das mais influentes instituições da atualidade. E ao longo de seu texto são feitas considerações sobre como as rotinas produtivas dos jornalistas se articulam para manter essa confiança. Esse é o mesmo trabalho que o pesquisador Alfredo Vizeu faz aqui no Brasil. Em seus estudos ele investiga o telejornalismo como uma ferramenta de construção social da realidade e faz uma imersão nas rotinas produtivas dos profissionais nas redações, apoiando-se em teorias3 como o newsmaking (valores-notícia) e agenda setting. Esse é o esforço de um dos seus trabalhos mais conhecidos “Decidindo o que é notícia”, no qual acompanha as decisões dos jornalistas que fazem o RJTV 1ª edição. Em Vizeu (2006) o autor reflete sobre como a audiência dos programas é presumida pelos jornalistas, tendo como consequência a própria definição dos valoresnotícia que vão guiar o editor na seleção do que vai ou não ser divulgado. O trabalho de recontextualização do mundo é desenvolvido na edição e montagem das matérias, inclusive no próprio processo de destruição de retrancas (nomenclaturas que identificam as reportagens e seus assuntos, como PREVENÇÃO/DENGUE ou VIOLÊNCIA/PRAIA). Para o autor “Todas as fases anteriores à produção e captação funcionam no sentido de descontextualizar os fatos do seu quadro social, histórico, econômico, político e cultural em que são interpretáveis” (VIZEU, 2006, p. 25) O que está dito é que os acontecimentos estão sob as ordens dos modos de fazer do jornalismo.

3 Há um debate no campo das teorias da comunicação sobre se o newsmaking, assim como a agenda setting seriam de fato teorias ou hipóteses. Como não é o foco de atenção desse artigo, consideramos possível tratá-la como teoria para oferecer ao leitor uma compreensão facilitada da discussão.

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O professor reforça ainda que “Fishman (1990:51) diz que o mundo é burocraticamente organizado pelos jornalistas. De certa forma é o que o editor-chefe faz todos os dias quando organiza o espelho do telejornal e determina a ordem das matérias que vão ao ar” (Idem, p. 21). Concordo com o pesquisador sobre essa prerrogativa que esse profissional lança a si mesmo, assim como o potencial de criação de mundos possíveis existente na prática jornalística. Encerro esta seção trazendo a questão proposta por Wolton (1996). Embora parta da França, como país de origem, ele faz uma leitura e combinação da realidade da TV brasileira (destaque para TV Globo) com a europeia nesse estudo. O autor é um entusiasta da TV como um meio que auxilia na promoção de uma ‘democracia de massa’. Essa característica está vinculada com a TV que ele denomina de geralista, em detrimento de outra temática, ou fragmentada. Esses dois modelos representam, na verdade, dois modos de convivência social: um que tenta agregar uma visão de conjunto, mais nacional e de fato ‘social’ e outra individualista ou tribal. Para o autor, a televisão, enquanto meio, funciona como espelho da sociedade, por isso identifica-se esse movimento de migração de um modelo coletivo para um individualizante. Esta seria a característica que se estabelece atualmente nos grupos sociais complexos, para o autor. É nesse contexto que a ‘TV geralista’ funciona como “laço social”, que é a dimensão comunicativa do meio, já que em tese, a ‘TV temática’ reúne um público orientado por uma demanda específica. Falar em laço social “significa duas coisas: o laço entre os indivíduos e o laço entre as diferentes comunidades constitutivas de uma sociedade” (WOLTON, 1996, p. 135). O modelo geralista se dirige ao ‘grande público’, indistinto, massivo, geral, mas que ao assistir ao fluxo televisual, agrega o sujeito para a partilha de uma mensagem comum com um imenso grupo anônimo e desconhecido que também o faz de qualquer outro lugar. Assim, é à constante ligação entre o individual e o coletivo que Dominique Wolton


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atribui a força da televisão. Esse vínculo se estabelece, inclusive, na conversa e bate papo diários sobre temas apresentados no aparelho (pensamento que se aproxima ao de Fechine), além de aparecer também na própria constituição de uma grade de programação. A existência e distribuição de programas que ‘agradam e desagradam’ os diversos extratos de público seriam uma pista de integração, na medida em que se compreende que determinado produto interessa para alguém. A cidade do telejornal A cidade que emerge a partir dos telejornais é, acima de tudo, uma cidade possível. Uma cidade que existe no interior de uma parcela da sociedade, aquela mesma que se encontra no interior das redações e que se interliga às influencias, valores, relações, perspectivas e experiências dos seus profissionais. Está no campo do possível porque parte de aspectos reais, referências localizáveis no espaço urbano. É uma cidade que retorna ao campo social por meio do discurso e da simbologia que constrói, permitindo que o próprio meio urbano seja ressignificado por esta narrativa. Tais edificações tanto podem ser perenes, seguindo as modas que lhes geram, quanto podem se constituir como processos duradouros, formando uma bacia de sentidos composta por imagens sobre os modos de ser e habitar a urbe, contribuindo assim para formação de um repositório coletivo, de uma experiência social de cidade. Mas não existe representação fiel ao que espelha, ao que copia, ao que reproduz. Há sempre referências, repertórios e opções para serem levados em conta, àqueles mesmos que ajudam na definição e na escolha diários do que é notícia. A complexidade disso se manifesta no reconhecimento do efeito de retroalimentação estabelecida nesse processo. Indivíduos com valores apreendidos em seus meios, sedimentados no conhecimento forjado na

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sua busca por informação, constroem cidades nas mídias, na televisão, cujos produtos retornam à sociedade para uma partilha sensível que ajuda na remodelação simbólica, e muitas vezes prática e física, da cidade. Ressignificando espaços e pessoas, grupos e lugares. Nesse sentido, se cada indivíduo se coloca no horizonte buscando enxergar na cidade apenas o que pode apreender de uma experiência individual e alheia as relações sociais, encontrará apenas um objeto estático, semelhante ao retrato do espaço recortado. Todo movimento, mutação e alimentado pelo menor relacionamento possível, ou mesmo pela influência externa das diversas tecnologias do espaço urbano, se assemelhará a um artifício sobre a memória e o modo de ser/viver na cidade. Referências

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BUARQUE, Chico. Budapeste. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. CAIAFA, Janice. Comunicação e diferença nas cidades. Lugar Comum. v. 1. n. 18, p. 91-101. 2003. _____. Produção comunicativa e experiência urbana. In: XXVIII Congresso Brasileiro da Ciência da Comunicação. Rio de Janeiro. Anais, 2005. CANCLINI, Néstor García. Cidades e cidadãos imaginados pelos meios de comunicação. Opinião Pública. Vol III, n. 1, p. 40-53, 2002. COUTINHO, Iluska. Algumas reflexões sobre as características do telejornalismo e os limites da TV como meio de informação. In: I Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, 2003. _____. Telejornalismo e Público: Sobre vínculos com o cidadão convertido em audiência. In: PORCELLO, Flávio; VIZEU, Alfredo & COUTINHO, Iluska (Orgs.). O Brasil (é)ditado. Coleção Jornalismo Audiovisual, V. 1 Florianópolis: Insular, 2012a. _____. Dramaturgia do telejornalismo: a narrativa da informação em rede e nas emissoras de televisão de Juiz de Fora – MG. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012b. EKSTRÖM, Mats. Epistemologies of TV journalism. In: Journalism, vol. 3, p. 259-282, 2002.


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Modo de ser, Modo de usar: a representação da cultura e da cidade por meio de perfis jornalísticos de artistas paraibanos1 Cibelly Correia dos Santos2 Hildeberto Barbosa de Araújo Filho3

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Resumo: Em tempos pós-moderno o jornalismo vem se adaptando trazendo informações com narrativas mais interpretativas e que possam atrair os leitores. Nos veículos impressos, os perfis jornalísticos vêm ganhando espaço e se consolidando, trazendo histórias de vidas para fugir de matérias factuais. O perfil propaga uma trajetória humana, por mais breve que seja. Conduz elementos construtivos perspicazes, além dos fatos, dos processos e das declarações. O perfil permite uma representação mais aprofundada dos personagens, mostrando o trabalho que ele realiza como também as influências culturais e sociais que os cercam. Podem ainda revelar aspectos psicológicos e comportamentais, além de características claras acerca do que fazem. Expõem, assim, toda a complexidade humana do personagem, rompendo os estereótipos que geralmente são camuflados nos meios de comunicação de massa. Nesse sentido, o artigo pretende fazer uma análise dos perfis da coluna Modo de Ser, Modo de Usar, publicados no “segundo caderno” do jornal paraibano Contraponto, de maneira que se possa entender como esse gênero pode colaborar com a divulgação da cultura local e da cidade. Palavras-chave: Perfis Jornalísticos, Jornalismo Cultural, Jornalismo Literário.

A relação entre Perfis e Jornalismo Cultural O Jornalismo Cultural traz à tona temas referentes à cultura de uma determinada sociedade. Porém, atualmente, percebe-se que as nar1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Mestranda no PPJ – Programa de Pós-Graduação em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Graduada no Curso de Comunicação Social com habilitação em Radialismo. 3 Orientador. Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo na Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Letras pela Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Letras pela Universidade Federal da Paraíba.


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rativas jornalísticas deste gênero estão voltadas, cada vez mais, para a superficialidade na abordagem das pautas, o agendamento de eventos culturais e uma transação publicitária entre as assessorias e as redações. Conhecido, principalmente, como “segundos cadernos”, esse tipo de jornalismo tenta mostrar aos leitores as novidades a nível cultural. Apresenta ainda a possibilidade de se trabalhar em diversos tipos de gêneros, tais como crítica, reportagem, crônica, perfis etc. Porém, boa parte limita-se a analisar livros, filmes, eventos e outros elementos culturais. Daniel Piza (2004, p.7) afirma que “há uma riqueza de temas e implicações no jornalismo cultural que também não combina com seu tratamento segmentado; afinal cultura está em tudo, é de sua essência misturar assuntos e atravessar linguagens”. Este gênero permite extrapolar os limites da cultura de massa e do entretenimento, e torna-se um espaço de reflexão sobre a sociedade e sua cultura. O Jornalismo Cultural, hoje, segundo Marcia Eliane Rosa (2013, p.69), no artigo Jornalismo cultural para além do espetáculo, “resume-se a reportar, divulgar e analisar (superficialmente) produtos culturais”, principalmente na “grande imprensa”. No entanto, pensamos que ele pode ir além desta tríade, mas para isso deve tecer a vida cotidiana não só mostrando comportamentos, costumes, crenças e tradições, mas também, e principalmente, observando as nuances da(s) cultura(s) em transformação, seus conflitos, suas relações de troca. Para esta empreitada, o jornalista cultural precisa buscar refletir a realidade vivenciada pela sociedade captando ângulos do seu cotidiano e, fundamentalmente, sabendo diferenciar cultura, arte e consumo. (ROSA, 2013, p.69)

O termo germânico Kultur era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de uma comunidade, enquanto a palavra Civilization referia-se às realizações materiais de um povo. Sintetizado por

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Edward Tylor, o conceito de Cultura utilizado atualmente em seu sentido etnográfico inclui “conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábito adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (TYLOR apud LARAIA, 2008. p.25). De acordo com Siqueira, Siqueira (2007, p. 112), o Jornalismo Cultural poderia se aproximar do sentido de Kultur “ao expressar valores, ideias e modos de ser de um povo, revelando aspectos internos, ocultos, profundos” Nesse sentido, eles alegam ainda que “a ênfase de uma parte do jornal como sendo eminentemente cultural parece obedecer à mesma dicotomia entre civilização e cultura para os intelectuais alemães” (SIQUEIRA, SIQUEIRA, 2007, p. 113). Essa talvez seja a explicação para a abordagem dos temas ligados às artes, às letras, à filosofia, à religião, à dança, nos cadernos culturais. Bons textos sobre temas culturais levam o leitor a ter uma visão mais crítica e maior conhecimento sobre a sociedade. Permite ainda resgatar a história e mostrar a importância sociocultural dos artistas. A prática do Jornalismo Cultural é um exercício constante de aprimoramento e busca pela informação. Nesta perspectiva, este artigo pretende fazer uma análise dos perfis publicados na coluna Modo de Ser, Modo de Usar, do Contraponto, jornal veiculado semanalmente na grande João Pessoa, capital paraibana. Os perfis eram publicados no chamado “Segundo Caderno”, intitulado Caderno B, e traziam histórias de vidas de artistas locais conhecidos e desconhecidos, como também de personagens importantes para a cultura nacional. A coluna Modo de Ser, Modo de Usar foi publicada entre 2010 e 2013 e escrita pela jornalista paraibana Mariana Fernandes. O Contraponto está no mercado há 12 anos. Dirigido pelo jornalista João Manoel de Carvalho, o semanário seguiu uma linha mais alternativa, mostrando o cenário cultural local além dos releases das assessorias de imprensa. O Caderno B ganhou destaque como um importante


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veículo de divulgação e de crítica social, apresentando não só reportagem como ainda outros gêneros, a exemplo de crônicas, perfis e artigos, assim, se consolidado como um meio de comunicação no qual se discutia sobre a cidade, sua história e as vivências culturais. É importante frisar que o jornalismo cultural começou a ganhar a sua forma atual na segunda metade do século XX, tento como principais características os comentários sobre o cotidiano cultural (normalmente apresentados nos cadernos diários) e as coberturas mais aprofundadas para as edições de fim de semana. Juntamente com isso, começam a surgir algumas revistas que buscavam abordar uma cobertura cultural mais diferenciada. Entre essas, podemos destacar a revista O Pasquim, que fora bem aceita pelo público, mas não resistiu por muito tempo nesse período ditatorial. (ANDRADE e ORSATTO, 2012, p.7)

103 Nos últimos anos, o jornalismo cultural vem, cada vez mais, se expandindo para livros, tanto coletâneas de ensaios e críticas, como projetos de reportagem. Além disso, “muitos jornalistas têm se dedicado a escrever biografias, gênero que teve um boom editorial a partir da década de 1980. E a história cultural, nos mais variados formatos [...] continua ganhando espaço” (PIZA, 2003, p.30-31). Com pouco espaço em jornais impressos, os perfis jornalísticos estão atraindo a atenção dos leitores, mostrando-se, através do olhar do personagem, uma nova visão sobre os fatos, trazendo uma narrativa mais humanizada e romanceada. Perfil - reportagens humanizadas Ninguém sabe ao certo a sua origem. Historiadores de jornalismo revelam que há evidência que as revistas são as grandes impulsionadoras desse gênero, por começarem a escrever histórias tendo como foco


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os indivíduos, com o objetivo de traçar um retrato social amplo, de um grupo, de uma realidade contextual. Nos Estados Unidos, um dos pioneiros desse gênero jornalístico foi a revista New Yorker. Essa narrativa também foi cultivada na Esquire, tendo como principal incentivador desse estilo o jornalista e escritor Gay Talese. De acordo com o jornalista Sergio Vilas-Boas (2003, p.22), “Os perfis se tornaram marca registrada de revistas como Esquire, Vanity Fair, The New Yorker, Life e Harper´s, entre outras. No Brasil, O Cruzeiro e Realidade também valorizaram esse tipo de jornalismo em suas épocas áureas”. O grande destaque em termos de perfil é o jornalismo americano. O Jornalismo Literário teve um avanço na década de 1970, quando Gay Talese escreveu o perfil de Frank Sinatra. Os dois gêneros exigem uma questão chave do autor: o desejo de saber e a curiosidade de conhecer mais sobre os personagens. Tem que existir por parte do profissional uma admiração para tentar entender a vida daquela pessoa, uma paixão e compaixão humana, mas não isenta de senso crítico, para encontrar tanto seus aspectos luminosos quanto as suas vulnerabilidades. Traça um retrato humano buscando ser o mais pleno possível. Humanizar o indivíduo. Os perfis são narrativas, na maioria das vezes, curtas, que focalizam apenas alguns momentos marcantes da vida de um indivíduo. É definido também como short-term biography ou biografia de curta duração, reportagem narrativo-descritiva de pessoa, clouse-up, reportagem biográfica ou relato de vida. O termo miniperfil é um relato de um personagem secundário colocado no momento em que ocorre um corte da narrativa principal. O perfil faz um trabalho intuitivamente psicológico de retratar a pessoa sob uma projeção de luz mais complexa, capaz de iluminar tanto seus atos externos, no mun-


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do que conhecemos, como seus conteúdos internos, da psique, desconhecidos por nós. São conteúdos, trazidos à consciência, que nos ajudam a compreendê-la de forma mais completa, como ser humano inteiro. [...] Compreende a pessoa na sua grandeza e na sua finitude. Não julgá-la, nem defendê-la, nem condená-la. Compreendê-la. (LIMA, 2014, p. 60-61)

O perfil é um gênero bem peculiar no jornalismo. Sodré (1986) deixa claro que a abordagem principal dessa narrativa é o personagem que será retratado. Em jornalismo, perfil significa enfoque na pessoa – seja uma celebridade, seja um tipo popular, mas sempre o focalizado é o protagonista de uma história: sua própria vida. Diante desse herói (ou anti-herói), o repórter tem, via de regra, dois tipos de comportamento: ou mantémse distante, deixando que o focalizado se pronuncie, ou compartilha com ele um determinado momento e passa ao leitor essa experiência (SODRÉ, 1986, p.126).

Na construção de um perfil, um dos principais meios para se ter as características essenciais de cada personagem é através da entrevista. A entrevista tem papel fundamental na construção de perfis, pois enriquece o autor com os dados e potencializa a história do possível perfilado. Portanto, narrar um acontecimento por meio de uma testemunha não é a mesma coisa que descrevê-la quando se a tem lado a lado (SILVA, 2009, p.7)

Para Vilas Boas (2014), esse estilo de narrativa vai além de uma entrevista do tipo pingue-pongue. Ele esclarece que é preciso indagar, elucidar, atiçar reflexões sobre aspectos gerais da existência, como vitória, derrota, expectativa, frustração, amizade, solidariedade, coragem

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etc. Por isso, para se fazer um bom perfil, é necessário investigar os contextos socioculturais do personagem, conversar com pessoas que fazem parte da sua vida, frequentar os lugares que ele frequenta e observar as linguagens verbal e não verbal. Observa-se que os textos-perfis são extensos para os padrões do jornalismo atual. Por isso, é menos comum encontrar essa narrativa em jornais, que, cada vez mais, estão tomados por várias informações fragmentadas e formatos idênticos de notícia. Nesse modo, vamos analisar a coluna Modo de Ser, Modo de Usar, para identificar os elementos importantes na construção de um perfil. Modo de Ser, Modo de Usar

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Nesse ponto, é necessário destacar que o artigo não anseia analisar a ligação entre literatura e jornalismo de maneira ampla. Até porque narrativas que se têm uma confluência de gêneros, na maioria das vezes, precisam de espaços maiores para serem exploradas e divulgadas. Aqui, identificar-se-á quais os momentos de convergência entre jornalismo e literatura na construção dos perfis da coluna do Modo de ser, Modo de usar, identificando como eles foram elaborados de maneira que se possa conhecer o personagem e seu papel no meio cultural da cidade. Para atender o objetivo, vamos selecionar trechos de algumas entrevistas com artistas paraibanos que foram feitas para a coluna. Como exemplo, apresentam-se fragmentos do texto sobre a cantora Elba Ramalho, publicado em 15 de junho de 2012. A jornalista Mariana Fernandes relata um pouco da trajetória da artista. Fazendo um breve histórico sobre a carreira e vida, além de trazer elementos peculiares da personalidade dela.


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De Conceição, alto sertão paraibano, para o mundo. A frase resume a vida e a carreira desta cantora que bate forte o coração do público quando solta a sua voz. A musicalidade herdou do pai, por ser filha do sertão, logo cedo se familiarizou com os ritmos da região como o xote, o forró, o baião, o maracatu, entre outros. Mas foi o talento, a perseverança e a paixão pela arte de cantar e interpretar que levaram Elba Ramalho a ser uma das mais respeitadas artistas brasileiras [...] Atualmente, Elba continua animando o público com suas apresentações. Neste período de São João a cantora não para. “Eu tenho trabalhado muito nesse período”, afirma. A novidade é a finalização de seu disco. “Em agosto ou setembro eu devo está lançando o ‘Forró Brasileiro’, um disco bonito com muito forró. O disco está ousado, o forró renovado, um trabalho rebuscado que passei dois anos fazendo”, afirma Elba, que mostra seu lado compositora neste novo trabalho. (FERNANDES, 2012, p.3)

Para se construir um perfil jornalístico, Vilas Boas (2014, p 285) cita que é importante “mesclar episódios da fase atual do seu personagem”. Ou seja, trazer um pouco da sua trajetória artística e dos projetos que ele está desenvolvendo atualmente. É importante perceber que esse histórico, por meio da narrativa de vida, mostra um forte contexto sociocultural da cidade, entendendo, assim, os momentos sociais importantes para a cultura local. O autor também destaca “não use seu personagem para outros objetivos que não de compreendê-lo” (VILAS-BOAS, 2014, p. 285), como podemos ver no trecho a seguir: Sua Sou uma pessoa super calma. Tenho uma vida serena, tranquila. Sou religiosa, vou à missa, confesso, comungo, rezo bastante. Com minha maturidade adquiri muita serenidade e paz de espírito. Tenho três filhas do coração e um de barriga. Eu sou uma pessoa muito fácil de se conviver, por isso que sofro tanto quando as pessoas me confundem [...] Não adianta eu construir castelos e passar indiferente pelas coisas do mundo, pelas necessidades. Isto seria uma estupidez da minha parte. Eu não iria somar em nada e este planeta precisa de gente que some. Por

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isso eu me posiciono politicamente e grito quando acho que as coisas não estão certas. (FERNANDES, 2012, p.3)

É necessário perceber como as falas e os posicionamentos dos personagens podem trazer um pouco sobre sua história e o jeito como ele encara a vida. As particularidades na construção dos textos são pontuadas por Vilas-Boas (2014) de forma que se possa enriquecer a narrativa.

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Em um texto-perfil, a complexidade do personagem pode ser trabalhada com a ajuda de um conjunto de cuidados. Dou atenção ao que a pessoa diz a seu respeito e ao que ela diz a respeito dos acontecimentos contemporâneos que a afetam de algum modo [...] A pessoa fornece também gestos atitudes e pensamentos em função da fase que está atravessando. Opero, então com um acúmulo de indícios, que podem ou não ser contrastados com dados do passado ou expectativas de realizações. Há o risco de formulações precipitadas sobre o temperamento, sobre as ideias e sobre a fase atual do personagem. Mas esse risco é evitável. Na dúvida, concentro-me no que de fato está ocorrendo entre mim e a pessoa. (VILAS-BOAS, 2014, p 282)

A ligação da literatura com o jornalismo pode surgir mesmo até na fala do personagem. Músicos, escritores, atores, muitos contam sua história de jeito romanceado, pode-se dizer até poético. Mostra aquilo que é ou apenas aquilo que quer que o outro veja. Nesse sentido, observemos um trecho da entrevista com o músico paraibano Jonathas Falcão. Bastante conhecido na cidade, o artista consolidou sua carreira e entrou para a história cultural da cidade. Cresci no Bairro da Torre Perto da Mata e da Feira Sou filho de mãe viúva Sou neto de mãe solteira Vivia fazendo arte


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Vez em quando ia pra marte Na nave da brincadeira Deixei de fazer besteira No início da mocidade O violão fez brotar Minha musicalidade De repente a poesia Virou o meu dia a dia Meu sonho, nome e idade. (FERNANDES, 2012, p.3)

Pode começar com poesia? Pode se colocar uma música criada na hora? E porque não? Elementos espontâneos resgatados durante a entrevista, além de dar mais leveza ao texto, mostram a singularidade do personagem. Vilas-Boas (2003) elenca alguns recursos que são importantes na construção de um perfil jornalístico. O fato de atos e as reações de uma personagem deixarem transparecer, ainda que de maneira fluída, as suas características, tem enorme importância para a estruturação de um perfil. É a possibilidade de descrever essa pessoa contando o que ela faz e como faz, permitindo a incorporação num texto descritivo de trechos narrativos. São recursos considerados. (VILAS-BOAS, 2003, p. 29)

O Perfil é uma narrativa biográfica como também autobiográfica, porque é um texto que transmite algo a respeito do autor. Lembre-se que esse texto não é a última palavra sobre o entrevistado, que nada será totalmente natural nem espontâneo. É importante que o jornalista conheça um pouco o personagem que escolheu para fazer o perfil. Tente não encontrar uma definição para o personagem, procure achar a sua imagem definidora da pessoa. É essencial que toda a narrativa gire em torno do entrevistado ou então não será um texto-perfil. Busque compreender o seu personagem. Não atribua ao leitor as suas vagas ideias sobre o que constitui uma qualidade ou um defeito. Escute as opiniões de seu personagem sobre a área em que ele atua. Abaixo verifica-se esses

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elementos na construção do perfil jornalístico do artista plástico e escrito Chico Pereira. Nascido em Campina Grande, ele conta que desde pequeno ele é uma espécie de caixeiro viajante da cultura e das artes. Não importava as dificuldades que enfrentava, ele sempre estava com um sorriso estampado no rosto e procurando respostas para suas dúvidas. O despertar das artes veio por meio das páginas dos livros da biblioteca da sua família. (FERNANDES, 2012, p.3)

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Para construção de um Perfil, também é necessário pesquisar temas correlacionados à história e à atividade da pessoa. Frequentar os lugares que ele frequenta e conviver com pessoas próximas ou não a ele, pois, muitas vezes, elas podem ter algo a falar sobre o protagonista. Observe e anote os acontecimentos. Fique sempre atento à linguagem verbal e a não verbal. Faça uma ampla apuração. Se possível analise o material apurado no mesmo dia em que ele foi coletado. Na narrativa também é importante selecionar alguns momentos: melhor ter uma história bem contada do que várias sinopses. Acrescente ao texto o máximo possível de detalhes relevantes. Descreva as cenas marcantes dos seus encontros com o entrevistado. É interessante ainda mesclar narração com descrição (físicas e psicológicas). Lembre-se de que todo momento é único e cada perfil reflete uma ocasião. É preciso destacar que estas técnicas não são regras para todos os textos perfis, mas são diretrizes essenciais para se ter um bom conteúdo, apresentar novas perspectivas do tema escolhido e proporcionar uma maior liberdade textual, que possa ser clara e atrativa para o leitor. Considerações


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Este trabalho teve como finalidade entender como o gênero Perfil colabora para a divulgação da cultura local e da história da própria cidade por meio de narrativas de vida. Nessa perspectiva, foram escolhidos como objeto de análise os perfis jornalísticos da coluna Modo de Ser, Modo de Usar. A coluna, escrita pela jornalista Mariana Fernandes, era publicada no caderno de cultura, denominado “segundo caderno”, do jornal paraibano Contraponto, durante os anos de 2010 a 2013. Os perfis jornalísticos trazem elementos da trajetória humana, como os fatos que estão envolvidos e os diálogos. Além disso, revelam aspectos psicológicos e comportamentais do personagem. Esse estilo de narrativa tem destaque especialmente em revistas, por ser um gênero no qual precisa de espaço mais amplo para sua publicação, devido à riqueza de detalhe que é necessária para se construir o texto. Nesse trabalho, após a análise dos perfis publicados na coluna Modo de Ser, Modo de Usar, percebe-se que é possível elaborar uma narrativa focada no personagem de maneira mais sucinta, com alguns elementos que compõem a construção de um perfil jornalístico, como, por exemplo, episódios da vida e da fase atual do personagem, apresentar características psicológicas através da opinião do entrevistado, entre outros elementos atípicos de matérias factuais. É interessante perceber que quando se fala em história de vida, observam-se informações histórico-sociais por traz das narrativas dos personagens. Nesse sentindo, como a coluna tinha a proposta de divulgar os artistas paraibanos, tanto conhecido como desconhecidos do grande público, compreende-se que a trajetória artística de cada entrevistado diz respeito também à história da própria cidade e faz um breve resgate da cultura local na qual o personagem esteve envolvido. Referências

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ANDRADE, Rhayene; ORSATTO, F.uzia de Oliveira. Enlaces do caderno G: jornalismo cultural e os gêneros vigentes. 2012. Disponível em: <http://www.adverbio.fag.edu.br/ojs/index.php/RA/article/view/3>, acesso em 30 abr. 2016. FERNANDES, Mariana. Jonathas Falcão. Contraponto. João Pessoa, 13 a 19 de abr. 2012. Caderno B. p. B3. ______. Chico Pereira. Contraponto. João Pessoa, 04 a 10 de mai. 2012. Caderno B. p. B3. ______. Elba Ramalho. Contraponto. João Pessoa, 15 a 21 de jun. 2012. Caderno B. p. B3. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22ª ed. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2008. LIMA, Edvaldo Pereira. Jornalismo Literário para Iniciantes. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. 2014. PIZA, Daniel. Jornalismo Cultural. 2. ed. São Paulo: Contexto. 2004.

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ROSA, Marcia Eliane. Jornalismo cultural para além do espetáculo. 2013. Disponível em: <http://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2014/05/ 07-Marcia-Eliane.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2016. SILVA, A. Tenório Pontes da Silva. O perfil jornalístico: possibilidades e enfrentamentos no jornalismo impresso brasileiro. 2009. Disponível em: <http://www. insite.pro.br/2009/Outubro/perfil_jornalismo_amanda.pdf>. Acesso em: 30 abr. 2016. SIQUEIRA, D. da Costa Oliveira. SIQUEIRA, E. David de. A cultura no jornalismo cultural, Disponível em: <http://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2014/05/A-cultura-no-jornalismo-cultural.pdf>. Acesso em: 06 abr. 2015. SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de Redação: o texto no jornalismo impresso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1986. VILAS-BOAS, Sergio. Perfis: e como escrevê-los. São Paulo: Summus. 2003. ______. Perfis: o mundo dos outros 22 personagens e 1 ensaio. 3.ed. Barueri, SP: Manole. 2014.


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NARRATIVAS URBANAS DE JOÃO PESSOA: O olhar da página Hipster Pessoense sobre a cidade1 Amanda AZEVEDO2 Andrea Karinne Albuquerque MAIA3 Resumo: Este artigo busca analisar o conteúdo disponibilizado pela página Hipster Pessoense no Facebook. Quanto aos procedimentos metodológicos, optou-se por adotar a análise de conteúdo, nesse sentido foram estabelecidos eixos temáticos que formam as narrativas sobre diversos assuntos relacionados à cidade de João Pessoa marcada pela irreverência e à crítica.A pesquisa bibliográfica possibilitou a discussão sobre a cultura urbana, o uso do ciberespaço como meio de compartilhamento de informações e a participação dos cidadãos em relação ao cotidiano da cidade. Acredita-se que a página é responsável por estimular o exercício da cidadania e a valorização da cultura local. Palavras-Chave: Ciberespaço. Hipster, Mídias sociais.

Introdução A internet aproxima cada vez mais as pessoas da informação, os veículos de comunicação perderam sua hegemonia na produção de conteúdo, por meio dos jornais impressos, programas rádios e de televisão, que agora, passam a ter seus conteúdos reproduzidos também nas plataformas digitais, como as redes socais, sites, blogs e aplicativos. Assim, as narrativas estão ganhando espaço no ambiente digital pela facilidade e pelo baixo custo de seu acesso. Com isso, as pessoas conectadas à In1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 26 a 27 de maio de 2016. 2 Estudante de graduação no 6° semestre do curso de Relações Públicas pela Universidade Federal da Paraíba, aluna bolsista PIBIC na área de Ciência da informação. E-mail: mandaazevedos@hotmail.com 3 Professora do curso de Relações Públicas da Universidade Federal da Paraíba. Mestra em Comunicação e Culturas Midiáticas pelo PPGC-UFPB, possui MBA em Gestão estratégica de pessoas e graduação em Comunicação Social nas habilitações Relações Públicas e Jornalismo. E-mail: andreakarinne@gmail.com

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ternet possuem mais liberdade em expor a sua opinião, e serem ouvidas entre si, legitimando seus discursos e ações nesse meio. O ciberespaço, portanto, vem estimulando essas novas práticas de interação entre as pessoas através do acesso à Internet, sobretudo nas redes socais digitais. Nesse sentido, a Internet é uma valiosa ferramenta usada pelas pessoas para criar espaços de compartilhamento de informações e experiências, o caso da página do Facebook Hipster Pessoense é um exemplo que nos mostra a interação dos cidadãos de João Pessoa, ao discutir assuntos relacionados à cidade, fazendo um contraponto à prática dos grandes veículos de comunicação, que de acordo com a teoria do agendamento, ditam as pautas buscando influenciar o pensamento das pessoas sobre determinado assunto.

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Procedimentos metodológicos Do ponto de vista metodológico, foi adotada a pesquisa bibliográfica para fundamentar as questões relacionadas à cidade, ao conceito de Hipster e à cultura urbana no ambiente digital, a partir da discussão de conceitos como o ciberespaço. Além de contextualizar o surgimento da cidade de João Pessoa, o cotidiano atual da cidade e as narrativas decorrentes desses aspectos. O método utilizado para analisar as postagens da página consistiu na Análise de Conteúdo, por meio de um recorte temporal das publicações na página do Facebook Hipster Pessoense entre os meses de janeiro a março do presente ano. Nesse contexto, foram definidos os seguintes eixos temáticos: Violência, Clima, Espaços físicos, Nostalgia e Crítica. Entre esses eixos foram selecionadas as postagens com maior quantidade de comentários nessas categorias, visando compreender o olhar dos autores da página em análise a respeito da cidade de João Pessoa. Além da análise de conteúdo utilizamos uma entrevista com questões abertas destinada aos administradores da página, buscando com-


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preender a importância do Hipster Pessoense para os seus criadores e a sua relação com o feedback do público. A cidade de João Pessoa A capital paraibana é uma das três cidades mais antiga do Brasil, fundada em 1585, com o nome de Nossa Senhora das Neves, a cidade mudou de nome mais três vezes, antes de ser nomeada de João Pessoa, em homenagem ao então presidente do Estado, assassinado em Recife, em 1930. Em sua origem, a capital paraibana estava dividida em cidade alta e cidade baixa. Essa configuração, no entanto, foi modificada na segunda metade do século XX, quando a cidade começou a se desenvolver em direção ao litoral, fortalecendo as diferenças sociais, ficando a cidade baixa e o bairro do Varadouro limitados ao comércio local. Essa realidade começou a mudar a partir 1987, por meio de um processo de requalificação do Centro Histórico, gerando um novo espaço de consumo cultural no centro da cidade. (SCOCUGLIA, 2003) João Pessoa é uma cidade litorânea de porte médio, segundo os dados do Censo 20104 sua população é de 723.515 habitantes. E durante muito tempo foi considerada uma cidade pacata. Moreira e Queiroz (2005) sublinham que essa tranquilidade era uma realidade até os anos de 1970. Mas que, em decorrência, entre outros aspectos, do processo de industrialização, da ampliação do setor de serviços, do êxodo rural, do rápido crescimento do número de favelas e das condições de extrema pobreza a situação se transformou e hoje a cidade não é mais tão pacífica assim. O tecido urbano se torna assim um espaço hostil, ensejando uma sociabilidade agressiva que se exprime na elevação dos índices de violência urbana, evidenciado principalmente pelo crime organizado e pelo tráfico de drogas, este se oferece como 4 CENSO, 2010. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://cod.ibge.gov.br/1J45W> Acesso em 25 set. 2013.

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uma alternativa rentável de “ocupação” sobretudo para os jovens habitantes do meio urbano. (MOREIRA; QUEIROZ, 2005, p.56).

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Nesse contexto urbano, a Prefeitura de Municipal de João Pessoa reformou ou inaugurou várias praças nos principais bairros da cidade. Entre os objetivos dessas obras, a Prefeitura apontou o “resgate das relações sociais, da autoestima e do incentivo à prática de esporte” (PREFEITURA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA, 2012). Nos bairros, o poder público disponibiliza a estrutura física destinada ao desenvolvimento das relações sociais e recreativas dos moradores. Mas, a legitimação desse espaço depende das iniciativas dos atores sociais envolvidos. Pois, “são a apropriação e o uso continuado por parte da população que transformam os equipamentos urbanos em espaços vivos e cheios de sentidos”. (QUEIROZ; FRANCH, 2010, p. 21). Além da importância da praça no que tange à questão da sociabilidade, os poderes públicos enxergam nesse equipamento uma ferramenta de controle da violência urbana, como demonstram Queiroz e Franch (2010, p. 27-28): Nas últimas décadas, algumas práticas de planejamento urbano buscam ir contra as tendências individualizantes, investindo na requalificação dos espaços púbicos, visando revitalizá-los, deter o seu esvaziamento, e manter sob controle a violência, em parte alimentada pela sua desertificação.

Apesar do tradicionalismo, fruto da sua grande idade, João Pessoa é uma cidade que acolhe variadas influências culturais, constituindo um espaço urbano fragmentado e marcado por inúmeras diferenças. Em virtude, entre outros fatores, dessa diversidade e de uma maior circulação de pessoas, muitos escolhem a cidade como local de residência. A despeito do aumento da violência, o lugar ainda é considerado bom para se viver, atraindo pessoas de outros Estados do país e do mundo, que a elegem em virtude da qualidade de vida.


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Além desse público, tradicionalmente João Pessoa recebe estudantes do interior do Estado, que vêm morar na cidade para estudar. Esse fluxo foi intensificado a partir de 2009, quando o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passou a ter abrangência nacional como forma de ingresso nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) de todo o País. Isso possibilitou que o estudante de qualquer Estado brasileiro concorresse a uma vaga nas IFES; o que promoveu a chegada de mais jovens à João Pessoa, vindos de distintos municípios do Brasil. Para Mannheim (1982 apud Groppo, 2000) os jovens estão mais inclinados a realizar transformações sociais do que os indivíduos adultos, pois os jovens vivem suas primeiras experiências pessoais nessa fase da vida, enquanto que para os adultos as novas experiências sociais são submetidas a um processo racional, no qual essas ações são julgadas a partir de padrões de conhecimento já consolidados pelos indivíduos. As culturas juvenis são construídas nos diversos espaços sociais que os jovens ocupam, na família, no bairro em que moram, na escola, e sobretudo no ambiente digital. Nesse sentido, “[...] Observa-se a perda de importância de agências tradicionais de socialização como a família e a escola e a crescente influência dos meios de comunicação de massa e dos próprios grupos juvenis na formação de identidades.”(MOREIRA; QUEIROZ, 2005, p. 58). Hipster como conceito Inicialmente o conceito de hipster está ligado ao estilo de vida hippie no qual os seus seguidores buscavam o ideal de liberdade, de paz e amor, repudiando as guerras como por exemplo a do Vietnã, momento em que o movimento hippie ganhou mais visibilidade. O termo hipster, que vem do movimento hippie sofreu algumas modificações ao longo do tempo. Muito antes da cultura hippie, os hipsters surgiram na América do Norte como um grupo de indivíduos que muito informava

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sobre a cultura da época. Difundida durante os anos de 1940, o termo passou a designar homens brancos e burgueses, que adotaram o jazz, antes, limitado às classes mais pobres e, em maioria, de negros. Com o passar do tempo, o conceito de hipster se disseminou na sociedade e desapareceu. Até que os anos de 1990 chegaram e o conceito voltou a vigorar na sociedade pela mídia, mas de uma forma diferente da que se conhecia nos tempos do jazz. Agora eles se apoiam em um movimento nostálgico por meio da apropriação de um estilo específico: o retrô. (SANTOS, 2014, p.1)

Relacionando o conceito hipster com o movimento hippie encontramos que historicamente, ele possui referências da corrente ideológica da contracultura, pois era um movimento composto por jovens que questionavam o status quo da sociedade e também os motivos que levaram os EUA a recrutarem jovens para as guerras.

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A explosão da contracultura e do movimento hippie, que questionavam à política imperialista do país protagonizada pela Guerra do Vietnã. Essa onda de contestação generalizada ficou conhecida como movimento underground, que pretendia transformar todo o sistema vigente. (MAGALHÃES, 2009 apud MAIA, 2014, p.38)

Partindo da ideia da nostalgia levantada por Santos, bem como, da análise do conteúdo da página Hipster Pessoense, o conceito de hipster se aproxima mais do significado voltado ao retrô, mas também de pessoas autênticas, que querem mostrar sua atitude. Em entrevista, os administradores da página nos contam que o termo hipster foi escolhido por retratar uma pessoa que busca se diferenciar das outras pessoas, que foge do que é comum, então, podemos compreender que o termo hipster utilizado pela página se refere a um grupo de pessoas que possui suas próprias conclusões acerca das notícias sobre a cidade de João Pessoa. Portando, verificamos que o imaginário proposto nas postagens do Hipster Pessoense faz referências diretamente aos espaços urbanos e sua vida cotidiana, sendo midiatizado pelas redes sociais, gerando iden-


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tificação com os moradores e de certa forma, criando um registro sobre a memória da cidade. Entre a cidade e a rede A página Hipster Pessoense se utiliza dos locais que são referências conhecidas pelos moradores da cidade, bem como, da lembrança de acontecimentos do cotidiano, visando construir narrativas que alimentam o imaginário urbano, portanto a cidade e a rede convergem no ciberespaço, que de acordo com Lévy (1999, p.17) [...] é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo.

Ao estarem conectadas no ambiente digital, as pessoas encontram uma nova forma de se relacionar umas com as outras e até mesmo com a cidade. Por isso, o ambiente digital se torna uma extensão do real. Para Lemos (2004) um novo fenômeno surge a partir dessas relações com o virtual, que implica na facilidade de participação das pessoas nas questões referentes à cidade. Mais que tecnologias, as Cibercidades são frutos das novas relações criadas no espaço virtual que permitem a troca de conhecimento entre os cidadãos, valorizando os aspectos sociais, culturais, intelectual e técnico de uma determinada sociedade. As Cibercidades devem potencializar as trocas entre seus cidadãos e a ocupação de espaços concretos da cidade real, ao invés de ser uma simples substituição. O espaço de fluxos complexifica o espaço de lugar das cidades. (LEMOS, 2004 apud NORONHA, 2012, p.4)

Pode-se dizer que existe uma identificação das pessoas com a página, em virtude da proposta de aproximação das narrativas urbanas de João Pessoa contadas pelas redes sociais, as interações observadas nos comentários das postagens da página Hipster Pessoense confirmam o

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interesse do público em se divertir, se informar e também trocar experiências e relatos sobre determinadas situações que são apresentadas. A página do Hipster Pessoense

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Com o total de 47.162 curtidas no Facebook5, a página Hipster Pessoense está crescendo a cada dia e vem expandido sua produção de conteúdo para outras mídias digitais como o Instagram6, Twitter7 e o canal no Youtube8. O Facebook e o Instagram são as plataformas mais trabalhadas pelos administradores pois, possuem mais adesão do público. O uso do WhatsApp9 ainda está em processo de decisão, segundo os administradores o objetivo será criar, futuramente um grupo de fãs que interajam uns com os outros, para auxiliar no processo de criação das publicações com ideias, tornando a participação do público ainda mais frequente. A página do Facebook foi o objeto de estudo utilizado nessa pesquisa, seu conteúdo é caracterizado por associar assuntos atuais com os acontecimentos da cidade, a partir de uma linguagem cômica e comum ao público jovem. Percebe-se que a interação do público nas postagens produz uma reflexão sobre como as pessoas lidam com as situações do cotidiano na cidade de João Pessoa, sendo um fator positivo. As publicações são feitas de maneira criativa utilizando memes10, gifs11 e vídeos 5 Disponível em: https://www.facebook.com/HipsterPessoense/?fref=ts 6 Disponível em: https://www.instagram.com/hipsterpessoenseoficial/ 7 Disponível em: https://twitter.com/HPessoense 8 Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCOJRS8bcc4uKq3RlLAw7CwA 9 Whatsapp é um aplicativoencontrado em smartphones utilizado para troca de mensagens de texto, além de vídeos, fotos e áudios. 10 Meme é um termo grego que significa imitação. O termo é bastante conhecido e utilizado no “mundo da internet”, referindo-se ao fenômeno de “viralização” de uma informação, ou seja,qualquer vídeo, imagem, frase, ideia, música e etc, que se espalhe entre vários usuários rapidamente, alcançando muita popularidade. 11 GIF (Graphics Interchange Format ou formato de intercâmbio de gráficos) é um formato de imagem muito usado na Internet, e que foi lançado em 1987 pela CompuServe,


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que são recursos utilizados pelos jovens como forma de comunicação nas redes socais digitais, promovendo o maior engajamento do público. A acessibilidade aos meios de comunicação encontrados na Internet por meio das mídias sociais, nos leva a identificar o caráter factual, do registro e do compartilhamento das informações, que muitas vezes, são produzidas pelos cidadãos que têm uma postura ativa que vai além do mero consumo de informações. Análise dos resultados Lançou-se mão da Análise de Conteúdo visando analisar as publicações selecionadas, que se enquadram nos eixos temáticos estabelecidos, a partir do conteúdo disseminado na página, a saber: violência, clima, espaços físicos, nostalgia e críticas. Em cada eixo foi selecionada a postagem que obteve o maior número de comentários, gerando dessa forma grande repercussão com o público, caracterizada por levantar questões importantes a serem discutidas nos comentários.

Eixo Violência - “50% da população de João Pessoa já foi assaltada ... os outros 50% são assaltantes” A postagem, como ilustra a Figura 1 possui um caráter cômico que nos mostra dados fictícios em relação a violência em João Pessoa, para os administradores do Hipster Pessoense a cidade pode ser dividida em cidadãos que assaltam e os que são assaltados, para eles essa seria uma justificativa para o elevado número de assaltos que ocorre na cidade. Em contraponto a essa leitura, a cidade de João Pessoa passou por um processo de expansão devido a vários fatores que, consequentemente para disponibilizar um formato de imagem com cores em substituição do formato RLE, que era apenas preto e branco.

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A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

levou ao aumento da população, condições precárias de moradia devido as populações que migraram para a cidade. João Pessoa, portanto não é a mesma cidade tranquila dos anos 1970, especialmente em virtude do aumento das desigualdades sociais, o que influencia o crescimento do índice de violência urbana.

122 Figura 1 – Violência - Fonte: Hipster Pessoense, 201612

Eixo Clima–“Amando esse clima de inverno europeu de João Pessoa. Finalmente vou usar meu moletom com cheiro de naftalina. Jampa, minha London” João Pessoa é considerada por muitos como uma cidade “quente” apesar de ser uma cidade litorânea que possui o clima tropical úmido13, dessa forma a postagem, conforme apresenta a Figura 2 busca ressaltar que a variação do tempo, devido às chuvas melhorou o clima da cidade. Mesmo assim, em alguns comentários podemos perceber que apesar das 12 Mensagem enviada por Hipster Pessoense. Postado em: 06/01/2016. Disponível em: <https://www.facebook.com/HipsterPessoense/photos /a.133998640088768.29483.133995210089111/54404053 5751241/?type=3&theater>. Acesso em: 01 abr. 2016. 13 Geografia da Paraíba. Disponível em:<http://www.paraibatotal.com.br/a-paraiba/geografia>


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chuvas as pessoas não usariam moletons em virtude do calor e continuam reclamando do tempo.

Figura 2 - Clima

123 Fonte:Hipster Pessoense, 201614

Eixo Espaços Físicos – “KIT Eu sou do Valentina” O bairro do Valentina fica localizado na zona sul da cidade de João Pessoa e pode ser considerado um dos bairros mais distantes do centro da capital. Intitulada como “O vale perdido”, de acordo com a Figura 3, ressaltando que para chegar até o Valentina é necessário muito sacrifício, como pegar um ônibus em seguida um avião, e os moradores são retratados como indígenas, por viver em isolamento devido à distância, e não manterem contato com a “civilização”, de maneira irônica a posta14 Mensagem enviada por Hipster Pessoense. Postado em: 09/01/2016. Disponível em: https://www.facebook.com/HipsterPessoense/photos /a.133998640088768.29483.133995210089111/544989238 989704/?type=3&theater. Acesso em: 01 abr. 2016.


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gem brinca com imaginário dos moradores que sofrem devido ao deslocamento do bairro para outros lugares da cidade. A despeito do viés cômico, essa postagem revela muito sobre a mobilidade urbana na cidade, fruto de uma política habitacional responsável por construir conjuntos populares cada vez mais distantes do centro da cidade, e das áreas nobres, fazendo com que a massa trabalhadora da cidade more cada vez mais distante do local de trabalho. O problema é agravado pelas péssimas condições do transporte coletivo, que tornam essa distância ainda maior. Figura 3–Espaços Físicos

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Fonte:Hipster Pessoense, 201615

Eixo Nostalgia– “É Paraibano mas nunca se acabou num Treloso com água ... POSER.” A marca de biscoitos Treloso é popularmente conhecida na Paraíba por ser um biscoito de baixo custo e que também agrada ao paladar dos paraibanos, como escolha na hora do lanche. A Figura 4 mostra que

15 Mensagem enviada por Hipster Pessoense. Postado em: 07/01/2016. Disponível em: https://www.facebook.com/HipsterPessoense/photos /a.133998640088768.29483.133995210089111/544445802377381/?type=3&theater. Acesso em: 01 abr. 2016.


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o paraibano que nunca passou por essa situação é considerado poser, ou seja, ele não é paraibano. De acordo com o depoimento dos administrados do Hipster Pessoense ser poser significa uma pessoa que finge ser algo que não é. Diante disso, vemos que a página Hipster Pessoense passa em seu discurso essa ideia da figura do hipster e do poser que estão diretamente ligadas ao costumes dos pessoenses, pois a linguagem encontrada nas publicações em alguns momentos, só pode ser compreendida pelos próprios pessoenses que possuem esses costumes em comum, vocabulários e vivem situações semelhantes no dia a dia da cidade. Portanto, conteúdo dessa natureza publicados nas redes sociais alimentam o imaginário popular e contribuem para a valorização da cultura local. Figura 4 - Nostalgia

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Fonte:Hipster Pessoense, 201616

Eixo Crítica – “Nomear Lula para ser ministro da Casa Civil é como nomear um môfi para ser prefeito de João Pessoa” 16

Mensagem enviada por Hipster Pessoense. Postado em: 07/01/2016. Disponível em: <https://www.facebook.com/HipsterPessoense/photos /a.133998640088768.29483.133995210089111/54444580 2377381/?type=3&theater>. Acesso em: 01 abr. 2016.


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

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A postagem da página expressa na Figura 5 foi baseada na notícia que Luís Inácio Lula da Silva, o ex-presidente do Brasil foi escolhido para ser o novo ministro da Casa Civil17. Baseado nesse acontecimento, a página Hipster Pessoense faz uma crítica utilizando a pessoa de Lula que foi alvo de escândalos de corrupção, como exemplo de um mau gestor. O termo “môfi” é popularmente conhecido pelos pessoenses devido aos comentários que o repórter Emerson Machado utiliza no programa Correio Verdade da emissora TV Correio, para se referir aos adolescentes que realizam assaltos na cidade. A comparação de Lula com o “môfi”, mostra que é incoerente a escolha de um tipo de pessoa desonesta para ocupar um cargo importante. Na descrição da postagem o Hipster Pessoense se posiciona contra a essa escolha, e o público na maioria dos comentários reagiu com argumentos de indignação aos gestores do país e também do município de João Pessoa. Apesar de promover uma crítica a situação política atual, a postagem é marcada pelo excesso de juízo de valor, expresso por meio de preconceitos baseado nos estereótipos construídos e disseminados pelos programas policialesco locais. Figura 5- Crítica

Fonte: Hipster Pessoense, 201618 17

Planalto anuncia Lula como novo ministro da Casa Civil, disponível em: http://g1.globo. com/politica/noticia/2016/03/planalto-anuncia-lula-como-novo-ministro-da-casa-civil.html 18 Mensagem enviada por Hipster Pessoense. Postado em: 16/03/2016.


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Considerações finais Os meios de comunicação buscam retratar o cotidiano da cidade através da produção de notícias, agregando o seu conteúdo as redes sociais que atualmente possuem um grande papel no estímulo a opinião pública, por conta da facilidade de interação entre as pessoas, que nesse meio é algo constante e incontrolável. Esse tipo de participação que ocorre no ciberespaço é vista nesse artigo como algo positivo, pois as redes sociais on-line como por exemplo, a página Hipster Pessoense é fruto das manifestações de opiniões e oportunidades para os cidadãos compartilharem informações entre si, criticando a violência da cidade e a sua atual gestão, bem como, promover a nostalgia valorizando dessa forma sua cidadania e a cultura local. No entanto, faz-se uma ressalva em relação ao excesso de juízo de valor e preconceito utilizado, que em alguns casos, promove a perpetuação do preconceito por meio de estereótipos negativos. Referências GROPPO, Luis Antonio. Juventude: Ensaios sobre a sociologia e história das juventudes modernas. Rio de Janeiro: Difel, 2000. GUIMARÃES, César. FRANÇA, Vera, Na mídia, na rua: narrativas do cotidiano. Autêntica. Belo Horizonte, 2006. IBGE, CENSO 2010. Disponível em: <http://cod.ibge.gov.br/1J45W> Acesso em: 25 set. 2015 LÉVY, Pierre. Cibercultura. EDITORA 34, 1999. MAIA, Andréa Karinne Albuquerque. Aproximações entre a cultura underground e os grupos culturalmente marginalizados da Folkcomunicação. Disponível em: https://www.facebook.com/HipsterPessoense/photos /a.133998640088768.29483.133995210089111/570574416 431186/?type=3&theater Acesso em:

01 abr. 2016.

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Revista Internacional de Folkcomunicação, Ponta Grossa PR, volume 12, setembro 2014. MAIA, Andréa Karinne. GADELHA, Fernanda Gabriela. BARROSO, Lívia Moreira. OLIVEIRA, Siméia Rêgo de. Humor e nostalgia: o imaginário popular da cultura nordestina no perfil do Bode Gaiato. Revista Temática. Universidade Federal da Paraíba, abril 2014. MOREIRA, Eliana Monteiro; QUEIROZ, Tereza Correia da Nóbrega. Juventude e cultura em comunidades precarizadas: a difícil construção da cidadania. In: ALVIM, Rosilene; QUEIROZ, Tereza; FERREIRA JÚNIOR, Edísio (Orgs.). Jovens & Juventude. João Pessoa: Editora Universitária – PPGS/ UFPB, 2005. NORONHA, Karla Rossana. Cibercidades no ciberespaço: novas possibilidades de cidadania na internet. Revista Temática. Universidade Federal da Paraíba, outubro 2012.

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SANTOS, Luiz Gustavo de Lacerda. Hipsters: o novo velho estilo da metrópole? Laboratório de comunicação, cidade e consumo. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ Disponível em:http://www.lacon.uerj.br/producao-interna/artigos-publicados-em-anais-de-congressos/hipsters-o-novo-velho-estilo-da-metrople SCOCUGLIA, Jovanka Baracuhy Cavalcanti. Sociabilidades, espaço público e cultura: usos contemporâneos do patrimônio da cidade de João Pessoa. Tese de doutorado. João Pessoa: UFPE. 2003. Disponível em: <http://www. repositorio.ufpe.br/jspui/bitstream/123456789/9825/1/arquivo9355_1.pdf> Acesso em: 10 out.2015 Sobre o Enem. Disponível em:http://portal.inep.gov.br/web/enem/sobre-o -enemAcesso em: 08 jan.2016 Significados. Significado de Meme. Disponível em: <http://www.significados.com. br/meme/> Acesso em 28/04/2016 O que é GIF? TechTudo vida digital. Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2012/04/o-que-e-gif.html> Acesso em 28/04/20


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O Whatsapp como fonte de personagens para os telejornais da TV Cabo Branco1 Bruna Fernandes de SOUZA 2 As tecnologias digitais móveis, como os smartphones e seus aplicativos, principalmente os de conversação instantânea e as redes sociais, estão revolucionando a comunicação, tanto no universo social quanto no campo jornalístico. O jornalista já não usa apenas o telefone com fio e o bloquinho de anotações para fazer o trabalho. Ele conta com dispositivos que agilizam os processos de apuração, produção e divulgação. Um dos principais deles é, sem dúvidas, o Whatsapp. Um “um aplicativo de mensagens multiplataforma que permite trocar mensagens pelo celular sem pagar por SMS. (...) Além das mensagens básicas, os usuários do WhatsApp podem criar grupos, enviar mensagens ilimitadas com imagens, vídeos e áudio”3. Diante das facilidades oferecidas pelo aplicativo, entre elas a comunicação instantânea, a troca de material multimídia e o número de pessoas que podem acessá-lo, cabe ao jornalista se adaptar a essas novas possibilidades e tirar o melhor proveito delas. Em agosto de 2015, a TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo na Paraíba, começou a divulgar o número do Whastapp e do Viber4 para que os telespectadores pudessem enviar informações, sugestões, vídeos e fotos. 1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da UFPB; Produtora da TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo na Paraíba: brunafs9@hotmail. com 3 Texto informado pelo site oficial do aplicativo: www.whatsapp.com/?l=pt_br. 4 Outro aplicativo de comunicação disponibilizado pela TV, mas que, devido ao retorno insignificante dos telespectadores, não vai ser abordado aqui.

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O Whatsapp, então, foi instalado em um computador remoto, através do qual é possível acessar o aplicativo em um único computador do ambiente, por meio de um QR Code no WhatsApp Web. A ferramenta também fica disponível em um smartphone, o que permite que duas pessoas usem a utilizem ao mesmo tempo – uma no celular e outra no computador. Antes de ter um número próprio para divulgação, os jornalistas usavam apenas os seus celulares privados, não tendo acesso ao WhatsApp Web. Depois da liberação do número, se tornou possível conectar o seu celular pessoal no computador, contudo, na redação, apenas um Whatsapp por vez pode estar conectado. Por turno, um produtor fica responsável por ler as conversar e filtrar o que pode servir para os telejornais (FIG. 1). O material é salvo “em nuvem” e/ou enviado por e-mail para os editores e demais produtores. Figura 5 – Produtora usa Whatsapp da TV no computador

Fonte: Luís Sousa (jornalista)

A partir daí, a quantidade de mensagens recebidas diariamente no dispositivo só aumentou. Atualmente, por dia, a média de conversas é


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de 200 a 250, sendo mais de mil o número de mensagens. O fluxo cresce bastante durante os telejornais, quando, geralmente, os apresentadores divulgam o meio de contato, e dependendo da relevância dos acontecimentos do dia. Muitas mensagens são de cordialidade (Bom dia! Adoro o jornal! Boa noite!) e outras são correntes de grupos, informações que precisam ser bem checadas antes de qualquer veiculação. O valor que o Whatsapp tem é no recebimento de sugestões de pauta, denúncias e informações factuais (ocorrências policiais, por exemplo). Como é possível enviar conteúdo multimídia, as denúncias de problemas sociais, como canos estourados e lixo nas ruas, podem ser visualizadas de uma forma melhor. Através das fotos e vídeos que mostram o problema, o jornalista consegue ter mais clareza em relação ao que o telespectador está falando, algo que não é tão fácil quando o contato é por ligação telefônica. Os denunciantes e os demais telespectadores que conversam com o jornalista da redação para sugerir alguma pauta, seja ela denúncia ou algo frio mesmo, acabam se tornando personagens dos produtos que a TV veicula. Para dar um exemplo, cito a Blitz JPB, que é uma extensão do telejornal de meio-dia JPB 1ª Edição e é focada em mostrar problemas das comunidades durante as tardes, de segunda a sexta-feira. De 2 de outubro de 2015 a 2 de fevereiro de 2016, foram produzidas 38 pautas da Blitz, entre elas, 12 foram serviços diferentes de problemas comunitários, como serviços de vacinação, cursos de línguas e doação de sangue. Das 26 pautas que envolveram as denúncias de comunidades, 11 foram recebidas e pautadas através do contato feito pelo Whatsapp. As demais vieram de ligações por telefone (8), e-mail (4) e de contatos diretos com o repórter (3). Ou seja, foram 11 personagens que surgiram através do aplicativo, superando os outros meios. Em um questionário, respondido por três produtores da TV em questão, dois afirmaram que o Whatsapp, seja o pessoal ou o da emissora, é o mecanismo mais usado na busca por personagens. Eles também

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responderam que encontram pelo menos três personagens por semana por meio do Whatsapp. A terceira produtora respondeu que ainda utiliza mais as redes sociais, como o Facebook, para ajudar na produção de suas pautas, mas que o Whatspp é o meio escolhido para manter o contato posterior com os possíveis personagens. Mesmo com tantos benefícios, alguns problemas ainda são enfrentados nesse processo de uso do Whatsapp na produção jornalística: - O fluxo de mensagens é muito grande, não sendo possível responder a todos, já que o responsável do turno tem outras atividades para fazer; - As informações enviadas muitas vezes são inverídicas (fatos de outras cidades, Estados) e precisam ser checadas veemente. Isso faz com que o produtor perca tempo checando coisas que não ocorreram na cidade ou que são antigas; - Os vídeos e imagens compartilhados vêm sem autoria, o que é um problema na hora de checar a procedência e a veracidade desse material. É necessário que esse procedimento seja aprimorado com o tempo para que as vantagens dessa ferramenta possam ser aproveitadas e facilitem o trabalho jornalístico sem que haja danos à qualidade da informação veiculada.


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DAS REDES SOCIAIS PARA AS RUAS: O medo social e a midiatização na gênese do movimento “Fui Assaltado - JP” 1 Sandra Raquew dos Santos Azevêdo 2 Luís Carlos Venceslau Franco 3 Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar a criação do movimento “Fui Assaltado – JP”, que nasceu de um grupo na rede social Facebook e hoje é um movimento que realiza atos pela cidade enfocando a questão da segurança pública. Tendo em vista o contexto informacional que vivenciamos, o aumento nas taxas de violência do estado da Paraíba e a crescente sensação de insegurança, tomaremos como fundamentos da criação do movimento duas das dimensões experimentadas no cotidiano das grandes cidades atualmente: o medo social, cuja expressão mais notável é a Cultura do medo, e o fenômeno da midiatização, que nasce do conjunto de interações midiatizadas propiciadas pela novas tecnologia em seus diversos dispositivos, em especial o celular smartphone. Palavras-Chave: Medo social. Midiatização. Interações.

Introdução Ano após ano, as estatísticas de mortes por armas de fogo no Brasil, em especial aquelas que tratam de homicídios, tem trazido números cada vez mais desanimadores e preocupantes acerca da violência urbana. Ainda que se observe uma diminuição de um ano para outro, a tendência desde os anos 80 é de uma crescente taxa de mortalidade. É o que atesta Waiselfisz em seu Mapa da Violência (2015). Segundo o documento, “as vítimas passam de 8.710 no ano de 1980 para 42.416 em 2012, um cres1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Professora do Departamento de Jornalismo da UFPB. Doutora em Sociologia pela UFPB, email: criticadasmidias@gmail.com 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, email: luisvenceslau81@gmail.com

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cimento de 387%.” (p. 21). De acordo com o mesmo mapa, mesmo considerando neste intervalo um aumento de 61% na população brasileira “o saldo líquido do crescimento da mortalidade por armas de fogo, já descontado o aumento populacional, ainda impressiona”. (p. 21). O Mapa da Violência 2015 traz ainda, dentre tantos, mais um dado importante: Efetivamente, se no início de nossa série histórica os homicídios representavam, em média, aproximadamente 70% do total de mortes por armas de fogo, a partir de 1992 começa uma íngreme escalada até 1997. A partir desse ano, a participação continua crescendo, mas em ritmo bem menor. Já em 2012, os homicídios representam quase a totalidade das mortes por armas de fogo: 94,5%. (WAISELFISZ, 2015, p. 25)

Falando na Paraíba, o Mapa da Violência 2015 posiciona o estado entre o quinto mais violento do país de acordo com números de 2012, tendo saído da posição 17º que ocupava dez anos atrás (2002). Isso se deve a taxa média de homicídios e mortes por armas de fogo para cada 100 mil habitantes (33,0). No ranking das capitais, João Pessoa, capital da Paraíba, apresentou entre 2010 e 2012 uma média de 67,9 homicídios e mortes por arma de fogo para cada 100 mil habitantes, o que a coloca no terceiro lugar nacional após ter ocupado a 12º posição em 2002.

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Cultura do Medo e Indústria do Medo Todo esse aumento nas taxas de criminalidade nas cidades brasileiras, principalmente dos homicídios, provoca impactos profundos no sentimento de insegurança da população. Atualmente, a lógica da busca de segurança tem permeado todo o tecido social das grandes e médias cidades do mundo. Segundo Bauman (2007. p.63), “a experiência pungente e incurável da insegurança é um efeito colateral da convicção de que, dadas as habilidades certas e o esforço adequado, a segurança total pode ser alcançada”. Ainda de acordo com Bauman, paradoxalmente as


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cidades, que a princípio foram construídas para dar segurança a todos os seus habitantes, hoje estão cada vez mais associadas ao perigo. O fator medo [implícito na construção e reconstrução das cidades] aumentou, como demonstram o incremento de mecanismos de tranca para automóveis; portas blindadas e os sistemas de segurança; a popularidade das gated and secure comunities para pessoas de todas as idades e faixas de renda; e a vigilância crescente dos locais públicos, para não falar dos contínuos alertas de perigo por parte dos meios de comunicação de massa”. (BAUMAN, 2009, p. 40)

Em seu livro “Europa: uma aventura inacabada” (2006), Bauman traz uma citação contundente de Robert Castel, que reproduzimos logo abaixo: nós, - ao menos nos países desenvolvidos - vivemos sem dúvida nas sociedades mais seguras que já existiram. E, no entanto, contrariando as “evidências objetivas” somos nós, bajulados e mimados, entre todos os povos, que nos sentimos mais ameaçados, inseguros e aterrorizados, mais inclinados ao pânico e mais apaixonados por tudo que se relacione com segurança e proteção do que todas as pessoas da maioria das outras sociedades que se tem registro. (BAUMAN apud CASTEL,2006, p.96)

Ainda de acordo com Bauman, “podemos afirmar que a variedade moderna de insegurança é caracterizada distintivamente pelo medo da maleficência e dos malfeitores humanos.” (p. 63. 2007). Este mesmo medo pode vir a se expressar das formas mais distintas. Baierl explica que o medo puramente individual “é uma emoção de choque frequentemente precedida de surpresa, provocada pela tomada de consciência de um perigo presente e urgente que ameaça, cremos nós, nossa conservação”. (p.40) Já o medo social, de acordo com a mesma autora, é um medo construído socialmente, com o fim último de submeter pessoas e coletividades inteiras a interesses próprios e de grupos, e tem sua gênese na própria dinâmica da sociedade.

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Medo produzido e constituído em determinados contextos sociais e individuais, por determinados grupos de pessoas, com vistas a atingir determinados objetivos e subjulgar, dominar e controlar o outro, e grupos através da coerção. Esse medo leva determinadas coletividades territorializadas em determinados espaços a temer tal ameaça vinda desses grupos (BAIERL, 2004, p.48)

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Nesse contexto, dois conceitos emergem em meio a essa busca pela segurança num ambiente em que a confiança está em cheque e a criminalidade crescente causa paralisia: cultura do medo e indústria do medo. Para Mauro Koury, “a cultura do medo constrói, assim, uma barreira invisível que separa as pessoas e as isolam e as fazem temer tudo e todos e nunca confiarem no outro.” (2004, p. 05). Esta mesma cultura “faz as famílias dos jovens desconfiarem de todos os colegas dos seus filhos, mesmo os de famílias a muito conhecidas” (2011, p. 477). Seguindo o mesmo raciocínio, Campos acredita que “os habitantes e moradores das cidades contemporâneas, e entre elas João Pessoa, vivenciaram e vivenciam seu cotidiano cada vez mais se pautando em uma cultura do medo” (2014, p.13) Este estado de coisas, esta cultura do medo, acaba desembocando no que Koury no chama de indústria do medo. Esta “‘indústria do medo’ diz respeito aos gastos e investimentos em segurança privada. Segundo dados do PNUD, só no ano de 2002 os gastos com segurança privada no Brasil somaram, aproximadamente, R$ 70 bilhões, montante equivalente ao consumo de 10% do PIB Brasileiro” (KOURY, 2011, p. 03) Ele diz ainda que esta indústria consome recursos estratosféricos em manutenção e atualização de um quadro social de receios e medos dos cidadãos das diversas camadas sociais. Cultura que, ao mesmo tempo, amplia a margem de negócios com artigos de segurança privada e pública e reforça os laços da indústria do medo com a produção do próprio medo e seus correlatos com a corrupção, o desvio de verbas destinadas a políticas públicas e sociais, o envolvimento de setores do es-


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tado de políticos e de policiais com cartéis de droga, e com os desmandos do poder em todas as instâncias do social. (KOURY, 2004, p.4)

De acordo com Pastana “o que se observa hoje é uma verdadeira cultura do medo, onde a busca pela proteção contra o crime torna-se, ao mesmo tempo, obsessão e produto”. Bauman ratifica essa posição quando explica que “não admira que o medo venda, e venda bem” e continua, dizendo que “no medo, a indústria de consumo encontrou uma mina de ouro sem fim e auto-renovável que há muito procurava. Para a indústria de consumo, o medo é, plena e verdadeiramente, um ‘recurso renovável’. O medo se tornou o moto perpétuo do mercado de consumo – e portanto da economia atual” (2006, p. 96).

Medo, mídia e cotidiano

Pereira, relacionando a questão de um suposto consumo do medo

e sua transformação em produto vendável, explica que o medo é vendido através da sofisticação tecnológica,o que exige do seu mercado consumidor a constante agregação de acessórios ao modus vivendi (muros altos com cercas elétricas, cães de guarda, humanos ou não, sistema panóptico). Deste modo, a leitura dos jornais, os olhares sobre as reportagens televisuais, a escuta do noticiário radiofônico podem comprovar que o difícil é viver a vida cotidiana. (2007, p. 68)

O autor lembra ainda que a lógica por trás das coberturas jornalistas é a da disjunção, ou seja, o cotidiano é sempre mostrado como algo incompleto, com lacunas problemáticas, e para garantir a “visibilidade dos desencaixes sociais, as mídias, especificamente os jornais impressos, vão utilizar o substantivo feminino violência como o conceito geral capaz de reunir todas as anomalias sociais.” (2007, p. 69)

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A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

Além de Pereira, Eckert (1997) vai na mesma direção ao corroborar essa posição no sentido de que as notícias restritas às características de criminalidade certamente não cobrem toda a complexidade da problemática da violência urbana no mundo contemporâneo, onde devemos considerar uma gama ampla de aspectos impactantes à qualidade de vida: problemas historicamente mais recentes ou mais antigos, como a poluição do ecossistema, o desemprego, a miséria, a corrupção, as disputas por poder doméstico e/ou público (violência doméstica, rivalidade entre gangues, disputas por honra familiar, etc) que geram violência e vítimas fatais (ECKERT, 1997, p. 02).

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Wainberg (2010, p. 142) lembra que, no dia a dia, predomina, “em especial na TV (mas também na cinematografia e no jornalismo sensacionalista), essa mesma lógica de dar destaque, tanto em sua programação de entretenimento como jornalística, ora ao trágico ora ao ato violento”. Segundo Pastana, esta reiterada valorização da criminalidade determina mudanças no comportamento e nos hábitos sociais. No caso específico da violência criminal o processo de produção da informação, por um lado, não reflete a realidade e a intensidade dos eventos que deveria recobrir; por outro, adequase à concepção dominante de violência e de sujeitos violentos que a sociedade hegemonicamente retém em seu imaginário. (2005, p. 189)

A autora lembra ainda um recente estudo realizado pela ILANUD (apud KAHN, 1998), que compara a forma como o crime é representado na imprensa com os dados coletados pelos órgãos oficiais. “Seus resultados revelaram a magnitude e o sentido de algumas distorções, que terminam por influenciar a imagem da sociedade sobre a criminalidade.” (2005, p. 189). Amaral (2010) vai na mesma direção ao lembrar da “importância da mídia na formação do imaginário é observada por Gilbert Durand (2004, p.38), que observa como esta é onipresente em


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nossas vidas, ‘do berço ao túmulo’, influenciando em nossas escolhas e costumes”. Citando Cultura do Medo, Amaral (2003) relata um pouco da experiência do autor americano Barry Glassner em sua pesquisa sobre a cultura do medo e os impactos na audiência nos Estados Unidos: Barry Glassner, em sua análise sobre a cultura do medo, observa a influência da mídia na formação desse imaginário. Analisando a cobertura de notícias sobre crimes na sociedade norte-americana, Glassner percebe que, apesar de os índices de criminalidade terem caído por anos seguidos, “62% dos americanos se descreviam como ‘verdadeiramente desesperados’ em relação à criminalidade” (2003, p. 19). Apesar de não culpabilizar a mídia pelo estabelecimento desse sentimento, o autor não deixa de observar sua importância, recuperando as ideias de George Gerbner sobre a ‘síndrome do mundo vil’: ‘Veja uma quantidade suficiente de brutalidade na TV e você começará a acreditar que está vivendo em um mundo cruel e sombrio, em que você se sente vulnerável e inseguro.’”

Amaral lembra ainda de estudo um que relaciona mídia e violência no Rio de Janeiro, realizado por Coelho (2004) e que analisa os efeitos dessa violência exposta pela mídia nos cidadãos. Nesta pesquisa, a autora chega à conclusão de que os discursos veiculados na mídia constroem um imaginário que pode produzir práticas sociais que apresentam uma visão do outro “como símbolo de uma diferença que se quer eliminar em prol de uma visão da ordem” (RONDELLI, Apud COELHO, 2004, p. 79).

De acordo com Campos (2014, p. 137), falando em relação ao município de João Pessoa, a propagação dessa cultura do medo não pode ser desvinculada da cultura da violência atual e do imaginário do medo que os meios de comunicação veiculam insistentemente.

Os eventos de violência, sobretudo de violência física, são ampliados pelo discurso da mídia nacional e local, que diariamente noticiam em suas matérias um aumento alarmante de seus

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índices, denunciam o estado de insegurança e o crescimento do poder paralelo da criminalidade.

Enquanto se vende uma imagem de cidade turística, com todos os atrativos de uma que uma faixa litorânea urbana pode oferecer, os cidadãos que habitam a realidade cotidiana da João Pessoa vivenciam um estado de alerta constante, uma “cultura do medo, da insegurança, e da violência crescentes, (...) influenciados, seja pelos fatos empíricos de crescimento da violência, assaltos e homicídios; ou pela mídia que divulga esses acontecimentos de maneira diária e espetacular.” (CAMPOS, 2014, p. 210). Campos (2014) explica ainda que

os bairros populares ou os “aglomerados subnormais” passam a ser alvo de representações estigmatizantes, como lugares perigosos, violentos, insalubres. Tais representações são ampliadas pela mídia que em seus telejornais e outras matérias dão preferência a imagens que os associam aos estigmas a exemplo de presídios, fugas de prisioneiros, tráfico de drogas e violências de toda ordem, além da exposição da miséria e carências socioeconômicas, que alimentam o imaginário e a cultura do medo. (CAMPOS, 2014, p. 220)

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Não por acaso, em uma pesquisa realizada em João Pessoa no ano de 2008 pelo GREM (Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia das Emoções da UFPB), detectou-se que entre 500 respondentes, 48,6% destes indicaram a violência como o seu principal medo. “Os principais motivos que os levou indicarem a violência como seu principal medo diz respeito a motivos relacionados à ampliação de seqüestros, assaltos, à mão armada, seguidos ou não de morte, furtos, insegurança no ir e vir para casa.” (KOURY, 2008, p. 124). O autor diz ainda que

o medo da violência, deste modo, é um medo imaginário, seguido e incorporado pelas informações cotidianas, nas relações sociais diretas ou indiretas do dia a dia, como também pela mídia: jornais, revistas, rádio, televisão, que exploram a temática de forma constante e intensa. (KOURY, 2008, p. 146)


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Midiatização: contexto, conceitos e dispositivos Antes de tratarmos diretamente no segundo conceito que fundamentará a análise do nosso objeto, é preciso fazermos uma breve contextualização do ambiente em que o movimento “Fui Assaltado – JP” emergiu. Situando as mídias e o seu papel no momento atual, Hjardard (2012, p. 02) explica que os meios de comunicação não são apenas tecnologias que as organizações, os partidos ou os indivíduos podem optar por utilizar – ou não utilizar – como bem entenderem. Uma parte significativa da influência que a mídia exerce decorre do fato de que ela se tornou uma parte integral do funcionamento de outras instituições, embora também tenha alcançado um grau de autodeterminação e autoridade que obriga essas instituições, em maior ou menor grau, a submeterem-se a sua lógica. A mídia é, ao mesmo tempo, parte do tecido da sociedade e da cultura e uma instituição independente que se interpõe entre outras instituições culturais e sociais e coordena sua interação mútua.

Se a mídia hoje, em todas as suas variantes tecnológicas, permeia o tecido social de uma maneira que se torna indissociável, isto se levarmos em conta determinados campos (política, esportes, comércio), ela também vem espelhar o plano das interações sociais, produzindo um resultado particular. “Em pouco mais de uma década a nossa relação com o mundo social e natural mudou radicalmente, de maneira que as experiências sociotécnicas fazem parte das nossas mediações (e interações) fundamentais com a chamada “realidade objetiva”.’ (PAIVA, 2012, p.151). Do conjunto dessas experiências e de todas as suas relações com a “realidade objetiva” citada acima, PAIVA (2012, p.151) observa que da paisagem cotidiana emerge

uma inteligência coletiva conectada que perpassa o vasto conjunto das atividades econômicas, socioculturais, ético-políti-

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cas, abrangendo experiências tão diversas como o correio eletrônico, o webjornalismo, o sistema bancário informatizado, o comercio on--line, a medicina computadorizada, o voto digital, o GPS, as enciclopédias, dicionários e bibliotecas virtuais, teleconferências e programas de ensino mediados pela tecnologia .

Essa inteligência coletiva, na visão de Sodré (2006) também se traduziria nos termos de uma tecnocultura, ou seja, uma quarta modalidade do bios que se acrescentaria aos outros três, propostos na sistematização da existência humana levantada por Aristóteles. Segundo Sodré, este bios “implica numa nova tecnologia perceptiva e mental, portanto um novo tipo de relacionamento do indivíduo com as referências concretas e com a verdade, ou seja, uma outra condição antropológica” (2006, p. 23).

É nesse ponto que chegamos ao conceito de midiatização. Compreendendo esse lugar, essa nova dimensão antropológica levantada por Sodré, o mesmo explica que a midiatização

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é uma ordem de mediações socialmente realizadas – um tipo particular de intereção, portanto, a que poderíamos chamar de tecnomediações – caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade sensível, denominada medium. (...) Aplicado a medium, o termo “prótese” (do grego prosthenos, extensão), entretanto não designa algo separado do sujeito, à maneira do instrumento manipulável, e sim a forma resultante da extensão especular ou espectral que se habita, como um novo mundo, com nova ambivalência, código próprio e sugestões de condutas.

O autor explica ainda que a midiatização “implica, assim, uma qualificação particular da vida, um novo modo de presença do sujeito no mundo ou, pensando na classificação aristotélica das formas da vida, um bios específico” (2006, p.22) Na prática, é possível dizer que

hoje, o agenciamento coletivo dos usuários expressa uma conjunção mais equilibrada face aos paradoxos comunicacionais: as redes favorecem processos de veiculação, cognição e colaboração, assegurando a inserção dos indivíduos na economia de trocas informacionais, num âmbito comunicativo mais demo-


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crático e participativo: esse é um exemplo de mediação avantajada e midiatização afirmativa. (PAIVA, 2012, p.153)

Nesse sentido, Hjardard lembra que a midiatização não é um fenômeno recente, ele remonta da criação da imprensa e a facilidade no acesso à leitura, veio se construindo paulatinamente, um quadro que impactou as relações e o comportamento humano, como repercussões na sociedade e na cultura. Da literatura à imprensa, do rádio ao telégrafo, o tráfego de informações nunca foi apenas um fluxo mecânico de mensagens, como alguns modelos funcionalistas poderiam fazer crer, mas carregou também mudanças nas formas de pensar o mundo, de encarar as diferenças, na noção de pertencimento, e na convergência de interesses. O autor, tratando dos mecanismos que vem estruturando essa tendência, lembra que

Thompson (1995) enxerga uma forte conexão entre a midiatização e suasconsequências culturais e o surgimento de grandes organizações de mídia em níveis nacional e global. A produção e distribuição de produtos simbólicos por parte dessas corporações mudou os fluxos de comunicação na sociedade, tanto entre instituições quanto entre instituições e indivíduos. (2012, p.59)

Hjardard (2012) explica ainda que, em relação à midiatização, um aspecto indissociável deste panorama, provavelmente o seu ponto chave, diz respeito às interações que se estruturam entre os diversos atores sociais e institucionais mas, principalmente, entre indivíduos, diferentemente das mediações até então comumente conhecidas, onde as empresas tinham o aparato e a incumbência de traduzir a realidade, de acordo com filtros próprios, e fazer circular as informações.

Fundamentalmente, é uma questão da intervenção dos meios de comunicação na interação social entre indivíduos dentro de uma determinada instituição (por exemplo, entre os membros de uma família através de telefones celulares), entre instituições (por exemplo, através dos meios de comunicação da

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internet que permitem trabalhar de casa), e na sociedade em geral (por exemplo, anunciando e observando acontecimentos importantes para a comunidade, sejam eles festivos, ameaçadores ou trágicos).

Uma outra dimensão importante para se compreender o conceito de midiatização e as interações que o estruturam, diz respeito ao acesso a inúmeros dispositivos que propiciaram a instauração desse novo ambiente. Evidentemente há o aspecto mercadológico, a tecnologia disponível, a ação dos grandes conglomerados de comunicação, e os hábitos de consumo que uma parcela dos grandes centros urbanos compartilha, este talvez o aspecto mais latente do que se convencionou chamar de globalização. Não há como falar de iniciativa espontânea, do ponto de vista social, quando ela depende de uma ação viabilizada por instâncias mercadológicas, pelo poder econômico, pelo domínio de uma tecnologia, que acabaram por convergir para uma popularização dos dispositivos e para a facilidade de conexões. Mas tendo em vista o citado fenômeno e seus mecanismos internos, as maneiras como ele é experimentado e os seus impactos sociais, FERREIRA (2012, p.07) se atém ao universo dos dispositivos como parte importante deste novo ambiente de trocas que se formou a partir da popularização da internet.

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Para compreender a midiatização, o conceito deve focar os dispositivos midiáticos, sendo o segundo termo desnecessário quando se trata de compreender os processos de comunicação. Somente nos dispositivos midiáticos, se explicita, com toda a força, as dimensões constitutivas específicas da midiatização, embora não sejam apenas “eles” que configurem o que é, por diferenciação histórica e social, os processos de midiatização. Assim, muitos dispositivos de comunicação em geral são integrados aos processos de midiatização, o que se expressa em categorias específicas dos dispositivos midiáticos – as dimensões técnicas, tecnológicas e discursivas, mais diferenciadas do que em dispositivos em geral, no que se refere às dimensões constitutivas. O dispositivo midiático atualiza os agenciamen-


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tos do visível e do dizível, do antropológico, das técnicas e das tecnologias.

Em meio a uma diversidade de dispositivos, entre marcas, tamanhos, capacidades e complexidades, Nicolau (2015, p.02) trata diretamente das possibilidades que os novos aparelhos celulares possuem no momento em que transcendem o aspecto da telefonia e abrem espaço para uma infinidade de recursos antes limitados aos computadores. E nesse ponto fazemos a conexão entre a midiatização e a sua relação estreita com a popularização dos chamados celulares smartphones.

O celular já incorpora todas as propriedades comunicacionais do computador e mostra-se mais versátil do que o tablet em sua capacidade interacional, integrando-se de forma intrínseca aos fatores determinantes da midiatização no contexto da cibercultura, como o processo social de mediação tecnológica das relações humanas. Nesse caso, serve-nos de base a percepção de Sodré (2006), referente à midiatização e sobre o que este chamou de tecnomediações: trata-se de um tipo particular de interação que se mostra como uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da nossa realidade sensível.

Das redes e para as ruas: o movimento “Fui Assaltado - JP” Ainda tratando do celular, e das interações que os aplicativos e redes sociais propiciam, Nicolau (2015) levanta um aspecto que tem impactos diretos no cotidiano, indo além da congregação de interesses em torno de um objetivo comum no ambiente digital: a mobilização.

A potencialidade interacional do celular, entretanto, vai além dos aspectos comunicacionais mais imediatos, uma vez que se instaura nas sociedades contemporâneas, não mais de lugar para lugar, mas de pessoa a pessoa, ora mobilizando campanhas solidárias, ora servindo à disrupção social e revoltas; em tarefas corriqueiras ou organizando atividades complexas, influenciando consideravelmente nosso modus vivendis.

É neste ponto que chegamos ao objeto do nosso artigo: o movimento “Fui Assaltado - JP”. Ele nasceu de um grupo, criado no Facebook em 2013, que hoje conta com mais de 14.000 membros compartilhando toda

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espécie de relato e denúncia de violência em toda Paraíba e em especial na capital, João Pessoa. Essas postagens, além de se tornarem um veículo de indignação e de discussão a respeito do panorama da violência na cidade e no estado, tem como intuito informar os demais membros a respeito de possíveis pontos críticos, lugares perigosos, identificação de criminosos até a comunicação de objetos furtados e veículos roubados. Da rede social Facebook, que tem uma formatação própria, e está muito vinculada a discussão e ao acompanhamento das “linhas de tempo” numa estrutura de mural, o grupo evoluiu para o WhatsApp, um aplicativo de mensagens instantâneas onde a comunicação é ainda mais ágil, mas sem que isso significasse a extinção do grupo inicial. Como é próprio do caráter fluido desses grupos, é possível participar de um grupo ou de outro, ou de ambos, a depender do interesse do usuário e da forma como ele utiliza as redes e aplicativos que acessa. Foi tamanha a interação entre os membros e o volume de anseios canalizados nesses espaços, que deles nasceu o desejo de fundar movimento que já chegou até a enviar petições para as autoridades de segurança pública do estado onde se reivindica uma maior atenção para a questão da segurança, e outras iniciativas como aumento de efetivo policial e construção de delegacias. Tal mobilização tem chamado atenção de setores da mídia televisiva e impressa, também ocupados em mostrar os novos contornos tanto da insegurança na cidade como também os impactos das redes sociais na sociedade atual. Abaixo, um trecho de uma matéria veiculada pelo site do Jornal da Paraíba em outubro de 2015, a respeito do movimento: Relatos sobre assaltos são contados nas redes sociais. Muitos desabafos são feitos no grupo ‘Fui Assaltado JP,’ movimento que distribui faixas pela cidade pedindo policiamento e mais segurança. Uma das organizadoras, Deborah Suelda, disse que através dos relatos percebe a aflição dos cidadãos que passam pelo trauma de um assalto. “Os relatos se multiplicam a cada


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dia e ninguém faz nada”, afirmou. Até a sexta-feira passada o grupo contabilizava cerca de 12 mil pessoas. 4

Em março de 2016, foi divulgado um levantamento a respeito das denúncias de ocorrências relatadas ao movimento, compreendendo o período de dezembro de 2015 a março de 2016. O relatório contém além dos números das ocorrências, a localização por bairro, e será entregue à Secretaria de Segurança Pública do estado da Paraíba, no sentido de informar e denunciar quanto a situação e para que este possa contribuir na tomada de medidas mais eficazes no combate à violência e à criminalidade na cidade de João Pessoa.5

Considerações finais Ao fim deste percurso, passando pelas bases teóricas e chegando ao nosso objeto de estudo, podemos constatar que a realidade que chamamos objetiva, tangível, experimenta hoje um diálogo e uma articulação permanente com a realidade que podemos chamar de realidade midiatizada, em seus ambientes informacionais, e com toda a inteligência coletiva que emerge desses novos espaços de interação. Entretanto, apesar de serem tratadas de formas distintas e de possuírem dinâmicas próprias, já não faz sentido acreditar numa desvinculação entre essas realidades, quando o que observamos é uma ação transversal entre ambas, de trocas constantes, cíclicas, entre o contexto social e a sociabilidade das redes de contatos e aplicativos que tem propiciado uma comunicação e uma vivência mais imediata entre os usuários. 4 Disponível em: http://www.jornaldaparaiba.com.br/cidades/noticia/160470_orla-de-joao-pessoa-se-torna-territorio-de-assaltos-a-qualquer-hora. Acesso: 01 out. de 2015. 5 Disponível em: http://www.portaldazonasul.com/2016/03/movimentodivulga-relatorio-com-mais-de_28.html. Acesso: 01 maio de 2016.

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O movimento “Fui Assaltado – JP” é sintoma desse diálogo: ele surge como um grupo de Facebook, motivado por um contexto social marcado pela crescente sensação de insegurança e através de uma iniciativa orgânica, de interesses comuns, consegue reunir um grupo considerável de usuários conectados que torna possível a criação de um movimento com pautas e propostas focadas na realidade mais sensível, completando um ciclo que se retroalimenta. É possível, que num futuro próximo, haja um construto conceitual capaz de demonstrar que a realidade, como a vemos, tornou-se um produto dessas duas dimensões, ao mesmo tempo integradas e interdependentes. Referências

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CHARGES NA RUA E INTERVENÇÃO COMUNICACIONAL NA CIDADE MÍDIA1 Marcelo Rodrigo da Silva2 Resumo: Este breve estudo pretende desenvolver uma observação e reflexão sobre a forma com que o Charges na Rua tornou-se elemento de intervenção comunicacional na paisagem urbana da cidade mídia. Pretende-se discutir, ainda que em caráter inicial, sobre como as charges de autoria de Régis Soares extrapolaram os limites dos suportes midiáticos e tecnológicos dos veículos tradicionais de imprensa e adquiriram uma materialidade própria e urbana com a linguagem dos outdoors, assumindo uma presentificação sob a forma de monumento dinâmico e contestatório na experiência comunicacional da cidade de João Pessoa. Palavras-Chave: Charges na Rua. Intervenção Comunicacional. Cidade Mídia.

151 Introdução O espaço urbano é historicamente um lugar de manifestações, articulações e organização das interações humanas e de todo o universo de significados que circundam suas operações em sociedade. E é interessante observar como se dão no tempo e no espaço das cidades esses movimentos que têm, em sua base, processos comunicativos. São processos dinâmicos com fluxos orientados em sentidos diversos: no sentido da representação da cidade nas mídias3; no sentido das mídias que formam a 1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Doutorando do Programa de Pós-graduação em Estudos da Mídia (PPgEM/ UFRN), mestre em Literatura e Interculturalidade (PPGLI/UEPB) e graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo (UEPB). E-mail: prof.marcelorodrigo@gmail.com 3 O conceito de mídia aqui empregado está atrelado à definição de “media” proposta por RODRIGUES (2016) como “dispositivos técnicos de enunciação”.


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grande teia de sentidos e da paisagem urbana; e da própria cidade como mídia. Compreender a densidade e fluidez dos processos comunicativos e midiáticos da cidade demanda um ato observador que se debruce continuamente e considere todas as nuances comunicacionais, sociológicas, antropológicas e filosóficas contempladas nesse contexto. Entretanto, não deixa de ser válida e relevante a iniciativa de análise e percepção de amostras desses processos a partir de um recorte no universo da cidade. Nesse sentido, é apropriado um olhar atento sobre as nuances estéticas4 que revelam os aspectos midiáticos. A observação sobre o fenômeno “Charges na Rua” é um exemplo que se enquadra e compartilha desse entendimento. Pela percepção das formas de visibilidade da placa no passeio público, seu modelo de enunciação e sua articulação com o ambiente urbano, pode-se compreender, a partir de um recorte amostral, a lógica que permeia e orienta a comunicação na cidade mídia. Essa questão está justamente no cerne do presente artigo. Este breve estudo pretende desenvolver uma observação e reflexão sobre a forma com que o Charges na Rua tornou-se elemento de intervenção comunicacional na paisagem urbana da cidade mídia. Pretende-se discutir, ainda que em caráter inicial, sobre como as charges de autoria de Régis Soares extrapolaram os limites dos suportes midiáticos e tecnológicos dos veículos tradicionais de imprensa e adquiriram 4 Estética aqui é abordada no sentido proposto por Jacques Rancière (2005, p. 16-17), como “o sistema das formas a priori determinando o que se dá a sentir. É um recorte dos tempos e dos espaços, do visível e do invisível, da palavra e do ruído que define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência. [...] É a partir dessa estética primeira que se pode colocar a questão das “práticas estéticas”, no sentido em que entendemos, isto é, como formas de visibilidade das práticas da arte, do lugar que ocupam, do que “fazem” no que diz respeito ao comum”.


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uma materialidade própria e urbana com a linguagem dos outdoors5, assumindo uma presentificação sob a forma de monumento dinâmico e contestatório na experiência comunicacional da cidade de João Pessoa. O Charges na Rua é um projeto criado em 1997 por Reginaldo Soares Coutinho, mais conhecido como Régis Soares. Consiste na publicação semanal de charges em uma placa de aproximadamente dois metros de largura por um metro e meio de altura, localizada na Rua Etelvina Macedo de Mendonça, número 265, no bairro da Torre, em João Pessoa, capital paraibana. A placa fica na calçada do próprio ateliê do artista. De acordo com relato biográfico disponível no site do projeto (www. chargesnarua.com), o Charges na Rua já começou com o objetivo de interferir na paisagem urbana e provocar mudanças na cidade: a primeira charge foi criada para pedir o conserto de um buraco na rua. Desde esse primeiro momento, percebe-se a função metalinguística do trabalho de Régis Soares, que utiliza a cidade para falar da própria cidade. As charges começaram a ser expostas em frente a seu atelier, por causa de um buraco na rua, que dificultava o seu trabalho e de todos que ali passavam. Percebendo o descaso das autoridades em atender ao pedido dos moradores que, há muito tempo, reclamavam, Régis resolveu colocar uma charge dentro do buraco que continha a seguinte mensagem: ASSIM EU NÃO VOTO! Valendo ressaltar que isto aconteceu durante um período eleitoral. Percebendo a repercussão causada por esta charge, o artista continuou a colocar outras que reclamavam desse descaso, até que consertaram, depois de quatro anos, o buraco na rua. Porém não parou por aí, o artista sentindo o apoio e estímulo do povo, continua na defesa dos direitos dos 5 De acordo com definição disponível no próprio site de Régis Soares, o Charges na Rua sempre manteve a linguagem dos outdoors.: “O seu trabalho já vem sendo apresentado em forma de “outdoor”, na rua, há mais de 20 anos”. Para Agnaldo Pinheiro (1990, p. 9-10), outdoor é definido como um “tabuleta de 9 metros de comprimento por 3 de altura, onde são afixadas 32 folhas de papel que, em seu conjunto, formam a mensagem. [...] Outdoor é uma das formas de se fazer propaganda ao ar livre, mas nem toda propaganda ao ar livre é um outdoor. [...] É formado por chapas galvanizadas pregadas em armações de madeira”.

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cidadãos, exibindo suas charges na rua, que são modificadas semanalmente, abordando assuntos polêmicos, atuais, presentes na sociedade e que precisam ser informados ao público. (SOARES, 2016)

Além da placa à margem da rua, as charges de Régis Soares são divulgados no ateliê do cartunista, no site do projeto, juntamente com outros trabalhos, e ainda nos perfis do artista nas redes sociais. Além disso, o chargista e cartunista já publicou seis livros com suas produções. Figura 1 – Régis Soares ao lado da milésima charge, em setembro de 2014

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Fonte: Site www.chargesnarua.com.br

Foi escolhido o Charges na Rua como corpus de análise para o desenvolvimento da presente pesquisa, primeiramente, por ser uma manifestação que traduz um processo curioso, inusitado e distinto de apropriação do espaço urbano e de intervenção no sistema comunicacional da cidade como mídia; depois pelo reconhecimento e respaldo locais atribuídos ao trabalho do artista; e, por fim, pela condição de singularidade do modelo de publicização de charges na cidade de João Pessoa.


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Figura 2 – Charge publicada em 23 de abril de 2016

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Fonte: Site www.chargenarua.com.br

O desenvolvimento das discussões sobre a intervenção comunicacional do Charges na Rua na paisagem urbana de João Pessoa se deu pela observação e análise das relações do modelo comunicativo com o meio. Ou seja, partiu-se de uma observação do ambiente macro, exterior às charges publicadas, com foco nas articulações com o ambiente e a paisagem em volta e o diálogo com o entorno que, de forma conjunta, delineia a cidade como mídia e estabelece as noções e os significados do ecossistema6 urbano. 6 Karin Thrall (2009, p. 363) propõe a visão da cidade enquanto “ecossistema” para a compreensão dos meios pelos quais a cidade, ela mesma, se mostra enquanto mídia. A autora analisa a cidade como “organismo vivo” e como ela se comunica, propondo uma abordagem epistemológica que denomina “ecologia da comunicação”.


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Sendo assim, as discussões deste artigo se dedicaram menor enfoque às observações do ambiente micro, interior à estrutura narrativa das charges, que contempla a análise dos conteúdos e temas abordados pelas mensagens no discurso das charges. Dessa forma, também receberam menor atenção as reflexões acerca da articulação dos elementos semióticos e semânticos que permeiam a construção pictórica e verbal das peças publicadas. Fez-se necessário esse recorte em decorrência da limitação e brevidade do presente estudo, que não abarcaria a contento uma reflexão global com todos os elementos exteriores e interiores que se articulam nos processos comunicativos, sociológicos e antropológicos no universo do fenômeno Charges na Rua.

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A cidade mídia Para o estudo da cidade como mídia, Karin Thrall (2009) se apoia no que chamou de “ecologia da comunicação”, enquanto abordagem epistemológica, para enfrentar a complexidade da produção do conhecimento que, constantemente altera-se e se destrói nas ciências contemporâneas e, ao mesmo tempo, compreender em que medida a visão “ecossistêmica” da cidade envolveria uma necessária dimensão comunicativa de uma epistemologia interdisciplinar. Isso nos leva a ressaltar elementos fundamentais da ecologia da comunicação no estudo da cidade como mídia: a partir do funcionamento das sociedades como uma dinâmica me rede, ou seja, das relações sistêmicas que ultrapassam a estrutura funcional, parece ficar claro que existem elementos comunicacionais fundamentais que contribuem para criar a “ordem complexa” da cidade. São elementos que permitem interações comunicacionais locais, para então criarem uma organização global. Investigar a cidade enquanto mídia, portanto, requer identificar elementos mediadores e comunicacionais que pos-


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sivelmente contribuem para a auto-organização da cidade. (THRALL, 2009, p. 367) O Charges na Rua é justamente um desses elementos mediadores

e comunicacionais que contribuem para a auto-organização da cidade ainda para as produções de sentido na cidade como mídia. As formas como as charges integram a paisagem urbana é da cidade mídia, produzindo novas significações entre a subjetividade e a objetividade dos usuários do espaço da cidade, entre o imaginário e o real. [...] o que se torna relevante no estudo da cidade atual é que a megalópole é mais imaginária do que concretamente vivida, pois dá forma à pluralidade imaginária e, assim, em sua inexorável e rápida mudança, não se deixa apanhar, mas apenas imaginar. Na cidade atual, o papel da imagem se apresenta como variável ecossistêmica fundamental, pois intervém de maneira avassaladora na configuração da rede de relações que permite a constituição de referências em relação ao mundo. (THRALL, 2009, p. 370)

Jesús Martín-Barbero (2008), que pesquisa os processos comunicativos e as relações de forças no ambiente urbano, ressalta que os elementos que compõem as cidades em seu conjunto, o bairro, a rua, as praças, têm múltiplas funções. “A rua não é mero espaço de passagem, e sim do encontro, do trabalho e jogo. O pátio das quadras, com tanques de lavar roupas e varais, é lugar de conversa e conjunto escultórico” (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 278). A negociação do homem com o espaço público é dotada de potencial de improvisação, criatividade estética e desenvoltura, que o adaptam à rotina, mas, ao mesmo tempo, proveem alternativas para criar o diferente, o inusitado, o inesperado. Essa criatividade estética produz efeitos distintos e até contestadores de pressupostos ideológicos das doutrinas tradicionais.

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São os grafites ou pichações, as decorações de ônibus, o arranjo das fachadas, os cartuns e até a cenografia das vitrines de armazéns populares. [...] A denúncia política se abre à poética e a poética popular se cobre de densidade política. Diversos modos de rebelião se encontram e se misturam tatuando protesto na pela da cidade (MARTÍN-BARBERO, 2008, p. 278-279).

Estudando também os processos comunicativos nos espaços urbanos, SERPA (2011) introduz o conceito de subversão, na medida em que a cidade permite o confronto e processos de ressignificação a partir as práticas e estratégias de enunciação.

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O discurso fabrica o lugar: o lugar da vida cotidiana, da repetição do trabalho (ou da ausência dele), mas também da criatividade e da subversão. Sim, da subversão, pois se trata aqui de grupos, iniciativas que produzem espaço na cidade contemporânea para afirmar ideias alternativas de cultura, para fabricar o lugar a partir de táticas cotidianas de enunciação. (SERPA, 2011, p. 16)

São exatamente essas “táticas cotidianas de enunciação” que trazem à tona um lugar novo produzido a partir da confrontação de ideias, como acontece com as charges publicadas por Régis Soares, o que as configura também como um modelo de mídia contra hegemônica, que não está circunscrita no roteiro de atuação dos veículos de imprensa tradicionais e hegemônicos. “Os dispositivos institucionais concebem lugares, produzem recortes espaciais que muitas vezes inexistem ou precisam ser reelaborados para os/pelos protagonistas dessa mídia “submersa”, quase sempre invisível para as pesquisas em comunicação” (SERPA, 2011, p. 17). [as cidades são] lócus da reprodução da vida cotidiana, permeada por diferentes visões de mundo e diferenciadas ideias de cultura. [...] Se considerarmos que sempre agimos a partir de um lugar e que essas ações se constituem em um enredo, uma enunciação, então todos os lugares são lugares da enunciação, base para a reprodução do vivido e para a realização das práticas especiais. (SERPA, 2011, p. 22-23)


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A partir das expressões “diferentes visões de mundo” e “diferenciadas ideias de cultura”, empregadas por SERPA (2011), depreendem-se duas ideias centrais da relação comunicativa do homem com o lugar: ao falar sobre “visão de mundo”, recorre-se ao homem individual e como o “mundo” se comunica com ele para que possa formar sua “visão”. E ao falar de “ideias de cultura”, percebe-se o homem coletivo e a natureza comunicativa, essencial em toda formação cultural. A integração que resulta entre as experiências humana e a cidade proporciona aos lugares a capacidade de produzir significados baseados nas relações das diversas dimensões das vidas “normalmente separadas”, mas que se unem pela lógica urbana. Essa é a razão porque a leitura de uma cidade é sempre reveladora: “como fenômeno da experiência humana, o lugar também expressa e condiciona a rotina, os confrontos, os conflitos e as dissonâncias, possibilitando uma leitura da vida cotidiana, com seus ritmos e contradições” (SERPA, 2011, p. 24) De acordo com Lucrécia Ferrara (2006), para que se torne possível compreender a capacidade midiática de uma cidade ela deve ser interpretada enquanto construção e, sobretudo, representação. Isto porque o tecido urbano não é “pura construção nem tampouco um organismo espontaneamente desenvolvido, mas é representação de complexas dimensões onde se misturam imagens e sensações que podem esconder ou revelas a cidade” (FERRARA, 2006, p. 43). Os detalhes e estímulos sensoriais que podem ativar ou aguçar os sentidos humanos, consciente ou inconscientemente, ao entrarem em contato com uma cidade, seguindo o mesmo pensamento, também estabelecem um nível de comunicação. Esses elementos possibilitam sínteses imprevistas de palavras, conceitos e imagens e, consequentemente, podem ser lidos sempre sob novas interpretações. Com base nessa discussão, apreender a cidade como mídia é também destacar a sua aparência, a sua constituição visual. A forma como

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ela se faz ver. Por este aspecto, a cidade como mídia se constitui como imagem não estática, diferente da imagem fotográfica. É uma imagem em movimento que se modifica a cada nova significação. Na mimese ou paráfrase, a cidade se repete e se sincroniza através de diversas tecnologias, meios e, sobretudo, outras mídias. Situando-se entre mídias, a cidade é um eixo gerador de uma midialogia cuja lógica é, de um lado, responsável pela sua presença constante como base temática em várias mídias e sobretudo naquelas de massa e, de outro lado, promove o diálogo entre as mídias que nela atuam, nela interagem estabelecendose, entre elas, uma intensa economia persuasiva. (FERRARA, 2006, p. 46)

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Pelo relato histórico que descreve o início das manifestações do Charges na Rua, no site do projeto, pode-se perceber que o primeiro movimento realizado por Régis Soares foi a intervenção e a ocupação do espaço físico no ambiente comunicacional da cidade. A ocorrência do fenômeno configura-se como a precipitação do novo, que traz como consequência novas instâncias e relações de comunicação no cenário urbano. A primeira charge ocupou o espaço de um buraco na própria rua. O novo elemento visual em uma situação inusitada e em diálogo com a construção narrativa do texto apresentado ofereceram às pessoas uma experiência sensorial e comunicativa inédita. Essa presentificação e ocupação inesperada e despadronizada automaticamente provocam uma interferência na paisagem comunicacional e desencadeia novos processos simbólicos e de construção do imaginário. As charges publicadas em um suporte físico na rua continuaram permitindo aos habitantes e usuários daquele espaço experiências sensoriais diferentes e o estabelecimento de novas relações de sentido com o passar das semanas e dos anos. Relações estas influenciadas tanto pela interferência das charges na paisagem urbana como pelo discurso crítico elaborado no interior da narrativa visual e que se remete também à cida-


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de. As táticas de enunciação das charges não só estimulam a geração de estâncias reflexivas, como também interferem na orientação de ações. Esse primeiro movimento de intervenção das charges na cidade como mídia perpassa o modelo de comunicação e linguagem com que o Charges na Rua se presentifica. Como o próprio Régis Soares apontou, as publicações se configuram sob a forma de outdoors. Para CANEVACCI (1997), os outdoors são fontes perenes de comunicação urbana. Os grandes cartazes publicitários das ruas – os outdoors – são uma fonte tão inexaurível quanto renovável de comunicação urbana. Neles é possível ler-se não só a mensagem explícita, a que se destina vender, mas também o sistema de valores de uma determinada época, num específico contexto sócio-cultural. Este esquema de valores às vezes é partilhado; muito mais frequentemente, porém, a publicidade, em vez de se adequar aos sistemas, que orientam as pessoas, antecipa-os e até mesmo os produz. (CANEVACCI, 1997, p. 184)

Desde o início de sua ocorrência, portanto, as produções do Charges na Rua exercem uma comunicação com predominância da função metalinguística, no sentido de que as charges, enquanto componente físico urbano, é a cidade e fala da cidade. Ela faz uso de sua condição de elemento constituinte da paisagem urbana para representar os próprios temas urbanos. Em outras palavras, o Charges na Rua seria uma mídia da cidade que traz a cidade na mídia. “A cidade é, ao mesmo tempo, objeto comunicativo e sujeito da própria interação que nela se desenvolve” (FERRARA, 2006, p. 43) [...] de um lado, as condições naturais são utilizadas de formas diferentes pelas sociedades humanas em cada período histórico e em cada cultura, e de outro, a própria natureza é transformada e interpretada pelo homem. Por meio dessa perspectiva, observa-se que, no desenrolar da história, os grupos humanos sucessivos relacionam-se a um quadro natural já modificado e

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acabam modificando constantemente a produção de técnicas e de quadros imaginários. (THRALL, 2009, p. 371)

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Outra etapa determinante para configurar a forma como o Charges na Rua se estabeleceu como elemento constituinte da paisagem comunicacional da cidade mídia foi a apropriação e resistência. Pela repetição e reincidência do processo, com a característica da mutação contínua e a produção de novas abordagens, o Régis Soares apropriou-se do espaço urbano e, aos poucos, adquiriu reconhecimento e valoração por parte dos citadinos. A publicação de uma charge nova a cada semana dinamizou, por um lado, suas táticas de enunciação e, por outro, os processos de produção simbólica do público que habita ou atravessa a cidade. A terceira etapa que se observa de definição da forma como o Charges na Rua intervém na paisagem comunicacional da cidade mídia é o empoderamento e legitimação do espaço urbano e do lugar de fala social. A dedicação ao trabalho que manteve a tradição da atualização semanal e, com isso, conquistou credibilidade, rendem um espaço não só físico, mas também simbólico ao Charges na Rua. E esse valor simbólico pode ser verificado nas práticas sociais que repercutem e reproduzem as peças publicadas no passeio urbano, tais como redes sociais, matérias jornalísticas em veículos tradicionais de imprensa, publicação de livros, análises de pesquisas acadêmicas e outras formas de interação institucionalizadas. Sobre o diálogo entre os elementos midiáticos e os significados resultantes dos estímulos visuais na paisagem urbana, é preciso, contudo, fazer algumas ponderações. Faz-se necessário observar alguns detalhes envolvidos na mesma atmosfera do Charges na Rua. Com o desenvolvimento comercial na Rua Etelvina Macedo de Mendonça, a quantidade de mídias de comunicação visual se multiplicou. São diversos os letreiros e faixas que disputam a atenção dos transeuntes. As cores de uns


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concorrendo com as de outros ao mesmo tempo em que interagem e formam uma paisagem urbana carregada de significações. É o cenário que constitui a cidade como mídia. Na fachada do próprio ateliê de Régis Soares, o Charges na Rua disputa a atenção das pessoas com faixas e anúncios sobre os trabalhos do artista. Os processos de diálogo entre essas mídias, que constrói a teia de sentidos e significados na paisagem urbana são os mesmos que podem ocasionar também os ruídos, choques e camuflagens de processos simbólicos e de representação. Essas são algumas preocupações que permeiam o estudo desses processos, mas que não conseguirão ser abarcados neste artigo. São ponderações que poderão ser aprofundadas na continuação deste estudo ou de estudos futuros. Considerações Finais A partir das discussões e observações do presente artigo foi possível estudar a forma como as manifestações do Charges na Rua como uma interferência na paisagem urbana de João Pessoa. Interferência que surge ao fazer uso da lógica da cidade mídia. O criador da narrativa das charges – com sua linguagem pictórica e verbal – se apropria dos modelos de comunicação da paisagem urbana e interfere nos processos dialógicos e de comunicação da cidade mídia. Enfrentar o desafio do estudo da cidade como mídia em muito difere de enxergar manifestações da cidade na mídia. Enquanto esta segunda abordagem pode restringir-se à análise da representação da cidade por intermédio de elementos midiáticos variados, o primeiro caso envolve, necessariamente, a investigação, de um lado, dos variados e intrincados tipos de mediações que configuram a cidade, e de outro, dos meios pelos quais a cidade, ela mesma, se mostra enquanto mídia. (THRALL, 2009, p. 363)

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Seguindo a lógica da organização das cidades e da fluidificação de seus elementos constituintes, abstrai-se, a partir das observações desenvolvidas neste breve estudo, que o Charges na Rua passa por três etapas ou movimentos bem definidos que determinam a forma como esse projeto, durante esses quase 30 anos, interfere na paisagem comunicacional da cidade mídia Joao Pessoa. A primeira etapa pode ser identificada como o processo de intervenção e ocupação do espaço na teia estrutural e comunicacional urbana. Posteriormente, pode-se identificar a apropriação e resistência. Apropriação de um espaço/lugar de fala e resistência de suas táticas cotidianas de enunciação diante das relações sociais e de poder no cenário da cidade mídia. E a terceira etapa seria seu empoderamento e legitimação, a partir do reconhecimento social, verificável no compartilhamento das charges, do consumo e repercussão das peças nos espaços físicos e virtuais de expressão popular, além dos veículos tradicionais de imprensa, dos livros, das pesquisas acadêmicas, redes sociais e outras formas de interação dos indivíduos. Esses processos conferem ao Charges na Rua a condição e a capacidade de participação no ambiente comunicacional urbano e determinam a forma como esse processo acontece. A enumeração dessas etapas ou movimentos é uma entre tantas possibilidades possíveis de sistematização de resultados obtidos a partir das observações de fenômenos comunicacionais verificáveis na sociedade em ambientes de intenso fluxo de trocas simbólicas, como é o caso das cidades. Refletir sobre a lógica que orienta a ação humana nesses ambientes é um exercício salutar que permite a compreensão dos modelos de organização, produção simbólica, operação e uso das mídias e, consequentemente, a condução das ações em sociedade. Referências


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CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. São Paulo: Studio Nobel, 1997. FERRARA, Lucrécia D’Alessio. Cidade: meio, mídia e mediação. In: Revista Matrizes, 2006. MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios à mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008. PINHEIRO, Agnaldo. (org). Outdoor: uma visão do meio por inteiro. Rio de Janeiro: Bloch Ed., 1990. RANCIÉRE, Jacques. A partilha do sensível. São Paulo: Ed. 34, 2005. RODRIGUES, Adriano Duarte. Afinal, o que é mídia? Disponível em: http:// www.ciseco.org.br/index.php/artigos/279-afinal-o-que-e-a-midia#voltar1. Acesso em: 04 abr. 16. SERPA, Ângelo. Lugar e mídia. São Paulo: Contexto, 2011. SOARES, Régis. 15 anos de Charges na Rua. João Pessoa: Imprell, 2006. __________. Biografia. Disponível em: http://www.chargesnarua.com/biografia. Acesso em: 30 mar. 2016. THRALL, Karin. Gaia cidade: um estudo da cidade como mídia. In: CARAMELLA, Elaine [et al.]. Mídias: multiplicações e convergências. São Paulo: Editora Senac, 2009.

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DESRESPEITO EM MOVIMENTO: Quebras da Lei do Silêncio e da Espiral do Silêncio em trajeto de ônibus em João Pessoa 1 Maria Ferreira Diniz 2 Giuliana Batista Rodrigues de Queiroz3 A Lei do Silêncio em João Pessoa Poluição sonora não prejudica apenas a audição. Ela também afeta

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a qualidade de vida das pessoas, podendo provocar alterações comportamentais e orgânicas, como estresse, insônia, depressão, dores de cabeça, aumento da pressão arterial, entre outras. A situação se agrava quando os altos níveis de ruído acontecem em ambientes pequenos e parcialmente fechados, a exemplo dos ônibus e outros tipos de transportes públicos. Com a popularização de aparelhos sonoros e telefones celulares cada vez mais modernos, capazes de armazenar e compartilhar músicas de diversas maneiras, algumas pessoas têm perdido o senso sobre quais os locais mais apropriados para ouvi-las e acreditam que podem ou de-

1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Maria Ferreira Diniz: Mestranda em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB; Auxiliar de Informações, na Agência Brasileira de Inteligência - ABIN. lillaferreira@hotmail.com . 3 Giuliana Batista Rodrigues de Queiroz: Mestranda em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB; Assessora de Imprensa da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB; Especialista em Mídias Regionais pela FURNE/UNIPÊ. giurodrigues@hotmail.com


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vem escutar os ritmos preferidos em alto volume, sem se importarem se o nível de ruído incomoda os demais. A fim de combater este mal estar entre a população e evitar que os usuários de transportes coletivos utilizem aparelhos musicais no modo “alto-falante” para ouvir áudios e músicas, foi promulgada pela Assembléia Legislativa da Paraíba (ALPB) e publicada no Diário Oficial do Estado no dia 15 de maio de 2013 – data na qual já teve imediata vigência – a Lei 9.977/2013, conhecida como “Lei do Silêncio”. Sua aplicação seria desnecessária, caso as pessoas que não dispensam ouvir músicas apenas utilizassem fones de ouvido, sem incomodar os outros passageiros. Reforça-se que, em caso de descumprimento reiterado da Lei, após advertências, o infrator pode ser multado em R$ 1 mil. Informações sobre a exigência do cumprimento da nova lei devem estar expostas em cartazes no interior de cada veículo, bem como o número do telefone do órgão de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), utilizado para formalizar reclamações. Qualquer pessoa pode denunciar e a empresa de ônibus é a principal colaboradora para que a lei seja cumprida. Ocorre que, na prática, nem todas as pessoas estão educadas para respeitar o espaço das demais e mesmo com a existência de normas que regulem o bem estar social, estas não são conhecidas ou acatadas por todos. Seis meses após a aprovação da Lei do Silêncio, o Portal Correio publicou a matéria “Lei do silêncio não funciona e usuários são obrigados a ouvir som alto nos ônibus”, do repórter Alisson Correia, denunciando que o incômodo nos transportes coletivos permanecia. “Os passageiros que se sentem incomodados comentam, mas não têm coragem de pedir para que o áudio seja desligado, com medo de represálias e violência”, informava a matéria.

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Por receio de serem vítimas da intolerância e da violência, os demais passageiros preferem se inserir na abordagem proposta por Elisabeth Noelle-Neuman em 1977, denominada “Espiral do Silêncio”. Tal teoria explica que se “apreende a massificação pelo enclausuramento dos indivíduos no silêncio, quando estes têm opiniões diferentes destas veiculadas pelos mass media” (HOHLFELDT, 2015, p.111). Ao mesmo tempo em que os meios de comunicação podem influenciar sobre o que a população irá pensar durante determinado período, definindo a “agenda setting” dos temas midiáticos, o consumo contínuo de determinados produtos da indústria cultural também tem a capacidade de fazer o mesmo com a mente dos indivíduos, visto que “a desproporção entre a resistência de cada indivíduo em relação à força da estrutura social em geral e a indústria cultural em particular, acarreta uma adesão sem reação dos indivíduos às proposições emanadas da sociedade” (HOHLFELDT, 2015, p.111). Ainda assim, aqueles que discordam do que lhes é oferecido correm o risco de cair na espiral do silêncio. Por medo de confrontar a opinião pública, ou seja, o que segue a maioria, o cidadão que detém uma opinião diferente deixa de se expressar livremente e termina por se calar verbalmente – muitas vezes se adaptando à opinião dos demais. Em contrapartida, os que estão fora da espiral tendem a não perceber o medo dos outros e a questão do isolamento. Clovis de Barros Filho (1995, p. 207) menciona que é justamente o medo o ponto de partida que Noelle-Neuman usa para explicar por que os agentes sociais se isolam em seus “comportamentos, atitudes e opiniões”. “Esse medo do isolamento social faz com que as pessoas tendencialmente evitem expressar opiniões que não coincidam com a opinião dominante. (...) há uma tendência ao silêncio quando o indivíduo, por medo do isolamento, não expressa sua opinião quando ela é minoritária” (BARROS FILHO, 1995, p.208).


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Maria Ferreira Diniz, personagem deste relato, vivenciou a desconfortável e angustiante experiência de estar fora da opinião da maioria por ter quebrado o silêncio e defendido um direito que lhe era assegurado, conforme descreve a seguir. Saindo da espiral – o relato da experiência Terça-feira, final de tarde, final de mais um dia de trabalho. Voltando para casa, como de costume, de transporte público. Tinha sido um dia difícil, com os efeitos colaterais de uma medicação que faz parte de um tratamento contra um câncer de mama, especialmente fortes, principalmente a dor de cabeça. Ao subir no ônibus (Transnacional nº 0798) notei o som alto que tocava uma música que não pude identificar e, para completar, lugar vago só mesmo próximo ao aparelho que tocava a música. Foi quando identifiquei que o som vinha de um rádio que pertencia ao motorista. O percurso feito pelo ônibus que me leva para casa é longo e após algum tempo percebi que a viagem seria difícil com aquele barulho. Aproveitando que também estava próximo ao cobrador, e que acima de sua cabeça estava o aviso que informa da lei e da proibição do barulho no coletivo, indaguei-o sobre a vigência da lei. A surpresa veio em forma de resposta: “sim, mas ela só vale para musica funk”. Conhecia a lei e sabia do absurdo daquela colocação, embora até aquele momento não tivesse podido identificar que música tocava, pois o volume era muito alto. Dessa forma, visto que minha cabeça doía cada vez mais, achei por bem falar direto com o motorista, pedindo a ele, gentilmente, que por favor apenas abaixasse um pouco o volume, na tentativa de evitar problemas. Expliquei o motivo e ele atendeu ao pedido a contragosto, abaixando um pouco.

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Pouco tempo depois comecei a ouvir algumas pessoas falando alto atrás de mim e demorei a perceber que, na verdade, elas estavam falando comigo. Reclamavam do meu pedido, pois o creditavam ao fato de que estaria reclamando da música, segundo eles, evangélica. Para mim continuava sendo uma música não identificada. Procurei argumentar, mesmo sabendo que não era necessário, afinal tinha pedido aos responsáveis por fazer valer a lei que eles mesmos estavam descumprindo. Disse que não conhecia a música, que era cristã e que respeitava todas as crenças, que estava apenas com dor de cabeça. Quanto mais tentava argumentar, mais os ânimos se exaltavam. Procurei então falar com o cobrador, que estava ao meu lado, revelando o motivo do meu desconforto, falando sobre minha doença e de certa forma me expondo. Imaginava que com o apoio dele contornaria a situação. Tudo ficou pior, pois ele passou a atribuir meus males à minha suposta falta de fé, quanto mais ele falava, mais estimulava as outras pessoas a se virarem contra mim. Agora, além da dor de cabeça e de estar sendo xingada por uma série de pessoas que não conhecia, passei a ouvir um discurso de conversão do cobrador. O motorista apenas ria da situação. À medida que o veículo avançava no seu trajeto, crescia o número de pessoas que subiam no transporte e aderiam ao discurso de combate à minha suposta falta de fé. Ninguém, absolutamente ninguém, homens e mulheres, fez menção de me defender. Alguns homens faziam gestos obscenos. Cada vez mais assustada e nesse momento já temendo por minha integridade física, resolvi pedir ajuda por telefone. Não sem antes tentar ligar para o número 151 do Procon, que se encontra no texto da lei afixada no ônibus. Não obtive sucesso. Ligar para o número de reclamações da empresa de transporte também não adiantava, já havia encerrado o horário de atendimento. Com medo de ligar para a polícia e aumentar a ira daquelas pessoas, liguei para uma pessoa próxima


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que sabia ter contatos com a polícia e que poderia acioná-la, caso fosse necessário. Algo que parecia insustentável ficou pior, os xingamentos aumentaram por conta de minha atitude. Com medo de agressão, tentei filmar aquelas pessoas com o celular, achando que ficariam intimidadas. Acontece que nesse momento elas é que se sentiram “agredidas”, e passaram então a me ameaçar mais ainda, caso continuasse gravando. Alguns gritavam “quebra esse telefone”, “joga fora”, e coisas do gênero. Nesse ponto chegamos ao Centro da cidade, local onde se concentram os fiscais das empresas de transporte, e antes mesmo que percebesse, um deles já estava na minha frente reclamando da tal gravação. Chorando, muito nervosa, demorei a entender que uma daquelas pessoas tinha reclamado da minha atitude. Tentei explicar que eu é que precisava de ajuda. Desci do ônibus e, como chorava muito, algumas pessoas que estavam no terminal me ofereceram ajuda. Liguei mais uma vez para a pessoa que iria me buscar, avisando onde estava agora, e enquanto esperava resolvi registrar uma reclamação. O fiscal parecia não entender meus motivos, numa tentativa de diminuir sua importância. Resgatada (foi assim que me senti), fui para casa, ainda muito assustada e chorando. No outro dia fui até a central de polícia para o registro do Boletim de Ocorrência (nº 00507.01.2016.1.91.000), mais uma vez reclamei junto à empresa de ônibus no telefone que me foi dado pelo fiscal. Procurei ligar também para o número de reclamações que se encontra afixado nos transportes coletivos da cidade, agora no horário de funcionamento, mas as chamadas não foram atendidas. Ainda sem condições emocionais e muito assustada, não consegui ir ao trabalho. Uma amiga jornalista para quem tinha ligado, contando o ocorrido, acionou alguns colegas, que indignados se dispuseram a colocar o assunto em suas pautas. Uma matéria para a TV Cabo Branco e outra no Jornal da Paraíba repercuti-

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ram a ocorrência. No entanto, até o presente momento, nenhuma providência, pedido de desculpas ou tentativa de mudança foi tomada pelos responsáveis. Referências BARROS FILHO, Clovis de. Ética na Comunicação: da informação ao receptor. São Paulo: Editora Moderna, 1995. HOHLFELDT, Antonio; MARTINO, Luiz C.; FRANÇA, Vera Veiga. Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2015. MIDÕES, Miguel. Caso Esmeralda e a Espiral do Silêncio de Elisabeth Noelle-Neumann. Trabalho realizado no âmbito do Mestrado em Comunicação Pública, Política e Intercultural, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2007/2008. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/midoes-miguel-caso-esmeralda-espiral-do-silencio.pdf . Acesso em: 15 abr. 2016.

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COMPORTAMENTO de motoristas e passageiros de ônibus deve ter harmonia. Bom Dia Paraíba, João Pessoa, 18 mar. 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/ pb/paraiba/bom-dia-pb/videos/t/edicoes/v/comportamento-de-motoristas-e-passageiros-de-onibus-deve-ter-harmonia/4892816/. Acesso em: 15 abr. 2016 LEI DO silêncio não funciona e usuários são obrigados a ouvir som alto nos ônibus. Portal Correio, João Pessoa, 16 nov. 2013. Disponível em: http://portalcorreio.uol. com.br/noticias/cidades/conflito/2013/11/16/NWS,231822,4,347,NOTICIAS,2190-LEI-SILENCIO-FUNCIONA-USUARIOS-OBRIGADOS-OUVIR-SOM-ALTO -ONIBUS.aspx. Acesso em: 15 abr. 2016 LEI QUE proíbe som alto nos coletivos é sancionada. Notícias da Assembléia Legislativa da Paraíba, João Pessoa, 15 mai 2013. Disponível em: http://www.al.pb.gov. br/6899/lei-que-proibe-som-alto-nos-coletivos-e-sancionada.html. Acesso em: 15 abr. 2016


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

PELOS CANTOS DA CIDADE: a comunicação pública como ferramenta de valorização da identidade de um povo através do programa Nosso Bairro1

Érika Bruna AGRIPINO-RAMOS 2

Vitor Daniel Claudino Martins TEIXEIRA3 Resumo: Este trabalho se atém aos conceitos de comunicação pública a partir da análise de duas edições do programa Nosso Bairro, da TV Câmara de João Pessoa. A partir da noção de que o programa oferece uma importante documentação histórica e uma representação midiática positiva das diversas localidades da capital paraibana, destacamos seus elementos mais característicos e discorremos sobre como eles se relacionam com a proposta de dar espaço midiático a vozes silenciadas da sociedade. Avaliamos que o Nosso Bairro cumpre a tarefa de atuar em uma comunicação inclusiva, capaz de mostrar e valorizar a cultura, o povo e a identidade dos diferentes lugares da cidade. Palavras-Chave: Comunicação pública; TV pública; Representação midiática.

Introdução Este artigo tem como proposta discorrer sobre a utilização de um programa televisivo para valorização da história e da identidade de um povo, através da análise de duas edições do programa Nosso Bairro, da TV Câmara de João Pessoa. Abarcamos conceitos de comunicação públi1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, realizado de 9 a 10 de junho de 2016, na Universidade Federal da Paraíba, campus João Pessoa. 2 Graduada em Comunicação Social – Jornalismo e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPJ) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: erikabrunaagripino@gmail.com 3 Graduado em Comunicação Social – Jornalismo, pela UFPB, e em Direito, pela Faculdade Maurício de Nassau. E-mail: vitordanielteixeira@yahoo.com

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ca para contextualizar a função desses meios na arena midiática e como o programa atua para dar espaço a vozes silenciadas e reforçar uma representação positiva dos diversos segmentos da sociedade pessoense. Após uma primeira parte teórica e um histórico do funcionamento da TV Câmara JP, analisamos como os elementos do programa colaboram para essa proposta de comunicação inclusiva e de valorização de um povo.

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Comunicação pública A comunicação pública possui várias definições e múltiplas teorias relacionadas às suas funções, ou seja, é um conceito que ainda está sendo lapidado por vários autores. Brandão (2009) estabelece cinco acepções para a comunicação pública, das quais iremos citar três que se relacionam com o nosso objeto de estudo, no caso, a TV Câmara de João Pessoa. Primeiramente, Brandão (2009) fala da comunicação pública identificada como estatal. Nessa definição, o Governo deve ser responsável “pelo fluxo informativo e comunicativo com seus cidadãos” (BRANDÃO, 2009, p. 4), portanto, identifica-se a comunicação pública com a ideia de divulgação de projetos e campanhas para debate entre as instâncias da sociedade, além de um meio de prestação de contas do poder público. Passamos então à definição da comunicação pública como comunicação política, estabelecendo-se dois ângulos pelos quais podemos compreender tal acepção: (1) A utilização de instrumentos e técnicas da comunicação para a expressão pública de idéias, crenças e posicionamentos políticos, tanto dos governos quantos dos partidos; (2) as disputas perenes entre os proprietários de veículos e detentores das tecnologias de comunicações e o direito da sociedade de interferir e poder determinar conteúdos e o acesso a esses veículos e tecnologias em seu benefício. (BRANDÃO, 2009, p. 6)


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Em um terceiro ponto de vista, Brandão (2009) identifica a comunicação pública como uma comunicação da sociedade civil organizada, abrangendo um ideal de participação de outras camadas sociais na produção de conteúdo midiático. É neste ponto que passamos a perceber a importância de trazer atores que são excluídos dos grandes meios para terem suas vozes escutadas, ou seja, tratando-se de uma “prática democrática e social da comunicação, sem compromissos com a indústria midiática e entrelaçada com o cotidiano das populações e suas práticas políticas” (BRANDÃO, 2009, p. 8). Desta forma, percebemos como estes conceitos se relacionam com a TV Câmara JP, sendo esse um meio de comunicação que, ligado ao Estado, poderia estar mais sujeito a influências políticas ou apenas reproduzir um discurso político, porém, demonstra que está mais relacionado com a participação da sociedade em sua produção. É assim que consolidamos a ideia de comunicação pública com o que diz Brandão (2009, p. 9):

O panorama traçado até aqui demonstra que, dentre os múltiplos significados da expressão comunicação pública, é possível encontrar um ponto comum de entendimento que é aquele que diz respeito a um processo comunicativo que se instaura entre o Estado, o governo e a sociedade com o objetivo de informar para a construção da cidadania. (grifo do autor)

Assim, observamos que a comunicação pública, além de sua importância para as atividades estatais, deve ser também uma alternativa aos grandes meios dominados pelo capital empresarial e que, por essa razão, excluem do seu discurso grande parte da população:

O ideal histórico da comunicação, quase quixotesco, foi a marca do pensamento e da produção acadêmica na América Latina. A comunicação pública pode ser analisada como uma renovação deste ideal, bem mais crítica, é verdade, mas buscando resgatar o sentido verdadeiramente social da comunicação, esquecido por força do fazer profissional voltado para o atendimento

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do mercado empresarial, político, ideológico ou personalista. (BRANDÃO, 2009, p. 21)

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O panorama que surge nesse último caso não é da informação como libertação e conhecimento, mas de uma amálgama restrita de ideologias que são apresentadas à população, que não se vê representada nos grandes meios. O ideal da comunicação como uma forma de ampliar os horizontes e munir os indivíduos para que participem do debate público foi absorvido pelo aspecto monetário, afinal, são os anunciantes que tornam viável a sobrevivência da mídia. Nesse contexto, segundo relatório da organização não governamental Repórter sem Fronteiras, em 2013, o Brasil havia caído no ranking de liberdade de imprensa também devido à influência de poucas famílias que manipulam a informação e são donas de grande parte das emissoras, o que corrobora a visão de que temos uma ideologia dominante nos meios de comunicação. O que se percebe é que a população está excluída do debate público de diversas formas, seja participando ou tendo sua realidade retratada erroneamente; grande parte da sociedade não pertence aos meios de comunicação e seus interesses são renegados a um segundo plano, criando uma crise de representação que se reflete na política. Na realidade, o pluralismo político previsto na Constituição Federal se limita à formação dos partidos que ocupam o Congresso Nacional, pois, na verdade, ao povo só é apresentado uma versão dos fatos, impregnada de interesses financeiros. Assim, a pressão econômica começou a se mostrar mais limitante do pluralismo do que a própria censura política. As práticas do mercado acabaram substituindo a repressão legal por conformidade com a ordem estabelecida. Com o crescimento da publicidade na mídia, a independência frente aos interesses políticos foi substituída pela dependência diante dos anunciantes. (MATOS, 2009, p.51)


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Surge nesse ponto da discussão, portanto, o conceito de Fiss (2005) que trata do efeito silenciador da liberdade de expressão. Segundo a ideia desse autor, diferentemente do que se acha, a liberdade de expressão total, dentro do modelo de sociedade em que vivemos, pode ser um problema para uma parte considerável da população, pois, como vimos, a imprensa tem posicionamentos muito bem definidos e pouca contestação, o que leva a uma singularidade de pensamento e ideologia. A exclusão econômica também reflete uma exclusão midiática. O que Fiss (2005) traz à tona é que o poder da informação está na mão de poucos e o fato de eles o possuírem exclui do restante a possibilidade de se expressar, o que leva a um direito que não se concretiza na realidade, mas apenas sobrevive no mundo ideal da Constituição. Além disso, a opressão sofrida pelas minorias leva a uma perda de autoridade no seu discurso, afinal, quando elas conseguem ter o seu espaço, nada mais é do que mero preenchimento de tempo, já que [...] o discurso de incitação ao ódio tende a diminuir a autoestima das vítimas, impedindo assim a sua integral participação nas atividades da sociedade civil, incluindo o debate público. Mesmo quando essas vítimas falam, falta autoridade às suas palavras; é como se elas nada dissessem. (FISS, 2005, p. 47)

É neste aspecto que reside a importância de a comunicação pública jogar luz nas ideias soterradas pelo capital e pelo empresariado dono da maioria dos veículos de comunicação. O Estado deve atuar de forma a equalizar essa relação, seja intervindo ou incentivando a prática de uma comunicação inclusiva. Percebe-se que não se trata simplesmente de favorecer grupos específicos, mas de realmente contradizer um discurso majoritário, ou seja, que todos os lados estejam presentes no debate público, afinal, como coloca Fiss (2005, p. 49), “algumas vezes nós devemos reduzir as vozes de alguns para podermos ouvir as vozes dos outros”.

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Nesse sentido, o espaço da imprensa, como coloca Monteiro (2009, p. 43), é uma “arena privilegiada em que os diversos atores sociais travam batalhas simbólicas para fazer prevalecer a sua representação da realidade”. Uma arena em que um lado está em enorme vantagem sobre outro e que necessita, portanto, de regras mais justas para essa batalha. Daí a importância de uma comunicação pública inclusiva, pois, apesar de ter várias definições, podemos defini-la principalmente pelo que ela não deve ser, segundo Duarte (2009, p. 61): “não trata de comunicação sobre interesses particulares, privados, de mercado, pessoais, corporativos, institucionais, comerciais, promocionais ou de ‘um público’”. A comunicação pública deve ser o espaço ansiado para mostrar visões e aspectos distantes das massas que não se veem representadas nos produtos midiáticos, nem muito menos têm sua realidade mostrada de forma digna, gerando uma ideia estereotipada e pouco embasada sobre o mundo, a qual impregna a sociedade e passa de geração para geração. A perpetuação de ideologias engessadas e muitas vezes conservadoras leva ao preconceito e à intolerância, o que, de certa forma percebemos acontecer atualmente. Assim, para romper com esses paradigmas, é preciso escutar aqueles que sempre foram afastados dos meios de comunicação e que necessitam ser ouvidos, como fala Duarte (2009, p. 68): Ouvir os interessados dá a dimensão e a compreensão de necessidades, expectativas, interesses, crenças e atitudes específicas dos grupos-alvo da comunicação, permitindo incorporar a opinião dos interessados aos programas nos quais estão envolvidos, lidar com aqueles que tem conhecimento e interesses diferentes do nosso e ampliar suas perspectivas.

Comunicação pública na TV Câmara JP A TV Câmara de João Pessoa foi inaugurada em 2003, com transmissão para os telespectadores pessoenses apenas através de um canal


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televisivo a cabo. Sua produção era realizada por uma empresa contratada, e, conforme explica o jornalista Carlos Roberto (em entrevista no documentário TV Câmara: o farol da cidadania4), desde sua concepção inicial havia a intenção de produzir conteúdos que ultrapassassem a mera exibição dos trabalhos realizados pelos parlamentares. Segundo ele, a ideia de que o Poder Legislativo tem o compromisso de apoiar os movimentos sociais e culturais teria marcado a constituição da grade de programação da TV Câmara JP. O canal televisivo, por ser ligado à Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP), funciona como um mecanismo de transparência das atividades do órgão, tendo como “carro-chefe” a transmissão das sessões ao vivo, na íntegra, atualmente com veiculação em sinal aberto para toda a capital paraibana. Além disso, a equipe faz cobertura jornalística dos fatos relacionados à Casa diariamente e tem uma programação voltada para a cultura local. “Seguindo o conceito de TV pública, a gente tem a responsabilidade de promover a cidadania e ter um cunho educativo e de promoção cultural, que muitas vezes não é o foco das TVs comerciais”, explicou a atual secretária de comunicação da Casa, Rafaela Cristofoli. Em 2012, além de ampliar a transmissão para sinal aberto, a TV Câmara JP se tornou a primeira emissora pública do país a realizar a experiência de interatividade digital durante a exibição dos seus programas. Através de parceria com a Câmara dos Deputados, a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), foram instalados equipamentos em residências de 100 famílias beneficiárias de programas sociais do Governo Federal a fim de que 4 O documentário foi lançado em dezembro de 2015, durante o seminário Rede Legislativa de Rádio e TV Digital na Paraíba, promovido pela Câmara Municipal de João Pessoa em conjunto com a Câmara dos Deputados, a Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) e a Associação Brasileira de Televisões e Rádios Legislativas (Astral). Disponível online no canal da TV Câmara JP no Youtube: <https:// www.youtube.com/watch?v=K19ve1Ol4e4>.

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aqueles telespectadores tivessem acesso, através de suas tevês5, a conteúdos de educação e serviços, como ofertas de cursos e oportunidades de emprego, além de informações sobre os parlamentares pessoenses durante a exibição das sessões na Casa Legislativa. Em 2014, a identidade visual dos programas passou por uma reestruturação e também foi adotada uma nova logomarca para a TV, homenageando um dos principais cartões-postais da capital paraibana, o Farol do Cabo Branco, visto de cima para baixo, com as três pontas. Segundo explicou a secretária Rafaela Cristofoli, a intenção era relacionar o símbolo com o papel da emissora e da própria casa legislativa:

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Quando a gente estava pensando nisso, veio a ideia do uso do Farol do Cabo Branco, que é um símbolo que não é tão utilizado e tem a ideia de nortear os rumos, de iluminar o caminho. A intenção da Câmara de Vereadores é exatamente essa: de a TV Câmara, através da transparência dos atos legislativos e da construção de programas educativos, nortear os rumos da cidade e dar uma orientação aos cidadãos. Então, de certa forma, é iluminar o caminho para se construir uma cidade melhor, fazer você se identificar com aquilo como cidadão atuante de fato. Apesar de ser uma casa de representantes, você não pode só transferir a responsabilidade e se eximir da sua responsabilidade enquanto cidadão.

A grade de programação da TV Câmara JP, que foi modificada em 2014 após modernização dos equipamentos de captação e transmissão, conta atualmente com mais de dez programas produzidos pela equipe de Comunicação da casa legislativa municipal. Entre eles, há os que abordam: questões dos parlamentares, temas em debate na sociedade, assuntos de utilidade pública, orientações para os cidadãos, juventude e cultura local. 5 Mais informações sobre o projeto de interatividade: <https://www.youtube. com/watch?v=xHaP_Ni2SMg>.


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O objeto de nossa análise neste trabalho é o Nosso Bairro, programa mais recente da grade atual, o qual tem como objetivo visitar os bairros de João Pessoa e mostrar sua história, sua cultura e personagens relevantes de cada localidade, valorizando o que a Capital paraibana tem de melhor. A gênese do Nosso Bairro Para a elaboração deste trabalho, entrevistamos, nos dias 28 e 29 de abril de 2016, os profissionais responsáveis pela realização do Nosso Bairro (secretária de comunicação, produtores, editores, cinegrafistas e repórteres) sobre sua concepção inicial até chegar a aspectos de montagem do programa. A secretária de comunicação Rafaela Cristofoli explicou que, inicialmente, o Nosso Bairro surgiu de uma ideia mais genérica de aproximar os cidadãos do Legislativo municipal. A gente também tinha a preocupação de que o público tivesse uma identificação com a TV Câmara. Política normalmente não é um tema que é de interesse de todo mundo, e as pessoas tendem a se sentir decepcionadas ou não representadas. Então a gente queria, de alguma forma, fazer a TV Câmara chegar na casa de todo mundo, provocar o interesse de eles assistirem através de um outro meio que não fosse a transmissão das sessões ou a cobertura das atividades legislativas, para, de uma certa forma, também fazer os telespectadores começarem a se interessar pelos outros assuntos. A gente pensou o seguinte: a partir do momento que ele se identificar com a TV e começar a assistir, ele vai começar a se identificar com outros programas e até com as sessões legislativas.

Ao mesmo tempo, essa intenção casou com o interesse da equipe de documentar a realidade dos pessoenses, seus costumes e características. O diretor de imagem e principal editor do programa, Lúcio César, revelou, por exemplo, que, devido a suas experiências profissionais

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e pessoais antes da admissão na CMJP, já idealizava um projeto nesse sentido:

Eu venho de uma escola de documentação e sempre tive um olhar voltado para o registro das histórias, dos contos, do Estado. [...] Sempre tive o entendimento de que o Estado somos todos nós e que cabe a nós zelar pelo que é nosso, pelos elementos que nos contam quem nós somos. A gente sempre diz que tem uma memória muito curta, as coisas se perdem muito facilmente. [...] E a gente tem na nossa mão um veículo de comunicação.

Com a ideia do Nosso Bairro definida, foi encaminhado o pedido de uma vinheta que deixasse bastante clara a intenção do programa, conforme explica a secretária de comunicação Rafaela Cristofoli:

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A gente queria que a identificação do telespectador começasse ali, que a ideia já fosse um pouco traduzida. A gente não queria na vinheta um grande estádio do bairro, queria as coisas comuns do dia a dia, as coisas simples, a forma como a cidade e o bairro especificamente se movimentam. E aí ela parte de uma ideia macro, vai dando os detalhezinhos e depois amplia de novo. Mostra comércio local, atividades de lazer, pessoas conversando, andando com o cachorro, coisas do cotidiano, que, no fim, a vida da gente é feita disso mesmo, de pequenos detalhes, e muitas vezes a gente se prende às coisas grandiosas e se perde daquilo. Eu acho que o grande lance do Nosso Bairro é esse: tornar próximo. Aproximar as pessoas daquele conceito do bairro e da realidade.

Segundo relatos dos profissionais, primeiramente, foi feito um levantamento para saber quantos bairros João Pessoa tem, sendo utilizado também um mapa para distribuir com equidade as escolhas dos locais contemplados, de modo a alternar as regiões do município. A ideia inicial era fazer um programa (que tem duração de 30 minutos) para cada bairro, mas, em alguns casos, de tão imbricadas geográfica e historicamente, duas localidades já foram agrupadas no mesmo programa – a exemplo de Cristo/Rangel.


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

Uma vez delimitado o bairro pela equipe responsável, esta se encarrega de socializar com todos os colaboradores do setor da Comunicação, aguardando sugestões do que cobrir na localidade. A partir desse primeiro repasse, os demais colegas entram em contato com amigos, familiares e conhecidos sobre os principais enfoques do bairro escolhido. Os profissionais destacaram que, muitas vezes, são agendadas entrevistas com essas pessoas, e, já no local, a própria conversa com elas revela outros caminhos que passam a ser seguidos. Observamos que, normalmente, não há entrevistas com autoridades ou fontes oficiais no programa, mas sempre com moradores do bairro e pessoas que de alguma forma podem contar algo sobre a sua própria experiência com a localidade. Quando perguntada se o foco da equipe não era em autoridades, mas sim em pessoas anônimas, a jornalista Gabriela Luna – que apresentou a primeira temporada do programa, de 2014 a 2015 – questionou o uso do termo e ressaltou: “Não, gente muito conhecida naquele lugar. Talvez algumas pessoas não tivessem expressividade para abarcar a cidade toda, mas naquele bairro as pessoas eram bem vistas e representavam de verdade o bairro, podiam apresentá-lo para toda a cidade”. Um dos entrevistados também nos revelou que apenas em uma ocasião houve imposição política superior na escolha de um entrevistado. Tratou-se de uma inserção para cobertura do aniversário do Bairro dos Estados, justamente na primeira edição do Nosso Bairro, quando foram utilizadas imagens de um ex-prefeito de João Pessoa falando sobre seu trabalho e destacando os feitos de sua família para a localidade. Como a equipe considerou que tal inserção destoou muito da proposta do programa, não foram aceitas mais intervenções nesse sentido. Acerca dessa relação entre a TV e o ambiente político, a secretária Rafaela Cristofoli observou que, atualmente, os parlamentares têm uma

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consciência maior de que a TV Câmara JP e seus programas não podem servir a interesses particulares, sendo sua finalidade pública. Avaliamos também que, como boa parte da equipe da Comunicação é de profissionais concursados, sem vinculação política, esse tipo de influência não tem tanta penetração naquele setor. Como exemplo, frisamos a abordagem, em outros programas da grade da TV Câmara JP, de pautas que contrariam visões de determinados parlamentares, mas que são questões relevantes para a sociedade, como é o caso da discussão sobre identidade de gênero. Ainda sobre a questão da propriedade do canal, a secretária Rafaela Cristofoli ressaltou que o fato de a TV funcionar com orçamento próprio do órgão, sem necessidade de captação financeira através de publicidade, favorece sua produção como um todo.

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O fato de ser uma TV pública... a gente não tem necessidade de ter retorno financeiro, porque ela é custeada pelo orçamento da Câmara, então quando a gente vai escolher uma pauta não há aquela preocupação de quantos comerciais a gente vai conseguir inserir no intervalo do programa para atrair o público e vender aquilo ali. Nossas pautas são sobre o que é importante para a sociedade tomar conhecimento e que, muitas vezes, não conseguiria ter espaço nas outras TVs. Tem coisas que coincidem, porque as outras TVs, óbvio, também têm seu papel educativo e social, só que a preocupação delas tem que ser vender, porque elas são mantidas pela publicidade, e a gente não. Então eu acho que isso dá uma liberdade de criação e de desenvolvimento das pautas maior.

Sobre a relação desse meio com os anunciantes, Leal Filho (2000) explica que a TV brasileira é herdeira do rádio e do modelo norte-americano que adotou a radiodifusão como um empreendimento comercial alimentado pela publicidade. Segundo o autor, desde a década de 1930 é permitida a inserção de propagandas nesse segmento do País, e


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[...] essa é a referência histórica mais significativa para que possamos entender o modelo brasileiro de radiodifusão. Tratase de uma articulação perfeita entre o privado e o estatal, com reflexos diretos nos programas levados ao ar. A ideia de uma programação de nível elevado sucumbe diante dos interesses comerciais, não apenas nas suas relações essencialmente econômicas, mas também no âmbito político. (LEAL FILHO, 2000, p. 157)

Até a década de 1950, não havia outra referência que não fosse o modelo comercial no Brasil, o que colaborou com a consolidação da TV como “o mais importante instrumento da indústria cultural brasileira” (LEAL FILHO, 2000, p. 158). Somente no fim da década de 1960 que começaram a surgir críticas aos conteúdos oferecidos e foi sugerido um foco no interesse público, inclusive com previsão constitucional. Análise dos programas A título de observação neste artigo, escolhemos duas edições do programa em questão e que tratam de localidades distintas em termos econômicos e sociais, apesar de geograficamente próximas: Bairro dos Estados6 (que foi o primeiro Nosso Bairro realizado pela TV Câmara JP), e Mandacaru7 (exibido na temporada mais recente). A partir desses dois programas, buscaremos analisar como os bairros são retratados de forma comparativa e a maneira como aparecem os personagens, observando o espaço dado aos moradores, o que é primordial para que seja cumprida a função da comunicação pública, afinal, é preciso, como foi dito anteriormente, balancear o discurso hegemônico da mídia tradicional, como explica Monteiro (2009, p. 43): Ao estimular o surgimento de ocasiões que propiciem a participação pública em debates de assuntos de interesse coletivo, ela [...] amplia as iniciativas para democratizar o acesso do 6 7

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ofwoSiCqfl8>. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=6cQK5RswYhg>.

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cidadão à informação, introduz a possibilidade de uma ação de contra-agendamento da mídia por grupos sem voz nesses campos e favorece o estabelecimento de uma parceria público -privado com a pauta jornalística refletindo a pauta social [...].

Devemos frisar que, de acordo com a Topografia Social de João Pessoa (SPOSATI et al., 2009), os dois bairros de que tratam as edições do Nosso Bairro escolhidas para esta análise apresentam realidades contrastantes. Conforme destaca Sposati et al. (2009, p. 23),

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Quando circulamos pelos diferentes lugares de uma cidade como João Pessoa, ou qualquer cidade brasileira de médio e grande porte, nos damos conta facilmente das desigualdades de condições de vida existentes entre esses lugares. É fácil perceber as discrepâncias sócio-territoriais e os contrastes entre as precariedades e os benefícios da vida urbana existentes nessas cidades. As evidências da exclusão e da inclusão social que se manifestam nos vários bairros da cidade são gritantes e inegáveis.

Para construir um mapa da inclusão/exclusão social na Capital paraibana, os pesquisadores (SPOSATI et al., 2009) enfocaram indicadores como: autonomia para o cidadão suprir suas diversas necessidades; condição dos domicílios, infraestrutura, densidade populacional e qualidade de vida; equidade de direitos da população; e o indicador de desenvolvimento humano (IDH). Em todos esses critérios, os dois bairros em questão apresentaram pontuações distantes, sendo isso refletido no mapa final da exclusão social: enquanto o Bairro dos Estados apresentou resultado de +0,64, Mandacaru pontuou negativamente, com -0,40. Para se entender a realidade atual desses dois bairros, também é preciso fazer um breve regate histórico sobre seus processos de formação. Originalmente, o Bairro dos Estados pertencia ao terreno da fazenda de uma família francesa e foi residência de autoridades e pessoas proeminentes até 1952, quando foi oficialmente fundado através de uma lei municipal. Sposati et al. (2009) destacam que o desenvolvimento do


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local também se relacionou com a evolução de João Pessoa durante as décadas de 1960 e 1970: Dois vetores de crescimento se esboçam: um na direção Centro -Orla, via a Av. Epitácio Pessoa, levando a população de maior renda e melhor servidas de infra-estrutura e serviços, a residirem nos bairros com melhor padrão de construção (Centro, Tambiá, Expedicionários, Bairro dos Estados, Miramar, etc.); outro vetor de expansão na direção Centro - Av. Cruz da Armas, na ligação com a cidade de Recife, caracterizado por atividades comerciais e apoio rodoviário, ocupado por residenciais modestas da população de baixa renda (Cordão Encarnado, Varadouro, Cruz das Armas etc.). (SPOSATI et al., 2009, p. 41)

Já o bairro de Mandacaru, também localizado na Zona Norte de João Pessoa, foi fundado na década de 1930 e não dispôs do mesmo planejamento em infraestrutura do seu vizinho Bairro dos Estados. Segundo Macedo (2009, apud PEREIRA, 2014), a localidade se formou a partir da doação de terras, pela antiga proprietária, para loteamento e construção de moradias para pessoas carentes de todo o Estado. Sua realidade reflete a situação de outras áreas de João Pessoa consideradas mais pobres e periféricas: Os espaços geográficos da unidade urbana apresentam aglomerações, várias casas construídas em um mesmo terreno, com materiais de má qualidade, tamanhos dos cômodos inadequados, mal acabados, sem espaço viável para recreação das crianças, ladeiras, calçadas irregulares [...]. As condições de saneamento básico são precárias e a população residente contribui para o agravo da situação, descartando o lixo doméstico em lugares inadequados, acarretando a obstrução dos bueiros e das galerias pluviais. Essa população também convive com outros problemas sociais que agravam a saúde, como desemprego, drogas, violência urbana, renda baixa [...]. (PEREIRA, 2014, p. 18)

Feita essa explanação, iniciamos a análise das duas edições do Nosso Bairro. O primeiro ponto observado foram os planos escolhidos para iniciar os programas, com grande profundidade de campo, estabe-

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lecendo de imediato a localização das apresentadoras. No caso do Bairro dos Estados, a repórter Gabriela Luna aparece caminhando em uma sacada de um casarão de estilo antigo; enquanto, na edição de Mandacaru, vemos a repórter Meiry Alves em uma rua com movimentação intensa. Isso já sugere uma percepção de tranquilidade, em um caso, contrastando com inquietação, em outro. Nesse sentido, percebemos que os programas inserem muitas imagens do cotidiano de cada bairro, o que, de certa forma, revela as condições socioeconômicas de cada um: no Bairro dos Estados, muitos carros, comércios, ruas asfaltadas e infraestrutura; em Mandacaru, muitas pessoas andando nas ruas e praças, motocicletas, crianças brincando na rua, transporte coletivo. Isso evoca a disparidade encontrada dentro do mesmo espaço urbano e, inclusive, muito próxima, o que nos é confirmado através dos dados oficiais (SPOSATI et al., 2009). O cinegrafista Sérgio Camalaú, que integra a equipe da TV Câmara JP, foi citado pelos colegas como o mais “criativo” na captação das imagens e revelou que já tinha experiências anteriores com a produção de documentários, o que influenciava o seu olhar sobre os diferentes cantos da cidade. Ele explicou que, diante das características de cada bairro, é repassada uma ideia do que o diretor quer, algumas orientações sobre planos para compor os programas, mas ele tem sempre liberdade para experimentar na produção. Sérgio Camalaú frisou que, no Bairro dos Estados, por ser uma localidade com uma infraestrutura melhor, foram feitas mais imagens em planos abertos, captando os casarões antigos e as paisagens. Já no programa de Mandacaru e de outras localidades semelhantes, ele costuma usar planos mais fechados para valorizar os detalhes. “Quem passa e vê o bairro de longe pode achá-lo feio, sem estrutura, mas, quando se entra nas células do bairro, vê-se a expansão”, observou o cinegrafista.


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Os profissionais também relataram que a rotina de trabalho, nesse projeto, geralmente está atrelada à própria rotina de cada bairro, como destacou a repórter Meiry Alves: Em Mandacaru, por exemplo, as coisas começam a acontecer muito cedo, aí a equipe vai muito cedo para o bairro. A dona de casa já está indo para a padaria, a gente registra a dona de casa indo para a padaria; a criança sendo carregada pela mãe para a escola, uma em um carrinho, outra no braço; o menino que está jogando bola. A gente faz assim: geralmente, as imagens são captadas de manhã, para pegar esse cotidiano, esses hábitos, a maneira como o bairro acontece; e no final da tarde, que é quando as pessoas estão voltando do trabalho, indo para uma caminhada. Em outros bairros, a gente encontra poucas pessoas nas ruas, encontra mais ônibus, mais carros. Tem a ver tanto com o tamanho do bairro quanto com a população mesmo.

Assim, o cotidiano do local é uma das facetas que aparecem mais vividamente em cada programa, seja através das imagens ou das conversas com os entrevistados, pois, ao não se apoiar simplesmente em fontes oficiais ou em imagens ensaiadas, conhecemos melhor as pessoas e as relações estabelecidas nos ambientes. No programa do Bairro dos Estados, por exemplo, em uma visita ao Cemitério Santa Catarina, o primeiro entrevistado a surgir na tela não é um administrador do equipamento público – o qual aparece posteriormente –, mas sim um dos coveiros do local. Nesse ponto inicial, vemos a repórter Gabriela Luna sentada em um degrau na entrada de uma capela conversando com o trabalhador sobre suas impressões e experiências pessoais referentes à profissão, além de causos e lendas populares, em um diálogo marcado pela informalidade e pela simplicidade típicas de conversas do dia a dia, conforme relembra a jornalista: Ninguém tem mais propriedade para falar de um cemitério do que um coveiro. Ele que está lá trabalhando todos os dias, ele que acompanha o que acontece ali. E não foi algo pré-agendado ou programado não, a gente não saiu com um roteiro sabendo

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que ia gravar com o coveiro. Aquilo aconteceu de última hora, a gente teve a ideia, sentou na escadaria da capela e foi conversar. [...] No começo, ele estava um pouco tímido, porque, afinal, era um trabalhador, não estava acostumado com câmera, não sabia que ia gravar com a gente. [...] Isso é o mais bacana do Nosso Bairro, a gente conseguir pessoas que não estavam pré-programadas e histórias que dão o que a gente chama de “molho” ao programa. Porque, se fosse só aquela entrevista com o formato estruturado, com perguntas já fechadas, talvez o coveiro não estivesse lá e talvez não ficasse tão bacana.

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Essas escolhas um tanto quanto simplórias tornam o programa mais próximo da realidade. Ao iniciar com o histórico dos bairros, nas duas edições analisadas e em outros exemplos, geralmente são entrevistados moradores antigos que já vivenciaram muitos anos de mudanças. Tanto no Bairro dos Estados quanto em Mandacaru, foram escolhidos idosos que foram entrevistados em suas residências, de maneira informal, e trouxeram as suas visões de como era a vida no local, o que torna o programa mais pessoal. Esse caráter mais íntimo acaba por revelar outras características próprias da população. As imagens captadas em ambientes familiares ou no Cemitério citado denotam, por exemplo, a religiosidade presente no imaginário regional, através de planos que mostram figuras de santos e crucifixos em vários locais diferentes. A música que entrecorta os programas também se insere nos contextos dos bairros. Enquanto em Mandacaru há canções com forte presença da percussão, ressaltando o ambiente de efervescência cultural, no Bairro dos Estados há temas mais contidos, com percussão mais discreta, embora ambos tenham forte presença da música regional. O diretor de imagens e principal editor do programa, Lúcio César, que também é músico, corrobora essa visão ao afirmar que A edição do programa é totalmente intuitiva, porque ela vai em cima do que o bairro me oferece. O bairro é que pede as trilhas, o bairro é que pede o clima que tem que dar. Os elemen-


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tos estão ali em cada bairro... tem bairro que é muito musical. [...] Editar é meio que você compor. Você pega aqueles objetos, aquelas pecinhas e vai montando, e as imagens também vão se adaptando ao ritmo da música.

Desse modo, percebemos como vários elementos vão realmente compondo a estrutura do programa Nosso Bairro para mostrar as principais características e as peculiaridades de cada localidade de João Pessoa. Isso ocorre devido à experiência e compreensão dos profissionais que participam do projeto. Considerações finais Uma das primeiras conclusões que extraímos ao analisar o programa Nosso Bairro é que, em uma sociedade voltada para o capital, as finalidades perdem a sua essência e tudo basicamente se torna motivo para alcançar riqueza. Nesse contexto, a comunicação como direito e como ideal exposto na Constituição Federal se tornou um meio de difusão ideológica, reciclando pensamentos antigos e perpetuando estereótipos. A importância da comunicação pública e, por sua vez, do programa em questão, é fugir de conceitos pré-concebidos e mostrar realmente o que é a população, o que eles têm a dizer, mudando a forma como são vistos os espaços urbanos, evitando a espetacularização tão comum na luta por audiência nos programas televisivos. Percebemos que, ao não ter o lucro financeiro como preocupação principal, o objetivo dos meios públicos está muito mais voltado para a informação em si, e os personagens podem ser escolhidos com mais liberdade, explorando-se melhor as ideias e não havendo a necessidade de fontes ou pautas voltadas apenas para determinado segmento da sociedade.

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O programa Nosso Bairro demonstra sua importância, principalmente, ao desmistificar o espaço urbano, apresentando os bairros de João Pessoa de uma maneira livre, mostrando o que cada local acrescenta para a cidade. Muitas comunidades periféricas da capital paraibana são estigmatizadas nos grandes meios em relação à violência urbana, sendo esse viés muitas vezes utilizado pelas TVs privadas locais para tentar obter mais audiência. Conforme justificou a secretária de comunicação Rafaela Cristofoli, “é difícil competir com as TVs comerciais, então temos que usar artifícios”, no entanto, a TV Câmara JP tenta atrair os telespectadores fazendo-os se identificarem de uma maneira positiva, na medida em que as pessoas, ao aparecerem no programa, passam a perceber que aquela TV existe e começam a acompanhar, a se identificar com a produção, sentindo-se pertencentes tanto da TV quanto do bairro e da cidade. “Acho que a melhor forma de divulgação que a gente pode ter é essa, com as pessoas se sentindo realmente atores da realização daquele trabalho”, disse Rafaela Cristofoli. Além disso, o programa mostra manifestações artísticas e o trabalho de muitos que não são conhecidos na cidade ou até mesmo esquecidos, valorizando a cultura regional e perpetuando o registro dessas manifestações. Durante gravação da edição de Mandacaru, por exemplo, integrantes da Lapinha Jesus de Nazaré revelaram que o tradicional grupo folclórico, formado por idosos e o único da cidade, estava prestes a acabar. Isso nos dá a dimensão da importância do registro histórico da TV Câmara JP, que vai possibilitar, no futuro, que outras pessoas conheçam aspectos da sua cidade a que elas não tiveram acesso, por não estarem em um espaço urbano mais próximo, ou que talvez nem existam mais. As comunidades mais pobres são as mais beneficiadas com essa medida, uma vez que boa parte dos registros que a mídia tradicional faz são negativos e não refletem necessariamente a realidade diária dos moradores.


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Referências BRANDÃO, Elizabeth Pazito. Conceito de comunicação pública. In: DUARTE, Jorge (org.). Comunicação pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2009. DUARTE, Jorge. Instrumentos de comunicação pública. In: DUARTE, Jorge (org.). Comunicação pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2009. FISS, Owen. A ironia da liberdade de expressão: estado, regulação e diversidade na esfera pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. LEAL FILHO, Laurindo Lalo. A TV pública. In: BUCCI, Eugênio (org.) et al. A TV aos 50: criticando a televisão brasileira no seu cinquentenário. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2001, pp. 153-165. MATOS, Heloiza. Comunicação pública, esfera pública e capital social. In: DUARTE, Jorge (org.). Comunicação pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2009. MONTEIRO, Graça França. A singularidade da comunicação pública. In: DUARTE, Jorge (org.). Comunicação pública: Estado, mercado, sociedade e interesse público. São Paulo: Atlas, 2009. PEREIRA, Maria de Fátima Dantas. Condições socioambientais, qualidade de vida e presença da Hipertensão arterial na população atendida pela USF Mandacaru IX, João Pessoa–PB. Monografia. UFPB, 2014. Disponível em: http://security.ufpb. br/cccb/contents/monografias/2014.2/condicoes-socioambientais-qualidade-devida-e-presenca-da-hipertensao-arterial-na-populacao-atendida-pela-usf-mandacaru-ix-joao-pessoa-pb.pdf. Acesso em: 05 maio 2016. SPOSATI; Aldaíza (coord.) et al. Topografia Social de João Pessoa. João Pessoa: Cedest/IEE/Puc-SP, 2009. Disponível em: www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/ wp-content/uploads/2012/04/TOPOGRAFIA-SOCIAL-DE-JOAO-PESSOA_2009. pdf. Acesso em: 28 abr. 2016.

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Geografia do sangue na comunicação da Paraíba1 Janaine Sibelle Freires AIRES2

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As relações entre mídia e violência adquirem, em todo o Brasil, contornos perversos. A paisagem audiovisual brasileira é profundamente marcada por conteúdos ligados à essa narrativa. E é a partir dela, por exemplo, que diversas candidaturas políticas, ligadas à mídia, são forjadas. Na Paraíba, a relação entre mídia e violência também é definidora da programação da televisão, rádio e do jornalismo impresso produzido. O argumento de parte da mídia local para justificar a predominância desse conteúdo é que a mídia “não promove os crimes, apenas os noticia”. No entanto, é importante para pensarmos sobre o assunto que possamos entender que a violência não é somente reflexo da desigualdade social, mas é resultado direto de uma cultura. Cultura que a mídia local constrói e não se dissocia. A mídia como alimento Na década de 1930, o médico pernambucano Josué de Castro buscou chamar atenção para a questão da fome e da miséria. Estudou a geografia da fome e mostrou que o fenômeno não é resultado da ausência de 1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Bolsista Fundação Ford. Vice-coordenadora do projeto “Clientelismo e patrimonialismo nas políticas de comunicação brasileiras: dinâmicas assimétricas de poder e negociação”. E-mail: janaineaires@gmail. com


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alimentos, mas da estrutura econômica e social que nos organiza. Josué de Castro trouxe essa pauta em debate, ganhando repercussão internacional. A ditadura militar tratou de colocar este tema no ostracismo, não só forçando o exílio de Castro, mas coibindo e criminalizando aqueles que ousaram falar da fome. A fome assim tornou-se um tabu. A comunicação também é um tabu. Apesar da importância dela no nosso dia-a-dia, sempre que questionamos sua rotina produtiva, a pouca pluralidade de vozes, a concentração política dos meios, ouvimos como resposta máximas do tipo: “o controle remoto é o melhor controle. Está insatisfeit@, desligue a tv, mude de canal...”. A proposta nos faz esquecer que a relação entre público, a imprensa e a radiodifusão é estruturante, não adianta fugir dela. É preciso nos conscientizar que a Comunicação é um direito e a informação é um direito público. E não é à toa que, como a fome no passado, a comunicação seja um tabu. Ela também é alimento. Alimento de um tipo de sociedade. Através dela nos nutrimos política e culturalmente. É ela que responde por parcela significativa do que debatemos, do que ganha visibilidade e atenção, do que ouvimos e em quem nos espelhamos. Os estudos de Josué de Castro mostravam, sobretudo, não somente pela ausência de alimentos, mas que também pode-se morrer de fome mesmo se alimentando todos os dias. Ele fala das fomes parciais. Aquelas em que se morre de fome mesmo comendo diariamente, “pela falta permanente de determinados elementos nutritivos, grupos inteiros de populações se deixam morrer lentamente de fome, apesar de comerem todos os dias”, destacou em um de seus principais estudos, intitulado “Geografia da Fome”. Padecemos dessa mesma fome parcial. Apesar de nos alimentarmos diariamente pela mídia, não nos damos conta que estamos todos mortos de fome. Faltam nutrientes para pensar a política, faltam nu-

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trientes para conhecermos criticamente o mundo a nossa volta, falta nutrientes que nos mostrem a riqueza da nossa cultura... Morremos de fome principalmente quando nos damos conta que a nossa mídia se alimenta – e consequentemente nos alimenta – a partir da doentia utilização da imagem de corpos como instrumento para conquista de audiência e lucro. A predominância dessa narrativa no nosso dia a dia tem resultados perversos. A triste constatação disso vem através de alguns exemplos simples, mas que pouco a pouco vão sendo naturalizados. Quando pesquisamos nomes de bairros periféricos da capital como o Grotão, localizado na zona sul de João Pessoa, no Google, vamos nos deparar com imagens chocantes de pessoas esquartejadas, acidentados, baleados, esfaqueados, corpos em estado de decomposição... O mesmo acontece se pesquisarmos por outras localidades periféricas da cidade e também da região metropolitana. Geografia do sangue

Ao colocarmos o nome “Santa Rita” no google, vamos encontrar as imagens da monja agostiniana canonizada cujo corpo não se corrompeu


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e permaneceu intacto mesmo depois de 200 anos de sua morte. Junto às imagens do corpo santo, vamos encontrar centenas de outros oriundos da cidade que lhe homenageia. Estes, infelizmente, corrompidos pelo desrespeito praticado pela mídia contra a dignidade humana e pela utilização do corpo das vítimas como objetos para a busca pela audiência. Essa situação se repete quando exploramos todas as regiões da Paraíba, do litoral ao sertão, das mais violentas às mais pacatas cidades. O sangue parece se espalhar por nosso mapa, como o líquido que se derrama no chão da sala. O sangue dessa geografia também é sobretudo de negros, de homens e de pobres. Apesar de ricos e brancos também vítimas da violência seus corpos não são explorados pela mídia da mesma maneira. Este fenômeno acontece por que o google imagem se alimenta de rotas de informação reunindo o que se diz sobre cada uma das palavraschaves indexadas. O que significa que estas imagens traduzem perfeitamente a natureza da narrativa que se produz sobre estas localidades na mídia local. Não encontramos imagens de grupos artísticos destas localidades, não sabemos sobre o rosto vivo das pessoas que ali moram, não conhecemos as belezas que tais bairros podem reservar. Só conhecemos deles as imagens que nos ajudam a sentir medo. Se o tema pesquisa são os bairros mais “nobres” da capital, a natureza das imagens se altera completamente. Tambaú, por exemplo, tem um retrato bem mais fácil de contemplar:

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A mídia e a disputa por território

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O papel da mídia não se resume a construção simbólica da imagem de cada lugar. Essa relação é bastante sólida e tem impacto direto nas políticas públicas que são criadas para essas localidades. O conflito vai além. Em João Pessoa, conhecemos bem a disputa por território entre dois grupos de jovens denominados como Eua e Okaida. Juventude que não por ironia se agarra na narrativa criada sobre as localidades onde moram como forma de afirmação de identidade. Em si, tal disputa já carrega uma geografia. Ou pelo menos carrega em si uma subversão da geografia. Traz para o Nordeste brasileiro uma disputa internacional e mais do que isso recupera o conflito da 2ª Guerra Mundial quando coloca em disputa os “americanos”, como são chamados os jovens ligados ao Eua, versus os “alemães talibãs” da Okaida. A mídia não se aparta desse conflito. A ausência de legislação reguladora da comunicação no Brasil amplia a violência que se pratica e aquela que a mídia pratica e também noticia. Este é o caso dos bilhetes dirigidos a um famoso apresentador local deixado em corpos de adversários assassinados.


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É o caso do crime que vitimou duas mulheres. O esquartejamento delas aconteceu pois elas contrariaram os interesses do grupo Okaida. O crime ganhou uma grande visibilidade não só por sua crueldade, mas também pelo bilhete deixado que se referiam diretamente ao apresentador e “explicavam” o que havia acontecido. Infelizmente, este caso não foi o único. Os bilhetes seguem sendo instrumentos de comunicação entre grupos criminosos e a mídia local. E precisa ser coibida pelo poder público, pois fornece a tais organizações o que elas mais querem e precisam: a visibilidade. Desse jeito e apoiados na máxima “apenas noticiamos”, a mídia falha e comete um grande crime ao reeditar a exposição pública de vítimas como instrumento para promover o medo. Reeditamos os tramites de crimes lesa-majestade, como foi o caso de Tiradentes, condenado, morto, esquartejado e cujas partes do corpo foram expostas em várias cidades mineiras. Isto é uma afronta aos direitos humanos e ao estado de direito. E precisa ser coibida. De um lado baliza o ritual de justiçamento promovi-

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do pelos criminosos e de outro promove o seu próprio tribunal. Criando assim uma concepção absolutamente equivocada do que é justiça e como devem funcionar os seus rituais. Justiça e visibilidade Devemos pensar sobre o assunto por que a mídia nos atravessa, nos compõe. Estamos estruturando uma sociedade baseada na criminalização da pobreza e da periferia, do racismo, da homo, lesbo e transfobia e também da culpabilização das vítimas.

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Em voga, este tipo de construção simbólica da justiça tem criado situações preocupantes. Uma delas é quando a população confunde as funções da mídia com as do Estado. Há dois anos, a família de uma garota de 9 anos que foi violentada por um vizinho, cujo crime foi gravado acidentalmente pela família, entregou o material registrado para a imprensa acreditando que daquela maneira teria a prisão do acusado garantida. A família não compreendia que a exposição pública da imagem da criança na televisão ampliaria o crime que ela sofreu. Situação similar aconteceu em nosso estado em 2011. Isso nos coloca em alerta por que a mídia tem se transformado no principal recurso que a população frequentemente tem recorrido. Muitas vezes, quando acidentes acontecem durante o dia, é comum que ouvintes liguem primeiro para o rádio e depois para o Samu, por exemplo. Uma demonstração clara que passo a passo estamos esvaziando o Estado da sua função de atuar na resolução dos problemas da população. Assim, fica claro que a mídia não só tem construído uma geografia do sangue, da cidade e de suas localidades, mas altera também as espacialidades das funções do Estado e das próprias quando abandona pouco a pouco o papel de mediador e assume o papel de liderança.


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FOTOJORNALISMO: ALÉM DO VISTO E LIDO NOS JORNAIS PARAIBANOS Uma análise de conteúdo das manifestações de junho de 2013 1 Nayanne Medeiros NÓBREGA2 Resumo: Este ensaio aborda a fotografia como um discurso imagético rico em valor semântico e informativo. É através do fotojornalismo que os meios de comunicação atestam a credibilidade do acontecimento. Portanto, o jornal, enquanto ferramenta informativa para a sociedade atua como uma ponte entre o visto e o dito aos leitores. Neste sentido, a imagem pode ser considerada como representação da realidade. Nessa perspectiva, lança-se um olhar sobre o aspecto reflexivo da fotografia, para o além do enquadramento da imagem e a intenção comunicativa dela no jornalismo impresso paraibano. Essa abordagem é realizada através dos estudos de Gilberto Durand sobre o imaginário e a metodologia de Análise de Conteúdo. Palavras-Chave: Fotografia. Discurso. Imaginário. Jornalismo. Manifestações.

Introdução O objetivo deste ensaio é analisar, através da metodologia de análise de conteúdo, imagens publicadas no Jornal da Paraíba e no Jornal Correio da Paraíba durante as manifestações de junho de 2013. Como corpus foram analisadas as publicações do dia 1º ao dia 30 de junho do respectivo ano. No entanto, este estudo busca analisar o valor semântico 1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC), linha de pesquisa Mídia, Cotidiano e Imaginário, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e graduada em Comunicação Social/Habilitação Jornalismo pela mesma instituição. E-mail: nayannenobrega@gmail.com

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das imagens por meio do fotojornalismo, tendo como base os estudos do imaginário com Gilberto Durand. Procuramos investigar as formas de simbolização (ou seja, de atribuição de sentidos e de constituição de um imaginário) trazidas pelos fotógrafos em suas rotinas de trabalho e em especial na cobertura da manifestação de junho de 2013. Partiu-se da suposição de que a fotografia constitui uma forma de comunicação capaz de expressar múltiplos discursos. Nesse contexto, cabe examinar a fotografia com dimensão que transcende seu papel de mera ilustração da notícia. Ver o mundo pelas fotografias é entender que sua representação enquanto objeto, em contexto jornalístico, passa por uma seleção que se inicia na produção, reprodução e divulgação do objeto capturado. À luz desses preceitos temos os estudos de Susan Sontag. Essa seleção é uma decisão arbitrária que envolve qualidade, oportunidade e conveniência. A própria escolha e destaque da foto fazem parte do “poder” da mídia de agendamento do que o público irá ver e discutir no dia seguinte. Por isso, a seleção das fotos passou a ser uma decisão tão importante quanto a escolha da manchete. A evolução da fotografia e do jornalismo destinou às fotos espaços nobres, como a primeira página dos jornais, pois a imagem, por seu caráter polissêmico, tem uma força que as palavras não têm. Quando se estuda um tema através do imaginário, se faz necessário esclarecer de que imagem estamos falando. No caso da fotografia, podemos chamar de imagens iconográficas, distintas e mesmo alheias às imagens que, em conjunto, efetivamente constituem o imaginário. Este último se refere ao “capital pensado e não pensado do Homo sapiens” (DURAND, 1997), constituído por “imagens simbólicas”. Nesta leitura, enfatizamos que se faz premente a elaboração de novas metodologias capazes de colocar em um mesmo patamar didático


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-pedagógica discurso imagético e discurso verbal no jornalismo impresso, sem a redução polissêmica das imagens. Imagem: do simbólico ao imaginário Na sociedade pós-moderna, o uso da fotografia é cada vez mais corriqueiro e se multiplica no ciberespaço. Desde que a fotografia surgiu, em 1839, a humanidade foi “domesticada” a interpretar as imagens como forma de apreender o real. A imprensa passou quatro séculos tendo como referente o texto. Aos poucos, pôde incorporar às suas edições não apenas a descrição dos acontecimentos, mas também o milagre da reprodução da imagem, que passou a tomar uma dimensão importante para a construção do sentido. A autora Susan Sontag, em Sobre Fotografia diz que “Ao nos ensinar um novo código visual, as fotos modificam e ampliam nossas idéias sobre o que vale a pena olhar e sobre o que temos o direito de observar. Constituem uma gramática e, mais importante ainda, uma ética do ver” (2004, p.13). Essa sensação de que podemos reter o mundo inteiro em nossa cabeça, como uma antologia de imagens, a que Sontag se refere, Gilberto Durand chama de Museu de Imagens. A verdade é que, passados 177 anos da invenção da fotografia, as fotos ainda nos fascinam e cada vez mais ganham destaque especial em jornais e revistas, tornando-se um dos pilares da notícia. As notícias com ilustração ganham credibilidade, é como se o fato, por não possuir imagem, não tivesse ocorrido. Sontag ressalta ainda que: “fotos fornecem um testemunho. Algo de que ouvimos falar, mas de que duvidamos, parece comprovado quando nos mostram uma foto”. (...) “Uma foto equivale a uma prova incontestável de que determinada coisa aconteceu” (2004, p. 16).

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As fotos, pela força da imagem, também cumprem papel de informar aqueles que não sabem ler ou não têm tempo de ler. Nos últimos anos, proliferaram jornais e revistas ancorados na imagem como grande sucesso de venda. A moderna geração audiovisual acostumou-se a ver o mundo por meio de imagens em que as fotos tomam dimensão maior do que a notícia. No entanto, em um passado próximo, elas não tinham tanto status de cientificidade. Com os estudos de Gilberto Durand, a imagem, imaginação e o imaginário começaram a ganhar credibilidade. Elas estão presentes em nosso cotidiano e para compreender melhor, tanto a sua especificidade, quanto as mensagens que veiculam, é necessário um esforço mínimo de análise. A cultura do imaginário estabelecida por Durand (XXXX) estuda o modo como as imagens são produzidas e transmitidas e como ocorre a sua recepção. O imaginário revela-se muito especialmente como um lugar de “entre saberes”. Mas o que é imagem? De acordo com Martine Joly (1996), em Introdução a análise da imagem, “o termo imagem é tão utilizado, com tantos tipos de significação sem vínculo aparente, que parece bem difícil dar uma definição simples dele, que recubra todos os seus empregos” (1996, p. 13). Sendo assim, analisaremos a imagem sob o ângulo da múltipla significação, do afeto, da emoção à interpretação de senso comum. Se compreendermos a imagem como signo, constataremos que é possível considerar seu modo de produção de sentido. De fato, um signo só é “signo” se “exprimir ideias” e se provocar na mente daquele ou daqueles que o percebem uma atitude interpretativa. Considerar a imagem como uma mensagem visual composta de diversos tipos de signos equivale a considerá-la como uma linguagem e, portanto, como uma ferramenta de expressão e


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de comunicação. Seja ela é expressiva ou comunicativa, é possível admitir que uma imagem sempre constitui uma mensagem para o outro, mesmo quando esse outro somos nós mesmos. Por isso, uma das precauções necessárias para compreender da melhor forma possível uma mensagem visual é buscar para quem ela foi produzida. (JOLY, 1996, pag.55)

O imaginário implica, portanto, um pluralismo das imagens e uma estrutura sistêmica do conjunto dessas imagens infinitamente heterogêneas, um mundo de “representações”, em que Durand vai dividir em: ícone, símbolo, emblema, alegoria, imaginação criadora ou reprodutiva, sonho, mito, delírio, etc. Fotojornalismo: mediação entre o homem e o mundo Partindo da etimologia da palavra fotografia, que significa escrever (grafia) com a luz (foto) avançaremos para esse aparelho tecnológico que é capaz de fazer a mediação entre o homem e o seu entorno. A máquina de disparar, nascida num ambiente positivista, foi encarada quase unicamente como o registro visual da verdade. Assim, a fotografia foi adotada pela imprensa, pois podia representar e indiciar a realidade, mas não registrá-la nem ser o seu espelho fiel. Apesar do potencial informativo da fotografia, os editores de jornais resistiram durante bastante tempo a usar imagens fotográficas. O fotojornalismo moderno surgiu na primeira guerra mundial. As fotografias de imprensa que tem como objetivo reproduzir a realidade é também um conjunto de escolha do fotógrafo que revela a personalidade e a sua sensibilidade. Portanto, nesse mundo carregado de subjetividade, mesmo que as fotografias venham acompanhadas de legendas verbais e diretrizes, essas tentativas não conseguem domar a interpretação nem a imaginação do leitor.

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A significação global de uma mensagem visual é construída pela interação de diferentes ferramentas, de tipos de signos diferentes: plásticos, icônicos, lingüísticos. E que a interpretação desses diferentes tipos de signos joga com o saber cultural e sociocultural do leitor, de cuja mente é solicitado um trabalho de associações. (JOLY, 1996, pag. 113)

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Por isso, as imagens podem, portanto, evocar uma autonomia estética. É certo que todo e qualquer fotógrafo sempre fez uso do imaginário para elaborar suas imagens. No caso da fotografia, podemos dizer que cada fotógrafo carrega dentro de si uma biblioteca de imagens. Assim, uma fotografia nunca é totalmente destituída de influências, pois o fotógrafo absorve informações de diversos lugares e pode usá-las mais adiante para criar outras imagens. O que não quer dizer que foi programado para fazer igual, mas que essas imagens habitam o imaginário e são retiradas para fora do seu “museu” no momento de produzir a imagem. A utilização do conceito Museu Imaginário tem se tornado cada vez mais evidente e acelerada, já que na sociedade contemporânea ele se encontra mais disponível a todos devido à enorme difusão de tecnologias como o cinema, a televisão, o vídeo e, mais recentemente, a internet. É certo que qualquer imagem fotográfica, por seu caráter de signo múltiplo e variável, permite uma leitura plural que transcende até mesmo o que o fotógrafo viu. Mesmo que o fotógrafo quisesse dar um significado particular ao conjunto das características de sua imagem, essa intencionalidade seria ineficiente, pois o imaginário do produtor não é o mesmo do receptor. No caso da imagem midiatizada, além da polissemia inerente, existem particularidades que influenciam diretamente na construção de sentido: a posição política do veículo, a linha editorial e o público ao qual se destina.


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

O pesquisador de jornalismo Jorge Pedro Sousa, em Fotojornalismo – Uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa (2002), diz que o fotojornalismo é uma atividade singular que usa a fotografia como um veículo de observação, de informação, de análise e de opinião sobre a vida humana. Portanto, para ele, a fotografia jornalística mostra, revela, expõe, denuncia, opina. Porém, Sousa defende que quando se fala de fotojornalismo não se fala exclusivamente de fotografia. “A fotografia é ontogenicamente incapaz de oferecer determinadas informações, daí que tenha de ser complementada com textos que orientem a construção de sentido para a mensagem” (SOUSA, 2002, pág. 9). Assim sendo, o autor afirma que não existe fotojornalismo sem texto, “Com o texto pode-se procurar denotar (redução dos significados possíveis) ou conotar (insuflação de segundos sentidos) a componente imagística da mensagem fotojornalística” (SOUSA, 2002, pág.77). Para discutir o conceito de imagem é preciso perceber o modo como em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler, ou seja, o espaço a ser decifrado. A imagem captada no momento da fotografia é o resultado de um processo bem mais elaborado e complexo, que envolve mundo de signos, códigos, ideologia, mitos, histórias, tradições, linguagem, cultura. No entanto, em “As dimensões da imagem: interfaces teóricas e metodológicas”, Pelegrini e Zanirato (2005), afirmam que o fato de a fotografia vir sempre acompanhada de algum texto, tendo em vista que essa escrita influi na percepção, leitura e apreensão da imagem fotográfica nem sempre se encontram em conciliação. Ler uma foto além do que a legenda sugere, implica olhar para a superfície da fotografia, relacionar suas cores, seu formato, sua disposição na pagina do jornal, perceber a perspectiva de profundidade, identificar gestos, movimentos, operações que

207


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

se fazem em um aprendizado, que variam conforme a idade e a cultura do leitor. (ZANIRATO, 2005, p.23)

O que dizem as tabelas

208

Enquanto a sociedade e a mídia exigem uma padronização das imagens, ora do ponto de vista político, ora do ponto de vista técnico discursivo, no caso dos meios de comunicação de massa, os movimentos de rua no Junho de 2013 produziram formas discursivas nas quais o discurso imagético não pode ser enquadrado nos modelos arquetipais. Essas manifestações produziram imagens aparentemente soltas, sem o manejo de um narrador reconhecido pelos modelos de governabilidade política, sem os apelos ideológicos tradicionais e independentes dos aparatos tecnológicos requisitados pela gramaticalidade de uma cultura informacional. O impacto causado pelas manifestações de Junho de 2013 com relação ao discurso midiático tradicional se deve ao fato desses sujeitos não terem necessitado da mediação dos meios de comunicação de massa para serem reconhecidos enquanto atores sociais. Através da metodologia de Análise de Conteúdo foi possível constatar que no Jornal Correio da Paraíba foram publicadas 98 matérias, sendo a maioria na editoria Geral, e no Jornal da Paraíba 58 reportagens, sendo a maioria em Política. Os dados revelaram que o enquadramento temático priorizado nas reportagens do Jornal Correio da Paraíba foi engajamento social, o que revela a grandiosidade das manifestações que ocuparam as ruas em todo o Estado. Já no Jornal da Paraíba, as matérias tinham como foco crítica à política brasileira, no entanto das 58 reportagens publicadas, 21 não deixaram claro nos títulos o teor da matéria.


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

Tabela 1- Jornal Correio da Paraíba Editoria

Válido

Ausente

Frequência

Porcentual

Porcentagem Porcentagem válida acumulativa

Política

13

12.6

13.3

13.3

Economia

7

6.8

7.1

20.4

Cidades

8

7.8

8.2

28.6

Cultura

1

1.0

1.0

29.6

Geral

26

25.2

26.5

56.1

Últimas

4

3.9

4.1

60.2

Esportes

1

1.0

1.0

61.2

Capa

15

14.6

15.3

76.5

Coluna/Opi- 8 nião

7.8

8.2

84.7

Brasil

6

5.8

6.1

90.8

Especial

6

5.8

6.1

96.9

Mundo

3

2.9

3.1

100.0

Total

98

95.1

100.0

Sistema

5

4.9

103

100.0

Total

Tabela 2- Jornal da Paraíba Editoria

Válido

Frequência

Porcentual

Porcentagem Porcentagem válida acumulativa

Política

15

25.9

25.9

25.9

Cidades

2

3.4

3.4

29.3

Cultura

1

1.7

1.7

31.0

Geral

7

12.1

12.1

43.1

Últimas

6

10.3

10.3

53.4

Capa

14

24.1

24.1

77.6

C o l u n a / O p i - 13 nião

22.4

22.4

100.0

100.0

100.0

Total

58

209


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

Tabela 3- Jornal Correio da Paraíba Enquadramento Temático Priorizado no Título Frequên- P o r c e n - Porcentagem Porcentagem cia tual válida acumulativa Engajamento Social

45

43.7

Reivindicações

45.9

45.9

12

11.7

12.2

58.2

Crítica à Politica Brasi- 13 leira

12.6

13.3

71.4

Não foi possível identi- 28 ficar

27.2

28.6

100.0

98

95.1

100.0

AusenSistema te

5

4.9

Total

103

100.0

Válido

Total

Tabela 4- Jornal da Paraíba

210

Enquadramento Temático Priorizado no Título

Válido

Frequência

Porcentual

Porcentagem Porcentagem válida acumulativa

Engajamento Social

14

24.1

24.1

24.1

Reivindicações

6

10.3

10.3

34.5

Crítica à Politica Brasilei- 17 ra

29.3

29.3

63.8

Não foi possível identifi- 21 car

36.2

36.2

100.0

100.0

100.0

Total

58

Já o campo de sentido priorizado no Jornal Correio da Paraíba foi positivo, o que demonstra que não foi utilizado no título palavras que marginalizavam as manifestações, seguido da variável equilibrada, o que atesta ainda mais que as manifestações não foram nomeadas pelo jornal como um ato de vandalismo, e sim, de engajamento social em prol


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

de mudanças políticas. Já no Jornal da Paraíba, as palavras no título tinham uma chamada mais equilibrada seguida de positiva. Tabela 5- Jornal Correio da Paraíba Campo de Sentido Frequência Negativo 24 Positivo 41 Equilibrado 29 Válido Não foi possível perce- 4 ber Total 98 Ausente Sistema 5 Total 103

Porcentual 23.3 39.8 28.2 3.9

Porcentagem válida 24.5 41.8 29.6 4.1

95.1 4.9 100.0

100.0

Porcentagem acumulativa 24.5 66.3 95.9 100.0

Tabela 6 - Jornal da Paraíba

211

Campo de Sentido

Válido

Frequência

Porcentual

Porcentagem Porcentagem válida acumulativa

Negativo

10

17.2

17.2

17.2

Positivo

16

27.6

27.6

44.8

Equilibrado

28

48.3

48.3

93.1

Não foi possível perceber

4

6.9

6.9

100.0

Total

58

100.0

100.0

No Jornal Correio da Paraíba as manifestações resultaram em 21 manchetes, no entanto, a maioria (77) não foram manchetes, mas 45 tiveram chamada na capa, contra 53 que não tiveram. Já o Jornal da Paraíba teve 38 reportagens que não foram manchete, e apenas 20 foram, mas das 58, 31 matérias tiveram chamada na capa. Em ambos, a maioria das matérias não teve fotografias na capa, como revelam as tabelas abaixo.

Tabela 7 - Jornal Correio da Paraíba Fotografia Capa


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

Frequência P o r c e n - Porcentagem Porcentagem tual válida acumulativa Sim

29

28.2

29.6

29.6

Não

69

67.0

70.4

100.0

Total

98

95.1

100.0

Ausente Sistema

5

4.9

Total

103

100.0

Válido

Tabela 8 - Jornal da Paraíba Fotografia Capa

Sim Válido

212

Frequência

Porcentual

Porcentagem Porcentagem válida acumulativa

28

48.3

48.3

48.3

Não

29

50.0

50.0

98.3

5.00

1

1.7

1.7

100.0

Total

58

100.0

100.0

Das fotografias publicadas no Jornal Correio da Paraíba, 19 foram potencializadas diante do discurso verbal, o que quer dizer que elas tinham relevância diante do texto. No entanto, 35 fotografias abriram caderno e 54 abriram página. A maioria das matérias ocupou um espaço médio de 1/4 a 1/2 de página, 23 fotografias também ocuparam o mesmo espaço no periódico. Das 98 reportagens, 37 tiveram apenas uma fotografia, maioria fotográfica com crédito dos fotógrafos, porém 14 apresentaram ausência dos créditos, sendo constatado até mesmo esquecimento por parte do editor. O jornal publicou mais fotografias em plano médio e ângulo normal, onde foi priorizado o cenário das manifestações.


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

Tabela 9 - Jornal Correio da Paraíba Tamanho da Matéria Frequência Porcentual Porcentagem Porcentagem válida acumulativa Menos de 1/4 de página 25

24.3

25.5

25.5

Entre 1/4 e 1/2 de pá- 36 gina

35.0

36.7

62.2

Entre 1/2 e 3/4 de pá- 9 gina

8.7

9.2

71.4

Entre 3/4 e página in- 26 teira

25.2

26.5

98.0

2 páginas

2

1.9

2.0

100.0

Total

98

95.1

100.0

Ausente Sistema

5

4.9

Total

103

100.0

Válido

Tabela 10 - Jornal da Paraíba

213

Tamanho da Matéria Frequência Porcentual Porcentagem Porcentagem válida acumulativa

Válido

Menos de 1/4 de página 21

36.2

36.2

36.2

Entre 1/4 e 1/2 de pági- 19 na

32.8

32.8

69.0

Entre 1/2 e 3/4 de pá- 12 gina

20.7

20.7

89.7

Entre 3/4 e página in- 6 teira

10.3

10.3

100.0

100.0

100.0

Total

58

Das fotografias publicadas no Jornal da Paraíba, 19 foram potencializadas diante do discurso verbal, mesma quantidade do Jornal Correio da Paraíba. No entanto, das 58 publicações, cujo tema foi as manifestações, apenas 25 fotografias abriram caderno e 30 abriram página. A maioria das matérias ocupou um espaço médio de menos de 1/4 de página. Do total, 12 reportagens tiveram apenas uma fotografia, maioria


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

fotográfica com crédito dos fotógrafos, porém quatro apresentaram ausência dos créditos. O jornal publicou mais fotografias em plano aberto e ângulo normal, onde foi priorizado imagens de políticos como prefeitos, governadores e presidente do país. Conclusão

214

Esse modelo tradicional de enquadramento das imagens nos jornais contribui para dá ênfase a gramaticalidade e “engessamento” polissêmico das imagens, ou seja, transformação das fotografias em discursos lineares. O que vai de encontro ao Museu de imagens que o fotografo carrega em seu momento de disparo, minimizando caráter múltiplo da imagem. Portanto, podemos constatar que não existe uma lógica determinante global que nos permite decifrar o significado ou o sentido ideológico de uma imagem a partir de uma grade pré-estabelecida de significados prontos e acabados. Afinal, não existe imagem “adâmica”. O que existem são diferentes formas de leitura, conotação e decodificação. Martin Joly (1996) lembra que apesar de existirem esquemas mentais, representativos universais e arquétipos ligados à experiência comum a todos os homens, existe uma confusão frequente entre percepção e interpretação. O pesquisador Wellington Pereira (mimeo, 2015), em seus manuscritos pessoais, ressalta que “as leituras que fazemos de uma determinada imagem dependem, por exemplo, dos grupos sociais em que os destinatários estão inseridos; da região em que o sujeito habita; das formas que utiliza o idioma; da trajetória acadêmica e do currículo vivido pelo indivíduo; da qualidade e intenção do remetente ao produzir o signo”. Sendo assim, no jornalismo impresso a sociedade mantém com a imagem, uma relação de laço comunitário. Uma vez que, a fotografia


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

por sua construção ao longo do tempo é fundamental para a memória, seja de um país, de movimentos sociais, ou da vida de pessoas. Inserida no ethos jornalístico, ganha reforço como atestação da existência real do objeto fotografado, contando histórias visuais. Esse “museu” de imagens é, por sua vez, uma espécie de “realidade velada”; seriam, na sua perspectiva, um intermediário entre o inconsciente não manifesto e o consciente ativo. Desse modo, Durand (2000) salienta a importância de uma reflexão embasada tanto na racionalidade quanto no espírito. Reflexão que vai ao encontro da atmosfera pós-moderna identificada por Michel Maffesoli, na qual tanto o racional quanto o irracional, o real e o imaginário, o utilitário e o lúdico, o objetivo e o onírico são elementos complementares e fundamentais. Em suma, compreendemos as imagens como mensagens do inconsciente. Existe um padrão em todas as edições pesquisadas de publicar uma foto de destaque na edição, na dobra superior, referindo-se, geralmente, à manchete principal. Essa, entretanto, não é uma regra geral. Algumas fotos referiam-se à notícia de primeira página, mas não necessariamente à principal. Na maior parte das edições, a foto não era de arquivo, mas produzida no dia anterior, mostrando que, para efeito de primeira página, vale mais a foto “quente”, o flagrante da notícia, do que uma boa foto de arquivo. Dificilmente, jornais e revistas trabalham com fotos de arquivo na primeira página, sobretudo na foto principal. As notícias não eram as mais importantes, entretanto as fotos mereceram espaço nobre. Quase todas as fotos são legendadas, o que facilita o entendimento do leitor. Do presente estudo, é possível deduzir que existe um vasto campo de pesquisa, tanto no campo das Ciências da Informação, como na do Imaginário para ser ainda explorado no trabalho analítico das imagens. Os estudos nessa área poderão ser aprofundados

215


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

para que haja aproximação entre as duas ciências. Acreditamos que isso facilitará o trabalho dos pesquisadores. Qualquer que seja a análise, lidamos com “leitura” de imagens, com manifestações simbólicas expressas por signos, tema amplamente estudado por teóricos da Semiótica, como Saussure, Peirce, Dubois, Barthes, Eco, Santaella e tantos outros. A cada dia, os editores de todo o mundo, se veem no difícil dilema de escolher a foto que irão estampar nos jornais. Eles se deparam com inúmeras imagens e precisam encontrar o caminho mais fácil para classificá-las, para que possam servir não apenas para a história, mas também para abrir o caminho de novas pesquisas e novos estudos. Referências

216

DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. Lisboa: Edições 70, 2000. ________________. As estruturas antropológicas do imaginário: introdução à arquetipologia geral. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ________________. As estruturas antropológicas do imaginário. 3a ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Campinas: Papirus, 1996. PELEGRINI, Sandra de Cássia Araújo; ZANIRATO, Silvia Helena (orgs.). As dimensões da imagem: interfaces teóricas e metodológicas. Maringá: Eduem, 2005. PEREIRA, Wellington. Manuscritos pessoais, 2015 (mimeo). SONTAG, Susan. Sobre fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo. Uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa. Porto, 2002.


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

O empreendedorismo rural em séries de tevê: práticas de um jornalismo cívico em construção1 Renata Câmara Avelino2 Resumo: O artigo pretende se debruçar sobre as séries de reportagem “Ouro Verde” e “Valores do Campo”, inscritas na etapa estadual do Prêmio Sebrae de Jornalismo e vencedoras da categoria telejornalismo, em primeiro e segundo lugar, nas edições 2013 e 2014, respectivamente. O objetivo é identificar aspectos do jornalismo cívico nas narrativas do repórter paraibano Wendell Rodrigues, um dos mais premiados do país, sob o conceito do empreendedorismo no meio rural. Além de correlacionar com uma nova práxis profissional incentivada por mecanismos premiativos que visam chancelar o chamado jornalismo exemplar. Palavras-chave: jornalismo cívico; empreendedorismo; cultura profissional.

217 Introdução O telejornalismo paraibano, com mais de 30 anos de desenvolvimento, segue sua trajetória evoluindo do ponto de vista tecnológico e de produção. Está cada vez mais inserido em novos contextos de midiatização e co-participação da sociedade nas rotinas produtivas e, mesmo com a crescente expansão das mídias digitais, ainda exerce grande parte do papel de lugar de referência para os cidadãos, assim como são a família, os amigos, a escola e a religião (VIZEU, 2000). Publicada em 2015, mais de vinte anos após a criação da internet, o maior levantamento sobre hábitos de consumo de informação por parte dos brasileiros, a “Pesquisa Brasileira de Mídia” (PBM) revela que a te1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Mestra em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba, especialista em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas e graduada em Comunicação Social pela UFPB.


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

218

levisão ainda permanece como meio de comunicação predominante, seguido do rádio. Entre as conclusões do capítulo sobre televisão, o meio “possui um componente social e aglutinador, já que serve como pano de fundo para conversas entre as pessoas”. Não se vê, assim como no jornalismo impresso, uma divisão muito clara de temáticas nos telejornais, assim como temos cadernos de política, cultura e economia, mas estas se diluem na programação a partir de estratégias de captação da atenção do telespectador e adequadas ao fator tempo. A superabundância de acontecimentos faz com que as empresas jornalísticas tenham uma organização diária que levará, consequentemente, a perdas e ganhos, tanto em termos de insumo de valor jornalístico, quanto de audiência. Nesta dinâmica cotidiana, há o esforço da mídia televisiva em buscar a inovação na construção de realidades e, ao mesmo tempo, da sociedade em pautar a mídia em assuntos que lhe interessam. O empreendedorismo é um desses temas e emerge das mudanças no mercado de trabalho e dos novos vetores de empregabilidade na sociedade do século XXI. Uma pauta que extrapola os limites convencionais do jornalismo econômico, permeando cada vez mais o interesse público. Certos temas são mais ou menos aparentes na mídia por força de um contra-agendamento da sociedade (MARTINS DA SILVA, 2007), seja por meio de organizações ou instituições, como é o caso aqui do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), mas também do setor privado, do terceiro setor e de movimentos gerados no seio da sociedade. Para a Paraíba, um dos estados do Nordeste que possuem um dos menores índices de desenvolvimento humano do país e com características geoclimáticas singulares, com irregularidade de chuvas, os desafios são grandes para diversificar a base produtiva. Principalmente no inte-


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

rior do estado, onde faltam políticas públicas estruturantes e permanentes de inclusão social e econômica. Neste contexto, o empreendedorismo surge como uma pauta provocada através de um concurso oficial, o Prêmio Sebrae de Jornalismo - com sete edições anuais já realizadas - cujo objetivo é ampliar o olhar da imprensa para a relevância dos pequenos negócios na economia do país e o papel do empreendedorismo na busca de um desenvolvimento sustentável. No presente artigo, iremos analisar aspectos da construção narrativa de duas séries de reportagem vencedoras em duas edições do prêmio na categoria telejornalismo, que apontam para uma quebra do padrão “economês”, recheado de números e índices. As séries “Ouro verde” e “Valores do campo”, do premiado repórter Wendell Rodrigues, valorizam aspectos sociais e humanos presentes no protagonismo de indivíduos ou grupos de pessoas com iniciativas empreendedoras no interior da Paraíba. Realidades de uma microeconomia que não surpreende pelas estatísticas, mas pelas mudanças que provocam numa dada comunidade, cidade ou região. Economia e empreendedorismo no jornalismo O jornalismo econômico, especializado em coberturas de temas relacionados à economia, teve seu auge entre as décadas de 70 e 80 no Brasil. Ambiente desenvolvimentista dos anos 50 no país moldou nos anos seguintes os discursos jornalísticos, que priorizavam a transmissão sistemática de fatos relacionados aos problemas de economia de mercado ou macroeconômicos (NASSIF, 2003). Com as transformações no mercado e nas relações de trabalho provocadas em grande parte pelos avanços tecnológicos, mas também por mudanças culturais, novas formas de organização da produção foram surgindo. A cobertura econômica e de negócios procurou se aproximar

219


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

220

do leitor comum, criando o jornalismo de serviços, voltado à cidadania econômica. Exemplo disso são as pautas sobre finanças pessoais, altas na cesta básica, do combustível, oscilações do dólar, comportamento do consumo, taxas e impostos, entre outras. Mas a economia é dinâmica e as transformações no mundo do trabalho não param e acionam comportamentos cada vez mais pró-ativos por parte dos indivíduos. Nunca houve tanto estímulo ao potencial das pessoas como sujeitos produtivos. Uma nova economia do século XXI propõe e enaltece iniciativas individuais e coletivas em dedicar-se a uma atividade produtiva em busca de autonomia e oportunidades de crescimento e melhor qualidade de vida para as atuais e as novas gerações. A economia, portanto, é um campo complexo, nem sempre fáceis de decifrar para o cidadão comum. Para Quintão (1987), o surgimento do jornalismo econômico brasileiro está intimamente relacionado à reorganização do capitalismo em nível mundial e ao desdobramento na economia brasileira a partir da década de 50. Nos anos seguintes, as grandes empresas, especialmente, as indústrias passaram a ser vistas como a solução para gerar desenvolvimento nas cidades; eram as maiores empregadoras, numa fase em que os avanços tecnológicos ainda não substituíam de forma significativa a mão-de-obra no chão de fábrica. Basile (2002) observa que foi justamente na censura do regime militar que acabou por ensejar o desenvolvimento do noticiário econômico no Brasil, já que o político ficaria abafado pela pressão que os meios de comunicação passaram a sofrer por parte dos militares. O “milagre” brasileiro tinha que ser propagado, já que o PIB crescia a uma média de 10% ao ano, mesmo que a concentração de renda aumentasse significativamente, em contrapartida. Para Kucinski (2009), uma grave disfunção afetou o jornalismo dedicado à economia, pois a maioria dos leitores e telespectadores, mes-


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

mo os instruídos, não conseguiam decodificar o noticiário econômico. Para ele, o desafio de traduzir processos econômicos em linguagem acessível não foi vencido, seja porque os processos econômicos se definem em outro plano de saber que não o do saber convencional, seja devido à sua instrumentalização ideológica crescente (KUCINSKI, 2009, p.14).

A dinâmica social e econômica trouxe para o debate público outras frentes temáticas de abordagem. Apesar de, segundo o Sebrae, 96% economia brasileira girar em torno das micro e pequenas empresas, só com as ondas crescentes de demissão nas grandes, que as pequenas unidades produtivas passaram a ser percebidas. A partir de sua capacidade de inovar e de gerar postos de trabalho, colocaram-se como chave para o desenvolvimento econômico do país. Adeptos desta perspectiva passaram a defender a figura e o ethos do “empreendedor”, neste caso identificado como o proprietário (a) de um pequeno negócio, como fundamentais para o sucesso de sua atividade (CAMPOS, 2003). Segundo Dornelas (2007), durante três anos, o psicólogo David McClelland, aplicou um estudo sobre as características empreendedoras em mais de 30 países, na década de 80. Ele identificou em média 10 características presentes nos empreendedores bem-sucedidos e sua pesquisa foi utilizada como base para programas da ONU, um deles difundido junto ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). São elas: • • •

Busca de oportunidades e iniciativa; Correr riscos calculados; Exigir qualidade e eficiência;

221


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

• • • • • • •

222

Persistência; Comprometimento; Busca de informações; Estabelecimento de metas; Planejamento e monitoramento sistemáticos; Persuasão e redes de contatos; Independência e autoconfiança.

Souza (2004) propõe a criação de uma cultura empreendedora no Brasil. Segundo o autor, o passo inicial é “oferecer oportunidade das pessoas conhecerem e compreenderem a importância dos empreendedores para o desenvolvimento econômico e bem-estar social” (SOUZA, 2004, p.17). O comportamento empreendedor, em qualquer atividade, move o indivíduo a enfrentar os desafios que encontra pela frente. A atitude reflete o exercício das liberdades individuais na sua plenitude, não ficando o cidadão à mercê apenas das políticas sociais de governos que, muitas vezes de forma eleitoreira, criam um sistema de dependência que não contribuem para um desenvolvimento sustentável a longo prazo. Em seus estudos, Sen (2000) demonstra que o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam e que o enfoque nas liberdades humanas contrasta com visões mais restritas de desenvolvimento, como as que identificam desenvolvimento com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). O desenvolvimento consiste na eliminação de privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição de agente (...) Com oportunidades sociais adequadas, os indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio e ajudar uns aos outros. Não precisam ser vistos sobretudo


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

como beneficiários passivos de engenhosos programas de desenvolvimento. (SEN, 2000, p. 9-10)

Essa nova visão de desenvolvimento vem crescendo nos últimos vinte anos e se desloca da percepção que crescimento econômico contínuo seria solução para o enfrentamento da pobreza e da desigualdade social. Entra em cena a questão da sustentabilidade. Segundo Franco (2000), essa nova concepção parte do princípio que quando se fala em desenvolvimento, trata-se de melhorar a vida das pessoas (desenvolvimento humano), de todas as pessoas (desenvolvimento social), das que estão vivas hoje das que viverão amanhã (desenvolvimento sustentável). No jornalismo, gradativamente, essas mudanças e novas percepções provocam ruptura de padrões noticiosos de caráter econômico, baseados unicamente em números, estatísticas, índices e fontes oficiais. Novos olhares vão sendo incorporados pelos jornalistas, indo além do tratamento convencional da pauta, personalizando e humanizando as coberturas e trazendo à tona histórias protagonizadas por pessoas e grupos produtivos, nem sempre conhecidos do grande público. É onde se dá uma aproximação com os princípios do jornalismo cívico e os sinais de nova cultura profissional. Jornalismo cívico e cultura profissional O movimento do jornalismo cívico, ou público, para alguns autores, tal como foi preconizado nos Estados Unidos na década de 90, traz importantes contribuições para o repensar da atuação jornalística. Traquina e Mesquita (2003) evocam o jornalista Davis Merritt, um dos fundadores do movimento, quando percebeu o descrédito em que o jornalismo estava caindo, o distanciamento do debate público legítimo e o consequente desinteresse dos cidadãos americanos. Numa sociedade de indivíduos dispersos e abarrotados com informação descontextualizada, uma vida pública efectiva precisa

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de ter uma informação relevante que é partilhada por todos e um lugar para discutir suas implicações (...) Por outro lado, se as pessoas não estão interessadas na vida pública, eles não têm qualquer necessidade dos jornalistas nem do jornalismo. (MERRIT, 1995 apud TRAQUINA, 2003, p.12)

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Não como um novo gênero ou categoria, mas como um movimento, o jornalismo cívico foi um esforço deliberado da imprensa de reinserir os cidadãos na vida pública americana, por meio do aprofundamento das matérias abordadas, uma maior interação com o público, realização de pesquisas de interesse de temas da população, entre outras iniciativas. Trazendo para a realidade brasileira, o movimento não foi aderido com tal ênfase. Na verdade, a academia incorporou os princípios aos debates científicos e os meios de comunicação passaram ao largo do movimento (TRAQUINA, 2003). Porém, muito do se tem produzido no Brasil se identifica com os princípios do jornalismo cívico e é protagonizado pelas emissoras públicas de televisão, entre elas, a TV Cultura de São Paulo e a TV Brasil. O crescimento das tevês públicas nos estados também favoreceu essa amplitude de coberturas de temas como cidadania, saúde, cultura e economia. Na Paraíba, as TVs Cidade (Prefeitura de João Pessoa), Câmara, Assembléia e UFPB contribuem com essa diversidade. As tevês privadas, sejam em canal fechado, como o Futura, ou os canais abertos da própria Globo, possuem programas temáticos, como cidadania (Globo Ação), meio ambiente (Globo Ecologia) e empreendedorismo (Pequenas empresas, grandes negócios). Estas iniciativas apresentam um padrão de reportagem que se distancia dos limites impostos às pautas factuais, entre eles, os valores-notícia predominantes no jornalismo cotidiano, só para citar os mais comuns: atualidade, proximidade, impacto, dramaticidade (SILVA, 2004).


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Para Wolf (2006) os valores-notícia derivam de pressupostos implícitos ou de considerações relativas às características substantivas das notícias, ao seu conteúdo; à disponibilidade do material e aos critérios relativos ao produtivo informativo; ao público e; à concorrência. O jornalismo cívico também se aproxima do jornalismo investigativo e do jornalismo comunitário. Segundo Traquina (2003), os fins estabelecidos das suas técnicas de reportagem são semelhantes, pois teriam origem na teoria da responsabilidade social, que flexibiliza a anulação do sujeito produtor da notícia (objetividade, isenção, imparcialidade, impessoalidade) e promove um jornalista ativo socialmente e defensor da cidadania, que intervém na realidade com os instrumentos que dispõe para exercer o seu profissionalismo. O pesquisador da UNB, Robson Dias, observa O intuito é de reformar os valores-notícia e ampliar a atuação do repórter (sujeito) não em função de um mercado (empresário de comunicação e público consumidor/leitor), mas em termos de cidadania (instituições e cidadão), principalmente no que evoca o direito de ser informado e o dever do Jornalismo (e das instituições) de informar ao cidadão: itens importantes da vida pública e do interesse público. (DIAS, 2013. p. 418)

Ele observa que, no caso brasileiro, o jornalismo cívico se instalou tanto nas redações quanto nas assessorias. Autor de vários artigos e pesquisas sobre prêmios e meritocracia jornalística, Dias (2013) aponta para a emergência de um novo ethos na conduta profissional do jornalista brasileiro a partir da concessão de mecanismos meritocráticos, como prêmios e certificações, que culmina em uma nova ideia do que é ser jornalista. E tal fato pode ter influência sobre a notícia, o processo de produção da notícia, os valores profissionais e os valores organizacionais. Os prêmios jornalísticos surgem como mecanismos de alcance da cultura profissional, promovendo um reconhecimento extra-organiza-

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cional do que seria o “bom jornalismo”. Essa cultura pode ser entendida como uma complexa rede de códigos, representações, técnicas, comportamentos, influenciados pelos padrões de produção estabelecidos pelo mercado. Neste caso, os prêmios funcionam como dispositivos que provocam o modo de pensar dos jornalistas, em meio às suas rotinas produtivas. Dentro do cotidiano de produção da notícia de cada profissional, existem as rotinas cognitivas: percepções que o jornalista tem da realidade, podendo, posteriormente, favorecer a avaliação do que é noticioso, além do fato das rotinas produtivas estarem confinadas nos limites cognitivos da racionalidade. (SOLOSKI, apud TRAQUINA, 1993, p. 93)

Neste contexto, existe uma tentativa das assessorias das organizações promotoras de prêmios alcançarem a base cognitiva do profissional, estimulá-los a produzir uma reportagem acerca de um determinado tema com maior afinco e, a partir do reconhecimento externo, propagar práticas exemplares para o mercado.

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“Ouro Verde” e “Valores do campo”: análise de duas séries As séries de reportagem “Ouro Verde” e “Valores do Campo”, escolhidas para este breve estudo, foram veiculadas na TV Correio, afiliada da Rede Record na Paraíba e conquistaram o primeiro e segundo lugar, na categoria Telejornalismo, nas edições 2012 e 2014, respectivamente. São duas séries temáticas sobre empreendedorismo rural, com cinco matérias cada uma, exibidas em programas jornalísticos da rede, que contextualizam a importância da agricultura para a economia do estado e do Nordeste, a partir de histórias de vida de indivíduos e grupos que, apesar das adversidades, conseguem viver do campo, gerar renda e empreender de modo sustentável.


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Pelo formato e brevidade do artigo, faremos uma leitura a partir dos princípios da análise de conteúdo, metodologia escolhida pela sua característica híbrida, que tanto reúne elementos quantitativos como qualitativos (HERSCOVITZ, 2008). Na definição da autora, Método de pesquisa que recolhe e analisa textos, sons, símbolos e imagens impressas, gravadas ou veiculadas em forma eletrônica ou digital encontrados na mídia a partir de uma amostra aleatória ou não dos objetos estudados, com o objetivo de fazer inferências sobre seus conteúdos e formatos. (Herscovitz, 2008, p.126)

Este pretende ser um estudo exploratório preliminar de um corpus maior de pesquisa, que deverá se configurar na dissertação “O empreendedorismo no telejornalismo paraibano: uma análise de reportagens vencedoras do Prêmio Sebrae de Jornalismo – etapa Paraíba”. Nas várias edições do prêmio, foram inscritas tanto reportagens isoladas como séries de reportagem e a escolha das duas séries supracitadas deu-se pelo fato de serem as únicas séries temáticas sobre empreendedorismo rural, o que favorecia uma análise mais qualitativa pela semelhança de formato e tema, que será detalhada nos tópicos a seguir: 1. Títulos: Ambas procuram enaltecer a agricultura como uma atividade muito relevante para a economia da Paraíba, do Nordeste e do país. O primeiro “Ouro Verde”, inclusive, é esclarecido numa reportagem especial da série, dedicada a contar os bastidores da produção, o modus operandi da equipe e coube ao editor explicar o porquê da escolha do título sugestivo. No caso de “Valores do campo”, a centralidade nas histórias dos personagens exemplifica como se dá o empreendedorismo e correlaciona a vida e o trabalho dessas pessoas; 2. Análises de textos: Todas as dez reportagens – exceto a que conta os bastidores da produção – foram gravadas no interior da

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Paraíba, em regiões e municípios distintos, procurando dar uma diversidade tanto de perfis individuais quanto grupais, quanto de gêneros e de atividades desenvolvidas no campo, que apesar da maioria ser diretamente relacionada à agricultura, algumas delas fazem referência a artesãs e turismo rural (Bananeiras, Pitimbu e Boqueirão);

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As narrativas procuram levar o telespectador a compreender a realidade vivida pelo personagem, os obstáculos que a própria via ou a atividade de trabalho impôs e também incluem fontes oficiais de órgãos como universidades, Federação da Agricultura, Emater, Sebrae, Banco do Nordeste, que validam dados e apresentam perspectivas para o setor. Empreender é associado ao movimento de identificar oportunidades, superar as dificuldades e inovar. Em alguns casos, de forma coletiva, como em cooperativas. Importante destacar que certas palavras, como OPORTUNIDADE, SUPERAÇÃO E CRIATIVIDADE são recorrentes nas reportagens, sejam expressas pelo repórter ou pelos entrevistados e denotam o esforço em associar o empreendedorismo à práticas e atitudes que fazem diferença, positivamente, na vida de cada um, mesmo vivendo em condições adversas, enfrentando secas ou momentos de fracasso na vida. Abaixo, trechos das aberturas das séries pelo repórter Wendell Rodrigues: “O segmento rural deixou de ser sinônimo de pobreza e passou a ser um celeiro de histórias de sucesso” (Série Ouro Verde). “Para muitos brasileiros, o interior do Nordeste ainda é sinônimo de representação do atraso. É uma visão distorcida, antiga e errada (...) Existem muitas histórias de superação e empreendedorismo”. (Série Valores do Campo)


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E os personagens, pouco a pouco, vão revelando situações vividas que se encaixam no perfil das 10 características empreendedoras citadas anteriormente. “Eu estou muito satisfeito de ter chegado onde cheguei. Mas minha meta é crescer: quero vender para outros Estados” (Seu Nildo, empreendedor de mudas de plantas, Alagoa Grande). “Somos veteranas aqui. O pessoal desistiu, mas nós continuamos” (Célia, artesã de palha da bananeira, Bananeiras)

3. Análises de imagens: Os recursos utilizados pela equipe valorizam entrevistas ao ar livre, com o repórter e os personagens principais em movimento, com exceção das fontes oficiais. Envelhecimento da imagem, presença de infográficos e de videografismos são outras inovações que ajudam a abordar os indicadores do setor de forma leve e como informações referenciais importantes para o contexto, tais como “Agricultura representa 22% do PIB em 2013”; “No Nordeste, a agricultura familiar responde por 82% da mão-de-obra empregada”; 70% dos alimentos vêm da agricultura familiar”. Conclusões O presente artigo procurou estabelecer algumas conexões teóricas entre jornalismo econômico e cívico, empreendedorismo e profissionalismo, tendo como corpus de estudo duas séries de televisão veiculadas na emissora TV Correio, na Paraíba (afiliada Record) e reconhecidas publicamente pelo Prêmio Sebrae de Jornalismo. A partir de uma preliminar análise de conteúdo exploratória, a intenção era identificar sinais de mudanças na práxis jornalística, que apontam para os princípios do jornalismo cívico, pautado por valoresnotícia convergentes com o interesse público.

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Esta práxis tem contribuído para a formação de um novo ethos na conduta profissional, que supera as limitações impostas pelas rotinas produtivas, entre elas o tempo, as condições de trabalho e o impasse entre o factual e a notícia de abordagem aprofundada. Além disso, os prêmios de jornalismo têm se configurado como um sistema paralelo de recompensa profissional que alcança os limites cognitivos identificados por Traquina (2003), mirando ampliar a visão dos jornalistas acerca da realidade. Por hora, o artigo contribui com essa reflexão, muito embora um estudo mais aprofundado possa correlacionar e problematizar melhor os aspectos que suscitaram este trabalho. Referências BASILE, Sidnei. Elementos de Jornalismo Econômico: a sociedade bem informada é uma sociedade melhor. Rio de Janeiro: Campus, 2002.

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Sonoridades e Visualidades na disputa de território entre EUA e OKD

Carlos Edmário Nunes ALVES

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Resumo: Faz parte do cotidiano jornalístico do Estado da Paraíba materializar as cenas de violência, principalmente o que acontece nos bairros periféricos da grande João Pessoa. Os programas policialescos do meio-dia exibem cenas diárias de assassinatos e conflitos entre os traficantes e a polícia, mas por outro lado, ainda há o conflito de facções rivais, para exercer um domínio no mesmo bairro. Os muros deixam o aviso, de um lado EUA e do outro a OKD. Essas duas facções se denominam com nomes de outros dois países também em conflito entre o Estado e o Terrorismo, com uma diferença: a música também embala a disputa de território na grande João Pessoa. O Bonde da Okaida, relacionando-se com o Funk, produz músicas sobre o cotidiano da periferia e da facção que comanda o tráfico de drogas. Palavras-chave: Comunicação. Picho. Música. Violência. Espaços Urbanos.

Introdução Se vocês fecha com Bush, nós fecha com o Bin Laden. Pra cela quatro vou pedindo liberdade. Se vocês fecha com Bush, nós fecha com o Saddan. Bonde OKD é tipo Talibã. (Bonde da Okaida)

Em 2011, o Governo Norte-Americano confirma a morte do terrorista mais procurado do mundo, o Osama bin Laden. Desde os atentados de 11 setembro de 2001 as autoridades internacionais passaram a investir em grandes estratégias para não serem alvos de acontecimentos que atentem contra os cidadãos e as cidadãs dos seus país – do primeiro mundo, claro. Essa é apenas uma parte para o entendimento da nossa discussão, pois não só de terrorismo vive o primeiro - como são classifi


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cados os blocos de países mundialmente, mas também as minúsculas e grandes cidades do Estado da Paraíba. Esse poderia ser o término de uma perseguição infindável dos órgãos internacionais de combate ao terrorismo, principalmente para os norte-americanos que, devido aos seus envolvimentos em inúmeros conflitos no Oriente Médio, recebem e sofrem ameaças constantes de grupos extremistas. Essa disputa desembarca em pouco tempo para outro território que nada tem a ver com os conflitos de ordem internacional. Basta zapear por alguns canais de televisão ao meio-dia para observar que a Grande João Pessoa, na Paraíba, vive cotidianamente o crescimento da violência ocorrida, em sua maioria, devido ao tráfico de drogas. O conflito não gira somente no entorno do Estado (polícias) e as facções criminosas, mas também entre as facções que buscam expandir seus territórios em busca de mais mercado para venda e compra de drogas. O propósito deste trabalho é identificar pontos de intersercção para demonstrarmos a utilização de meios comunicativos na disputa de território por facções rivais da Grande João Pessoa. Essa disputa por espaços, principalmente na periferia, ganhou outros nomes e outras proporções – duas facções fazem parte do cotidiano jornalístico do Estado da Paraíba: a OKAIDA e os EUA. É importante delinear um ponto essencial: ao buscar as notícias sobre as facções, notamos que uma é mais discriminada pelos programas jornalísticos; a Okaida aparece em todos os noticiários e manchetes de jornais impressos e digitais, além dos televisivos. O nosso trabalho segue uma linha de campo que deságua na duplicidade de conflitos - de um lado o Estado e do outro o Terrorismo, o Estado (através da polícia) e as facções, as facções e seus desmembramentos para os conflitos entre si. Todos esses grandes conflitos são, na sua maioria, mediados pelos grandes meios de comunicação internacional e nacional. Já os conflitos e acontecimentos da Grande João Pessoa

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são exibidos pelas emissoras regionais, a maior parte dos meios ainda televisiona prisões, mortes, assaltos e fazem um verdadeiro show de horrores. Não vamos nos debruçar sobre os conflitos da macro política e do terrorismo internacional, queremos apenas abrir um parênteses sobre a midiatização dos conflitos e como os meios passam a ser também as armas nesse processo. No início do nosso texto mencionamos o trecho de uma das músicas do Bonde da Okaida, que utiliza o funk para fazer referências à facção. Aqui já encontramos o primeiro dilema do nosso trabalho – é preciso ter um lado e, no mundo do crime, ficar no muro não é aceito. Para além da música que poucos ouvem nos grandes meios de radiodifusão encontramos também outra chave do conflito – os muros dos bairros são criptografados com mensagens que denominam o pertencimento do local. Usamos o termo criptografia para mostrar que apesar da cidade conhecer o conflito e suas facções, os sujeitos mais distantes dessa realidade não possuem muito conhecimento acerca dos acontecimentos, a não ser pelos meios televisivos, que criam jargões preconteituosos sobre a periferia como um todo. Juntando essas peças, outros pontos surgirão no decorrer deste trabalho, nos ajudando a identificar a construção imagética e sonora dos campos de disputa territorial, da simbologia midiática e dos discursos jornalísticos. Usamos a Cultura da Mídia (KELLNER, 2012) para entender os usos de materias midiáticos pelas facções para disseminar seu poder e demarcar território nessa geografia urbana que se entrelaça às ideias de um conflito e nos faz pensar os novos modos da violência urbana que operam nos campos de disputa através de performances, sonoridades e ambiências periféricas. A visualidade do picho na geografia urbana e seus desdobramentos simbólicos


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Quando andamos pelas ruas da periferia da Grande João Pessoa, na Paraíba, encontramos algo além da pichação e do grafite nos muros. Atualmente, toda a periferia das cidades demonstram que a divisão geográfica ganhou outros formatos e se divide além dos muros – dentro e fora, público e privado. A divisão territorial faz parte do mapa de atuação das facções que dominam grande parte de bairros periféricos. Com um simples passeio notamos a pichação com três letras básicas para fazer relação e comunicar que o espaço já foi conquistado e tem dono – a OKD de um lado e os EUA do outro. Embora as facções não tenham esse entendimento da utilização de meios visuais como potencial para avançar no qualitativo de membros, a nossa compreensão é de que a comunicação utilizada é meramente uma demarcação quantitativa, mas não uma simples localização, pois ela é utilizada de forma violenta e autoritária em muitos bairros. É de se refletir como a população faz para conviver com esse direito de ir e vir confiscado pelo tráfico, que os obriga a conviver com linhas imaginárias, muros que não se deixam ultrapassar sequer pela dúvida e muito menos pelo envolvimento com o tráfico. Sabemos que em conflitos muitas famílias são obrigadas a se deslocar e procurar outros abrigos longe de seu convívio natural, pois o adentramento dos seus filhos no sistema começa muito cedo e caso não cumpram com o seu papel dentro do tráfico a única coisa que lhes resta é estarem sentenciados. Achar que uma simples pichação não requer outros entendimentos e ressignificações é algo muito construído e disseminado naturalmente pelos meios televisivos paraibanos. A simbologia do picho no muro vai muito além dos julgamentos jornalistícos e adentra numa problemática política e midiática – parte da música deixa claro que “Bonde OKD é tipo Talibã”. Com algumas diferenças: para ser membro do grupo nacio-

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nalista islâmico um dos requisitos é a aparência facial, é obrigação dos homens usarem barbas longas. A população já introjetou certas formas de ver esses casos como algo meramente banal e culpabilizador, mas também já introjetou uma tipificação de aparência que não condiz com o Movimento Talibã. A aparência criada para os membros de qualquer facção daqui é denominada por uma imagem simbólica e conhecida como “Môfi”, um jargão constituído a partir da imagem de um jornalista que faz matérias para uma dos jornais sensacionalistas do meio-dia da TV Correio, chamado Emerson Machado, mais conhecido como Emerson “Môfi”. Em muitos momentos de sua aparição no programa, Emerson sempre se auto taxava dessa gíria para explicitar de quem e com quem estava falando, com o tempo até mesmo seus colegas de profissão passaram a usar essa referência não só com o jornalista, o jargão passou a surtir mais efeitos nos suspeitos de crimes que tinham suas imagens jogadas cotidianamente para os telespectadores do Programa Correio Verdade, apresentado por Samuka Duarte. Essa iconicidade feita no programa ficou tão forte e criou uma identificação com o meio, que muitos suspeitos se negavam a ser entrevistados ou ter sua imagem publicizada em outro programa televisivo do meio-dia. O protagonismo enquanto membro da facção ganhou outros imaginários e nosso entendimento é de que a mídia paraibana tem forte influência em muitos casos de violência que são cometidos a partir de agora, além do tráfico de drogas, pelo desejo de aparição num programa policial, isso nos faz pensar que “os símbolos são do mundo humano dos sentidos” (TOUTAIN, 2010). O quadro de disputa se tornou tão simbólico no campo midiático que no canal de televisão específico – a TV Correio, muitos suspeitos são tratados com certo julgamento moral sobre sua personalidade. O jornalismo do meio-dia foi capaz de fazer uma tipificação dos jovens que são


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detidos e quando entrevistados pelo principal repórter da TV acima citada são chamados de “Môfis”. Essa é a categoria construída pela mídia no campo da representação e duas figuras são importantes para esclarecermos a construção social desse termo. Abaixo os dois recortes imagéticos de uma forma identitária dos “Môfis”.

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Figura 1: Como reconhecer um Môfi.

Figura 2: Môfi - reconheça um e faça carreira.

As páginas ainda existem apesar de não serem atualizadas por seus moderadores, e nos leva a notar que existe um certo poder de construção identitário cheio de simbolismos que muias vezes são propagados erroneamente, demonstrando as formas preconceituosas de ver o Outro a partir de suas aparências. Como complemento da figura 1, é feito o comentário “E se vc fizer uma simples pergunta tipo: Como foi o seu dia? Ele responderá: - Eu não fiz nada, sou inocente!” , que corresponde aos discursos proferidos pelos suspeitos quando detidos pela polícia e entrevistados pelos jornalistas, deixando claro que a mídia tem um papel construidor de discursos.


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Apesar das duas figuras mencionarem um personagem que tem ligação com ambas facções, podemos encontrar diferenças discursivas na construção do perfil do “Môfi”. A figura 1 tem uma característica de algo mais elaborado, uma ilustração feita por alguém profissional, e a figura 2 usa a imagem de alguém que se assemelha à realidade, podendo ser encontrada como perfil da rede social Facebook intitulada “Môfi no Face”. A ordem dos discursos também percorre outros imaginários e forma o Kellner (2001) chama de alegorias sociais, nos fazendo pensar que essas formas subjetivas adentram e se assemelham com igualdade para a cultura do oriente médio, encontram-se nos formatos imagéticos do Outro pautado por um preconceito – as formas de se vestir, os hábitos, as aparências, os gostos, enfim, tudo o que a mídia internacional coloca como estranho, a mídia paraibana e a mídia pós-massiva transmite a partir de uma formação deturpada de uma cultura. Com isso, notamos que a divisão de muros mostra o formato de comunicação visual usado como identificação das facções e do avanço do tráfico de drogas em diversas áreas da Grande João Pessoa. Embora também demonstre uma construção imagética feita pelos meios massivos e pós-massivos de comunicação, erguendo muros sociais relacionados a uma cultura periférica de meninos e meninas a partir de caricaturas imagéticas e discursivas. A Sonoridade do “Bonde” no espaço urbano É preciso fazer algumas interseções midiáticas para mostrar a utilização de artifícios comunicativos usados pelas facções para alcançar e promover a disputa por legitimidade, poder e territórios. Um dos canais mais comunicativos que atinge de forma horizontal e direta a população periférica é a música, nesse caso específico a música Funk que é usada pelo Bonde da Okaida para disseminar no cotidiano os acontecimentos


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dentro e fora dos presídios. Queremos mostrar que esse cotidiano agora é sonorizado e formatado para atingir os lugares de posicionamentos, deixando claro que esse Bonde está fora do Mainstream (MARTEL, 2012) da indústria musical, das paradas de sucesso e de qualquer tipo de prêmio televisivo. Muito além dos sons que fazem parte do cotidiano periférico nas grandes cidades brasileiras, um dos mais fortes na consciência de quem vive na favela, com toda certeza, é o som dos tiros que marcam o conflito entre traficantes e policiais. Agora, outros sons também são incorporados nesse conflito – as melodias da música Funk estão presentes nos ônibus, nas escolas, nos espaços de convivência; inclusive muitos adolescentes são consumidores desse tipo de som na Grande João Pessoa. Para além do som dos disparos no conflito entre Estado e facções, a música é disseminada como barulho ideológico e sombólico. Um ponto: não encontramos nenhum indício de que há algo musical relacionado à facção EUA, assim como matérias que fazem mencionamentos da atuação dessa mesma facção na Grande João Pessoa. Parecenos que a disputa é tão acirrada e a facção Okaida tem um certo domínio dos espaços urbanos periféricos ou os meios dão total visibilidade aos atos violentos dessa facção unicamente. Nessa disputa por espaços urbanos entre a OKD versus os EUA, rende nas letras das canções o entedimento de que é preciso ter um lado e como se demonstra nesse trecho: “Sou fiel, sou braço forte. Sou cria, eu não me engano. Ao contrário de vocês que quer ser os ‘Americano’. Vou mandar o papo reto só pra quem é envolvido. Nós fecha com o certo, corra dos Estados Unidos”. O Bonde da Okaida, pelo que podemos analisar na música “Okaida Paraíba” acima citada, surgiu no sistema prisional e faz muitas referências à cela quatro, mostrando que essa canção serve de localização na disputa de poder. Além dos muros pichados como espaços conquistados ou demarcados, a música também demarca as duzentas e doze mil, tre-

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zentos e quarenta e seis visualizações no canal de compartilhamento de vídeos YouTube, além estar aberto a comentários e pertencer a Okaida Torre. Com isso, é provável que, mesmo sem entendimentos de que a música surte efeitos ideológicos, o Bonde tem uma propriedade em fazer contruções melódicas como forma de consumo e comunicação internos. A canção é um ponto de referência e identificação de quem são os avatares que constituem o Bonde, usando uma forma de comunicação alternativa por meio de aparatos tecnológicos o Bonde da Okaida conquista comsumidores em diversos espaços e mostra que os meios tecnológicos de comunicação não seriam apenas veículos e sim produtores de sentido da realidade social (BARRETO, 2013, p. 40). E a realidade posta pelas letras encontradas nas canções do Bonde dão conta de que o cotidiano nos espaços carcerários do Estado da Paraíba estão esgotados e não conseguem atingir meios de conteção, eles passam do cerco de controle do Estado para os espaços urbanos – diga-se, principlamente as periferias.

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Fugura 3: mapa de atuação das facções na cidade de João Pessoa, PB


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A música funk é uma evidencia essa realidade em forma de canções que movimentam o corpo e o imaginário coletivo da periferia. Nas figuras acima citadas como construtos de subjetividades do que seriam os “Môfis” no imaginário social podemos notar um certo tipo de performance desenvolvida pelos mesmos, que desencadeiam em formas de ocupar um lugar na sociedade de controle de padrões estéticos. Todo o universo performático dos “Môfis”, ao nosso olhar, passa pelas formas de se vestir com seus shorts, seus calçados, seus bonés, suas correntes, como também o movimento corporal ao locomover-se, os aparelhos tecnológicos usados para ouvir o som do Bonde. Enfim, são os hábitos sociais muitas vezes negados por quem acredita que somente é legítimo aquilo que a classe média alta transforma em identidade. A performance dos “Môfis” também é uma categorização em meio a esse processo de composição do meio midiático – os shorts, os bonés, as sandálias, as blusas. Não estamos concordando com as figuras esteriotipadas desenvolvidas nas imagens acima, queremos identificar pontos performáticos e reprodutores da vida na periferia em consonância com os espaços privilegiados que também fazem uso dos mesmos objetos, com uma diferença: eles são originais. A música Funk já sofre um enorme preconceito por ser da favela e usar uma linguagem de baixo calão nas suas canções. Por outro lado, foi o Funk que conseguiu dar sonoridade e visibilidade aos problemas enfrentados pela periferia diariamente. Notamos uma negação também do Bonde da Okaida – “você ouve isso?”, embora buscamos entender que os ouvidos aguçados também são disputas, são classes e que essa música periférica que sempre é negada, principalmente o Bonde OKD, pode ser uma forma de legitimação, mesmo que seja violenta. Usando uma forma alternativa de comunicação, o Bonde da Okaida revela de onde surge a música melódica que ambala as disputas entre facções com seus sons direcionados para os inimigos no mundo do trá-

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fico. O espetáculo da violência urbana televisionado pelos meios massivos de comunicação também servem para compreendermos os espaços excludentes da sociedade. Afinal, a cidade sempre se dividiu entre pobres e ricos, negros e brancos, carros e pedestres, praia e centro. Agora sabemos que a cidade se divide de outra forma, além das já existentes, ela se extende para a disputa no tráfico de drogas, que culminou com um aumento na taxa de violência e morte entre jovens no Estado da Paraíba. Na disputa por poder através dos medias a música nos localiza pra divisão do bonde por movimentos independentes, embora agregados na mesma facção. Em alguns trechos da canção “Okaida Paraíba” notamos que até nas placas territoriais e nos espaços carcerários a comparação com outros movimentos extremistas do Oriente Médio são postos ideologicamente. O Estado Islâmico é citado em alguns trechos da canção que faz referências ao Talibã - “A Okaida é talibã. A cela quatro é talibã”. Assim como, a demonstração de que as facções dominam os espaços de encarceramento presidiário cantando “Eita, que cela cinistra! É só moleque perverso” ou “Nós aqui de fora, amigo, espera a liberdade pro nossos irmãozim que tá sofrendo atrás das grade”, e ainda “Essa aqui vai pros amigos que foram transferidos”. A escolha unicamente dessa canção como base para analisar e identificar as sonoridades simbólicas contidas nesse meio não foi inpensadamente, pois em muitos dos seus trechos melódicos notamos o poder do conflito e suas consequências para uma teia de espaços, de sujeitos e de grupos sociais. Essa construção esteriotipada dos “Môfis” não chega sequer ao maior problema da questão do conflito: a divisão de muros num mesmo bairro de uma cidade não é vista como algo de responsabilidades importantes e as consequências dessa abstenção está causando danos significativos para toda a sociedade. Não é de se espantar que uma canção afirme, enquanto meio comunicativo, que “É a Okaida o terror dessa cidade”.


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O que o Estado não vê o telespectador não sente Neste trabalho, o termo periferia parece se distanciar dos espaços privilegiados criados pelo capitalismo, embora essa disputa também nos faça observar que ela sempre existiu do lado mais elitizado da cidade – a disputa por locais mais desenvolvidos e considerados lugares para se viver, locais que “passam pelo crivo” de quem tem mais dinheiro para pagar por uma bela vista, para ter mais segurança e ter como vislumbrar que mora em “Manaíra”, “Tambaú” e em um dos metros quadrados mais caros do país, o bairro do Cabo Branco. Essa “produção capitalista do espaço” como nos lembra David Harvey (2006), é também parte da nova colonização dos bairros praieiros e a cada metro quadrado valorizado pelo capital também surge escoamentos de realidades sociais opostas que se fincam na “desorganização” e no contraste social urbanístico. Não acreditamos nas “invasões” postas pelos discursos dos meios midiáticos, quando elas também são feitas pelo capitalismo em áreas que já possuem comunidades inseridas e habitadas. A cidade de João Pessoa ganhou, como muitas outras cidades brasileiras, grandes investimentos na área de habiatação e mobilidade urbana. As áreas mais ricas da cidade sofreram impactos desordenados e enormes construções de prédios invadiram a orla pessoense, que até então não era tão valorizada, mas já tinha um “ar” de local privilegiado. Como é sabido, as áreas mais funeráveis desse ecossitema capitalista são expulsas quando a invasão imobiliária avança com seu poder financeiro perante o Estado. Esse resumo rápido nos permite compreender que o Estado se omite em diversos pontos e áreas da sociedade, ele não é atuante e muito menos justo. O tráfico nota essa omissão e nessa fragilidade periférica toma para si o discurso de que ele “dá sustento e atua socialmente dentro das áreas em que domina”. Queremos evidenciar que as disputas do trá-

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fico já chegou em setores que ainda são de uma das maiores responsabilidades do Estado – a Educação. Para ilustrar os nossos pensamentos temos como exemplo um simples erro de grafia que traduzem os acontecimentos, embora não levem os leitores a entender que o que estar em jogo é a geração de outras significações. Ainda em 2011, quando a morte do terrorista Osama bin Laden ganhava as manchetes dos jornais em todo o mundo, o cantor Latino posta em seu microblog no Twitter que “quando se mata um líder da Okaida [?], acredito que desequilibra todos os outros. A CIA americana confirmou a execução. Enfim, superamos a ficção!”. Em pouco tempo sua grafia e sua alfabetização já seria motivo de piada e outros questionamentos a seu respeito. De forma simples e direta, o cantor lança outra postagem em que resolve assumir que de fato não teve condições de concluir e até mesmo chegar a estudar, diz ele: “esqueci de falar. Não estudei mesmo! Era muito pobre e minha família não tinha dinheiro pra pagar estudos. Da próxima eu consulto o Google, beleza? rs” . A ortografia no Estado da Paraíba também não está nos moldes desejados e as escolas evidenciam diariamente uma realidade que não estão apenas no campo simbólico dos muros e das músicas. A disputa do tráfico adentrou nos espaços educativos da Grande João Pessoa e mostra uma realidade cruel que, em momentos atua como função de expulsão de quem não pertence ao grupo e, por outro lado, aumenta o número de adolescentes que abandonam os espaços educativos para seguir o Bonde e o tráfico – como pertencimento de qualquer uma das facções. Abaixo temos um trecho de uma das matérias que encontramos sobre esse conflito do tráfico de drogas entre facções e a sua chegada no ambiente escolar, aqui podemos notar especificamente o agenciamento dos jovens.


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“Como eu faço o acompanhamento deles, eu preciso saber se eles estão na escola. Mas, eles dizem assim: ‘como é que eu vou estudar se eu faço parte de uma facção e quem domina é a outra facção e eu não posso entrar na escola? Se eu for para a escola, serei assassinado’. Então, eu tenho esses casos com adolescentes que moram em Mandacaru, Valentina, Mangabeira, Rangel e as escolas sabem, a Secretaria de Educação sabe e precisamos fazer alguma coisa. Ou o tráfico vai controlar as escolas?” .

O que importa para nós é notar um desequilíbrio que afeta não só o cantor Latino, mas muitos jovens das periferias brasileiras que estão fora do ambiente escolar e, ao mesmo tempo, fora de muitas outras políticas públicas do Estado. Essa é uma das dualidades para compreender esse trabalho. E mesmo errado na sua grafia, o cantor adentra numa problemática que de uns tempos pra cá está afetando a vida pacata da Grande João Pessoa, o crescimento de facções e seus desdobramentos nos níveis de violência.

Considerações Em nossa pesquisa, procuramos encontrar acontecimentos e ocorrências policiais na periferia, ou mesmo no Estado da Paraíba, e notamos um ponto discriminatório que nos levou a observar que somente uma facção é delatada pelos meios jornalistícos paraibanos. A facção Okaida está praticamente em todas as manchetes diárias da mídia, basta dar uma olhada em muitos sites de notícias e constatar que todas textos jornalísticos fazem referências à facção que parece ser a mais produtora de violência no Estado e na Grande João Pessoa. O nosso objetivo não é, em momento algum, fazer referências ou exaltar o crime organizado entre facções, mas analisar o uso de meios massivos e pós-massivos de comunicação para travar um conflito e conquistar espaços urbanos. Compreendendo também o papel da mídia te-

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levisiva na construção de símbolos e estereótipos cada vez mais fortes, estabelecendo uma modelo de estigmatização social e criando as fobias de uma cidade. Como é necessário entender o imaginário do terror internacional na macropolítica e como ele conseguiu adentrar na periferia da Grande João Pessoa, espalhando-se para o Estado da Paraíba, nos mostrando que a disputa agora é na micropolítica, na qual facções rivais fazem os campos de atuação na disputa por territórios através das sonoridades e imagens representativas de violência. Referências

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AL-QAEDA x EUA: entenda como funciona a criminalidade em JP. Disponível em: http://www.pbagora.com.br/conteudo.php?id=20120514071124&cat=policial&keys=alqaeda-x-eua-entenda-como-funciona-criminalidade-jp. Acesso em: 03 abr. 2016. BARRETO, Virgínia Sá. Comunidades Simbólicas: identificação imaginária, pactos e vínculos em telejornalismo. João Pessoa: Editora da UFPB, 2013. CHEFE da Okaida explica guerra com o PCC na Paraíba; facção já teria dominado vários estados. Disponível em: http://www.paraiba.com.br/2013/11/14/95432chefe-da-okaida-explica-guerra-com-o-pcc-na-paraiba-e-matar-ou-morrer. Acesso em: 03 abr. 2016. COMO reconhecer um Môfi. Disponível em: http://limaounada.blogspot.com. br/2013/02/como-reconhecer-um-mofi.html. Acesso em: 01 abr. 2016. FACÇÕES ‘EUA” e ‘Okaida’ dominam escolas de JP. Disponível em: http://www. jornaldaparaiba.com.br/cidades/noticia/126196_faccoes-eua-e-okaida-dominam -escolas-de-jp. Acesso em: 03 abr. 2016. FACÇÕES usam redes sociais para recrutar criminosos e anunciam mortes de rivais em Facebook. Disponível em: http://portalcorreio.uol.com.br/noticias/policia/ policia-militar/2013/07/02/NWS,226117,8,160,NOTICIAS,2190-FACCOES-USAM -REDES-SOCIAIS-RECRUTAR-CRIMINOSOS-ANUNCIAM-MORTES-RIVAISFACEBOOK.aspx. Acesso em: 03 abr. 2016.


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CULTURA URBANA NA CIDADE CONTEMPORÂNEA: Estilos de vida em João Pessoa Andréa Karinne Albuquerque MAIA

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Resumo: Este artigo é parte de uma pesquisa que se encontra em andamento, tendo como objetivo discutir a presença de alguns estilos de vida na cidade de João Pessoa, capital paraibana, sob a ótica da cultura urbana e da mídia. A pesquisa bibliográfica tangente à temática é imprescindível para uma melhor compreensão do fenômeno analisado. Assim, a pesquisa lança mão dos constructos teóricos a respeito da cultura urbana, estilos de vida na cidade contemporânea e a mídia como disseminador de consumo relacionados a estilos de vida. Por se tratar de um estudo em fase inicial, por meio da observação foram identificados alguns estilos de vida que expressam a conjuntura atual das cidades brasileiras, que possuem características similares às cidades globais, em virtude da globalização da cultura. Palavras-Chave: Estilo de vida. Consumo. Mídia

Introdução Na contemporaneidade, a cidade é marcada pela fragmentação e tensão entre os diversos atores sociais. O espaço urbano não é homogêneo, a cidade abriga várias “cidades”, com características que reforçam as diferenças expressas pelas escolhas de consumo e utilização dos espaços públicos. Nesse contexto, surgem alguns estilos de vida que são sintomáticos de um mundo cada vez mais globalizado. Na cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, a realidade não é diferente, os estilos de vida recentes constroem um espaço urbano diver-


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sificado. Os indivíduos buscam adotar um modo de vida necessário para o alcance dos seus objetivos individuais e/ou coletivos. Por um lado, reforçam a sua individualidade, por outro, buscam se inserir nos grupos sociais que possuem escolhas e interesses em comum. Breve reflexão histórica sobre o urbano A necessidade de pensar e produzir ideias sobre o presente impulsionou pesquisadores ao longo dos anos, a observar as transformações em processo de instauração e desenvolvimento no contexto urbano. Nesse sentido, a compreensão dos fenômenos que emergem da cidade contemporânea, como os estilos de vida urbanos, exige um mergulho na dimensão do presente, bem como, um aprofundamento teórico na sociologia urbana, em busca da atualização de alguns conceitos, necessários para a apreensão da realidade social. Apesar do surgimento da cidade ser anterior ao processo de industrialização, as configurações das cidades da antiguidade, sofreram enormes mudanças quando comparadas às cidades industriais. Henri Lefebvre (2001) adota o processo de industrialização como ponto de partida para a análise da problemática urbana:

Se distinguimos o indutor e o induzido, pode-se dizer que o processo de industrialização é indutor e que se pode contar entre os induzidos os problemas relativos ao crescimento e à planificação, as questões referentes à cidade e ao desenvolvimento da realidade urbana, sem omitir a crescente importância dos lazeres e das questões relativas à “cultura”. (LEFEBVRE, 2001, p. 11, grifo do autor)

Quando surge a industrialização, a riqueza principal deixa de ser a imobiliária. Nasce as redes de cidades, formadas por cidades que estão ligadas por estradas, relações comerciais e bancárias; surge a capital, que expressa a função de centralizar o poder do Estado. E, apesar da cidade manter as características próprias da comunidade, a luta de classes

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é fenômeno que marca presença, pois, “a vida urbana pressupõe encontros, confrontos das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (inclusive no confronto ideológico e político) dos modos de viver, dos “padrões” que coexistem na Cidade” (LEFEBVRE, 2001, p.22). A Escola de Chicago foi responsável por sedimentar a pesquisa na Sociologia urbana, entre as décadas de 1920 e 1930, tendo como principais representantes Robert Park e Louis Wirth. Partia-se da ideia de que era necessário conhecer a cidade para resolver os seus conflitos, as pesquisas buscavam estabelecer o equilíbrio urbano. Desta forma, o conhecimento sobre a questão urbana poderia munir os gestores públicos para a definição de ações responsáveis para o alcance de uma harmonia social. Entre os principais temas discutidos estavam os conflitos dos migrantes, reforma social e a delinquência juvenil. Robert Park era jornalista, estava mais focado na empiria do que na teoria, para o pesquisador, a cidade de Chicago era um grande laboratório. Portanto, seu trabalho foi fundamental no desenvolvimento da pesquisa de campo, na busca pela imersão na cidade a partir de uma etnografia urbana. Por meio da observação participante, realizou uma pesquisa mais qualitativa, buscando significado, pensando como o sujeito elaborava suas interações. As principais críticas à Escola de Chicago referiam-se ao moralismo e a análise da cidade como uma totalidade. Park adota o termo “ecologia humana”, compreendendo-o como uma dimensão biológica de caráter evolucionista, que acaba por naturalizar as desigualdades sociais, como se estas fossem uma construção natural, a partir da seleção natural. Segundo Christian Matus (2010), uma das contribuições de Louis Wirth foi a abordagem da questão da heterogeneidade dos habitantes e da vida em grupo na cidade, como um dos elementos que determinam a existência do urbanismo como modo de vida.


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Georg Simmel (1896), por sua vez, preocupou-se em compreender as grandes cidades europeias durante a consolidação da modernidade, em termos de densidade, heterogeneidade, estilos de vida urbano, e de que forma os iguais se conectam. Ao mesmo tempo, há uma segmentação da interação, pois com a economia do dinheiro surge uma sofisticação e maior centralização na racionalidade, que acaba por reforçar a diferenciação. É precisamente por causa do seu caráter nivelador que o dinheiro quanto mais se toma a medida de todas as coisas - ou seja, com sua crescente aculturação - tanto mais perde sua importância anterior para certas relações elevadas (SIMMEL,1896, p.10-11)

Para Simmel (1896), as grandes cidades possuem uma “vida nervosa”, na qual há a presença do intelectual devido à racionalização da vida; enquanto nas cidades pequenas há mais sensibilidade e emoção, onde quem governa é o ritmo da natureza e não o ritmo do relógio, como na cidade grande. O peso da coletividade é muito maior nas cidades pequenas, enquanto nas cidades grandes há um enfraquecimento do controle social expresso pela “arrogância blasé”, ou seja, o indivíduo passa a agir com indiferença e insensibilidade diante das coisas. Simmel é influenciado por Marx, ao pensar no dinheiro como uma abstração, que acaba por criar uma separação entre o sujeito e o objeto. Simmel (1896) explica que anteriormente, o dono da terra estava preso a sua propriedade; com a criação do dinheiro, foi possível vendê-la. Sendo assim, a economia do dinheiro traz uma ambiguidade – de um lado, a liberdade e, do outro, a perda de sentido. As correntes da cultura moderna deságuam em duas direções aparentemente opostas: por um lado, na nivelação e compen-

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sação, no estabelecimento de círculos sociais cada vez mais abrangentes por meio de ligações com o mais remoto sob condições iguais; por outro lado, no destaque do mais individual, na independência da pessoa, na autonomia da formação dela. E ambas as direções são transportadas pela economia do dinheiro que possibilita, por um lado, um interesse comum, um meio de relacionamento e de comunicação totalmente universal e efetivo no mesmo nível e em todos os lugares, possibilitando à personalidade, por outro lado, uma reserva maximizada, permitindo a individualização e a liberdade. (SIMMEL, 1896, p.6)

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A economia do dinheiro permite a expansão do individualismo, por meio de uma maior racionalização da vida, a partir da quantidade. Isso gera outra ambiguidade da cultura – todos são iguais porque passam a ser racionalizados a partir da quantidade e, ao mesmo tempo, busca-se uma máxima diferenciação. Por outro lado, há a perda da dimensão qualitativa da vida. Nasce aí uma inversão, o que é meio (o dinheiro) torna-se fim, gerando um sentimento de incompletude. Apesar disso, o dinheiro torna o indivíduo mais livre. João Pessoa: do rio ao mar A capital da Paraíba foi fundada em 1585, sendo a terceira cidade mais antiga do Brasil. O seu primeiro o nome era Nossa Senhora das Neves, a cidade mudou de nome mais três vezes, até ser chamada de João Pessoa, em homenagem ao então presidente do Estado na época, João Pessoa, que foi assassinado na cidade de Recife (PE), em 1930. João Pessoa, desde a sua origem, estava dividida em cidade alta e cidade baixa. A cidade alta abrigava a parte administrativa, residências e as funções culturais e religiosas. Enquanto que na cidade baixa desenvolviam-se as atividades comerciais, sendo res-


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ponsável pela escoação da produção local para a exportação por meio do Porto do Capim, próximo às margens do Rio Sanhauá. (SCOCUGLIA, 2003) No entanto, essa divisão foi alterada na segunda metade do século XX, quando a cidade começou a se desenvolver em direção ao litoral, que acabou por fortalecer as diferenças sociais, ficando a cidade baixa, especialmente o bairro do Varadouro limitados ao comércio local. Após os anos 1950, [o Varadouro] passou a ser esvaziado e abandonado por moradores e, posteriormente, por comerciantes, constituindo-se uma imagem de bairro marginalizado, gueto de prostituição, local de moradia de uma população estigmatizada vivendo, em parte, em favelas às margens do Rio Paraíba. (SCOCUGLIA, 2010, p.4)

Nesse mesmo período, a população de baixa renda passa a morar nas áreas periféricas da cidade, precárias e distantes do centro, em virtude principalmente da criação de conjuntos populares, seguindo as diretrizes da política nacional de habitação. Como por exemplo, o conjunto habitacional Tarcísio de Miranda Burity foi inaugurado em 1983, em pouco tempo o bairro recebeu o nome de Mangabeira, em virtude da presença de uma fazenda no local que cultivava mangaba. Os imóveis foram construídos pela Companhia Estadual de Habitação da Paraíba (CEHAP) em parceria com o BNDES, o BNH e a Caixa Econômica Federal. Almeida e Araújo (2010, p.66) relatam que o bairro “alocou diversos trabalhadores de classe média e classe média baixa, provenientes de várias localidades do Estado da Paraíba”. Mangabeira foi criado com uma concepção de bairro popular, por essa razão os imóveis foram repassados aos moradores por meio de juros baixos e prestações reduzidas.

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Em contrapartida, as classes média e alta passam a residir na orla marítima da cidade e nos bairros próximos, espaços que abrigam comércio e serviços modernos, incluindo shopping centers, considerados também espaços de lazer. (SCOCUGLIA, 2004) O Centro Histórico de João Pessoa, especialmente o bairro do Varadouro, passa por um projeto de requalificação a partir de 1987, por meio de convênio de cooperação entre o Brasil e a Espanha. (SCOCUGLIA, 2010). Em parceria com a iniciativa privada, o poder público promove a valorização do patrimônio cultural, visando melhorar a imagem da cidade e atrair turistas. Assim, ao final da década de 1990 surgem novas formas de sociabilidades no Centro Histórico, especialmente na Praça Antenor Navarro e no Largo de São Pedro Gonçalves. O processo de requalificação do Centro Histórico gerou um novo espaço de consumo cultural, marcado por uma nova centralidade, diversidade e intensa programação cultural, incentivada pelos poderes públicos em parceria com a iniciativa privada. As festas de São João, as prévias carnavalescas, lançamentos de livros, concertos, festivais de cultura popular, rituais religiosos no Natal e Ano Novo, ilustram as formas de construção de cenários nas áreas requalificadas. O conjunto das casas pintadas com cores fortes na Praça Antenor Navarro foi transformado “em lugar de encontro” e de divertimento. Políticos, escritores, intelectuais, artistas, estudantes circulavam num espaço iluminado ao som de música ao vivo (jazz, MPB, música instrumental), consolidando a imagem cenográfica da requalificação e acentuando o contraste em relação à degradação patrimonial e urbanística do restante do Centro. (SCOCUGLIA, 2010, p.6)

Em 2007, o Centro Histórico de João Pessoa se torna patrimônio histórico nacional tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Porém, fundamentada na ideia de que o processo de requalificação apresenta uma imagem promovida pelo consumo cultural diferente da realidade da população residente no bairro


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do Varadouro, privilegiando consumidores e turistas, Jovanka Scocuglia (2010) considera que esse processo foi “monofuncional”, por conta da permanência das áreas estigmatizados pela pobreza, prostituição, precariedade da infraestrutura e insegurança urbanas. A autora aponta como causas a descontinuidade da política, falta de planejamento integrado e a escassez de investimentos privados. Atualmente, João Pessoa é uma cidade que abriga essas diversas influências culturais, constituindo um espaço urbano fragmentado e marcado por inúmeras diferenças. Por outro lado, em virtude, entre outros fatores, dessa diversidade e de uma maior circulação de pessoas, muitos escolhem a cidade como local de residência. João Pessoa é uma cidade litorânea de porte médio, com população estimada de 723.515 habitantes, segundo os dados do Censo 2010 . Durante muito tempo, foi considerada uma cidade tranquila. Eliane Moreira e Tereza Queiroz (2005) sublinham que essa tranquilidade era uma realidade até os anos de 1970, mas que, em decorrência, entre outros aspectos, do processo de industrialização, da ampliação do setor de serviços, do êxodo rural, do rápido crescimento do número de favelas e das condições de extrema pobreza, a situação se transformou. Hoje, a cidade não é mais tão pacífica assim. Apesar do aumento da violência, o lugar ainda é considerado bom para se viver, atraindo pessoas de outros Estados do país e do mundo, que a elegem em virtude da qualidade de vida. Para atender a essa demanda, o mercado imobiliário cresceu bastante a partir da década de 2000, sobretudo, por meios das políticas habitacionais, como o Programa Minha Casa, Minha Vida, na década de 2010. Desenvolveu-se também um mercado de luxo, principalmente com a expansão dos condomínios fechados, sobretudo, nos bairros do Altiplano e de Quadramares. Além desse público, João Pessoa sempre recebeu estudantes do interior do Estado, que vêm morar na cidade para estudar, em virtude

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da ausência do Ensino Superior na sua cidade de natal. Esse fluxo foi intensificado a partir de 2009, quando o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passou a ter abrangência nacional como forma de ingresso nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) de todo o País. Isso possibilitou que o estudante de qualquer estado brasileiro concorresse a uma vaga nas IFES; o que promoveu a chegada de mais jovens à João Pessoa, vindos de distintos lugares do Brasil. O processo de globalização proporcionou também, novas formas de circulação de ideias, valores e consumo, promovendo o intercâmbio entre a cultura local e a global, por meio do uso das tecnologias das informações e comunicação. Cria-se assim, um cenário cada vez mais propício para o surgimento de estilos de vida urbanos, muitos dos quais resgatam valores como a diversidade e a qualidade de vida associados à cultura urbana contemporânea, o que acaba por expressar o momento atual da cidade. Nesse contexto, a mídia tem um papel preponderante na promoção de estilos de vida, que fundamentam a construção da identidade. Em virtude da mídia propagar os acontecimentos protagonizados pela sociedade, ao mesmo tempo em que, a sociedade se alimenta desses conteúdos. Estilos de vida urbanos na cidade contemporânea Antes de mesmo de discutir sobre os estilos de vida na cidade, é fundamental que se pense a respeito de que tipo de cidade estamos tratando. A cidade contemporânea que ao mesmo tempo é urbana, possui resquícios das cidades tradicionais do Nordeste brasileiro, com grandes desigualdades sociais. Nessas cidades, os gestores públicos investem em obras arquitetônicas que expressam uma cultura global, criando um capital cultural para atrair turistas, a exemplo da Estação Ciência, em João


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Pessoa, uma obra do arquiteto Oscar Niemeyer, considerado um profissional de renome. Os estilos de vida que emergem da cultura urbana não são um objeto de pesquisa novo para a sociologia urbana. No entanto, esse tema ganhou força no contexto da globalização, sobretudo, aliada às novas formas de consumo, tecnologias de comunicação, construção de identidade e o processo de individualização. Em linhas gerais, o estilo de vida reflete a sensibilidade (ou a “atitude”) revelada pelo indivíduo na escolha de certas mercadorias e certos padrões de consumo e na articulação desses recursos culturais como modo de expressão pessoal e distinção social. Nesse sentido, o termo encerra uma dimensão antropológica, sinalizando que nossa “individualidade” e nossa identidade são moldadas dentro de escolhas e estruturas coletivas mais amplas. (FREIRE FILHO, 2003, p.73)

De acordo com Matus (2010) a cultura urbana não é algo sólido e sim uma configuração líquida em constante movimento e negociação, determinada pela centralidade da criação e do consumo de símbolos e espaços urbanos, nos quais são construídos diferentes níveis de identidade e se configuram estilos de vida. E são justamente estes estilos de vida que formam a cultura urbana. Muito brevemente e como sugerido por Larrain (2001) o conceito de identidade é construído a partir das ciências sociais para explicar que os indivíduos podem gerar um sentimento de pertença a uma comunidade, seja num pequeno grupo ou num grupo grande. Este conceito refere-se a um processo de construção que envolve um ato de auto-reconhecimento da experiência intersubjetiva, onde ele está com e em relação a outras pessoas significativas que são um ponto de referência para o grupo ao qual ele pertence.(MATUS, 2010, p.57, Tradução livre)

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Na visão de Mike Featherstone (1995), alguns comentadores culturais abordam os estilos de vida como indicadores do pós-modernismo, considerando esse um movimento social e cultural. Porém, o autor refere-se à expressão pós-modernismo para caracterizar o tempo presente; lembrando que “o uso do termo tem o mérito de chamar nossa atenção para as mudanças significativas nas práticas culturais artísticas e populares, nos regimes de significação e nos modos de orientação no âmbito da vida cotidiana” (FEATHERSTONE, p. 139) Os estilos de vida expressam a individualidade por meio das escolhas de consumo e comportamentos, ao mesmo tempo que representam o senso de gosto dos indivíduos. Contudo, essa busca por estabelecer uma consciência estilizada de si mesmo não está restrita a determinadas idades ou classes socias.

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Os novos heróis da cultura de consumo, em vez de adotarem um estilo de vida de maneira irrefletida, perante a tradição ou o hábito, transformam o estilo num projeto de vida e manifesta sua individualidade e senso de estilo na especificidade do conjunto de bens, roupas, práticas, experiências, aparências e disposições corporais destinados a compor um estilo de vida [...]. A preocupação em convencionar um estilo de vida e uma consciência de si estilizada não se encontra apenas entre os jovens e os abastados; a publicidade da cultura de consumo sugere que cada um de nós tem a oportunidade de aperfeiçoar e exprimir a si próprio, seja qual for a idade ou a origem de classe. (FEATHERSTONE, 1995, p. 123)

A construção de estilos de vida está diretamente ligada ao conceito antropológico de cultura, realçando que cada estilo pode ser compreendido como um modo de viver. (LARAIA, 2001). Dessa forma, a reflexão sobre a apropriação das novas tecnologias da informação no atual cenário urbano global é pertinente para a análise dos estilos de vida urbanos, tendo em vista o aumento da presença dessas tecnologias na vida cotidiana e sua repercussão nas práticas sociais.


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Nesse sentido, a Internet por meio das plataformas digitais, como as redes sociais on-line, promovem um espaço para a interação entre as pessoas de determinados estilos de vida, disseminação de valores, questões inerentes às escolhas de consumo, locais de encontro e práticas sociais. Estilos de vida em João Pessoa A cidade de João Pessoa, uma das mais antigas do Brasil, durante séculos caracterizou-se pelo tradicionalismo e, a partir de mudanças estruturais e de população, tem se alterado, caracterizando-se pela diversidade e pela fragmentação. Buscando discutir as transformações no uso e circulação do espaço público, constatou-se o surgimento de estilos de vida que emergem da cultura urbana. Pelo fato desta pesquisa se encontrar na fase inicial, a partir da observação do cotidiano urbano, foram selecionados alguns estilos de vida que não nasceram em João Pessoa, estando presente em outras cidades do mundo, que ocupam espaço na mídia, sobretudo, na Internet. Entre eles destaca-se: a) Fitness - Fundamentado na busca pelo corpo “perfeito” por meio de exercícios físicos e alimentação específica. Fitness, significa aptidão física e/ou bom condicionamento; b) Simplicidade voluntária - O termo teve origem na pesquisa de Richard Gregg (1936), que o definiu como estilo de vida ligado à dimensão espiritual do homem, quando o indivíduo abre mão de uma vida materialista e evita o acúmulo de posses desnecessárias (SILVA; HOR-MEYLL, 2010); c) Ativismo cultural - Adotado por indivíduos (artistas, produtores culturais e pessoas ligadas às artes) que buscam exercer o direito à cultura na cidade, organizados principalmente, através

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de coletivos culturais, sendo a Internet uma ferramenta imprescindível para sua atuação; d) Ativismo da causa animal - Indivíduos preocupados com os animais domésticos, especialmente, aqueles que vivem nas ruas, muitos se organizam através de ONGs, em geral essas pessoas atuam na Internet em busca da sensibilização à causa. e) Food Truck - Indivíduos que se inserem no mercado de trabalho de forma autônoma, a partir da venda de alimentos em veículos (bicicletas, motos, trailers e afins), têm como diferencial oferecer uma alimentação mais sofisticada, do que os tradicionais lanches rápidos.

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Tais estilos se relacionam diretamente com a configuração atual da cidade contemporânea, que abriga uma grande diversidade cultural, formada por indivíduos que estão preocupados com valores como a qualidade de vida das pessoas e da cidade, o consumo consciente, a ocupação dos espaços urbanos pela cultura produzida pela cidade, a saúde dos animais de rua, a inserção no mercado de forma alternativa, entre outros. É notório que os indivíduos que possuem um estilo de vida em comum, encontram-se em determinados espaços da cidade ou das mídias sociais, nos quais, são estabelecidas formas de sociabilidade próprias. Os indivíduos se conectam a partir das suas escolhas e da necessidade de estar junto aos seus iguais. No âmbito da sociologia urbana, conhecer esses estilos de vida auxilia na compreensão das transformações sociais que a cidade vem sofrendo. Além disso, tal estudo aponta para o uso dos espaços urbanos de uma cidade cada vez mais globalizada. O crescente número de indivíduos de outros lugares do País que passam a morar em João Pessoa, seja para estudar, como os jovens que ingressam nas Universidades através do Enem


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, seja pela busca de uma cidade com mais qualidade de vida, têm contribuído para formar uma população cada vez mais heterogênea, formada em grande parte por jovens conectados com as novas tecnologias. Portanto, essas novas configurações da cidade favorecem o surgimento de estilos de vida, que valorizam questões ligadas à qualidade de vida, o que fortalece o senso de coletividade, por meio da preocupação com os rumos que a cidade irá tomar. Os recentes estilos de vida adotados pelos moradores da cidade de João Pessoa são sintomáticos da construção de uma cultura urbana pósmoderna, cada vez mais conectada com o que ocorre no âmbito local e global. Considerações finais Apesar deste artigo apresentar uma análise inicial sobre os estilos de vida presentes cidade de João Pessoa, aprofundar a análise dos elementos que configuram as novas práticas urbanas, que favorecem a construção desses novos estilos de vida, e como estes representam o momento atual da cidade são de grande relevância no âmbito dos estudos da mídia e da sociologia urbana. Sendo assim, acredita-se que essas discussões fundamentam os constructos teóricos necessários para o desenvolvimento e aprofundamento da temática, a partir da pesquisa se campo no contexto da cidade de João Pessoa, um espaço urbano híbrido que agrega vários estilos de vida, que estabelecem formas de sociabilidade próprias. Referências FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. Tradução Júlio Assis Simões. São Paulo: Studio Nobel. 1995.

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MATUS, Christian. La cultura urbana y los estilos de vida en la revitalización de un barrio patrimonial del centro histórico de Santiago. El caso Lastarria-Bellas Artes. 2010. 365 f. Tese (Doutorado em Arquitetura e Estudos Urbanos) - Facultade de Arquitetura Desenho e Estudos Urbanos, Pontificia Universidade Católica de Chile, Santiago, Chile. Disponível em: <http://doctoradofadeu.uc.cl/publicaciones/publicacion/ver_tesis?id=11> Acesso em: 5 set. 2015. MOREIRA, Eliana Monteiro; QUEIROZ, Tereza Correia da Nóbrega. Juventude e cultura em comunidades precarizadas: a difícil construção da cidadania. In: ALVIM, Rosilene; QUEIROZ, Tereza; FERREIRA JÚNIOR, Edísio (Orgs.). Jovens & Juventude. João Pessoa: Editora Universitária – PPGS/ UFPB, 2005. QUEIROZ, Tereza Correia da Nóbrega. Culturas juvenis, contestação social e cidadania: a voz ativa do Hip Hop. In: ALVIM, Rosilene; FERREIRA JÚNIOR, Edísio; QUEIROZ, Tereza; (Orgs.). (Re) Construções da Juventude: cultura e representações contemporâneas. João Pessoa: Editora Universitária – PPGS/ UFPB, 2004. SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23.ed.rev e atual. São Paulo: Cortez, 2007. SCOCUGLIA, Jovanka Baracuhy Cavalcanti. Sociabilidades, espaço público e cultura: usos contemporâneos do patrimônio da cidade de João Pessoa. 2003. 394 f. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2003. Disponível em: < http://goo.gl/tR6FuA> Acesso em: 10 out.2015


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_____. Sociabilidades e usos contemporâneos do patrimônio cultural. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 051.08, Vitruvius, set. 2004 <http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/arquitextos/05.051/560>. Acesso em: 10 out.2015 _____. Cidade, Cultura e Imagem – Requalificação de Antigos Centros Urbanos no Brasil (João Pessoa) e na França (Lyon). Seminário da História da Cidade e do Urbanismo – SHCU 1990. v. 11, n. 3 (2010) Disponível em: <http://goo. gl/1E9MQQ>Acesso em: 10 out.2015 SILVA, Renata Céli Moreira da; HOR-MEYLL, Luis Fernando. Simplicidade Voluntária: Um Estudo Exploratório Sobre a Adoção Desse Estilo de Vida e Seus Impactos Sobre o Consumo. EnANPAD, 38., 2014. Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro: Anpad, 2014. Disponível em: < http://goo.gl/M4kbli.>Acesso em: 10 out.2015. SIMMEL, Georg. O dinheiro na cultura moderna (1896). Disponível em: <https://goo.gl/wPm9nT> Acesso em: 10 out.2015 SOBRE o Enem. Disponível em:<http://portal.inep.gov.br/web/enem/sobre-o-enem> Acesso em: 08 out.2015.

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O CENTRO AINDA PULSA: Mídia, Cultura, Identidade e Território no Caso do Varadouro Cultural João Alberto Batista Jales Dedicado ao artista Pablo Scobá Dub

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Resumo: O artigo traz uma análise crítica da participação da equipe de comunicação do Varadouro Cultural em planos e estratégias ciberativistas. Tendo como pano de fundo a degradação do Centro Histórico de João Pessoa desde o início do século XXI, o artigo chama atenção para a questão da marginalização do território causada pela presença da violência: a ausência de segurança pública atua como elemento repulsor da área do Centro Histórico. Sob a busca da valorização da identidade e da memória presente no Território, o Varadouro Cultural destaca sua equipe de comunicação para ações políticas e sociais, chamando a atenção da população e de seu público consumidor, que gera engajamento e desfechos construídos coletivamente. Palavras chave: Mídia. Cultura. Identidade. Território. Varadouro Cultural.

Introdução Nos últimos anos temos visto as dinâmicas das relações presentes nos espaços, e, pertinente a esta temática, uma abordagem que articula espaços físicos e virtuais. Neste sentido, ao relacionarmos elementos da cultura local ao espaço virtual, vemos que entre eles trespassa um complexo sistema de processos que envolvem transmissão e transformação cultural. Como todo importante meio midiático provou que pode transformar sociedades através do fluxo de informações, a internet, caçula desta transformação social e tecnológica, nos mostra que pode responder às indagações sobre a relação entre mídia, cultura, identidade e território numa maior celeridade, e com um alcance satisfatório.


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Se buscarmos mensurar a velocidade e a capilarização das informações difundidas pelas mídias sociais, entendemos como diversas campanhas se articulam e reforçam a cultura de redes. Baseada na troca de experiências e no compartilhamento de idéias, a cultura de redes se mostra quando do conhecimento e reconhecimento do indivíduo, há uma identificação com o conteúdo que se divulga, ou com o território que o propaga, ou ainda com os territórios alcançados pela mensagem a ser divulgada. Neste emaranhado de conexões, a subjetividade deste conhecimento e re-conhecimento abre espaço para a construção de uma identidade comum entre os sujeitos deste grupo. Assim, ao abordar o caso do Varadouro Cultural, procuramos entender como as campanhas capitalizadas pelas temáticas “#OcupeOPortoDoCapim”, “#ExisteVidaForaDaOrla” e “#VivaOCentro” serviram para chamar atenção para o Território Criativo do Varadouro, localizado na cidade antiga de João Pessoa. Ciberativismo e cultura de redes O Ciberativismo é um conjunto de práticas na defesa de causas de caráter político, socioambiental, sociotecnológico e/ou cultural, realizadas e disseminadas nas redes cibernéticas. Ele é instrumentalizado, principalmente, com o uso das mídias sociais. Seu fim é a disseminação de idéias e organizações, além do chamado à materialização de ações presenciais mais complexas. Trunfo para os ciberativistas, a internet é a maior aliada, quando falamos da velocidade na comunicação entre os ativistas. Lievrouw (2011) encontra no Dadaísmo e no Situacionismo suas origens culturais e, nos novos movimentos sociais, sua procedência social e política.

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Segundo a autora, o Dadaísmo e o Situacionismo foram movimentos artísticos que surgiram em momentos de mudanças tecnológicas, resguardando assim uma característica contextual paralela a das novas mídias. As duas correntes pensaram a arte não separada da vida cotidiana. O Dadaísmo, por exemplo, rejeitava a ideia de uma arte pela arte, o que implicou na formulação do conceito de antiarte. Essa seria a arte ligada a experiência subjetiva do dia-a-dia e deveria ser usada para desestabilizar o lugar comum e provocar a emergência de novas maneiras de ver a realidade. Os situacionistas, com sua conceitualização de espetáculo, que evidenciava a intermediação capitalista dos aspectos da cultura e da experiência, colocaram em xeque a cultura hegemônica (LIEVROUW, 2011. p. 19-21). Na intenção de incluir o ciberativismo como herdeiro de um processo de luta social, cultural e política que é anterior à internet, é preciso uma contextualização que ultrapasse o mundo virtual e busque sua materialização no mundo real. Entretanto, não é possível descolar o ciberativismo do próprio processo de desenvolvimento da internet. Com isso, o Ciberativismo como o conhecemos hoje foi visto pela primeira vez com o movimento Zapatista do México, em 1994. Para tornar coesa e coerente seu conjunto de reivindicações, o Movimento Zapatista utilizou-se da internet para disseminar informações sobre sua organização e seu conjunto de idéias políticas, além de desmistificar uma ofensiva desinformativa promovida pela mídia hegemônica mexicana. Outro momento de apogeu do Ciberativismo foi a cobertura das manifestações que culminaram com a Primavera Árabe. No Brasil, o caso mais notável é sem dúvida a das manifestações de junho/2013, que mobilizaram milhões de pessoas em torno de uma pauta inicial que envolvia as tarifas e a qualidade dos meios de transporte público nas grandes capitais brasileiras.


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A sociedade em rede, segundo Castells, “em termos simples, é uma estrutura social baseada em redes operadas por tecnologias de comunicação e informação”, que “processam e distribuem informação a partir de conhecimento acumulado nos nós dessas redes” (CASTELLS, 2005, p. 20). Ela engloba matizes diversas, trespassando as esferas econômica, política, cultural e educacional das sociedades. A Cultura de redes, nesse sentido, seria conceituada como “o costume de compartilhar e disseminar sendo compartilhado e disseminado”. Como exemplo notável ao contexto brasileiro, uma organização que atua imersa na Cultura de redes é o Fora Do Eixo. O Fora do Eixo é uma organização nacional que atua em diversas frentes temáticas. Por ter suas fundações nos movimentos Culturais e Pela Democratização da Comunicação, o Fora do Eixo prioriza a Cultura, a Política e a Economia em suas pautas. A Organização completa dez anos de fundação em 2016. Contextos: o centro histórico de João Pessoa e o Varadouro Cultural Seu nascimento, data da fundação da cidade, foi no ano de 1585. Reconhecido como patrimônio nacional do Brasil no dia 6 de dezembro de 2007, foi inscrito nos Livros do Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). São tombados 37 hectares de área e estimadas cerca de 700 edificações presentes nas ruas, praças e parques históricos que integram esse conjunto. Ele compreende a maior parte dos bairros do Varadouro e do Centro da cidade. Suas edificações compõem um cenário de diferentes estilos e épocas cheio de sobrados, praças, casarios coloniais e igrejas seculares, sendo considerado o principal acervo arquitetônico da Paraíba, relatando

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as diversas fases da história local, e um dos maiores e mais importantes sítios históricos do Brasil. Segundo a contextualização cronológica da Comissão do Centro Histórico de 2009, apenas no ano de 1987 é que o Centro Histórico foi inserido no processo de restauração e revitalização. As pessoas que frequentavam o local começaram a perceber a importância que representava e como era fundamental tentar deixá-lo com a mesma essência de antes. Mas, a participação dos moradores da localidade ainda era mínima, e como se sabe, de fato, para que uma atividade seja desenvolvida adequadamente, é fundamental que os órgãos públicos, a iniciativa privada e a comunidade local estejam realmente inseridos no planejamento das ações que serão postas em prática. De fato, vários prédios e espaços públicos foram restaurados/revitalizados, tanto na Cidade Alta como na Cidade Baixa. Como exemplos, temos algumas igrejas, casarões, a Praça Anthenor Navarro e o Largo de São Frei Pedro Gonçalves. Alguns bares, boates e cafés, como a Oficina do Capim e o Escambumano foram implantados nas imediações da Praça Anthenor Navarro no fim dos anos 1980 e anos 1990, e esses empreendimentos representaram uma “primeira geração” de atores culturais na região. Com isso, em determinadas épocas do ano, a Praça Anthenor Navarro passou a abrigar alguns eventos, como o carnaval e o São João, promovidos pela Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope), pela “primeira geração” de empreendimentos e novos empreendedores, que se somaram a este ciclo. Essa foi a “segunda geração”, que possuía a Casa de Cultura Lúcio Lins, Restaurante Manjericão, a Casa Derrame e o Galpão 14 nessa nova leva de organizações que atravessava a virada do século XX para XXI.


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Assim, o Centro Histórico passou a ser frequentado novamente por outros setores da sociedade, principalmente pela elite, que passou a conviver com a comunidade local, que não foi expulsa da área. Segundo Scocuglia, “por trás da restauração e revitalização de alguns espaços e monumentos, se esconderam os problemas estruturais e sociais que passaram a interferir bastante no desenvolvimento local” (SCOCUGLIA 2004, p. 108 ). Após alguns anos em que se deu inicio o processo de restauração, bares que estavam instalados na Praça Anthenor Navarro vieram a fechar e o número de eventos que estavam sendo realizados no local diminuiu gradativamente, recomeçando um ciclo de decadência no território. Para resistência frente a esse momento do ciclo, os empreendedores da área demandaram outra forma de organização, na qual os empreendimentos se propuseram à construção de uma mistura entre movimento social da cultura e proposta de Arranjo Produtivo Local - APL, buscando o fortalecimento de uma “terceira geração” de empreendimentos que ocupariam a Praça Anthenor Navarro, através do viés da economia criativa. Nasce assim o embrião do Varadouro Cultural, em meados da primeira década do século XXI. Enquanto orientação econômica, o Varadouro Cultural tem trabalhado para se consolidar como um Arranjo Produtivo Local - APL. Hoje se afirma publicamente como um Território Criativo, no sentido do fortalecimento coletivo de suas organizações integrantes, mas o foco é na ideia de um APL. A essência dos Arranjos Produtivos Locais é a participação de diversos atores locais (empresários individuais, sindicatos, associações, entidades de capacitação, educação, crédito, tecnologia, agências de desenvolvimento e outras), possibilitando uma mobilização coordenada das empresas que são pertencentes ao arranjo. Os APLs são uma nova forma de visualizar a gestão conjunta entre empresas, que tem sido amplamente discutida por diversos autores

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das Teorias da Administração. Eles discutem aglomerados de empresas como diferenciais competitivos para micro, pequenas e médias empresas (PME) e como oportunidades para o desenvolvimento regional. A visão de aglomerado de empresas é baseada em cooperação, governança e confiança. No cerne da gestão conjunta dos empreendimentos do Varadouro Cultural está a Comunicação como elemento agregador dos empreeendimentos. Toda a comunicação do Varadouro Cultural gira em torno de duas frentes: assessoria de imprensa, na busca pelo diálogo com outros veículos de comunicação; e mídias sociais, como ferramenta tanto de prospecção de suas atividades como de organização interna com seus integrantes. A Comunicação atua de forma articulada, trocando informações entre os empreendimentos do Varadouro Cultural e seu público consumidor dos serviços; entre o Varadouro Cultural e seus fornecedores; entre o Varadouro Cultural e as organizações sociais e do poder público. Podemos observar que o autointitulado “Território Criativo” Varadouro Cultural é formado por empreendedores com grandes sonhos para o Centro Histórico, e com impressionantes fluxo e volume de informações constantes girando em torno do arranjo. Sua comunicação tem forte cunho político e social, como se chamassem seu público à luta pelo direito à cultura não massificada. É uma luta pela valorização dessa produção cultural diversa, que em nada se assemelha às propostas do Jacaré, Tambaú ou Manaíra, por exemplo, que possuem foco no turismo predatório, não sustentável e de massa. Possuem um grande potencial turístico justamente por seu regionalismo cru, sob a ótica do jovem e suas diversas tribos e grupos sociais. Considerando que cada membro tem seu próprio negócio, com suas próprias equipes e rotinas de trabalho, a produção comunicacional


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do Varadouro é impressionante. O fato de serem apaixonados pela causa faz a diferença, gera maior iniciativa dos componentes do grupo. O uso das mídias sociais como ferramenta de comunicação externa e interna do Varadouro Cultural se mostra eficaz e tem dado resultados não só nas publicações de divulgação de eventos, mas também nas publicações de cunho social, de utilidade pública. A violência como elemento de repulsão do território Segundo o Mapa da Violência 2015, em 10 anos (2002-2012) a taxa de óbitos por armas de fogo em João Pessoa mais que dobrou (aumento de 100,1%), passando de 33,9 para 67,9/100 mil hab. Com uma população de 723.515 habitantes (Censo 2010), a capital da Paraíba contabilizou, em 2012, a marca de quatro assassinatos a cada três dias, apenas por armas de fogo. Para termos uma ideia da situação, ilustramos com matéria jornalística da época (FIG.1) Figura 1 - Portal de notícias informando sobre a violência no Centro Histórico

Fonte: Expresso PB

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Existe um grande preconceito com a região central de João Pessoa, que passa dos moradores locais para os turistas. A população pessoense tem uma imagem negativa dos frequentadores do Centro, que são vistos como pessoas que moram em regiões pobres ou usuários de drogas. Fruto, muitas vezes, das reportagens locais de programas policiais sensacionalistas, essa visão acaba gerando o sentimento de receio, o que impede que os próprios moradores da cidade e os turistas desfrutem das atrações culturais que circulam pelos empreendimentos do Centro Histórico. A própria Prefeitura não incentiva os eventos culturais promovidos pelo Varadouro Cultural. Devido à falta de policiamento e iluminação precária ocorrem muitos assaltos, o que deixa as pessoas inseguras em frequentar o território. Apesar de um Terminal de Integração estar localizado próximo à Praça Anthenor Navarro, o principal polo das atrações do Varadouro Cultural, o percurso entre a parada de ônibus e a praça é perigoso e propício a assaltos. Outro problema é a baixa circulação de ônibus à noite, o que prejudica a acessibilidade à localidade. Ao longo dos últimos anos a mídia hegemônica local tem sistematicamente abordado o território do Centro Histórico de forma negativa, mostrando violências crime e decadência no território. Ora são reportagens que denunciam a criminalidade, ora matérias que mostram casarões históricos se deteriorando pela ação do tempo, ora encontramos manchetes sobre os comerciantes fechando seus negócios e abandonando a área. A falta de interesse da população em frequentar o território resulta também do descaso da Prefeitura e Governo Estado, que, segundo os empreendedores do Varadouro Cultural, não dialogam com a população do local, formando assim um círculo vicioso: a falta de investimentos em infraestrutura e segurança causam receio e uma imagem negativa. Isso, por sua vez, causa a repulsa de turistas, fazendo com que as estatísticas


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econômicas não justifiquem os investimentos em políticas públicas na área. Todo esse conjunto de atitudes negligentes por parte dos órgãos públicos fez consolidar o Varadouro Cultural enquanto uma organização. Sua identidade, materializada numa carta de princípios escrita coletivamente com os dirigentes e empreendedores, fez os empreendimentos, e seus indivíduos dirigentes, se conhecerem e se re-conhecerem enquanto prejudicados neste processo de exclusão social e econômica. Através da troca de informações e opiniões entre os empreendimentos, o Varadouro Cultural solidificou sua fundação enquanto organismo em meados de 2013. O ciberativismo e o papel do Varadouro Cultural #PortoDoCapimEmAção A fundação do Varadouro Cultural enquanto Território Criativo surgiu nas diretrizes da economia criativa, e sua equipe de Comunicação também seguiu a mesma lógica: baseada em conceitos e princípios como o ciberativismo, o colaborativismo e a cultura de rede, a equipe de comunicação do Varadouro Cultural reuniu profissionais de diversas áreas da Comunicação. Para pensar coletivamente uma Comunicação que, através de suas ações, valorizasse a o Centro Histórico, a equipe se valeu do processo de exclusão que estava em vigência na época de sua fundação enquanto organização: um projeto de revitalização da comunidade do Porto do Capim. O recurso para a revitalização, que viria pelo Programa de Aceleração do Crescimento - PAC - Cidades Históricas, irá descaracterizar o local, removendo os moradores da comunidade.

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Segundo informações coletadas em entrevistas com diversos agentes culturais, o Porto do Capim seria desapropriado e a população movida para o Bairro das Indústrias. Sob a ótica do Varadouro Cultural e da comunidade do Porto do Capim, a simplicidade e regionalismo não são valorizados no projeto PAC, que tem a intenção em fazer um Turismo predatório, comercial e rentável, através da construção de uma Arena de Eventos, onde atualmente se situam as casas dos pescadores do rio Sanhauá. Diante desses acontecimentos, o Varadouro Cultural se posicionou politicamente contra a revitalização proposta no projeto original do PAC, buscando a abertura de um canal de diálogo com o poder público, na tentativa de construção de uma alternativa ao projeto vigente. Nessa época, uma campanha foi ensaiada nas mídias sociais, causando uma relativa repercussão. A campanha era capitaneada pela hashtag #PortoDoCapimEmAção na internet, e vários públicos compartilharam e reverberaram as publicações da campanha pelas mídias. Além disso, várias apresentações, oficinas e atividades foram articuladas na comunidade, no intuito de chamar a atenção da população para a riqueza de memória que aquele lugar tinha para a cidade. A ação se consolidou quando os membros da comunidade se empoderaram tecnologicamente e passaram a administrar a página do Facebook. Até hoje ela continua na mão dos moradores do Porto do Capim, em plena atividade (FIG.2). Vale lembrar que a campanha aconteceu na mesma época de vários movimentos de ocupação de espaços de decisão e poder ao redor do mundo, como o caso do #OccupyWallStreet, em frente à Bolsa de Valores de Nova Iorque, e o #OcupeEstelita, na capital vizinha, Recife, demonstrando o sucesso das ideias propagadas pela cultura de redes.


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Figura 2 - A Página no Facebook atualmente é administrada pela comunidade, através da Associação das Mulheres do Porto do Capim.

Fonte: Acervo pessoal.

#ExisteVidaForaDaOrla No fim de 2013, foi anunciada uma mudança que afetaria diretamente o Varadouro Cultural: o calendário de grandes eventos da cidade possuía um festival musical gratuito, que alternava suas apresentações entre palcos na Orla e no Centro Histórico de João Pessoa. A partir de 2014 a programação começou a acontecer apenas na Orla, excluindo o Centro Histórico do calendário permanentemente. Sob alegações de falta de segurança na infraestrutura do local, a Prefeitura de João Pessoa retirou uma programação que aquecia a Economia da Cultura no Centro Histórico na alta estação, e segregou os atores sociais que mantinham relações de resistência em ações pontuais no Centro Histórico. Foi nessa ocasião que nasceu a #ExisteVidaForaDaOrla, uma campanha de valorização do calendário de eventos que acontecia no Centro

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Histórico, a partir da vocação demonstrada e da identidade de seus empreendimentos com a cultura e a sustentabilidade do território. O Circuito Varadouro Cultural é uma das ações estratégicas desta rede, suscitado e elaborado como resultado de uma ampla discussão sobre uma série de questões acerca da produção cultural no centro da cidade, e a então decisão da Prefeitura de João Pessoa na época, que, através da Funjope, retirou as atrações do Ponto de Cem Réis e passou a ofertar cultura para a população apenas na orla da cidade, deixando o Centro fora do circuito cultural. Tendo a vida fora da orla como pauta e ponto norteador, as ações e atividades do Varadouro Cultural se desenvolveram e foram divulgadas semanalmente, gerando um fluxo amplo e articulado de atividades culturais no Centro de João Pessoa, mostrando aos visitantes e ao poder público que existe uma vida cultural no Centro Histórico da capital. Fotos e cartazes permeiam perfis e linhas do tempo nas mídias sociais (FIG. 3). Figura 3- A hashtag, usada no Instagram, rendeu quase 900 publicações ao longo da campanha.

Fonte: Acervo pessoal.

Perdurando durante todo o ano de 2014, a campanha atravessou um festival (Festival Grito Rock) e dois circuitos culturais (além das programações individuais de cada empreendimento), na busca pela re-significação e reposicionamento da imagem do Centro Histórico.


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De forma mais massiva e flagrante que a ação anterior, a campanha #ExisteVidaForaDaOrla denunciou sistematicamente a ausência do poder público no Centro Histórico. Apesar do Governo do Estado ter sido parceiro na formatação de uma das edições do Circuito Cultural, não foi poupado das críticas, que foram dirigidas também à prefeitura de João Pessoa. O desfecho da campanha foi considerado positivo pelos empreendedores do Varadouro Cultural: o reconhecimento da identidade do Centro Histórico como um lugar de “fazer e acontecer cultura” foi atingido de forma satisfatória, e o público consumidor se manteve frequentando significativamente o território, mostrando o sucesso da ação. #VivaOCentro Mesmo com o sucesso da ação #ExisteVidaForaDaOrla ao longo de 2014, o Varadouro Cultural não conseguiu sensibilizar a administração pública como imaginava. O ano de 2015 seguiu, e o abandono da Prefeitura e Governo do Estado também se perpetuaram. Numa estratégia ousada, o Varadouro Cultural fechou suas portas em protesto ao descaso, na tentativa de mais uma vez chamar a atenção dos poderes públicos. As manchetes estampavam os principais veículos de João Pessoa (FIG.4): igura 4 - Na matéria sobre a violência no Centro Histórico, o anúncio da manifestação dos comerciantes da área.

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Após a radicalização do Varadouro Cultural, que se manifestou fechando as portas dos empreendimentos à noite, novamente o poder público se mostrou, desta vez partindo do legislativo, a disposição para dialogar sobre soluções. “O Centro Histórico”, dizia um dos empreendedores do Varadouro Cultural aos veículos de comunicação, “está morrendo. Não há qualquer compromisso do poder público com aqueles que aqui vivem, investem e trabalham. A criminalidade e a insegurança tomam conta do espaço. As luzes dos postes vivem queimadas, não há policiamento algum, e o acesso continua restrito, mesmo depois da instalação de uma parada de ônibus flutuante, ao lado da Praça”. Mote escolhido pelo Varadouro Cultural, num novo momento na luta pela valorização do Centro Histórico enquanto território criativo, dotado de uma grande riqueza histórica e cultural, a hashtag #VivaOCentro inundou legendas de fotografias nas mídias sociais, de meados de 2015 até o início de 2016. Viver o Centro se tornou a batalha cotidiana, entrincheirados em seus bares e restaurantes. Viver o Centro se tornou


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um clamor pela memória, história e identidade de um lugar. Aí, neste sentido, a campanha #VivaOCentro surtiu mais efeito no poder público do que a #ExisteVidaForaDaOrla (FIG. 5) . Figura 5 - A matéria mostra o início da (re)sensibilização do poder público com a situação do Centro Histórico

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Fonte: PBNews

Um convite a conhecer a vida do local, compartilhado pelos atores que lá vivem, investem e trabalham, passou a sensibilizar as esferas públicas para o problema. Antes, com a agressividade maniqueísta do #ExisteVidaForaDaOrla, que colocava em xeque a vida cultural da Orla da cidade, não havia sensibilizado os órgãos públicos. Neste novo momento, onde se pretende um terno convite, e não um agressivo lembrete, o poder público volta a se aproximar de uma maneira mais efetiva. Com a suspensão do festival musical que acontecia na orla de João Pessoa na alta estação, a demanda por Cultura nos espaços públicos voltou a crescer, e novamente o Centro Histórico foi abordado para a cons-


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trução de um canal de diálogo, que voltasse a viabilizar os empreendimentos na região. No início de 2016 o Governo do Estado demonstrou a intenção de discutir um Plano Estratégico para o Centro Histórico de João Pessoa. Articulando o Iphan, o Governo do Estado da Paraíba, estudantes, professores, pesquisadores, além de membros do Varadouro Cultural e da comunidade do Porto do Capim. A construção do Plano Estratégico se inicia no mês de abril. Em paralelo a essa articulação do Plano Estratégico, O Governo Federal (através do Iphan) e a Prefeitura de João Pessoa lançaram uma linha de crédito para a recuperação de imóveis privados em áreas de tombamento (FIG. 6).

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Figura 6 - A matéria anuncia o programa de financiamento das obras dos imóveis tombados.

Fonte: G1 Paraíba

Dessa forma, imóveis particulares que possuam tombamento federal podem buscar linhas de crédito para reformas estruturais. Assim, a busca pela transformação visual do Centro Histórico se mostra como


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uma das recentes e renovadas frentes de ações do poder público neste território. Considerações Finais Seria uma pretensão muito grande do Varadouro Cultural se ele se afirmasse como “quem resolveu o problema” do Centro Histórico, mas é inegável que as movimentações de ciberativismo e a articulação de atores sociais que pressionaram os órgãos públicos, expondo suas falhas e negligências, contribuíram significativamente para o quadro de retorno ao diálogo. A assessoria de imprensa tradicional também rendeu bons frutos: sempre haviam matérias nos portais de notícias. O engajamento dos movimentos e comunidades foi fundamental para a obtenção dessa vitória na batalha social cotidiana. Ainda que estejamos distantes de uma solução a curto prazo, a proposta de rearticular e reconstruir a conversa com a comunidade local já mostra seus efeitos, e as ações conseguiram dar esperanças a esses territórios de resistência cultural. Nos resta observar o desfecho desse novo conjunto de articulações que está por vir. Referências CASTELLS, Manuel. CARDOSO, Gustavo, (Org.). A Sociedade em Rede: do conhecimento à ação política. Belém: Casa da Moeda, 2005. Disponível em < biblio. ual.pt/Downloads/REDE.pdf>. Acesso em : 16 abr. 2016. FRAGOSO, Suely. REBS, Rebeca R. , BARTH, Daiani L. Territorialidades Virtuais: identidade, posse e pertencimento em ambientes multiusuário online. Disponível para download em < www.matrizes.usp.br/index.php/matrizes/article/ download/51/76>. Acesso em: 19 abr. 2016. LIEVROUW. Leah A. Alternative and activist new media. Polity Press, 2011.

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SCOCUGLIA, Jovanka B. C. Revitalização urbana e (re)invenção do centro histórico na cidade de João Pessoa – 1987-2002. João Pessoa: Editora Universitária, 2004. STASIAK, Daiana. SANTI, Vilso Junior (Org.) Estratégias e Identidades Midiáticas: matizes da comunicação contemporânea. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2011. Disponível em < http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/estrategias.pdf>. Acesso em : 17 abr. 2016. WAISELFISZ, Julio J. Mapa da Violência 2015: mortes matadas por arma de fogo. Brasil: Brasília, 2015. Disponível em < http://www.mapadaviolencia.org.br/ pdf2015/mapaViolencia2015.pdf >. Acesso em: 20 abr. 2016.

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O profissional de Relações Públicas no cenário cultural de João Pessoa: o caso Varadouro Cultural1

Amanda AZEVEDO2 Gutemberg CARDOSO3 Thâmara ROQUE4 Andréa Karinne Albuquerque MAIA5

Resumo: O presente artigo busca refletir sobre a importância das ações de comunicação como mecanismo essencial na promoção da cena cultural existente no Centro Histórico da cidade de João Pessoa, capital da Paraíba. Usando o caso da Associação Varadouro Cultural como objeto de estudo, identificamos que as Relações Públicas podem contribuir com o seu olhar estratégico juntamente com as interfaces da comunicação na área da gestão cultural. Palavras-Chave: Relações Públicas. Cenário Cultural. Centro Histórico. Gestão Cultural. Cibercultura.

1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 26 a 27 de maio de 2016. 2 Amanda Azevedo Sousa, estudante de graduação 6° semestre do curso de Relações Públicas pela Universidade Federal da Paraíba. Email: mandaazevedos@ hotmail.com 3 Gutemberg Cardoso da Silva, estudante de graduação 6º semestre do curso de Relações Públicas pela Universidade Federal da Paraíba, e do 2º semestre de Administração da Estácio de Sá. Email: gutorp@outlook.com 4 Thâmara Roque dos Santos Souza, graduada em Radialismo pela Universidade Federal da Paraíba, estudante de graduação 8º. semestre do curso de Relações Públicas pela Universidade Federal da Paraíba. Email: thameenha@gmail.com 5 Orientadora do trabalho, graduada em Comunicação Social com habilitações em Relações Públicas e Jornalismo, possui MBA em Gestão estratégica de pessoas, e mestrado em Comunicação e culturas contemporâneas pelo PPGC UFPB, professora do curso de Relações Públicas da Universidade Federal da Paraíba. Email: andreakarinne@gmail.com

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Procedimentos Metodológicos A construção metodológica deste artigo se deu por meio de um estudo de caso que analisou a gestão da comunicação adotada pela Associação Varadouro Cultural, e a sua forma de organização ligada à gestão cultural. A elaboração de uma pesquisa institucional foi o ponto de partida para o desenvolvimento desse estudo, no qual foram recolhidos os dados sobre a organização por meio de um briefing instrumento bastante utilizado para recolher dados sobre as organizações, a relevância desse tipo pesquisa nos deu uma dimensão maior da organização, segundo Kunsch (2003, p. 290) “A importância da pesquisa institucional para o processo de relações públicas está nas possibilidades de um estudo abrangente e uma visão conjunta da situação”.

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A pesquisa bibliográfica foi realizada com intuito de compreender os temas relacionados ao objeto de estudo tais como: relações públicas, mercado cultural, arranjo produtivo local e cibercultura. A investigação se aprofundou quando acrescentada a pesquisa documental, analisando o documento base que descreve os princípios e objetivos da organização, que nos levou a conhecer o funcionamento, a ideologia e os interesses que regem o Varadouro Cultural. As técnicas qualitativas adotadas possibilitaram um maior panorama da realidade local, sendo realizadas entrevistas semi-estruturadas com um guia turístico local, alguns moradores do entorno da área de maior concentração de empreendimentos, agentes culturais, artistas, e integrantes do Varadouro Cultural, e a observação participante que foi primordial para compreender o contexto local. Introdução


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O Centro Histórico, local onde estão inseridos os empreendimentos do Varadouro Cultural, possui edificações que compõem um cenário de diferentes estilos e épocas cheio de sobrados, praças, casarios coloniais e igrejas. Considerado o principal acervo arquitetônico da Paraíba, foi inserido no processo de restauração no ano de 1987. Reconhecido como patrimônio nacional do Brasil no dia 6 de dezembro de 2007, o Centro Histórico está inscrito nos Livros do Tombo Histórico e Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Entendendo o Centro Histórico como o espaço geográfico em que se distribuem os integrantes no que podemos considerar de “território criativo”, o Varadouro Cultural cliente/objeto deste estudo, é escolhido como viés para a abordagem, e consequentemente a pesquisa vem a confluir com os interesses do Varadouro Cultural, adotando práticas e fundamentações seguidas pela organização. O caso Varadouro Cultural O Centro Histórico é um lugar que esbanja belezas em suas construções arquitetônicas antigas que apresentam as diversas fases da história local, atraindo turistas e a população pessoense durante a época da restauração desse espaço, no qual se tornou um cenário alternativo de cultura onde artistas paraibanos começaram a divulgar os seus trabalhos, recebendo um público apreciador desse tipo de manifestação cultural. Existindo oportunidade de mercado nesse ambiente alguns empreendedores começaram a investir no local, abrindo estabelecimentos ligados ao entretenimento cultural e produção artística, como bares, casas de shows, ateliês, brechós. Com o passar dos anos o comércio existente reduziu devido à baixa circulação de pessoas, provocada pelos fatores relacionados a péssimas condições de iluminação e segurança. A falta de manutenção após o

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processo de restauração resultou no desgaste das condições estruturais do local. Dessa forma, o Centro Histórico entrou no esquecimento da sociedade pessoense. Para resistência frente a esse momento, houve a iniciativa desses empreendedores em demandar uma nova forma de organização, na qual se propuseram à construção de uma mistura entre movimento social da cultura e proposta de arranjo produtivo local, buscando o fortalecimento de um cenário cultural.

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O Varadouro Cultural, enquanto organização se orienta em dois eixos, um político e outro econômico. Reconhecendo como movimento social da cultura, organizado em uma rede de agentes culturais, artistas, empreendimentos e iniciativas criativas. Econômico porque conta com o envolvimento de grande parte dos estabelecimentos comerciais ligados à cultura de um mesmo recorte territorial, o bairro do Varadouro e seus arredores no Centro Histórico de João Pessoa. Compõem o cenário criativo dessa rede: produtoras musicais, coletivos culturais, casas de shows, associações culturais, estúdios de ensaio e gravação musical, agentes e artistas independentes, todos organizados em torno do setor artístico-cultural da região. A intenção é que todos os participantes interajam na construção coletiva de um desenvolvimento sustentável, tendo a criatividade como principal insumo. O objeto de estudo representa os novos modelos de gestão que estão surgindo devido a democratização das tecnologias e da internet, que através das suas relações de trabalho colaborativas tornam-se mais acessíveis as formas de produção e a sustentação dos negócios. Uma nova forma de gerenciar a cultura O Varadouro Cultural funciona como arranjos produtivos locais que são uma nova forma de visualizar a gestão conjunta entre os empreendimentos, com diferencial competitivo para micro, pequeno e médias empresas (PME) e oportunidade para o desenvolvimento regional.


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Essa visão de aglomerado de empresas é baseada em cooperação, governança e confiança. Esses fatores geraram necessidades de profissionalização dos agentes culturais que demandaram espaços de formação criados de forma independente, gerando uma cadeia produtiva que se sustenta por meio de parcerias colaborativas, com o foco no fortalecimento desses grupos que empreendem a cultura nesse território. A alta freqüência da produção entre os artistas, bandas, e grupos que criam seus projetos independentes movimentando o cenário cultural no Centro Histórico da cidade, levou ao surgimento dos coletivos e grupos culturais que impulsionaram o desenvolvimento dessa cena. O modo de se organizar em rede vem ajudando nesse processo devido às ferramentas gratuitas encontradas na internet que são utilizadas para gerenciar os projetos e promover o produto/serviço, garantindo também uma maior flexibilidade no trabalho. A cibercultura é um aspecto que influenciou positivamente no surgimento do Varadouro Cultural e de sua estrutura organizacional pela facilidade que o meio digital fornece. O filósofo Pierry Lévy (SIMÕES apud LEVY, 2009, p. 5) define a lógica da cibercultura como um novo espaço para relacionamentos. O ciberespaço (que também chamarei de rede) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ele abriga, assim como os seres humanos navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LEVY apud SIMÕES, 2009, p. 5).

As relações de trabalho no meio digital possibilitaram que os processos produtivos que mantém o foco no planejamento e na divulgação

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sejam feitos pelos canais de comunicação do Varadouro Cultural disponíveis na internet, onde organiza documentos online aos quais todos os envolvidos têm acesso, o que torna o seu funcionamento mais eficiente e participativo. Apesar de contarem com reuniões presenciais periódicas, utilizam majoritariamente de plataformas virtuais nas mídias sociais, como planilhas de produção online, emails, chats e grupos de discussão. Apostando nessa ideia os gestores do Varadouro Cultural decidiram cooperar numa auto-organização que traz benefícios para os empreendimentos e para o Centro Histórico.

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A gestão da comunicação organizacional no Varadouro Cultural O gerenciamento da comunicação acontece por meio dos canais que fazem a promoção institucional do Varadouro Cultural, as mídias digitais utilizadas são o facebook6, instagram7, twitter8, youtube9 e flickr10. A equipe de mídia é formada pelos responsáveis que divulgam as ações de cada empreendimento que compõe o Varadouro Cultural, concentrando as informações em um único fluxo criando uma identidade organizacional comum a todos os membros, assim o objetivo é desenvolver uma assessoria de comunicação para os canais online (redes sociais) e offline (jornais impressos e televisionados) com pautas voltadas a um resumo semanal da programação e do que acontece no Centro Histórico. Atuando por meio da mídia independente, os integrantes que compõe a equipe não precisam ter necessariamente uma formação acadêmica, trabalham em conjunto sem delimitação de funções valorizando a experiência prática, não existindo hierarquias que passe por revisões ou censuras, dessa forma a comunicação se torna horizontal, dinâmica e participativa. Essas práticas informais em uma organização que funcio6 7 8 9 10

Facebook: https://www.facebook.com/varadourocultural Intagram: https://instagram.com/varadourocultural/ Twitter: https://twitter.com/varadourocult Yotube: https://www.youtube.com/user/varadourocultural Flick: https://www.flickr.com/photos/varadourocultural/


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na em rede são positivas, devido ao comprometimento de seus integrantes que partilham de um interesse comum. Um modelo participativo de gestão é essencial para que esse tipo de trabalho possa gerar bons resultados, além de permitir que todos colaborarem na tomada de decisões, tornando um processo democrático. As práticas midiáticas feitas por meio do registro das ações e da produção livre de conteúdo em publicações nas redes sociais, funciona como um estímulo para os públicos conhecerem os empreendimentos do Varadouro Cultural. O compartilhamento de informações nas redes sociais permite atualmente um grande alcance nas divulgações, gerando resultados satisfatórios aos empreendedores. A atuação do profissional de Relações Públicas na gestão cultural. O mercado cultural está cada vez mais ganhando espaço atraindo o âmbito empresarial por meio da promoção de ações culturais vinculadas a marcas institucionais, ou de forma independente pelas iniciativas dos grupos artísticos. Sabe-se que para que uma ação tenha sucesso ela deve passar por fases tais como: pesquisa, planejamento, implantação e avaliação. Dessa forma o profissional de Relações Públicas possui as atribuições necessárias para atuar nesse nicho de mercado, segundo as considerações de Nussbaumer (2000, p. 47) Mas sendo o planejamento uma das funções básicas do profissional de relações públicas, somado ao conhecimento de técnicas de comunicação e, principalmente, dos públicos de uma empresa, poderíamos afirmar, então, que a formação desse profissional vai ir ao encontro das necessidades exigidas para a atuação no marketing cultural (NUSSBAUMER, 2000, p. 47).

O Varadouro Cultural por possuir uma estrutura organizacional sustentada por práticas colaborativas acaba por desenvolver o ge-

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renciamento da sua comunicação de forma integrada, unindo ações do marketing, propaganda, jornalismo, design e as relações públicas, com a finalidade de promover o serviço que são eventos culturais, debates, workshops, oficinas e exposições artísticas. Esse formato de trabalho integrado possibilitou a atividade de relações públicas estabelecerem relacionamentos com os públicos utilizando as estratégias do mix da comunicação no mercado cultural. É atribuição do profissional de Relações Públicas a produção de eventos como um meio de comunicação dirigida aos públicos de uma organização. Para Nussbaumer (2000), a utilização da cultura como instrumento de marketing é um investimento que não traz lucros diretos e imediatos, mas que a médio e longo prazos pode trazer benefícios significativos (NUSSBAUMER, 2000). Relacionando as funções de Relações Públicas que atua juntamente com as ações de marketing cultural percebemos que resultados positivos podem ser gerados para esses empreendimentos, associando as ações culturais a sua marca, que já é próprio do serviço que oferecem. Percebemos que existem várias possibilidades para desempenhar o papel das relações públicas, encontradas nas ações estratégias de marketing vinculados ao produto/serviço cultural, citando exemplos: a manutenção de uma rede de relacionamento com o poder público, consumidores, fornecedores, patrocinadores e os artistas que influenciam a organização garantindo boas negociações e parcerias, a formação de públicos para as ações culturais, boa repercussão da opinião pública e provocar a mídia espontânea. A partir dessas conexões das relações públicas com as interfaces da comunicação trocam-se experiências que enriquecem e geram grandes benefícios para a organização. Considerações Finais


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O estudo do caso Varadouro Cultural nos permitiu compreender a importância dos agentes culturais em criar canais de comunicação que vem mudando a realidade do cenário cultural no Centro Histórico. A facilidade obtida devido à democratização do uso da tecnologia provocou novas formas de relacionamentos causados pelo fenômeno da cibercultura, que facilitaram a propagação das ações do Varadouro Cultural nas redes socais buscando atrair novos públicos. As Relações Públicas enquanto função estratégica contribui, juntamente com o trabalho desenvolvido por profissionais de outras áreas da comunicação, bem como, áreas afins como o marketing, na promoção de ações que promovem melhorias no relacionamento da organização com os seus públicos. Referências Bibliográficas CASSIOLATO, José. E.; LASTRES, Helena. M. M. Arranjos produtivos locais: uma nova estratégia de Ação para o SEBRAE - Glossário de Arranjos e Sistemas Produtivos e Inovativos Locais. Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais. Rio de Janeiro: UFRJ, nov., 2003. KUNSCH, Margarida Maria Krohling. Planejamento de relações públicas na comunicação integrada. Ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Summus, 2003. NUSSBAUMER, Gisele Marchiori. O mercado da cultura em tempos (pós) modernos. Ed da UFSM, 2000. SIMÕES, Isabella de Araújo Garcia. A Sociedade em Rede e a Cibercultura: dialogando com o pensamento de Manuel Castells e de Pierre Lévy na era das novas tecnologias de comunicação. João Pessoa: UFPB, maio., 2009. SHIONARA, Akene. MELO, Tadeu de Brito. Centro Histórico de João Pessoa: tombamento, restauração, “revitalização” e reinserção do uso habitacional. Anais XVI Encontro Nacional dos Geógrafos. Porto Alegre, julho,.2010.

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A cidade-fábula: a transformação midiática da cidade de Campina Grande durante o Maior São João do Mundo1 Skarllety Fernandes2 Quando um apresentador de um telejornal local começa a edição com o discurso que o telespectador irá ficar informado de tudo que acontece na sua cidade e Estado, ele faz a referência de que a mídia é a junção da fragmentação da cidade. Como afirma Canclini (1997)

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As informações sobre as peripécias sociais são recebidas em casa, comentadas em família ou com amigos próximos. Quase toda a sociabilidade e a reflexão sobre ela concentra-se em intercâmbios íntimos. Como a informação sobre os aumentos de preços, o que fez o governante e até sobre os acidentes do dia anterior em nossa própria cidade nos chegam pela mídia, está se torna a constituinte dominante do sentido “público” da cidade, a que simula integrar um imaginário urbano desagregado. (CANCLINI, 1997, p.03)

Esse sentido do espaço público na cidade pela mídia nos leva a percepção do consumo da mídia e os seus processos de sociabilidade, tornando um dos principais palcos para essas formas de integração, mesmo simulada, aconteça. Os processos de transformar os acontecimentos em notícias, por parte dos jornalistas, passam por diversos filtros, interesses, ideologias, orientações até tornar-se produto nos meios de comunicação. Prestei 1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 26 a 27 de maio de 2016. 2 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba.


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serviços em três emissoras de televisão na cidade de Campina Grande, Paraíba, onde em suas devidas proporções de estruturas, se esforçam para veicular os diversos sentidos produzidos pela cidade. Campina Grande leva títulos como a segunda cidade mais populosa do Estado, referência em desenvolvimento de softwares, tecnologia, pólo calçadista, empreendedora, com índices preocupantes de violência e um dos mais conhecidos, a terra do “Maior São João do Mundo”. As festas populares se inserem na mídia afim de significar a sua expressão cultural. São utilizados nos textos os elementos regionais tradicionais, recorrendo ao imaginário popular a sensibilidade nas produções jornalísticas. “Os meios de comunicação, jornal, rádio, televisão e, mais recentemente, a internet, cumprem um papel de fundamental importância na instituição da festa junina em sua versão urbanizada. (...) através de seus discursos, todo um imaginário dessa festa como uma excelente oportunidade de vivência de uma prática cultural localizada temporal e espacialmente, ” (LIMA, 1964, p.191) Ao promover desde os anos de 1983, o espetáculo que por 30 dias celebra os festejos juninos, a cidade vira sinônimo de um produto de entretenimento para o turismo nacional. Entre os argumentos produzidos pela organização e reproduzidos pela imprensa local, está o aquecimento na economia local, com números de geração de emprego e renda, temporárias ou não, em diversos setores. Desde a arrecadação municipal até os setores de comércio, hotelaria, alimentação, serviços que vão dos grandes empresários à flanelinha que estaciona os carros. O palco principal dessa festa é o Parque do Povo, local com 43 mil metros quadrados que abriga barracas de comidas, bebidas, palhoças, palcos, apresentações de quadrilhas, grupos folclóricos, uma cidade cenográfica e uma variada programação que começa diariamente às 18h até as 04h com bandas e trios de forró. Além do Parque do Povo, a cida-

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de abriga diversos espaços que atraem turistas e a população local para viver o São João. A grande parceira do evento, sem dúvidas é a imprensa local, ao confirmar a grandiosidade de elementos que reforçam o imaginário do “Maior São João do Mundo”. Como destaca Sanchez (2010), ao destacar a linguagem visual como uma das características marcantes na produção e fixação de novas sínteses.

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À abundância quantitativa das formas visuais – material publicitário, vídeos, folders, exposições, web sites, mostras fotográficas –, corresponde um pequeno número de palavras tecnicamente ordenadas e repetidas como elementos de fixação. Os meios utilizados estão voltados a públicos dirigidos, potenciais “compradores” da cidade. Mas o bom relacionamento entre governo urbano e mídia se constituiu em fatos político central para o sucesso das campanhas promocionais e, por conseguinte, da política de comunicação da administração pública (SÁNCHEZ, 2010, p.464-465).

Essa quantidade é vista pela cobertura que a imprensa dá cidade faz durante o mês de junho, com programas temáticos, seja em televisão, rádio, web, exaltando a festa e o que há de consumir nela. Demonstrando o relacionamento das empresas entre os governos, a relação de publicidade patrocinada, as matérias recomendadas que passam despercebidas pela maioria e possibilitam potenciais “compradores”. O autor Flávio Lins (2014), conceitua as cidades-fábulas, as cidades “cuja narrativa imaginária pretende sugerir uma “verdade ou reflexão”, que pouco tempo depois desaparece, ainda que ecos possam permanecer, material e imageticamente. (p.137). Podemos associar ao evento realizado em Campina, onde há um legado de interrogações quando acaba o espetáculo para os citadinos. O telejornalismo ao falar dos festejos juninos, percorre a história da festa que comemora o tempo da colheita e o calendário católico ao ce-


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lebrar os santos São João, São Pedro e Santo Antônio. Elementos como o gênero musical forró, os sabores das comidas de milho, a alegria da dança das quadrilhas juninas, a fogueira, as recordações das festas realizadas no interior e a modernidade, como é a implantação de cenografias e grandes shows, configuram uma nova festa nordestina que ainda busca o resgate de suas raízes. A mídia no período constrói um sinônimo entre a cidade e o evento, uma verdadeira transformação do espaço urbano que gira em torno da “fábula” dos festejos juninos. Ao trabalhar por um ano na emissora TV Borborema, filiada ao SBT na cidade, pude perceber, até a responsabilidade que a mesma possui ao iniciar o tema na mídia local. A TV possui um programa chamado “Momento Junino”, realizado ao vivo na estrutura da Pirâmide do Parque do Povo, aos sábados a partir de meio dia, nos meses de maio a julho, o programa é uma espécie de prévia do que acontecerá no evento. O formato é com atrações juninas, cantores conhecidos local, regional e nacional que cantam ao vivo seus repertórios dançantes e interagem com os apresentadores e plateia. Há presença de quadrilhas juninas da cidade, artesões com seus produtos e um trio de forró local que divulgam os seus trabalhos. Além da participação dos cantores ao vivo, para ocupar quase duas horas de duração do programa, é investido o espaço para matérias com cunho temático para exaltar os símbolos e cultura regional. O programa marcado pela política de boa vizinhança com o governo municipal é o reflexo da sua produção e realização no espaço oficial da festa, demostrando a antecipação de uma montagem de estrutura, especialmente para o Momento Junino, que está a mais de uma década no ar. A sua veiculação atualmente, é transmitida pela internet e pelo sinal da emissora que atinge Campina Grande e algumas cidades do entorno.

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Outra experiência que tive foi na produção do programa junino “ Arraiá da Correio” produzido pela TV Correio, filiada à TV Record no Estado. O programa também veiculado aos sábados, ao vivo, possui a duração e estrutura menor que o Momento Junino. Geralmente transmitido em um restaurante ou espaço temático na cidade de Campina Grande, segue os moldes do programa da outra emissora. As matérias que vão ao ar, também possui a proposta de envolver assuntos que demonstrem e valorize a cultura do evento, porém há espaços para a regionalização, já que o programa é veiculado para todo o Estado. Mas acabam repetindo enquadramentos. As duas emissoras que possuem os programas específicos, reproduzem o discurso da transformação da cidade em um grande “arraial”, o envolvimento de todos os setores para a manutenção e sucesso do evento. Sendo uma das características das cidades-fábulas como afirma Lins (2014) no desejo de se converter em um produto para aquisição de negócios. “É também cobiçado e incorporado pelas demais cidades, que vêm na possibilidade de se converterem definitivamente em cidades-espetáculo a oportunidade de bons negócios e de reconfiguração daquele espaço”. (p.138). A cidade de Campina Grande é vista como uma vitrine para a mídia que tenta explorar as transformações da dinâmica da rotina urbana e suas formas de consumo para midiatizar. Porém, o agendamento da mídia que é dado faz com que o tema seja, de certa forma, cair na repetição de enquadramentos constrói a visão da mesmice para o público. A mídia insiste em destacar a espetacularização, a valorização dos números para reforçar isso: pessoas por noite no Parque do Povo, as horas de forró, atrações, locais de festas, turistas, títulos conquistados por eventos isolados, etc. Sem falar na repetição de gastos seja por parte da organização ou do turista que deixa a sua contribuição.


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De acordo com Ferracciù (2002), essas atividades, se repetidas, podem se tornar tradicionais, gerando cobertura e divulgação: “funcionam como „promomídia‟. O fato é tão importante que a mídia o divulga” (FERRACCIÙ, 2002, p. 71). Neste caso, a mídia de massa trata o Maior São João do Mundo como um acontecimento programado e faz parte dos critérios externos para a aparição do acontecimento. (CHARAUDEAU, 2013, p.138) Essa “obrigação”, por se tratar de um evento programado, pode deixar as redações acomodadas em ter acesso as mesmas fontes, facilitando a execução das matérias, acabam não explorando novos olhares da festa, desde a programação, atrações, preservação de ritos, novas formas de comemoração e tantas outras possibilidades. Apesar de conhecer a rotina de produção uma televisão e as diversas dificuldades enfrentadas para a execução das matérias, não é desculpa para pensar em novas pautas para o período. O que vemos é praticamente a automatização de releases pela Prefeitura Municipal de Campina Grande tornando-se notícias, em todos os meios de comunicação da cidade. Outra fonte que é bastante usada pela mídia, tratando como prioridade ao falar sobre a festa. As matérias que falam sobre o evento, passam por alguém da organização municipal, secretários, coordenadores e o Prefeito. A fonte institucional recebe a maior atenção para a legitimação da festa. Não acredito que se esgotou os olhares para pautas criativas do evento, o que precisa é a sensibilidade para tal. A cidade se transforma é afetado e afeta durante a realização do evento, mas podemos tratar de que forma a cidade recepciona essa festa, não somente no centro da cidade. Mas será que a divulgação representa as pessoas que fazem o evento? As pessoas que participam? Existe outras formas de diversões nos outros bairros?

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Me pergunto qual a impressão de um turista que chega na cidade, já com um imaginário afetado pela informação midiática, vive a festa e consome a divulgação regional do evento. Será que são as mesmas informações? Ele reconhece a cidade pela mídia? Os desenvolvimentos das cidades ocorrem de diversas formas, podem ser pela economia, industrialização, urbanização, entre outros. Os grandes eventos acabam destacando as cidades como sendo a sede desse reduto de sonhos e encantos que os eventos proporcionam. Mas será que o evento basta para representar uma cidade? Qual o papel da mídia na divulgação de um evento sem reduzi-lo a uma construção de espetáculo midiático? Referências

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CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 1997. CHARAUDEAU, Patrick, Discurso das Mídias. 2 ed. São Paulo: Contexto, 2013. FERRACCIÙ, J. D e S. S. Promoção de Vendas: na Teoria e na Prática. 5. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2002. LIMA, E. C. A. A Fábrica dos Sonhos: a invenção da festa junina no espaço urbano. 2ª. ed. Campina Grande: EDUFCG, 2008. v. 1. 251p LINS, Flávio. Cidade-Fábula: imaginário e materialidade eternamente inacabados. In Teorias da Imagem e do Imaginário / Denize Correa Araújo e Malena Segura Contrera (Orgs.) – Compós 2014. 368 p. SÁNCHEZ, Fernanda. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. 2 ed. Chapecó, SC: Argos, 2010.


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Ausência das Relações Públicas no Turismo no município de Casserengue -PB1 Gutemberg CARDOSO2 Amanda Azevedo SOUSA3 Joelma da Silva OLIVEIRA34

Resumo: O presente artigo busca relacionar as interfaces entre Relações Públicas, Turismo e Marketing e mostrar as oportunidades de atuação das Relações Públicas na cidade de Casserengue e seu fomento. Reflexão sobre a comunicação dirigida e ação dos agentes governamentais, da população e do local, a fomentar o turismo e a cultura local. Para dar suporte a discussão deste artigo, utilizamos autores como Marcos Cobra. (1992), que aborda a forma de administrar o marketing; e Cassar e Dias (2005), que esclarece os fundamentos do marketing turístico; e Ruschamann (1990) que dá um enfoque no marketing turístico no aspecto promocional. Palavras-chave: Relações Públicas. Turismo. Comunicação. Marketing.

Introdução O presente artigo restaura a história, cultura, e reflete sobre a promoção e a divulgação, e publicidade desses locais, assim como as visitas cotidianas do dia a dia que vem se perdendo. O município de Casserengue, com cerca de 8.000 habitantes, é localizado no brejo paraibano nas divisas com o Curimataú, mais especificamente na região da Serra da Caxexa. A cidade possui diversas belezas naturais, e uma grande quantidade de granito preto que é sua riqueza mineral. A serra é utilizada para 1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana – “A comunicação e a cidade: espaços, diálogos e vivências”, realizado na Universidade Federal da Paraíba, nos dias 26 e 27 de maio de 2016 2

Autor, Estudante de Graduação 6º. semestre do Curso de Relações Públicas – UFPB e do 3º semestre de Administração da Estácio de Sá, email: gutorp@outlook.com

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Autor, Estudante de Graduação 6º. semestre do Curso de Relações Públicas – UFPB email: mandaazevedos@hotmail.com

4 Orientador do trabalho. Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas. Professora do Departamento de Comunicação - UFPB, email: joelmaso@hotmail.com

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a prática de rapel e possui uma ponte férrea, tradição histórica de 1930, dentre outros pontos turísticos. Por ser uma região de clima frio, é bastante propícia ao turismo, e possui ainda uma forte tradição religiosa. O profissional de Relações Públicas enquanto estrategista da comunicação pode contribuir na divulgação e valorização da cultura local e da tradição, desenvolvendo o marketing, e propiciando ao município um grande salto na região, fazendo frente à concorrentes turísticos como as cidades de Areia e Bananeiras. O potencial turístico de Casserengue Casserengue é município interiorano, fundado em 1994, recebeu

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esse nome devido a sua localização, em que os viajantes que iam do Brejo para o Curimataú dormiam embaixo de juazeiros e quando acordam exclamavam “aqui custa a chover, mas toda noite cai sereno”. Tem como principais atividades econômicas a mineração, a agricultura e a pecuária. Seu potencial turístico, assim como cidade de interior se baseia nas festas tradicionais, como a festa de padroeira, frio interiorano do brejo, serras, monumentos históricos e a extração de minérios. A emancipação política da cidade se dá em 29 de abril de 1994, desmembrado –se assim da cidade de Solânea-Pb, após isso todos os anos é comemorado com competições, apresentações culturais e festas de rua. Em junho pela proximidade e pelas grandes festividades de santo Antônio e são João de Solânea e Bananeiras. Casserengue comemora então o São Pedro e pela mesma numeração de data 29, se torna estratégico para memorizar a emancipação, e também é comemorada com quadrilhas, festas religiosas, quermesses, comidas típicas e diversas outras coisas que tendem a atrair cada vez mais o turista.


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

De acordo com relatos de antigos moradores antigos, em 1º de maio de 1962, foi celebrada a 1ª missa do lugar embaixo de um juazeiro5, pelo padre José Fidélis. Já em 18 de outubro de 1978, foi trazida da Bahia como forma de promessa de José Macena da Silva a imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro que até então se torna padroeira do lugar. Todos os anos nessa época se comemora com novenários, missas, quermesses, parques, de forma bem tradicional e interiorana e um dia após o dia 18 tem a cavalgada pela manhã, buscando a preservação da tradição e interação cristã. É considerada a maior festa da cidade. Em todo o município existem monumentos históricos e naturais, desconhecidos por muitos essa potencialidade do lugar, como a Pedra do caboclo, pedra em formato de chapéu de lampião, a Ponte férrea no sítio salgado construída em 1930 da linha Independência ao Pichuy, a Pedra do Oratório, grande rocha sobre a serra da caxexa que lembra um oratório católico, os tanques artesianos do sítio Valério, a lagoa do centro da cidade que existe a mais de 60 anos e se torna cartão postal da cidade e as diversas pedras históricas com até pinturas rupestres. A zona rural do município é rico em minérios, precisamente nos sítios travessa, pedrinha d´agua e cinco lagoas. A Granfugi Mineração S.A. há anos explora e leva para o mundo essas belezas. A empresa abre espaço para visitação e observação dos procedimentos de extração do granite preto. Casserengue por ser município do brejo paraibano, é frio, e caba atraindo diversos visitantes interessados no seu clima e por ser rodeado de serras que lembram os alpes suíços acabam somando belezas naturais para o lugar. 5 Juazeiro é uma árvore que produz um fruto comestível, chamado juá (VIDE JUÁ); é uma árvore de porte médio, com ramos tortuosos e protegidos por espinhos, suas flores são pequenas e de cor creme. Pertence à família das Ramanáceas e é tipica da região nordeste do Brasil.

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A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

A atuação das Relações Públicas no Turismo As Relações Públicas aplicadas ao turismo têm a missão e a responsabilidade de promover a confiança e o entendimento dos públicos, as atrações turísticas construindo uma imagem positiva e confiável, tendo em vista que não é tão simples promove-lo em algumas cidades brasileiras onde a violência paira em alguns lugares e estabelecer um plano de segurança é de suma importância para que os turistas aproveitem bem determinados lugares.

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O objetivo das relações públicas no turismo é o de “estabelecer, através de um esforço deliberado, planejado e contínuo, um clima de compreensão e de confiança mútuas, entre organização e o público, permitindo que a atividade turística se processe de forma harmoniosa e num ambiente favorável. (RUSCHMANN, 1990, p.47)

Relações Públicas, de acordo com alguns autores, sempre foi vista como a profissão de equilíbrio entre a organização e seu público, visando relacionar a opinião pública, buscando harmonia entre imagem, identidade e reputação do lugar de forma previamente planejada para que tudo ocorra de forma contínua e dentro dos parâmetros da normalidade e no turismo não seria diferente. No turismo sempre deve ser levado em conta as variáveis e o Relações Públicas deve estar sempre preparado para seus imprevistos. Em termos de marketing turístico, os possíveis visitantes desconhecem os atrativos da cidade, pois a não ser pelo elo entre os moradores e familiares/amigos, pois não existem meios informativos sobre entretenimento, atividades turísticas ou indicações de hospedagem e alimentação. Devendo assim, acontecer ações de marketing a fim de dar vida a esse mercado. Segundo as considerações de Cobra (1992)


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

Marketing é mais do que uma forma de sentir o mercado e adaptar produtos ou serviços- é um compromisso com busca da melhoria da qualidade de vida das pessoas. (COBRA, 1992, p.57)

Apesar do estereótipo da função do marketing está voltada apenas para a comercialização de produtos e serviços, por meio dessa ferramenta podemos suprir as necessidades do consumidor de maneira ética e responsável, promovendo no caso da cidade de Casserengue as suas atrações turísticas. As formas de promoção do turismo poderia ser pensadas utilizando as ferramentas da comunicação como folders, cartazes, banners, as redes sociais, e investimentos direcionados a comunicação massiva como outdoor, carros de som, rádio local e jornais locais. O Marketing é a forma de vender o seu produto, isto é, chamar atenção em busca de atrair clientes, sempre visando promover a sua imagem, seja ela, empresa ou produto. Buscando agregar benefícios e vantagens que possivelmente melhorariam a vida das pessoas. Os produtos de maior visibilidade na cidade são as tradições religiosas, festas de rua e o maior e mais famosa, a Serra da Caxexa, assim aproveitando as técnicas do marketing deve ser almejado a satisfação dos consumidores com os produtos e serviços oferecidos. Desta forma, turismo é definido como: [...] o conjunto de atividades que as pessoas realizam durante suas viagens e estadias em lugares diferentes ao de seu entorno habitual, por um período de tempo consecutivo inferior a um ano, com o objetivo de lazer, negócios ou outros motivos, não relacionados a uma atividade remunerada no lugar visitado. (DIAS; CASSAR, 2005, p.57)

O marketing turístico visando o sistema capitalista e a divulgação em busca de promoção, tem a possibilidade de trabalhar em parceria com as empresas e comerciantes vizinhos, a fim de criar parcerias com

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A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

a prestação e venda de serviços aos turistas, que pode gerar clientes fidelíssimos ou temporários e gerando conhecimento para outras futuras visitas, a maioria das vezes com vista na atividade remunerada. Turistas, comunidade local e realidade atual do município O turismo local atualmente se encontra fragilizado e pouco explorado em termos econômicos e midiáticos, possuindo restaurantes, comércio ativo, pousadas, grandes espaços, acreditamos que existe uma estrutura viável para receber atrações turísticas que podem atrair clientes e provocar o desenvolvimento para a região. Para transformar essa realidade uma oportunidade seria a criação de parcerias entre os comerciantes locais e o poder público, criando condições para os turistas visi-

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tarem a cidade. As práticas culturais e as manifestações religiosas são expressões que indicam o cotidiano da população de Casserengue, fruto de gerações e de grupos sociais. Muitos detalhes sobre a cultura do povo foram perdidos e algumas ainda se perdem, precisa-se de alguém que faça essa recuperação e a divulgação desses pontos. Fica exposto que Casserengue tem um grande potencial turístico, seja natural, religioso, ou festivo no geral. É uma grande pena perceber que os órgãos públicos e governantes da época não se envolvem para tentar dar visibilidade para o ambiente. A esfera municipal por meio da Secretaria de Agricultura, Indústria, Comércio e Turismo e a Diretoria de Turismo Municipal, são órgãos responsáveis por conceder as devidas estruturas e condições para as atividades turísticas sofrendo pela falta de planejamento e ações eficientes na cidade de Casserengue. Considerações Finais


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

As Relações Públicas e o Marketing possuem um amplo campo de atuação para o segmento do turismo em Casserengue, porém infelizmente a cultura organizacional dos órgãos públicos limitam a sua visão, desconhecendo as ferramentas ou estratégias de comunicação que podem gerar benefícios para o local. As ferramentas digitais cujo acesso demanda um menor investimento financeiro podem trazer bons resultados. Um dos propósitos da propaganda em Relações Públicas pode ser utilizado como o de preencher essas necessidades, com intuito de promover a cidade em todas as áreas seja cultural ou comercial e os pontos turísticos, enquanto isso não acontece os atrativos irão continuar vivos apenas pela memória dos moradores, e escondidos dos demais lugares do estado e do país. O que se deve ser visto que o que está em falta é a comunicação. Referências COBRA, Marcos. Administração de Marketing. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1992. DIAS, Reinaldo; CASSAR, Maurício. Fundamentos do marketing turístico. São Paulo: Person Prentice Hall, 2005. RUSCHMANN, Doris Van de Meene. Marketing Turístico: um enfoque promocional. 2 ed - Campinas, SP: Papirus, 1990.

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Atualizar para corrigir: a política de correções de erros nos portais paraibanos1 Marcella Silva Mousinho Machado2 Maryellen Ingrid de Araújo Bãdãrãu3 Sandra Regina Moura4

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Resumo: O erro jornalístico é uma condição que perpassa as etapas de produção da informação, que vai desde a apuração até a publicação no meio digital. Através dele é possível identificar falhas não somente na construção do texto jornalístico, mas principalmente na execução de todo o processo anterior. No tocante às correções, dependendo da forma que se constitui, retifica incoerências textuais ou mantém a desconstrução ética. Esta pesquisa trata da análise das correções de erros nas notícias em três portais paraibanos, o G1 PB, o Portal Correio e o MaisPB e através de um estudo qualitativo, acompanha a incidência das alterações nas páginas e busca compreender a política de correções de erros, sabendo de sua importância para a manutenção da qualidade editorial do jornalismo online. Palavras-Chave: notícias. Portais paraibanos. Correções. Erro jornalístico.

Introdução O jornalismo online ou webjornalismo (MIELNICZUK, 2003, p. 40) está em amplo desenvolvimento no país e ocupa grande espaço no mundo virtual/físico das pessoas. Por trazer consigo características próprias que as outras mídias não comportam, a adesão do consumo da in1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de dias 09 e 10 de Junho de 2016. 2 Graduanda do 4º período do curso de Jornalismo da UFPB, e-mail: marcellamachado_@live.com 3 Graduanda do 7º período do curso de Jornalismo da UFPB, e-mail: maryellen_ingrid@hotmail.com 4 Orientadora do trabalho. Professora da graduação e Pós-graduação em Jornalismo da UFPB, e-mail: sandramoura55@gmail.com


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

formação através dessa plataforma é considerada alta. Isso é possível graças a evolução da tecnologia e seu uso comum no/para o processo comunicacional. Por causa de sua velocidade de disseminação, um erro se torna potencialmente valorizado nesse meio e pode comprometer a qualidade e credibilidade das organizações (VIEIRA, 2014, p. 24). Muito se fala que todo o profissional está sujeito ao erro, o que é verificado até certo ponto, mas, certas condições trazem reflexões acerca da produção do webjornalismo, de modo geral. Isso reflete na qualidade, nas perspectivas ideológicas, na técnica e, muitas vezes, em questões éticas. Poucas são as representações jornalísticas que mantêm uma política de correção para o bom uso dos leitores. Para Primo e Trasel (2006), o jornalismo e sua execução estão intrinsecamente relacionados ao meio de propagação. Isso faz com que haja uma definição nas características próprias de cada canal, destacando seus limites e potenciais próprios. Se os profissionais não estão adaptados às características do jornalismo online, grandes são as chances de eles perpetuarem o erro, utilizando de forma inadequada os mecanismos existentes. Esta pesquisa retrata exatamente a questão da incidência do erro jornalístico no webjornalismo paraibano, buscando compreender de que forma as empresas de comunicação estão trabalhando para a manutenção da credibilidade e transparência das informações veiculadas através das correções efetuadas nos portais. Ao errar, os portais têm a possibilidade de editarem as notícias, e isso é um fator positivo, dependendo de como é feito. Modificar toda uma matéria sem a devida retratação gera um desconforto ético que compromete não só a relação com os leitores, mas também a qualidade do jornalismo online como um todo. Para Picard (2010, p. 52), o compromisso de se retratar deve partir dos profissionais, que ao colocarem em prática seus valores particulares, desempenham papel fundamental na cultura de criação de distribuição das notícias.

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Em tempo real As rotinas produtivas do jornalismo online trabalham com uma noção de tempo diferente da dos veículos impressos, assim como do rádio e da televisão. De acordo com Mielniczuk (2003, p. 54), “a tecnologia digital, somada às tecnologias das redes telemáticas, proporciona rapidez na atualização das informações, que, por sua vez, também são recebidas em tempo real pelos usuários”. Com o maior fluxo de notícias e redações cada vez mais enxutas, a possibilidade de ocorrerem falhas no processo de apuração e edição multiplicam-se.

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O ritmo veloz de produção gera ainda outras consequências importantes: obriga o repórter a divulgar informações sobre as quais não tem certeza; reduz, quando não anula, a possibilidade de reflexão no processo de produção da notícia, o que não apenas aumenta a probabilidade de erro como, principalmente e mais grave, limita a possibilidade de matérias com ângulos diferenciados de abordagem, capazes de provocar questionamentos no leitor; e, talvez mais importante, praticamente impossibilita a ampliação do repertório de fontes, que poderiam proporcionar essa diversidade. (MORETZSOHN, 2002, p. 70)

Os efeitos da velocidade refletem-se na tela do leitor. Um grande volume de informações em menos tempo e mais risco de acontecerem falhas durante o processo. Vieira (2014), em pesquisa realizada com os sites da Folha de S. Paulo, G1, R7, O Globo e Zero Hora identificou dez tipos de falhas: falta de transparência, retificação não visível, interrupção do processo de retificação, revisão deficiente, pressa, perpetuação do erro, falta de interação com o leitor, notícia original sem menção ao erro, reprodução automática de material de terceiros e excesso de modificações. A falta de transparência ocorre quando os textos das notícias são alterados sem explicitar para o leitor o que foi modificado. A interrupção do processo de retificação se dá em casos onde uma errata não seria ne-


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cessária ou quando a mudança de uma palavra transforma o sentido da notícia, portanto precisaria de uma retificação explícita (VIEIRA, 2014, p. 122). A revisão incompleta, diz respeito a erros de ortografia, digitação, concordância gramatical, entre outros. A continuidade dos erros é percebida nas matérias ou erratas com correções mal feitas. A falta de interação com o leitor trata de canais de comunicação, sejam eles os espaços para comentários nas notícias ou a opção de aviso de erros. Já o excesso de modificações considera a atualização constante da página com novas informações. A política do “Erramos” Com subsídio do programa Change Detection, monitoramos durante o mês de março de 2016 as manchetes do G1 – Paraíba, Portal MaisPB e Portal Correio. De forma automática, o site mostra as atualizações de texto feitas nas páginas previamente cadastradas, destacando em amarelo o que foi incluído e em tachado, os trechos suprimidos. Para escolha dos portais, utilizamos três critérios: um dos mais antigos (Portal Correio), o mais acessado (MaisPB) e o mais recente (G1PB). Nos três turnos do dia, inserimos no site as matérias de destaque de cada portal. Ao todo, foram 269 matérias inseridas. O número poderia ter sido maior, no entanto, algumas notícias permaneciam por mais de um turno como destaque. Além disso, o Portal Correio esteve inoperante durante dois dias devido a problemas técnicos. Foram inseridas 91 manchetes do G1PB, 90 do MaisPB e 88 do Portal Correio. O programa de monitoramento identificou 8 matérias do G1PB com algum tipo de alteração. No MaisPB foram 48 matérias com modificações. Já no Portal Correio, foram identificadas 9 matérias alteradas. Com base nesses dados, observamos o fluxo de erratas desses webjornais.

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O G1-PB possui a seção “Correções” em conjunto com o G1 nacional utilizado por todas as regiões em que o portal opera. O mais recente uso que o G1 local fez da seção foi em agosto de 2015. O erro foi publicado no dia 20 na matéria Tumulto em presídio de João Pessoa deixa um ferido, diz Secretaria e a errata saiu no mesmo dia. A correção foi inserida na notícia original entre parênteses, com o reconhecimento do erro e o horário da correção. Figura 1: reprodução de modificação identificada em notícia do G1PB de 20.08.2015

310 No site também não há na página nenhum recurso para o leitor comunicar erros. O único espaço oferecido é a caixa de comentários. O G1 oferece ao leitor a data e hora em que a matéria foi publicada, assim como a data e hora em que a matéria passou por alguma atualização. Nos princípios editoriais do grupo Globo, no tópico Correção, há uma cláusula sobre erros. “Os erros devem ser corrigidos, sem subterfúgios e com destaque. Não há erro maior do que deixar os que ocorrem sem a devida correção” (G1, online). No MaisPB não há uma seção de erratas e nem meios do internauta comunicar erros nas matérias. Assim como o G1, apenas o espaço dos comentários é disponibilizado ou a função “contato” na parte inferior da página. O portal também identifica no alto da matéria acessada, data e hora em que a matéria foi inserida e atualizada. O caso do Portal Correio chama mais atenção. Além de não haver seção de erratas e nem ícones para comunicação de erros, o site não tem


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

espaço para comentários dos leitores. O contato deve ser feito pela opção “fale conosco”. Entretanto, assim como nos outros dois portais, disponibiliza data e hora da inserção e atualização da matéria. Assim como na pesquisa realizada por Vieira (2014), no monitoramento das manchetes dos portais nacionais, identificamos não apenas erros jornalísticos, mas também falhas durante os processos de publicação, atualização e retificação das informações. Com base na pesquisa da autora, classificamos os erros encontrados nos três portais paraibanos. No G1PB, MaisPB e Portal Correio identificamos 6 desses erros e acrescentamos mais um: informação imprecisa. Embora a análise quantitativa não seja o foco da pesquisa, apresentamos alguns números. A falta de transparência deu-se em 9 notícias. A interrupção do processo de retificação ocorreu em 21 matérias, no primeiro caso e no segundo, 14. A revisão inadequada foi identificada em 6 matérias A continuidade do erro foi percebida em duas matérias. A falta de interação com o leitor foi observado nos três portais. Já excesso de modificações foi identificado em 3 casos. Categorizamos como erro a informação imprecisa ou subjetiva. Soster (2003) em 2011 realizou uma análise das notícias veiculadas nas eleições de 2002 pelo portal UOL. O autor identificou erros de duas espécies: ruídos de linguagem e imprecisão jornalística. Os erros de imprecisão subdividiam-se em sete pontos, entre eles a ambiguidade. Um reflexo das rotinas produtivas: “O problema da imprecisão está diretamente relacionado com o aumento da velocidade de produção” (SOSTER, 2003, p. 124). Durante o período monitorado e dentro do recorte feito, não encontramos as falhas como a reprodução automática de material de agências e releases, sem edição prévia ou checagem. Assim como, não nos deparamos com erratas, portanto sem notícias originais sem menção ao erro e nem com matérias divulgadas sem a conclusão dos fatos.

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O caso G1 – Paraíba O portal G1-PB faz parte da Rede Paraíba de Comunicação. Além do portal, a empresa também reúne as TVs Cabo Branco e a Paraíba (afiliadas da Rede Globo em João Pessoa e Campina Grande, respectivamente) e as rádios Cabo Branco FM e CBN, além do portal de esportes, GE Paraíba. O portal nasceu como Paraíba 1 em julho de 2008. Em 2011, houve uma fusão entre o site local e o G1 nacional, nascendo assim o G1 Paraíba. O portal tem em média, 1,5 milhão de visitas por mês. Os erros identificados no G1 local foram de seis naturezas, de acordo com a classificação de Vieira (2014): falta de transparência, interrupção do processo de retificação, revisão deficiente, perpetuação do erro, falta de interação com o leitor e excesso de modificações. Houve casos em que uma matéria cometeu mais de uma dessas falhas. Foi o que aconteceu com a matéria do dia 20 de março de 2016, PC suspeita que chinês morreu ao cair de varanda tirando ‘selfie’ na PB. O programa Change Detection registrou uma série de alterações. O fato aconteceu na madrugada do domingo e a notícia entrou no site a tarde. Figura 2: reprodução de modificação identificada em notícia do G1PB de 20.03.2016

Como podemos verificar na figura, as alterações do título da notícia, que ora a polícia está investigando, ora está com a convicção que o chinês que é retratado na matéria morreu enquanto estava tirando selfie.


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Título, subtítulo, legendas e até corpo do texto sofreram modificações, seja acrescentando ou suprimindo informações. Veja a seguir. Figura 3: reprodução de modificação identificada em notícia do G1PB de 20.03.2016

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Há imprecisão quanto ao local do acidente. Num primeiro momento é apontado Campina Grande e na correção, fala-se no Agreste paraibano. Com a correção posterior, é alterado o nome da delegada responsável pelo caso, são fornecidos mais detalhes do local e sobre a vítima e acrescentado o relato de uma testemunha. Quem leu a primeira versão não terá como saber da modificação. Os leitores que tiveram acesso depois, apenas saberão que a matéria foi atualizada, mas sem a identificação do que foi atualizado. Mesmo com a primeira modificação com grandes alterações, os erros se perpetuaram e foi necessária uma segunda correção. Embora com


A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

tantas correções, a matéria não comprometeu o entendimento da notícia. Como exemplo, destacamos a segunda versão modificada. Figura 4: reprodução de modificação identificada em notícia do G1PB de 20.03.2016

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Outro exemplo é a manchete do G1-PB do dia 15 de março de 2016, Divulgada lista das empresas com reclamações fundamentadas na PB, que também sofre modificações após ser publicada. O último parágrafo trazia a resposta de uma das empresas alvo das reclamações. Não havia nenhum aviso para o internauta de que algo teria sido acrescentado ao texto além do “atualizado” no alto da página dentro da matéria. Veja no exemplo:


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

Figura 5: reprodução de modificação identificada em notícia do G1PB de 15.03.2016

315 Neste exemplo podemos constatar que a modificação veio no final da matéria, onde o portal adicionou um parágrafo inteiro, retirando uma frase que ali estava. Isso soa como uma espécie de atualização daquela informação, porém o leitor não recebe nenhum alerta da adição ou subtração dos dados que antes já tinha lido, e isso prejudica a recepção da informação por quem se informa através desse portal. Outras informações imprecisas também foram identificadas. Na matéria do dia 16 de março de 2016 Adolescente é apreendido suspeito de abusar de irmão de 4 anos na PB, o possível crime cometido pelo adolescente fica implícito. Antes de ser corrigida, a matéria falava em “ato infracional semelhante a estupro”. O ato ou abuso que possivelmente seria o estupro fica subentendido. Observe a seguir:


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Figura 6: reprodução de modificação identificada em notícia do G1PB de 16.03.2016

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Nesse caso específico, o fato foi que o adolescente foi apreendido por ser suspeito de abusar o irmão menor, e dentro do texto antes haviam relacionado à infração como algo semelhante ao estupro. Depois da correção, o leitor não saberia identificar que tipo de abuso foi cometido contra a criança. O caso MaisPB


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Criado em 2009 pelo jornalista Heron Cid, o Portal MaisPB tem cerca de dois milhões de visualizações por mês. Ao contrário dos portais anteriores, o MaisPB não está ligado a nenhum grupo de comunicação do Estado. Dentro do site ainda funciona a MaisTV. Das modificações realizadas pelo portal, as 48 ocorrências foram nos títulos, além de cortes e adições de dados nas matérias. Em alguns casos, as alterações no texto influem no título. Dessa forma, o sentido da primeira versão publicada da notícia é modificado dando a impressão de que se trata de uma nova notícia. Falta de transparência, revisão deficiente, falta de interação com o leitor e excesso de modificações foram as falhas mais cometidas. Na matéria do dia 2 de março de 2016, a notícia Hervázio confirma filiação de Gervásio Maia ao PSB: “vai se libertar do PMDB” teve título e corpo do texto alterados. A nova informação acrescentada refletiu mudanças no título. Ao leitor que acessasse o site novamente naquela mesma tarde, acreditaria se tratar de outra notícia: Figura 7: reprodução de modificação identificada em notícia do MaisPB de 02.03.2016

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A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

Na matéria do dia 19 de março de 2016, João deixa PSD de Cartaxo e vira opção do PDT para compor majoritária em JP, o sentido da notícia também é alterado. É clara a diferença entre “querer ser vice” e “compor a majoritária”, veja: Figura 8: reprodução de modificação identificada em notícia do MaisPB de 19.03.2016

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A grande aposta do MaisPB é nos títulos de suas matérias. Costumam ser longos na primeira versão e curtos após a correção. Quando mais extensos, costumam trazer mais informações, diminuindo assim a curiosidade do leitor em clicar no link da notícia. De acordo com Anabela Gradim (2000, p. 70) um título tem como funções “informar, cativar, prender o leitor, despertando sua atenção e curiosidade”.


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Figura 9: reprodução de modificação identificada em notícia do MaisPB de 15.03.2016

Nos títulos, funções são substituídas por nomes, palavras são trocadas por termos com mais efeitos. Em outros casos, títulos mais sensacionalistas têm passagens suprimidas ou dá-se destaque a fala dos entrevistados. Esse comportamento revela muito da linha editorial do site. Alterar chamadas das matérias também é uma forma de atrair a atenção do leitor quando o número de acessos é baixo. Além do erro de digitação na notícia do dia 5 de março de 2016, API desaprova agressões à jornalistas na Paraíba: “Defenderei minha categoria”, o portal modifica palavras e o foco da informação. Figura 10: reprodução de modificação identificada em notícia do MaisPB de 05.03.2016

O caso Portal Correio

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A COMUNICAÇÃO E A CIDADE

O Portal Correio entrou no ar em 2004. É uma das plataformas do Sistema Correio de Comunicação do qual também fazem parte o jornal Correio da Paraíba, a TV Correio e uma rede de emissoras de rádio. O portal tem mais de 2,5 milhões de acessos por mês.

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Falta de transparência, revisão deficiente e falta de interação com o leitor foram a principais falhas do portal. A falta de transparência foi identificada em matéria no dia 13 de março de 2016. A versão publicada Portal Correio e Voz da Torcida transmitem ao vivo jogo entre Belo e Sousa foi alterada no mesmo dia trazendo o resultado do jogo. A manchete passou a ser Belo e Campinense vencem e ampliam lideranças no Campeonato Paraibano 2016. O título e corpo do texto da notícia anterior aparecem tachados e as novas informações grifadas em amarelo. O mesmo aconteceu com a notícia no dia 19 de março do referido ano, CSP x Sousa jogam no Almeidão e brigam pela classificação; acompanhe ao vivo e passou a ser Treze x Paraíba e CSP x Sousa empatam pela nona rodada do PB; confira a classificação. Em contrapartida, no caso da prisão de uma empresária, no dia 2 de março, diferente do que fez nos exemplos anteriores, o portal lançou outra notícia com os desdobramentos, sem “atualizar” a matéria original para acrescentar novas informações:

Figura 11: reprodução de modificação identificada em notícia do Portal Correio de 02.03.2016


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Figura 12: reprodução de modificação identificada em notícia do Portal Correio de 02.03.2016

O Portal Correio cometeu pequenos deslizes na digitação e edição das matérias. Na chamada do dia 20 de março de 2016, Siga ao vivo a transmissão do Portal Correio e Voz da Torcida de Belo x Raposa, o site acrescentou novos dados, excluiu informações e aproveitou para corrigir um erro de concordância.

Figura 13: reprodução de modificação identificada em notícia do Portal Correio de 20.03.2016

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No dia 15 de março um trecho é cortado da matéria JP ganha viaduto para desafogar Epitácio; veja mudanças no trânsito. No dia seguinte, a notícia de agência Juiz Sérgio Moro retira sigilo da Lava Jato e divulga grampo de conversa entre Lula e Dilma; ouça áudios também passou por pequena edição, como o corte do verbo escrever. No exemplo abaixo, isso fica claro: Figura 14: reprodução de modificação identificada em notícia do Portal Correio de 16.03.2016


II SIMPÓSIO DE PESQUISA SOBRE A MÍDIA PARAIBANA

Em outros exemplos não reproduzidos neste artigo, como no caso da matéria Notificações de dengue sobem 790% e oito mortes são investigadas, na Paraíba, no dia 3 de março de 2016, e em JP ganha viaduto para desafogar Epitácio; veja mudanças no trânsito, do dia 15, foi acrescentado um vídeo veiculado num dos telejornais do Sistema Correio. Considerações finais O jornalismo em tempo real trouxe consigo o redimensionamento dos deslizes cometidos pelos jornalistas. Mas também facilitou a ocultação dos equívocos cometidos nos processos de apuração e edição. De acordo com Christofoletti (2008, p. 40), “geralmente, as pessoas se apegam mais aos deslizes que aos acertos. A primeira impressão não é a que fica. A pior impressão é a que fica”. Portanto, admitir os erros e corrigi -los com transparência ainda é a melhor forma não perder a credibilidade junto aos leitores. Nesta análise, observamos que os portais paraibanos não têm uma política fixa de correção. Apenas O G1-PB, por pertencer ao grupo nacional, possui uma seção para correções. No entanto, assim como o MaisPB e o Portal Correio, esses sites não possuem dispositivos para comunicar erros Também não explicitam ao leitor o que nas notícias foi modificado. Estas questões perpassam pela ética jornalística e refletem a negligência desses veículos com seus leitores. É necessário, portanto, que os portais paraibanos tenham com o seu público uma relação transparente no que diz respeito à qualidade das informações que produz. Para isso, é necessário que esses webjornais abram seus canais de comunicação e exibam seu modo de trabalho.

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Uma nota sobre como adotar parâmetros éticos para analisar a mídia1 Bruno Ribeiro Nascimento2

Resumo: O objetivo deste artigo é apontar diretrizes na adoção de parâmetros éticos para fazer uma análise dos meios de comunicação. Para isto, procura-se definir o conceito de ética na filosofia, bem como a natureza dos problemas éticos. Em seguida, reflete-se como, na comunicação, a análise sobre a mídia de uma perspectiva ética demonstra-se muitas vezes sem rigor conceitual, sendo mais baseada em uma intuição sobre o comportamento correto ou em alguma legislação especifica, que em princípios teóricos coerentes. Depois, mostra-se como a análise sobre qualquer problema de natureza ética deve ser refletida a luz de um sistema coerente de princípios. Na conclusão, percebe-se que os estudos sobre ética nos meios de comunicação começará a partir de uma mudança significativa sobre o papel do ensino da moral na formação universitária. Palavras-chave: Ética. Meios de Comunicação. Ética Profissional.

Introdução A palavra ética vem sendo muito empregado nos últimos anos. Até então, o termo era de uso restrito de uma área especializada da filosofia, mais especificamente, para especializados em filosofia moral. Ele aparecia ao lado de outros termos específicos dos estudantes da área filosófica, como epistemologia, estética, metafísica e lógica. No entanto, desde a última metade do século XX, ética passou a fazer parte tanto do vocabulário de varias áreas do conhecimento, como pedagogia e comunicação. Além disso, entrou na pauta das discussões 1 Trabalho apresentado no II Simpósio de Pesquisa sobre a Mídia Paraibana, na Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, de 9 e 10 de junho de 2016. 2 Professor substituto do curso de Rádio e TV da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas pelo Programa de Pós-Graduação de Comunicação (UFPB). Membro do Grupo de Pesquisas Sobre Cotidiano e Jornalismo PPGC/UFPB. E-mail: RN.brunno@gmail.com

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cotidianas das pessoas. Hoje é comum escutar que o deputado X não agiu de forma ética; que o Brasil vive uma crise ética; que os alunos ou professores não são éticos em sua conduta. O paradoxo de tal situação é que, por fazer parte do cotidiano brasileiro, o campo da ética se tornou um tipo de horizonte no repertório cultural das pessoas onde todo mundo recorre, onde boa parte das pessoas fundamentam decisões importantes da vida, mas quando questionadas sobre o significado do termo, ninguém sabe definir o que ele é; nem sabe justificar, de forma coerente, porque um comportamento é correto e outro não. A palavra é uma espécie de guarda chuva, que abriga diversos sentidos distintos, muitos deles contraditórios. Nas discussões sobre ética e os meios de comunicação, o termo é empregado de forma recorrente; os estudantes, e até mesmo professores, julgam que o jornalista X ou a emissora Y não está sendo ética em seus posicionamentos, em suas reportagens ou nas suas práticas. No entanto, essas mesmas pessoas demonstram dificuldade para definir o termo, ou para justificar seu julgamento. Quando questionadas, recorrem de forma intuitiva a um comportamento que, para eles, todos sabem ser ou não correta. Pensando nesta situação, o objetivo deste artigo é ajudar as pessoas que estudam a relação entre ética e mídia a definir, de forma consistente e racional, parâmetros éticos para fazer uma análise dos meios de comunicação. Em outras palavras, busca-se deixar de forma mais clara como um estudante de comunicação pode ter diretrizes mais claras, teoricamente embasadas e consistentes para pensar a ética nos meios de comunicação, seja no conteúdo que esses meios passam, seja no fazer das práticas midiáticas. Para isto, a primeira parte deste trabalho consiste em definir conceitos como ética e moral a partir de teóricos da filosofia moral – área que se especializou na definição e no debate destes termos. Além disso, a


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primeira parte também dissertará sobre a natureza dos problemas éticos e como diferentes correntes recorrem a princípios diferentes a fim de resolver os dilemas morais humanos. Na segunda parte deste trabalho, busca-se refletir a partir do pensamento de Barros Filho (2014) como, na área de comunicação, a análise sobre da mídia de uma perspectiva ética mostra-se muitas vezes sem rigor conceitual, sendo mais baseada em uma intuição sobre o comportamento correto ou em alguma legislação especifica, que em princípios teóricos coerentes. Também apontaremos alguns estudos do autor que buscam suprir esta lacuna. Por fim, mostra-se como a analise sobre qualquer problema de natureza ética deve ser refletida a luz de um sistema de princípios racionais e coerentes. Na conclusão, percebe-se que os estudos sobre ética nos meios de comunicação começará a partir de uma mudança significativa sobre o papel do ensino da moral na formação universitária.

Uma definição de Ética e Moral Em Criton, Platão escreve um diálogo entre o personagem que dá nome ao texto e Sócrates. O diálogo acontece na prisão, onde o filósofo de Atenas estava em cárcere, aguardando apenas a execução da sentença: Sócrates seria obrigado a ingerir veneno. Os crimes dele foram dois: ter corrompido os jovens concidadãos e ter afirmado que eles não precisavam acreditar nos deuses que a cidade reconhecia. Em uma visita, Críton revela a Sócrates um elaborado plano a fim de tirar seu mestre da prisão: os discípulos do filósofo grego iriam subornar os guardas, fugir da prisão e levá-lo às pressas para uma cidade estrangeira, Tessália. Sócrates se recusa a cooperar. Para ele, a injustiça não pode ser retribuída com injustiça, “pois o procedimento injusto é

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sempre inadmissível” (PLATÃO, Criton, p. 8). Esse diálogo inicia a reflexão de uma importante disciplina intelectual: a filosofia moral, conhecida também como ética (GRENZ, 2006). Há reflexões sobre a ética em praticamente todas as culturas. Tradições filosóficas da China, da Grécia, da Índia e da Europa, e mesmo a de várias culturas ágrafas, de tradição oral, fizeram praticamente as mesmas perguntas: o que é o bem? O que torna a vida boa? Que deveres temos uns para com os outros? E para com nós mesmo? Como justificar um comportamento correto? E quando uma conduta merece ser condenada? Ética vem do termo grego ethica que deriva de ethos, e significa “o que se relaciona com o caráter”. Para Aristóteles (Ética a Nicômaco, 2.1), ethica deriva de ethos e quer dizer “costume” ou “hábito”, uma vez que “a virtude moral é adquirida em resultado do hábito, donde ter-se formado o seu nome por uma pequena modificação da palavra (hábito).” O termo era empregado pelos gregos para descrever as crenças e ideais de uma comunidade. Na tradição ocidental, o termo ganhou duas conotações principais. Em primeiro lugar, ética diz repeito ao estudo filosófico do comportamento moral, ou seja, ela faz parte de um campo de estudo maior na filosofia, o estudo da moralidade. De acordo com o Dictionary Cambridge of Philosophy, a ética é o estudo filosófico da moralidade. O termo também é comumente empregado como sinônimo de ‘moral’ para significar o assunto deste estudo; às vezes, é utilizado mais especificamente para significar os princípios morais de uma determinada tradição, grupo ou de um individuo3. (Éthics’, 1999, p. 284)

Em segundo lugar, a ética diz respeito à deliberação de como devemos agir, ou seja, como as pessoas devem se comportar de forma correta 3

Tradução Nossa.


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a fim de viver bem. A ética procura apontar o que é o bem, além de definir qual a ação correta. Tem haver com a forma de atribuir valor à vida humana. As pessoas querem saber quais ações são corretas e quais são condenadas; quais atividades são dignas e quais não são; quais intuições morais são justas e quais as injustas. Ao mesmo tempo, a reflexão ética busca justificar, de forma razoável, esses mesmos juízos morais. A reflexão sobre a ética de forma sistematizada surge do esforço intelectual humano para discutir em que consiste a natureza do bem, isto é, o que seria uma pessoa boa. Dentro desta questão, deriva-se outras como: o que deve ser considerado certo e errado; virtuoso e vicioso; quando devemos atribuir responsabilidade ao agente e quando não devemos. Por isso, a ética é uma especificidade humana. Somente os humanos podem deliberar, de forma livre e não instintiva, qual o comportamento correto a ser adotado. Como afirma Cortella: Nós temos autonomia, porém não temos soberania. Não agimos por instinto. Agimos por reflexão, por decisão, por juízo. A ética é o conjunto de princípios e valores da nossa conduta na vida junta. Portanto, ético é o que faz a fronteira entre o que a natureza manda e o que nós decidimos. A ética é aquilo que orienta a sua capacidade de decidir, julgar, avaliar. Só é possível falar em ética quando falamos em seres humanos, porque ética pressupõe a capacidade de decidir, julgar, avaliar com autonomia. Portanto, pressupõe liberdade. (CORTELLA, 2012, p. 106. Grifos do autor)

A ética é um esforço coletivo, não simplesmente introspectivo. Ou seja, a reflexão moral não é uma busca individual, de alguém dialogando consigo mesmo, mas sim coletiva. “Não podemos descobrir o significado da justiça ou a melhor maneira de se viver apenas por meio da introspecção” (SANDEL, 2014, p. 38). Enquanto esforço coletivo, a ética demanda um pensar para deliberar sobre a maneira correta de conviver. No cotidiano, há uma pluralidade de formas de convivência e de comportamentos morais. Logo, é

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preciso deliberar sobre qual delas é melhor, tanto para o coletivo, quanto para o indivíduo. Essa deliberação parte de um esforço intelectual, do pensamento. Por isso, é possível dizer que a ética diz respeito à “vida regida pelo pensamento” (BARROS FILHOS, 2014, p. 19). De acordo com Sandel (2014, p. 30), “a reflexão moral e política nasce da divergência”. Em outras palavras, é a partir de situações concretas e do raciocínio sobre dilemas morais difíceis que as pessoas refletem melhor sobre quais princípios devem prevalecer em tais casos reais. Assim, a reflexão moral seria uma dialética entre nossas opiniões sobre situações concretas e reais e os princípios que afirmamos ao refletir.

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Expostos a tal tensão, podemos rever nossa opinião sobre a coisa certa a fazer ou repensar o princípio que inicialmente abraçávamos. Ao nos depararmos com novas situações, recuamos e avançamos em nossas opiniões, revisando cada um deles à luz dos demais. Essa mudança no nosso modo de pensar, indo e vindo do mundo da ação para o mundo da razão, é no que consiste a reflexão moral. (SANDEL, 2014, p. 38)

Aqui, é importante fazer uma diferenciação entre valores e deveres. Por valores morais, estamos falando de ações que consideramos boas ou ruins; por deveres morais, estamos fazendo referência ao certo e ao errado, ou seja, as obrigações morais. Esta distinção é importante porque, como afirma Craig (2012, p. 168), “há uma diferença conceitual entre algo que é bom (ou ruim) e algo que é certo (ou errado). O primeiro se refere a alguma coisa de valor, ao passo que o segundo diz respeito a algo obrigatório”. Assim, algo pode ser bom, mas não necessariamente ser obrigatório para o agente (como estudar jornalismo). O campo da ética busca pensar sobre estas duas questões, tanto sobre os valores, quando sobre os deveres. Além disso, os filósofos discutem sobre a existência de uma moralidade universal, ou seja, sobre deveres que se impõem a todos a pessoa independente das opiniões subjetivas humanas. Uma das tarefas dos fi-


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lósofos da moral é procurar descobrir estes princípios e pensar a partir deles a fim de resolver os dilemas morais humanos. Assim, a ética visa à objetividade, isto é, “a convicção de que certas posturas são realmente verdadeiras, e outras realmente falsas, a repeito do que é o universo e do que somos nós” (LEWIS, 2005, p. 17). Alguns autores fazem uma distinção entre ética e moral. Em termos etimológicos, não há diferença: moral vem do vocábulo latino mos (do adjetivo moralis) que, a exemplo de seu correspondente grego, significa “costume”, “prática recorrente” ou “uso”. Mas para autores como Comte-Sponville (2002) e Barros Filho (2014), há uma distinção entre os dois conceitos. Moral seria o conjunto do que um indivíduo impõe ou proíbe a si mesmo (...). A moral responde à pergunta: ‘o que devo fazer?’ É o conjunto dos meus deveres, em outras palavras, dos imperativos que reconheço como legítimos (...) . É a lei que imponho a mim mesmo, ou que deveria me impor, independente do olhar do outro e de qualquer sanção ou recompensa esperada. (COMTE -SPONVILLE, 2002, p. 20)

Em outros termos, moral tem haver com o esforço intelectual e individual que as pessoas fazem o tempo inteiro a fim de escolher o melhor caminho para viver, de forma livre. A moral, para Comte-Sponville (2002), se manifesta na liberdade. Quando não há liberdade, não há moral. A moral é produto da soberania da escolha: você escolhe o que é certo para você. Desta forma, a moral não é castração, não é limitação da liberdade, não é “deixar de fazer coisas”. Ao contrário: moral é decidir por si só que caminho seguir. Neste sentido, enquanto a moral seria um esforço individual de deliberar a melhor forma de se viver, a ética seria o mesmo esforço, mas de forma coletiva. A ética diz respeito à forma coletiva em decidir qual a melhor maneira de convivermos. Dessa forma, enquanto a moral é uma

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tentativa de individual de decidir o certo e o errado, a ética seria o esforço em comunidade e aplicado à comunidade para a mesma pergunta. Logo, ela seria uma tentativa de estipular um comportamento como correto e universalizar tal conduta, uma vez que tal ato não seria algo individual, mas para a coletividade. Outros autores como Cortella (2012) afirmam que a moral é a parte prática da ética, isto é, moral é a aplicação de um principio ético na realidade. Ética seria a teoria, moral a prática. No entanto, o esforço para diferenciar os dois conceitos pode ser arbitrário (GRENZ, 2002). Na história da reflexão ética, os dois termos foram empregados como sinônimos. Logo, uma distinção artificial entre eles pode se tornar confusa, sem utilidade conceitual. Como afirma Mucho (2004):

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Trata-se de uma distinção indistinta, algo que é indefensável e que resulta de uma confusão. O comportamento dos seres humanos é multifacetado; nós fazemos várias coisas e temos vários costumes e nem todas as coisas que fazemos pertencem ao domínio da ética, porque nem todas têm significado ético. É por isso que é impossível determinar à partida que comportamentos seriam os comportamentos morais, dos quais se ocuparia a reflexão ética, e que comportamentos não constituem tal coisa. Fazer a distinção entre ética e moral supõe que podemos determinar, sem qualquer reflexão ou conceitos éticos prévios, quais dos nossos comportamentos pertencem ao domínio da moral e quais terão de ficar de fora. Mas isso é impossível de fazer, pelo que a distinção é confusa e na prática indistinta (MUCHO, 2004).

Ou seja, para Mucho (2004), as distinções entre ética e moral não são tão claras e a possível explicação didática para justificar a diferenciação entre os dois conceitos se tornam confusas e não conseguem explicar, de forma racional e coerente, qual a diferença. Como vários filósofos empregaram os termos como sinônimos, e vários filósofos contemporâneos ainda fazem isso, sugerimos que não se faça uma distinção artificial entre os dois conceitos. Talvez seja mais interessante pensar que são


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dois termos diferentes em nossa língua portuguesa que reflete a dupla herança grego-latina desta reflexão (GRENZ, 2006). Necessidade de uma Teoria Ética Para o Dictionary Cambridge of Philosophy (1999), a ética determina como devemos, enquanto seres humanos racionais, escolher como agir e que raciocínios morais devem governar essas escolhas. Na filosofia, várias correntes procuram responder estas perguntas de forma diferentes. Por isso, uma vez que questões relativas a valores e deveres morais são partes estruturais da reflexão ética, as diferenças estruturais entre os sistemas de ética refletem diferentes respostas para essas duas questões, dos valores e dos deveres. Esses sistemas de princípios éticos vão procurar explicar qual a conduta errada e como alguém age bem a partir da nossa experiência moral. Ou seja, os sistemas éticos buscam explicar quais princípios são mais harmônicos com nossa sensibilidade moral. A ética não é uma tabela estanque de certo e errado, de “pode” ou “não pode” de forma fixa e pronta. Também não é apenas uma determinação de quais princípios abstratos são válidos e quais são condenados. A ética é uma forma de pensar o comportamento, uma avaliação racional da conduta humana, com o propósito de apontar o que uma conduta precisa ter para ser correta a partir de alguns princípios específicos que nortearão o comportamento. Ou seja, a ética pensa o comportamento a partir de um determinado olhar, de uma determinada forma de raciocínio, estabelecendo teorias que aponte como devemos agir. De acordo com Hooft (2013), há vários propósitos nas teorias morais. Em primeiro lugar, as teorias morais buscam entender em que consiste a moralidade. Isso significa dizer que ela busca elucidar se a moral é algo objetivo ou subjetivo; como as regras morais diferem de convenções

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culturais; qual o objetivo do comportamento moral; em que ou em quem podemos fundamentar a moral a fim de lhe conceder objetividade, entre outras questões. Um segundo propósito das teorias morais diz respeito ao dever: “estabelecer o que somos obrigados a fazer, o que somos proibidos de fazer, o que estamos autorizados a fazer e o que seria bom que fizéssemos mesmo quando não seja obrigatório” (HOOFT, 2013, p. 9). Em outras palavras, a teoria moral diz respeito à prescrição, isto é, a estabelecer (1) quais são nossos deveres; e (2) o que seria virtuoso fazer. Além disso, as teorias morais dialogam sobre como aplicar essas deliberações morais em casos concretos, e.g., liberdade de imprensa. Outro propósito das teorias morais consiste em justificar porque estas normas são validas, isto é, por que as prescrições são normativas, quais as razões para isso. Para Hooft (2013, p. 10), “o que eles [teorias morais] estão tentando fazer quando oferecem tais explicações é justificar as normais morais, mostrando em que elas estão baseadas e quais motivos se podem aduzir para sustentá-los”. Por fim, a quarta tarefa das teorias morais consiste em descrever nossas vidas e intuições morais. Assim, deixa-se claro como as pessoas vivenciam estar sob uma obrigação, ou como elas tomam uma decisão moral. Para responder esta pergunta, os filósofos da moral procuram responder o que é um ente humano, e.g., uma alma racional ou uma vontade livre. “Uma razão pela qual esses estudos são importantes é que seria inútil prescrever normas demasiada rigorosas para seres humanos falíveis e finitos seguirem (...). A justificação das normas morais deve ser sensível ao que somos como seres humanos” (HOOFT, 2013, p. 11). A partir do dilema ético acima proposto por Platão, é possível perceber como as diferentes teorias éticas respondem a mesma situação-limite. Para Grenz, (2006), ao negar o apelo de Críton, Sócrates justificou sua ação a partir de três pontos: (a) questões éticas devem ser respon-


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didas apenas a luz da razão; (b) questões éticas devem ser resolvidas a partir da consciência das pessoas envolvidas, e não do apoio do povo à conspiração; (c) o possível bem que tal fuga acarretaria os familiares de Sócrates, bem como o mal que evitaria fugindo da execução era irrelevante: a questão deveria saber se a atitude em questão era intrinsecamente certa ou errada. “Asseveramos que não se deve cometer injustiça voluntária em caso nenhum, ou que em alguns casos se deve, e noutros não? Ou que de modo algum é bom nem honroso cometê-la, como tantas vezes no passado conviemos?” (PLATÃO, Criton, p. 8). Com essa distinção, têm-se as duas grandes divisões da ética filosófica: (a) o raciocínio moral deontológico, que se preocupa em estabelecer quando uma ação é intrinsecamente certa ou errada, sendo nosso dever fazer o que é correto; (b) e o raciocínio moral teleológico, que enfoca nas consequências que uma ação vai trazer para o agente, sendo que sua prática acarretará mais soma do bem e menos soma do mal. De acordo com Grenz (2006, p. 32), “sempre que nos envolvemos em reflexões ou discussões éticas, devemos esclarecer se estamos – nós e nossos interlocutores – citando argumentos deontológicos ou teleológicos”. Estas são duas formas de pensar sobre as relações entre ética e meios de comunicação: em (a), a moralidade é objetiva. O agente age bem quando a uma ação que é intrinsecamente correta. No caso da mídia, há uma conduta ética que deve ser seguida, independente da motivação ou da intenção dos agentes. “Devemos observar certos deveres e direitos por razões que não dependem das consequências sociais dos nossos atos” (SANDEL, 2014, p. 47). Na mídia, a vida ética consistiria na obediência das normas que foram estabelecidas a partir da reflexão em conjunto sobre como o agente midiático deve agir. Tudo o que violaria esta conduta seria não ético. Como argumenta Sócrates “Logo, meu excelente amigo, não é absolutamente com o que dirá de nós a multidão que nos devemos preocupar, mas com o que dirá a autoridade em maté-

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ria de justiça e injustiça, a única, a Verdade em si” (PLATÃO, Criton, p. 6). Em (b), certo e o errado são determinados pelo resultado final a ser alcançado. “A moral de uma ação depende unicamente das consequências que ela acarreta; a coisa certa a fazer é aquela que produzirá os melhores resultados, considerando-se todos os aspectos” (SANDEL, 2014, p. 47). Neste caso, a consequência a ser atingida é aquela que produz o resultado desejado para o agente; ou para o maior numero de pessoas; ou ainda aquela que está de acordo com o objetivo de uma determinada prática social. No caso da mídia, o agente age bem quando sua ação produz uma consequência que atinja uma determinada finalidade, isto é, o objetivo da conduta do agente midiático é produzir o maior saldo positivo do bem sobre o mal; ou o agente age bem quando sua conduta atinge a finalidade de uma prática social, ou seja, se o objetivo é informar, o agente age bem quando este objetivo é alcançado. Essas duas formas de pensar sobre a ética. Ambas possuem respeitáveis tradições filosóficas, bem como problemas teóricos difíceis de serem solucionados. Quando se fala de uma ética para analisar os meios de comunicação, é preciso deliberar qual raciocínio moral norteará o trabalho do pesquisador, sendo empregado como parâmetro para fazer tais julgamentos. Ética e Análise da Mídia De acordo com o Dicionário de Comunicação (2009, p. 131), “a ética envolve o conjunto de processos, produtos, mensagens e procedimentos diretos e indiretos ocorridos no âmbito dos meios de comunicação social, desde os temas tratador (...) até os suportes pelos quais se distribuem e circulam”.


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Desta forma, programas e relatos jornalísticos são avaliados a partir de parâmetros éticos, que vão julgar seus ganhos e prejuízos na sociedade. Já no campo profissional, como jornalismo, relações publicas e publicidade e propaganda, a ética vai interrogar quais valores e deveres devem nortear o comportamento profissional dos agentes. No entanto, apesar de ser um campo de estudo importante, “não houve mudanças significativas sobre o papel da moral na formação universitária nos últimos 50 anos” (BARROS FILHO, 2012). Ou seja, de acordo com Barros Filho (2012), os cursos de comunicação ainda costumam não distinguir entre ética e legislação, não percebendo que “direito a informação” é algo diferente e independente da reflexão moral sobre os meios de comunicação. As duas matérias, que exigem reflexões e métodos diferentes, são ensinadas juntas, como se fossem a mesma coisa. O senso comum (“politicamente correto”), que se costuma entender por ética e é ensinável por qualquer um que use batina ou terno escuro - por ser senso comum -, acaba dando um colorido simpático à aparente aridez da doutrina jurídica. Assim, diante da dúvida entre um curso de Ética que requeira formação filosófica e outro deontológico, estritamente procedimental, ministrado por um prático do jornalismo, resolve-se o impasse ensinando-se a diferença entre calúnia, difamação e injúria, Direito Trabalhista e Civil. Apesar de nossas universidades terem uma orientação positivista, elas ainda não aprenderam a célebre diferenciação entre Ética e Direito feita por Augusto Comte. (BARROS FILHO, 2012, online)

Ainda para Barros Filho (2012), esse quadro cria um estranho caso: por um lado, os principais congressos de Comunicação e os programas de pós-graduação na área não abrigam grupos de trabalho e pesquisas específicas em Ética; por outro lado, a produção brasileira em filosofia moral é ignorada pelo campo da comunicação. Os grandes pensadores filosóficos brasileiros raramente são convidados para dialogar com os pesquisadores de comunicação – apesar do reconhecimento internacional de tais estudiosos. Discute-se muito

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o comportamento de jornalistas, bem como o conteúdo veiculado pela mídia, mas sem uma reflexão consistente a partir de um raciocínio ético, como apontado acima. Ironicamente, muitas vezes, são os filósofos europeus que são chamados para falar sobre os problemas éticos da mídia brasileira. Até mesmo os filósofos brasileiros que pensam sobre a mídia, como o professor Renato Janine Ribeiro (USP), raramente tem sua produção filosófica sobre o assunto levada em consideração. Considerações Finais Mesmo sendo muito empregado ultimamente, o termo ética ainda não é devidamente estudado nos cursos de comunicação da acade-

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mia brasileira. A palavra virou uma espécie de guarda chuva, que abriga diversos sentidos distintos, muitos deles contraditórios, sem coerência conceitual. Quando estudantes, ou mesmo pesquisadores, são questionados sobre como justificar um juízo moral, as pessoas recorrem de forma intuitiva a um comportamento que, para eles, todos sabem, hipoteticamente, serem ou não correta. A fim de modificar esta questão, é preciso repensar de forma significativa o papel do ensino da moral na formação universitária. Pesquisadores, professores e alunos precisam se familiarizar, desde a graduação, com as teorias morais, sua forma de raciocinar e justificar os juízos morais, bem como os parâmetros que esses raciocínios adotam. Os congressos de comunicação devem ter grupos de trabalho específicos e trabalhos de divulgação específicos em Ética. Isso fará com que o campo da comunicação adote em sua reflexão ética não apenas princípios racionais e coerentes a fim de justificar seus juízos, mas também contribua com o próprio campo da moral. Dois exemplos de reflexões éticas sobre os meios de comunicação são o livro


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