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Editora Xeroca! A Editora Xeroca! é fruto do Coletivo COMjunto de comunicadores sociais. Carrega consigo a principal bandeira levantada pelo coletivo: a Democratização da Comunicação. Possibilitando o compartilhamento de ideias, de pesquisas e de diversos pontos de vista através de publicações impressas e virtuais, com a linha editorial voltada para a desconstrução das relações opressoras da sociedade. Foge da lógica do lucro, tendo como prioridade a circulação e o acesso. A Xeroca! é imperativo de reprodução. Missão Publicar livros que possam promover o debate crítico sobre a sociedade, cultura, educação e comunicação, estimulando à leitura e à produção. CONSELHO EDITORIAL Cecília Bandeira Delosmar Magalhães Isa Paula Morais Juliana Terra Mayra Medeiros
O Observatório de Mídia - Gênero, Democracia e Direitos Humanos é um projeto ligado ao Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Atua como uma instituição intermediária dentro da sociedade civil, fiscalizando os produtos da estrutura mercadológica dos meios de comunicação e possibilitando o acesso do público ao Estado por meio da realização de discussões sobre a definição e a implementação das políticas de comunicações. www.obmidia.org
Editoração e Projeto Gráfico Janaine Aires
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Agência Brasileira do ISBN - Bibliotecária Priscila Pena Machado CRB-7/6971 E37
Elas e o futebol [recurso eletrônico] / orgs. Cecília Almeida Rodrigues Lima, Larissa Brainer e Soraya Barreto Januário. —— João Pessoa : Xeroca!, 2019. Dados eletrônicos (pdf). ISBN 978-85-67001-25-8 1. Futebol Feminino. 2. Mulheres no esporte. 3. Representatividade. I. Lima, Cecília Almeida Rodrigues. II. Brainer, Larissa. III. Januário, Soraya Barreto. IV. Título. CDD 796.3340082
O e-book Elas e o futebol organizado por Cecília Almeida Rodrigues Lima, Larissa Brainer e Soraya Barreto Januário está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional. Os dados e as informações contidas nos artigos reunidos nesta obra são de responsabilidade de suas respectivas autoras.
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A todas as meninas e mulheres que tiveram (e ainda tĂŞm) que lutar pelo direito de jogar bola.
PREFÁCIO Ao organizar esse livro, pretendíamos, antes de tudo, produzir uma obra que viesse preencher uma lacuna, no campo de estudos sobre Mulheres, Esportes e Comunicação, sob uma perspetiva transdisciplinar. O crescimento do debate em torno dos Estudos dos Esportes e do Futebol na perspectiva de gênero é inegável e de grande pertinência na contemporaneidade. As autoras nos apresentam uma coletânea de artigos, desbravando um tema ainda incipiente, especialmente numa reflexão que se distancia das prerrogativas biologizantes dos escritos em torno da Saúde e Educação Física. A proposta deste e-book é de pensar a presença das mulheres, bem como suas (in)visibilidades, por uma via mais sociológica, etnográfica e filosófica. Os trabalhos que compõem esta obra trilham um caminho inovador, propondo um debate sobre os processos de ruptura e conquistas das mulheres no mundo do Futebol, num diálogo interdisciplinar entre Gênero, Feminismos, Esportes e Mídia, fazendo dialogar temáticas acerca das questões de gênero abarcadas pelas pedagogias culturais (LOURO, 1995) e de representação das mulheres na mídia esportiva (BARRETO JANUÁRIO, 2016). vii
Como as prefaciadoras não devem, à partida, ser neutras, assinalamos a qualidade desta publicação, que consideramos importante contribuição para o campo de estudos de Gênero, Esportes e Futebol de Mulheres (GOELLNER, 2004). Partimos da compreensão de que os processos de construção do futebol enquanto fenômeno sociocultural faz parte de uma constante (re)construção (WERTHEIN, 2004), não sendo, portanto, um tema estático. Pontuamos especialmente sob o recorte dos Estudos de Gênero a construção do futebol pautada no cogito e ideais das masculinidades tóxicas (SINAY, 2016) que fomentam e legitimam práticas e discursos sexistas, e ainda, são perpassados por questões ligadas às interseccionalidades (CRENSHAW, 2002) que embrincam outras relações de poder envolvendo questões de raça/etnia e classe social. Admitir e analisar criticamente o silenciamento e as (in) visibilidades da mulher no ambiente esportivo especialmente, futebolístico é, ao nosso ver, reescrever a história sob outros dogmas e princípios. Com efeito, esse e-book é de grande relevância em torno do campo de estudos das Mulheres e Feminismos, bem como dos Estudos do Futebol. Os trabalhos publicados nesse e-book não só questionam a relação ambivalente entre mulheres e futebol, como, indo mais além, identificam formas de refletir acerca dos discursos, representações e participação das mulheres no ambiente clubístico e futebolístico. Considerando suas construções históricas, sociais e culturais. Os debates versam sobre a efetiva representação, participação e experiências vivenciadas e estudadas viii
por mulheres sob o recorte do futebol. O livro revela-nos um apanhado de reflexões complexas em que a diversidade de representações e formas de “ser mulher” em um ambiente dito masculino é pura resistência e luta. O caráter simbólico que as masculinidades possuem no âmbito do futebol e suas nuances, práticas e narrativas é um elemento a destacar, especialmente, num momento em que a mídia e as redes sociais elencam o debate em torno da práxi social, com a notícia de que pela primeira vez no Brasil a Copa de Futebol da FIFA de mulheres será transmitida em rede nacional e a academia que amplia a reflexão em torno dos debates teóricos abarcados pela teoria crítica feminista na busca de reinterpretar a participação das mulheres no futebol. Não por coincidência, selecionamos onze textos para esta publicação, tal qual a escalação de um time de futebol. As contribuições foram divididas em duas seções. A primeira parte, o campo de defesa, reúne pesquisas acadêmicas teóricas ou empíricas sobre a presença de mulheres no futebol. A sequência de artigos discute o papel da mulher no futebol, como atleta ou torcedora. No gol, o primeiro texto é um artigo científico que analisa as ações desenvolvidas pelo coletivo Guerreiras Project, cujo foco é o processo de empoderamento de mulheres por meio do futebol. O artigo intitulado Mudando cabeças, corpos e campos: a experiência do Guerreiras Project no empoderamento de mulheres por meio do futebol é de autoria de ix
Luiza Aguiar dos Anjos, Suellen dos Santos Ramos, Pamela Joras e Silvana Vilondre Goellner. Na zaga, o texto Gênero, Mídia e Futebol: a cobertura midiática genderificada no Brasil, das professoras Soraya Barreto e Ana Veloso, discute o silenciamento do futebol feminino na mídia tradicional corporativa, numa comparação das Copas do Mundo Feminina e Masculina. Também na linha de defesa, a professora Carolina Dantas Figueiredo discute como as políticas de silêncio e silenciamento impostas sobre o futebol feminino na mídia de massas prejudicam a divulgação e consumo desta prática esportiva pelo grande público. O artigo #martamelhorqueneymar – Uma proposta de análise sobre o uso de uma hashtag como indício de silenciamento da mídia tradicional apresenta resultados de uma análise de 200 publicações sobre futebol de mulheres no Instagram, indicando que os sujeitos são capazes de produzir e fazer circular conteúdo sobre futebol feminino. No meio de campo, o trabalho Elas têm torcida: análise das manifestações on-line nas transmissões ao vivo dos jogos da Copa América Feminina de 2018, escrito pela professora Cecília Almeida Rodrigues Lima, surgiu a partir da coleta e análise de comentários realizados por torcedores da Seleção Brasileira Feminina no Facebook, por ocasião da Copa América Feminina de 2018. O artigo tem o objetivo de tecer considerações sobre o perfil dos torcedores virtuais e de verificar os assuntos discutidos pela torcida de futebol feminino nos ambientes digitais. x
A pesquisa de Leide Botelho objetiva apresentar a história das torcedoras na cidade de Belo Horizonte, assim como apontar os principais acontecimentos que propiciaram uma maior presença do público feminino nas arquibancadas nos últimos anos. Intitulado A presença das torcedoras nas arquibancadas dos estádios de futebol na capital mineira, o trabalho tem como foco as torcedoras de futebol masculino. Na mesma linha, o texto Consumo delas: a presença nos estádios da torcida feminina dos três clubes da capital pernambucana, de Gabriela de Melo, Lerynda Lima e Paloma de Castro, busca entender as características de consumo das torcedoras que frequentam – ou não – o estádio, a partir dos três principais clubes pernambucanos. No campo de ataque, a segunda parte do e-book traz relatos de experiência de mulheres que de algum modo atuam na área esportiva, contribuindo ativamente para fomentar o debate sobre as desigualdades de gênero no esporte. Nas laterais, dois textos enfatizam, cada um à sua maneira, a importância de promover ações que incrementem a visibilidade do futebol de mulheres e lancem luz sobre as batalhas travadas diariamente pelas atletas e demais envolvidas no esporte. O primeiro deles, de Aira F. Bonfim, leva o nome de Visibilidade ao invisível? A formação de acervos públicos sobre o futebol de mulheres no Brasil. Apresenta as reflexões acumuladas pela autora a partir de suas experiências como técnica pesquisadora do Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB) e no Museu do Futebol. xi
Do outro lado, o texto Impedidas: a construção da história” narra a experiência da jornalista pernambucana Camila Alves na elaboração da reportagem especial “Impedidas: Machismo e Violência no Futebol”. Publicada em 2017, a reportagem trazia os relatos de diversas atletas sobre assédios e preconceitos sofridos na profissão, recebendo os prêmios Anamatra de Direitos Humanos e o MPT de Jornalismo, na categoria Especial Promoção de Igualdade, referente ao combate à discriminação no ambiente de trabalho. No ataque, o texto de Larissa Brainer sistematiza algumas das táticas implementadas pela ONG love.fútbol no contexto da campanha #JogaPraElas, uma campanha de conteúdo e engajamento digital com o objetivo de fortalecer e discutir o futebol feminino no Brasil. #JogaPraElas – ativismo e paixão também conta a história pessoal da autora, que se identifica como ativista do futebol de mulheres, com o esporte. Esta publicação também surge como resultado de uma trajetória dedicada a esse ativismo. Um Campo Nivelado – uma rede pelo Futebol das Mulheres na América Latina é um texto produzido a partir de uma entrevista com a professora Silvana Goellner, no qual a pesquisadora relata sua experiência na formação da rede Campo Nivelado, projeto idealizado pelo professor David Wood, da University of Sheffield. O relato revela um caminho possível e profícuo na tentativa de estabelecer diálogos entre pesquisadores e interessados no futebol de mulheres na América Latina. xii
Nossa seleção não estaria completa sem uma centroavante. O texto de Gabryele Martins e Marjourie de Oliveira relata a experiência de realização da Pelada Feminina do Twitter: Prática informal do futebol como forma de incentivo à participação feminina no esporte. A pelada é realizada por torcedoras dos três times de futebol da capital pernambucana. A experiência, motivada pela busca por espaço da mulher enquanto atleta, sugere maneiras de articulação e organização de grupos de atletas amadoras com o suporte das redes sociais digitais. Esta é uma obra de resistência, visto o número limitado de pesquisadoras e pesquisadores que estudam o tema sob a ótica das mulheres – também por este motivo optamos pela distribuição gratuita do material. E, ainda, é uma obra de fôlego e com uma gama de reflexões plurais, visto que busca intersectar a academia as vivências das mulheres com relatos de experiência que certamente serão de grande valia para o estudo das mulheres no ambiente esportivo. Por fim, encontramos neste e-book um ponto de ancoragem, que nos propõe uma leitura mais crítica acerca de noções como feminilidade, feminismos, prática esportiva e futebol e seus códigos de (re) construção em torno da ideia da participação das mulheres no mundo do futebol tendo como arena central às relações de poder legitimada pelas construções de gênero. Cecília Almeida Rodrigues Lima Larissa Brainer Soraya Barreto Januário Organizadoras xiii
Referências BARRETO JANUÁRIO, S. A representação feminina na mídia esportiva: o caso Fernanda Colombo. Observatorio (OBS*) Journal, vol.10 - nº1, 2016 CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista estudos feministas, v. 10, n. 1, p. 171, 2002 GOELLNER, S.V. Mulher e esporte em perspectiva. 2004. Disponível em: www.esporte.gov.br/arquivos/mulher_esporte/esporte_mulher.pdf , Acessado em 29 de Janeiro de 2018 LOURO, G. Gênero, história e educação: construção e desconstrução. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.20, p.99-108, 1995. SINAY, Sergio. Masculinidad tóxica. B de Books, 2016. WERTHEIN, J. Esporte e Sociedade: ações socioculturais para a cidadania. São Paulo: IMK Relações Públicas, 2004
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SUMÁRIO Parte I Na defesa Pesquisas sobre mulheres no futebol Mudando cabeças, corpos e campos: a experiência do guerreiras project no empoderamento de mulheres por meio do futebol //18 Luiza Aguiar dos Anjos, Suellen dos Santos Ramos, Pamela Siqueira Joras e Silvana Vilodre Goellner Gênero, mídia e futebol: a cobertura midiática genderificada no Brasil //50 Soraya Maria Bernardino Barreto Januário e Ana Maria Veloso #martamelhorqueneymar Uma proposta de análise sobre o uso de uma hashtag como indício de silenciamento da mídia tradicional //73 Carolina Dantas Figueiredo Elas têm torcida: análise das manifestações online nas transmissões ao vivo dos jogos da Copa América Feminina de 2018 //93 Cecília Almeida Rodrigues Lima A presença das torcedoras nas arquibancadas dos estádios de futebol na capital mineira //121 Leide Fátima Botelho Consumo delas: a presença nos estádios da torcida feminina dos três clubes da capital pernambucana //141 Gabriela Lohana de Melo, Lerynda Lima e Paloma de Castro
Parte II No ataque Relatos de experiências com futebol de mulheres Visibilidade ao invisível? A formação de acervos públicos sobre o futebol de mulheres no Brasil//163 Aira F. Bonfim Impedidas: a construção da história//175 Camila Correia Alves #JogaPraElas – ativismo e paixão//185 Larissa Brainer Um Campo Nivelado – uma rede pelo Futebol das Mulheres na América Latina//199 Silvana Goellner, em entrevista realizada por Larissa Brainer Pelada Feminina do Twitter: Prática informal do futebol como forma de incentivo à participação feminina no esporte // 205 Gabryele de Oliveira Martins e Marjourie Stephanie Sobral Corrêa de Oliveira SOBRE AS AUTORAS // 217
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Mudando cabeças, corpos e campos: a experiência do guerreiras project no empoderamento de mulheres por meio do futebol1 Luiza Aguiar dos Anjos Suellen dos Santos Ramos Pamela Siqueira Joras Silvana Vilodre Goellner Introdução Historicamente, incentivos e dificuldades encontrados por homens e mulheres para a prática esportiva no Brasil foram e são bastante distintos. Cabe lembrar que a elas foi imposta até mesmo uma interdição oficial, vigente entre 1941 e 19792, que proibia a prática de “desportos violentos e não adaptáveis ao sexo feminino”, uma tentativa de conformar seus corpos e suas subjetividades. Se, por um lado, tal proibição parece descabida nos dias de hoje, por outro, seus efeitos ainda repercutem em discursos e práticas que reforçam uma representação normatizada de feminilidade, seja espetacularizando a beleza das atletas em detrimento de sua perfor1 Este artigo foi publicado originalmente na Revista Estudos Feministas, v.26, nº 144154, Florianópolis, 2018. 2 O Conselho Nacional de Desportos, órgão extinto em 1993, proibiu oficialmente a prática de esportes considerados impróprios para as mulheres entre os anos de 1941 e 1979. O futebol feminino só foi regulamentado no país em 1983.
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mance, seja apontando para sua possível “masculinização” ao praticarem esportes associados ao universo dos homens. Considerando esse cenário e a centralidade que o futebol tem na cultura esportiva brasileira, este artigo tem como objetivo analisar uma iniciativa de empoderamento de mulheres por meio deste esporte, materializada nas ações desenvolvidas pelo Guerreiras Project (GP). Criado em 2010, este coletivo é formado por atletas, artistas, acadêmicos/as e ativistas que desenvolvem oficinas, pesquisas, performances e exposições visando a estimular a justiça de gênero e empoderar mulheres no esporte e fora dele. Ao fazermos essa opção, entendemos que o trabalho desenvolvido pelo GP explora o potencial político e emancipatório da participação das mulheres no futebol, visto que, ao utilizarmos tal modalidade como ferramenta, partilhamos da ideia de que o esporte pode ser: [...] um terreno de empoderamento das mulheres, um espaço de realização individual e coletiva e uma afirmação da autodeterminação física, tendo um sentido diferente do que teria para os homens, dada toda a história de luta das mulheres contra o controle patriarcal sobre os corpos femininos (ADELMAN, 2004, p. 33-34).
Fundamentada nos feminismos, a ação do Guerreiras Project não se limita a reivindicar melhores condições estruturais para a prática do futebol feminino. Esse tema é o modo pelo qual sua equipe se aproxima de públicos diversos com vistas a discutir as desigualdades de gênero presentes na so19
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ciedade contemporânea, assim como elaborar estratégias de superação. Conforme uma de suas publicações, O GP é um projeto global, que se utiliza do futebol como instrumento para promover justiça de gênero, para combater preconceitos, para proporcionar maneiras alternativas de entendermos a nós mesmos e a sociedade, e para criar modos mais saudáveis de pensar, de se relacionar, e de fazer (GUERREIRAS PROJECT, 2013, p. 1).
Como movimento social, os feminismos pautaram, historicamente, em suas agendas políticas temas afetos à exploração e ao controle exercido sobre os corpos das mulheres. No entanto, pouca atenção prestou aos corpos das atletas, tampouco realçou a importância da prática esportiva como uma forma de empoderamento das mulheres (HALL, 1996). Para Dunning e Maguire (1997), os esportes são importantes espaços de análise da relação entre os sexos, sobretudo por serem contextos que, tal qual o universo do trabalho, ensinaram, expressaram e perpetuaram valores patriarcais, reafirmando concepções essencialistas acerca do que é apropriado a homens e mulheres3. Em concordância, para Theberge (1994), a hegemonia masculina4 no esporte talvez seja mais resistente à mudança do que outros contextos culturais. A 3 É importante apontar que as reflexões de Dunning e Maguire (1997) por vezes parecem refletir uma visão restrita de gênero, que não reconhece a pluralidade das masculinidades e feminilidades, se referindo a tais categorias sempre no singular e associando a elas valores hegemônicos socialmente disseminados. Apesar de não compartilharmos dessa perspectiva, trazemos esse apontamento, considerando-o relevante para a análise construída neste texto. 4 Entendemos a hegemonia como um processo fluido, produzido em meio a disputas de poder e somente garantido por meio de investimentos contínuos.
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desnaturalização dessas premissas, a ocupação e a apropriação dessas manifestações pelas mulheres estão, assim, diretamente relacionadas à ideia de empoderamento. O que seria esse empoderamento que pode ser alcançado por meio do esporte? Para Horochovski e Meirelles (2007, p. 486), empoderar “é o processo pelo qual indivíduos, organizações e comunidades angariam recursos que lhes permitam ter voz, visibilidade, influência e capacidade de ação e decisão”. Nesse sentido, o empoderamento não é algo que se tem ou não de forma absoluta, mas que apresenta diferentes graus constantemente alcançados dentro de um contexto de maiores ou menores coerções sociais que enfrentamos cotidianamente. O empoderamento, por conseguinte, não é algo que é passivamente adquirido; é uma “conquista” constante e necessariamente autogestionada (BRAUNER, 2015). Relaciona-se, portanto, com temas como emancipação, autonomia, libertação e conquista de liberdade. Essa perspectiva é contemplada pelo GP, que se apropria dos feminismos para fomentar as diversas ações que coloca em circulação, cujo foco, como já mencionado, é utilizar o futebol como ferramenta para analisar questões relacionadas às desigualdades de gênero evidenciadas em temas como a violência doméstica, a empregabilidade, o assédio sexual, a sub-representação das mulheres na mídia, as desigualdades de acesso e permanência nos esportes, entre outras. Considerando a especificidade deste projeto e sua relevância para o empoderamento de mulheres por meio do esporte, buscamos visibilizar seu protagonismo, visando a des21
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crever fragmentos de sua história com ênfase na sua criação, na elaboração de sua proposta pedagógica e na sua intervenção política. Para tanto, recorremos a fontes documentais e iconográficas produzidas pelo coletivo, muitas delas publicadas em seu site oficial5. Para complementar a pesquisa, fizemos uso de publicações acadêmicas e não acadêmicas que referenciam o Guerreiras Project. Buscamos ainda na História Oral um recurso teórico-metodológico para a produção de fontes por meio da realização de entrevistas com suas integrantes, mais especificamente Caitlin Fisher, Joanna Burigo, Aline Pelegrino e Carla Oliveira, além de entrevistas com jogadoras de futebol cuja narrativa, de algum modo, dialoga com o GP, sua criação e expansão. A análise das fontes foi desenvolvida tomando como inspiração o método indiciário proposto por Carlo Ginzburg (2003), cujo trabalho pressupõe colocar em ação alguns procedimentos de investigação que focalizam os critérios de identificação dos dados a serem observados como representativos do que se quer tomar como a singularidade que revela. Na perspectiva do autor, para perscrutar indícios, faz-se necessário usar como estratégia o método da montagem. “É preciso recolher os traços e registros do passado, mas realizar com eles um trabalho de construção, verdadeiro quebra-cabeças ou puzzle de peças, capazes de produzir sentido” (PESAVENTO, 2005, p. 64). Organizadas as fontes de pesquisa, desenvolvemos as análises produzindo múltiplas combinações entre as “peças” do quebra-cabeças de modo a relevar sentido aos objetivos 5 Disponível em: <www.guerreirasproject.org>
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propostos – no caso deste estudo, descrever a criação do GP, assim como as estratégias que empreende para promover o empoderamento de meninas e mulheres por meio do esporte. O Guerreiras Project O Guerreiras Project foi idealizado por Caitlin Davis Fisher, uma atleta estadunidense que, no ano de 2004, mudou-se para o Brasil para jogar futebol na equipe do Santos Futebol Clube. Caitlin Davis Fisher nasceu em Cambridge, Estados Unidos, e aos seis anos começou a jogar futebol. Jogou na liga universitária, na liga semiprofissional e na liga profissional dos Estados Unidos até que, com 22 anos, mudou-se para a cidade de Santos/SP. Em sua entrevista, a ex-jogadora narra que foi no Brasil que conheceu o preconceito por ser uma mulher que pratica futebol. Escutando os relatos de suas colegas de time, aprendeu que a palavra guerreira tinha forte conotação e significado neste contexto, pois nomeava o esforço, a persistência, a dedicação que as atletas dispunham para se manter na modalidade. O nome Guerreiras Project resulta dessa percepção e é uma homenagem para as jogadoras brasileiras que, segundo Caitlin Davis Fisher, “lutam para serem apoiadas e aceitas dentro desse esporte, que é tradicionalmente, masculino” (FISHER, 2014, p. 1). A trajetória de Caitlin Davis Fisher é determinante para a estruturação do GP. Além de atleta profissional com atuação na Suécia, no Brasil e nos Estados Unidos, tem formação inicial em Antropologia e mestrado em Gênero, Desenvolvimento e Globalização pela London School of Economics. Du23
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rante sua formação acadêmica, realizou pesquisas etnográficas focadas em gênero, corpo e desenvolvimento econômico, utilizando-se de conhecimentos teóricos e metodológicos que contribuíram de modo indelével para a fundamentação da proposta política e pedagógica do GP, cuja ação primeira se deu por meio da realização de entrevistas com jogadoras, técnicos e dirigentes de clubes brasileiros, tematizando, entre outros tópicos, o preconceito no futebol de mulheres. Em 2010, Caitlin Davis Fisher entrevistou Aline Pellegrino, então jogadora do Santos Futebol Clube e capitã da seleção brasileira. Esta entrevista serviu de base para um vídeo no qual foram agregadas imagens da equipe do Santos, produzidas por Adrienne Grunwald, também jogadora e ex-colega de faculdade de Fisher. Contando com a narração de Aline Pellegrino, o vídeo integrou a exposição Guerreiras: the female warriors of Brazilian futebol6, exibida na Embaixada Brasileira em Berlim, durante a Copa do Mundo de Futebol Feminino de 2011, que aconteceu na Alemanha. E m meados desse mesmo ano, Fisher realizou uma palestra no instituto onde cursou seu mestrado, em Londres, momento no qual conheceu a brasileira Joanna Burigo, aluna da mesma instituição naquele período. Reunidas por interesses comuns, Fisher compartilhou com Joanna as experiências de oficinas que tematizavam discussões de gênero a partir do futebol, realizadas juntamente com Marisa Schlenker, ex-jogadora com quem havia atuado no futebol estadunidense, além de mostrar as entrevistas e as fotos que havia realizado 6 Disponível em: <https://vimeo.com/87334760>. Acesso em: 2 mar. 2016.
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com a equipe do Santos Futebol Clube. Caitlin Davis Fisher sintetizou essas informações em um documento que apresentava
[...] um mapa do Brasil, um campo de futebol em cima, todos os problemas de gênero listados em baixo, e as mulheres desenhadas em cima. E o que ela queria dizer era isso? Que o que nós enxergamos necessariamente não é o que está dando base para aquele preconceito (BURIGO, 2015, p. 4).
Já naquele encontro, as duas concebem a ideia de organizar as ações do GP em duas linhas: a realização de oficinas temáticas para discussão de temas afetos às questões de gênero, e a estruturação de estratégias de divulgação do projeto via exposição de fotos, produção de vídeos, palestras etc., ambas tendo como foco a perspectiva do “Veja, Pense, Questione”. Em sua entrevista, Joanna Burigo esclarece essa centralidade: [...] é a linha ao redor da qual nós costuramos todas as nossas entregas, seja em um workshop, seja em uma palestra, seja em uma exibição, seja em uma entrevista, seja o que for. Tudo parte dessa linha inicial. [...] Não é uma metodologia, não é um método didático formalizado, mas é o que guia todas as nossas interações com as pessoas (BURIGO, 2015, p. 5-6).
Com essa estrutura em mente e com a parceria com Joanna Burigo estabelecida, Caitlin Davis Fisher retornou ao Brasil de forma a colocar em prática o que planejaram. Reencontrou Aline Pellegrino e, juntas, empreenderam várias ações direcionadas para as duas vertentes de ação que elege25
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ram serem prioritárias, inaugurando, desse modo, a atuação do GP no Brasil. “Veja, Pense, Questione”: a proposta metodológica do Guerreiras Project Em seu discurso durante a abertura do evento Olhando para o futuro: o lugar do esporte no empoderamento das mulheres pós-2015, realizado durante a 59ª sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher em Nova York, Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres, declarou que uma maior participação de mulheres e meninas no ambiente esportivo tende a refletir também em uma melhora na sua participação na sociedade e na luta contra os estereótipos de gênero, contribuindo para minimizar as desigualdades existentes neste campo. Tal intencionalidade tem sido pauta das ações desenvolvidas pelo Guerreiras Project e pode ser observada na estruturação de todas as iniciativas pedagógicas que coloca em ação e que são observadas por Caitlin Fisher como os “braços do projeto”. Ou seja, diferentes estratégias são implementadas com o objetivo de provocar o diálogo sobre as desigualdades de gênero existentes no campo e fora dele, e suas possibilidades de superação, a saber: oficinas temáticas, produção multimídia (vídeos), palestras e formação das embaixadoras que são jogadoras e ex-jogadoras de futebol que atuam como ministrantes das oficinas.
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Todas as ações do GP são realizadas em espaços não formais de educação, que, segundo Jacobucci (2008, p. 55), são descritos como “lugares diferentes da escola, onde é possível desenvolver atividades educativas”. Uma das principais ferramentas didáticas elaboradas pelo GP refere-se à proposta metodológica denominada “Veja, Pense, Questione”, pensada para subsidiar o trabalho das oficinas temáticas e da formação das embaixadoras. Inicialmente estruturada em inglês (See, Think, Wonder), essa proposta foi testada em 2011 em oficinas desenvolvidas por Marisa Schlenker, que ocorreram nos Estados Unidos e na África do Sul. Os resultados – animadores do ponto de vista do fomento ao diálogo sobre as questões de gênero no futebol – foram determinantes para o desenvolvimento da metodologia, cuja sistematização está registrada no documento intitulado Mudando cabeças, corpos e campos: uma iniciativa comunitária com profissionais de futebol feminino como embaixadoras pela justiça de gênero, que assim se refere ao trabalho proposto: Essa iniciativa consiste na realização de oficinas ministradas por profissionais de futebol feminino que atuam como embaixadoras nas comunidades pela justiça de gênero e empoderamento das mulheres e meninas. A intenção da iniciativa é oferecer plataformas seguras para que as mulheres falem – sem medo e umas com as outras – sobre suas experiências, no campo de futebol e na vida (GUERREIRAS PROJECT, 2014, p. 1).
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As oficinas7 envolvem várias etapas, tais como a aplicação de um questionário para apreender o que cada participante conhece ou pensa sobre as funções tradicionalmente relegadas a mulheres e homens na sociedade, sobre igualdade e preconceito, entre outros temas; a discussão das respostas advindas do questionário; análises de imagens veiculadas na mídia exibindo homens e mulheres em situações diversas, sobretudo em relação à ocupação de cargos de poder; a realização de um jogo de futebol com regras estipuladas de modo a empoderar meninas e mulheres; a discussão sobre estas regras e sua aplicação em situações cotidianas; a elaboração de modos de superação no jogo do futebol e fora dele; a avaliação por parte dos participantes das oficinas. Tal iniciativa dialoga com o estudo realizado por Ileana Wenetz (2012), a qual aponta que o futebol praticado como brincadeira ou como esporte permite identificar como o gênero opera na constituição da identidade de meninas e de meninos no ambiente escolar. Tal como na escola, o trabalho das oficinas temáticas desenvolvido pelo GP tem evidenciado aspectos comuns relacionados à generificação do futebol, como, por exemplo, a percepção de que a ocupação da quadra ou do campo (na escola, em associações comunitárias ou em espaços públicos) é de predomínio dos meninos e dos homens, sendo raras as oportunidades de meninas e mulheres usufruírem deste espaço, sobretudo, em horários de grande 7 Desde sua criação, o GP já ofereceu oficinas temáticas em várias cidades brasileiras, como Recife e Santo Antão (PE), Porto Alegre e São Leopoldo (RS), Rio de Janeiro (RJ). Fora do Brasil, o GP já realizou oficinas em Berlim (Alemanha), Londres (Inglaterra), Accra (Gana), Nova York e Providence (Estados Unidos) e Porto da Espanha (Trinidad e Tobago).
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circulação. Colabora para essa situação a divisão sexual do trabalho, uma vez que em nossa cultura cabe às mulheres e suas filhas a realização das tarefas domésticas, restringindo seu tempo de lazer. Além disso, há ainda a naturalização de que a apropriação dos espaços e equipamentos públicos é privilégio dos homens (GOELLNER, 2012). Agrega-se a esta situação a representação de que o futebol, por acontecer em espaços públicos como parques, praças e ruas, expõe meninas e mulheres a situações vulneráveis, dada uma sorte de riscos que podem colocar em perigo sua vida em função da violência urbana e da criminalidade. Essa discussão não passa despercebida pela metodologia do “Veja, Pense, Questione”, visto que – quando possível, e dependendo do contexto de aplicação das oficinas – essa representação é tencionada de modo a indicar que a violência contra as mulheres em grande medida se dá no espaço doméstico por pessoas conhecidas e próximas. Ou seja, o GP busca colocar em debate vários temas que estão associados à justiça de gênero, fazendo com que as pessoas que participam das suas atividades reflitam sobre “a capacidade das mulheres dentro e fora do campo; igualdade; criação de espaço para todo mundo; aceitação de diferenças; respeito em relação à capacidade de todo mundo; comunicação; entendimento etc.” (GUERREIRAS PROJECT, 2014, p. 2-3). Karen de Freitas Rocha, jogadora profissional de futebol que participou de uma atividade na qual a metodologia do GP foi aplicada ao final da oficina, escreveu:
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Ser mulher no Brasil é muito difícil. O fato de você ser mulher no Brasil, isso por questões culturais e outras questões, a mulher sempre foi o segundo plano do homem. Sempre, em todos os sentidos. Então, você brigar por um direito, brigar para que a mulher seja valorizada, ter os seus valores como ser humano, isso para mim é um ganho... eu tive muitas dificuldades por ser mulher (ROCHA, 2014, p. 5).
O empoderamento das mulheres por meio da metodologia desenvolvida pelo Guerreiras Project demandou a formação de pessoas com conhecimentos capazes de conduzir não apenas a parte prática das oficinas (o jogo do futebol), mas também as discussões relacionadas às questões de gênero. Para tanto, foi necessária a construção de uma estratégia de formação de embaixadoras, denominação atribuída às mulheres que o GP convidou para que atuassem como reprodutoras da metodologia. Por uma decisão política, foi decidido que essa função deveria ser exercida por jogadoras ou ex-jogadoras de futebol, possibilitando, inclusive, sua formação para atuação depois de abandonarem os campos. Tal decisão justifica-se pela constatação de que, no Brasil, a grande maioria das atletas não consegue se manter, economicamente, na prática do futebol, seja enquanto atuam na modalidade, seja quando abandonam os gramados. Conforme Osmar Moreira de Souza Junior (2013), o futebol de mulheres no Brasil tem caráter amador, tornando difícil para as futebolistas sobreviverem apenas do esporte, o que as faz buscar alternativas para complementarem a renda e assim permanecerem inseridas no meio esportivo. 30
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A zagueira Bagé, que foi capitã da seleção brasileira, e a meia Prisicilinha, que também já atuou pela seleção, atualmente atletas do São José Esporte Clube, da cidade de São José dos Campos/SP, para complementarem sua renda e continuarem atuando pelo clube, investiram em negócios fora da área futebolística. O primeiro empreendimento das duas foi o lava-rápido Meninas da Águia, cujo nome remete a como são identificadas as atletas do clube. O serviço de lavagem de carros foi seguido pela venda de sorvetes após as partidas realizadas no estádio Águias do Vale e, atualmente, elas são proprietárias do Pastelzinho Meninas da Águia. No lava-rápido, além das duas proprietárias, trabalhavam também outras atletas do São José. Outras jogadoras que não conseguiram sobreviver do esporte após pendurar as chuteiras foram Elane dos Santos, ex-capitã da seleção brasileira, que atualmente trabalha em uma empresa de transporte público onde é motorista de ônibus, no Rio de Janeiro. A mesma profissão foi seguida pela ex-jogadora e ex-treinadora Ivete Maria Gallas, que após ser descoberta pela empresa como ex-treinadora passou a ocupar cargo administrativo em uma companhia de transporte público na cidade de Porto Alegre/RS. Em julho de 2014, Rose do Rio, a fundadora da Liga Brasileira de Futebol Feminino, enviou um pedido à Secretaria de Políticas para Mulheres, para que fosse elaborado um projeto de lei sobre a profissionalização do futebol praticado pelas mulheres no Brasil. Entre outras exigências, o documento prevê direitos trabalhistas para as jogadoras, como 31
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13º salário e aposentadoria. Entretanto, até o ano de 2015, o que surgiu relacionado à regulamentação e à estruturação do futebol das mulheres foi a inclusão da modalidade na Medida Provisória 671, a MP do Futebol. A lei, sancionada em agosto do mesmo ano, obriga os clubes que quiserem renegociar suas dívidas com o Estado a investir parte de sua receita em categorias de base e manutenção do futebol de mulheres. A falta de estrutura que inviabiliza às mulheres sobreviver do esporte é tema de diversas entrevistas realizadas com jogadoras e ex-jogadoras de futebol. Marisa Pires Nogueira, ex-capitã da seleção brasileira, em fala publicada 2014, no site Jornal de Brasília, ressaltou que “as ex-atletas não têm oportunidade dentro das federações e da CBF... É experiência jogada fora. Nunca deu para fazer do esporte uma profissão” (MONTEIRO, 2014, [s.p]). Declarações como a de Marisa Nogueira demonstram como o futebol das mulheres ainda requer uma atenção no que diz respeito à estruturação e à profissionalização. Tema esse que se faz presente na agenda política e pedagógica do Guerreiras Project, mais especificamente no processo de formação das embaixadoras, cuja dinâmica inclui o relato das trajetórias das participantes, visando a partilhar experiências, reconhecer-se nelas, para então discutir questões afetas ao empoderamento das mulheres no futebol e fora dele. Recorrer a jogadoras e ex-jogadoras objetiva também reconhecer a importância de suas experiências e histórias de vida. Por essa razão, o projeto teve como marco inaugural a realização de entrevistas com jogadoras do Santos Futebol 32
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Clube. Ao partilharem suas narrativas, as jogadoras perceberam vários aspectos relacionados à generificação do futebol brasileiro, e assim tiveram um pouco mais de consciência sobre as desigualdades enfrentadas neste país, que se reconhece como a “Pátria das Chuteiras”. Segundo Wittizorecki et al. (2006, p. 23), “A capacidade de narrar a si mesmo, além de envolver a capacidade de refletir sobre a experiência vivida, pode ajudar a entender e a organizar a realidade social e, dessa forma, oferecer melhores condições para que os sujeitos possam transformar a própria realidade”. A utilização das narrativas pessoais é uma ferramenta indispensável para as ações desenvolvidas pelo projeto, pois o dizer de si é compreendido como uma possibilidade de potencializar a reflexão, a tomada de consciência e o empoderamento. Ao valorizar as histórias de vida que se encontram às sombras, o GP confere visibilidade ao protagonismo de mulheres que fazem acontecer a modalidade no país, em que pese seu pouco reconhecimento e a ausência de sua profissionalização. As trajetórias de vidas de jogadoras de futebol, assim como a própria história do futebol de mulheres no Brasil, ficam à margem da história identificada como oficial ou representativa da modalidade; neste caso, restrita à experiência vivenciada por homens que jogam ou que gerenciam o futebol. Trazer à tona a narrativa destas trajetórias evidencia a pluralidade de discursos, práticas e representações que envolvem esta temática (MACEDO; GOELLNER, 2013). E, segundo Brandão (2008), “o relato de vida-trabalho possibi33
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lita também a compreensão das trajetórias individuais e das culturas”. Em entrevista para o GP, a jogadora de futebol Karen Rocha expõe a importância destas narrativas e de como elas podem ser absorvidas por outros indivíduos, mais especificamente, outras mulheres: Eu acho que quando você dá uma coisa boa para uma pessoa, se ela realmente está escutando, ela vai receber, vai guardar aquilo e futuramente ela pode pensar: “poxa, aquela vez lá que me falaram”... ela pode em algum momento da vida dela, quando ela estiver passando dificuldades, ela vai lembrar e falar: “não, eu posso, eu quero, eu vou conseguir”, porque aquela pessoa conseguiu (ROCHA, 2014, p. 7).
O ato de possibilitar que meninas e mulheres falem de suas experiências no campo de futebol e na vida viabiliza novas reflexões ao grupo participante das oficinas, tornando o empoderamento recíproco às partes envolvidas: embaixadoras e comunidade. Esse recurso está voltado para o próprio objetivo deste coletivo, sintetizado na expressão “Mudando cabeças, corpos e campos”. Ao colocar em ação a proposta metodológica do “Veja, Pense, Questione”, as integrantes do GP partilham da ideia de que os processos educativos grupais “podem contribuir para o desenvolvimento da autonomia dos adolescentes, na relação e ação com o próprio corpo, além de favorecer a sua autoestima e motivação para ações mais amplas na escola e na comunidade, dentre outras” (LACERDA, 2013, p. 86). Por essa razão, as oficinas apresentam 34
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uma dinâmica que envolve discussão e reflexão, e também a prática do jogo de futebol, cujo objetivo visa à possibilidade de as pessoas experienciarem os usos do corpo e suas potencialidades, de modo a desconstituir muitas das representações generificadas que circundam essa modalidade, as quais, grosso modo, minimizam as capacidades físicas das mulheres em detrimento da supremacia biológica dos homens. Chamar a atenção para as desigualdades de gênero no futebol é o foco de outras atividades desenvolvidas pelo GP, com ênfase na produção multimídia e na realização de exposições. O projeto germinal dessas ações aconteceu no ano de 2011, em Berlim, durante a Copa do Mundo de Futebol Feminino da FIFA, por meio de uma exposição multimídia realizada na Embaixada do Brasil, intitulada Guerreiras: the female warriors of Brazilian futebol. Essa exposição deu visibilidade internacional ao projeto e demandou vários convites para apresentação do projeto ou discussão de temáticas relacionadas às questões de gênero, esporte e justiça social8. Demandou, também, a coorganização de outras exposições. Uma delas, intitulada Futebol e mulheres: mudando corpos, cabeças e campos9, aconteceu durante a realização da Copa do Mundo de Futebol FIFA 2014, em Porto Alegre e no Rio de Janeiro, cidades-sedes do evento. A exposição figurou em reportagem da Folha de S. Paulo do dia 7 de julho de 2014, 8 Em 2011, o GP ofereceu uma oficina na Conference on Sport for Development, em Trinidad, apresentou um painel fotográfico no Angkor Photo Festival in Siem Reap, no Camboja, e foi nomeada entre as 50 organizações do Woman Deliver: the most inspiring ideias and solutions to deliver for girls and women. 9 Informações sobre a exposição estão disponíveis em: <http://www.ufrgs.br/ ceme/site/exposicoes/45_Futebol_e_Mulheres__Mudando_cabecas__corpos_e_campos_>
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divulgando que, no Rio Grande do Sul, sua realização aconteceu próxima à Fan Fest e contou com dezenas de objetos de jogadoras da seleção brasileira e de outras atletas profissionais. Já no Rio de Janeiro, houve um painel fotográfico produzido por imagens exclusivas do fotógrafo Daniel Kfouri10. A visibilidade midiática desta exposição promoveu uma aproximação com o Museu do Futebol, localizado no Estádio do Pacaembu, na cidade de São Paulo, que resultou na participação efetiva do GP na organização da exposição Visibilidade para o Futebol Feminino11, inaugurada no dia 19 de maio de 2015. Além da disponibilização de acervo fotográfico e documental, o GP cedeu o vídeo Somos todas Guerreiras12, produzido com o objetivo de “apresentar imagens poderosas, edificantes e inspiradoras de jogadoras em campo para fazer essas mulheres visíveis e para servir como um forte exemplo contra a representação dominante do corpo feminino em torno da Copa do Mundo FIFA 2014”13. Essa exposição foi um marco na história do futebol brasileiro, visto que, pela primeira vez na história do Museu do Futebol, as mulheres protagonizaram uma atividade de grande porte. Tal afirmação pode ser observada no texto de apresentação: A exposição Visibilidade para o Futebol Feminino chega para provocar nossa maneira de contar a história do futebol brasileiro. O que consagramos? O que deixamos esquecido por décadas? O que sabe-
10 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2014/07/ 1481134-vida-de-jogadoras-de-futebol-feminino-e-tema-de-exposicoes-no-rio-e-no-rs.shtml>. 11 Disponível em: <http://futebolfeminino.museudofutebol.org.br>. 12 Disponível em: <https://vimeo.com/99924620>. 13 GP LANÇA VÍDEO “SOMOS TODAS GUEREIRAS”, 2014, s/p.
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mos sobre a participação feminina no esporte mais popular do Brasil? Ouvimos nosso público e fomos buscar informações nas mais variadas fontes, incluindo os preciosos arquivos pessoais das atletas. Para o Museu do Futebol é uma grande honra incluir em seu acervo as estórias de mulheres que batalharam pelo direito de jogar bola, e não haveria melhor lugar para apresentar as novidades do que em nossa exposição principal. Há ainda um longo caminho a percorrer para que consigamos retraçar a origem dos primeiros times e as trajetórias das pioneiras nesse esporte no Brasil. Essa exposição é apenas o começo e não é nossa única ação (MUSEU DO FUTEBOL, 2015, p. 1).14
As exposições e os vídeos são compreendidos pela equipe do Guerreiras Project como ações estratégicas, pois ao mesmo tempo que divulgam a temática de gênero são ferramentas para ampliar a visibilidade do coletivo. Esses mesmos objetivos são apontados como importantes em outras ações, como a participação em eventos, a presença em meios de comunicação e a publicação de textos em revistas acadêmicas e não acadêmicas, além do seu site15 e da página no Facebook16. A diversidade das ações propostas figura como uma de suas principais estratégias de visibilidade, divulgação e busca de reconhecimento tanto no Brasil como fora dele. No dia 7 de julho de 2014, o GP foi matéria na secção empreendedorismo da Folha de S. Paulo. Intitulada Ex-jogadoras se unem para combater o preconceito no futebol feminino (FREITAS; LEI14 Disponível em: <http://futebolfeminino.museudofutebol.org.br>. 15 Disponível em: <http://www.guerreirasproject.org>. 16 Disponível em: <https://www.facebook.com/GUERREIRASPROJECT>.
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TE, 2014), a reportagem menciona a criação do coletivo, a origem do nome, suas principais ações e alguns resultados. Em artigo publicado em março de 2014 na revista do Peterson Institute for International Economics, situado em Washington, Barbara Kotschwar cita o GP como um dos principais programas na América Latina a apoiar a participação de garotas no esporte. Segundo a autora, vários desses programas têm tendência a utilizar o futebol para ensinar valores sociais a meninas e mulheres. Dentre eles, inclui o GP, enfatizando que atua com jogadoras profissionais e que, ao encorajar a participação de meninas e mulheres no esporte, desafia barreiras de gênero e de sexo, promovendo atitudes democráticas e seguras através da atividade física e do diálogo (KOTSCHWAR, 2014, p. 5). A visibilidade do GP no meio acadêmico também merece destaque. Nesse sentido, é notória a importância do encontro de Caitlin Fisher e Joanna Burigo durante a realização do mestrado em Gênero, Desenvolvimento e Globalização na London School of Economics. A parceria que se estabeleceu naquele momento facilitou a organização do coletivo e também sua relação com a área acadêmica17, subsidiando inclusive a formulação de sua proposta metodológica “Veja, Pense, Questione”, que tem como foco a utilização do futebol 17 Algumas publicações: Body projects: making, remaking, and inhabiting the woman’s futebol body in Brazil (FISHER, Caitilin; DENNEHY, Jane, 2015); Futebol feminino e desigualdade de gênero: por que o gramado sintético sempre sobra pra gente? (BURIGO, Joanna, 2015). Matéria publicada em 19 de julho de 2015, disponível em: <http://revistadonna.clicrbs.com.br/comportamento-2/ futebol-feminino-e-desigualdade-de-genero-por-que-o-gramado-sintetico-sempre-sobra-pra-gente>.
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[...] como uma ferramenta para gerar diálogos a respeito de normas de gênero. Acreditamos que as mesmas normas estreitas de gênero que são encontradas no futebol são refletidas na sociedade em geral, e são a raiz de muita injustiça social. Pesquisas revelam que códigos rígidos de masculinidades e feminilidades tradicionais contribuem com resultados fracos na educação e saúde reprodutiva, bem como com violência de gênero e sexualidade – seja contra mulheres, ou homofobia. Estas questões não podem ser resolvidas sem que as normas de gênero mais profundamente enraizadas na sociedade sejam desafiadas. Acreditamos que o discurso do futebol (linguagem e imagens), universalmente reconhecido, seja não somente uma ferramenta poderosa, eficaz e acessível para a realização deste trabalho, mas também um instrumento inovador para a realização de mudanças sociais profundas.18
Ver, pensar e questionar não é apenas a proposta metodológica do GP; é o mote que guia todas as ações desenvolvidas e que confere densidade pedagógica à sua intervenção política em prol da equidade de gênero no esporte e fora dele. Ser Guerreira: a luta dentro e fora de campo Como relatado no início deste texto, a escolha de Caitlin Fisher pelo nome Guerreiras aconteceu em função da forma recorrente com a qual suas colegas da equipe do Santos Futebol Clube usavam para descrever seu esforço para se manterem no futebol. Observando a narrativa de algumas dessas jogadoras, evidenciamos que tal esforço não diz respeito apenas à dedicação inerente a todo atleta de alto rendimento 18 Disponível em: <http://www.guerreirasproject.org/pt/about-our-work>.
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ao empenhar-se em treinamentos, ao destacar-se entre seus concorrentes, ao superar problemas pessoais a fim de realizar a melhor performance possível. O empenho descrito por elas aponta para a superação das adversidades relacionadas à falta de estrutura vivenciada pelo futebol praticado por mulheres no Brasil.
[...] todo dia pra nós é uma guerra. [...] Você tem que correr atrás pra ter água, você tem que correr atrás para eles, no mínimo, te darem o dinheiro para passagem para você ir para o próximo treino. Você tem que correr atrás para eles te arrumarem um “meião”, ou se você não tem condições de comprar uma chuteira tem que correr atrás para eles te arrumarem ao menos uma chuteira decente para você poder trabalhar bem. Então, cada dia para nós é uma luta. Quando a gente chega lá na frente, na hora do jogo, olha o que fizemos lá atrás! Porque às vezes a gente tem que virar e olhar um pouquinho para trás pra gente ver: “Não, nós merecemos estar aqui!” Nós somos guerreiras porque nós enfrentamos muitos obstáculos para estar aqui (SANTOS, 2014, p. 8-9).
Ser guerreira, portanto, refere-se a uma atitude que existe para além dos gramados: “ser uma guerreira é lutar por tudo – dentro do campo, fora do campo, na vida, onde for” (PELLEGRINO, 2015, p. 6). Tais afirmações indicam que, diante do cenário futebolístico vivenciado por essas atletas, “ser guerreira” é também uma necessidade, inclusive para sobreviver no esporte. Na repetição de narrativas que refletem as dificuldades enfrentadas pelas futebolistas, mais do que a identificação de uma estrutura deficitária existente em diferentes cidades brasileiras, é possível perceber uma 40
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reação comum expressa em uma atitude que agrega persistência e revolta. Formiga, a atleta com o maior número de participação em Jogos Olímpicos e Copas do Mundo19, em entrevista para o GP, assim se refere com relação às suas reivindicações na modalidade:
Cara, eu quero o respeito total, da gente poder ter o direito de tudo. Porque, como eu falo para as meninas: a gente não está pedindo migalhas, a gente já mais do que provou que sabemos, sim, jogar futebol. Então a gente quer o futebol feminino em um patamar maior, e não do jeito que está. Ter o respeito, ter o direito de jogar em estádios bons, nem que seja nas preliminares deles. A gente não quer chegar no nível do masculino, mas que o respeito seja bem melhor, que tenha direito a tudo que o esporte profissional tem. Hoje ainda tratam o futebol feminino como amadorismo, e a gente não é mais amadora. Nós temos que ser chamadas de profissionais, e ser tratadas como profissionais (MOTA, 2014, p. 5).
O Guerreiras Project, ao promover espaços de diálogo entre jogadoras e ex-jogadoras, tem possibilitado uma reflexão sobre um tema que muitas das atletas vivenciaram, mas que, por vezes, não percebiam: as desigualdades de gênero vivenciadas no futebol. Nesse sentido, conhecer os feminismos e suas perspectivas teóricas foi fundamental para o desenvolver do projeto. Segundo Joanna Burigo, “o feminismo 19 Miraildes Maciel Mota, popularmente conhecida como Formiga, é natural de Salvador (BA) e hoje é atleta da seleção permanente da Confederação Brasileira de Futebol. Disputou as cinco edições dos Jogos Olímpicos nas quais o futebol feminino esteve presente (1996, 2000, 2004, 2008 e 2012), além de seis edições da Copa do Mundo (1995, 1999, 2003, 2007, 2011 e 2015), feito inédito para atletas homens e mulheres do futebol mundial.
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é a gente falar em público dos problemas que fomos ensinadas a achar que eram individuais e que na verdade são totalmente sociais” (BURIGO, 2015, p. 2-3). A perspectiva feminista do GP não se restringe, contudo, apenas à reflexão. A partir do reconhecimento de uma estrutura de desigualdade socialmente construída, o grupo busca estabelecer vetores de mudança, conforme é possível identificar na fala de algumas embaixadoras. Beatriz Vaz e Silva, atual jogadora da seleção brasileira, expressa: [...] o Guerreiras me fez refletir sobre muitos temas e, principalmente, como eu poderia usar tudo que eu vivi até hoje para ajudar de alguma forma. Então tem muitas coisas que a gente conversou, que a gente conversa – a gente do grupo do Guerreiras – que eu nunca tinha pensado, temas que eu nunca tinha refletido sobre, mas que hoje, principalmente, tem me transformado. Tem me feito refletir, tem feito eu pensar, tem feito eu questionar minhas atitudes. Então mais do que qualquer outra coisa que eu possa fazer agora, [o Guerreiras] tem feito muito bem pra mim como pessoa (SILVA, 2014, p. 8).
Ao ser indagada sobre o impacto percebido pelo público participante das oficinas, palestras e seminários realizados pelo GP, Joanna Burigo complementa: É sempre muito difícil de mensurar esse impacto, mas o feedback que recebemos das pessoas é exatamente o mesmo, seja se for uma menina de cinco anos da favela, ou um acadêmico, branco, homem, cis, cristão de setenta anos. É exatamente o mes42
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mo! E é tipo “eu nunca havia pensado nisto assim” (BURIGO, 2015, p. 13).
A percepção que as pessoas têm sobre temas pouco discutidos em seu cotidiano e a identificação com situações semelhantes vivenciadas por outras pessoas no que respeita às injustiças, sobretudo de gênero, reitera o potencial empoderador das ações empreendidas pelo GP. Aline Pellegrino, uma de suas fundadoras, descreve aspectos relativos à importância que o trabalho fora do campo – no caso, com o Guerreiras Project – tem na sua trajetória de vida, fundamentalmente depois que decidiu se aposentar dos gramados: E aí estressei, frustrei com o futebol e a Caitlin [Fisher] retomou a conversa comigo “ó têm umas coisas acontecendo”... E eu abracei total e foi aquele um mês no Rio de Janeiro, vivendo esse outro lado, de palestras, de conhecer pessoas, de falar de futebol para desenvolvimento, de falar para futebol, e eu pensei, “talvez acho que a coisa está aí, talvez eu consiga através do Guerreiras, através da nossa discussão, através das outras possibilidades que surgem, falar da realidade do futebol feminino e colocar uma sementinha aqui para que essas meninas que gostam e que sonham...”, apesar do projeto não ter esse intuito, tentar colocar algum tipo de mensagem diferente do que eu vinha tentando fazer de cima para baixo, e o Guerreiras foi tomando proporção... Hoje eu estou muito envolvida tentando mudar isso de alguma forma (PELLEGRINO, 2015, p. 13-14).
A fala de Aline Pellegrino revela o significado deste trabalho extracampo, inclusive para manter viva sua história no futebol brasileiro. Cabe destacar que Pellegrino é uma refe43
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rência no esporte nacional, sendo a capitã mais longeva da seleção brasileira de futebol20. Em função dessa representatividade, sua participação no GP extrapola a realização de palestras e oficinas, e sua figura é presença recorrente tanto nos vídeos e materiais de divulgação do projeto quanto nas imagens que são utilizadas na realização das oficinas. Em sua entrevista, Joanna Burigo explica o uso que se faz de fotografias da atleta na dinâmica do “Veja, Pense, Questione”: Mostramos as imagens... Aí tem o Neymar [Júnior] levantando uma taça do Campeonato Brasileiro e a Aline [Pellegrino] levantando a mesma taça, no mesmo estádio, do mesmo campeonato, está ali a foto, veja. As pessoas veem e nós não falamos nada; o Guerreiras fala pouquíssimo, eu falo pelo Brasil, mas as Guerreiras falam pouquíssimo. Nós mostramos a foto e damos a dica: “see, think and wonder”; a pessoa imediatamente depois de ver ela, pensa “tem alguma coisa errada com essa imagem”. E ela se questiona “por que tem menos fotógrafos na foto da Aline do que na do Neymar?”. E a partir daí que a conversa começa (BURIGO, 2015, p. 9).
A perspectiva de manter-se no futebol por meio da intervenção política do Guerreiras compõe o espectro de outras jogadoras profissionais. Karen de Freitas Rocha explicita essa percepção: Hoje eu estou em um projeto que eu sei que está todo mundo em prol de um pensamento só: mos-
20 Aline Pellegrino foi capitã por oito anos da Seleção Brasileira conquistando o Pan-Americano de 2007, o vice-campeonato da Copa do Mundo Feminina de 2007 e a medalha de prata nos Jogos Olímpicos de Sidney (2004). Na carreira em clubes, foi campeã das Copas do Brasil de 2008 e 2009 e da Copa Libertadores da América de 2010, pelo Santos Futebol Clube.
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trar o valor da mulher. Então acho que esse foi o fato que mais me impactou realmente para que eu pudesse dar continuidade, fora usar também o futebol – que o projeto usa o futebol como ferramenta –, isso facilita para que a gente possa divulgar também uma coisa pela qual eu sempre briguei (ROCHA, 2014, p. 1).
A fala das jogadoras que integram ou que participaram de alguma atividade proposta pelo GP remetem à esperança de construção de um novo espaço em prol do desenvolvimento da modalidade, incentivando, de certa forma, as futuras gerações. Nesse sentido, fazem referência tanto à superação das dificuldades encontradas em um cenário precário em termos de apoio, reconhecimento e visibilidade, quanto à possibilidade de combatê-lo. Carla Oliveira, conhecida nos campos como Índia, afirma: Sou guerreira porque diante de tantos motivos que eu tinha pra desistir da minha carreira, eu consegui me agarrar aos poucos que eu tinha pra continuar. Ser uma guerreira é lutar por tudo – dentro do campo, fora do campo, na vida, onde for. Para mim, uma guerreira é isso. Eu sou uma guerreira (OLIVEIRA, 2014, p. 4).
O pessimismo demonstrado por algumas atletas e a força de vontade necessária para superá-lo está intimamente ligado com a estruturação do futebol de mulheres em nosso país. Daiane Rodrigues (Bagé), ex-capitã da seleção brasileira e atual campeã mundial interclubes pelo Esporte Clube São José, em entrevista para o GP, afirma: 45
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Eu acho que é o pessoal que trabalha com a gente deve respeitar o futebol feminino da maneira que merece ser respeitado, não só vir pra dentro do campo nos colocar lá e pronto, é o que a gente tem que render... Porque muitos dos clubes no Brasil, eles simplesmente colocam as meninas dentro do campo e pronto... Eu acho que a gente é muito, muito forte, muito esperançosa por alguma coisa melhor, porque o pouco que a gente tem dentro do Brasil a gente tenta se virar e eu acho que até que a gente se vira até que muito bem, não é? (RODRIGUES, 2014, p. 4).
A falta de estrutura vivenciada pelas futebolistas foi uma das razões pelas quais emergiu o Guerreiras Project. Não é sem razão que suas fundadoras são jogadoras profissionais de futebol, cuja trajetória esportiva possibilitou viver por dentro todas as dificuldades apontadas. Nesse sentido, é possível afirmar que as vozes dessas guerreiras, ao mesmo tempo em que se originam dessa precariedade, são fortes o suficiente para semear esperanças e buscar outras possibilidades de forma a empoderar meninas e mulheres no futebol e para além de sua abrangência. Referências ADELMAN, Miriam. A mulher como instrumento de poder no esporte de rendimento. In: Anais do III Fórum de debates sobre mulher e & esporte, 2004, São Paulo: USP, 2004, p. 31. Disponível em: <http://www.im.br/site_1/ faculdades/educacao_fisica/estudo_muculacao/ANAIS_III_Forum_Mulher_ Esporte_Mitos_e_Verdades.pdf>. Acesso em: 3 mar 2016. BRANDÃO, Vera Maria Antonieta Tordino. Memória (auto) biográfica como prática de formação. Revista Ambiente e Educação, v. 1, n. 1, jan./jul. 2008.
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RODRIGUES, Daiane Meneses. Depoimento de Daiane Meneses Rodrigues (Bagé). Porto Alegre: Centro de Memória do Esporte – ESEF/UFRGS, 2014. SANTOS, Andréia dos. Depoimento de Andréia dos Santos (Maycon). Porto Alegre: Centro de Memória do Esporte – ESEF/UFRGS, 2014. SILVA, Beatriz Vaz e. Depoimento de Beatriz Vaz e Silva. Porto Alegre: Centro de Memória do Esporte – ESEF/UFRGS, 2014. SOUZA JÚNIOR, Osmar Moreira de. Futebol como projeto profissional de mulheres: interpretações da busca pela legitimidade. Tese (Doutorado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013. THEBERGE, Nancy. Toward a Feminist Alternative to Sport as a Male Preserve. In: BIRRELL, S.; COLE, C. L. (Eds.). Women, Sport, and Culture. Champaign, IL: Human Kinetics, 1994. p. 181-192. WENETZ, Ileana. Presentes na escola e ausentes na rua: brincadeiras de crianças marcadas pelo gênero e pela sexualidade. Tese (Doutorado em Ciências do Movimento Humano) – Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano, Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012. WITTIZORECKI, Elisandro Schultz et al. Pesquisar exige interrogar-se: a narrativa como estratégia de pesquisa e de formação do (a) pesquisador (a). Revista Movimento, Porto Alegre, v. 12, n. 2, p. 9-33, 2006.
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Gênero, mídia e futebol: a cobertura midiática genderificada no Brasil1 Soraya Maria Bernardino Barreto Januário Ana Maria Veloso Introdução O sociólogo Marcel Mauss (2003), ao debater o simbolismo e as relações sociais, advogou que a lógica mercantil moderna não substituiu as formas antigas de constituição de vínculos entre os atores sociais e relatou que tais formas continuam presentes nas sociedades modernas. Mauss defendeu a existência de um fato social total que se revela a partir de duas compreensões de totalidade: a primeira baseada em um fenômeno complexo pelo qual estruturas sociais, tais como a família, a política, a educação, a religião, dentre outros, se manifestam, e, portanto, mobilizam a sociedade e as suas instituições sociais em prol de um mesmo objetivo; a segunda, também no sentido de totalidade, de que a natureza desses bens produzidos pelas comunidades não é apenas material, mas também, e sobretudo, de natureza simbólica. 1 Essa pesquisa é fruto do monitoramento midiático do OBMIDIA UFPE, resultados parciais desse artigo, especialmente no que tange o futebol feminino, já foram publicados no artigo: “Mulher, Mídia e Esportes: A Copa do Mundo de Futebol Feminino sob a ótica dos portais de notícias pernambucanos”. Eptic on-line: revista electronica internacional de economia política da informaçao, da comuniçao e da cultura, v. 18, n. 1, p. 168-184, 2016.
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O esporte, e particularmente o futebol, parecem ilustrar bem o conceito cunhado por Mauss, através das amarras sociais que o perpassam e o suportam, pelo seu caráter coletivo, social e popular. Nesse sentido, o futebol pode ser percebido hoje como um dos grandes fenômenos socioculturais do século XXI, pois é capaz de influenciar diversos segmentos da sociedade, do cultural ao econômico, se pensarmos em sua imensa capacidade de fomentar consumo. Com efeito, abarca uma gama de elementos subjetivos nas pessoas, tais como: paixão, emoção, medo, frustração etc. Tais características subjetivas impõem ao tema futebol uma difícil tarefa de análise e mensuração fiel. O futebol foi naturalizado em estruturas associadas à construção da masculinidade e da virilidade (BARRETO JANUÁRIO, 2015). A própria designação de futebol feminino se torna excludente ao determinar a necessidade de especificar apenas quando o desporto é praticado por mulheres, o que confere um significado universal, mais uma vez, ao masculino, em detrimento do feminino. As masculinidades e as feminilidades são construídas simultaneamente em dois campos relativos às relações de poder: nas relações de homem com mulheres (desigualdade de gênero), e também nas relações dos homens com outros homens (desigualdades baseadas em raça, etnia, sexualidade). E por esses fatores, as características impostas ao feminino estiveram tão distantes de arenas esportivas como a do futebol. Delimitar certos ambientes como impróprios para as
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mulheres são claros mecanismos de disciplina, coerção e poder. Diante do exposto, pretende-se neste artigo analisar a cobertura midiática realizada pelos portais de notícia brasileiros sobre a copa do mundo de futebol masculino de 2014, que ocorreu no Brasil, e a copa do mundo de futebol feminino de 2015, que ocorreu no Canadá. A competição praticada por homens teve a sua vigésima edição e contou com 32 seleções nacionais. Já a competição feminina estava em sua sétima edição e teve alterações no número de países participantes, com a expansão de 16 para 24 seleções, aumentando o número de jogos de 32 para 52 no total. Apesar do aumento do número de países participantes, o torneio não ganhou a visibilidade que merecia. Além disso, a competição feminina foi palco de algumas polêmicas, como o uso de gramado artificial, o que dificultava o jogo e machucou jogadoras. Vale ressaltar que todos os jogos dos campeonatos masculinos são realizados em gramado natural. Sobre essa polêmica, reportagem do site Lancenet publicou: Gramado artificial dos estádios do Canadá foi aceito pela Fifa, mesmo sob protesto de atletas. Jogadoras correm maior risco de lesão, e futebol tem qualidade prejudicada. Enquanto na Copa do Mundo masculina de futebol é regra todos os gramados serem naturais, o Mundial feminino não ganha tal atenção por parte da Fifa. Sob protesto de jogadoras, a grama artificial dos estádios canadenses foi aprovada pela entidade suíça. Lá se foi a primeira fase do torneio, e as críticas por parte das atletas não diminuíram. (LANCENET, 19/06/15).
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O recorte do corpus analisou notícias veiculadas pelos portais Globo Esporte, UOL, ESPN e SporTV, e teve o intuito de saber qual a visibilidade alcançada pelo certame e o comportamento da cobertura midiática brasileira, visto que apesar do nosso objeto se tratar de portais de notícias nacionais, o Globoesporte.com publicou matérias que eram reproduzidas na íntegra nas versões impressas. É pertinente ressaltar que tal pesquisa decorreu no âmbito dos estudos realizados pelo OBMÍDIA – Observatório de Mídia da UFPE, que monitora e analisa o comportamento da mídia no estado de Pernambuco. Para Edison Gastaldo, “a Copa do Mundo é um fato social de enorme importância na cultura brasileira contemporânea, e cujo acesso está estreitamente vinculado a seu caráter mediatizado” (2009, p. 362). Entretanto, é importante apontar que o campeonato comentado pelo antropólogo se refere à prática masculina, visto a notória invisibilidade da competição feminina. Dessa forma, é pertinente compreender como se constroem esses distanciamentos e as relações de poder em diversas esferas sociais, dentre elas, o futebol enquanto fenômeno social. Desde as célebres palavras de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se” (1986), entendeu-se que o gênero seria um processo ambíguo de autoconstrução, no qual a distinção entre sexo e gênero converte-se no “variado modo de aculturação corpórea, para além de um destino crivado na anatomia” (BUTLER, 1986, p.35). Para Butler (1986), na assertiva de Beauvoir reconhece-se que, para se assumir as características 53
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de gênero, há que se submeter a uma condição cultural, que incita a participação no ato de criação dessa mesma condição. Nessa perspectiva, a afirmação de Beauvoir considera o compromisso e o envolvimento nos moldes existenciais, que se assegura por um movimento dialético, isto é, como algo que sofre influência da cultura, mas que também as impõe suas determinações. E é tomando a mídia como campo de pesquisa que discutimos as representações de gênero e sexualidade na cultura e na comunicação, a partir da perspectiva dos Estudos Culturais. A mídia é um dos artefatos que estão inseridos em um conjunto de instâncias culturais e como tal funciona como mecanismo de representação e representatividade, ao mesmo tempo em que opera como constituidora e legitimadora de identidades culturais. Ao entendermos a mídia como uma pedagogia cultural (SABAT, 2001; LOURO, 2004) que fomenta valores, produz saberes e regulam condutas constituindo hierarquias – no caso de nosso recorte hierarquias de gênero – e relações de poder. O agendamento midiático, ou agenda-setting, considera para os estudos empíricos a compreensão dos movimentos exercidos pela mídia para inserir uma temática da sua própria agenda na agenda social e cultural. O objetivo do agendamento pretende pautar antecipações de assuntos ou tendências, ou ainda, associações da temática selecionada que podem gerar efeitos cumulativos e a longo prazo nos receptores das mensagens. Podemos afirmar que o agendamento é um processo relacional entre a agenda jornalística (midiática) e a agenda pública (social), em que há uma tenta54
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tiva de alguns grupos (financeiros, econômicos, políticos) de pautar temas e assuntos de seu interesse na esfera social por meio da mídia, visando consolidar certas opiniões a respeito de algo, com o objetivo de tornar estas opiniões hegemônicas. Se afunilarmos a teoria do agendamento ao âmbito esportivo, é possível perceber que o processo de construção de notícias é transformado de acordo com a forma de dizer, as escolhas discursivas e imagéticas de cada veículo midiático, que produz um discurso midiático-esportivo próprio legitimado por seus interesses e crenças. Em países como o Brasil, em que o futebol é um produto e fenômeno sociocultural de grande valor, é notória a produção e distribuição pelos principais veículos midiáticos de pautas e espaço midiático. Para Wolf (2001), três características do agendamento são importantes para compreendermos alguns padrões agendados na mídia ao veicular suas notícias: 1. Acumulação – que se refere ao poder da mídia para criar, incitar e manter a relevância de um tema; 2. Consonância – que se refere às mensagens que mais se assemelham do que desassemelham umas das outras; 3. Onipresença – que se refere à difusão quantitativa dos meios de comunicação de massa e o caráter particular do saber público. O que podemos chamar de agendamento midiático-esportivo se propõe a pautar o assunto/evento esportivo na agenda social com o intuito de instituir uma opinião pública ou uma prática discursiva (FAIRCLOUGH, 2008). Nesse âmbito, torna-se pertinente discutir tais relações de tais conceitos com o objeto midiático selecionado, a co55
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bertura midiática das copas do mundo de futebol feminino e masculino, e como eles perpassam a comunicação na tentativa de compreender como se dá a (in)visibilidade das mulheres e homens no campo dos esportes, do futebol e da mídia. A cobertura da Copa do Mundo de futebol: o que dizem os portais de notícias? O recorte metodológico utilizado foi o estudo de caso descritivo e interpretativo, de ordem qualitativa. A realização de um estudo de caso descritivo e interpretativo nos levou a desvelar como se deu a cobertura dos Campeonato Mundial de Futebol praticado por homens (2014) e por mulheres (2015).
Como esforço de pesquisa, o estudo de caso contribui, de forma inigualável, para a compreensão que temos dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos. (...) Em todas essas situações, a clara necessidade pelos estudos de caso surge do desejo de compreender fenômenos sociais complexos. Em resumo, o estudo de caso permite uma investigação para preservar as características holísticas e significativas dos eventos da vida real (YIN, 2001, p. 21).
De acordo com Robert Stake (2000), a investigação deve considerar: a natureza do caso; o histórico do caso; o contexto (físico, econômico, político, estético etc.); outros casos pelos quais é reconhecido; os informantes pelos quais pode ser conhecido. Todas essas características têm forte relação com a natureza da observação empreendida nesse artigo, diante 56
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da alta quantidade de material analisado (corpus composto por quatro portais de notícias com monitoramento diário durante os 30 dias das competições). O quadro teórico-metodológico da economia política feminista é importante recurso quando da análise acerca da cobertura sobre o evento nos portais de notícias dos principais grupos de mídia nacionais entre 12 de junho e 13 de julho de 2014, no caso do campeonato masculino, e entre 6 de junho e 5 de julho de 2015, no caso da competição feminina, por revelar tendências investigativas em torno da presença das mulheres e homens nas notícias. Desse modo, “(...) a meta para a economia política é determinar a melhor forma de teorizar os gêneros dentro de uma análise política, econômica, ou seja, para sugerir áreas de compreensão e, quando essa não é possível, para identificar termos ou zonas de engajamento” (MOSCO, 2010, p. 196). Vincent Mosco, Carolyn M. Byerly e Karen Ross (2006) revelam que, quando teorizamos acerca da posição das mulheres e homens nas indústrias culturais, devemos pesquisar, dentre outros aspectos, as microestruturas: se os conteúdos produzidos pelos meios de comunicação analisam a representação delas como sujeitos promotores dos seus direitos humanos. Estudos com tais características, como o que analisa a cobertura online dos grupos de mídia nacionais sobre o Campeonato Mundial de Futebol praticado por homens e mulheres, podem espelhar tendências e ajudar na caracterização das relações de gênero no campo onde as indústrias culturais estão se desenvolvendo. Nesse sentido, foram ana57
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lisadas 69 matérias sobre o Copa do Mundo de Futebol feminino e 1.175 matérias veiculadas nos quatro principais portais de notícias esportivas no Brasil: Globoesporte.com, SporTV, ESPN e Esportes UOL. A pesquisa se deu através da busca por palavras-chaves mais específicas, como mundial de futebol feminino, mundial de futebol masculino, até termos mais genéricos como: “Copa do mundo da FIFA”; “Copa do Mundo de Futebol”; “Futebol feminino”; e “Futebol masculino”. É fundamental ressaltar que a internet figura entre os diversos meios de comunicação de massa que dialogam com o fenômeno esportivo. O seu crescimento exponencial decorre devido à democratização, e consequentemente, aumento no acesso à tecnologia, que permitem a conexão com o mundo virtual de qualquer lugar e a qualquer hora. Nesse sentido, foi possível notar que os portais abordaram, de forma geral, o tema de maneiras distintas. O portal Globoesporte.com e UOL relatam notícias da competição, histórias e relatos de jogadores e jogadoras e o futebol como fenômeno social (DAMATTA, 1985). Além disso, notícias sobre os confrontos e resultados de jogos. No SporTV e ESPN as notícias se concentram em dados e informações sobre a competição, tais como: dias de jogos, resultados, histórico de embates etc. Com efeito, apresentamos na tabela abaixo os resultados quantitativos da pesquisa. É possível visualizar o número de notícias veiculadas por competição em cada portal noticioso e já ter um vislumbre dos resultados do agendamento 58
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midiático, no qual claramente o volume de notícias do campeonato masculino é consideravelmente maior que o feminino, gerando, portanto, uma visibilidade social muito maior. Tal interesse é pautado em parâmetros comerciais e mercadológicos garantidos pela mercantilização do futebol masculino, seja no volume de patrocínios, salários de jogadores e publicização social. Mas também fomentado pela construção universalizante do futebol como um esporte masculino e viril. Tabela 2 - Resultados quantitativos das matérias veiculadas Copa do Mundo
Copa do Mundo
de homens
de Mulheres
Globo Esporte
416
31
SporTV
227
23
Esporte UOL
189
18
ESPN
261 1175
27 116
Portal
Fonte: Elaboração própria.
Após a quantificação das matérias veiculadas, separamos em categorias de análise de acordo com a abordagem, tratamento conferido ao assunto e sua importância. Dessa forma, foram criadas quatro categorias de análise para cada competição. Com efeito, primeiro descriminaremos os resultados da competição masculina: 1. Notícia padrão: Notícias que falam dos jogos de forma breve e sem muito destaque, geralmente não têm
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entrevistados e concentram-se em fazer um resumo do jogo e lances importantes; 2. Notícia “Neymar e Cia”: Abordam Neymar Júnior como personagem principal da matéria, sejam em notícias exclusivas ou sua opinião sobre jogo ou sobre a própria seleção; 3. Notícias sobre a vida pessoal: Abordam a vida pessoal dos jogadores, separamos Neymar Júnior dos demais devido ao quantitativo exponencialmente maior e relevante. 4. Notícia sobre a Identidade Nacional e o Futebol: Destaca o bom desempenho dos jogadores e os remetem à guerreiros e o mito do herói na construção de uma identidade nacional. Já na competição feminina encontramos as seguintes categorias: 1. Notícia padrão: Notícias que falam dos jogos de forma breve e sem muito destaque, geralmente não têm entrevistados e concentram-se em fazer um resumo do jogo e lances importantes; 2. Notícia “Marta e Cia”: Abordam Marta Silva como personagem principal da matéria, sejam em notícias exclusivas ou sua opinião sobre jogo ou sobre a própria seleção; 3. Notícia Destaque Positivo: Destaca o bom desempenho das jogadoras ou dão destaque ao bom fute60
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bol. Nessa categoria há uma presença maior da voz das jogadoras nas matérias, elas são as personagens entrevistadas; 4. Desvalorização do gênero feminino: Reportagens que comparam a seleção feminina com a masculina e falam de erros ou abordam o tema do futebol de maneira inadequada. Vale ressaltar que uma mesma reportagem pode estar enquadrada em mais de uma categoria, o que será explicitado nas análises abaixo. Devido a obviedade do tema, não desenvolveremos as notícias padrão no caso dos dois campeonatos por se tratarem de notícias técnicas e objetivas que informam sobre os dias de jogo e historicidade dos embates de seleções. Partiremos para uma análise comparativa na descrição do estudo de caso focalizada nos estudos de gênero e suas reverberações no tema tratado. As categorias Marta e Cia e Neymar e Cia foram regidas pelo uso da imagem de Marta Silva e de Neymar Júnior como protagonistas das notícias, seja em entrevistas com o/a atleta ou com o uso da expressão “Marta e cia”/”Neymar e cia” substituindo o termo “seleção brasileira”. Foi possível notar uma tendência em utilizar os jogadores em questão como estrela da seleção, narrativa que se sustenta no fato da jogadora ter um dos melhores desempenhos da seleção, sendo, inclusive, ganhadora por 5 vezes da Bola de Ouro, premiação que a considera a melhor jogadora do mundo. E de Neymar ser o jogador brasileiro com maior destaque internacional 61
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na atualidade e seu desempenho no Barcelona e Paris Saint-Germain, time europeu na qual atua desde 2017. Ambas ganham reconhecimento como estrelas de seu time, todavia, em comparação com as matérias que destacam Neymar Júnior (452 matérias) e Marta Silva (12 matérias), é possível notar a enorme diferença de visibilidade e de interesse na vida pessoal do jogador Neymar Júnior. Cerca de 70% das matérias falam do desempenho de Neymar Júnior enquanto jogador, os outros 30% relatam sua vida pessoal. Já na categoria notícias da vida pessoal, a maioria relata a relação de Neymar Júnior com sua então namorada, Bruna Marquezine, atriz da principal emissora de televisão aberta nacional, a rede Globo. É notória a espetacularização da vida pessoal do jogador que se converte em celebridade notória nas revistas de estilo de vida e sites da imprensa “cor de rosa”. Já Marta Silva aparece apenas falando do seu desempenho como profissional do esporte e da falta de visibilidade da seleção feminina. A imagem de Marta Silva foge aos ideais da feminilidade enfatizada (CONNELL, 2005) e, portanto, parece ser desinteressante ao agendamento midiático. Segundo Helal, “as narrativas das trajetórias de vida dos ídolos esportivos frequentemente focalizam características que os transformam em heróis” (2003, p.19). No entanto, a atleta, cinco vezes campeã do título de melhor jogadora do mundo, não possui a mesma visibilidade e reconhecimento financeiro que seus colegas da seleção masculina, já que o futebol feminino não é tão popular no Brasil como o masculino. Entretanto, o seu nome possui bastante visibilidade 62
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no mundo esportivo e futebolístico. Mas a pergunta que nos impele é: e as demais jogadoras? E Formiga, jogadora mais velha do mundo do futebol em atuação, com um considerável número de Gols? E Luciana, uma das goleiras menos vazadas do campeonato? É pertinente ressaltar que a goleira só foi procurada pela mídia quando cometeu uma falha no jogo, no gol que tirou a seleção da competição. No caso do masculino é recorrente vislumbrar matérias com destaque em outros jogadores da seleção nacional, especialmente para falarem de sua vida pessoal – que dialoga com a categoria de análise notícias de vida pessoal – e de seus resultados nos jogos dos times que defendem. Quando partimos para a análise das fontes das notícias constatamos o notório protagonismo do técnico – figura masculina do time –, o que consideraríamos natural não fosse a escassa participação das jogadoras como fontes de informação, fato recorrente nas notícias do futebol masculino. De forma geral, a voz das jogadoras pode ser ouvida quando a notícia é regional, como, por exemplo, quando Gabi Zanotti, que aparece com destaque nas matérias do globoesporte.com para o Espírito Santo (seu Estado de origem), e Andressinha, revelação no futebol feminino. Salvo essas exceções, a jogadora Marta desponta como a da seleção nas matérias. Segundo Helal “essa característica do ‘ídolo-herói› acaba por transformar o universo do esporte em um terreno fértil para a produção de mitos e ritos relevantes para a comunidade” (2003, p.19). Com isso, as notícias sugerem essa ideia de construção de heroína em torno da figura de Marta. Contudo, sabemos 63
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que a atleta não goza da mesma visibilidade, valorização e status do jogador Neymar, da seleção masculina. A categoria destaque positivo encontrada na análise do campeonato feminino refere-se às matérias de cunho positivo, ou seja, aquelas que se propuseram a destacar o bom desempenho das jogadoras, suas vitórias, bem como toda e qualquer exaltação positiva em relação ao Mundial Feminino. As matérias falam sobre a atuação da seleção nacional. É pertinente destacar, nesse caso, uma matéria do Globoesporte.com que deu verdadeiro destaque e importância sobre o descaso das autoridades governamentais e das federações com o futebol feminino e sobre a influência direta de tal fenômeno no desempenho da seleção brasileira nas competições. Foi possível constatar, no texto, a presença da voz feminina, assim como em outras matérias que trouxeram as falas das jogadoras, mas dessa vez com o foco em mostrar os problemas do esporte. As matérias com destaque positivo foram presença em apenas 5% do corpus analisado. As matérias que fazem parte da categoria desvalorização do gênero feminino trazem textos, falas ou expressões que, de certo modo, inferiorizam a mulher e/ou a prática de futebol por mulheres. Tais situações decorrem de comparações com o masculino ou associação da imagem feminina muito ligada a aspectos de beleza e graciosidade, reforçando sexismo e as construções sociais de papéis de gênero. Como exemplo disso, podemos citar várias comparações entre o futebol praticado pelas duas seleções, com uma tendência de supervalorizar o masculino, em detrimento do feminino. 64
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Podemos constatar, na matéria: “EUA vencem revanche contra o Japão e são campeãs mundiais”, veiculada em 05/07/15, na seção Super Esportes da UOL, quando a goleada aplicada pela seleção americana, na final do mundial, é comparada à sofrida pela seleção masculina brasileira, no jogo contra a Alemanha, no mundial de 2014. Sempre que há uma comparação com a seleção masculina, o termo utilizado nunca leva a palavra “masculina” para diferenciar o evento ou seleção; apenas é visto seleção brasileira, o que para boa parte dos leitores subtende-se que está se falando da masculina. Nesse caso, a ordem do discurso serve para naturalizar o masculino e diferenciar o feminino. A jogadora Alex Morgan tem a responsabilidade de representar a imagem da seleção dos EUA. Quando nos deparamos com a reportagem: “Estilo Beckham - EUA investem na imagem de Alex Morgan no Mundial”, veiculada no Globoesporte.com, em 08/06/15, percebemos que o texto compara a atleta ao jogador David Beckham. Outro ponto importante é a evidência dada às características físicas de Morgan, ao iniciar o texto com “Bonita e boa de bola” (GLOBOESPORTE.COM – 08/06/15). A reportagem descreve, inclusive, o equipamento utilizado pela atleta: “Outdoors em Nova York, campanhas de moda e até chuteira especial do mesmo ‘calibre’ da usada por Neymar” (GLOBOESPORTE.COM – 08/06/15). Apesar da visibilidade conferida à jogadora, mais uma vez os subterfúgios de comparação ao universo masculino acabam por diminuir a importância do seu trabalho, como se o esporte feminino fosse uma reprodução do masculino. O 65
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que sabemos, na realidade, é que na maior parte dos casos de trabalho de imagem de um jogador não é necessário investir na beleza física, uma vez que o talento e o carisma também são levados em conta (como nos casos de atletas como Neymar, Messi, Súarez etc). Em outra matéria disponível no Globo Esporte, a mesma jogadora, Alex Morgan, é lembrada pela beleza e não pela habilidade. Com o título: “Musa marca e EUA passam pela Colômbia no Mundial Feminino” (GLOBOESPORTE.COM, 22/06/15). A americana acaba recebendo o título de “musa”, o que objetifica sua imagem, e seu desempenho fica invisibilizado, ou seja, a “beleza” é mais importante do que sua performance em campo. Sobre isso, Goellner advogou que “o apelo à beleza das jogadoras e a erotização de seus corpos tem como um dos pilares de sustentação o argumento de que, se as moças forem atraentes, atrairão público aos estádios [...] (2005, p. 147). Naomi Wolf (2009) argumentou que a beleza enquanto valor normativo foi construída socialmente. Para a autora, tal construção decorre de valores patriarcais, cujos seus conteúdos, tanto discursivos como imagéticos, tinham o intuito de reproduzir a sua própria hegemonia. A objetificação, erotização e espetacularização do corpo feminino é aceita e, muitas vezes, incentivada em determinados locais e esferas sociais. O futebol é um desses espaços. Em outros casos, as reportagens dão destaques às falhas que algumas jogadoras cometeram durante o jogo: “Inacreditável! Atacante perde gol livre na pequena área e França é eliminada” (GLOBOESPORTE.COM, 27/06/15). A matéria 66
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tem um parágrafo que fornece detalhes sobre lance e o gol perdido e culpa a jogadora pela eliminação. É possível perceber, nessas notícias, a necessidade de reforçar a construção cultural brasileira que concebe o futebol como um espaço de práticas sociais masculinas, no qual mulheres não possuem conhecimentos táticos e técnicos para praticar o desporto (BARRETO JANUÁRIO, 2015). A pressão causada pela mídia, nesses casos, ajuda a reforçar o discurso sexista de falta de compreensão, visão de jogo e acaba por desqualificar as jogadoras. Na categoria Notícia sobre a Identidade Nacional e o Futebol aparece com frequência também nas notícias padrão, essa é uma narrativa presente em toda a mídia brasileira quando o assunto é o futebol praticado por homens no Brasil, no qual a mídia é grande partícipe de construção de interesse (GASTALDO, 2009, p. 367) na visibilidade e popularidade da seleção nacional masculina. O Brasil construiu ao longo dos anos uma identidade nacional associada ao futebol (DAMATTA, 1987, AGOSTINO, 2002, NEGREIROS, 2003), mas essa construção se deu pautada na ideia de futebol associado aos cogitos de masculinidades hegemônicas (CONNELL, 2005, BARRETO JANUÁRIO, 2016), num esporte que exala virilidade, força e, por vezes, violência, protagonizado por homens. O apelo a identidade nacional quase não ocorre no caso do futebol praticado por mulheres.
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Considerações finais Compreendemos a mídia como uma das responsáveis pela (re) produção e concepção de subjetividades. Ao analisar a cobertura dos portais brasileiros acerca da Copa do Mundo de Futebol Masculino (2014) e Feminino (2015), é pertinente destacar, em primeiro lugar, a disparidade de visibilidade e agendamento midiático diante de um mesmo espetáculo esportivo protagonizado por gêneros distintos. A quantidade de notícias produzidas pelos portais ultrapassa os 900% (novecentos) de presença. Podemos justificar pela tradição da competição no masculino, o fato da competição masculina ter decorrido em território nacional e o histórico de proibições e afastamento das mulheres do esporte no Brasil, quando eram proibidas de práticas de esportes de contatos em discursos biologizantes e misóginos (GOELLNER, 2005; BARRETO JANUÁRIO, et al, 2016), e ainda a mercantilização do futebol masculino no Brasil e no mundo. Quando estudamos e categorizamos as notícias, em primeira instância, constatamos a nítida negligência da mídia para com o Mundial Feminino de Futebol. A escassez de matérias e a dificuldade para encontrá-las caracterizam uma forma de silenciamento. Bourdieu (2003) defendeu a ideia de que o campo jornalístico é parte do campo político e, portanto, os dois sofrem influência do mercado. Se o mercado silencia e exclui determinados temas, a mídia acompanha tal movimento. Basta notar a disparidade quantitativa que encontramos de matérias que são veiculadas durante as com68
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petições. A mídia se curva diante da força do mercado que alavanca o mundial masculino e realiza uma cobertura massiva e integral – importa dizer que a competição feminina decorreu ao mesmo tempo que a Copa América de Futebol Masculino. A competição masculina teve um agendamento midiático muito mais amplo e hegemônico, mesmo sendo uma competição menor que um mundial. Já a Copa América de Futebol Feminino foi transmitida apenas pelo Facebook. Dessa forma, a produção e o consumo da informação caracterizam em muitos aspectos a distribuição do poder na sociedade (SOUZA, 2006). Outro aspecto observado no decorrer da análise foi como os veículos abordaram a seleção feminina. Observamos a presença do sexismo velado nas matérias. Muitas delas, onde esteve explícita a necessidade de estabelecimento de parâmetros comparativos para entre as seleções masculina e feminina em campeonatos. Quando não ocorre esse tipo de abordagem, os textos comparam o desempenho entre jogadores e jogadoras dos dois elencos. Em outros casos, a beleza é a palavra de ordem das matérias, como acessório indispensável dentro de campo. Tal fenômeno é reforçado pelo uso de expressões como musa e bela para se referir as jogadoras, o que fomenta o debate sobre a necessidade de relacionar a mulher à beleza e ignorar seu desempenho profissional, como acontece com os homens. Quanto às vozes femininas durante os textos, foi percebido um bom número de entrevistas com as jogadoras. Elas deram destaque às personagens principais do evento, 69
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porém número que julgamos não ser suficiente, visto que em algumas matérias o técnico da seleção brasileira é a única pessoa da reportagem inteira e em outros casos não há voz nenhuma, apenas a reportagem do que aconteceu em campo. Enquanto no masculino os jogadores protagonizam as matérias das quais são personagem. Após analisar a matérias, pode-se inferir que a Copa do Mundo de Futebol Feminino está longe de ter a transmissão e o agendamento massivo na mídia para que a população, no mínimo, tome conhecimento que o campeonato está acontecendo. Como reflexo dessa situação, as matérias encontradas em sites acabam sendo muito breves, sem conferir a devida atenção ao assunto, tornando a seleção feminina de futebol desconhecida dentro do “país do futebol”. Ao estudar as relações sociais, e particularmente as relações de poder nos discursos associados ao futebol, percebemos que há a necessidade de uma maior visibilidade da prática do esporte por mulheres, e uma maior disposição e divulgação desta prática pela mídia, visto seu caráter social e pedagógico (WINSHIP, 1987). Ao passo que compreendemos o futebol enquanto fenômeno e artefato sociocultural, observamos que as relações de poder perpassam por esses fenômenos. Dessa maneira, disseminar um discurso mais equânime é também promover uma mudança na cultura e na sociedade.
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#martamelhorqueneymar – Uma proposta de análise sobre o uso de uma hashtag como indício de silenciamento da mídia tradicional Carolina Dantas Figueiredo Introdução 10 de Agosto de 2018, a Google publica o vídeo “Futebol em tempo real? Joga no Google” no canal oficial do YouTube Brasil (GOOGLE, 2018). A peça foi veiculada entre agosto e setembro do mesmo ano como parte da estratégia de lançamento do serviço de acompanhamento de partidas de futebol em tempo real da empresa. A gigante do Vale do Silício colocou no mesmo anúncio sem alarde, grandes craques do futebol nacional: Cafu, Rivelino, Kaká e Marta. Sim. Marta. O vídeo da Google não é uma peça em defesa da igualdade de gênero no esporte, mas uma resposta mercadológica, cuidadosamente pensada com base no que a Google faz de melhor, mineração de dados. Tanto o serviço em si, resultados de futebol em tempo real, quanto a aparição de Marta, são respostas dadas pela Google a movimentos que ela vem monitorando há algum tempo. Na Copa do Mundo Fifa de 2018 houve uma explosão de buscas por resultados de partidas de futebol em tempo real e a empresa percebeu que havia 73
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aí um serviço a ser explorado, o “futebol em tempo real”. Isso é recorrentemente feito como parte da estratégia de reinvenção e inovação da empresa. O caso mais célebre deste tipo de inovação aconteceu com a imagem do vestido Versace utilizado pela cantora Jennifer Lopez no Grammy de 2000. O volume de buscas pela fotografia foi tão intenso que fez com que a Google percebesse que havia uma demanda específica por buscas de imagens. Assim nasceu o Google Imagens. Em termos simples, a explosão por buscas de resultados de partidas de futebol no Mundial de 2018 fez com que o Google se desse conta que tinha em mãos um produto novo. Do mesmo modo, o maior banco de dados do mundo deve saber que, pelo menos no Brasil, Marta é uma das jogadoras de futebol, se não uma das atletas, mais acessadas em sua ferramenta de busca e isso, certamente, não é pouco. Não é feminismo, é ciência da informação, é mercado. Obviamente, esta não foi a primeira vez que Marta apareceu num anúncio publicitário. Se usarmos a própria ferramenta de pesquisa Google jogando as palavras Marta+Futebol+Propaganda, encontramos que ela já fez anúncios para a Coca-Cola em 2012; Powerade, também em 2012 (ano da Olimpíada de Londres, na qual jogou); Governo Federal Brasileiro (divulgando a Copa do Mundo do Brasil em 2014); Carrefour (não foi possível identificar a data); Avon (2018); e Google (2018)1. Possivelmente, a jogadora esteve associada a outras marcas que fomos incapazes de identificar, essa incapacidade já é indicativo de silenciamento. De qualquer 1 Não mencionamos aqui a Copa do Mundo Fifa 2018 porque em ambos os casos Marta foi vinculada às marcas depois do mundial.
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forma, reitera-se aqui que a simples associação de Marta a marcas não é novidade. Novidade é a presença da jogadora acontecer de forma natural, em conjunto a outros jogadores, sem alarde e sem recorte de gênero. Na propaganda da Google ela é uma atleta do futebol como os demais. De qualquer modo, apenas a título de comparação, a mesma pesquisa, se feita com os termos Neymar+Futebol+Propaganda vai indicar rapidamente mais de 20 marcas que vão de café a corretoras de investimentos, passando por cuecas, lâminas de barbear, desodorantes, celulares, relógios de luxo e baterias automotivas. Apenas na Copa da Rússia de 2018 o jogador representou 18 marcas (PARAIZO, 2017). Duríssimo dizer que uma atleta, considerada 14 vezes a melhor jogadora de futebol do mundo, foi de alguma forma silenciada. Na verdade, a assimetria de incursões de Marta no mercado publicitário, se comparada a Neymar ou outros jogadores brasileiros que já receberam o título de melhor do mundo é imensa. A assimetria no aproveitamento publicitário de Marta em relação a Neymar é indício das práticas de silêncio e silenciamento (ORLANDI, 1995) ao qual o futebol feminino tem sido submetido ao longo da sua trajetória. Trata-se de uma estratégia de secundarização desta prática esportiva através da desarticulação continuada de quaisquer tentativas de se melhorar o futebol feminino, seja através da formação de atletas, da melhoria de sua remuneração ou do reconhecimento do futebol feminino como atividade legítima e de igual valor em termos esportivos e competitivos ao futebol masculino. 75
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Nesse ponto as políticas de silêncio e silenciamento são de fundamental importância. O silêncio, segundo Orlandi (Ibidem) opera pelo apagamento, pelo não dizer, por mecanismos que funcionam através da substituição de um enunciado por outros. Com isso, privilegia-se a memória discursiva de determinados fatos em detrimentos dos demais. Lança-se luz sobre algumas coisas e apagam-se outras. Ao não se falar sobre o futebol feminino, nega-se a prática e deslegitima-a. Este não falar perpassa, obviamente as conversas cotidianas, mas, tendo o futebol no Brasil, historicamente ganhado vulto e valor social por conta das mídias de massa – rádio e TV – ao se excluir o futebol feminino de tais mídias impõe-se sobre ele o silenciamento enquanto política e, por extensão, como é feito em tantas outras práticas relacionadas ao corpo feminino, impõe-se sobre o futebol feminino biopoder (FOUCAULT, 2008), controle sobre os corpos, ou antes, cria-se um argumento implícito sobre a impotência dos corpos. Isto é: a mídia de massas não fala sobre o futebol feminino porque ele não existe; não existe porque esses corpos (corpos femininos) não jogam futebol, ou jogam mal, daí que não há times o suficiente ou os jogos não são interessantes o suficiente. Este é o argumento utilizado pela mídia de massas para impor o silêncio sobre o futebol feminino. Mas trata-se apenas de um argumento, como se verá aqui. Mas há Martas e há também as mídias digitais para apoiá-las, ou novas mídias como as denomina Manovich (2001). Estas, através do seu funcionamento horizontal permitem que seus atores ou actantes (LATOUR, 2011) consi76
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gam romper as barreiras do silêncio imposto pela mídia de massas e se expressar. As corporações do digital, que também não são isentas como se supunha nos primórdios da internet, percebem esses movimentos através de mineração de dados. Empresas menores, organizações de caráter diversos, comunidades, indivíduos e pesquisadores, também notam esses movimentos. Seja como for, o silêncio pode ser rompido nos ambientes digitais e há potência nisso. Sendo assim, o presente texto visa fazer um levantamento do alcance e impressões provocados pela hashtag #martamaiorqueneymar a partir de 200 postagens na rede social Instagram, notando como o uso dessa hashtag contribuiu para romper a política de silêncio (ORLANDI, 1995) exercida sobre a jogadora e, por extensão, sobre o futebol feminino no Brasil. Como parâmetro para representatividade feminina em atividades esportivas, aqui e acolá utilizamos o tênis como exemplo de esporte em que há premiações iguais para atletas do sexo feminino e masculino e em que a audiência nos meios de comunicação de massas para transmissão de jogos femininos e masculinos é semelhante, se não idêntica para ambos os gêneros. Mesmo assim, o Aberto de Tênis da França decidiu banir o macacão de corpo inteiro utilizado pela jogadora Serena Williams em 25 de agosto de 2018, apelidado de Black Panther. Numa decisão considerada machista (e racista) por muitos, Bernard Giudicelli, presidente do torneio avisou que a indumentária havia cruzado a fronteira dos códigos de vestimenta estabelecidos e que trajes assim não seriam tolerados 77
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nas partidas seguintes. O modelo, desenhado por Williams em parceria com a Nike foi desenvolvido em tecido compressivo especificamente para se ajustar às necessidades da jogadora que teve embolia pulmonar após o nascimento da filha. Após o Black Panther ter sido banido, Williams manteve as calças de compressão, desta vez cobertas por um tutu de balé estilizado. Em partida do U.S Open em 29 de agosto de 2018, a tenista francesa Alize Cornet foi punida pelo árbitro por tirar a camisa em quadra numa situação de calor excessivo, mesmo com top por baixo, demonstrando machismo mesmo num esporte que se considera igualitário, neste caso a organização do evento voltou atrás na punição. O fato é que como Goellner (2005) posiciona, em seus estudos pioneiros no Brasil sobre futebol feminino, ao tratar da inclusão das mulheres nas Olímpiadas Modernas, às mulheres no esporte é sempre relegado o lugar de concessão. O próprio Barão de Coubertin ao se referir ao desporto feminino menciona “falta de interesse” por parte do público e trata as atividades praticadas por mulheres como “imitação imperfeita”, devendo caber à mulher participar dos “prazeres esportivos do seu marido” e dirigir inteligentemente a educação física do seu filho. Efetivamente, o tabu colocado, em pleno 2018 sobre a indumentária da jogadora Serena Williams ou a punição imposta à exposição do top de Alize Cornet em pouco difere do que Goellner (2005) chama de “temor à desmoralização feminina frente à exibição e espetacularização do corpo” quando a autora trata do fantasma que rondava especialmente as elites no que se referia à prática esportiva 78
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feminina no início do século XX. Especificamente em relação ao futebol este tabu é ainda muito presente, pois o esporte é considerado masculino e, como desdobramento, masculinizante. Assim, por hora, vamos nos aprofundar na questão do futebol. Sem campo para as mulheres A história das mulheres e da prática do futebol no Brasil é também a história de controle sobre seus corpos, retirada de sua potência e secundarização. Em termos estritamente futebolísticos, as mulheres foram colocadas para escanteio, para dizer o mínimo. Em 1941 um decreto proíbe o exercício do futebol feminino nas escolas, nos clubes e em espaços públicos. “E na lei eram discriminadas todas as formas possíveis de futebol: de campo, de salão e de areia. Só não proibiram o de botão!” (RUBIO, 2016). Em 1979 outro decreto a autoriza as mulheres brasileiras a praticarem livremente o futebol (Ibidem). Esta informação é bastante significativa. Como em outros campos da vida social e política feminina é um documento assinado por homens que avaliza o exercício oficial daquilo que acontecia nos campos de várzea, parques e quintais do país: meninas e mulheres jogando futebol em times femininos ou mistos. Com a autorização da prática esportiva, ligas de futebol feminino podem finalmente ser organizadas. Contudo, apenas em 1996, embora em outros países a prática do futebol feminino fosse ainda mais antiga do que no Brasil (como nos EUA e Alemanha, por exemplo), o futebol 79
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feminino entra para o rol dos esportes olímpicos, abrindo as Olimpíadas. Já naquele ano a seleção brasileira de futebol feminina conquista um honroso quarto lugar (Ibidem). Note-se que as mulheres são proibidas de jogar futebol na década de 1940, período em que começa a transmissão radiofônica das partidas e, por conseguinte, o consumo midiático dos clubes de futebol enquanto produtos. Quando se diz que não há público para o futebol feminino e que por isso não há investimento em broadcasting, simplesmente é porque o público não foi criado. Foram mais de 38 anos sem uma partida feminina oficial no Brasil, 100 anos fora de qualquer Olimpíada da era moderna. A primeira Copa de Mundo Fifa de Futebol Feminino aconteceu apenas em 1991 enquanto a masculina foi em 1930. Apenas a título de comparação, como estamos usando este esporte como referência, em 1884 as primeiras competições individuais de tênis feminino foram incluídas em Wimbledon. Não entraremos aqui nas peculiaridades dos esportes, mas é claro que com mais tempo de trajetória é possível supor que o tênis feminino tenha desenvolvido uma estética, uma forma de fruição própria e, por conseguinte, público e patrocinadores que o futebol feminino não conquistou para si. De todo modo, a comparação seria desigual. O tênis feminino profissional tem quase cem anos a mais que o futebol feminino profissional. Pesam nesta diferença o fato do tênis não ser um esporte de contato, coletivo e sua origem ser aristocrática. Contudo, o que se defende aqui não é um esporte em detrimento de outro, mas o argumento de que 80
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um esporte ganha público ao ser visto e praticado e que não há nada de errado, antiestético ou frágil no futebol feminino, exceto o fato dele ter sido sistematicamente boicotado por sistemas de poder masculino, por uma mídia hegemônica (masculina), por confederações de futebol (masculinas) e por sistemas de patrocínio (masculinos), enfim, por aquilo que Foucault (2008) chama de biopoder ou pela lógica dos corpos dóceis (FOUCAULT, 1987). Nela, seria mais adequado a uma mulher ser bailarina do que ser jogadora de futebol ou mesmo tenista, daí quem sabe a ironia de Serena Williams ao trocar o Black Panther pelo tutu, como se ser bailarina não exigisse um imenso esforço físico e mental. Empreendimento tão duro quanto jogar futebol, seja para bailarinas ou bailarinos. #martaemelhorqueneymar Até a Olímpiada de 2016 no Rio de Janeiro, a seleção Brasileira de Futebol Masculino não havia conquistado nenhum ouro no futebol olímpico, o que poderia ser percebido como falta de interesse no título ou falta de profissionalismo por parte da pentacampeã mundial. Além disso, alguns jogadores da equipe do Rio 2016 fizeram parte do fiasco contra a Alemanha na Copa do Brasil em 2014. A seleção Brasileira de futebol chegava desacreditada ao Rio de Janeiro. Mas qual seleção? A masculina. Toda a cobertura midiática tradicional cobria a pauta do futebol masculino. À seleção feminina pouco ou nenhum espaço nos canais abertos de televisão e rádio. Não cabe aqui fazermos um observatório de mídia para 81
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comprovar este pouco espaço. Partimos das reclamações do próprio público para esta constatação. Segundo relatos, em muitos estádios durante os jogos das seleções masculinas e femininas foi ouvido o grito “Ahhhh, Marta é melhor do que Neymar”! (RUBIO, 2016). O grito é símbolo e sintoma do silenciamento rompido. Nos estádios, outras manifestações como camisas e cartazes também apareceram. Na mesma época, as buscas sobre Marta no Google pipocaram assim como a hashtag #martamaiorqueneymar no Instagram e Twitter, principalmente. Através do seu uso, questionou-se não apenas o papel de Marta, mas o do papel do futebol feminino no Brasil, algo que se expressa pela diferença de salários, infraestrutura, suporte e cobertura midiática. É machismo? O público perguntou ainda que timidamente. O mercado respondeu de forma tacanha: sobre a inexistência de camisas com o nome de Marta, a Nike, fornecedora das camisas e patrocinadora oficial das seleções, explicou que “a preferência por Neymar e cia é uma opção comercial dos lojistas” (RUBIO, 2016). No entanto, não há ainda em 2019 camisas com nome de quaisquer jogadoras da seleção feminina no catálogo. Traçando paralelo com outro esporte, o UFC, quando Ronda Rousey era contratada da liga, a Reebok produzia a camisa UFC Ronda Rousey com a imagem e o nome da lutadora. Mesmo assim, cabe destacar que o processo que levou Rousey a ser estrela do UFC não se deu sem embates e sem uma longa construção sócio midiática, como analisam Mourão e Fernandes (2014, p. 1617), já que, se para os homens as lutas funcionariam como civiliza82
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doras e construtoras de caráter, “de forma contrária, para as mulheres, a prática desses esportes funcionaria como retrocesso, ou ‘processo (des) civilizador’”. Falando em MMA, cabe aqui um acréscimo, as lutas femininas passaram, em cerca de 20 anos de trajetória, de meras disputas arranjadas em ridículos ringues de gel, com figurinos de laquê e maiô, para uma atividade esportiva de alto nível. Ainda que haja assimetria de remuneração entre homens e mulheres, esta assimetria é muito menor do que no futebol, por exemplo, e os cards de competições de homens e mulheres, pelo menos do UFC, acontecem no mesmo dia, de modo que o público assista e prestigie lutas de ambos os gêneros. Também não é incomum que algumas das lutas principais, dependendo da edição do UFC ou da qualidade das competidoras sejam femininas. A FIFA jamais, até onde é sabido, cogitou transformar a Copa do Mundo num evento único. Não se defende aqui em absoluto que haja no MMA isonomia entre homens e mulheres, nem no tênis, nem em qualquer outro esporte. Isso caberia a outros estudos. O que estamos indicando é o quanto o futebol pode estar atrasado comparativamente a outras práticas e que o público foi capaz de perceber isso ao romper o silenciamento nas redes e fora delas no caso da hashtag #martamelhorqueneymar. A respeito das redes sociais digitais, seu papel em promover mudanças a partir do rompimento do silêncio em torno de pautas, sujeitos e mesmo produtos específicos é visível. Muito já foi discutido, por exemplo, a respeito das chamadas Twitter Revolutions, Primavera Árabe, Ocuppy Wall Street, 83
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13M e, no Brasil, das Jornadas de Junho, apenas para citar casos em que o rompimento do silêncio já foi (a) amplamente estudado e (b) teve desdobramentos político-sociais efetivos. Porém, todo modelo de negócio de Instagram, Twitter e Facebook se baseia na possibilidade de circulação de informações dentro destas redes ou dentro do sistema de busca do Google – que não é uma rede social, embora o Google tenha arduamente tentado emplacar a sua própria rede. Em tese, embora isso não seja mais necessariamente verdade, como se viu na abertura deste texto com a veiculação do anúncio do Google na TV Globo entre agosto e setembro de 2018, as plataformas digitais são autônomas e os actantes (LATOUR, 2011) operando dentro dela também o são (ainda que essas plataformas possam promover alguns conteúdos em detrimento de outros, através da operação de algoritmos, mas isso é tema para outro texto) daí poderem circular quaisquer conteúdos. Daí falar de Marta rompendo o silenciamento imposto pela mídia de massas. E daí também a hashtag #martamelhorqueneymar ter surgido e ter sido utilizada no Twitter e Instagram. Impossível precisar a posteriori quando e como a hashtag #martamelhorqueneymar foi criada. Possivelmente em algum ponto de agosto de 2016 durante a Olimpíada do Rio, motivada por dados comparando o número de gols ou a performance de Marta e Neymar em campo. Frustração com a seleção masculina e com a cobertura midiática sobre a seleção feminina podem ter contribuído. O grito de guerra surgido nos gramados olímpicos veio antes ou depois da hashtag? 84
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Difícil dizer. Contudo, não importa a origem, mas como ela foi usada. Aqui analisamos o uso da hashtag #martamelhorqueneymar exclusivamente no Instagram. A escolha do Instagram em detrimento do Twitter se deu por alguns motivos fundamentais. Primeiro, por esta pesquisa não receber financiamento, embora haja diversas ferramentas pagas para tabulação e análise de hashtags em ambas as plataformas, foi necessário utilizar uma ferramenta acessível para o levantamento em questão. Assim, optou-se por um produto de usabilidade simples que concentrasse várias funções e que desse conta de monitorar as impressões e o alcance auferidos pela hashtag #martamelhorqueneymar em uma das redes sociais. Segundo, entre o Twitter e o Instagram, nota-se que o Instagram, por ser uma plataforma desenvolvida para ser visual, proporciona menos imediatismo e maior elaboração estética justamente por ser voltada para a postagem de fotografias. O Instagram apela para o ordinário é isso que transborda a imagem e recaí não só sobre o texto, mas também sobre a indexação e a exploração da base de dados (MANOVICH, 2002), algo possível de forma automática através da extração de dados via algoritmo mas também de forma manual, quando os usuários indexam suas postagens usando hashtags. As hashtags situam as postagens automaticamente num banco de dados único acessível através do uso da própria hashtag ou de ferramentas de busca que a localizem. Para esta pesquisa utilizamos a ferramenta Hashtracking (2018) em sua versão gratuita. A partir da entrada (input) da hashtag #martame85
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lhorqueneymar, a ferramenta localizou 200 posts no período de 5 de agosto de 2016 a 21 de agosto de 2016. No total, ao buscarmos no Instagram encontramos 668 publicações com a hashtag, algumas datando de períodos posteriores, como junho de 2018, por conta da Copa do Mundo Fifa da Rússia. A grande maioria das publicações, contudo se refere à Olimpíada de 2016 ou a datas imediatamente anteriores e posteriores. Há também variações da hashtag, como #martaémaiorqueneymar, #martamaiorquepelé, #martamaiorquemessi, porém sem quantidades significativas de publicações que justifiquem a análise. Com o uso da ferramenta Hashtagtracking para o período assinalado, chegou-se ao seguinte resultado: Figura 1 - Análise de 200 publicações extraídas com o uso da ferramenta Hashtagtracking no período de 5 de agosto de 2016 a 21 de agosto de 2016
Fonte: Hashtagtracking (hashtagtracking.com)
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Entre 5 de agosto de 2016 a 21 de agosto de 2016, período de realização das Olimpíadas do Rio de Janeiro de 2016, foram localizados 200 posts no Instagram através da ferramenta Hashtagtracking. Certamente, houve mais publicações do que essas, sendo assim, consideramos o levantamento feito apenas um recorte num universo amostral potencialmente maior. Tomando-se 200 postagens como base, houve 464 comentários e 6690 likes em imagens usando a hashtag #martamelhordoqueneymar, o que demonstra grande engajamento dos usuários da plataforma. 200 foi o número de publicações que a ferramenta foi capaz de processar dentro dos parâmetros selecionados para um levantamento gratuito. Os posts em conjunto tiveram 700.000 impressões – que é o número de vezes que foram visualizados em geral, incluindo repetições de um mesmo usuário – e alcance de 200.000, que é o número de visualizações por apenas um usuário isoladamente. A não ser que o Hashtagtracking tenha apresentado uma métrica distorcida, o que é pouco provável, cada post utilizando a hashtag #martamelhordoqueneymar, em termos de alcance, foi amplificado mil vezes, algo que é bastante expressivo e mostra tanto o interesse do público em torno da jogadora quando a falácia de que não há interesse a respeito do futebol feminino. Tanto há que, de certo modo, quando conteúdo em imagem foi gerado no Instagram e catalogado com a hashtag #martamelhorqueneymar, ele teve alcance e provocou impressões. Claro que além do interesse pela jogadora e pelo futebol feminino dois 87
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fatores podem ser adicionados aí, a controvérsia (LATOUR, 2011) construída entre Marta e Neymar e o agendamento das mídias tradicionais e digitais sobre a olimpíada. Se considerado em larga escala, poderíamos dizer que houve ruptura de silenciamento da mídia tradicional a partir do uso da hashtag #martamelhorqueneymar Contudo, isso não esgota o debate, tanto não esgota que pouco mais de dois anos depois a Google coloca Marta como uma das futebolistas centrais da sua campanha publicitária. Considerações finais Os silêncios e silenciamentos pelos quais o futebol feminino tem passado são constitutivos de sua história e estão longe de acabar. Muito longe. Há toda uma geração de homens e mulheres que associa o futebol feminino ao secundário, vulgar, antiestético, desnecessário, sujo e fraco. Trata-se do estigma do sexo frágil que se repete indefinidamente. É justamente o caso da dominação masculina como propõe Bourdieu (2002), de um mundo centrado em valores androcêntricos em que o esporte é ele mesmo um dos bastiões do androcentrismo. Assim, não vale o discurso de fair play ou de anti racismo da Fifa, ou os ideais olímpicos se eles são antes de tudo discursos e não práticas, Bourdieu vai apontar para estas instituições e, através da noção de habitus, entre outras, afirmar que estas se constroem através de um mundo social que é essencialmente masculino, branco, proprietário e de pensa88
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mento judaico-cristão. Marta não é pelo menos três dessas quatro coisas. A maioria de qualquer ser humano não é nenhuma delas. Daí a sensação permanente de desencaixe. Romper as barreiras do silêncio e do silenciamento é uma forma de buscar o encaixe. No caso das redes sociais digitais de buscar inserção em redes em que sujeitos têm interesse de compartilhar conteúdos semelhantes. Ora, se há interesse em conteúdo semelhante, há circulação na rede e, havendo volume, há possibilidade de agendamento. Rompe-se o silêncio e o silenciamento nas mídias tradicionais, cria-se mais conteúdo no caso do futebol feminino e desfaz-se o estranhamento. Nos movimentos sociais contemporâneos há uma discussão muito presente sobre representatividade. Essa discussão se tornou basilar no movimento negro, por exemplo e perpassa todos os campos em que é necessário abrir espaço para as minorias. Cabe retornar à Bourdieu. Em um mundo fortemente colonizado por séculos de pensamento europeizante, isto é, masculino, branco, proprietário e de pensamento judaico-cristão, há muito espaço ainda para discutir representatividade. Cabe retornar também ao tênis na conclusão deste texto. Naomi Osaka, tenista, filha de pai negro e mãe japonesa, ela mesma vítima de racismo2, inspirou-se fortemente na carreira das irmãs Vênus e Serena Williams para se tornar jogadora profissional. Foi de Serena Williams que ela venceu a final do U.S Open de 2018. Em alguns momentos 2 Osaka se considera negra e já falou do racismo que sofre, especialmente no Japão: “When I go to Japan, people are confused. From my name, they don’t expect to see a black girl” (OSAKA apud MCCARVEL, 2016).
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ao final da partida houve vaias, pois Serena havia acusado o juiz de machismo. A própria Osaka contou em entrevista que Serena Williams fez questão de parabenizá-la e explicar o que estava acontecendo3. Fair play, como se vê, não é um discurso, simplesmente, mas uma prática, perceptível para além da atividade esportiva. Em tempos de redes sociais, o público é capaz de perceber esses movimentos, monitorá-los, romper silêncios, trazer à tona e provocar. Alimentar as bases de dados, como acontece quando se promove a entrada de novos conteúdos e a catalogação via hashtags, mantém os sistemas de comunicação independentemente da mídia tradicional. O Google percebeu isso e trouxe Marta para seu anúncio. Numa pesquisa bastante incipiente, pudemos indicar o mesmo. A métrica de impressões provocada pelo uso da hashtag #martamaiordoqueneymar durante a Olimpíada Rio 2016, mesmo avaliando-se apenas 200 posts foi bastante significativa. Considerando-se que não houve influencers envolvidos ou grandes marcas impulsionando a hashtag e que o nosso recorte foi muito pequeno para parâmetros de internet os resultados impressionam. Ou não. O Google não teria tomado sua decisão por acaso. A questão é irmos além e continuarmos pesquisando, refletindo e avançando. Porque outras marcas como a Nike não tomaram decisões semelhantes à da Google? A mesma Nike que alegou não haver mercado para as camisas com o 3 “She said that she was proud of me and that I should know that the crowd wasn’t booing at me. So, I was really happy that she said that.”. (OSAKA apud JOSEPH, 2018).
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nome da Marta já permite comprar no Brasil a hijab em malha respirável para atletas muçulmanas profissionais e amadoras. Indo a outro extremo, já chegou ao mercado o calçado Nike Studio Wrap Pack 3 uma espécie de sapatilha multifuncional para pilates, balé e dança. Aparentemente, há mercado para muita coisa, segundo a Nike, menos para a camisa da Marta. A lógica do sistema é fugidia. No capitalismo tudo que é sólido desmancha no ar (MARX; ENGELS, 1999). Há de se pensar nos argumentos das empresas a respeito de suas decisões comerciais o que efetivamente contribui para libertar o sujeito que produz informação e consome e o que aprofunda silenciamentos e reitera as dinâmicas do biopoder. Referências FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987. FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: Curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. GOELLNER, Silvana Vilodre. Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades. Revista Brasileira de Educação Física e Esportes. São Paulo. V. 19, n. 2, p. 143-151, abr-jun, 2005. GOOGLE. Futebol em tempo real. 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=T7t8835vbKw>. Acesso em: 25 set. 2018. HASHTAGTRACKING. Hashtagtracking reports. 2018. Disponível em: <www.hashtracking.com>. Acesso em: 25 set. 2018. JOSEPH, Andrew. Naomi Osaka revealed what Serena Williams told her after the U.S. Open. 2018. Disponível em: <https://ftw.usatoday. com/2018/09/naomi-osaka-serena-williams-us-open-ellen-told-her-video-tennis>. Acesso em: 25 set. 2018.
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Elas têm torcida: análise das manifestações online nas transmissões ao vivo dos jogos da Copa América Feminina de 20181 Cecília Almeida Rodrigues Lima
Introdução O futebol pode ser considerado um importante fenômeno sociocultural de nosso tempo. No contexto do Brasil, esse esporte ganha ainda mais importância já que possui grande presença no imaginário e na noção de identidade nacional (BARRETO, 2016). Porém, essa construção passa também por um recorte de gênero bastante específico, com grande privilégio da modalidade masculina em relação à feminina. A atual desigualdade no tratamento dado às duas modalidades é efeito de um processo histórico de interdições e proibições impostas às mulheres (GOELLNER, 2005). Segundo Barreto (2016), “Desde os primórdios da história do esporte e do movimento olímpico, as mulheres eram proibi1 Este artigo apresenta os resultados parciais de uma pesquisa da pesquisa “Arquibancadas digitais e modalidades esportivas femininas”, ainda em andamento.
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das de participarem, e portanto, cabia-lhes apenas a entrega dos louros aos vencedores” (informação eletrônica). No Brasil, a exclusão das mulheres dos ambientes esportivos estava prevista em lei, a partir de deliberações publicadas em 1941 e 1965, sob argumentos supostamente biológicos. O suor excessivo, o esforço físico, as emoções fortes, as competições, a rivalidade consentida, os músculos delineados, os gestos espetacularizados do corpo, a liberdade de movimentos, a leveza das roupas e a seminudez, práticas comuns ao universo da cultura física, quando relacionadas à mulher, despertavam suspeitas porque pareciam abrandar certos limites que contornavam uma imagem ideal de ser feminina. Pareciam, ainda, desestabilizar o terreno criado e mantido sob domínio masculino cuja justificativa, assentada na biologia do corpo e do sexo, deveria atestar a superioridade deles em relação a elas (GOELLNER, 2005, p. 144).
Apenas a partir da década de 1980 o futebol feminino foi legalizado no país. Esse contexto fez com que a modalidade começasse a se desenvolver com grande atraso no Brasil, em relação a outros países. Um país tão apaixonado por futebol ainda tem, então, poucas oportunidades de torcer também pelas mulheres. Sem grandes investimentos nas categorias de base, as jogadoras têm menos oportunidades de praticar e aprimorar seu potencial. A consequência direta é uma menor quantidade de eventos esportivos e, também, um menor alcance de público. [...] ainda é precária a estruturação da modalidade no país, pois são escassos os campeonatos, as con94
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tratações das atletas são efêmeras e, praticamente, inexistem políticas privadas e públicas direcionadas para o incentivo às meninas e mulheres que desejam praticar esse esporte (GOELLNER, 2005, p. 149).
Apesar do pouco investimento e da pouca visibilidade midiática, a modalidade tem conquistado espaço diante do público brasileiro, especialmente devido à atuação de atletas internacionalmente reconhecidas como Marta e Formiga. Segundo Coche (2014), esportes femininos ainda são marginalizados na mídia tradicional, de modo que fãs e representantes da modalidade precisam se voltar para a Internet para tentar reduzir a diferença de gênero na indústria de mídia esportiva. Os ambientes digitais estabelecem pontos de encontro entre públicos geograficamente dispersos, oferecendo uma nova dimensão ao ato de torcer (ROCCO JÚNIOR, 2006). Em 2018, a Seleção Brasileira de Futebol Feminino conquistou o heptacampeonato no Campeonato Sul-Americano de Futebol Feminino, a Copa América. Em edição realizada no Chile, o Brasil venceu todas as partidas disputadas contra as seleções de países vizinhos. No entanto, a Copa América não teve transmissão oficial por nenhum canal de televisão no país. Para acompanhar a seleção, o público dependeu das transmissões em vídeo realizadas na internet. Este artigo apresenta as discussões preliminares de uma pesquisa em andamento, que tem o objetivo de analisar os comentários realizados nas transmissões ao vivo dos jogos 95
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da seleção brasileira durante a Copa América de 2018, no Facebook. Reflete sobre a transmissão televisual on-line como um espaço de co-presença entre torcedores e torcedoras de todo o mundo, para depois apresentar os principais aspectos observados no comportamento dos usuários que acompanharam as partidas da seleção brasileira. Além de simplesmente torcer, verificou-se o uso desse ambiente para discutir a própria modalidade e sua invisibilidade pelos meios massivos de comunicação. Torcendo junto Nosso objeto de pesquisa, os comentários realizados nas transmissões on-line dos jogos da Copa América Feminina de 2018, pode ser discutido em dois termos. O primeiro, refere-se ao próprio papel da transmissão televisual, cujas características assemelham-se às da transmissão direta televisiva. O segundo diz respeito ao ambiente de conversação favorecido pelas tecnologias digitais e pela formação de redes sociais. Nossa reflexão inicial pretende demonstrar como a articulação desses dois elementos (a transmissão ao vivo e o ambiente de conversação em rede) contribui de forma relevante para a compreensão do comportamento das torcidas virtuais (ROCCO JÚNIOR, 2006), por potencializar na virtualidade um sentimento de estar-junto característico das torcidas presenciais. Comecemos, então, pela transmissão direta, partindo da televisão. 96
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Fechine (2002) assinala que as transmissões diretas televisuais são capazes de produzir um sentido estésico, ou seja, “um sentido da ordem do contato direto, de uma interação corpo a corpo, da co-presença entre os actantes” (p. 3). A autora sinaliza a possibilidade de descrever, no contexto da televisão e dos produtos televisuais, um efeito de presença entre sujeitos associado a um tipo de encontro numa dimensão espaciotemporal comum construída pelo discurso televisual, na medida em que ele mesmo se produz. Um “contato” que está identificado, nesse caso, à sua inscrição numa mesma duração: uma duração que, ao ser compartilhada por destinadores e destinatários no decorrer de uma transmissão, constitui-se num “lugar” de interação entre esses sujeitos envolvidos no ato comunicativo. Afinal, quando um espectador compartilha com os responsáveis pela emissão e com milhares de outros espectadores de um mesmo tempo, é como se todos estivessem, ao mesmo tempo, num mesmo “lugar” - um lugar que não se constitui mais materialmente, que é um espaço semiótico, um espaço “vivido” e forjado tão somente pela duração da transmissão (FECHINE, 2002, p. 3).
Nas transmissões diretas, esse sentido estésico passa então pela produção de um efeito de “co-presença” entre os actantes. A produção desse tipo de sentido depende da maneira como o discurso televisual relaciona a duração da transmissão com a própria duração dos fatos, construída narrativamente. A transmissão do evento midiático produz então uma dimensão na qual se estabelece um tipo de contato entre os 97
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actantes: “todos ao mesmo tempo em torno de uma mesma emissão – e por que não dizer da mesma emoção? – monopolista da TV” (p. 22). Partimos então desse conjunto de características da transmissão direta televisual para discutir como esse efeito de estar-junto pode ser potencializado quando complementado pela existência de uma nova dimensão espaciotemporal, caracterizada pela interatividade e instantaneidade. O ciberespaço, cuja face mais visível é a internet, também produz um tipo de espaço, não-físico, qualitativamente novo e vasto em possibilidades (LEMOS, 1996). Para Rocco Júnior (2006), além de instaurar a simultaneidade e alterar as dimensões do espaço, a característica mais importante do ciberespaço é a possibilidade de interatividade. “Por não ser unidirecional, o ciberespaço supera a visão de emissor e receptor, abrindo um novo espaço de debate e embate” (p. 8). A produção desse novo efeito de temporalidade e de espacialidade facilita a aproximação de indivíduos geograficamente dispersos, a partir do princípio da “conexão”. Desse modo, o ciberespaço pode funcionar como um elemento catalizador e renovador do laço social, como ambiente de expressão e debate da realidade, de articulação social e de busca por mudança (ROCCO JÚNIOR, 2016). Desse modo, o surgimento de redes sociais no contexto da digitalização nos é particularmente relevante. Segundo Recuero (2009), uma rede social “é uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das 98
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conexões estabelecidas entre os diversos atores” (p. 24). A autora classifica as redes sociais na internet em dois tipos: associativas e emergentes. As redes associativas são redes cujas conexões são criadas a partir de mecanismos de associação ou de filiação presentes nos sites de redes sociais – como a lista de amigos no Facebook ou de seguidores no Twitter. Já as redes emergentes “são redes cujas conexões entre os nós emergem através das trocas sociais realizadas pela interação social e pela conversação através da mediação do computador” (p. 94). Ou seja, redes emergentes são caracterizadas pelos laços construídos através da conversação entre os atores (RECUERO, 2009). É esse o tipo de rede é que emerge no contexto das transmissões diretas da Copa América de 2018, caracterizada pelo efeito do ao vivo, pela copresença dentro de uma mesma espacialidade temporal. “Esse tipo de interação proporcionaria a criação de laços sociais dialógicos, que, no decorrer do tempo, poderiam gerar laços mais fortes” (RECUERO, 2009, p. 94), conclui a autora. No caso do futebol feminino, a falta de visibilidade midiática também é um elemento que potencializa a força das torcidas virtuais. Para Coche (2014), a acessibilidade e a facilidade de entrada oferecidas pela internet podem potencialmente permitir que as mulheres superem barreiras socioculturais impostas ao consumo esportivo. Isso, por sua vez, ajudaria os esportes profissionais de mulheres a construir uma base de fãs e a obter cobertura da mídia.
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Ou seja, o processo de silenciamento das modalidades esportivas femininas pelos meios de comunicação tradicionais abre uma lacuna que tem sido preenchida pelos meios digitais. Na internet, fãs de futebol feminino se encontram e formam redes em torno do assunto (COCHE, 2014). Agora que discutimos alguns elementos essenciais do objeto de pesquisa numa perspectiva teórica, partimos para a análise propriamente dita das conversações realizadas no contexto da transmissão ao vivo da Copa América Feminina de 2018, por meio do Facebook. Copa América Feminina de 2018 O presente estudo foi realizado a partir dos comentários publicados por usuários durante as transmissões diretas dos jogos da Seleção Brasileira na Copa América Feminina de 2018. O evento teve organização da Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) e foi realizado no Chile, entre 4 e 22 de abril. Em sua oitava edição, o campeonato teve a participação de 10 equipes – Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Peru, Bolívia, Equador, Uruguai, Venezuela e Paraguai – divididas em dois grupos na etapa inicial. Após quatro jogos na fase de grupos, as quatro seleções que avançaram para a fase final se enfrentaram. O Brasil venceu todas as partidas do torneio e, com isso, conquistou o sétimo título da competição em oito edições disputadas. Com o título, assegurou a vaga para a
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Copa do Mundo de 2019 e para o torneio de futebol dos Jogos Olímpicos de 2020, no Japão. Apesar do favoritismo da seleção brasileira em relação às equipes sul-americanas, o torneio não teve transmissão por nenhuma emissora no país. Para acompanhar as partidas, os torcedores e as torcedoras precisaram recorrer às transmissões diretas realizadas pela página oficial do torneio no Facebook. Os jogos da fase final do torneio também foram transmitidos pelo Twitter da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), com a participação de narradoras do projeto “Narra quem sabe”, da Fox Sports. O confronto contra a argentina, realizado em 19 de abril, teve mais de 450 mil espectadores na rede social2. Com o objetivo de analisar o comportamento de torcedores e torcedoras de futebol feminino no ambiente digital, selecionamos como corpus os comentários realizados nas transmissões diretas realizadas pelo Facebook oficial da Copa América. A escolha pelo Facebook em detrimento do Twitter se deu pelo próprio contexto de conversação propiciado pela plataforma, na qual os usuários podem conversar ao mesmo tempo em que assistem ao vídeo por meio de um chat – reforçando, então, esse sentimento de co-presença dentro de uma mesma temporalidade. Além disso, por ser um canal disponível para toda a América do Sul, o ambiente nos permitiu observar algumas particularidades dos torcedores e torcedoras brasileiros em relação às demais nacionalidades. 2 Fonte: perfil oficial da CBF no Twitter. Disponível em: <http://twitter.com/ cbf_futebol>.
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Universo de pesquisa e metodologia Os dados aqui apresentados são as primeiras observações qualitativas que emergiram a partir de um extenso corpus de comentários. As informações foram coletadas de forma automatizada, com ferramentas de raspagem de dados. Foram extraídos 14.772 comentários, realizados por 5.248 perfis únicos, de várias partes do mundo. O jogo entre Brasil e Chile, realizado em 16 de abril, não estava disponível, pois os jogos da seleção-sede foram transmitidos por um canal de televisão local. Dessa forma, foram coletados comentários das seguintes partidas: Tabela 1 – Universo dos dados e amostra coletada Adversário
Data
Visualizações
Comentários
Argentina Equador Venezuela Bolívia Argentina Colômbia
05/04/2018
149 mil
4.106
Comentários coletados3 3.731
07/04/2018
37 mil
2.215
1.609
11/04/2018
139 mil
6.777
868
13/04/2018
146 mil
3.050
2.844
19/04/2018
278 mil
5.152
4.753
22/04/2018
355 mil
6.473
967
Fonte: Elaboração própria.
3 A impossibilidade de coletar a totalidade dos comentários realizados se deu devido às restrições da própria API (Application Programming Interface) do Facebook e das ferramentas utilizadas. Por meio de observação exploratória dos dados identificamos que a natureza temática dos comentários se repetia entre as partidas, atingindo sua saturação: “Quando [...] não há mais novas categorias emergindo ou há repetição naquilo que é colocado é geralmente apontado como o momento da saturação” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 95). Além disso, como esta é uma pesquisa de viés qualitativo, considera-se que a amostra possível de ser coletada possui boa representatividade do todo.
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De posse dos dados, foi iniciada uma etapa de tratamento e codificação das informações adquiridas. Primeiramente, categorizamos todas as 14.772 unidades de acordo com o gênero do usuário, podendo ser: Masculino (55,1%), Feminino (44,6%) ou Especializado (perfis e páginas dedicadas a Futebol Feminino, que corresponderam a 0,3% da amostra). Nosso interesse nessa primeira classificação era verificar se o gênero poderia ter alguma correlação com a torcida do futebol feminino. Em relação a essa hipótese, verificou-se que, embora a maioria dos perfis fossem de homens, as mulheres foram responsáveis pela maior parte dos comentários (50,1%). Em média, cada perfil classificado como feminino fez pouco mais de 3,1 comentários, enquanto os perfis de gênero masculino fizeram uma média de 2,5 comentários. Este dado é um indício de que, embora os homens ainda sejam mais numerosos quando se trata do consumo de futebol, as mulheres estavam mais engajadas com as partidas e, muitas vezes, mais dispostas a iniciar conversações sobre futebol feminino. A grande quantidade de comentários coletados tornou inviável a codificação de cada unidade no universo investigado. Por conta disso, foi necessário reduzir a amostra mais uma vez, para proceder com a categorização temática dos comentários. Com o auxílio de softwares4, foi selecionada uma amostragem aleatória simples de 2.500 comentários, incluindo publicações realizadas em todas as partidas. Desse modo, nossa amostra tentou dar conta da heterogeneidade temáti-
4 Utilizamos para este artigo uma extensão do Microsoft Excel chamada Kutools.
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ca do universo pesquisado, tendo um olhar prioritariamente qualitativo a partir dos resultados de dimensão quantitativa. Com esta amostra, procedemos para um processo de codificação baseado nos princípios da Teoria Fundamentada (TF). Segundo Fragoso, Recuero e Amaral (2011), na Teoria Fundamentada as formulações teóricas surgem dos dados, a partir de sua sistemática observação, comparação, classificação e análise das recorrências e dissimilaridades. O processo de codificação corresponde basicamente à construção de categorias a partir da sistematização dos dados e de sua relação com as observações de campo. “Esse processo deve ser realizado até que os dados passem a ser reconhecidos por categorias, ou ainda, que as categorias emerjam. Esse processo dá-se através do pensamento dedutivo e indutivo, sempre com a criação de proposições e sua testagem” (FRAGOSO; RECUERO; AMARAL, 2011, p. 92-93). Além do gênero, os interagentes (autores das publicações) foram categorizados de acordo com a sua nacionalidade. Nesse sentido, somente diferenciamos os brasileiros dos demais interagentes – primeiro, pelo foco desta pesquisa, e segundo porque seria inviável especificar o país de origem de cada um dos perfis. A categorização pôde ser realizada considerando fatores como o idioma utilizado (português, espanhol, inglês etc), pelos elementos textuais utilizados (manifestação de torcida, uso de gírias e expressões), nome e sobrenome do interagente. Segundo esta classificação, os brasileiros correspondem a 50,2% dos perfis únicos presen-
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tes na amostra, sendo responsáveis por 55% do total de publicações realizadas. Nesse sentido, vale destacar um aspecto que apresenta um indicador importante. Como vimos acima, os homens correspondem a 55% do total de perfis únicos. No entanto, quando fazemos o cruzamento entre as classificações de gênero e nacionalidade, verifica-se que as mulheres representam quase 60% de todos os interagentes brasileiros. Quando observamos os estrangeiros, a situação se inverte: homens são a grande maioria. Tabela 2 – Percentual de perfis de acordo com gênero e nacionalidade Nacionalidade Feminino Masculino Especializado Brasileiros 58,49% 41,64% 0,37% Estrangeiros 35,27% 64,98% 0,25%
Fonte: Elaboração própria.
Além de representarem 58% dos brasileiros, os perfis das mulheres brasileiras correspondem a 29% de todos perfis presentes na amostra, o segundo tipo de perfil mais frequente, atrás apenas dos homens estrangeiros (32%). Essa discrepância entre os gêneros de acordo com a nacionalidade se intensifica ainda mais quando observamos a quantidade de comentários para cada gênero. As mulheres brasileiras são as responsáveis pela produção da maior parte dos comentários publicados (35%), seguidas pelos homens estrangeiros (30%), pelos homens brasileiros (20%) e pelas mulheres estrangeiras (15%). Ou seja, as mulheres brasileiras foram mais engajadas na torcida da Copa América Feminina, foram aquelas que publicaram a maior quantidade de conteú105
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dos, superando todos os demais tipos de público presentes na amostra. Os comentários também foram classificados de acordo com o assunto/aspecto de que tratavam. As categorias não foram definidas a priori, mas elaboradas a partir do processo de observação do corpus. Um primeiro elemento que nos chamou a atenção foi a aparente existência de dois grandes tipos de conversas/conteúdos: aqueles que se referiam ao próprio jogo e/ou algum dos seus aspectos (gritos de torcida, avaliação sobre a atuação das atletas e o desempenho do time, reação ao momento de gol etc); e aqueles que aproveitavam o contexto da partida para falar sobre outros assuntos, mais ou menos relacionados ao universo futebolístico (ex: a Copa do Mundo masculina, a ausência de transmissão dos jogos pela TV ou mesmo comentários sobre política). Esses assuntos foram classificados em categorias temáticas, apresentadas na Tabela 2. Tabela 2 – Categorias temáticas que emergiram no processo de codificação Categoria temática Performance de torcida
Definição Manifestação de apoio à seleção, reações ao gol e provocações ao rival Avaliação da partida Comentários de torcedores sobre algum aspecto da partida assistida em tempo real (qualidade técnica, palpites, arbitragem, estádio etc) Atletas Comentários que faziam menção a alguma das atletas (em campo ou fora dele). Contextualização da par- Comentários que buscavam situar outros torcedotida res em relação a algum aspecto da partida em andamento (placar, escalação, tempo de jogo etc) Sobre a modalidade Debate sobre o próprio futebol feminino, investimento do país e visibilidade midiática
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Transmissão online Iniciativas de conversação Citações à modalidade masculina Sobre a Copa América Outros / Diversos
Comentários relacionados à própria transmissão (qualidade, locução, chat etc) Comentários que buscavam apenas iniciar ou encerrar uma interação com um ou mais torcedores (ex: saudações, agradecimentos) Menções a jogadores, campeonatos e clubes da modalidade masculina Informações sobre o torneio, pontuação e demais partidas Relatos pessoais, exaltações ao país, spam e outros temas
Fonte: Elaboração própria.
A partir desses dados, partimos para uma análise de como essas temáticas foram abordadas pelos interagentes envolvidos nas transmissões. Reproduzindo o estádio A categoria temática mais relevante na amostra está relacionada a um conjunto de “performances de torcida”. Cerca de 36% de todos os comentários analisados foram codificados dentro desta categoria temática, sendo que, destes, mais da metade eram manifestações de apoio e incentivo à seleção. Verifica-se a presença ostensiva das mulheres brasileiras na propagação de mensagens de apoio à seleção (30%). Alguns exemplos deste tipo de mensagem estão demonstrados a seguir: Tabela 3 – Exemplos da categoria temática “Performance de torcida” Gênero Nacionalidade Conteúdo Mulher Brasileira Vai Brasil sil sil!!!! 107
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Mulher
Brasileira
Mulher Mulher
Brasileira Brasileira
Fonte: Elaboração própria.
Pra cima delas meninas da seleção Brasileira â&#x20AC;&#x2DC;!!!đ&#x;&#x2018;?đ&#x;&#x2018;?đ&#x;&#x2018;? Vamos meninas đ&#x;&#x2021;§đ&#x;&#x2021;ˇđ&#x;&#x2021;§đ&#x;&#x2021;ˇđ&#x;&#x2021;§đ&#x;&#x2021;ˇđ&#x;&#x2DC;?đ&#x;&#x2DC;?đ&#x;&#x2DC;?đ&#x;&#x2122;&#x152;đ&#x;&#x2122;? Brasil lalalalala brasil brasil đ&#x;&#x2019;&#x161;đ&#x;&#x2019;&#x203A;â&#x161;˝đ&#x;&#x2019;Ş
Os exemplos ilustram algumas caracterĂsticas que Recuero (2012) sistematiza como prĂłprias da conversação em rede: escrita oralizada; representação da presença por meio de atos performĂĄticos e identitĂĄrios; e multimodalidade, que se refere Ă s formas de linguagem que podem coexistir nas conversas travadas no ciberespaço (imagem e texto, por exemplo). Esses elementos sĂŁo utilizados na tentativa de reconstruir no ambiente virtual a situação de torcida presencial, no contexto das redes emergentes: gritos de incentivo Ă seleção sĂŁo expressos pelo uso do recurso da caixa alta e pelo uso exagerado de vogais ou exclamaçþes; trechos da letra do hino nacional foram repetidos pelos usuĂĄrios em diversas ocasiĂľes; a bandeira nacional apareceu representada em emojis; assim como outros Ăcones que fazem referĂŞncia ao ato de torcer no estĂĄdio â&#x20AC;&#x201C; aplausos, braços levantados, instrumentos musicais e danças. Essa caracterĂstica da conversação em rede potencializa o efeito estĂŠsico produzido pelo prĂłprio contexto da transmissĂŁo direta. Como vimos, no ambiente das redes sociais digitais, tambĂŠm se produz um efeito de estar-junto, ainda que na virtualidade, a partir da formação das redes emergentes. Dessa forma, embora nĂŁo estejam no estĂĄdio, podem sentir108
sumĂĄrio
-se junto a outros brasileiros, a outros torcedores, dentro do mesmo espaço de conversação em rede construído pelo tempo da transmissão. Mais do que “assistir a algo”, a experiência de ser, a rigor, um espectador define-se por “assistir a algo ao mesmo tempo que alguém”. Participar de um espetáculo é, sobretudo, um “ver junto” que se desdobra, muito freqüentemente, em um “viver junto”, “sentir junto”, enfim, vivenciar uma determinada experiência em comum em torno de uma representação (FECHINE, 2002, p. 9)
Esse aspecto estésico é evidente a partir das manifestações dos torcedores no momento do gol. Cada gol desencadeava uma reação em cadeia, com centenas de comentários consecutivos que expressavam sentimentos como alegria, amor e orgulho. Assim como no estádio, o gol representa o momento máximo desse encontro entre torcedores que compartilham a temporalidade da transmissão. Tal qual no estádio, cada grito de gol mistura-se de forma desordenada num uníssono de festa e celebração, com a diferença de que no ambiente digital cada unidade desse grande brado coletivo pode ser isolada das demais. Essa característica então revela a torcida não apenas como um fenômeno coletivo, baseado na estesia e no contágio, mas também como uma série de fenômenos particulares e individuais. As práticas de torcida virtual realizam-se nesse ponto de encontro entre as dimensões individual e coletiva da identidade. A dimensão do corpo e da oralidade é mais uma vez materializada em elementos textuais como a repetição das vo109
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gais, o uso da caixa alta e de emojis, como pode-se ver nos exemplos abaixo: Tabela 4 â&#x20AC;&#x201C; Comemoraçþes de gol GĂŞne- Naciona- ConteĂşdo ro lidade H o - Brasileiro CHUUUUUPAAAA ARGENTINA mem Mulher Brasileira Gollllllđ&#x;&#x2018;?đ&#x;&#x2018;?đ&#x;&#x2018;?đ&#x;&#x2018;?â&#x161;˝đ&#x;&#x2019;Şâ?¤đ&#x;&#x2DC;?đ&#x;&#x2DC;?đ&#x;&#x2DC;? Mulher Brasileira Eu sou brasileira com muiito orgulho, com muiito amooor đ&#x;&#x2021;§đ&#x;&#x2021;ˇđ&#x;&#x2DC;?â&#x161;˝đ&#x;&#x17D;ś Mulher Brasileira \o/ Mulher Brasileira QUE HINO DE GOL Mulher Brasileira EU AMO MINHA SELEĂ&#x2021;Ă&#x192;O Fonte: Elaboração prĂłpria.
O sentimento de pertencer a uma coletividade de torcedores ĂŠ ainda mais fortalecido pela presença ativa da torcida da seleção rival dentro do mesmo ambiente. A identidade coletiva de um grupo ĂŠ construĂda na medida em que este grupo se distingue de um opositor (MELUCCI; TAYLOR; WHITTIER, 1992). A coexistĂŞncia de torcidas rivais no mesmo espaço-tempo virtual contribuiu para estimular as declaraçþes de apoio Ă torcida e reforçar o sentimento positivo de pertencimento ao grupo. De outro lado, tambĂŠm ĂŠ possĂvel reparar que este aspecto contribuiu para comportamentos tĂłxicos, reproduzido principalmente pelos homens. A comemoração de um gol era frequentemente atravessada por conteĂşdos ofensivos, que buscavam debochar da torcida rival. ExpressĂľes informais como â&#x20AC;&#x153;chupaâ&#x20AC;?, utilizada para debochar de um perdedor, fo110
sumĂĄrio
ram muito recorrentes, frequentemente acompanhadas de termos de baixo calão. A rivalidade entre países levou a manifestações mais virulentas, por vezes utilizando o discurso homofóbico como recurso de ofensa. Comentários relacionados a outros campeonatos, principalmente da modalidade masculina, foram bastante utilizados neste contexto (por exemplo, a derrota da seleção brasileira masculina para a Alemanha por 7 a 1, na Copa do Mundo de 2014). Ofensas a jogadores masculinos do país rival, como Diego Maradona, Messi e Neymar, foram utilizadas como uma maneira de provocar os torcedores; enquanto Pelé foi citado pelos brasileiros de forma praticamente unânime como forma de demonstrar superioridade e orgulho em relação a um outro país. Nota-se nesse tipo de comentário a valorização velada da modalidade masculina em detrimento da feminina – como se o desempenho da seleção feminina não fosse argumento suficiente para “vencer” a discussão. Esse aspecto confirma a sugestão de Mourão e Morel (2005) de que “Apesar de as mulheres avançarem em direção da prática esportiva e da inserção na esfera pública, os campos de futebol ainda estavam sacralizados às práticas masculinas” (pp. 76-77). Ainda neste aspecto, um elemento interessante a ser observado é que os homens estrangeiros foram os principais propagadores dos comentários mais agressivos, sendo responsáveis por 63% dos comentários que rebaixavam ou ofendiam um torcedor de uma seleção rival.
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As vitórias foram motivo de grande alegria para as torcedoras e torcedores brasileiros, que demonstraram seu apoio à seleção feminina reproduzindo gritos e palavras de ordem, num tom festivo. O apoio ao desempenho individual das atletas também foi majoritário, com destaque para atletas como Marta, Formiga, Bia e Cristiane. As mulheres brasileiras foram as torcedoras que mais valorizaram a modalidade feminina, enaltecendo atletas e declarando seu apoio incondicional e apaixonado às jogadoras. Marta, que por seis vezes recebeu o prêmio Bola de Ouro, foi de longe a jogadora mais mencionada – mesmo em partidas em que a atleta estava no banco. Ainda sobre Marta, percebeu-se uma grande admiração de toda a torcida – inclusive, de outras nacionalidades – pela atleta. Adjetivos como “rainha” e “ídola” foram utilizados para qualificar a jogadora. Em campo, sua habilidade como atacante foi enaltecida em todos os momentos em que aparecia no vídeo. Quando não fazia gols, os elogios eram dados à assistência e ao talento na criação de jogadas. O reconhecimento do talento das jogadoras brasileiras mais experientes é, então, um dos fortes motivos para o apoio à seleção e à modalidade. Críticas e reações O desempenho da seleção brasileira de futebol feminino foi avaliado de perto pelos brasileiros e, apesar das vitórias, foi criticado por alguns espectadores da partida, levando a 112
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conversações paralelas que se descolavam do fluxo do jogo. Um dos argumentos utilizados por esses usuários está relacionado ao próprio nível da Copa América enquanto competição. Segundo esses críticos, o Brasil vai bem diante de seleções de nível técnico inferior, como Equador e Bolívia. Mas quando confronta seleções superiores, como Estados Unidos, Austrália e Japão, tem apresentado resultados pífios e desanimadores. Esse fato foi notado por uma minoria de brasileiros que acompanharam as partidas, como maneira de diminuir a vitória da seleção. O esquema tático de jogo, as escolhas do técnico Vadão e a qualidade técnica de algumas jogadoras foram questionados.
Gênero Homem
Homem Homem
Tabela 6 – Exemplos de críticas à modalidade Nacionalidade Conteúdo Brasileiro Vejo muita gente com ódio nos olhos só pq eu tô falando a verdade, o futebol feminino tá um lixo, o Brasil precisa investir urgentemente se não tamo ferrado Estrangeiro El fútbol feminino solo gaña de selecciones flacas como Bolivia, y siempre pirde cuando enfrenta a los EU Brasileiro Do que adianta ganhar de Bolívia se sempre treme quando enfrenta os Estados Unidos?
Fonte: Elaboração própria.
Este tipo de crítica era rapidamente rebatido por outros torcedores, que respondiam com ataques agressivos e contra-argumentos. O principal argumento utilizado como resposta às críticas é que a seleção precisa ser valorizada e apoiada, 113
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pois não recebe o devido investimento do país. Nesse sentido, nota-se um sentimento de forte empatia pelas atletas. A seguinte mensagem de um torcedor brasileiro é bastante representativa desse tipo de reação: “respeite as meninas vc n sabe o q elas passam elas precisam de investimento sim, salários dignos sim, respeito sim, e muito mais coisas boas pq elas sim são guerreirassssssssssssss” (sic). Comentários de teor machista foram identificados, embora de forma minoritária e pouco expressiva dentro da amostra classificada. Reparamos o uso de adjetivos como “feio”, “ruim” e “chato” para qualificar o futebol feminino. Além disso, também foram classificados comentários que insinuavam que mulheres não deveriam estar no campo, pois não possuem porte físico para o jogo, ou ainda porque deveriam estar na cozinha. Ainda no âmbito do machismo, foram classificados comentários que tratavam sobre os atributos físicos das atletas, em dois sentidos distintos. Alguns deles exaltavam a beleza das jogadoras, enquanto outros apontavam uma espécie de “masculinização” dos corpos em campo. Nesse sentido, verifica-se de um lado a reprodução de um certo ideal de beleza feminino no esporte, a busca pela “musa” (BARRETO, 2016) e, de outro, o julgamento em relação aos corpos que escapam desse ideal, revelando também o medo da masculinização que por tanto tempo justificou as interdições que afastaram a mulher do esporte ao longo das décadas. Segundo Goellner (2005), “O apelo à beleza das jogadoras e a erotização de seus corpos tem como um dos pi-
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lares de sustentação o argumento de que, se as moças forem atraentes, atrairĂŁo pĂşblico aos estĂĄdiosâ&#x20AC;? (2005, p. 147). No entanto, esse tipo de comentĂĄrio nĂŁo passou batido pelo crivo das mulheres torcedoras, brasileiras e estrangeiras, presentes no contexto da transmissĂŁo. Pode se ver algumas das respostas nos exemplos abaixo: Tabela 7 â&#x20AC;&#x201C; Exemplos do assunto â&#x20AC;&#x153;Reaçþes a comentĂĄrios machistasâ&#x20AC;? GĂŞnero Mulher
Nacionalidade Brasileira
Mulher
Estrangeira
Mulher Mulher Mulher
Brasileira Estrangeira Estrangeira
ConteĂşdo um monte de homem chega aqui sĂł pra ficar falando das mulheres. que podre. isso ĂŠ futebol nĂŁo ĂŠ concurso de miss nĂŁo. machistas. Solo fĂştbol femenino excelente niĂąas... Machistas de mierda que no lo vean. entĂŁo vaza machista Abajo el patriarcado, se va a caerđ&#x;&#x2019;&#x161; Con que derecho critican a las jugadoras? Esos babosos que estĂĄn diciendo cosas vaya pongamos a jugar allĂĄ y va a ver un poco de quesos nada mĂĄs.
Fonte: Elaboração própria.
Cobrança Ă mĂdia corporativa A presença dos espectadores nas transmissĂľes on-line demonstra um interesse no futebol feminino, sinalizando para a existĂŞncia de um pĂşblico engajado na modalidade. AlĂŠm das performances de torcidas, usuĂĄrios tambĂŠm utilizaram o espaço dos comentĂĄrios para refletir sobre o apoio dado Ă modalidade no Brasil e em outros paĂses. Dessa forma, a ausĂŞncia de transmissĂŁo por canais de televisĂŁo foi associada a uma desvalorização do futebol feminino. 115
sumĂĄrio
Cerca de 4% das mensagens questionavam sobre a transmissão em canais de TV, citando explicitamente emissoras como Rede Globo, ESPN, SporTV e Band. A ausência do futebol feminino na televisão, em um torneio internacional, foi denunciada como parte de um processo de silenciamento da modalidade pela mídia tradicional. Os interagentes parecem se dar conta do que Mourão e Morel (2005) apontaram como “uma resistência [da mídia] à inserção das mulheres nos gramados, como se o brilho do esporte pudesse ser diminuído pela sua prática” (p. 84). Os actantes ressaltaram que, enquanto jogos pouco importantes da modalidade masculina são transmitidos – inclusive reprises – as partidas de futebol feminino são omitidas da grade de programação. Palavras como “vergonha” e “absurdo” foram utilizadas para qualificar a situação, que provocou sentimentos como raiva, revolta e indignação. Independente do gênero, os brasileiros foram os mais incomodados com a situação, correspondendo a 63% dos comentários sobre este tema. Sozinhas, as mulheres brasileiras representam 39% das publicações relacionadas à falta de transmissão na televisão, sendo elas as mais engajadas na discussão do assunto. Tabela 8 – Exemplos do assunto “Transmissão na TV” Gênero Nacionalidade Conteúdo Mulher Brasileira Realmente o futebol feminino não é valorizado no Brasil nenhum canal de tv para mostrar o futebol bonito das nossas por isso que a maioria joga fora do Brasil, que país é esse??? 116
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Homem Brasileiro Mulher
Brasileira
Mulher
Brasileira
Mulher
Brasileira
Mulher
Brasileira
Homem Brasileiro
VĂĄrios canais passando VT de outros jogos, quando poderiam transmitir esse. Absurdo mesmo n passar na TV.... Vergonha Obrigada pela transmissĂŁo...infelizmente aqui no Brasil... nenhum canal de tv esta transmitindo vamo que vamo... mostrar que vcs nĂŁo precisam de televisĂŁo pra ganhar. Se fosse um amistoso do sub 20 masculino passava đ&#x;&#x2DC;&#x201A;đ&#x;&#x2DC;&#x201A;đ&#x;&#x2DC;&#x201A;đ&#x;&#x2DC;&#x201A;đ&#x;&#x2DC;&#x201A;đ&#x;&#x2DC;&#x201A;đ&#x;&#x2DC;&#x201A; Se fosse jogo da Seleção Brasileira masculina, era certeza que algum canal estaria transmitindo!! Vai se foder, CBF...
Fonte: Elaboração própria.
A transmissĂŁo on-line ĂŠ enxergada como uma solução paliativa, que atende Ă s necessidades momentâneas dos torcedores â&#x20AC;&#x201C; assistir ao jogo e torcer junto â&#x20AC;&#x201C; mas nĂŁo substitui a experiĂŞncia de espetĂĄculo promovida pela televisĂŁo (FECHINE, 2002). Os torcedores expressaram um sentimento de gratidĂŁo pela existĂŞncia do espaço virtual para consumo da partida, mas deixaram claro que a televisĂŁo deveria valorizar o trabalho da seleção brasileira de futebol feminino. MourĂŁo e Morel (2005) concordam que a narrativa midiĂĄtica ĂŠ um fator que contribui para a construção da identidade feminina e do futebol nacional. Essa seria uma etapa necessĂĄria para o fortalecimento da modalidade no paĂs. Sobre a transmissĂŁo on-line, elementos como qualidade da transmissĂŁo, quantidade de câmeras utilizadas para transmitir o jogo, oscilação do sinal de internet, a narração 117
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dos locutores (em espanhol), entre outros problemas técnicos, foram apontados como aspectos que atrapalharam a experiência da torcida. Desse modo, apesar da grande importância dos meios digitais para fortalecer a categoria, eles não seriam suficientes para alcançar um grande público em situação de igualdade de acesso. Considerações O estudo aqui apresentado identificou nos ambientes digitais uma dimensão que contribui para fortalecer o espírito da torcida e sua identidade coletiva, especialmente no contexto das transmissões diretas e no caso de uma modalidade sub-representada pela mídia tradicional, como é o futebol feminino. A partir das ferramentas disponíveis de conversação em rede, usuários puderam se sentir parte de um grupo, investindo em diversas manifestações que buscavam expressar, em texto, a experiência de torcer. As reações dos torcedores e torcedoras durante as partidas mostram que a aproximação do público com a modalidade é motivada pelo próprio prazer em torcer, como já havia sinalizado Coche (2014) em suas pesquisas sobre fãs de futebol feminino. Declarações de afeto às jogadoras e o sentimento de alegria expresso a cada gol mostram que o futebol feminino é capaz de provocar reações extremamente apaixonadas. Esse aspecto emocional revela ainda uma disposição do público em posicionar-se não apenas como torcedores, mas como ativistas da modalidade. O espaço virtual foi então 118
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aproveitado como arena de debate público, onde a mídia corporativa e a Confederação Brasileira de Futebol foram apontados como grandes responsáveis para a falta de desenvolvimento do futebol feminino no país. Nesse sentido, destacou-se a presença das mulheres brasileiras como público mais engajado na torcida pelo futebol feminino. Esse aspecto revela que as mulheres desejam participar ativamente do seu próprio processo de inclusão nos campos, espaço que lhes foi historicamente negado por muito tempo. Como hipótese, esse maior protagonismo das mulheres na torcida pela modalidade pode ser interpretado como efeito de um movimento social mais amplo pela equidade de gêneros nas mais diversas esferas. Referências BARRETO, Soraya. A representação feminina na mídia esportiva: o caso Fernanda Colombo. OBS*, Lisboa , v. 10, n. 1, pp. 137-149, jan. 2016 . Disponível em <http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1646-59542016000100008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 05 abr. 2019. COCHE, Roxane. What women’s soccer fans want: a Twitter study. Soccer & Society, 15:4, pp. 449-471. FECHINE, Yvana. Televisão e estesia: considerações a partir das transmissões diretas da Copa do Mundo. Significação, São Paulo, n. 7, 2002. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/significacao/article/view/65543/68156> . Acesso em 5 abr. 2019. FRAGOSO, Suely; RECUERO, Raquel; AMARAL, Adriana. Métodos de pesquisa para internet. Porto Alegre: Sulina, 2011. 239 p. GOELLNER, Silvana Vilodre. Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte. São Paulo, v. 19, n. 2, pp. 143-151, 2005. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/rbefe/article/view/16590/18303>. Acesso em: 5 abr. 2019.
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LEMOS, André. As estruturas antropológicas do ciberespaço. Salvador: FACOM/UFBA, 1996. MOURÃO, Ludmila; MOREL, Márcia. As narrativas sobre o futebol feminino: o discurso da mídia impressa em campo. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.26, pp.73-86, 2005. RECUERO, Raquel. A Conversação em rede. Comunicação mediada pelo computador e redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2012. _____________. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009. ROCCO JÚNIOR, Ary José. O gol por um clique: uma incursão ao universo da cultura do torcedor de futebol no ciberespaço. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica). São Paulo: Pontifícia Universidade Católica, 2016.
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A presença das torcedoras nas arquibancadas dos estádios de futebol na capital mineira Leide Fátima Botelho Introdução Apresentar a história das torcedoras na cidade de Belo Horizonte é, de certa forma, conhecer aquelas que possibilitaram que hoje eu pudesse, também, adentrar nos campos da paixão por aquele esporte que povoa a mente e o coração de grande parte de um povo. Minha escolha pelo tema vai além do desejo pelo entendimento de questões que inquietam, ela é também uma tentativa de reencontro do lugar da mulher nas arquibancadas, tendo em vista que não se trata de uma presença incomum ao longo dos anos e em algumas ocasiões em proporções iguais a da participação masculina, como menciona (COUTO, 2012). Desde as primeiras décadas do século XX, as mulheres são presença notada nos estádios da capital mineira. Tal assiduidade não era percebida somente em terras mineiras, mas também no Rio de Janeiro (NETO, 2010), São Paulo (FRANZINI, 2005) e em outras cidades do país (LIMA, 2013).
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Em Belo Horizonte, cidade inaugurada em 1897, com ares de modernidade, a popularidade do esporte possibilitava às mulheres novas práticas femininas. Se para os homens, o esporte significava competição, virilidade e rivalidade, permitindo-lhes experimentar as emoções de um novo estilo de vida, para as mulheres, o futebol também teve um significado relevante: além da ampliação do convívio com o sexo oposto nos espaços públicos, o futebol permitiu uma maior imersão da mulher nos círculos sociais (COUTO, 2012, p. 429).
Presença certa nas arquibancadas da capital ainda que acompanhando suas famílias, e mesmo que descritas como adornos1, elas rompiam os limites da sua dita “vida privada” e segundo COUTO (2012) desempenhavam o papel de torcedoras e madrinhas dos clubes participando de bailes realizados pelas agremiações esportivas. O caminho feito pela torcedora mineira desde a chegada do futebol ao Brasil e a ocupação de seu espaço nas arquibancadas ao longo dos anos, se mantendo como protagonista ou coadjuvante é o objetivo de nossa pesquisa. Baseada em uma linha de apontamentos, através de fontes de leitura de autores diversos aqui citados, é perceptível com destaque a presença feminina nos campos e estádios da Capital mineira. A mulher é introduzida ao movimento de iniciação do futebol na cidade desde os seus primeiros momentos se firmando como o mais importante elemento de as1 Os anos passaram e ainda hoje há uma visão da mulher mais por sua beleza do que pelo seu interesse pelo esporte.
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sistência e das torcidas nas três primeiras décadas do século XX. As “senhoras e senhorinhas” eram vistas como grande atrativo para as partidas e já na metade da segunda década do século assumiram de forma crescente um papel ativo, reivindicando a participação de torcedora legítima, seja torcendo por um clube ou por um jogador, como era de praxe, na época em todo o Brasil. O próprio contexto sociocultural da virada do século ampliou as possibilidades da participação social feminina. Os espaços de lazer, entre os quais os relacionados à prática esportiva, foram um dos responsáveis por essa maior presença das mulheres na vida social das cidades. [...] A participação feminina nas arquibancadas era muito valorizada e exaltada, até mesmo porque eram consideradas importantes para garantir o caráter familiar. As mulheres eram encaradas como torcedoras que embelezavam as competições. [...] As mulheres serviam para “enfeitar” o espetáculo (MELO, 2007, pp. 118-119).
Em 1915, quando é criada a Liga Mineira de Sports Athleticos2, o futebol alcança popularidade absoluta e é organizado o primeiro campeonato sob os cuidados de uma liga representativa. Neste momento, é percebida de forma clara a passagem da assistência para a paixão clubística. Se até aquele momento a paixão era pelo esporte, dali em diante fi2 Liga responsável por organizar os campeonatos da cidade de Belo Horizonte. Teve como fundador e primeiro presidente o Dr. Célio Carrão de Castro. Extinta em 1919.
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caria mais claro que cada um escolheria um clube com o qual se identificaria. De 1900 a 1930 A presença das mulheres nos estádios era elogiada por cronistas esportivos dos periódicos da época e tornava o ambiente propício para o flerte, tanto nas arquibancadas entre torcedores e torcedoras, como entre torcedoras e jogadores. Na contramão dos elogios, como destacou Couto (2012), setores tradicionais e conservadores acreditavam que uma suposta desintegração da família estava atribuída a nova rotina adotada pelas mulheres. No final da primeira década do século XX, em 1908, na fundação do Atlhetico Mineiro Football Club, um nome teve destaque na história da mulher torcedora: Alice Neves. Mãe de Mario Neves, ela confeccionou os uniformes do time, a primeira bandeira e acolheu em sua casa as reuniões dos garotos. Alice foi a responsável segundo Gallupo (2005), pela criação da primeira torcida organizada feminina do Brasil. O Atlético foi o primeiro time do Brasil (e certamente do mundo) a ter uma torcida feminina organizada. Quem a criou foi essa mulher fantástica, que apoiou os meninos assim que tomou conhecimento da ideia e jamais permitiu que o sonho fosse posto de lado. Alice ia de casa em casa pedindo aos pais autorização para que suas filhas – algumas delas, irmãs dos próprios fundadores – integrassem o grupo. Conseguiu reunir cinquenta moças. Alice Neves era uma torcedora e tanto! As camisas e os calções usados pelos primeiros jogadores foram feitos em sua casa. Foi, sem dúvida, o primeiro exem124
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plo de espírito atleticano da história. (GALLUPO, 2005, pp. 38-39.).
Após 1915 a participação feminina era mais ativa. As mulheres se posicionavam com admiração declarada a um clube ou a jogadores. Há referências em periódicos, como no do Jornal O Foot-Ball (periódico da capital mineira do ano 1917) citado abaixo, de momentos na competição, em que a participação feminina era fator motivacional para o jogador que se esforçava além diante do olhar das torcedoras. não há emoção mais grata ao foot-baller do que pelejar com a pelota sob os olhares de uma donzella que “torça” duplamente: Para si e para seu club. Felizmente, Bello Horizonte já tem um número considerável de “torcedoras”, que comprehendem o foot ball, que nos momentos de angústia deixam escapar uma interjeição que exprime a afflição, o sofrimento de verem o “goal” de sua sympathia perigando (O FOOT-BALL, 1917, p. 2).
A presença feminina não era somente notada, mas requisitada por quem organizava o futebol na capital mineira e a imprensa se encarregava de apontar essa importância, tanto em notas nos jornais conforme citado acima, como em charges, vide a seguir (Figura 1).
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Figura 1 – Charge publicada no jornal O Foot-Ball, em 21 de setembro de 1917
Fonte: Jornal O Foot-Ball, 1917, pp. 1-2
No início do ano de 1927, um concurso mobilizou milhares de pessoas da cidade. Organizado pelo periódico Correio Mineiro, denominado “Rainha dos Sports”, que consistia em escolher uma entre as senhorinhas representantes dos principais clubes de futebol da cidade, em que a mais votada ao final obteria o título. Cada clube indicava os nomes de suas rainhas. O cupom para voto vinha no jornal. Figura 2 - Cupom do Concurso Rainha dos Sports
Fonte: Correio Mineiro, 01 de março de 1927, p. 2. 126
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O concurso obteve sucesso. Foram 86000 votos destinados a esse concurso, lembrando que a estimativa da população de Belo Horizonte no ano de 1927 era de 90000 habitantes. O título de “Rainha dos Sports” foi dado a senhorinha Nenen Aluotto, torcedora do Club Athletico Mineiro. Seguida pelo segundo lugar da torcedora do Palestra, Horizontina Frederici e Amelia Vanucci, torcedora do Fluminense, que receberam o título de Gran-Duquezas. Somente a primeira colocada recebeu a soma de 34.471 votos. A “Rainha dos Sports”, Nenen Aluotto tinha 14 anos e era frequentadora assídua dos campos, especialmente dos jogos do Athletico, de acordo com Neto (2010). Figura 3 - Vencedoras do Concurso Rainha dos Sports
Fonte: Correio Mineiro, 02 de abril de 1927.
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A ligação da mulher mineira com o futebol vai se mantendo e é registrada em foto do acervo de memória do Clube Atlético Mineiro, dentro do gramado na inauguração do Estádio Antônio Carlos, o primeiro do clube, no ano de 1930 como uma espécie de “torcida feminina uniformizada”. Na inauguração deste, ainda foi escolhida para madrinha do estádio a filha do governador do estado Senhor. Presidente Antônio Carlos, de nome Luizita Andrada, mantendo de certa forma o costume de delegar à mulher o caráter decorativo, de visibilidade, mas também de reconhecimento social. Não somente na inauguração do novo estádio alvinegro, mas também do novo estádio americano, no jogo amistoso entre América3 e Palestra4, que terminou empatado, o registro feito pelo Minas Geraes5, jornal oficial do estado de Minas, destacava mais uma vez o envolvimento das torcedoras mineiras com o esporte: “o que se deve destacar é a grande concorrência de senhoras e senhorinhas da nossa sociedade que encheram todas as arquibancadas, fazendo das festas de hontem uma das mais brilhantes reuniões do anno” . Nessa mesma nota que fala da presença do público feminino abrilhantando a noite, havia uma queixa sobre a postura de uma senhorinha, numa demonstração de total inserção, pertencimento e paixão clubística da mulher mineira, como podemos ver na fala do jornalista: 3 América Football Club, clube da capital mineira fundado em 1912, hoje chamado América Futebol Clube. 4 Palestra Itália (Societá Sportiva Palestra Italia) clube da capital mineira fundado em 1921, passando a se chamar em 1942 Cruzeiro Esporte Clube. 5 MINAS Geraes. Belo Horizonte, 08 de set.1929. Seção Desportos, p. 12
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Convidados pela directoria do club, estivemos hontem no campo do America, onde os nossos redactores Jair Silva e Jairo de Almeida foram recebidos com muita gentileza por seus associados. [...] No intervalo do jogo, uma torcedora, que póde ser a mais bonita, mas não é ainda a mais delicada que conhecemos, passou a fazer opposição àquelles nossos queridos colegas, discordando em voz alta do acolhimento com que hontem nos distinguiram. Registrando os instantes de decepção e desapontamento que aquella moça nos reservou na esplendida festa de hontem, sob o pretesto de pertencermos ao Club Athletico Mineiro, renovamos ao commandante Oscar Paschoal e aos associados do America a homenagem da nossa admiração. (MINAS GERAES, 08 de setembro de 1929, p. 13)
Tendo em vista que, na época, a principal rivalidade se dava entre Atlético-MG e América-MG, reconhecido como um clássico histórico, a nota do Minas Geraes confirmava que ali já reinava a rivalidade sem perdão que se manteria até os tempos atuais, e que isso não era um elemento do universo masculino, que as mulheres torcedoras também se vestiam dessa rivalidade. Outro relato interessante sobre o pertencimento clubístico das torcedoras e sua influência no futebol da capital mineira se dá sobre os jogadores ou footballers que se rendiam aos encantos das torcedoras mineiras de forma tal, que havia casos em que estes trocavam de time por amor não ao clube mas a torcedora. No jornal Estado de Minas de janeiro de 1930 é possível encontrar o registro da história do atacante atleticano Odorino: 129
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Odorino estava verdadeiramente indeciso. Entre o Athletico e o America o seu coração balançava. Nisso, entra a mulher em scena. Foi um baile. A orquestras tocava “Nelly”, e Odorino, enlaçando uma aristocrática cintura, deslisava pelo salão. “Ella” convencia Odorino a passar para o America, e elle, heroico, resistia. Então a sereia parou de dançar, e falou em voz triste: - É melhor acabarmos tudo, desde agora. Você vae para um lado, e eu para o outro. Quem é que resistiria a isso! Eu não. Nem o leitor camarada. E o Odorino também não resistiu: passou-se com armas e bagagens. (ESTADO DE MINAS, 18 de janeiro de 1930, p.5)
Para aquela que no início do século estava limitada ao ambiente privado e mal saía de casa, seu papel no esporte estava para além do torcer, influenciando os rumos do mercado da bola se assim podemos dizer. Nas primeiras décadas do século XX o futebol teve grande influência na construção de uma nova identidade social para a mulher belo-horizontina, sua participação ativa como torcedora contestava valores antigos e lhe trazia um espaço a mais de interação e socialização. Pós 30 Na década seguinte, em 1940, a edição de abril da revista Educação Física informava a realização de uma “interessante partida de futebol entre senhoritas” no Rio de Janeiro, que “constituiu um espetáculo de grande sucesso, causando assim sensação em nosso mundo desportivo” (FRANZINI, 2005, p. 319). Das arquibancadas as mulheres adentravam aos gramados e a novidade despertava do amor ao ódio. Ha130
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via notícias de que clubes se formavam em São Paulo e Belo Horizonte. O machismo e moralismo se tornavam evidentes, fantasiados de preocupação com o bem-estar das brasileiras, quando na verdade o medo era de que as mulheres abandonassem o seu papel “natural”6 e “invadissem” ainda mais um espaço que enxergavam como masculino. O futebol feminino aparecia como um desvio de conduta, inadmissível para o Estado Novo e para a sociedade brasileira da época. Um anúncio do periódico carioca Correio da Manhã que convidava moças de 15 a 25 anos para compor seu elenco, fez vir à tona o inconveniente que o interesse feminino pelo esporte causava a ponto de um cidadão de nome José Fuzueira escrever uma carta ao presidente Getúlio Vargas, conforme artigo do historiador Fábio Frazini: Refiro-me, Senhor Presidente, ao movimento entusiasta que está empolgando centenas de moças, atraindo-as para se transformarem em jogadoras de futebol, sem se levar em conta que a mulher não poderá praticar esse esporte violento sem afetar seriamente, o equilíbrio fisiológico das suas funções orgânicas, devido à natureza que a dispôs a ser mãe. […] Ao que dizem os jornais, no Rio já estão formados nada menos de 10 quadros femininos. Em São Paulo e Belo Horizonte também já estão constituindo-se outros. E, neste crescendo, dentro de um ano é provável que, em todo o Brasil, estejam organizados uns 200 clubes femininos de futebol, ou seja: 200 núcleos destroçadores da saúde de 2.200 futuras mães, que, além do mais, ficarão presas de uma mentalidade depressiva e propensa 6
Papel natural: “Rainha do lar”, “dona de casa”, “boa mãe” e “boa esposa” .
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aos exibicionismos rudes e extravagantes (FRAZINI, 2005, p. 319).
Em abril de 1941, o Decreto Lei 3.199, instituiu o Conselho Nacional de Desportos, afirmando em seu artigo 54 que “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país.” A proibição da prática do futebol feminino só foi revogada em 1980. De 1940 a 1965 não foram encontrados ainda, estudos e registros referentes à participação da mulher torcedora na cidade de Belo Horizonte. Após a Copa de 1950 diante da assiduidade do público mineiro e de sua paixão progressiva pelo futebol, houve a necessidade de se construir um estádio maior na cidade (os antigos estádios possuíam capacidade de dez mil pessoas). Porém somente em 1959, iniciaram-se as obras e em 1965 o Estádio Governador Magalhães Pinto foi inaugurado. Em um dos registros encontrados em jornais e revistas sobre a inauguração do Gigante da Pampulha, maneira como o estádio é reconhecido até os dias de hoje, foi possível encontrar menção sobre a reconhecida participação feminina em eventos futebolísticos: “E as mulheres em campo? Que coisa boa é ter mulher em campo. Com suas calças compridas, seus gritos inofensivos, feminis, e sobretudo beleza, que não faltou em nenhum momento. Vieram dar colorido que faltava em campo de futebol” (REVISTA FOTO ESPORTE, setembro de 1965). 132
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Figura 4 – Publicação da Revista Foto Esporte
Fonte: Revista Foto Esporte, n.º 10, setembro de 1965.
Do fino trato dado às mulheres, com elegante elogio a sua beleza, com o passar dos anos é possível perceber e encontrar relatos de assédio e a presença feminina já não é algo tão comum. A mulher torcedora entendendo o estádio como espaço exclusivo masculino, encara o assédio como algo natural justamente por entender que aquele espaço não é seu. Há uma legitimação do espaço masculino: Deixa eu ver... não sei se é bem um preconceito, mas um abusozinho eu já senti. Foi Cruzeiro e 133
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Bayer de Munique... a primeira vez que o Cruzeiro foi disputar o Mundial, estava assim lotado e nesse dia eu fui com um cunhado que é americano. Não tinha ninguém pra me levar porque meu marido, naquela época namorado, ele era responsável pelo policiamento do trânsito do Mineirão, então ele ficou ocupado desde cedo até não sei que horas lá com isso, então não tinha ninguém para me levar e eu tava assim louca da vida. Aí meu cunhado foi e falou comigo que me levava, mas só conseguimos ingresso na geral, sabe. Aí realmente, o que me passaram a mão ali... vou te contar... E tava assim... toda hora um passava a mão, por fim meu cunhado ficou atrás de mim me cercando porque, Nossa Senhora, chegava um alisava minha perna, alisava de lá, eles abusaram bastante, quer dizer, não é bem um preconceito, bom não deixa de ser, porque se fosse homem ninguém ia estar passando a mão... Isso foi em 1977. Não era assim tão natural estar ali, mulher era um bicho raro (CAMPOS, 2010)7 .
Os dias atuais da torcedora mineira Há um sensível desgaste na ideia de que “futebol é coisa de homem”, pois é muito difícil repetir essa sentença sem vê-la contestada pelo razoável número de mulheres que atuam como profissionais, ou que fazem do futebol um lazer para seus momentos de folga (COSTA, 2006; 2007). De forma transgressora as mulheres estão presentes no futebol brasileiro: vão aos estádios, consomem produtos de seus times, são sócias de seus clubes, fazem comentários, 7 Relato de torcedora do Cruzeiro sobre abuso na geral do Mineirão em 1977, retirado de CAMPOS, P. A. F. Mulheres torcedoras do Cruzeiro Esporte Clube presentes no Mineirão. 2010. Dissertação (Mestrado em Lazer) Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais.
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divulgam notícias, trabalham no jornalismo esportivo ainda que lutando por um espaço, arbitram jogos, são técnicas, jogadoras, participam do mundo do futebol e enfrentam os preconceitos existentes e a pouca visibilidade para a modalidade destinada às mulheres que jogam. “À inserção feminina do futebol pode ser vista como uma atitude transgressora porque as mulheres fizeram valer suas aspirações, desejos e necessidades, enfrentando um universo caracterizado como próprio do homem”. (GOELLNER, 2006, p. 147). O pioneirismo de Alice Neves no início do século ao formar a primeira torcida feminina de futebol em Belo Horizonte com as cores do Clube Atlético Mineiro faz parte do orgulho de uma das torcidas mineiras. Em 2013 outra iniciativa pioneira, também da torcida atleticana se fez necessária para lutar pela igualdade do espaço de todos nas arquibancadas. Surgia a Galo Queer8 e com essa iniciativa outros coletivos como Cruzeiro Maria, Palmeiras Livre, foram sendo criados pelo país para combater a misoginia, homofobia e lutar pelos direitos das mulheres e das pessoas da comunidade LGBTQ. Com fim de que as arquibancadas sejam um espaço democraticamente dividido entre todos. Contra qualquer tipo de opressão, as minorias como o Galo Marx e a Resistência Azul Popular também surgiram para que os estádios sejam a cada dia, lugares seguros e acolhedores para todos os gêneros, raças, etnias e que o futebol com seu poder agregador permita qualquer tipo de manifes8 GaloQueer é o movimento anti-homofobia e anti-sexismo no futebol dos torcedores do Atlético Mineiro, vulgo Galo Doido.
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tação cultural. “É nessa modalidade [o futebol] que as desigualdades de gênero se somam com mais força às desigualdades de classe e étnico-raciais”. (GREGORY, 2014: 13). No entanto, episódios de misoginia, racismo e homofobia se sucedem, de maneira aparentemente crescente, tal como a presença feminina. Em 2016, no desfile de apresentação da nova coleção de uniformes do Clube Atlético Mineiro, várias torcedoras não se sentiram representadas e fizeram uma nota de repúdio, expondo os pontos em que se sentiam excluídas como mulheres torcedoras e consumidoras. Após a nota de repúdio, elas foram virtualmente atacadas, recebendo as mais diversas formas de xingamentos de cunho machista de homens e mulheres, incluindo ameaças. Desse momento em diante elas começaram a se unir em torno de uma necessidade social para suportarem os ataques juntas, se fortalecendo enquanto mulheres no ambiente do futebol e construindo uma rede de amizade e de certa proteção. Diálogo e sororidade (a origem da palavra sororidade está no latim sóror, que significa “irmãs” e é a união e aliança entre mulheres, baseada na empatia e companheirismo), como que um convite a caminharem juntas, surgiu no ambiente virtual do twitter e em seguida em encontros presenciais principalmente em dias de jogos do clube. Atualmente elas possuem um blog, com publicação de textos e podcasts sobre o Atlético. Entre as torcedoras do Cruzeiro, partindo do propósito de ressignificação, podemos encontrar também o Podcast das Marias (arquivo digital de áudio transmitido via inter136
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net) que foi criado com o propósito de colocar mulheres para discutir sobre futebol. Elas encontraram pouca resistência e seguem o trabalho buscando fortalecer a presença feminina e encorajar outras torcedoras a irem ao estádio. O embate presente nos discursos das redes sociais e para além destes, cada vez mais demonstra a necessidade de se discutir o lugar da mulher amante do esporte bretão (esporte criado na Grã-Bretanha). Ao mesmo tempo em que notamos a presença assídua das torcedoras, percebemos que mulheres e pessoas LGBT são lembrados nos xingamentos aos torcedores rivais como forma de menosprezar o adversário. Termos como “franga”, “Maria”, “bicha”, são constantemente ouvidos nos estádios pelo país. As mulheres seguem enfrentando apontamentos feitos a elas pelo tipo de roupas que escolhem para torcer, avaliações e julgamentos de seu comportamento no estádio, como se passassem constantemente por uma prova para pertencer ou não ao ambiente. Há uma batalha jogo a jogo, dia após dia, para fazer parte do mundo da bola, nas arquibancadas, nas bancadas esportivas, nos campos e também fora deles. Diversas iniciativas têm surgido envolvendo torcedoras e torcedores de diversos times do Brasil, questionando e desestabilizando a norma de que futebol é um jogo só para “machos”. Em Belo Horizonte concentrei-me em como foram e são tratadas as torcedoras dos três clubes da capital mineira. Considerações finais
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Reconhecer o papel da torcedora na história do futebol no Brasil é legitimar sua trajetória. Não desmerecendo a importância de cada indivíduo na história que se escreve nas arquibancadas, faz-se necessário compreender que há um espaço dividido entre homens e mulheres desde a chegada do futebol no país e na capital mineira. No caso específico de Belo Horizonte, a presença feminina se manteve com o passar dos anos, ainda que em alguns momentos diminuísse. A mulher torcedora acompanhou o homem torcedor em sua passagem da assistência para o torcer. Fez seu caminho aprendendo sobre o esporte, fazendo suas escolhas clubísticas, participando do movimento do futebol. Hoje, luta por reafirmar sua presença nas arquibancadas e ser reconhecida como torcedora, enfrentando preconceitos e estereótipos que ultrapassaram os anos e não evoluíram com o esporte e as arenas. Além da ocupação de seu lugar como torcedora, a mulher cada dia se faz mais presente no futebol seja como jogadora, árbitra, técnica ou jornalista. Entender que esse espaço sempre foi ocupado pela mulher e de maneira consciente, com conhecimento de causa nada mais é que ver que a divisão do espaço é justa e coerente, além de ter grande importância para a diminuição das desigualdades e preconceitos que existem no meio. A busca de novos tempos neste meio é um processo do qual todos fazem parte e pelo qual todos devem se empenhar. Talvez a mudança esteja a começar em cada canto ou dentro de cada um. O importante é que não haja nunca um ponto final para a discussão. 138
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Referências CAMPOS, P. A. F. Mulheres torcedoras do Cruzeiro Esporte Clube presentes no Mineirão. Dissertação (Mestrado em Lazer) – Universidade Federal de Minas Gerais, Minas Gerais, 2010. CAPPELLANO, Renata. O torcedor de futebol e a imprensa especializada. Juiz de Fora: UFJF, 1999. CORREIO da Manhã. Rio de Janeiro, 28 de abr.1940. Seção Pingos e Respingos. CORREIO Mineiro. Belo Horizonte, 17 fev. 1927. Seção Jogos e Desportos. CORREIO Mineiro. Belo Horizonte, 01 mar. 1927. Seção Jogos e Desportos. CORREIO Mineiro. Belo Horizonte, p. 1, 02 abr. 1927. COUTO, Euclides de Freitas. Os diferentes modos de torcer: a presença feminina nos estádios belo-horizontinos (1908-1927). In: XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. 2013. Anais... Rio Grande do Norte. pp. 1 -17. COSTA, Leda Maria da. O Futebol feminino nas décadas de 1940 a 1980. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, n. 13, Rio de Janeiro, 2017, pp. 493-507. ESTADO de Minas. Belo Horizonte, p. 5, 18 jan. 1930. FRANZINI, Fábio. Futebol é “coisa para macho”? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol. Revista Brasileira de História, v. 25, n. 50, São Paulo, 2005, pp. 315-328. GALUPPO, Ricardo. Raça e Amor: a saga do Clube Atlético Mineiro vista da arquibancada. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. GOELLNER, Silvana Vilodre. Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades. Revista brasileira de Educação Física e Esporte, v.19, n. 2, São Paulo, jun. 2005, pp.143-151. LIMA, E. J. S. Além das quatro linhas: o futebol como espaço de sociabilidade feminina. In: Anais do XXVII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA. 2013. Rio Grande do Norte. p 1-16.
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MINAS Geraes. Belo Horizonte, 08 de set.1929. Seção Desportos, p. 12. MINAS Geraes. Belo Horizonte, 08 de set.1929. Seção Desportos, p. 13. MOURA, E. L. O futebol como área reservada masculina. In: DAOLIO, J. (Org.). Futebol, cultura e sociedade. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. pp. 131-147. NETO, G. J. S. A Invenção do Torcer em Bello Horizonte: Da Assistência ao Pertencimento Clubístico (1904-1930), Minas Gerais. UFMG: 2010. Dissertação (Mestrado em Lazer) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010. O FOOT-BALL, Belo Horizonte, 1917. Revista Foto Esporte, nº. 10, set. 1965. RIBEIRO, Raphael Rajão. A bola em meio a ruas alinhadas e a uma poeira infernal: Os primeiros anos do futebol em Belo Horizonte (1904-1921). Belo Horizonte: UFMG: 2007. Dissertação de mestrado em História Social da Cultura, 2007. SANTOS, André C. Estádio Mineirão: orgulho e redenção do futebol mineiro. Lecturas, EF y deportes, n.86, 2005. Disponível em <http://www.efdeportes. com/efd87/minerao.htm >. Acesso: 11 set. 2018. STAHLBERG, L.T. Jogando em Vários Campos: Torcedoras, Futebol e Gênero. In: COSTA, Carlos Eduardo; TOLEDO, Luiz Henrique (Orgs.). Visão de jogo: antropologia das práticas esportivas. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009.
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Consumo delas: a presença nos estádios da torcida feminina dos três clubes da capital pernambucana Gabriela Lohana de Melo Lerynda Lima Paloma de Castro Introdução As mulheres querem estar nos estádios de futebol e, mais do que querer, elas estão. Segundo pesquisa realizada pela Sophia Mind1 e divulgada pelo jornal O GLOBO, 25% delas frequentam o estádio. Entretanto, por medo da violência, elas costumam ir poucas vezes ao ano e evitam os clássicos.2 “Futebol é coisa de homem” é um discurso que vem perdendo força no século XXI, porém, culturalmente associamos o futebol à figura masculina, assim como associamos a ginástica artística às mulheres, tudo isso pelo discurso pregado por uma imposição sociocultural de conferir características de esportes de contato à virilidade do homem. Fora das quatro linhas, nas arquibancadas, esse tipo de associação também é comum, mesmo com tantas mudanças e evoluções sobre a inclusão 1 DURÃO, Mariana. Pesquisa mostra que, no país do futebol, 80% das mulheres torcem para algum time. Disponível em: oglobo.globo.com/esportes/ pesquisa-mostra-que-no-pais-do-futebol-80-das-mulheres-torcem-para-algumtime-299802. Acesso em: 26 abr. 2017. 2 Jogos disputados entre times rivais, geralmente da mesma cidade ou que historicamente se enfrentam.
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da mulher no papel de torcedora, principalmente no futebol, ainda se faz presente um contexto machista que acaba reiterando os longínquos discursos que distanciam a mulher do futebol tendo como justificativa básica os aspectos físicos e, sobretudo, construções sociais. Está associado à masculinidade e ao poder físico do homem, mediante a conduta esportiva do futebol – em que o contato físico, o combate e o uso agressivo do corpo são explícitos, servindo como reprodutor da hegemonia masculinidade (DEVIDE, 2005, p. 44).
Nos dias atuais, tanto no que diz respeito à prática quanto ao acompanhamento de clubes de futebol, essa percepção vem passando por um processo de ressignificação, podendo ser materializada no crescimento da profissionalização da prática e no volume de representantes femininas nos estádios brasileiros. Porém, apesar da adoção de posicionamentos para a desconstrução do machismo no cenário desportivo, mulheres ainda têm que lidar com a constante desconfiança por parte dos demais torcedores e até de seus próprios clubes do coração com relação ao seu conhecimento esportivo e ao seu potencial de consumo, respectivamente. Diante disso, se questiona como se dá a relação das torcedoras com a ida ao estádio e como os clubes podem estreitar o contato com a torcida feminina. A pesquisa se propõe a identificar o perfil das torcedoras dos três clubes da capital pernambucana (Sport Club do Recife, Santa Cruz Futebol Clube, Clube Náutico Capibaribe). Sendo assim, 142
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para compreender essa relação, foi proposta a metodologia do questionário survey, tendo como objetivo identificar os traços comuns das torcedoras do “Trio de Ferro”3 , além da revisão bibliográfica para embasar a pesquisa que trata da Indústria do Esporte (PITTS; STOTLAR, 2002), mulher no futebol (ECOTEN; CORSETTI, 2010; BARRETO, 2016) e consumo (BACCEGA, 2014). Por meio do questionário foi possível analisar questões como grau de escolaridade, região de residência, hábitos de consumo, deslocamento até o estádio, dificuldades para frequentar as partidas, entre outras questões relevantes para entender o consumo feminino no futebol. Todos os dados levantados serviram como base para elucidar alguns questionamentos iniciais quanto ao perfil dessas torcidas, seus hábitos, comportamentos e a efetividade das ações voltadas para a o público feminino, além de quebrar alguns preconceitos historicamente construídos e perpetuados. Ao final, o intuito da pesquisa é incentivar ações que impulsione a presença feminina nos estádios e potencialize o consumo delas. O ambiente esportivo e a mulher no futebol O esporte, além de fenômeno social, é um mercado que movimenta “[...] produtos, pessoas e negócios que organizam, auxiliam, produzem ou promovem esportes, fitness, recreação, ou atividades ou empresas de lazer” (PITTS; STOTLAR, 3 Na linguagem popular do futebol recifense, os três clubes de maior poder econômico são taxados como o “Trio de Ferro”. São eles: Náutico Clube Capibaribe, Santa Cruz Futebol Clube e Sport Club do Recife.
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2002, p. XV), constituindo uma Indústria do Esporte. Com isso, as empresas relacionadas ou não ao esporte passaram a entender o potencial do mercado a fim de se promover a partir dos seus valores e visibilidade. O Marketing Esportivo virou oportunidade de negócio não só para as marcas que passaram a investir no esporte como forma de promoção, mas também para as entidades esportivas que viram no profissionalismo da atividade uma maneira de se desenvolver e obter lucro. Com essas características do consumo, o mercado esportivo vem oferecendo produtos e serviços diversos nos quais a ligação com o universo do esporte promove experiências. Não se restringe ao mero consumismo, mas “trata-se, como lembra García Canclini (2006, p. 80), de um conjunto de processos socioculturais em que se realizam a apropriação e os usos dos produtos” (BACCEGA, 2014, p. 55). Numa sociedade contemporânea, os produtos e serviços estão envoltos a um universo que propõe a marca “[...] se constituir como modalidade generalizada de formação de sentido nos contextos sociais de tipo pós-moderno” (SEMPRINI, 2006, p. 59), para além do comércio e do consumo. É nesse cenário que a mulher, como parte integrante da sociedade, vem assumindo de maneira gradativa papéis diversos e conquistando território em espaços considerados tipicamente masculinos. “Com o avanço das conquistas feministas, alguns aspectos relacionados à vida da mulher, foram sendo tratados de forma mais aberta. Sua participação no esporte foi um destes aspectos, mas sempre rodeado de dificuldades e preconceitos” (ECOTEN; CORSETTI, 2010, 144
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p. 4). Seja essa participação dentro ou fora dos campos, as mulheres que se relacionam com o esporte sofrem muitas dificuldades, fato que pode ser percebido historicamente. O futebol, por exemplo, sempre esteve atrelado a práticas masculinas. Sua atividade começou como um evento de lazer da elite. Os eventos sociais dos domingos eram incrementados pelo jogo de futebol entre os homens, brancos e ricos do século XIX. A construção dessa prática esportiva na sociedade reforçava os papéis sociais de homens e mulheres, nos quais apenas os homens tinham capacidade de participar efetivamente dos eventos, enquanto as mulheres possuíam a função - quase que imposta - de apoiar e acompanhar os jogos dos homens “torcendo” da arquibancada. Foram as mulheres, aliás, que consagraram a expressão “torcer”. Como não ficava bem para uma dama se descabelar, gritar, chorar, com seu time de coração, elas levavam para os estádios pedaços de pano, os quais torciam durante as partidas para aliviar a tensão. O hábito as fez ficar conhecidas como “torcedoras” e não demorou muito para o termo ser adotado para designar todos aqueles que compareciam com frequência às partidas no intuito de incentivar as equipes (CAPPELLANO apud ECOTEN; CORSETTI, 2010, p. 4).
Com efeito, o esporte evoluiu para uma atividade competitiva, que saiu dos domingos de lazer das famílias de elite para campeonatos que tinham jogadores com as habilidades necessárias para a execução do futebol. Os clubes cresceram sendo comandados por essa família da alta classe, mas as mu145
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lheres, que acompanhavam anteriormente os jogos, foram deixando de lado o hábito e sendo excluídas da atividade, principalmente no âmbito da prática do esporte. Os motivos para a construção desse preconceito de gênero perpassam tanto pelo argumento de que homem “gosta” e “entende” melhor de futebol já que as mulheres sempre foram vistas como meras “torcedoras”, como também, por questões biológicas de que o corpo feminino não teria a capacidade de desenvolver os mesmos exercícios que os homens. Mas todos esses discursos estão ligados a três significantes implicações adotadas no passado que Ellis Cashmore (2010, p. 206, tradução nossa4 lista em seu livro “Making Sense of Sports”: “(1) as mulheres não eram consideradas tão capazes intelectualmente ou fisicamente quanto os homens; (2) a sua predisposição natural foi pensada para ser passiva e não ativa; (3) a sua relação com homens era de dependência”. Soraya Barreto (2016, p. 140) reforça que o futebol acaba sendo compreendido como espaço para a construção da masculinidade a partir dos aspectos entendidos culturalmente como pertencentes a representatividade masculina, como agressividade, força e competitividade. A busca por mudanças desse tipo de visão do papel da mulher, não só no futebol, mas na sociedade como um todo é uma luta de gênero que coloca as mulheres cada vez mais presentes nos diferentes setores sociais. Os campos simbólicos que antes eram direcionados exclusivamente para os 4 “First, women were not regarded as capable either intellectually or physically as men; second, their natural predisposition was thought to be passive and not active; third, their relationship to men was one of dependence”
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homens ganham crescimento da presença feminina (SALGUEIRO; MELO; CORREA, 2014, on-line) e isso representa um embate de gênero, mas também aponta “a existência de novos padrões no que diz respeito ao modelo consumo e a nova maneira como as mulheres são ou devem ser percebidas pelas organizações, que por sua vez aumenta a representação feminina na dinâmica do consumo de bens e serviços esportivos”. (SALGUEIRO; MELO; CORREA, 2014, on-line). Segundo pesquisa realizada em 2010 pela empresa Sophia Mind5, 80% das brasileiras torcem por algum time, porém, não é equivocado afirmar que os clubes de futebol brasileiros não privilegiam esse público quando o quesito é consumo (seja ele de materiais esportivos ou em relação ao hábito de ir ao estádio). A fim de materializar essa proposição, percebemos por uma breve busca no site Netshoes, uma das maiores lojas on-line de produtos esportivos do Brasil, que, num universo de 773 camisas de futebol de clubes brasileiros, apenas 10% eram destinadas ao público feminino. Os clubes, em sua maioria, desconsideram que as mulheres passaram de simples telespectadoras e avançaram “[...] para uma nova posição ideológica, de torcedora assídua, atleta, consumidora e reprodutora de valores e novos conceitos sobre o esporte” (SALGUEIRO; MELO; CORREA, 2014, on-line). Em grupo ou isoladas, o fato é que as torcedoras de futebol vêm ganhando visibilidade, estimulan-
5 DURÃO, Mariana. Pesquisa mostra que, no país do futebol, 80% das mulheres torcem para algum time. Disponível em: oglobo.globo.com/esportes/ pesquisa-mostra-que-no-pais-do-futebol-80-das-mulheres-torcem-para-algumtime-299802. Acesso em: 26 abr. 2017.
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do, desse modo, novas formas de composição identitária feminina, assim como, criando um público apreciador e consumidor de futebol que traz para esse esporte diferentes demandas e significados (COSTA apud ECOTEN; CORSETTI, 2010, p. 5).
Observada a relevância do tema para a sociedade e o crescente interesse da discussão na academia, mulher e consumo no futebol será abordado em pesquisa de modo a identificar as construções que permeiam o preconceito da mulher no futebol e apontar caminhos em que mulheres tenham tantas oportunidades de participar ativamente do universo desportivo quanto homens, através dos resultados do questionário eletrônico aplicado com as torcedoras dos três times da capital pernambucana, conforme descrevemos no capítulo a seguir. Survey com as torcedoras: metodologia A metodologia utilizada para contribuir com o questionário foi pautada na revisão bibliográfica que consiste na busca de literatura e autores que conversem com o tema escolhido. Conforme explica a autora Ida Stumpf (in DUARTE; BARROS, 2006, p. 52): “para estabelecer as bases em que vão avançar, alunos precisam conhecer o que já existe, revisando a literatura existente sobre o assunto. Com isto, evitam depender esforços em problemas cuja solução já tenha sido encontrada”. Já a metodologia questionário, survey, serviu para duas finalidades principais: a de exploração, num sentido de conhecer melhor nosso objeto de pesquisa e nos familiarizarmos com os problemas, e uma segunda com 148
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caráter mais descritivo, estabelecendo relações entre as características encontradas. O survey é um questionário que serve como “[..] instrumento de coleta de dados, constituído por uma série ordenada de perguntas [...]” (LAKATOS; MARCONI, 1985, p. 178) que tem como vantagens economizar tempo, alcançar um maior número de pessoas e uniformizar a avaliação devido a impessoalidade do instrumento. Trabalhamos com uma amostra não-probabilística por conveniência, ou seja, os entrevistados foram determinados de acordo com a sua disponibilidade, muito graças a amostra não ser fixa, pois não determina de forma exata quantos participantes seria necessário. O survey eletrônico foi realizado por meio de Google Forms, (plataforma de construção de questionários da empresa Google que permite de forma gratuita, apenas se conectando com sua conta, criar questionários de diversas modalidades e finalidades) o qual nos possibilitou enviar para grupos da área estudada, além das nossas próprias redes de contato. Obtivemos, no período determinado de uma semana de divulgação do survey, um retorno de 262 respostas, sendo 225 aptas para a pesquisa, pois foram as respostas recebidas correspondentes ao gênero feminino. Principais resultados da pesquisa Com as 225 respostas aptas, representando 85,9% dos que responderam ao questionário, conseguimos inicialmente traçar um perfil demográfico do público pesquisado. O perfil de forma isolada não nos auxiliará tão assertivamente, mas é 149
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parte importante no processo de cruzamento de dados para encontrar respostas mais qualitativas e indícios que contribuam para o entendimento do consumo delas. O target trabalhado será o feminino, por tanto todas as divisões abaixo se referem a uma amostra 100% feminina. A maior parcela das pesquisadas têm entre 17 e 25 anos (74,7%), no survey essa faixa etária estava dividida em duas, mas para facilitar a compreensão utilizaremos ela como apenas uma. Sobre o grau de escolaridade, mais da metade (50,7%) possuem superior incompleto ou cursando. Profissão era uma questão aberta, estudante foi o que apresentou o maior resultado, 44% das questionadas afirmaram ser estudantes, como a questão anterior mostra que a maior parcela do público está cursando, a resposta já era esperada. As demais respostas foram variadas e poucas conseguiram um número tão expressivo quanto estudantes, por isso agrupamos as profissões por área de atuação, como profissionais de comunicação (11,1%), de saúde (3,11%), da área administrativa (2,22%), do direito (2,22%), funcionárias públicas (2,22%), autônomas e donas de casa (3,11%). Essa classificação nos ajudará futuramente na percepção dos insights. Questionamos sobre a área que as entrevistadas residiam e a maior parte apontou o Recife, totalizando 58,2% desse montante 23,1% residem na zona norte, 14,2% zona sul, 13,3% zona oeste e 7,6% no centro.
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Figura
1
–
Dados
demográficos
do
questionário
Fonte: Elaboração própria.
Para dados menos dispersos optamos por focar nos 3 principais times da RMR, Clube Náutico Capibaribe, Santa Cruz Futebol Clube e Sport Club Recife, que consequentemente são as maiores forças futebolísticas do estado. Para seguir para a próxima fase seria necessário torcer para algum dos times anteriormente citados, das respondentes iniciais 99% torciam por um dos times. Os resultados foram os seguintes: 72,9% se identificaram como torcedora do Sport, 151
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17,8% do Santa Cruz e 8,9% do Náutico. Esses resultados seguem as tendências apontadas em pesquisas realizadas anteriormente que mostram a torcida do Sport Club do Recife como maior força da capital6. Figura 2 – Qual o seu time de coração na Região Metropolitana do Recife?
Fonte: Elaboração própria a partir de 225 respostas do questionário.
A partir de agora seguiremos com um universo de 224 respondentes. Nessa segunda fase buscamos entender características de consumo desse público com perguntas mais gerais e depois mais voltadas para as que frequentem os estádios e as que não frequentam. Além do que de fato é consumido, buscamos entender um pouco dos problemas que afastam esse público dos estádios e da efetivação de compras. Vale salientar que a busca por entender a ida aos estádios aqui é tratada como consumo, pois além do consumo de ingressos que é uma grande fonte de renda para os clubes, há também 6 Disponível em: https://www.torcedores.com/noticias/2018/02/pesquisa-revela-maiores-torcidas-entre-os-tres-grandes-clubes-do-recife?enable-feature=new_layout. Acesso em: 26 abr. 2017.
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o consumo dentro dos estádios e no seu entorno. Esclarecido esse ponto vamos aos resultados. O produto esportivo do seu time que as torcedoras mais consomem, indo ou não aos estádios, é de fato a camisa, nesse caso vale salientar que a oficial, 90,2% do público afirmou ser o produto mais consumido, seguida por bandeira com 49,6% e garrafas/copos com 45,5%. Depois de termos um ranking geral de produtos esportivos mais consumidos pelas torcedoras, partimos para uma segmentação e divisão de target com questionamentos mais específicos e com um caráter mais pessoal. Para isso, questionamos sobre a ida aos estádios e dividimos a amostra atual em dois grupos, as que frequentam e as que não frequentam. Dessas, 71% costumam ir ao estádio e 29% não. Os resultados do grupo 1 - As frequentadoras - estão dispostos a seguir: a maior parcela delas costuma ir a todos os jogos dos times ou ao menos 2 vezes durante o mês (57,2%), para locomoção aos estádios a carona (57,2%) e o ônibus (43,4%) são os mais citados, vale também mostrar o papel de táxi/uber que aparecem como terceira escolha (36,5%) das mulheres para ir e vir aos estádios. Entender como vão já nos dá pistas de com quem elas vão, e para sair do campo de suposições, questionamos também esse tópico e os resultados apontam que maior parte das torcedoras vão aos estádios acompanhadas, seja de amigos (61,6%), familiares (49,1%) e companheiro ou companheira (29,6%). Citado por 99,4% das mulheres, a camisa aparece mais uma vez em destaque, como principal elemento em dia de torcer no estádio, em se153
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gundo lugar temos a bandeira citada por 56,6% das questionadas. Sobre o consumo dentro dos estádios descobrimos que água/refrigerante são os itens mais consumidos apontado por 89,3% das mulheres, seguido por lanches (44%) e cerveja (32,1%). E por fim, buscamos entender as razões que levam ao estádio e as que afastam. O amor ao clube é citado como principal motivação as idas ao estádio com (97,5%), enquanto o aumento da violência (74,2%) e casos de abuso contra a mulher, com você ou com outras (52,2%) aparece como segundo motivo para o distanciamento dos estádios. Figura 3 – Dados de ir e vir e consumo nos estádios
Fonte: Elaboração própria.
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No grupo 2 - As não frequentadoras - o principal objetivo foi o de entender o que as afastam dos estádios e com essa ausência como elas consomem o time já que não estão no principal ponto de contato do torcedor com o clube. O principal motivo para não ida ao estádio dessa parcela do público é o mesmo principal motivo do target 1, o aumento da violência (73,8%), seguido pela dificuldade de deslocamento (41,5%). Por fim, entendemos como elas acompanham o time, já que não frequentam os estádios, e os resultados mostraram que a televisão foi o meio mais citado (84,6%) e a internet o segundo (69,2%). Figura 4 – De que forma você acompanha os jogos do seu time?
Fonte: Elaboração própria a partir de 65 respostas ao questionário.
Depois da coleta e análise de dados, conseguimos cruzar informações e obter alguns insights que podem vir a subsidiar e/ou inspirar futuros trabalhos e ações de clubes ou empresas do meio esportivo. Para não nos debruçarmos por longas análises, escolhemos os destaques que merecem ser aproveitados. Conseguimos com essa pesquisa constatar a presença, 155
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de fato, das torcedoras pernambucanas, em sua maioria residentes da região metropolitana do Recife, nos estádios dos três principais times do estado. Portanto, suas necessidades devem ser levadas em consideração no mercado esportivo. Definimos então dois nichos principais aos quais as descobertas advindas da pesquisa podem ser muito bem utilizadas e gerarem um retorno comercial para os clubes e os fornecedores de material esportivo. Conseguimos perceber a importância da camisa em todos os grupos pesquisados, tanto as que frequentam os estádios quanto as que que não frequentam citam como item essencial. Essa informação deve ser melhor trabalhada e os fornecedores devem se atentar a essa configuração. Entender e atender essa necessidade pode ser um diferencial para o fornecedor, mas deve ser tratado como portfólio básico. Ou seja, investir em produção de camisas, sejam elas primeiros, segundos ou terceiros uniformes, é necessário. Além de promover uma variedade de tamanhos e opções iguais as disponíveis para os homens. Há uma demanda que não pode ser silenciada, ao contrário, deve ser celebrada e explorada. Encontramos também o maior desafio que os clubes precisam enfrentar para aproximar o público feminino dos estádios: a violência e o assédio. Tendo identificado esse desafio, os clubes precisam pensar e colocar em prática ações que diminuam essas situações. É preciso fornecer um ambiente seguro para que as torcedoras quebrem essa barreira e possam chegar junto ao time. O apoio aos movimentos femininos – como Coralinas (Santa Cruz), Elas e o Sport (Sport) 156
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e Timbuzeiras (Náutico) – e outros grupos de torcedoras dos seus times pode favorecer uma aproximação desse público com o time e o estádio. Promover um contato direto desses movimentos com o próprio clube em si, incentiva a torcida feminina a se fazer mais presente durante a temporada, além de dar voz a elas. Figura 5 – Movimentos de mulheres torcedoras dos três times da capital pernambucana
Fonte: Reprodução das páginas de facebook - facebook.com/movcoralinas/; facebook.com/elaseosport/; facebook.com/timbuzeiras/
Há de se destacar que algumas ações vêm sendo realizadas em todo o país, e servem como pontapé inicial para um movimento de mudança no consumo esportivo. Casos como do Coritiba7, time do estado do Paraná, que em 2017, no mês de março, promoveu uma ação para dois jogos específicos nos quais as sócias-torcedoras puderam levar gratuitamente um convidado para torcer junto. Além disso, foram isentas da taxa de adesão e tiveram acesso a um plano para sócios mais atraente. A inquietude por parte do público feminino gera uma necessidade nos clubes de se mostrarem presentes nes7 “Clubes de futebol celebram as mulheres”. Disponível em: http://www. meioemensagem.com.br/home/marketing/2017/03/08/clubes-de-futebol-celebram-as-mulheres.html. Acesso em: 14 jan. 2019.
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se momento, no entanto, numa visão mais ampla, as ações são mais pontuais e com um caráter muito mais publicitário do que de fato efetivas na inclusão da torcida no universo do consumo esportivo. Percebe-se, então, que ainda existe grande espaço para patrocinadores e clubes investirem, alcançando assim uma parcela cada vez maior de torcedoras que ainda não se enxergam como parte desse todo. Todas as informações encontradas na pesquisa podem servir como base para adoção de práticas comerciais e políticas que visem democratizar o ambiente esportivo e promover a maior participação feminina no futebol, tornando as arquibancadas um espaço mais justo e igualitário. Considerações finais Somos o “país do futebol”, a tradição que esse esporte carrega dentro do Brasil é inquestionável. Porém, dentro de um esporte tão popular e democrático o preconceito ainda existe. Considerando a valorização dos atletas, a média salarial de um único jogador é maior que a média de um time inteiro com 20 jogadoras no futebol feminino, segundo pesquisa britânica8 de 2017. Assim como as jogadoras precisam ser acima da média em relação aos jogadores para ganhar credibilidade, a mulher que gosta de futebol precisa entender e provar que sabe do assunto. Diante das questões levantadas, fica claro que a atenção dedicada ao público feminino é
8 Resultado da pesquisa: Sporting Intelligence (2017) que uniu resultados de análise de remuneração de vários clubes do mundo. Disponível ehHthttps:// telepadi.folha.uol.com.br/elas-ganham-ate-40-menos-que-eles-no-esporte-campanha-na-espn-encerra-mes-da-mulher/. Acesso em: 10 de janeiro de 2019
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inferior ao público masculino, os próprios clubes não destinam a atenção necessária em diversos aspectos, inclusive no papel de consumidora. A partir dessa percepção no cenário recifense, o intuito da pesquisa foi entender a relação entre mulher e consumo no futebol, a fim de dar voz a uma parte da torcida que muitas vezes é esquecida. Com o questionário survey foi possível analisar qualitativamente as construções que permeiam o preconceito da mulher no futebol, e buscamos entender as práticas de consumo delas dentro e fora dos estádios. O questionário foi fundamental para os primeiros passos do estudo e por seu caráter quantitativo nos forneceu uma base de dados interessante durante a pesquisa. É importante ressaltar que para um aprofundamento sobre esse tema, é fundamental que, para ser melhor aproveitada por cada time, cada clube fizesse sua própria pesquisa de comportamento de consumidor para a partir disso buscar resultados mais próximos das suas realidades. Essa pesquisa teve um caráter incipiente, a fim de mostrar a relevância de se estudar o tema, abrindo, assim, espaço para a construção de novas pesquisas sobre o assunto. Dentro dos resultados obtidos por meio das 225 respostas aptas, foi possível perceber que a mulher torcedora é um público potencial que deve receber o real investimento dos clubes. As que fazem parte do grupo de “frequentadoras” e costumam ir no mínimo duas vezes o estádio por mês totalizam 57,2% das participantes, ou seja, temos um público feminino considerável e um potencial grupo consumidor que podem aumentar a renda do clube com o aumento do nú159
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mero de ingressos. Por outro lado, as que não frequentam o estádio, dizem não ir por medo da violência, e que também sugerimos ser uma área que deve ter maior atenção por parte dos times pernambucanos. Ao lidarmos com um público que por anos teve seu papel marginalizado e distanciado do esporte, por meio da inexistência de produtos voltados para elas ou por práticas sociais cotidianas que acabaram por instituir e cristalizar essas diferenças, precisamos que as mudanças sejam realizadas em esferas que vão além das esportivas, precisa-se de implementação de políticas públicas, que os governos façam parte desse processo de conquista do público feminino. Campanhas de conscientização, implementação de postos da polícia da mulher nos estados, investimento em transporte de qualidade são algumas das ações que podem ajudar nesse processo de viabilização da presença feminina nos estádios de forma mais massiva e menos desgastante para as mesmas. Os resultados não podem ser considerados como verdade absoluta, já que por utilizarmos uma amostra não-probabilística e termos como meio de divulgação as redes sociais, podemos não ter atingido o contingente total do universo, mas esses resultados servem como base inicial para pesquisas mais aprofundadas em diversos campos, mais mercadológicos, explorados por empresas e clubes, e de cunho sociológico para a percepção das mudanças nessa parcela do público e outros tantos setores. A pesquisa é importante por iniciar essa discussão e trazer resultados que podem corroborar com discussões que mudem as práticas comerciais adotadas 160
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e mostrem para o público em geral como a presença feminina pode fortalecer os clubes de futebol. Referências
BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação e Consumo. In: CITELLI, Adilson; et al. Dicionário de Comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Contexto, 2014. pp. 53-74. BARRETO, Soraya. A representação feminina na mídia esportiva: o caso Fernanda Colombo. Observatorio (OBS*), Lisboa, v. 10, n. 1, p. 137-149, 2016. Disponível em: http://obs.obercom.pt/index.php/obs/article/view/876/775. Acesso em: 28 de abril de 2017. CASHMORE, Ellis. Sports Emasculated. In: CASHMORE, Ellis. Making Sense of Sports. 5. ed. Londres: Routledge, 2010. pp. 204-231. DEVIDE, Fabiano Pries. Gênero e mulheres no esporte: história das mulheres nos jogos olímpicos modernos. Ijuí: Unijuí, 2005. DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. (org.). Métodos e técnicas de pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas, 2006. ECOTEN, Márcia Cristina Furtado; CORSETTI, Berenice. A mulher no espaço do futebol: um estudo a partir de memórias de mulheres. Fazendo Gênero, v. 9, p. 1-11, 2010. Disponível em: http://www.fazendogenero.ufsc.br/9/resources/anais/1277985619_ARQUIVO_AMULHERNOESPACODOFUTEBOL_FAZENDOGENERO.pdf. Acesso em: 23 abr. 2017 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da metodologia científica. São Paulo: Altas, 1985. PITTS, Brenda; STOTLAR, David. Fundamentos de Marketing Esportivo. São Paulo: Phorte, 2002. SALGUEIRO, Andreza; MELO, Riklévio; CORREA, Rodrigo Stéfani. Estudo do perfil de consumo das torcedoras do Sport Club do Recife. In: Anais do 4º Encontro de GTs-Comunicon, 2014, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: ESPM, 2014. Disponível em: http://www3.espm.br/download/Anais_Comunicon_2014/gts/gt_nove/GT09_RODRIGO_CORREA.pdf. Acesso em: 20 de abril de 2017. SEMPRINI, Andrea. A marca pós-moderna: poder e fragilidade da marca na sociedade contemporânea. São Paulo: Estação das Letras, 2006.
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Visibilidade ao invisível? A formação de acervos públicos sobre o futebol de mulheres no Brasil Aira F. Bonfim Essa experiência é resultado de reflexões acumuladas nesses últimos quatros anos. Anos que atuei como técnica pesquisadora do Centro de Referência do Futebol Brasileiro 1 (CRFB), entre os anos de 2011 a 2018, no Museu do Futebol,2 localizado no estádio do Pacaembu, em São Paulo. Há quatro anos, o tema “futebol feminino” parecia ser só mais um assunto que nossa equipe prontamente assumiria como uma responsabilidade de pesquisa e entrosamento temático, para a produção de conteúdo para as exposições 1 O Centro de Referência do Futebol Brasileiro (CRFB) é o núcleo responsável pela pesquisa e gestão do acervo no Museu do Futebol. Implantado entre 2011 e 2013, foi inaugurado ao público em 04 de outubro de 2013. O centro contou com a experiência de trabalho do LabNAU, com a participação do Prof. Dr. José Guilherme Cantor Magnani, que presidiu o comitê consultivo do projeto, financiado pela FINEP – Agência Brasileira de Inovação e com bolsas do CNPq para pesquisadores e estagiários. 2 O Museu do Futebol, equipamento da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, inaugurado em 2008 no Estádio do Pacaembu, na cidade de São Paulo, tornou-se conhecido pela cenografia impactante e bem articulada com o espaço do avesso das arquibancadas do Estádio. Se o uso de recursos multimídia e interativos marcam as exposições do Museu, as ações da instituição, sejam as educativas, os projetos de pesquisa, as exposições temporárias e parte da programação cultural, conseguiram ao longo dos anos comunicar o tema futebol transcendendo o campo esportivo, inserindo-o nos contextos históricos e problematizando os lugares seguros ocupado por esse fenômeno chamado futebol.
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temporárias ou programações culturais no museu. Me lembro bem do ano de 2015, de encerrar os últimos trâmites burocráticos da pesquisa quantitativa de Territórios do Torcer 1 nos últimos dias de fevereiro, e como numa virada de página, o assunto “futebol feminino” caiu na mesa como uma próxima empreitada iniciada já no dia 2 de março de 2015. O mote inicial do projeto seria a realização naquele ano da sexta edição da Copa do Mundo FIFA de Futebol Feminino, no Canadá, o maior campeonato da modalidade, do qual a Seleção Brasileira participou de todas as edições e conquistou o segundo lugar em 2007. Com a previsão de abertura da exposição Visibilidade Para o Futebol Feminino2 para 19 de maio de 2015, pensar a produção de pesquisa e conteúdo em apenas dois meses é para muitos um desafio insano. Mas o mundo também pertence aos loucos, não é mesmo? Na época, a Biblioteca do CRFB tinha, se não me engano, algo em torno de 3 publicações sobre o futebol de mulheres, além de alguns artigos e teses catalogados no banco de dados da instituição. Tudo era tudo muito insipiente, com uma historiografia pouco organizada e de difícil prospecção em tão pouco tempo de trabalho. A primeira constatação apareceu nesse momento: o perigo
1 MUSEU DO FUTEBOL e CPDOC-FGV. Territórios do Torcer [Pesquisa]. 2015. Disponível em: http://dados.museudofutebol.org.br/#/tipo:eventos/608674,Territ%C3%B3rios%20do%20Torcer 2 MUSEU DO FUTEBOL. Visibilidade para o futebol feminino: a participação das mulheres no futebol brasileiro [Exposição]. In: Google Arts & Culture. Museu do Futebol. 2015. Disponível em: <https://artsandculture.google.com/exhibit/AwKyL29yfLwzIQ>. Acesso em 01 mar. 2019.
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da história única3 e as dificuldades de rastreio de fontes históricas produzidas por e sobre as mulheres. Aos poucos, eu mesma, como a própria equipe do museu envolta no projeto – majoritariamente composta por mulheres inclusive - começamos a refletir sobre a forma androcêntrica que a história do futebol brasileiro era assumida no cotidiano dos projetos elaborados pelo próprio Museu do Futebol. Não sabíamos nada. Não havíamos produzidos pesquisas anteriores sobre mulheres. Não haviam acervos catalogados, bibliografia ou mesmo personagens da modalidade próximos da equipe. Tal constatação somava-se ao fato de com razão – o museu ser alvo nos últimos anos da crítica de pesquisadores, ex-jogadoras e visitantes sobre a falta de representação da história do futebol feminino na sua exposição de longa duração. Dessa forma, o projeto Visibilidade para O Futebol Feminino visou reparar o apagamento histórico sobre a participação das brasileiras na narrativa presente na sua exposição principal. Para tanto, inseriu na maioria das suas salas permanentes, de acordo com o recorte curatorial das mesmas, acervos e conteúdos de pesquisa que oferecessem formas de se reencontrar com essas narrativas anteriormente ignoradas e por vezes desconhecidas. Em parceria com a Profª Drª Silvana Goellner, coordenadora do Centro de Memória do Esporte (CEME) da Escola de Educação Física, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EEF-UFRGS), somada 3 ADICHIE, Chimamanda. O perigo da história única. [Vídeo]. Nova York; Vancouver: TEDGlobal, 18m 49s, Disponível em: <http://www.ted.com/talks/lang/ pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_s tory. html, 2009>. Acesso em 30 maio 2018.
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às contribuições da jornalista e militante Luciane Castro, e da experiência e rede de contatos da ex-atleta olímpica de futebol, Juliana Cabral, foi possível incorporar, definitivamente nas ações do Museu do Futebol - através da pesquisa, ações educativas e programações culturais - narrativas sobre essas histórias, personagens e campeonatos. Assim sendo, a segunda observação se amparava na afirmação de que o esporte, principalmente o futebol, era um lugar privilegiado para o estudo da construção e reprodução de modelos hegemônicos nas sociedades. A invisibilidade da história do futebol feminino no Brasil, consequentemente da história social das mulheres – já questionada pelo feminismo - provocará um exercício contínuo e demorado de descortinamento das contribuições das mulheres para a cultura, além, é claro, de um desmascaramento dos preconceitos masculinos, naturalizados ao longo do tempo. Até 2015, o museu tinha na constituição do seu acervo a gravação do depoimento curto de apenas duas jogadoras de futebol: Formiga e Juliana Cabral. Esses produtos foram resultados de Futebol da Gente4, iniciativa de registro audiovisual de histórias de futebol narradas por mulheres visitantes e finalizado como um documentário de 45 minutos. A quantidade insipiente de narrativas despertou a equipe do CRFB para abraçar qualquer oportunidade de viabilizasse a redução dessa disparidade. Os eventos de programação cultural realizados durante o projeto Visibilidade, abertos ao públi4 MUSEU DO FUTEBOL. Futebol da Gente- Mulheres [documentário]. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=skKxvVs_fRA>
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co e com a presença de ex-jogadoras brasileiras, aos poucos supriram algumas lacunas históricas e ficaram para sempre gravados, transcritos e disponíveis para acesso e pesquisa5. O episódio que será narrado nos próximos parágrafos é um exemplo claro do esforço de produzir registros de um lugar de fala a partir das próprias atletas jogadoras, representantes do selecionado brasileiro do futebol, tornando-as assim protagonistas de narrativas sobre o esporte e da história das mulheres do país. No primeiro dia de junho de 2015, semanas após a abertura da exposição Visibilidade Para o Futebol Feminino no Museu do Futebol, a equipe do CRFB foi convidada – ou se convidou - para visitar o centro de treinamento da seleção brasileira de futebol feminino localizado na cidade de Itu, interior de São Paulo, no Spa Sport Resort. A data dessa visita antecedia em alguns dias a viagem do selecionado para o Canadá, local de disputa de uma das mais importantes competições da modalidade, a Copa do Mundo FIFA 2015. A chegada ao hotel já me impressionou pela falta de sinalização para um hotel spa, e, pela ostentação de segurança marcada pela arquitetura do local. Muros altos cobertos de heras e uma guarita alta com vidros opacos, com espaços para encaixe de armamentos de cano longo. Logo após o portão de entrada haviam dois campos de futebol, com medidas 5 MUSEU DO FUTEBOL. Visibilidade Para O Futebol Feminino [entrevista]. 2015. Disponível em: Bagé <http://dados.museudofutebol.org.br/#/tipo:acervo/638990,Entrevista%20Bag%C3%A9> | Daniela Alves <http://dados.museudofutebol.org.br/#/tipo:acervo/640597,Entrevista%20Daniela%20Alves> | Emily Lima <http://dados.museudofutebol.org.br/#/tipo:acervo/638998,Entrevista%20Emily> | Roseli<http://dados.museudofutebol.org.br/#/tipo:acervo/638981,Entrevista%20Roseli%20de%20Belo>
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oficiais, padrão FIFA. Durante a Copa do Mundo FIFA 2014, sediada no Brasil, a seleção masculina japonesa escolheu o Spa Sport Resort de Itu para montar sua base no país. Apesar do deslocamento já previsto para três diferentes cidades brasileiras na primeira fase de jogos - Cuiabá, Recife e Natal -, o isolamento e o fácil acesso ao aeroporto de Viracopos, em Campinas, foram decisivos para essa escolha. Na época, o hotel recebeu, além da seleção japonesa, a equipe do Palmeiras, Ituano e seleções de base masculinas da CBF. A equipe do museu do futebol foi convidada para acompanhar dois dias de treinamento da seleção permanente feminina, acompanhando-as na sua rotina de pré-convocação e, oportunamente, gravando algumas histórias de vida para o museu. Para tanto, foi necessário que a equipe do Museu do Futebol se apresentasse para a equipe técnica, composta por seis pessoas, sendo todos homens, e em especial, conquistasse a confiança de Oswaldo Alvarez, o Vadão, técnico da seleção feminina desde abril de 2014. O diálogo foi rápido e a maior preocupação apresentada pelo técnico foi em relação ao conteúdo do vídeo que a equipe do CRFB se propôs a mostrar às jogadoras. O vídeo6 a ser exibido era uma edição com trechos da abertura da exposição Visibilidade realizada no dia 19 de maio de 2015 no Museu do Futebol, com entrevistas rápidas e cenas do museu. Vadão nos apresentou a Ricardo Pombo Sales, analista de desenvolvimento táctico da seleção. Ricardo teve uma passagem pela equipe feminina do São José dos Campos e, 6 MUSEU DO FUTEBOL. Visibilidade Para O Futebol Feminino [registro]. 2015. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=PiGxfk3gCRU>
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segundo ele, desde janeiro de 2015 abandonou três universidades onde atuava como professor para compor a equipe de técnicos que acompanhará a seleção permanente até o final dos Jogos Olímpicos do Rio em 2016. Ricardo assistiu ao vídeo produzido pelo museu e autorizou a sua exibição logo após o almoço das atletas. Confesso que foram minutos de tensão comprobatórios, algo parecido com a experiência que turistas vivenciam em aeroportos de alguns países. A seleção permanente foi uma proposta criada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para a convocação de um selecionado de quase 30 atletas, que funcionou de forma similar a um clube de futebol: contratos e salários pagos pela CBF. Essas jogadoras assumiram o compromisso de atuarem de forma permanente e exclusiva para a confederação, por vezes abandonando seus clubes nacionais anteriores. As jogadoras que atuavam em clubes de outros países mantiveram as convocações temporárias, e representavam a equipe brasileira sempre que possível. Segundo Ricardo, existia uma espécie de acordo tácito entre os clubes brasileiros para que existisse um equilíbrio na contratação e convocação das jogadoras. Porém, também era sabido que muitas equipes acabaram desfalcadas de suas melhores jogadoras depois da iniciativa de uma seleção permanente. Superados os obstáculos junto à Comissão Técnica e quebrado o gelo para o mínimo entrosamento com jogadoras – pessoas essas que mal sabíamos os nomes, nenhuma familiaridade e que nunca havíamos visto jogar –, fomos gravar suas histórias! A visita ao centro de treinamento marcou a 169
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constituição inédita de depoimentos da seleção permanente feminina. Foram produzidos no total 15 gravações de histórias de vida. E aqui vale uma observação: algumas jogadoras que há anos representavam a camisa amarelinha e mal entendiam a diferença entre nós, pesquisadores e historiadores, dos repórteres que de vez em nunca apareciam no recinto para entrevistar... a Marta! Destaco entre o material produzido e disponível para consulta no museu as entrevistas as já conhecidas Cristiane, Rosana, Erika e a Marta (claro!), mas também revelações da época com a Tamires Gomes, Beatriz Vaz, Gabriela Zanotti, Francielle Alberto, Mônica Hickmann, Rafaela Travalão, Andrea Suntaque, Darlene Regueira, Thaisa Moreno, Alinne Calandrine e Tayla Carolina Pereira. A oportunidade de conhecer as jogadoras e gravar suas histórias, apesar do ineditismo, esbarrava na nossa invisibilidade à modalidade, nos nossos anos de pensar o futebol como uma história única, no caso, como algo próprio dos homens. Além da Marta Vieira, conhecíamos de forma muito superficial o restante das jogadoras. Apesar da aproximação proporcionada pela pesquisa realizada para o projeto de exposição inaugurado semanas antes, dentro de mim, particularmente, havia um sentimento de vergonha e de pulsante necessidade de manutenção de algo que exigiria anos de reparação histórica. As diferentes ondas feministas trouxeram a passos lentos a presença de mulheres - além da própria constatação da ausência - e passaram a marcar uma explosão na área de produção historiográfica, elencando novas contribuições para 170
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pensar as diferenças entre os atores sociais, os cotidianos e suas relações. Gravar, divulgar e estudar as narrativas das jogadoras da seleção brasileira nos permite, nesse sentido, refletir sobre o esporte que por tanto tempo foi entendido como uma modalidade perfeita para representar o Brasil7, ao mesmo tempo que interditou, por quase quarenta anos, mulheres de praticarem alguns esportes, entre eles o futebol, justificando tal medida a partir da ideia de preservação do corpo feminino, portador de uma “natureza frágil”.8 A ausência de fontes e acervos organizados sobre a participação das mulheres na história do futebol brasileiro escancararam a exclusão desses sujeitos sociais na elaboração de uma narrativa sobre o futebol do nosso país. Dessa forma, quando a professora Silvana Goellner9 indica que “a inserção feminina do futebol pode ser vista como uma atitude transgressora porque as mulheres fizeram valer suas aspirações, desejos e necessidades, enfrentando um universo caracterizado como próprio do homem”, penso que a mesma transgressão vale também para quem está atuando fora do campo, fora da prática desse esporte. No jornalismo, museus espor7 SANTOS, João Manuel Casquinha Malaia; MELO, Victor Andrade de. 1922: celebrações esportivas do centenário. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2012. 8 BRASIL. Decreto-lei Nº 3.199, de 14 de abril de 1941. Estabelece as bases de organização dos desportos em todo o país. O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição. Capítulo IX - Disposições gerais e transitórias: Art. 54. Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del3199.htm> Acesso em: 15 out. 2016. 9 GOELLNER, Silvana V. Na “Pátria das chuteiras” as mulheres não têm vez. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO 7. Florianópolis, UFSC, 2006, p. 02.
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tivos, na academia, na administração e gestão do futebol, só para citar alguns exemplos, ainda há muitos espaços para nos fazermos valer e consequentemente, representadas. Se antes sabíamos muito pouco ou quase nada sobre a modalidade, hoje temos triplicados os trabalhos acadêmicos e matérias de imprensa disponíveis para consulta. Também já reconhecemos personagens que ousaram nesse terreno há dezenas de anos atrás ou mesmo em alguma seleção passada. A onda feminista mais recente trouxe com ela debates muito caros ao universo esportivo, e principalmente ao futebol de mulheres. Do lado de fora, como de dentro do campo, ou seja, juntas, pensamos sobre equiparidades, melhores condições de trabalho, otimização de calendários esportivos e o futuro de um esporte em ascensão no mundo inteiro. No que tange a preservação da memória, comunicação e acesso à história das mulheres no futebol, o Museu do Futebol (instituição onde atuei de 2011 a 2018) e o Centro de Memória do Esporte da UFRGS, continuam de vento em popa. Através do Centro de Referência do Futebol Brasileiro o Museu do Futebol constituiu nesses últimos anos o maior acervo público e digital sobre a participação das mulheres no futebol: • Foram digitalizadas 13 coleções pessoais/institucionais que totalizam 3.225 itens de acervo para consulta entre fotos, documentos, cartas, recortes de jornais etc. Destacam-se entre essas coleções os materiais da ex-técnica da seleção feminina Emily Lima, das ex-jogadoras Daniela Alves, Suzana Cavalheiro, 172
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das árbitras Regildênia Moura, Silvia Regina, e de componentes da Rádio Mulher como Zuleide Ranieri e Germana Garili; Outras 32 coleções, já digitalizadas ou nato digitais, foram compartilhadas com o museu e encontramse acessíveis para pesquisa, totalizando 1.756 itens de acervos. Desse grupo destaque para as coleções o pioneiro time de Araguari (MG), Marcelo Massaia, Marcia Taffarel, Fémina Sports (FRA), Michael Jackson, Renata Ruel, Rose do Rio, Lea Campos, Aline Pellegrino e Heloisa Baldi dos Reis; Das pesquisas de campo realizadas depois de maio de 2015, destaco experiências contra hegemônicas que nos ajudaram a refletir sobre outras proposições de gênero no futebol, a exemplo da Copa América de Fútbol Callejero realizada em Buenos Aires (2015) e o Campeonato de Futebol Feminino dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas realizado em Palmas, Tocantins (2016); O Museu do Futebol também foi convidado a participar da campanha de criação e atualização de biografias femininas do futebol brasileiro no Wikipedia. O pouco (e muito!) que aprendemos nos últimos anos foi extrovertido para essa plataforma pública; E a Biblioteca do CRFB, de acesso gratuito e considerada a espaço público com a maior reunião de acervos bibliográficos sobre futebol, tornou-se um local de pesquisa e consulta de uma robusta listagem de 173
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textos, artigos, dissertações e teses sobre o futebol de mulheres. Uma importante iniciativa de organização e publicização de materiais acadêmicos para qualquer público interessado. “Um passo à frente e você não está no mesmo lugar” dizia o cantor e poeta pernambucano Chico Science. Acredito que todos os envolvidos no projeto Visibilidade Para o Futebol Feminino tem até hoje muito orgulho do passo dado naquela ocasião. Mais orgulho temos dos caminhos institucionais e pessoais assumidos desde então e os ainda ousados daqui para frente. Ainda passamos vergonha quando percebemos os saltos que ainda temos que fazer para melhorar a representação do famigerado futebol no Brasil, desde as perspectivas de gênero, como de classe e raça. O caminho é longo, mas já não é solitário. Avante!
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Impedidas: a construção da história Camila Correia Alves “Preciso te mostrar uma coisa”. Na tela do celular, a mensagem reluzia seguida de uma série de capturas de tela em conversas pelo Instagram. Dezenas delas. Mulheres, pela flexão de gênero. Mas todas com os nomes devidamente cobertos por quem me enviava. Preservados, como elas queriam. “Li tua história e estou passando por isso. O que eu faço?”. O aperto no peito foi pela angústia. Mas o suspiro era de alívio pela sensação de dever cumprido. Naquela manhã de segunda-feira, dia 15 de janeiro de 2018, vi um trabalho de seis meses ganhar o mundo. E propósito. Me vi atingir pessoas. E era isso que realmente importava. Quem me escrevia era Gerlane Alves, volante do Náutico. Naquele dia, ela estampava a reportagem Impedidas: Machismo e Violência no Futebol, falava abertamente sobre assédio no esporte e abria portas. Válvulas de escape. Dava opção. E ouvidos. Para meninas que, ainda hoje, vivem o mesmo que ela, e nunca souberam o que fazer sobre isso. Nunca souberam que podiam fazer algo sobre isso. 175
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Falar do que machuca não é fácil. Falar por outras, e junto a outras, menos ainda. Varei dias. Madrugadas. Troquei a playlist. Troquei a cadeira. Encarei a geladeira - sem retirar qualquer comida de dentro. Ritual que fiz hoje, escrevendo para você. E ainda no fim de 2017, pelas mais de 50 mulheres que escolheram dividir a vida comigo. A elas dediquei meus últimos seis meses no Diario de Pernambuco como estagiária. Mulheres jogadoras, técnicas, árbitras e diretoras, que lutam todos os dias para ocupar o espaço que têm direito. Que fazem o jogo muito além dos 90 minutos. Muito além do campo. Que escolheram brigar com a chuteira nos pés no Brasil, “país do futebol”. Não para elas. Não para a gente. Ainda me lembro com detalhes da primeira vez em que vi a realidade daquelas que escolhem fazer a vida no futebol. Muito antes do Impedidas ganhar o mundo. Muito antes até do futebol feminino ter o pouco espaço que conquistou na mídia estadual. Era ainda janeiro de 2017, quando percorri as ruas estreitas, sem calçamento e ainda cobertas em terra batida, que desenham o caminho até uma casa de muro azul, no município de Olinda, em Pernambuco. Abrigava uma família no térreo e cinco meninas nos cômodos vazios do primeiro andar. Atletas vindas de São Paulo ao Mato Grosso. Sem cama, geladeira ou fogão. Vivendo com colchões no chão, quilos de feijão e farinha para alimentação no armário, uma cadeira e um ventilador. Era tudo o que tinham. Além de um contrato escrito em nome do clube, mas sem assinatura. 176
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Naquele período, após 11 anos de inatividade, o Santa Cruz montou um time - por exigência do Profut (Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro) - para, meses depois, desativá-lo. Sem avisos e explicações, fechou o departamento. E deixou ao acaso quase 30 mulheres que integravam o plantel. Uma parceria conduzida sem fiscalizações. E que - através do técnico - prometia às atletas benefícios que o clube não havia concordado em cumprir. “Nós do futebol feminino fomos contratadas para jogar para o clube (Santa Cruz). Por amor, saímos de nossos estados, de nossas casas, para tornar um sonho realidade. Porém, não foi e nem está sendo isso que está acontecendo. Meninas de São Paulo e eu, do Mato Grosso, fomos esquecidas. Isso mesmo. Esquecidas com salários de R$ 250, com quatro meses de atrasos, sem alimentação e sem passagem para voltar para casa. Por acaso vocês estão sabendo disso? Nós temos um contrato assinado e queremos nossos direitos”, escrevia a volante Elaine, em desabafo nos comentários de uma publicação do Tricolor no Facebook. Publiquei a história pelo Diario de Pernambuco no dia 2 de fevereiro de 2017 - com posicionamento do então vice-presidente, Constantino Júnior. Na manhã seguinte, o Santa Cruz lançou uma nota oficial elencando 13 pontos para justificar o encerramento do departamento e ressaltando que “a diretoria do clube (na época sob gestão do presidente Alírio Moraes) acumulou um conjunto de informações dando conta de que o projeto estava sendo gerenciado de maneira 177
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inadequada”. As jogadoras foram remuneradas. E receberam suas passagens de volta para casa. Meses depois, uma das integrantes deste elenco voltou a falar. Desta vez, no Impedidas. Mulher negra, alta e de cabelo cortado rente à cabeça. De olhar firme, afrontoso. E que, aos 22 anos, desbrava o país em busca de oportunidades no futebol feminino. Um nome que reluziu entre as mensagens do celular naquele 15 de janeiro de 2018, dia de publicação do especial. Dahyanne Christinna. Na época, zagueira do Vitória-PE, e que já tinha passado pelo UDA-AL, disputando o Brasileiro Feminino, após deixar o Santa Cruz. “Obrigada por me ajudar a chegar até aqui”. Eram as palavras de quem, enfim, encontrava calmaria em meio aos tempos de tormenta. O mesmo roteiro segue sendo escrito. Repetidas vezes. Por mulheres diferentes. Todos os dias. Em silêncio. E, por isso, o Impedidas existe. Para ser denúncia. Enfrentamento. Espaço de reivindicação. E uma lembrança constante de como as barreiras do preconceito seguem intactas no futebol. O Impedidas ganhou as primeiras palavras no papel ainda no início de 2017. Muito longe das quatro paredes da redação ou do já defasado sistema operacional dos computadores do Diario de Pernambuco. Mas sim no bairro da Várzea, zona oeste do Recife, por entre a estrutura de concreto pintado em preto do Centro de Artes e Comunicação, na UFPE. Porque, assim como a proposta deste livro, tudo começou na Universidade. Uma disciplina de Redação Jornalística, em que meu 178
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primeiro objetivo era falar sobre a escassez de mulheres em cargos de liderança no futebol. A princípio, somente técnicas e árbitras ouvidas. Uma reportagem de cinco páginas que, meses depois, ganharia outras 25. Talvez o tamanho espante. Ou o tempo de produção estranhe. Principalmente pelo caráter fugaz que o jornalismo ganhou com o hard news nos últimos anos, por vezes escanteando as produções especiais. Mas, sem planejamento traçado, o Impedidas seguiu um caminho guiado por si mesmo. Deu os primeiros passos com apenas quatro personagens, sendo três técnicas (em atuação no futebol amador) e uma árbitra. Todas de caráter estadual. Mas não era o suficiente. Eu queria mais. Elas precisavam de mais. Mesmo que eu ainda não soubesse exatamente o porquê. Foi assim que, após garantir o número de técnicos e árbitros formados - fornecidos pela CBF e Federação Pernambucana de Futebol, respectivamente -, iniciei uma série de levantamentos de dados inéditos na modalidade. Porque nunca antes houve investimento em estudos de larga escala sobre as mulheres no esporte. Times femininos raramente têm sites administrados. Pouco se encontra de informações oficiais. E exceção são as federações que publicam a súmula dos jogos com dados das equipes. Encontrar algo substancial é difícil, mas era preciso dar um jeito. A redação do Diario de Pernambuco se mantinha em silêncio até às 10h, quando o editor chefe e, vez ou outra, o primeiro jornalista, abriam a tela dos computadores na sala do 179
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Superesportes - já no terceiro andar do prédio amarelo ovo na Avenida Marquês de Olinda, no Recife Antigo. Naquele período, trabalhava em sigilo. Porque o roteiro nos grandes veículos é de cobrança por produções rápidas. Eu queria tempo. A solução? Adiantar a apuração antes de vender a pauta à chefia. Em função disso, por vezes, meu colega de editoria, hoje amigo, Brenno Costa, assumia as demandas do horário e me deixava livre para me dedicar à matéria. E foi assim por quase quatro meses. Quando eu ocupava os telefones do jornal até a porta ser aberta pela segunda vez a cada manhã. “Bom dia, gostaria de saber quem é o técnico ou técnica a frente da equipe de vocês”. Ouvi secretárias, presidentes, treinadores. Quase todas essas vozes traziam nomes de homens. Muitos deles. Presidentes, em alguns casos, acumulando cargos. Incontáveis “ligue mais tarde”, ou “não sei informar”. Parecia não haver interesse em falar. Mulheres? Pouquíssimas. Precisas oito, entre as 61 equipes em atividade citadas no Ranking Nacional de Clubes de 2017 e consultadas por mim naquele período. Mas quem eram essas mulheres que cravam o próprio lugar no pouco espaço do futebol? Encontrá-las está longe de ser fácil. Elas são poucas. Exercem cargos, em sua maior parte, em clubes de menor escalão. E, quando marcam seus nomes, escrevem, por vezes, uma mesma história, repetida há décadas - seja entre técnicas, árbitras, jogadoras ou diretoras: a de desistência.
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Foi na cidade de Rio Branco, no Acre, que uma treinadora ocupou a área técnica de um time profissional masculino pela primeira vez no Brasil: Cláudia Malheiro, pelo Andirá. Em uma zona de conexão precária no Norte do país, depois de encontrá-la através do ex-jogador João Paulo Lourenço - comandado pela treinadora e que ainda hoje trabalha no clube -, conversamos pela primeira vez. E ela talvez tenha me deixado ouvir as mais descrentes palavras sobre o espaço das mulheres no futebol. Mais até do que Emily Lima, primeira técnica a frente da Seleção Brasileira Feminina, e demitida após menos de um ano no cargo, mesmo tendo sua permanência solicitada pelas atletas. Porque Cláudia é a voz de quem, ainda no início do século, em 2000, assumia um representativo cargo de liderança - mesmo em um clube pouco conhecido. De quem, quase duas décadas atrás, abria espaço. Mas descrevia o mesmo cenário, ou ao menos semelhante, ao que encontrei já 17 anos depois. “Problemas? Desconfiança da torcida, sempre. Ninguém acreditava em mim. Até os outros treinadores. Tentavam puxar o tapete, ocupar o meu lugar no clube. Isso tudo é normal. Normal para as mulheres que trabalham no meio”, contava. Eu nunca soube como o Impedidas iria terminar. Talvez envolta numa visão condicionada do jornalismo diário, projetei uma matéria “grande” dentro dos padrões considerados “normais”. Duas a três páginas de um jornal impresso. Mas elas precisavam de mais. Nós precisávamos. Porque eu sabia que não poderia, em hipótese alguma, deixar brechas. 181
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Não poderia deixar que elas fossem questionadas, tratadas como casos isolados. Ou que tivessem suas histórias diminuídas por quem escolhe ignorar o machismo em seu espaço de maior propagação. Eu nunca senti que tinha o suficiente. E por isso precisei entrevistar mais de 50 mulheres nas quatro áreas, levantar 14 pesquisas diferentes e difundir, até mesmo, um questionário entre as jogadoras em atuação no estado, com perguntas sobre assédio, preconceito e condições de trabalho - mecânica para a qual contei com a ajuda das próprias atletas, que divulgaram o formulário entre elas em grupos de WhatsApp. Em meados de outubro de 2017, eu soube do que precisava. Lembra do editor-chefe, de quem escondi o processo de produção por meses? Era manhã de quarta-feira, dia 25 daquele mês, quando aguardei por ele, de nome Marcel Tito, na sala mal refrigerada do Superesportes. Escancarou a porta com a pressa usual de todas as manhãs. E eu cedi os primeiros minutos após o “bom dia” para que se acomodasse. “Tenho uma pauta para lhe vender. Quero falar de machismo no futebol. Apurei sobre isso nos últimos meses, e quero sua orientação para escrever”. Marcel nunca duvidou da capacidade de quem acolheu por entre os monitores daquela redação. Muito pelo contrário. Tinha certeza de que, ali, até mesmo a menos interessante das histórias poderia conquistar os mais desatentos leitores. E foi assim que, durante meus últimos dois meses no Diario de Pernambuco, nos debruçamos unicamente sobre a produção que, logo após sua primeira leitura, cresceu para longe 182
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das páginas brancas do site do Superesportes. “Isso não pode ser publicado avulso. Vou pedir um site especial”, me disse. Seis meses. Apuração. Escrita. Edição. Reescrita. Edição. Montagem. Costumo dizer que o Impedidas foi meu sonho, construído nas brechas do dia a dia - numa redação que já sofria as rachaduras de um processo de demissão em massa, e que hoje resiste com apenas dois dos 15 jornalistas que a compunham na época -, de finalmente ter mulheres falando sobre mulheres no futebol. Do esporte da forma como ele realmente é para nós. Cenário de desesperança, violência e indignidade. De agressões silenciadas pelo medo, pela intimidação, pelo receio de um prejuízo fatal para a carreira - já construída sob a falta de oportunidades e apoio, seja familiar ou institucional. Todos os dias. Ainda sinto na pele o sol escaldante daquela tarde de sexta-feira no Recife. Debaixo dos pés, tinha o gramado já desgastado do campo do Quartel do Derby - utilizado pelo futebol feminino do Náutico antes da modalidade ser autorizada a frequentar as dependências do CT Wilson Campos, em fevereiro de 2018. Foi lá que encontrei Gerlane Alves pela primeira vez. A mulher que seria o carro chefe de todas as outras. Que me auxiliaria nos passos percorridos. Que sairia em busca de todas as mulheres que quisessem levar à público os abusos sofridos entre os vestiários do futebol feminino em Pernambuco. Ainda hoje silenciadas. Naquela tarde, Gerlane tinha o riso descrente, de quem até hoje não acredita no que viu e ouviu. Mas o olhar firme. E a história de quem, ainda 183
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aos 25 anos, já deixou um clube por ser cortada da lista de relacionadas depois de se negar a sair com o treinador. Ouviu conversas sobre quem “pega mais novinha” na equipe. E também que a modalidade não cresce por “estar cheio de sapatão”. Ela foi a primeira a abrir as portas. A me deixar ouvir. A se deixar ser ouvida. E a, meses depois, se tornar ouvido para outras. Olhando para trás, depois de longos seis meses dedicados às mulheres que fazem o futebol no país, meu maior desafio talvez tenha sido encontrar o fim. Hoje, tenho minha resposta. Nossa resposta. Porque essa história não acaba aqui.
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#JogaPraElas – ativismo e paixão Larissa Brainer
A #JogaPraElas foi concebida como uma campanha de conteúdo e engajamento digital. O nome foi definido a partir da expressão coloquial e cotidiana “Joga pra mim”, que pode agregar significados como “passa a bola pra mim”, “quero jogar também”, ou um pedido da torcida por uma vitória1. Desse modo, o conceito “Joga Pra Elas” busca transmitir a ideia de passar a bola, estimular, dar a vez, inspirar e gerar oportunidades para as meninas e mulheres. Joga pra Elas é uma ação de comunicação da ONG love. fútbol em prol da ampliação da presença de meninas e mulheres no futebol. Teve início em 2015, por ocasião da Copa do Mundo FIFA de Futebol Feminino, quando a equipe de Comunicação da organização constatou através de pesquisas informais e levantamentos sobre a cobertura do torneio nos veículos de imprensa nacionais e locais a disparidade de cobertura midiática e de conhecimento do público entre o Mundial masculino e o Mundial das Mulheres. 1 Em 2014, a Sadia lançou uma campanha chamada “Joga Pra Mim”, que reforça esse sentido da expressão. Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XTeuftYLDpM
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O objetivo era abastecer os canais de comunicação da organização e dos parceiros com narrativas relacionadas ao incentivo e à promoção da prática do futebol por mulheres e meninas no mundo, além de estimular o público a acompanhar o campeonato e torcer pela Seleção Brasileira, costume nos Mundiais da seleção masculina. Como aponta trecho do comunicado de imprensa enviado para veículos de comunicação no lançamento da campanha. O que nos interessa muito é passar a mensagem de que o futebol é lugar para meninas, o esporte independe do gênero, queremos que a nossa Seleção jogue por todas as meninas que praticam e gostam de futebol”, explicou Mano Silva (Diretor executivo da love.fútbol Brasil). [...] Divulgando amplamente a Copa do Mundo, queremos atrair mais interesse do público pelo futebol feminino, pela igualdade de gênero no esporte, e assim, fazer essas garotas se sentirem mais representadas (LOVE.FUTBOL, 2015, informação eletrônica).
No plano de ações, definimos elaborar um clipe em vídeo para redes sociais, contendo imagens de meninas jogando futebol em projetos já realizados pela LF2, formar uma rede de parceiros para colaborar com a disseminação da hashtag e a criação de conteúdo, entrevistar mulheres que atuavam no futebol no Brasil e internacionalmente, mobilizar grupos para assistir às partidas do Brasil, que foram transmitidas pelo canal estatal de televisão TV Brasil; engajar o público no compartilhamento de notícias e conteúdos relacionados ao Mundial com a hashtag, além de estimular a publicização 2 Disponível em: https://www.instagram.com/p/32TVNdKEPz/
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do apoio à Seleção Feminina através da postagem de fotos em que as pessoas apareciam com a hashtag #JogaPraElas escrita em um papel ou torcendo durante os jogos. Tivemos como parceiros institucionais da campanha o Museu do Futebol, que no mesmo ano havia lançado a exposição Visibilidade para o Futebol Feminino; a Brazil Foundation; Guerreiras Project; a streetfootballworld Brasil; Karanba; Donas da Bola; EPROCAD; IDESCA; as páginas independentes Doentes por Futebol e Mini-Ídolos; o embaixador da LF, o jogador de futebol Hernanes3 e a cantora brasileira Karina Buhr, também aderiram à campanha, compartilhando conteúdos nas suas redes sociais; e como parceiro de conteúdo original contamos com o fotógrafo e escritor Pedro Fonseca4. Páginas e perfis independentes sobre Futebol Feminino aderiram à #JogaPraElas durante o Mundial, compartilhando informações sobre o torneio utilizando a tag da campanha. Entre os dias 4 de junho e 8 de julho, nossa equipe de Comunicação publicou nove textos no blog da LF em português, dos quais quatro entrevistas - as ex-jogadoras profissionais Aline Pellegrino (Brasil)5 e Tiffany Roberts (Estados
3 Anderson Hernanes de Carvalho Viana Lima, mais conhecido como Hernanes, é embaixador love.fútbol desde 2014. 4 Pedro Fonseca é fotógrafo, publicitário e escritor, autor do livro “Do Seu Pai”. <www.pedrinhofonseca.com> 5 Aline Pellegrino: “Ser mulher no Brasil e jogar futebol é uma luta diária.” Entrevista disponível em: <http://www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/6/18/ love-futbol-entrevista-aline-pellegrino-ser-mulher-e-jogar-futebol-e-uma-luta-diaria-jogapraelas>
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Unidos)6, a diretora de cinema Megan Shutzer (Estados Unidos)7, e a pesquisadora do Museu do Futebol Aira Bonfim8; duas notícias sobre ações afirmativas relacionadas à prática do futebol por meninas9; uma carta aberta para Marta10; uma crônica11; e um manifesto12. Cinco desses posts foram traduzidos para inglês e publicados no blog global da organização. Na tentativa de agrupar pessoas interessadas em assistir as partidas ou acompanhar as datas e resultados dos jogos, criamos um grupo no Whatsapp, que agregou 30 usuários e realizou três encontros presenciais durante o torneio. 6 love.fútbol entrevista a campeã mundial e medalhista olímpica dos EUA Tiffany Roberts. Disponível em: <http://www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/6/30/ loveftbol-entrevista-a-campe-mundial-e-medalhista-olmpica-dos-eua-tiffany-roberts> 7 Dirigiu o documentário “New Generation Queens: A Zanzibar Soccer Story (2015)” sobre a seleção nacional feminina da Tanzania e os preconceitos enfrentados pelas mulheres muçulmanas para jogar futebol. Entrevista Megan Shutzer: “É possível ser mulher, muçulmana e jogadora de futebol”. Disponível em: http://www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/7/7/loveftbol-entrevista-megan-shutzer-possvel-ser-mulher-muulmana-e-jogadora-de-futebol-jogapraelas 8 Aira Bonfim/Museu do Futebol: “Foram anos de construção de uma ideia equivocada que o esporte não pertencia ao universo feminino”. Disponível em: http:// www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/6/26/entrevista-aira-bonfimmuseu-do-futebol-o-desconhecimento-da-histria-do-futebol-feminino-contribui-com-discursos-obsoletos 9 Fortes e inspiradoras: garotas mostram “cara de jogo” antes de entrarem em campo. Disponível em: http://www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/6/15/fortes-e-inspiradoras-garotas-mostram-cara-de-jogo-antes-entrar-em-campo-jogapraelas e A primeira partida de futebol feminino da Arena PE. Disponível em: http://www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/6/4/a-primeira-partida-de-futebol-feminino-da-arena-pe-jogapraelas 10 Carta para Marta por Pedrinho Fonseca. Disponível em: http://www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/6/17/carta-para-marta-por-pedrinho-fonseca-para-jogapraelas 11Bola pra frente. Pedrinho Fonseca para #JogaPraElas. Disponível em: http:// www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/6/21/bola-pra-frente-pedrinho-fonseca-para-jogapraelas-1 12 Por que jogamos pra elas? Por Larissa Brainer. Disponível em: http://www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/7/8/por-que-jogamos-pra-elas-por-larissa-brainer-jogapraelas
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Neste ponto, relembro um fato que chamou nossa atenção: matéria publicada no site Torcedores.com noticiou recorde de audiência da Empresa Brasileira de Comunicação, órgão gestor da TV Brasil, no Recife, no dia da estreia da Seleção Feminina na Copa. Segundo dados do IBOPE, a partida entre Brasil x Coreia do Sul, válida pela abertura do grupo E da Copa do Mundo Feminina foi responsável pelos melhores índices de audiência em Junho na capital pernambucana. (...) Os dados do IBOPE, foram confirmados pelo Diretor Geral da EBC, Americo Martins, na reunião do Conselho Curador da EBC, realizada nesta última quarta (17). Neste dia, a partida foi realizada às 20h, e foi vencida pelas brasileiras pelo placar de 2 a 0 (FONTES, 2015, informação eletrônica).
Ao fim do Copa do Mundo FIFA de Futebol Feminino, publicamos um manifesto que abordava as razões que levaram a organização a criar a campanha, comentava alguns dos conteúdos produzidos durante o período e a adoção da #JogaPraElas como posicionamento permanente da LF pela promoção e ampliação da presença feminina no futebol. Jogamos pra elas porque um dia, em algum lugar, um “não” foi dito a uma menina que quis jogar uma partida de futebol na rua. Porque na seleção dos times, há uma menina que não tem chance ou é a última a ser escolhida. Porque há comunidades, bairros e escolas em que as meninas sequer são consideradas para ocupar um campinho. Porque pouco se sabe sobre a história do futebol feminino (ou sobre o presente, muitas vezes). Porque há 189
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lugares, como o Zanzibar, em que muitas mulheres são julgadas como “imorais” por jogar futebol. Porque há quem diga que “futebol não é coisa de mulher”. Porque em algum momento, o direito de jogar e se divertir com o futebol foi (ou é) negado a meninas e mulheres. [...] #JogaPraElas foi para as jogadoras das seleções na Copa do Mundo de Futebol Feminino. Para que, em campo, elas jogassem pensando nessas meninas, nas meninas que um dia elas foram, nas meninas que elas inspiram e vão inspirar, no futuro (BRAINER, 2015, on-line).
Pós-Copa Com o término do Mundial e a decisão de prosseguir com a ação #JogaPraElas, o conteúdo sobre a presença de mulheres e meninas no futebol passou a integrar permanentemente o calendário editorial da LF, incluindo a difusão da ação por jogadores parceiros como Hernanes e Willian13, e permear outras ações da organização, algumas das quais elenco abaixo. ● Na ocasião dos Jogos Olímpicos de 2016, produzimos conteúdos para promover as partidas da Seleção Brasileira Feminina e nos moldes da campanha do ano anterior, impulsionar as narrativas e a visibilidade da modalidade; ● Em junho de 2016, na primeira edição do Jogo do Bem, partida beneficente promovida pelo embaixador da LF Hernanes, na Arena de Pernambuco, a organização 13 Postagem no Facebook disponível em: https://www.facebook.com/willianborges88/posts/se-voc%C3%AAs-fossem-proibidos-de-jogar-futebol-como-seria-no-m%C3%AAs-do-diadamulher-eu-g/1066309363412337/
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buscou incluir entre os jogadores escalados ao menos uma jogadora: a goleira da Seleção Brasileira Bárbara. Também foram elaboradas faixas para circulação na abertura e intervalo da partida, com dizeres de apoio ao futebol feminino e o texto #JogaPraElas. A segunda edição do Jogo do Bem, em dezembro de 2017, contou novamente com Bárbara e, dessa vez, mais uma jogadora: convidamos Esterfany, então com 14 anos, aluna do Projeto Sensação, iniciativa social que atende crianças e jovens de São Lourenço da Mata; ● No esforço de continuar promovendo conversas sobre futebol e gênero, em outubro de 2017, promovemos, no Recife, o primeiro evento da LF voltado exclusivamente para debater a temática. O LFTalks #JogaPraElas - Como ampliar a presença de mulheres e meninas no futebol. O evento gratuito contou com a presença de 30 pessoas, homens e mulheres, entre eles integrantes do Movimento de torcedoras do Santa Cruz Coralinas; atletas de futebol amador; estudantes das graduações de Educação Física e Comunicação; professores universitários, profissionais do Terceiro Setor, e ativistas do futebol feminino; além da participação da pesquisadora em temáticas ligadas aos estudos de gênero, esportes e mídia Soraya Barreto. Na ocasião, debatemos desafios enfrentados por meninas e mulheres nos espaços de futebol, além de caminhos possíveis para tentar superar as barreiras impostas pelo preconceito contra as mulheres no esporte; 191
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● A pouco mais de um ano da Copa do Mundo FIFA de Futebol Feminino 2019, antes da estreia da seleção masculina no Mundial de 2018, lançamos uma edição especial de camiseta da LF. A peça, nos modelos verde e amarelo, continha o texto #JogaPraElas abaixo do logotipo da organização na parte da frente; e os dizeres “Diga sim ao futebol feminino” na parte de trás. O objetivo era aproveitar a visibilidade do mundial masculino e os momentos de torcida e encontro que ele gera no Brasil, para promover a modalidade feminina; ● Nesse mesmo ano, como coordenadora da ação #JogaPraElas, pude representar a LF no 2o Encontro Internacional da Rede de Pesquisa sobre Futebol e Mulheres da América Latina, que aconteceu em Buenos Aires, Argentina, em novembro. Junto com Pamela Joras (Guerreiras Project, Brasil), Liliana María Zapata Sierra (Club Deportivo Formas Íntimas, Colômbia), e Juliana Román Lozano (La Nuestra Fútbol Feminista, Argentina), participei do painel Jugadoras, entrenadoras, dirigentes y árbitras: entre la pasión y la militancia, no qual apresentei o histórico da ação e minha experiência pessoal com futebol e ativismo14.
14 Palestra ministrada em espanhol, registrada em vídeo, disponível em: https:// lume.ufrgs.br/handle/10183/189332
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A love.fútbol e o futebol feminino antes da #JogaPraElas A #JogaPraElas não foi a primeira iniciativa da love.fútbol para promover a prática do futebol por meninas e mulheres. Três anos antes, em 2012, a organização uniu esforços com a iniciativa Guerreiras Project para uma campanha de oito semanas chamada Não se pode ser o que não se pode ver. A parceria buscou gerar debates socioculturais em comunidades da Região Metropolitana do Recife sobre disparidades de gênero nos espaços de jogo e na prática esportiva. Por sua vez, a metodologia da LF, utilizada no desenvolvimento de todos os projetos da organização, defende que a partida inaugural da quadra ou do campo criado ou recuperado, deve ser realizada por meninas, como mecanismo para reafirmar o caráter inclusivo do esporte e do espaço público. Na história da LF, registrou-se casos em que a prática esportiva não era permitida ou acessível às meninas e após a realização do projeto, as crianças do sexo feminino passaram a praticar o futebol, algumas pela primeira vez na vida, como na vila rural de San António Palopó, na Guatemala, local do terceiro projeto da organização, realizado em 2007. Em estudo de impacto realizado pela ONG na comunidade de Penedo de Cima, em São Lourenço da Mata, Pernambuco, em 2014, 98% dos pais e moradores entrevistados afirmaram perceber um aumento na participação das meninas na prática esportiva. A partir desse ano, a organização
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passou a executar o projeto educacional Jogada do Futuro, que inclui aulas de futebol para meninas e meninos. Também em 2014, a organização promovia semanalmente, às segundas-feiras, encontro chamado LF Street Soccer, em que homens e mulheres jogavam futebol em grupos mistos. O projeto era gratuito, as partidas de caráter amistoso eram abertas a qualquer pessoa interessada e aconteciam em um passeio público do Bairro do Recife. Dias antes do lançamento da campanha #JogaPraElas, em maio de 2015, 40 meninas do município de São Lourenço da Mata, atendidas pelo projeto Jogada do Futuro e pelo Projeto Sensação, protagonizaram a primeira partida de futebol feminino da história da Arena de Pernambuco, estádio que recebeu os jogos da Copa do Mundo FIFA de Futebol Masculino, em 2014. A #JogaPraElas lançada em 2015, portanto, desenvolveu e consolidou o posicionamento em prol da inclusão no futebol, que a organização traz desde os primeiros projetos em 2007, na Guatemala. Como nasce uma ativista - uma história pessoal A minha primeira memória de futebol é a Copa do Mundo FIFA de Futebol de 1994. Não o dia do título da Seleção Masculina, mas o sentimento de Mundial em si. A rua estava decorada com verde, amarelo e azul; nos dias de jogo do Brasil, a TV ia para o terraço da casa, cadeiras eram dispostas, os portões permaneciam abertos para a rua e os amigos 194
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e vizinhos chegavam para assistir as partidas. É quando eu me lembro de brincar de driblar pela primeira vez. Brasil e Holanda jogavam pelas quartas de final e as pessoas estavam tensas. Sem entender muito bem o sentimento coletivo e como reagir a ele, peguei uma bola que estava por ali, de algum dos meninos vizinhos e fui para a calçada chutar de um lado pro outro, enquanto narrava as minhas “jogadas” mentalmente à moda dos narradores de futebol. Nessa Copa, o Brasil foi tetracampeão, a festa foi grande no país. Eu captei aquela energia que fez meus vizinhos adolescentes rirem e chorarem ao mesmo tempo e nos meses seguintes ao título, eu brincava quase diariamente de jogar futebol sozinha, na casa da minha avó, com uma bola dos meus primos. Eu narrava para mim mesma, driblava jogadores imaginários e imitava Bebeto, comemorando meus gols da forma como ele eternizou. Eu queria ser Bebeto. Nesta época, eu não sabia que existia uma outra seleção de futebol para torcer. Não sabia que no ano seguinte ao tetracampeonato dos homens, uma Copa só de mulheres aconteceria na Suécia. Em 1995, a Copa do Mundo FIFA de Futebol Feminino chegava na sua segunda edição. Sequer imaginava que em campo estariam Sissi, Michael Jackson, Taffarel e Formiga. Exatos 20 anos depois desse Mundial que o Brasil jogou e eu nunca tinha ouvido falar, acompanhei a Seleção Feminina em uma Copa pela primeira vez. Nesse ponto, começa uma onda na minha vida, chamada #JogaPraElas. Como coordenadora da ação, me aprofundei no mundo do futebol 195
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feminino: entrevistei jogadoras, pesquisadoras e outras pessoas envolvidas com o tema, li artigos, reportagens, livros, vi filmes e documentários, mapeei projetos sociais sobre futebol e gênero, torci, vibrei, me entristeci. O Brasil não chegou à final, mas a campanha seguiu, como pauta fixa da LF e da minha vida. Durante meu processo de pesquisa, apuração e aprendizado sobre a modalidade e sobre a presença da mulher no ambiente futebolístico, aprendi sobre os mecanismos que geram as invisibilidades, desigualdades, silenciamentos e opressões que impactam negativamente ou mesmo afastam as meninas e mulheres da vivência do futebol. Questões que eu experimentei sistematicamente desde criança, jogando futebol na rua, até adulta, como torcedora nas arquibancadas, sem relacioná-las com as estruturas sociais que nos cercam. Na história da modalidade no Brasil, por 42 anos, as mulheres foram proibidas por lei de praticar o futebol e outros esportes. A realidade no país é que o futebol é um território dominado por homens e ainda hoje a presença de mulheres pode gerar estranheza. Como aponta Franzini (2005), muitas mulheres sequer se reconhecem no esporte. “A identidade masculina criada e constantemente reafirmada ao longo da história da bola no Brasil faz com que boa parte das mulheres sequer se reconheça no jogo — ‘coisa de homem” (p. 325). É notório que o universo do futebol caracteriza-se por ser, desde sua origem, um espaço eminentemente masculino; como esse espaço não é apenas esportivo, mas também sociocultural, os valores nele embutidos e dele derivados 196
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estabelecem limites que, embora nem sempre tão claros, devem ser observados para a perfeita manutenção da ‘ordem’, ou da ‘lógica’, que se atribui ao jogo e que nele se espera ver confirmada. A entrada das mulheres em campo subverteria tal ordem, e as reações daí decorrentes expressam muito bem as relações de gênero presentes em cada sociedade: quanto mais machista, ou sexista, ela for, mais exacerbadas as suas réplicas (FRANZINI, 2005, p. 316)
Por essas razões, quando me confrontei com a realidade do futebol praticado por mulheres em muitos lugares e com a revisão da minha própria experiência no futebol, me tornar ativista foi um caminho natural. “Quanto mais a gente abraça uma causa, mais ligado a ela a gente fica”, escreveu Pedro Fonseca em um dos textos que integrou a #JogaPraElas, em 2015. Nesse mesmo ano, voltei a jogar futebol como quem encontra uma caixa de fotos antigas: com deslumbre, nostalgia e contentamento. Decidi, então, que nenhum preconceito me afastaria novamente do esporte que gosto, e que faria o que estivesse ao meu alcance para que a outras meninas e mulheres essa experiência não seja negada. A paixão pelo esporte gerou o ativismo e um não vive mais sem o outro. Hoje, pratico um ativismo apaixonado e um futebol ativista. Por mim, por nós, pelas outras que ainda virão. Referências BRAINER, Larissa. Por que jogamos pra elas? In: love.fútbol Brasil. 2015. Disponível em: < http://www.lovefutbolbrasil.org/blogbr/2015/7/8/por-que-jogamos-pra-elas-por-larissa-brainer-jogapraelas>. Acesso em: 09 abr. 2019. FONTES, Mário. Seleção feminina faz TV Brasil bater recorde de audiência em Recife. Torcedores.com. 2015. Disponível em: https://www.tor-
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cedores.com/noticias/2015/06/jogo-do-brasil-na-copa-do-mundo-feminina-teve-os-melhores-indices-de-audiencia-do-mes-na-tv-brasil-em-recife. Acesso em 09 abr. 2019. FRANZINI, Fabio. Futebol é “coisa para macho”? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 25, nº 50, p. 315-328. 2005. LOVE.FÚTBOL BRASIL. Site oficial. Disponível em: http://lovefutbolbrasil. org. Acesso em: 09 abr. 2019.
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Um Campo Nivelado - uma rede pelo Futebol das Mulheres na América Latina Silvana Goellner, em entrevista realizada por Larissa Brainer
Um campo nivelado1 é um projeto financiado pelo Arts and Humanities Research Council (Reino Unido) e desenvolvido em colaboração com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil) e a Universidade de Buenos Aires (Argentina). Criada em 2018, a iniciativa tem como principal objetivo a formação de uma rede multidisciplinar e intersetorial de pessoas, organizações, projetos e ações que discutam o desenvolvimento do futebol praticado por mulheres na América Latina. É executado pela professora da UFRGS, Coordenadora do Centro de Memória do Esporte da ESEF/UFRGS e o GRECCO - Grupo de Estudos sobre Esporte, Cultura e História, Silvana Goellner; pela pesquisadora da UBA e doutora em Ciências Sociais Verónica Moreira; e pelo professor de Estudos Latino-Americanos da Univeristy of Sheffield David Wood, idealizador do projeto. 1 Site oficial do projeto disponível aqui: http://www.alevelplayingfield.group. shef.ac.uk/
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A seguinte entrevista foi concedida por Goellner a Larissa Brainer, em 7 de abril de 2019. Qual o propósito do projeto Um Campo Nivelado [A level playing field]? O propósito do projeto é a criação da rede. Pensamos na possibilidade de juntar pessoas da América Latina que estivessem discutindo e pesquisando futebol de mulheres. A ideia foi formar parcerias e conhecer quem são as pessoas que estão produzindo conhecimento nesse sentido. Não apenas produção de conhecimento acadêmico, sempre pensamos na possibilidade de reunir grupos não acadêmicos, que também estão envolvidos com o futebol de mulheres. O grande objetivo nesse primeiro momento é a formação de uma rede, por isso apostamos na realização de encontros. Nesse ano de projeto, foram [pensados] quatro encontros: dois já aconteceram, em São Paulo (setembro de 2018) e Buenos Aires (novembro de 2018). O próximo vai acontecer nesta semana, no Rio de Janeiro e em Julho haverá um na Colômbia, em Medellín. Como se deu o processo de construção da rede? O processo se dá muito a partir do David [Wood], que tem uma circulação e conhecimento de várias pesquisas e pesquisadores na América Latina. A rede é uma rede informal, em construção. Ela não está dada. A partir dos próprios contatos que o David tem e de cada pessoa com quem ele faz contato, 200
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nós articulamos com as pessoas que conhecemos que estejam trabalhando no mesmo sentido. Essa rede se constrói a partir dos nossos contatos, sobretudo nos países de origem de cada uma de nós. A execução da rede é exatamente a realização dos quatro eventos e, a partir deles, os registros e as articulações de pessoas e pesquisas que vamos tentando construir nesse processo. Por que buscar a articulação em rede como ferramenta para pensar a prática do futebol pelas mulheres na América Latina hoje? Pela possibilidade infinita que uma rede traz: ampliação de contatos, estabelecimento de parcerias, reunir forças, somar esforços, partilhar experiência. Eu acho que a rede se constrói na perspectiva de uma rede de solidariedade, de fortalecimento de um desejo comum, que é o de ver o futebol de mulheres muito mais empoderado, mais potencializado, mais visível. Ou seja, a produção da rede se dá nesse sentido, ela tem um sentido acadêmico, mas ela também tem um sentido político, de potencializar ou fortalecer o reconhecimento da presença das mulheres no futebol, em suas múltiplas dimensões e em suas múltiplas ocupações, assim como fortalecer as pesquisas nesse campo. A gente acredita que as instituições oficiais pouco olham para o futebol de mulheres. Então, os trabalhos de reunir esforços políticos de pessoas que acreditam no futebol de mulheres é imprescindível, inclusive para pressionar as instituições ofi201
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ciais que fazem um certo descaso com a modalidade. A rede tem esse propósito também. O propósito de ampliar horizontes, de permitir que nos conheçamos, que a gente conheça quem faz o quê, o que faz, e potencialize esses trabalhos. Nos eventos promovidos pela rede, percebe-se a presença de estudiosos, acadêmicos, ativistas, e pessoas envolvidas com o futebol no âmbito sócio educacional. Qual a relevância de promover o diálogo entre os diversos atores e setores relacionados à prática e a experiência das mulheres no futebol? O diálogo entre diferentes possibilidades de olhar o futebol é enriquecedor. Ele amplia horizontes. Não só pesquisadores, mas também ativistas, jogadores, jogadoras, técnicas, jornalistas. A gente acredita de um modo bastante firme que a ampliação de olhares se dá pela perspectiva da ampliação de envolvimentos junto ao futebol de mulheres. Não só os estudos, mas a partir da possibilidade de juntar várias pessoas que olham esse dado concreto a partir da sua própria experiência de vida, da sua experiência de militância, de sua experiência de trabalho. Ampliar esse horizonte pressupõe exatamente a ampliação da diversidade de pessoas que atuam no futebol de mulheres, que olham o futebol de mulheres, que percebem o futebol de mulheres e sobretudo que desejam que o futebol de mulheres seja potencializado. A construção da rede aposta muito nisso, como algo político que pode, deve e carece de uma ampliação de olhares.
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Quais os resultados alcançados pelo projeto até o momento? A grande riqueza desse projeto é que os resultados vão acontecendo no processo. Nosso resultado maior é a criação da rede, é a realização desses eventos, é o envolvimento das pessoas que têm vontade de olhar para o futebol, e em cada uma dessas cidades promover encontros. Eu acho que a gente tem conseguido isso de uma forma bastante interessante. O número de pessoas que têm comparecido a esses eventos é um número maior do que esperávamos, o que nos mostra que o futebol de mulheres desperta interesse, é algo que mobiliza as pessoas, o futebol de mulheres tem futuro. Nossos resultados têm sido o envolvimento de pessoas com as atividades. Hoje mesmo a gente está trocando o espaço onde o evento vai acontecer no Rio de Janeiro. Seria um espaço para 50 pessoas e, pelo número de tentativas de contato, estamos vendo que vai extrapolar essa possibilidade, o que para a gente é bastante rico. Porque não é só um encontro acadêmico, é um encontro que envolve pessoas em uma comunidade em geral interessadas no futebol de mulheres. O que o projeto ainda vislumbra alcançar? Eu acho que o grande objetivo do projeto é a continuidade – a continuidade nas parcerias; não a continuidade do financiamento, da Universidade de Sheffield. Talvez ele acabe esse ano. Mas a continuidade do desejo de permanecer 203
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estabelecendo metas, ações, possibilidades de diálogo, sobretudo, entre essas pessoas que acabaram se encontrando nessa rede. Não tem nada definido, todo o caminho se faz na própria construção. A gente aposta que esse momento da criação da rede tenha sido um momento de sensibilização de pessoas, grupos e instituições, e que essas pessoas, grupos e instituições consigam continuar dialogando, pensando, observando e agindo em prol do desenvolvimento do futebol de mulheres na América Latina. Atentas às discriminações, aos preconceitos, às desigualdades de gênero, apostando, sobretudo, num certo olhar que veja e presencie e denuncie aquilo que está errado, aquilo que não poderia acontecer, e que faça a sua atuação no sentido de potencializar o espaço pelo qual essas mulheres tanto lutam.
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Pelada Feminina do Twitter: Prática informal do futebol como forma de incentivo à participação feminina no esporte Gabryele de Oliveira Martins Marjourie Stephanie Sobral Corrêa de Oliveira A relação histórica entre mulher e futebol A primeira partida de futebol feminino registrada, ocorreu entre Inglaterra e Escócia, no ano de 1898, na cidade de Londres. No Brasil, o primeiro registro de jogo entre mulheres só aconteceu em 1921, na cidade de São Paulo. A diferença de 23 anos ilustra bastante as discrepâncias entre o Brasil e a Europa no que tange às liberdades individuais. Enquanto a Europa já respirava, há séculos, os ares da liberdade, pregada a princípio pela Revolução Francesa, o Brasil vivia em 1894, ano em que Charles Miller trouxe o futebol para terras brasileiras, um período pós-oligárquico que, apesar de embalado pelos dois grandes eventos do final do século XIX (a Abolição da escravatura e a Proclamação da República), ainda refletia o conservadorismo da população nos âmbitos social e familiar. Dentro desse contexto, o futebol passa a ser utilizado como um instrumento da elite, sendo vetado às minorias — como negros, pobres e mulheres 205
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— num geral, alcançando as camadas mais populares apenas no século seguinte. Esse modo de viver e se portar é oriundo da Europa da Era Moderna e do que Norbert Elias (1993) vai chamar de ‘‘processo civilizador’’. Nos séculos vindouros, as civilizações ocidentais vão guiar-se pelos padrões europeus de costume e etiqueta, replicando-os em seus países. Nesta conjectura, temos a figura feminina instigada a controlar seus “impulsos incivilizados” que não condiziam com “mulheres de respeito”, sendo isto devendo ser fiscalizado pela família. E muito embora, com a chegada do século XX, a Europa viesse a perder a hegemonia econômica, muitas questões, como esta de etiqueta, ainda persistiram. Num tempo em que se fazia oposição entre mães e prostitutas a feminilidade era exaltada e não havia espaço social para uma mulher que não fosse feminina. A mulher precisava ser o contrário do homem em tudo (DEL PRIORE, 2011), e o ideal feminino era representado por uma mulher que fosse boa filha, boa esposa e boa mãe. As que cumpriam esses requisitos eram socialmente bem vistas (GIDDENS, 1993). A virada do século XIX para o XX é marcada pelo culto ao corpo. Porém, enquanto homens são incentivados a esculpir seus corpos com musculação e afins, o embelezamento feminino ficou associado à saúde e à higiene. Dessa mulher, exige-se um corpo asséptico, com vestes leves e claras, despossuído de impurezas, higienizado e ágil, e é sob a prescrição do médico e
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do farmacêutico que os problemas da beleza e da saúde serão solucionados (GOELLNER 1998).
A prática esportiva passa a ser incentivada também paras as mulheres desde que tais exercícios não afetem a principal função feminina: ser mãe. Assim sendo, os desportos praticados por mulheres eram aqueles que davam graça, agilidade e força ao corpo feminino, sem alterar a sua estrutura reprodutora nem as masculinizar. Tudo se agrava na Era Vargas com o Decreto de Lei nº 3.199, de 14 de abril de 1941; este, em seu artigo 54, dizia: “O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição decreta: Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do País. (Legislação Informatizada — DECRETO-LEI Nº 3.199, DE 14 DE ABRIL DE 1941 — Publicação Original).
Em 1965, uma nova proibição: o Conselho Nacional de Desportos, criado a partir do mesmo decreto que proibia “desportos incompatíveis com a natureza feminina”, proibiu explicitamente, através da Deliberação nº. 7/65, o futebol de campo, o futebol de salão, o futebol de praia, o halterofilismo e o baseball. Mesmo com a proibição, alguns grupos femininos fizeram sua resistência e continuaram a praticar o futebol. 207
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A inserção das mulheres nos times de futebol só ocorre, de fato, no final da década de 1970, quando se estabelecem novas bases para a organização do esporte no País, fazendo com que, em 1979, fosse revogada a deliberação do Conselho Nacional de Desportos que vedava a prática do futebol e do futebol de salão pelas mulheres (GOELLNER, 2005). A revogação da deliberação possibilitou iniciativas de incentivo ao futebol feminino, como a criação de ligas e campeonatos, bem como times de futebol feminino e departamentos femininos em clubes já existentes. Como essa relação ocorre nos dias de hoje Mesmo nos dias atuais, após tantas conquistas feministas, a mulher ainda luta para ocupar lugares que são vistos como masculinos, sobretudo no Brasil, detentor do título de “país do futebol”. O futebol praticado por mulheres ainda caminha na busca por seu espaço na mídia, mas também dentro da sociedade como uma forma de consumo. Muito dessa falta de investimento se deve aos 38 anos de proibições, que até hoje dificultam a evolução e o crescimento da modalidade. Segundo Fábio Franzini (2005), o futebol, desde o seu surgimento, não se restringe a um universo esportivo, mas também se configura em um espaço sociocultural, onde os valores presentes devem perpetuar a manutenção da ordem. Para o autor, a entrada das mulheres no esporte subverteria a ordem de sobreposição entre as relações de gênero. 208
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Documentos da época demonstravam e traziam o descontentamento de grande parte da população, especialmente da Região Sudeste, com o crescimento do esporte. À época, constatava-se a existência de, no mínimo, dez equipes de futebol feminino na capital federal. Acreditava-se, então, que, com os incentivos, dentro de um ano, cerca de 200 clubes de futebol feminino estariam organizados em todo o Brasil. A realidade encontrada no Brasil de hoje passa longe dos “200 clubes devidamente organizados” e só escancara a distância que separa o futebol dos homens do futebol das mulheres. A Pelada Feminina do Twitter A Pelada Feminina do Twitter teve a sua primeira edição realizada no dia 02 de setembro de 2018, no clube dos Oficiais CBM/PM-PE, localizado na Avenida João de Barros, nº 357, no bairro da Boa Vista, Zona Central da cidade do Recife. O objetivo inicial era integrar as torcedoras de Náutico, Santa Cruz e Sport, a fim de promoverem uma competição de futebol. A articulação foi intermediada, desde o início, pelo WhatsApp, através de um grupo em que constavam 51 participantes. Além de engajar as mulheres na prática do futebol, o evento também veio a servir como uma demonstração de celebração da paz, visto que a “rivalidade” deu lugar à amizade e ao clima de confraternização. No dia que antecedeu a realização do evento, foi iniciada uma campanha nas redes sociais que obteve um alcance 209
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para além das 51 participantes. Outros usuários do Twitter, também torcedores dos três times da capital de Pernambuco, motivaram e apoiaram a realização da Pelada Feminina. A partir daí, foi montada uma tabela, com horários e confrontos previamente definidos. Os demais torcedores também contribuíram com a divulgação do evento, realizando foto-artes. Figura 1 – Arte de divulgação realizada por um amigo das realizadoras
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Uma das demonstrações de apoio mais simbólicas e representativas partiu de um dos clubes de futebol. Em resposta a publicação de uma torcedora, o perfil oficial do Santa Cruz Futebol Clube desejou sorte às torcedoras corais.
Figura 2 – Resposta do Santa Cruz a uma das participantes da Pelada
Da realização da Pelada Divididas em três equipes, as torcedoras defenderam os seus times e replicaram os clássicos de Pernambuco. Além das participantes, também estiveram presentes outros usuários do Twitter que tomaram ciência da ação e foram ao local como torcedores para prestigiar o evento. A Pelada também teve uma equipe de arbitragem profissional, contratada para o dia. Durante a realização do evento, houve uma narração em tempo real de tudo o que acontecia. Quem não estava pre211
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sente no local, pode acompanhar todos os detalhes através da hashtag “#trpeladatt” — o “TR” é referência ao termo “tempo real”, utilizado para a narração de jogos ao vivo através do site do Globo Esporte. A narração foi feita por uma pessoa, em sua conta pessoal do Twitter. Uma outra pessoa ficou responsável por anotar o placar, os gols, as faltas e os cartões. Também havia a presença de uma fotógrafa, que realizou os registros da partida. O pós-evento Após a realização da pelada, houve uma procura intensa de meninas interessadas em participar. Pensando em concentrar toda a procura em um único lugar e facilitar a comunicação, foram criados perfis oficiais da Pelada Feminina no Twitter (@pelada_feminina) e no Instagram (@peladafemininatt). Figura 3 e 4 – Captura de tela do perfil da Pelada no Twitter e Instagram
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O objetivo dos perfis também era o de concentrar informações sobre realizações futuras, como também servir de arquivo, sendo o canal oficial de divulgação das fotos feitas no dia. Administrado por duas pessoas, a comunicação desses perfis é fortemente marcada pela irreverência nas postagens. Brincadeiras com os três times, além de jargões próprios de cada torcida são incorporados à linguagem a fim de se aproximar ainda mais das torcedoras. O papel das mídias sociais no processo Todo o processo de organização e divulgação da Pelada Feminina do Twitter foi intermediado pelas redes sociais. O seu próprio nome já destaca a importância da rede social, em específico o Twitter, no processo de identificação da origem do evento. 213
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É importante destacar que grande parte das meninas participantes não se conheciam pessoalmente e estavam conectadas entre si apenas pelo campo virtual, unidas por interesses em comum, como, por exemplo, o futebol, o time, entre outros. A concretização da Pelada, sendo um evento que reuniu pessoas de locais diferentes, permitiu a transição da luta virtual para o “mundo real”, visto que todas as participantes são torcedoras ativas no Twitter, pautadas não apenas pela legitimação da figura torcedora, mas buscando garantir o espaço da mulher no futebol de uma forma geral. Por fim O histórico de uma relação construída na base de restrições e proibições perdura até os dias atuais, e, por isso, o evento em questão evidencia ainda mais o fato de que as mulheres precisam estar cada vez mais unidas na busca pela garantia do futebol, sendo este um mecanismo de trabalho ou para fins de entretenimento. Também ganha destaque o fato de as redes sociais terem sido fundamentais durante todo o processo que antecedeu a realização do evento e principalmente após a realização da Pelada, considerando que mais meninas demonstraram interesse em participar, o que evidencia que as mídias sociais têm papel fundamental na promoção e na divulgação de eventos do tipo, já que consegue alcançar pessoas de diferentes localidades ou sem ligação prévia. A ferramenta de “retwittar”, utilizada com o intuito de “compartilhar” uma publicação de outro perfil, permite que determinada postagem seja vista 214
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por uma pessoa que não tenha um vínculo com o autor da mesma na rede social, bastando apenas ser compartilhada por um seguidor em comum entre ambos. A Pelada Feminina, pela força que teve em suas realizações e nas redes sociais, chamando a atenção da imprensa e de outras meninas interessadas, pode, associada a investimentos e ações organizadas em conjunto, estimular a prática do futebol por mulheres, além de atrair um olhar mais atento às mulheres que buscam espaço de forma profissional no esporte. Referências DEL PRIORE, Mary. Histórias íntimas. 2ª ed. São Paulo: Planeta, 2014 ECOTEN, Márcia Cristina Furtado; CORSETTI, Berenice. A mulher no espaço do futebol: um estudo a partir de memórias de mulheres. In: Anais Fazendo Gênero 9 - Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. São Leopoldo, RS, 2010 FRANZINI, Fábio. Futebol é “coisa para macho”? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.20, n50. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882005000200012 GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: sexualidade, amor & erotismo nas sociedades modernas. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1993, pp. 27- 46. GOELLNER, S. V. As atividades corporais e esportivas e a visibilidade das mulheres na sociedade brasileira do início deste século. Revista Movimento - Ano V - n.9 – 1998, pp. 47 – 57 GOELLNER, S. V. Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.19, n.2, pp.143-51, abr./jun. 2005 GOETTERT, Jones Dari, SARAT, Magda (Orgs.). Tempos e espaços civilizadores: diálogos com Norbert Elias. Dourados, MS: Editora da UFGD, 2009, p. 272.
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LOPES, Cecília. Como a proibição estatal ajudou a marginalizar o futebol feminino. Disponível em: https://www.eusoulivres.org/textos/como-a-proibicao-estatal-ajudou-a-marginalizar-o-futebol-feminino-por-cecilia-lopes REIS, F. P. G dos. ARRUDA, I. E de A. Uma história do futebol feminino brasileiro: superando preconceitos. Revista Digital. Buenos Aires, Ano 16, n.163, dezembro de 2011. Disponível em: https://www.efdeportes.com/efd163/ uma-historia-do-futebolfeminino-brasileiro.htm STAHLBERG, Lara Tejada. Mulheres em campo: novas reflexões acerca do feminino no futebol. São Carlos: UFSCar, 2013.
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Sobre as autoras Aira F. Bonfim
Aira Bonfim é formada em Artes Plásticas pela UNICAMP e mestranda do
programa de História, Política e Bens Culturais do CPDOC-FGV-RJ. Por sete anos exerceu a função de técnica pesquisadora do Museu do Futebol, em São Paulo. Atualmente dedica-se a pesquisa historiográfica do futebol de mulheres nas primeiras décadas do séc. XX. Junto com Lu Castro, Silvana Goellner e Aline Pellegrino, é uma das curadoras da Exposição Contra-Ataque: As Mulheres
do Futebol no Museu do Futebol airafbonfim@gmail.com
Ana Maria da Conceição Veloso
Possui graduação em Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco (1994), mestrado em Comunicação (2005) pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação/PPGCOM, da UFPE, e doutorado em comunicação (2013) pelo PPGCOM da UFPE. É professora dos cursos de Jornalismo, Publicidade e Rádio, TV e Internet da Universidade Federal de Pernambuco (Departamento de Comunicação) e colaboradora da ONG Centro das Mulheres do Cabo. Está envolvida em estudos e pesquisas voltados aos seguintes temas: estudos do jornalismo, comunicação social, rádio, políticas de comunicação, indústrias culturais, cidadania, gênero, feminismo, mídias radicais e direitos humanos. velosoanam@gmail.com
Carolina Dantas Figueiredo
Pesquisadora em Mídias Digitais. Professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco e do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco. Doutora em Comunicação Social. Mestre em Comunicação. Jornalista. caroldanfig@gmail.com
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Camila Correia Alves
Natural da cidade do Recife, Camila Alves é nascida em 1997 e jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco. Com passagens pelo Globo Esporte, Diario de Pernambuco e TV Leia Já, dedica-se a pautas relacionadas à mulher e a conquista de espaços tradicionalmente masculinos. Em janeiro de 2018, publicou a reportagem especial Impedidas: Machismo e Violência no Futebol. A produção recebeu os prêmios Anamatra de Direitos Humanos 2018 e o prêmio MPT de Jornalismo na categoria Especial Promoção de Igualdade, referente ao combate à discriminação no ambiente de trabalho. camilacorreiaalvess@gmail.com
Cecília Almeida Rodrigues Lima
Professora do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco. Doutora em Comunicação Social. Pesquisa temas relacionados às áreas de mídias digitais, televisão, transmidiação e, mais recentemente, tem se interessado pelo estudo acadêmico dos esportes, uma paixão pessoal. cecilia.almeidarl@gmail.com.
Gabryele de Oliveira Martins
Nascida no Recife, em 21 de maio de 1996, Gabryele de Oliveira Martins tem 22 anos, é estudante de História e pesquisadora da História Social com ênfase em gênero. Conheceu o futebol desde cedo mas nunca recebeu incentivos para gostar de fato do esporte. Seu primeiro jogo num estádio foi um clássico das multidões em final de campeonato pernambucano e ela estava sozinha. Após essa experiência, a vontade de ir aos jogos só aumentou mas também se fizeram presentes as dificuldades de ser mulher em meio a um nicho social dominado por homens. Por esse motivo, resolveu fazer do futebol seu objeto de pesquisa e da mulher seu sujeito histórico. gabsmtt@gmail.com
Gabriela Lohana de Melo
Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Pernambuco (2017). Participante do Observatório de Mídia da UFPE (2015-2016). Experiência profissional na área de Mídia e Atendimento em Recife. Vencedora do Prêmio Expocom no Congresso Intercom (2015, 2017, 2018). gabilohana@hotmail.com 218
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Larissa Brainer
Diretora de Comunicação da ONG love.fútbol, onde coordena a ação de visibilidade para mulheres no futebol #JogaPraElas. É jornalista especializada em Jornalismo Digital e profissional de Comunicação com foco em organizações e projetos sociais. larissabrainer@gmail. com
Leide Botelho
Graduada em Comunicação Social com ênfase em Jornalismo e aluna do curso de pós graduação em Esporte e Sociedade: perspectivas interdisciplinares - coordenado por Flávia Cristina Soares, Marina de Mattos Dantas e Thiago Carlos Costa. leide_botelho@hotmail.com
Lerynda Lima
Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal de Pernambuco (2017). Vencedora do Prêmio Expocom no Congresso Intercom (2015, 2017, 2018). Profissional de mídia com passagens por Recife e São Paulo, atuando como planejadora e pesquisadora. lerynda.lima@gmail.com
Marjourie Stephanie Sobral Corrêa de Oliveira
Aos 22 anos, Marjourie Corrêa é recifense e estudante de Jornalismo. Amante dos esportes, enxerga-os como uma ferramenta de inclusão social. Possui artigos, como autora e co-autora, nas áreas de Gênero e Telejornalismo Experimental. Também já apresentou um programa sobre Copa do Mundo e Política Internacional. Respira desde muito cedo o ambiente futebolístico, ao mesmo tempo em que luta para legitimar o seu papel como torcedora. marjouriecorrea@gmail.com
Paloma de Castro
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, com projeto intitulado Compreendendo o Naming Rights: uma análise do patrocínio enquanto estratégia publicitária no cenário esportivo. Graduada em Publicidade e Propaganda pela mesma instituição (2017.1). Experiência em 219
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agências de publicidade na área de Produção e Mídia. Vencedora do Prêmio Expocom no Congresso Intercom (2015, 2017, 2018). E do Prêmio de Mídia da Globo Nordeste, Desafio Universitário (2017). palomadecastro.m@gmail.com
Luiza Aguiar dos Anjos
Doutora em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É Mestre em Estudos do Lazer (2013) e Especialista em Estudos do Lazer (2011) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Possui graduação em Educação Física, modalidades licenciatura e bacharelado, pela UFMG (2009). Faz parte do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT), da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (EEFFTO), da UFMG, do Grupo de Estudos sobre Esporte, Cultura e História (GRECCO), da Escola de Educação Física, da UFRGS e do Laboratório de Comunicação e História (LaCHi), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). luizaaguiardosanjos@gmail.com
Suellen dos Santos Ramos
Mestra do Programa de Pós Graduação em Ciências do Movimento Humano (UFRGS-2016), preparadora física da equipe de futebol feminino do Sport Club Internacional, integrante do Grupo de Estudos sobre Cultura e Corpo (GRECCO/UFRGS) e do Centro de Memória do Esporte (CEME/ UFRGS). Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2012) suellen.ramos@gmail.com.
Pamela Siqueira Joras
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano ESEFID/UFRGS. Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, especialização em Educação Física Escolar pela UFSM e mestrado em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. É integrante do Grupo de Estudos Sobre Esporte, Cultura e História e integrante da equipe do Centro de Memória do Esporte - ESEFID/UFRGS pamelas.joras@gmail.com
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Silvana Vilondre Goellner
Licenciada em Educação Física pela UFSM, mestre em Ciências do Movimento Humano pela UFRGS, doutora em Educação pela UNICAMP e pós-doutora pela Faculdade do Desporto da Universidade do Porto (Portugal). Professora titular da UFRGS. Atua na graduação e pós-graduação na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança. Ex-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano (UFRGS) no período 2006-2008. Coordena o Centro de Memória do Esporte da ESEF/ UFRGS e o GRECCO - Grupo de Estudos sobre Esporte,Cultura e História.. vilodre@gmail.com.
Soraya Barreto Januário
Doutora em Comunicação pela Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Publicitária e professora permanente do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da UFPE e do Departamento de Comunicação Social da UFPE. Pesquisadora em temáticas ligadas aos Estudos de Gênero e Mídia. Coordenadora do GT Comunicação e Gênero da Redor (Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Relações Gênero). Coordenadora do OBMÍDIA UFPE. sorayabarretopp@gmail.com
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