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ALGUMAS PALAVRAS RETROSPECTIVAS E

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BIBLIOGRAFIA

BIBLIOGRAFIA

TEMPORÃS SOBRE COISAS QUE PASSAM...

Este livreto, reunindo poemas de tempos e lugares diversos, mas que têm em comum a imagem do Sol Negro, deveria ter saído no final de 2021, ano em que o selo completava 10 anos e quando a data redonda parecia convidar a parar um pouco, avaliar e celebrar o que foi feito durante esse tempo. Mas 2021 foi um ano atípico, quando, em meio a todo o caos e insegurança da pandemia de covid-19, a Sol Negro Edições passou temporariamente, graças aos incentivos da Lei Aldir Blanc, a maiores tiragens e circulação, com livros rodados em gráfica. Durante esse décimo ano foram 17 livros publicados (12 de autores vivos e apenas 4 artesanais), um recorde para o selo. E uma ampliação na linha editorial, normalmente voltada às pequenas tiragens artesanais de autores traduzidos e em domínio público.

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Tudo isso, claro, era inimaginável em 2011, quando, junto a um pequeno grupo de amigos, editamos nosso primeiro livro, a Antologia Poética Sol Negro, sem qualquer pretensão senão publicar nossa própria poesia de forma independente. Todo o restante foi, por certo, fruto de muito trabalho e persistência (para não dizer teimosia), mas também, em grande medida, obra do acaso. Livros conectam pessoas. E cada livro foi trazendo, além de eventuais leitores, novos autores; cada autor, um novo livro. Já lia, traduzia e escre- via poesia há pelo menos 14 anos antes da Sol Negro, e tinha desde sempre o costume de organizar seletas e compilados, encadernados em espiral, com poemas de amigos e de poetas traduzidos para nossa leitura, além de formação em letras e experiência com revisão textual. Assim, foram surgindo oportunidades para novos títulos e, como dependia apenas de mim mesmo para fazer as edições artesanais, fui fazendo, sempre achando que alguma hora pararia – fosse porque não haveria mais demanda, ou porque as circunstâncias – sempre inconstantes – não mais permitiriam. Continuo fazendo os livros que aparecem ou invento de fazer enquanto esse dia não chega.

Além do olhar retrospectivo, a data redonda também era uma oportunidade de agradecer, não só pelo fato de ter podido fazer, mas a todos os que participaram diretamente do que se fez. Assim que gostaria de agradecer profundamente a todos os autores, tradutores, revisores, artistas, capistas, ensaístas e fotógrafos que já contribuíram para algum dos livros da Sol Negro – só quem trabalha com livros sabe o trabalho enorme que leva até que um livro fique pronto e a importância de cada etapa: Alain Mohammad Bisgodofu, Alberto Lacet, Alcebíades Diniz Miguel, Alexandre Alves, Alessandre de Lia (in memoriam), Alexis Peixoto, Ana de Santana, Anchieta Rolim, Ângelo Roncalli, Ângelo Girotto, Antônio Miranda, Avelino de Araujo, Cicero Cunha Bezerra, Chico Díaz, Claudio Willer, Cristiana Coeli Goldie, Christiane Pimenta Alves, Daniel Liberalino, Daniel Nec, Demétrio Diniz (in memoriam), Eclair Antônio Almeida Filho, Ector Dantas,

Fernando Monteiro, Franklin Jorge, Isabela Coelho, Henrique Pimenta, Humberto Hermenegildo, Jesuino André de Oliveira, Joyce K. do Nascimento, José Wilson P. de Azevedo, Jota Medeiros, Júlia Pepper, Lau Siqueira, Leandro Durazzo, Lívio Oliveira, Luma Virgínia, Maíra Dal’Maz, Márcio Almeida, Márcio de Lima Dantas, Marcus Vinícius Batista Macêdo, Marize Castro, Michelle Ferret, Miguel Márquez, Muirakytan K. de Macêdo (in memoriam), Nan Watkins, Nelson Patriota (in memoriam), Nonato Gurgel (in memoriam), Oswin Loss, Renato Suttana, R. Leontino Filho, Robert Johnson, Sayonara Pinheiro, Sérgio de Castro Pinto, Sofia Buachwitz, Tarcísio Gurgel, Theo G. Alves, Thomas Rain Crowe, Viviane de Santana, Wagner Uarpêik, Vanina Sigrist, Volonté, William Elói.

Não poderia esquecer Ivan Júnior, da Offset Gráfica, que levou a sério como se fosse um velho conhecido esse magricela barbudo e descabelado que apareceu na sua frente completamente encharcado de suor depois de uma caminhada da Cidade até a Ribeira numa tarde tórrida dizendo que “queria fazer livros” e me colocou na trilha dos papéis e materiais que precisava e não tinha a menor ideia onde encontrar.

Nem deixar de agradecer ainda à “gangue” Sol Negro: Binho Duarte, Haroldo Sopa d’Osso, Márcio Magnus, Rodrigo Barbosa, Leo Costa, Alexandre Magno e Francisco Galego, sempre presentes nessa partilha de versos e autores e amigos da vida toda. E ao meu irmão Breno Xavier, que criou a logo do selo comigo e algumas capas incríveis – parceiro e professor da arte do design gráfico.

Aos amigos e colaboradores dos últimos anos, que trouxeram novas trocas e vivências de onde alguns dos melhores títulos recentes nasceram: Elí de Araujo e João Antônio Bezerra Neto; o sangue novo e substancial da Munganga Edições: Ayrton Badriah, Maluz Maheros e Victor H. Azevedo, sem o trabalho dos quais os livros de 2021 não teriam sido possíveis nem ficado tão bons; e Eduardo Vinícius do Seburubu, casa informal da Sol Negro e farol das artes da cidade.

E, especialmente, a Floriano Martins (pelas traduções e livros preparados mas antes de tudo pela amizade), Camilo Prado (generoso professor da arte de manufaturar livros e inspiração há uma década) e Mariana Góis (única pessoa que nesses 10 anos botou a mão na massa para confeccionar os livros comigo e topou dividir essa existência sem garantias); sem vocês três esse labor jamais teria prosperado.

E, finalmente, a vocês, leitores, sem os quais nada disso seria possível.

Não sou particularmente sociável, prefiro fazer as coisas do meu jeito e no meu canto. Então só a boa fortuna pode explicar que tenha cruzado com tantos talentos e gente boa e contado com a confiança de tantos.

Um viva, pois, aos pequenos e desempoderados, a maior afronta a um estado e um sistema de Morte ainda é e sempre será a alegria e a potência da Vida, Mistério Maior a que me curvo e finalmente, com a mesura pobre da palavra, ainda uma vez, agradeço.

Márcio Simões (editor)

A imagem de um sol negro ou escuro, muitas vezes associado ao eclipse, parece ter certa perenidade na imaginação humana. No Ocidente, teve amplo uso na Alquimia medieval, onde está associado ao nigredo, primeira etapa da transformação alquímica, de putrefação e decomposição da matéria densa e dos aspectos egoicos da psique. Seu uso na literatura e na psicologia persiste até hoje. Reunimos aqui, a título de epígrafes, algumas citações de diferentes fontes que dão uma ideia da riqueza e variedade de sentidos associados a essa imagem ancestral [MS].

“Olhei enquanto ele abria o sexto selo. Houve um grande terremoto. O sol tornou-se negro como saco de cilício, e a lua tornou-se como sangue.” [Bíblia Sagrada, Apocalipse 6:12].

“Na alquimia, o Sol Negro simboliza a prima materia. Também nas artes plásticas e na literatura dos tempos modernos encontra-se eventualmente um sol negro, quase sempre como símbolo do medo metafísico ou da melancolia.” [Dicionário de Símbolos, Herder Lexikon, p. 185].

“O sol negro é o Sol em sua trajetória noturna, quando deixa este mundo para iluminar o outro mundo. [...] Aos olhos dos alquimistas, o sol negro é a matéria-prima, não trabalhada, ainda não colocada a caminho de uma evolução. Para o analista, o sol negro será o inconsciente, também no seu estado mais elementar”. [Dicionários de Símbolos, Jean Chevalier e Alain Gheebrandt, p. 840].

“Acima de tudo, a escuridão é o recinto da iniciação, [...] a experiência da escuridão iniciática. [...] O ‘Sol Negro’ do estágio alquímico do nigredo significa um eclipse do ponto de vista do ego devido a uma incursão do inconsciente. Embora representado como um encontro com a morte, testemunha a necessidade de um escurecimento provisório para chegar ao opus”. [O livro dos símbolos, Kathleen Martin, p. 102-103].

“Segundo o Rosarium, Hermes diz: ‘Ego lapis gigno lumen, tenebrae autem naturae meae sunt.’ (Eu gero a luz; no entanto, as trevas também pertencem à minha natureza). A alquimia conhece igualmente o ‘sol niger’ (sol negro)”. [Psicologia & Alquimia, C. G. Jung, p. 120].

“O sol negro é o sol exterior, cujo ‘fogo escuro e devorador’ destrói todas as coisas. Depois da queda de Adão, manchada pelo Pecado Original, o homem é feito ‘do fogo do sol negro’, segundo o Book of the Holy Trinity”. [Alquimia & Misticismo, Alexander Roob, p. 206].

“[...] a arte de uma paciente, sobre a qual Jung escreve em seu Alchemical Studies, na qual um sol negro aparece no seu plexo solar, uma área importante para muitas tradições sobre os corpos sutis. É neste lugar que, segundo Jung, os deuses se retiraram em nossa era moderna”. [The black sun: the alchemy and art of darkness, Stanton Marlan, p. 6].

“Os astecas associavam a passagem do Sol Negro, em sua jornada noturna pelo submundo, à imagem de uma borboleta. A borboleta, por sua vez, é um símbolo arquetípico da alma transcendente, da transformação e do renascimento místico, visto também na figura da assustadora deusa da terra Itzpapalotl, a ‘Borboleta de Obsidiana’, que devorava as pessoas durante os eclipses solares, enquanto o submundo asteca era a morada eterna das almas” [Black sun: mythology, EverybodyWiki].

*Apenas durante as pesquisas para preparar esse libreto me deparei com o nome de Harry Crosby e sua The Black Sun Press, fundada em Paris em 1927, juntamente com sua esposa Caresse Crosby (a quem se atribui a invenção do sutiã moderno), e responsável por editar autores como Hart Crane, D. H. Lawrence e Ernest Hemingway, entre outros. É de Harry esse interessante poema visual avant la lettre intitulado Fotoheliografia, que aqui vertemos para o português [MS].

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Eu sou o Tenebroso – o Viúvo –, o Inconsolado,

O Senhor de Aquitânia à Torre da Abulia; Meu único Astro é morto, e o meu alaúde iriado Irradia o Sol negro da Melancolia.

Na noite Sepulcral, Tu que me hás consolado,

O Posílipo e o mar Itálico me envia, A flor que tanto amava o meu ser desolado, E a treliça onde a Vinha à Roseira se alia.

Sou Biron, Lusignan?... Febo ou Amor? Na fronte

Ainda o beijo da Rainha rubro me incendeia; Eu sonhei na caverna onde nada a Sereia...

E duas vezes cruzei vencedor o Aqueronte; Modulando na cítara a Orfeu consagrada

Os suspiros da Santa e os arquejos da Fada.

T Dio

Vala comum de corpos que apodrecem, Esverdeada gangrena Cobrindo vastidões que fosforescem Sobre a esfera terrena.

Bocejo torvo de desejos turvos, Languescente bocejo De velhos diabos de chavelhos curvos Rugindo de desejo.

Sangue coalhado, congelado, frio, Espasmado nas veias...

Pesadelo sinistro de algum rio De sinistras sereias...

Alma sem rumo, a modorrar de sono, Mole, túrbida, lassa...

Monotonias lúbricas de um mono Dançando numa praça...

Mudas epilepsias, mudas, mudas, Mudas epilepsias, Masturbações mentais, fundas, agudas, Negras nevrostenias.

Flores sangrentas do soturno vício Que as almas queima e morde...

Música estranha de letal suplício, Vago, mórbido acorde...

Noite cerrada para o Pensamento

Nebuloso degredo

Onde em cavo clangor surdo do vento Rouco pragueja o medo.

Plaga vencida por tremendas pragas, Devorada por pestes, Esboroada pelas rubras chagas Dos incêndios celestes.

Sabor de sangue, lágrimas e terra Revolvida de fresco, Guerra sombria dos sentidos, guerra, Tantalismo dantesco.

Silêncio carregado e fundo e denso Como um poço secreto, Dobre pesado, carrilhão imenso Do segredo inquieto...

Florescência do Mal, hediondo parto Tenebroso do crime, Pandemonium feral de ventre farto Do Nirvana sublime.

Delírio contorcido, convulsivo

De felinas serpentes, No silamento e no mover lascivo

Das caudas e dos dentes.

Porco lúgubre, lúbrico, trevoso

Do tábido pecado, Fuçando colossal, formidoloso Nos lodos do passado.

Ritmos de forças e de graças mortas, Melancólico exílio, Difusão de um mistério que abre portas Para um secreto idílio...

Ócio das almas ou requinte delas, Quintessências, velhices

De luas de nevroses amarelas, Venenosas meiguices.

Insônia morna e doente dos Espaços, Letargia funérea, Vermes, abutres a correr pedaços Da carne deletéria.

Um misto de saudade e de tortura, De lama, de ódio e de asco, Carnaval infernal da Sepultura, Risada do carrasco.

Ó tédio amargo, ó tédio dos suspiros, Ó tédio de ansiedades!

Quanta vez eu não subo nos teus giros

Fundas eternidades!

Quanta vez envolvido do teu luto

Nos sudários profundos

Eu, calado, a tremer, ao longe, escuto Desmoronarem mundos!

Os teus soluços, todo o grande pranto, Taciturnos gemidos, Fazem gerar flores de amargo encanto Nos corações doridos.

Tédio! que pões nas almas olvidadas Ondulações de abismo

E sombras vesgas, lívidas, paradas, No mais feroz mutismo!

Tédio do Réquiem do Universo inteiro, Morbus negro, nefando, Sentimento fatal e derradeiro Das estrelas gelando...

Ó Tédio! Rei da Morte! Rei boêmio!

Ó Fantasma enfadonho!

És o sol negro, o criador, o gêmeo, Velho irmão do meu sonho!

“É SONO? É SONHO? É VER?...”

É sono? É sonho? É ver?

Não sei, nem sei saber...

Há um sol negro no fundo

Do que me sinto ser

E em torno gira o mundo.

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