O Bairro

Page 1

O BAIRRO

1


2


3



LUCAS CARDIM

O BAIRRO 1ª Edição

Recife José Rildo de Assis Moura 2011



“Que a importância de uma coisa não se mede com fita métrica nem com balanças nem barômetros etc. Que a importância de uma coisa há que ser medida pelo encantamento que a coisa produza em nós”

Manoel de Barros


Introdução

O Bairro Com mais de 40 mil habitantes e 134 hectares, o Coque tem mais histórias do que páginas podem contar. No final do século XIX, o que havia na região era uma imensa quantidade de áreas de mangue que foram aterradas ao longo de décadas, enfrentando-se alagamentos quase que diários, bichos e, sobretudo, doenças devido à alimentação precária e à falta de saneamento. Quem chegava por lá era gente do interior nordestino, trabalhadores e desempregados em busca do crescimento do Recife. Fincado no coração urbano da cidade, entre centros econômicos, áreas verdes e endereços nobres, o bairro surgia para desgosto de muitos e a sobrevivência e afirmação de milhares. Hoje, mais de um século após as primeiras habitações desbravarem a crua Ilha de Joana Bezerra, as inúmeras gerações do Coque vivem sob os antigos e novos panos do descaso governamental, o comum preconceito destinado às periferias urbanas e as fortes pressões sociais e econômicas para deixarem a região. A falta de investimentos decentes em educação de qualidade, saúde, saneamento básico e segurança, assim como a dificuldade em se obter a posse legal da terra onde se vive há uma vida, minam a existência do bairro. A todo momento, interesses imobiliários velados sob uma confusa expansão urbana desalocam casas e barracos, indenizando moradores e colocando-os em condomínios-caixão, cubículos de tijolo cada vez mais à margem da área onde cresceram. Em suas novas casas, distantes de seus trabalhos e da comunidade, a maioria ainda convive com os mesmos problemas sociais de antes, expulsos silenciosamente do lugar onde viviam. No universo da representação, a imagem construída por grande parte da mídia é criminosa. A exploração comercial e desumana dos casos de violência na região, sem discutir causas e desdobramentos desses conflitos urbanos, constroem na cidade do Recife uma ideia quase naturalista entre o Coque, o crime e a morte. Isso não é jornalismo. E se repete em outras tantas periferias do Recife e do Brasil, aumentando o abismo de ignorância entre um mesmo povo.

8


O Bairro é fruto de fotografias realizadas entre 2005 e 2011 na comunidade do Coque. Durante esse período, mais de 50 adolescentes moradores da região vivenciaram a fotografia em aulas, discussões e práticas, construindo a independência na produção de suas próprias imagens a respeito do lugar. Na comunidade, exposições montadas desencadeiam discussões sobre a representação, o reconhecimento e o olhar. As obras, expostas em locais públicos como escolas e na Biblioteca Popular do Coque, são colocadas em baixas alturas para que as crianças mais novas possam ver. Podem ser também manuseadas, possibilitando a todos apontarem pessoas e locais pertencentes ou descobertos em seus universos. Em outros momentos, moradores recebem, aos poucos, suas fotografias pelos olhos e mãos dos próprios jovens. Essas ações, tangíveis ou não, refletem que a imagem, antes vista como algo vindo de fora, pode e deve ser realizada, discutida e trabalhada internamente, por quem a vive. As fotografias deste livro representam opiniões importantes de uma realidade tão particular quanto universal. São obras de descoberta, poesia, reflexão e provocação para autores, personagens e leitores de qualquer lugar do mundo, olhares sobre grandiosas pessoas comuns.

Lucas Cordeiro Cardim

Coordenador do grupo Revelando o Coque Membro da Rede Coque Vive

9


Introduction

O Bairro The Neighborhood With more than 40,000 inhabitants and 134 hectares, “Coque” has more stories than words can tell. At the end of the 19th century, the region was an immense area of mangrove forests that were cut down over the decades, struggling through floods, plagues and, especially, diseases due to poor nutrition and the lack of sanitation. Those who arrived were people from the Northeast interior, workers and the unemployed looking for growth in Recife. Nestled in the urban heart of the city, between economic centers, green areas and prime locations, the neighborhood arose to the chagrin of many and the survival and affirmation of thousands. Today, over a century after the first homes paved the crude Island of Joana Bezerra, innumerable “Coque” generations live under the old and new curtains of government neglect, the regular prejudice against urban peripheries and strong social and economic pressures for them to leave the land. The lack of decent investment in good education, health care, sanitation and security, as well as the difficulty in obtaining the legal tenure of the land where many have lived, jeopardize the existence of the neighborhood. At every moment, veiled real estate interests under a confusing urban expansion move houses and sheds, indemnifying residents and placing them into small apartment buildings, brick cubicles more and more at the margin of the area where they grew up. In their new homes, far from their workplace and community, most of them still live with the same old social problems, silently banned from the place where they used to live. In the universe of representation, the image built by great part of the media is criminal. Commercial and non-humane exploitation of violent events in the region, not discussing the causes and outcomes of these urban conflicts, build in the city of Recife an almost naturalist idea between “Coque”, crime and death. This is not journalism. And it is repeated in many other peripheries from Recife and Brazil, augmenting the ignorance chasm between the same people.

10


The Neighborhood is the result of photographs taken from 2005 to 2011 in the “Coque” community. During this time, more than 50 adolescents, residents of the area, experienced photography in courses, discussions and practices, building independence in the production of their own images and respect for the place. In the community, exhibitions initiate discussions about representation, recognition and view. The pieces, exposed in public spaces, such as schools and the Popular Library of “Coque”, are placed in a lower eye level, so that younger kids can see them. These pictures can also be touched, making it possible for everyone to point people and places belonging to or discovered in their universe. In other moments, inhabitants of the neighborhood receive their photographs, taken by the eyes of the adolescent-photographers themselves. These actions, tangible or not, show that image, thought before as something from the outside, can and must be produced, discussed and worked from the inside, by those who live them. The pictures in this book represent important opinions of a reality as particular as universal. They are discovery pieces, poetry, reflection and provocation for authors, characters and readers from all over the world, views over great ordinary people.

Lucas Cordeiro Cardim

Coordinator of Revelando o Coque Member of Coque Vive Network

11


Introduction

O Bairro Le Quartier Avec plus de quarante mille habitants et 134 hectares, le quartier du Coque a plus d’histoires que ce que des pages peuvent raconter. A la fin du XIXème siècle, il y avait dans la région de nombreuses zones de mangrove qui ont été remblayées au cours des décennies, où l’on affrontait des inondations presque tous les jours, des bestioles et surtout des maladies dues à l’alimentation précaire et au manque d’assainissement. Ceux qui y arrivaient étaient des gens de la campagne du Nord-est du pays, ouvriers et chômeurs à la recherche de la croissance de Recife. Enraciné dans le coeur urbain de la ville, parmi des centres économiques, des espaces verts et des adresses nobles, le quartier surgissait pour le degoût de plusieurs et pour la survie et l’affirmation des milliards d’autres. Actuellement, plus d’un siècle après que les premières habitations aient défriché la crue Île de Joana Bezerra, les innombrables génerations du Coque vivent à la fois sous les anciennes et les nouvelles toiles dédaigneuses du gouvernement, le préjugé commun étant destiné aux banlieues urbaines et aux fortes pressions sociales et économiques pour abandonner la région. Le manque d’investissements décents en éducation de qualité, santé, assainissement et sécurité, ainsi que la difficulté de possession légale de la terre où l’on vit depuis très longtemps, nuisent à l’existence du quartier. A tout moment, des intérêts immobiliers masqués sous une expansion urbaine confuse chassent les habitants de leurs maisons et de leur taudis, les indemnisant et les plaçant dans des immeubles sans balcons, dans des espaces réduits, faits de briques, et de plus en plus en marge de la zone où l’on a grandi. Dans leurs nouvelles maisons, loin de leur lieu de travail et de la communauté, la plupart vit encore avec les mêmes problèmes sociaux qu’avant, silencieusement expulsés de l’endroit où ils vivaient. Dans l’univers de la représentation, l’image construite par les médias est criminelle. L’exploitation comerciale et inhumaine des cas de violence dans la région, sans parler des causes et des déroulements de ces conflits urbains, construisent dans la ville de Recife une idée presque naturaliste parmi le Coque, le crime et la mort. Ceci n’est pas du journalisme. Et cela se répète dans d’autres nombreuses banlieues de Recife et du Brésil, augmentant l’abîme de l’ignorance d’un même peuple.

12


Le Quartier est le fruit de photographies prises entre 2005 et 2011 dans la communauté du Coque. Pendant cette période, plus de 50 adolescents vivant dans la région ont vécu la photographie en classe, par le biais de discussions et de pratiques, chacun construisant peu à peu son indépendance dans la production de ses propres images et de l’endroit photographié. Dans la communauté, des expositions déclenchent des discussions sur la représentation, la reconnaissance et le regard. Les œuvres, exposées dans des lieux publiques, comme dans des écoles et dans la Bibliothèque Populaire du Coque, sont placées à basse hauteur pour que les plus jeunes puissent les voir. Elles peuvent aussi être maniées, ce qui donne à tous la possibilité de montrer des personnes et des endroits qui appartiennent à leurs univers ou qui y ont été découvert. A d’autres moments, les habitants reçoivent leurs photos d’une autre manière : ce sont les jeunes eux-mêmes qui leur donnent en main propre. Ces actions, tangibles ou pas, révèlent que l’image, auparavant perçue comme quelque chose qui venait de l’extérieur, peut et doit être réalisée, discutée et travaillée de l’intérieur, par celui qui la vit. Les photographies de ce livre représentent des opinions importantes d’une réalité aussi particulière qu’universelle. Ce sont des œuvres de découverte, de poésie, de réflexion et de provocation pour les auteurs, les personnages, mais aussi pour des lecteurs de n’importe quelle partie du monde, des regards sur des personnes extraordinairement communes.

Lucas Cordeiro Cardim

Coordinateur du groupe Revelando o Coque Membre du Réseau Coque Vive

13


Espelho Gutemberg Vieira

14


Amplid達o Sandokan Xavier

15


Trabalhadores de artesanato Jefferson Odair

16


Meninos da Portelinha Mayara

17


Cotidiano KĂŠssio Duarte

18


Como é bom ser criança Clécio Carvalho

19


Brincadeira Sandokan Xavier

20


O pulo Marconi VĂ­tor Alef Azevedo

21


Varal de uma casa LaĂ­s dos Santos

22


Vendedor de macaxeira Ă dila Silva

23


A boneca e o mundo Ana Carla Pessoa

24


Foto feliz Natรกlia Fernanda

25


Menino agachado Aylla Souza

26


Brincando com latas Jonatas Silva

27


Taking the bus Lucas Cardim

28


Solid達o Gutemberg Vieira

29


O banho de Luan MarcĂ­lio Pereira

30


Quando a chuva para o choro MarcĂ­lio Pereira

31


Varal de cores Lucas Cardim

32


Manh達 Lucas Cardim

33


Aula de macro Lucas Cardim

34


A mosca Paulo Fernandes

35


Calcinhas Sandokan Xavier

36


Perna cabeluda Mayara

37


Olhos fechados Gutemberg Vieira

38


O caminho Gutemberg Vieira

39


Seu Deca Aline Medeiros

40


O milagre dos peixes Lucas Cardim

41


Dona Severina Alice Kelly

42


Minha v贸 Alice Kelly

43


Kikinho Cabelus Caroline Oliveira

44


Lan house Denislene Franรงa

45


Boy at overbridge Lucas Cardim

46


Levo a palavra do Senhor ClĂŠcio Carvalho

47


Jogando bola Markos Alyx

48


O traรงo Markos Alyx

49


Aderbal do Leite Francielly Silva

50


O tesouro de cem famĂ­lias Francielly Silva

51


A fenda Sandokan Xavier

52


PĂŠs Lucas Cardim

53


Estilingue Sandokan Xavier

54


Invenções Marcílio Pereira

55


Ferro por centavos Flรกvia Silva

56


O encontro Lucas Cardim

57


Inf창ncia Jeanny Alves

58


Foto com lata - pinhole Produção coletiva

59


Senhora Sandokan Xavier

60


Nossos lares M么nica Fran莽a

61


Descobrindo o metal Lucas Cardim

62


A menina e 么nibus Mayara

63


Passagem para o rio Mayara

64


Flores urbanas Gutemberg Vieira

65


Joel Lucas Cardim

66


Poluição Alef Azevedo

67


Av么 Vanessa Lima

68


Sidney Lucas Cardim

69


Quartinho Aylla Souza

70


Criou os filhos vendendo verdura Aylla Souza

71


“Pit bull” Lucas Cardim

72


Sorriso Bruno da Silva

73


Vazio Girlesson Lins

74


Dona Maria Costureira Girlesson Lins

75


Sonhando com um marido rico Lucas Cardim

76


Lindura Lucas Cardim

77


Viúvo Denislene França

78


Meninos na sombra LaĂ­s Aguiar

79


Placa Lucas Cardim

80


Na porta de casa Karlla Lima

81


Esperanรงa Sandokan Xavier

82


Casas Nidinho

83


Eu grafito e tu pinta, vamo ver quem tem mais tinta ClĂŠcio Carvalho

84


Amigos Jonatas dos Santos

85


Seu Carlos Ana Carla Pessoa

86


Construindo lares Ana Carla Pessoa

87


Seu Carlos Ana Carla Pessoa

88


Menina na passarela Mayara

89


PaciĂŞncia Gutemberg Vieira

90


Irm達os Renata da Silva

91


Sem tĂ­tulo Lucas Cardim

92


Terรงa-feira Lucas Cardim

93


Sem tĂ­tulo Lucas Cardim

94


Bola de gude Jonatas dos Santos

95


Dia-a-dia Lucas Cardim

96


FĂŠ cega Aline Medeiros

97


Perto do cĂŠu Ana Carla Pessoa

98


Pipa Paulo Fernandes

99


Bet창nia Lucas Cardim

100


101


Dona Lenira Deyvson CalĂş

102


103


Por trás dos rótulos O Coque é um bairro do Recife com indicadores sociais preocupantes. Só para se ter uma ideia, 57% dos moradores da região vivem com renda mensal entre meio e um salário mínimo, número abaixo da média estadual¹. À pobreza, soma-se a atuação histórica no bairro de grupos criminosos ligados, sobretudo, ao narcotráfico e com origens nas lacunas sociais deixadas pelo Estado. Com o pretexto de denunciar a violência na cidade, os meios de comunicação acabaram estigmatizando o bairro, chegando a retratá-lo como “morada da morte” e referindo-se, sem constrangimento, à “gente perigosa do Coque”. A simples referência ao lugar nos currículos ou nas entrevistas em busca de um emprego cria constrangimentos e impõe dificuldades aos moradores. Graças à “má fama” do bairro, os seus habitantes são vítimas tanto da violência presente e visível como do preconceito existente no imaginário coletivo do Recife. Em um lugar tão estigmatizado quanto o Coque, o desejo de mudança social encontra inevitavelmente a necessidade de transformar representações e autorrepresentações. E foi a partir desse objetivo que se formou, ao longo dos últimos cinco anos, a Rede Coque Vive, no âmbito da qual se desenvolveu o projeto deste livro. A Rede Coque Vive é composta hoje pelo Movimento Arrebentando Barreiras Invisíveis (MABI), um coletivo jovem formado por moradores do Coque ligados, sobretudo, às manifestações culturais; pelo Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis (NEIMFA), uma associação dedicada à formação integral com 25 anos de atuação no bairro; e pela Universidade Federal de Pernambuco, por meio de uma equipe constituída por alunos egressos, professores e estudantes de graduação e pós-graduação de quatro departamentos (Ciências Sociais, Psicologia e Orientação Educacional, Administração Escolar e Planejamento Educacional e Comunicação). Juntos, esses distintos atores sociais têm vivenciado uma experiência de vínculo, presença e aprendizado no Coque. Desde seu surgimento, a Rede Coque Vive tem atuado junto aos jovens do bairro. Promove, entre outras ações, cursos de formação crítica e capacitação para o manuseio técnico-expressivo das mídias. Os jovens fotógrafos desta publicação participaram dessas formações, envolvendo-se particularmente com as aulas de fotografia coordenadas pelo fotógrafo Lucas Cardim, através do projeto Revelando o Coque. A atuação articulada da Rede responde também pelo desenvolvimento de outras áreas, como o cineclube popular Cine Coque;

Informações disponíveis em MAPA DO FIM DA FOME II. FGV/IBRE, CPS, 2004. Outros dados, do Atlas de Desenvolvimento Humano (2005), apontam o Coque como a região de menor IDH da cidade, com um índice de 84% da população adulta de analfabetos funcionais e de 74% para jovens entre 14 e 18 anos.

1

104


a fundação da Biblioteca Popular do Coque, que já se tornou um espaço comunitário autônomo, e a construção da Estação Digital de Difusão de Conteúdos, um espaço físico e uma plataforma na web para produção audiovisual em mídias digitais sobre e a partir do Coque. Essa rede de promoção social tem ainda realizado eventos que, tomando a região como ponto de partida, problematizam as chamadas “periferias”, seja por meio de exposições, exibições em vários meios, seja através de seminários, debates e ciclos formativos. A Rede Coque Vive tem funcionado ainda como um importante agente de recuperação da memória do bairro, a partir da realização de documentários, registros de histórias, inventários e pesquisa documental. Todas essas ações da Rede Coque Vive são orientadas pela convicção de que, tão importante quanto transformar o modo como os outros vêem e se relacionam com o Coque, é repensar o modo como os próprios moradores vêem a si mesmos e se relacionam com o lugar onde vivem. Os processos orientados por este tipo de convicção e vivenciados até aqui, pela Rede, têm deflagrado transformações identitárias que envolvem, primeiro, seus próprios participantes e, depois, todos os sujeitos que se integram nesse exercício de reconhecimento de si e do bairro a partir de suas ações. O livro que você tem agora em mãos é um resultado dessas vivências de reconhecimento sustentados ainda por outra convicção: a de que, embora seja preciso considerá-las, é preciso ver o Coque além de suas carências, lançando luz, também, sobre suas potências. Fazer isso é olhar para um Coque sem adjetivos; é enxergar um Coque sujeito, que se mostra na simplicidade e singularidade do seu cotidiano; descobrir o bairro por trás dos rótulos.

Recife, junho de 2011

Yvana Fechine João Pereira Vale Neto Rede Coque Vive, UFPE

105


Behind the labels “Coque” is a neighborhood from Recife with bad social indices. As a matter of fact, 57% of its inhabitants earn less than the minimum wage per month, a number smaller than the state average¹. To poverty, one can add the historical action of criminal groups in the neighborhood, dealing mostly with drug trafficking and originated from social gaps left by the state. Using the excuse of denouncing violence in the city, media ended up stigmatizing the neighborhood, even portraying it as “house of death” and making references, without any embarrassment, to the “dangerous people of Coque”. The simple reference to the place in résumés or job interviews brings with it an embarrassment that imposes some difficulties to its inhabitants. Due to the “notoriousness” of the neighborhood, its inhabitants are victims of both the present and visible violence, and the prejudice existing in the collective imagery of Recife. In a place as stigmatized as “Coque”, the desire for social change inevitably meets the need of transforming representations and self-representations. In 2006, Coque Vive Network (Coque Lives Network) was created to put this idea into action. The network is composed by Breaking Invisible Barriers Movement (MABI), a young collective formed by Coque inhabitants; Brothers of Francisco de Assis Educational Center (NEIMFA), an association formed in 1986 dedicated to comprehensive training; and Federal University of Pernambuco (UFPE), through a team of graduated students, professors, and college and graduation students from four departments (Social Science, Psychology and Educational Orientation, School Managing and Educational Planning, and Communication). Together, these distinct social actors have experienced a bonding, presence and learning experience in “Coque”. Since its emergence, “Coque Vive Network” has worked with the youth of the neighborhood, promoting courses of critical formation and training for the technical-expressive handling of media. The young photographers in this publication took part in these courses, getting particularly involved with the photography classes coordinated by the photographer Lucas Cardim, through the project Revelando o Coque (Revealing Coque). This articulated performance of the Network is also responsible for the development in other areas, such as the popular cinema club “Cine Coque”; the opening of “Popular Library of Coque”, which has already become an

106

1 Information available on “MAPA DO FIM DA FOME II”. FGV/IBRE, CPS, 2004. Other data, from “Atlas de Desenvolvimento Humano” (2005), point “Coque” as the region with the smallest HDI in the city, with 84% of its adult population and 74% of its youth from 14 to 18 being functional illiterate.


autonomous community space; and the construction of “Digital Station of Content Divulgation”, both a physical and virtual space for audiovisual production, in digital media, about and from Coque. This social promotion network has also performed events which, using the region as a starting point, question the so called “peripheries”, whether by means of exhibitions in various media, or by promoting seminars, debates and formative cycles. “Coque Vive Network” has also performed as an important agent on the recovery of the memory of the neighborhood, by shooting documentaries, registering life stories, gathering inventories and doing documental research. All these actions from “Coque Vive Network” are oriented by the belief that rethinking the way the inhabitants of the region see themselves and deal with the place where they live is as important as changing the way other people look at and deal with “Coque”. The processes oriented by this kind of belief have triggered identity transformations which involve the participants of the Network, everyone else who takes part in this exercise of recognition of themselves, and the neighborhood as a whole. The book you have in your hands is the result of these experiences supported by another belief: that even though one must consider them, it is necessary to see “Coque” beyond its deficiencies, highlighting its capacity. To do this is to look at an “adjectiveless Coque”; it is to see a “Coque” that is subject, showing itself in the simplicity and singularity of its daily life; it is to discover the neighborhood behind the labels.

Recife June, 2011

Yvana Fechine João Pereira Vale Neto

Coque Vive Network, UFPE

107


Derrière les étiquettes Le Coque est un quartier de Recife qui possède des indicateurs sociaux inquiétants. Pour vous donner une idée, 57% des habitants de cette région vivent avec un budget mensuel allant de la moitié d’un salaire à un salaire minimum, ce qui correspond à un point au-dessous de la moyenne de l’Etat de Pernambouc¹. A la pauvreté, il est ajouté l’action historique du quartier: des groupes de criminels liés, surtout, au trafic de drogues qui puise ses origines dans les écarts sociaux que l’Etat laisse se creuser. Sous prétexte de dénoncer la violence dans la ville, les médias ont stigmatisé le quartier, et ils sont même arrivés à faire référence au quartier comme étant “le foyer de la mort”. Sans gêne, ils disent de ses habitants que ce sont des “gens dangereux du Coque”. La simple précision de l’origine dans les CVs ou durant les entretiens d’embauche lors de la recherche d’un travail créé la gêne et impose des difficultés aux habitants de ce quartier-là. A cause de la “mauvaise réputation” du quartier, les habitants sont victimes de la violence incessante, mais aussi des préjugés qui existent dans l’imaginaire collectif de Recife. Dans un endroit aussi stigmatisé comme le Coque, le désir de changement social rencontre inévitablement le besoin de transformer les représentations et les autoreprésentations. Et, avec cet objectif qu’il s’est fixé au long de ces cinq dernières années, le réseau Coque Vive (Coque Vit) évolue dans un champ d’applications dans lequel ce livre s’est développé. Le réseau Coque Vive est aujourd’hui composé par le Movimento Arrebentando Barreiras Invisiveis – MABI (Mouvement de Destruction des Barrières Invisibles), par un collectif jeune formé par les habitants du Coque qui sont eux-mêmes liés, surtout, à des manifestations culturelles (musique spécialement), par le Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis – NEIMFA (Centre Educationnel Petits Frères de Saint François d’Assise), une association dédiée à la formation complète et qui a derrière elle 25 ans de travaux dans le quartier. Le Coque est aussi composé par l’Université Fédérale de Pernambouc à travers un groupe formé par des anciens étudiants, des professeurs, des étudiants en licence et en master provenant de quatre départements différents: sciences sociales, psychologie et orientation éducationnelle, administration et planification scolaire et communication. Ensemble, ces acteurs sociaux distincts vivent une expérience de renforcement des liens, de présence et d’apprentissage au Coque. Depuis son apparition, le réseau Coque Vive a joué un rôle avec les jeunes du quartier. Il encourage, entre autres actions, des cours de formation critique et la capacité de manipulation technico-expressive des médias. Les jeunes photographes de cette publication ont participé à ces formations et ils se sont particulièrement impliqués Informations disponibles sur “MAPA DO FIM DA FOME II”. FGV/IBRE, CPS, 2004. D’autres données, sur “Atlas do Desenvolvimento Humano” (2005), identifient le Coque comme la région de la ville avec le plus faible IDH, avec un taux de 84% des adultes illettrés et 74% pour les jeunes entre 14 et 18 ans. 1

108


dans des cours de photographie coordonnées par le photographe Lucas Cardim à travers le projet Revelando o Coque (Révéler le Coque). L’action articulée du réseau répond aussi au développement des autres espaces, comme le Cineclub populaire du Cine Coque, la création de la Bibliothèque populaire du Coque (qui est déjà devenue un espace communautaire autonome), et la construction de la Estação Digital de Difusão de Conteúdos (Station Numérique de Diffusion d’Informations), un espace physique et une plateforme numérique pour la production audiovisuelle des médias numériques sur et à partir du Coque. Ce réseau de promotion sociale organise encore des évènements qui, en prenant cette région comme référence, rendent publique la problématique des endroits appelés “periferias” (banlieues), soit au travers des expositions par le biais de plusieurs moyens, soit au travers des séminaires, des débats et des cycles informatifs. Le réseau Coque Vive fonctionne encore comme un important instrument de conservation de la mémoire du quartier, et à partir de cela, amène à la réalisation de documentaires, de registres des histoires de vie, d’inventaires et de recherches de documentaires. Toutes ces actions du réseau Coque Vive sont orientées vers cette conviction si importante qu’est celle de transformer le regard qu’ont les autres sur le Coque et la manière dont ils s’y rapportent. Le désir, c’est de repenser la façon dont les habitants eux-mêmes se regardent et se rapportent à l’endroit où ils vivent. Les processus orientés par ce type de conviction et vécu, jusqu’ici, par le Réseau, déclenchent des transformations identitaires qui impliquent, premièrement, ses propres participants et, deuxièmement, tous les sujets qui se sentent concernés par cet exercice de reconnaissance de soi-même et du quartier à partir de ses propres actions. Le livre que vous avez maintenant entre vos mains est le résultat de ces expériences de reconnaissance, soutenues encore par une autre conviction: celle qui dit que, bien qu’il soit nécessaire les considérer, il faut voir le Coque au-delà de ses besoins et il faut prêter attention à son pouvoir. Faire cela, c’est regarder un Coque sans adjectifs, c’est voir un Coque sujet, qui se montre dans sa simplicité et dans la singularité de son quotidien. C’est découvrir le quartier au-delà des préjugés. Recife, juin 2011

Yvana Fechine João Pereira Vale Neto

Réseau Coque Vive, UFPE 109


Agradecimentos Ao longo de cinco anos vivendo o Coque, muitas pessoas contribuíram de inúmeras formas para a realização deste trabalho. Cidadãos de inúmeros lugares do mundo, de diferentes gerações e realidades, mas que desejam e se esforçam para a construção de uma sociedade plural, justa e democrática. Deixo desde já meu muito obrigado a todos os envolvidos direta ou indiretamente nessa longa caminhada que continua. Agradecimentos especiais: A Dona Severina, Seu Deca, Dona Lenira, Seu Carlos, Dona Maria Costureira, Luan e todos os outros moradores do Coque, pelo enorme carinho com que fui tratado e o imensurável aprendizado que levarei para toda a vida. A cada jovem fotógrafo e fotógrafa do bairro do Coque, pelos ensinamentos partilhados e pelo interesse e desafio ao longo de inúmeros dias de sol, chuva, felizes ou tristes. Sempre mais felizes. A João Vale, Yvana Fechine e Roberta Lira, pelo apoio incondicional ao meu trabalho. A Dona Socorro Cordeiro, mainha, pelo apoio incondicional a minha vida e felicidade. Ao meu pai, Ib Cardim, pelos inúmeros momentos de generosidade. Aos meus irmãos, Ivan e Natália, por serem parte de mim. A Luana Antero, pelo nosso amor e pela gigantesca ajuda na realização deste livro. Aos amigos Moacyr Parahyba, João José, Ronaldo Jucá, Gilberto Rios, Conceição Pires, Sanny Maria, Conceição Cardozo, Eduardo Mafra, Inácio França, Ann Cardim, Vander Leal, Dona Margarida, Tiago Morais, Dona Valda, Gustavo Maciel e Sofia Costa pela atenção e apoio em várias ocasiões. A Elsa Laget e Crystal Baran pelo carinho e atenção. A minha grande e amada família da vida, em especial a Marcílio Pereira, Davi, Sara e Tiago Pires, Mestre, Mário Julião, Guilherme e Chico Carvalho, Carolina Freitas, Moacir Espar, Renato Vaz, Edvaldo Filho, Raquel Araújo, Guilherme Duarte, Rafael Bezerra, Sandokan Xavier, Mathilde Kermel, Camila Lima, Gardênia Zaíra, Anna Oliveira, Paula Duarte, Mauro La-Salette, Gabriela Carvalho, Josie, Erick Vasconcelos, Emmanuel Felipe, Gustavo Ferreira, Joanna Ledakowicz, Rafael Sotero, Gabriel Figueiredo, André Brito, Laís Gonçalves, Fernanda Fernandes e André Lins, por me mostrarem a atemporalidade da amizade.

110


Ficha Técnica COORDENAÇÃO

FOTOGRAFIAS

Lucas Cardim Yvana Fechine Alexandre Freitas João Vale Neto Roberta Lira

Ádila Silva Alef Azevedo Alice Kelly Aline Medeiros Ana Carla Pessoa Aylla Souza Bruno da Silva Maria Caroline Oliveira Clécio Carvalho Denislene França Deyvson Calú Flávia Silva Francielly Silva Girlesson Lins Gutemberg Vieira Jefferson Odair Jonatas Silva Jonatas dos Santos Karlla Lima Késsio Duarte Laís dos Santos Laís Aguiar Lucas Cardim Marcílio Pereira Marconi Vítor Markos Alyx Mayara Mônica França Natália Fernanda Nidinho Paulo Fernandes Renata da Silva Sandokan Xavier Vanessa Lima

PRODUÇÃO

Lucas Cardim PROJETO EDITORIAL

Lucas Cardim EDITOR

Rildo Moura PROJETO GRÁFICO

Eduardo Mafra TRATAMENTO DE IMAGEM

Jair Teixeira TEXTO

Lucas Cardim Yvana Fechine João Vale Neto TRADUÇÃO Inglês: Luana Antero Francês: Mário Julião Laís Gonçalves IMPRESSÃO Provisual

Imagem aérea do bairro

111



Realização:

MABI

NARRAMUNDO

Eduardo

Mafra D e s i g n e r G rá f i c o

Promoção:

Projeto realizado com o apoio do PROEXT 2009 - MEC/SESu.

Apoio: DCOM CE CFCH

PPGCOM PPGEDU PPGS


114


115



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.