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ANDY DIERBERGER. O RESTAURADOR
Por Ana Augusta Rocha Fotos Reinaldo Junqueira
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Uma espécie de Indiana Jones se aproxima... ou seria um velejador de longas provas oceânicas? Ou quem sabe ainda um restaurador de obras valiosas... Talvez todas as alternativas anteriores juntas. Certamente um homem com poucas gravatas em suas gavetas. Até porque gravatas não são confortáveis, não são naturais e não têm um uso prático em meio aos laranjais floridos (de onde se desprende, em setembro, a fragrância de neroli, um perfume indescritível) e por onde ele caminha estação após estação, mais cheio de passos e gestos para com as plantas do que de palavras para nós. João Andreas Dierberger, ou Andy Dierberger, não lembra em nada um executivo típico, fica bem pouco atrás de uma mesa, mas sim à frente de um negócio onde o diálogo com a natureza é estratégico e vital.
Por um instante imagino que ele pudesse, sem constrangimento algum, usar uma gravata Hermés para corrigir a rota de uma muda a uma estaca. Ou a colocaria ao vento para espantar predadores. A imaginação voa longe quando seu entrevistado tende a falar pouco. Mas por acaso alguém duvida que o silêncio fala por si?
Palavras brotarão, no entanto, em algumas situações específicas. Por exemplo, dentro da oficina de restauro de seus Land Rovers antigos, onde alguns carros-achados estão sendo meticulosamente desmontados. Carcaças devidamente despidas e suas pilhas de peças e parafusos em caixas, que aguardam os cuidados de uma equipe que certamente também não terá gravatas em suas gavetas – mais provável graxas nos armários. Ali, naquela oficina na cidade de Barra Bonita, SP, carros que eram sombras de um passado ganharão um futuro novamente. E ali também Andy ganha ares de palestrante, TED-X. Restaurar o fascina, e sobre esse assunto não somente as palavras, mas os olhos expressam.
Depois de algumas horas com ele, nossa equipe percebe que o restauro, reuso, reaproveitamento e renovação não se limitam aos carros, mas se voltará também para veleiros antigos de madeira, aviões que são raridades e uma ou outra motocicleta vintage. E principalmente para os 6 mil hectares de terras plantadas, da família, entre São Paulo, Minas Gerais e Paraguai, e onde são cultivadas espécies produtoras de óleos essenciais, outro tema que provocará suas palavras e brilho nos olhos. A terra cultivada tem sido seu maior e mais constante restauro, pois é trabalho incessante e impres
cindível para a continuidade dos negócios. E que se faz necessário a um ritmo de 10% ao ano, ou seja, 600 hectares anuais de replantio para que o Brasil e mais de 20 países clientes da Dierberger não parem de receber os frutos dessa dedicação: 46 toneladas anuais de óleos essenciais e 100 toneladas de suco concentrado de limão siciliano orgânico.
Agora, leitor, é essencial saber sobre esses óleos extraídos por sofisticados processos de vapor ou por prensagem a frio nas unidades industriais da empresa. Eles compõem desde os perfumes mais sofisticados do planeta até alimentos e produtos de outras indústrias, como a de limpeza e higiene. São eles: óleos de mandarina verde, laranja azeda, bergamota, limão siciliano, eucaliptos do tipo citriodora, globulus e staigeriana, citronela, cidra, palmarosa e vetivert que, entre outras produções como cidra e macadâmia,
Acima, um dos campos de vetivert; À esquerda, a raiz do vetivert de onde se extrai aessência
compõem o portfólio de produtos da empresa. As matériasprimas cultivadas nas fazendas usadas para extração de óleo essencial continuam num processo industrial de agregação de valor, gerando cascas secas, frutas cristalizadas, suco concentrado, terra vegetal e ração animal, no conceito de reciclagem e total reaproveitamento. Bem ele: poucas palavras, muitas atitudes.
A Dieberger, fundada em 1893, vem atravessando os séculos vivendo da terra. E fazendo viver a terra, condição para sua própria subsistência e para a geração de produtos super nobres utilizados em aromas, fragrâncias e cosméticos. É uma história antiga a paixão da família pelas plantas. Teve início em uma travessia feita em 1889, por um rapaz de apenas 19 anos, jardineiro e sonhador que resolve deixar a Europa e uma vida de sofrimentos e embarcou com um amigo dinamarquês do porto de Gênova para o Brasil. Imigrou na terceira classe de um navio com apenas 100 libras esterlinas no bolso. Esse mesmo Johann Dierberger que se tornaria João mais à frente na nova terra, e que, chegando ao país, foi direcionado a um trabalho pesadíssimo na construção de uma ferrovia em Minas Gerais. E que, mais tarde, por sorte ou felicidade, conheceria Veridiana Prado, paulistana influente que o contrataria como jardineiro. Além de um
emprego, ela daria a João oportunidade de plantar em terras ainda desocupadas na cidade de São Paulo, trecho onde hoje se encontra a Praça Roosevelt. Numa área da chácara cedida por Veridiana, João começaria sua trajetória de sucesso com as plantas.
Em 1893 este primeiro João já inaugurara uma elegante floricultura. Em 1914, ainda mais bem sucedido, enviaria seus dois filhos para a Europa, a fim de aprenderem as línguas tão úteis para se comunicar com os imigrantes vindos em grande número, de todos os lugares do Velho Continente, naqueles anos. Em 1924 seus filhos João Dierberger Jr. e Reynaldo Dierberger fundariam a Irmãos Dierberger em Limeira, uma estação experimental onde introduziriam as mais diferentes variedades frutíferas do mundo, e outra empresa voltada para o paisagismo. Em 1926 foram pioneiros na exportação de laranja para os Estados Unidos, criando novos rumos para a agricultura nacional, até então muito voltada para a monocultura do café. O avô, em seu propósito de se tornar um grande exportador de laranjas, inventou soluções para poder enviar sua produção, como a criação de caixas especiais e navios que fossem refrigerados com barras de gelo. Em 1954, João Dierberger Jr. inovou mais uma vez criando a atual indústria de extração de óleos essenciais em Barra Bonita.
Nos final dos anos 1980 foi a vez da terceira geração, Andy e seu irmão Christian já estavam à frente dos negócios e passavam pelos enormes desafios que se avizinhavam com o século 21: sustentabilidade, qualidade e diferenciação. O que os levou a transformar o manejo de suas terras para uma produção orgânica. Um esforço enorme de adequação em toda a cadeia produtiva. Mudar tudo, da terra ao homem que trabalha a terra. Foram os primeiros no país a produzir óleos essenciais certificados e orgânicos e passaram a exportar 30% de sua produção para os principais mercados do mundo. A mecanização da colheita foi outro desafio dos novos tempos.
Mas talvez o maior deles tenha sido enfrentar o greening, praga surgida em 2004 e que hoje infecta a citricultura no mundo inteiro com a bactéria Candidatus Liberibacter americanos, que abate enormemente a planta e sua produtividade. Para combater o greening a empresa teve de abrir mão recentemente de seu status de orgânica, adaptouse ao combate químico de baixo impacto e se alinhou com a sua indústria compradora. Hoje os óleos essenciais estão na categoria LP (low pesticide) de baixa presença química devido a um manejo de combate à praga feitos no pós-colheita. “Foi um dos maiores desafios da nossa geração. Tive que fazer dezenas e dezenas de palestras e encontros para situar o mercado como um todo do drama que estávamos vivendo. Foi um momento muito difícil para a empresa e para todos os produtores de cítricos”, afirma Andy.
Nos últimos anos as inovações têm passado pelo consorciamento de culturas nos pomares: “O cultivo de citronela em meio aos cítricos tem sido muito interessante em termos de produtividade e até mesmo para afastar os insetos que podem ser os vetores de transmissão da praga. É tudo muito recente e temos, dia a dia, nos dedicado a criar métodos e produtos melhores”, explica.
A meta de colheita de 1000 caixas de frutas por hectare plantado foi muito afetada nos anos recentes, ao passo que os mercados mundiais cresceram em sua demanda. Lembrando que 1 tonelada de fruta produz de 3 a 6 quilos de óleo essencial apenas. Para não perder as oportunidades de
um mercado em ascensão, a Dierberger envolveu produtores vizinhos, que se tornaram seus fornecedores, e criou no Rio Grande do Sul uma nova unidade de processamento e extração na região de Montenegro, grande produtora de mandarina.
Ainda no conceito de agregação de valor, foi desenvolvido o aproveitamento da casca após a extração do óleo nela contido para frutas cristalizadas que integram panetones, sorvetes e produtos de panificação em geral. Em 2006 foi também criada a Dierberger Fragrâncias, empresa especializada em formulações para produtos de perfumaria que abrangem desde a perfumaria funcional até perfumaria final, incorporando, entre outras matérias-primas, os óleos essenciais produzidos pela agroindústria do grupo. O grupo tem hoje cinco empresas e produz mais de 150 toneladas/ ano de óleos essenciais. Todos esses dilemas, desafios e superações Andy revela
em meio às suas plantações, na fazenda de Barra Bonita, um misto de mata nativa (40% de sua área) e pomares plantados e replantados incessantemente. Andy mora na fazenda, rodeado por suas centenas de milhares de árvores, numa casa antiga que ele, como era de se esperar, restaurou completamente. “As coisas de valor, a história e a beleza devem ser continuadamente restauradas para que se renovem no tempo, eu me sinto com esta obrigação na minha vida”, conclui, olhando para a paisagem de curvas de nível que abrigam os pomares Dierberger. O perfume intenso da florada de setembro e o verde que se multiplica a perder de vista deixa agora não apenas ele, mas toda a equipe sem palavras.
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