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TEXTO E CONTEXTO: A cativante história de uma viúva pobre e estrangeira
Religião e sociedade
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Lições da história bíblica de uma mulher pobre, viúva e estrangeira
A maioria das pessoas gosta de assistir a séries e filmes que VULNERABILIDADE E MARGINALIZAÇÃO tenham suspense, aventura e romance, elementos que costumam O contexto socioeconômico de Rute não era nada favorável, conprender nossa atenção. Talvez seja por isso que muitos considerem siderando o fato de ela ser viúva, pobre, estrangeira e não ter filhos. o livro de Rute uma das obras bíblicas mais bonitas e cativantes. Sem homens no lar, a viúva estava exposta à fome e à exploração.
O episódio central dessa narrativa ocorre durante a colheita da Portanto, restava-lhe apenas uma função marginal na sociedade. cevada e do trigo em Israel, e sua heroína é uma estrangeira da terra Com frequência, viúvas, órfãos, estrangeiros e pobres se tornavam de Moabe que adere à religião de sua sogra, Noemi, e se torna parte vítimas nas mãos de homens perversos e poderosos. O livro de Jó, da sociedade israelita e da aliança de Deus com Seu povo. por exemplo, nos revela qual era o tratamento que pessoas nessa Curto e simpático, o relato de Rute nos ensina muitas lições, e condição costumavam receber no Antigo Oriente Próximo: “Há os algumas delas têm que ver com o papel da religião na sociedade. que removem os marcos de divisa, roubam os rebanhos e os apasComo Deus espera que Seu povo trate as pessoas em situação centam. Levam o jumento que pertence ao órfão, e, como penhor, de vulnerabilidade e marginalização? Seria essa uma pauta relevante ficam com o boi da viúva. Desviam do caminho os necessitados, e os para a tradição judaico-cristã? O que a história de pobres da terra todos têm de se esconder” (24:2-4). Rute nos ensina sobre proteção social e inclusão? Esse tipo de opressão feria a dignidade dessas pessoas, pois as excluía socialmente e espoliava DISTOPIA SOCIAL seus bens: “Passam a noite nus por falta de roupa
Rute, a personagem principal da trama, é e não têm cobertas contra o frio. São encharcados apresentada num contexto repleto de desgraças. pelas chuvas das montanhas e, por falta de abrigo, A narrativa bíblica começa afirmando que, por abraçam-se às rochas. […] Os pobres andam nus, causa da seca e da fome na terra de Judá, a família sem roupa, e, famintos, carregam os feixes. Entre de Elimeleque, esposo de Noemi, deixou a cidade de Belém os muros desses perversos espremem o azeite; pisam as uvas no e se mudou para Moabe. E foi ali que Malom e Quiliom, os lagar, enquanto padecem sede” (Jó 24:7-11). filhos de Elimeleque e Noemi, se casaram com duas jovens No caso de Rute, a situação era ainda mais grave, pode acreditar! moabitas: Rute e Orfa (Rt 1:1-4). Como se não bastasse ser uma representante de praticamente todas
A primeira fatalidade registrada no livro é a morte de Elime- as categorias sociais marginalizadas da época, Rute era uma jovem leque, o que aparentemente ocorreu quando Malom e Quiliom moabita que havia decidido viver em Israel. ainda eram solteiros (v. 3, 4). Na sequência do relato, os jovens Nesse contexto, ser estrangeira era algo ruim, mas ser moabita hebreus também morrem. A fragilidade deles é sugerida sutil- era ainda pior. Por quê? A resposta é que havia uma hostilidade mente pelos nomes Malom e Quiliom, que podem significar histórica entre os dois povos. No período da saída do Egito, quan“enfermidade” e “extermínio”, respectivamente. Assim, o narra- do Israel ainda peregrinava no deserto, os moabitas contrataram o dor introduz a aterradora realidade de Noemi, Rute e Orfa, que profeta Balaão para amaldiçoar o povo de Deus (ver Nm 22:6). E foi ficaram desamparadas e em estado de completa vulnerabilidade. por conselho de Balaão que os israelitas foram induzidos à adoração
Após essa tragédia, que só não foi mais grega porque as mu- do deus Baal-Peor enquanto estavam em Sitim (25:1-3; 31:16). Por lheres da família ainda estavam vivas, Noemi decidiu retornar causa dessa atitude dos moabitas, o Pentateuco prescreveu que eles, a Judá, sua terra natal, porque “ouviu que o SENHOR havia se assim como os amonitas, estariam proibidos de entrar na assembleia lembrado do seu povo, dando-lhe alimento” (v. 6). Viúva e sem de Deus, a congregação de Israel (Dt 23:3; Lm 1:10). filhos, ela orientou as noras a retornar à “casa de sua mãe” (v. 8). São por essas e outras razões que a decisão de Rute de acompa-
Essa instrução é no mínimo curiosa, considerando o fato de nhar Noemi, aceitar o Deus de Israel e se tornar parte desse novo que na Bíblia o mais comum seria dizer “casa de seu pai”. A expres- povo foi extremamente corajosa. Isso desafiava todas as barreiras são “casa de sua mãe” ou “casa de minha mãe” é usada somente e convenções socioculturais daquele tempo e, aparentemente, até outras três vezes nas Escrituras (Gn 24:28; Ct 3:4; 8:2), e em todas mesmo o pacto de Deus com a nação eleita. essas ocorrências parece haver uma ligação com a temática do Mas será que o Deus de Israel rejeitaria uma viúva estrangeira casamento. É provável que Noemi estivesse sugerindo às noras que estava disposta a se tornar parte do povo da aliança? que voltassem à casa materna para encontrar outro marido, algo que ela diria explicitamente no verso seguinte (Rt 1:9). UTOPIA SOCIAL
Orfa e Rute protestaram contra o pedido. Ambas choraram Os moabitas estavam proibidos de entrar na congregação em voz alta, mas Orfa acabou cedendo ao conselho da sogra. de Israel, mas não um pecador arrependido e convertido. O esCom um beijo e tristeza no coração, despediu-se dela. Por outro trangeiro que se achegava a Deus mudava de religião e de pátria, lado, Rute se apegou a Noemi e lhe disse: “Não insista para que tornava-se um verdadeiro israelita (ver Mt 15:21-28; Rm 1:25-29). eu a deixe nem me obrigue a não segui-la! Porque aonde quer Isaías 56:6 a 8 nos diz que o Senhor prometeu levar para Seu santo que você for, irei eu; e onde quer que pousar, ali pousarei eu. monte os estrangeiros que abraçassem a aliança Dele. E foi exataO seu povo é o meu povo, e o seu Deus é o meu Deus. Onde mente isso que Rute fez quando disse para Noemi: “O seu povo é quer que você morrer, morrerei eu e aí serei sepultada. Que o o meu povo, e o seu Deus é o meu Deus” (Rt 1:16). SENHOR me castigue, se outra coisa que não seja a morte me Rute usou a fórmula que é empregada nas Escrituras para se separar de você” (v. 16, 17). referir ao pacto de Deus com Israel (ver Êx 6:7; Jr 31:33; Ez 37:27).
“O seu povo é o meu povo, e o seu Deus é o meu Deus ” (Rt 1:16)
A jovem moabita foi retratada pelo narrador como alguém que havia aceitado os termos da aliança de Deus com o Seu povo, e esse fato é reconhecido por Boaz, outro personagem importante da narrativa: “Bem me contaram tudo quanto fizeste a tua sogra, depois da morte de teu marido, e como deixaste a teu pai, e a tua mãe, e a terra onde nasceste e vieste para um povo que dantes não conhecias. O SENHOR retribua o teu feito, e seja cumprida a tua recompensa do SENHOR, Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar refúgio” (Rt 2:11, 12, ARA).
A ideia de encontrar refúgio sob as asas de Deus evoca a imagem da águia que protege seus filhotes, um recurso usado em Êxodo 19:4 e Deuteronômio 32:11 para se referir ao cuidado que Deus teve com o povo de Israel ao guiá-lo pelo deserto. Rute encontrou refúgio no Senhor da mesma forma que os israelitas, que peregrinaram como estrangeiros até chegar à Terra Prometida .
Tudo isso nos ensina que as portas do povo de Deus sempre estiveram abertas para receber as pessoas dispostas a abraçar a aliança e a viver sob seus mandamentos. O convite gracioso do Senhor não reconhece castas, etnias nem categorias socioculturais. Todos os que abraçam a aliança são bem-vindos!
O pano de fundo da narrativa acentua essa verdade ao relacionar a experiência de Rute com a celebração do Pentecostes, que também é chamado de Festa das Semanas. Quando Rute chegou a Israel, era a época da colheita (Rt 2:23), período que se iniciava com a ceifa da cevada, logo após a Páscoa, e se estendia até o fim da ceifa do trigo. O término da colheita era comemorado no Pentecostes, que ocorria sete semanas após a apresentação do primeiro molho de cereais na Festa das Primícias (Lv 23:9-25).
O mais curioso é que o Pentecostes não era apenas uma festividade agrícola, mas uma celebração da entrega da lei no monte Sinai. Além de dizer que Israel foi levado “sobre asas de águia”, Êxodo 19 nos informa que Deus pronunciou os Dez Mandamentos no terceiro dia do terceiro mês (Êx 19:1, 16). Isso quer dizer que o Senhor entregou a lei para Seu povo no Pentecostes, exatamente sete semanas após a Páscoa (a Festa das Primícias fazia parte da celebração da Páscoa).
Portanto, o paradigma histórico da celebração do Pentecostes é a entrega da lei e o estabelecimento do pacto de Deus com Israel. Quando Rute pronunciou a fórmula da aliança, era como se ela estivesse repetindo a experiência dos israelitas no sopé do monte Sinai, onde todo o povo respondeu unânime: “Faremos tudo o que o SENHOR ordenou” (Êx 19:8, NVI). Na sociedade hebraica, a aliança funcionava como um tipo de contrato social que preservava os direitos não apenas dos israelitas, mas também dos estrangeiros e de outras classes vulneráveis. Embora esse tipo de organização social não se enquadre nos moldes modernos do chamado contratualismo (conjunto de teorias políticas sobre a fundação do Estado), é inegável que a aliança desempenhou um importante papel na preservação dos direitos básicos dos israelitas e estrangeiros.
PROTEÇÃO E INCLUSÃO
Já estabelecida em Israel, Rute foi ao campo de Boaz para colher as espigas que eram deixadas ali depois da ceifa. Essa prática havia sido prescrita no Pentateuco para que o pobre, a viúva e o estrangeiro pudessem garantir seu alimento sem ter que recorrer à mendicância; a dignidade era um direito e não um favor. É interessante notar que essa lei foi dada na mesma passagem que estabelece a observância do Pentecostes (Lv 23:22; ver Dt 24:17-22).
Além de ser beneficiada pelo estatuto bíblico que garantia a segurança alimentar dos mais pobres, Rute também foi amparada pela lei do levirato (ver Dt 25:5-10). De acordo com esse mandamento, o resgatador, isto é, o parente mais próximo, tinha o dever legal de suscitar a descendência de um familiar que havia falecido sem deixar filhos. Era dever do resgatador se casar com a viúva de seu parente, e então o filho dessa união matrimonial seria considerado um legítimo herdeiro do falecido. O resgatador ainda tinha o dever de, entre outras coisas, resgatar seus familiares da escravidão (Lv 25:47-54) e as propriedades deles em caso de dívida (v. 25). Essas eram algumas das formas de preservar o nome das famílias, seu patrimônio e o território das tribos de Israel (ver Rt 4:5-12).
O relato nos diz que Boaz era um dos resgatadores da família de Elimeleque (Rt 2:1; 3:9) e que, ao ser confrontado com essa realidade, o piedoso homem rapidamente se dispôs a cumprir seu dever. Boaz comprou todas as propriedades da família de Elimeleque, casou-se com Rute e lhe deu um filho. E Obede, filho de Boaz e Rute, foi pai de Jessé, avô de Davi e um dos ancestrais de Jesus Cristo (4:9-13; Mt 1:1-17).
A RELIGIÃO PURA E SEM MÁCULA
Deus não apenas aceitou Rute e cuidou das necessidades dela; Ele a elevou a uma posição exaltada na casa de Israel, uma vez que a pobre viúva moabita se tornou uma das matriarcas da dinastia davídica (ver Rt 4:11). O Senhor honrou o compromisso daquela jovem com a Sua aliança e a disposição dela para servi-Lo.
De maneira muito bela, Boaz reconheceu essas virtudes de Rute quando a chamou de “mulher virtuosa”, do hebraico ’eshet chayil (3:11). Isso porque, na poesia de Provérbios 31, uma das características da “mulher virtuosa” é o “temor do SENHOR” (v. 30).
No texto original, Boaz também é chamado de “homem poderoso/virtuoso”, do hebraico ’ish gibbor chayil (Rt 2:1). No entanto, o fato mais surpreendente dessa história é que ele também era filho de uma estrangeira. E sua mãe não era qualquer estrangeira; era Raabe, a ex -prostituta cananita que tinha escondido dois espias de Israel na cidade de Jericó (ver Rt 4:20; Mt 1:5).
Como tudo no livro de Rute, a família de Boaz é um símbolo da graça transformadora e inclusiva de Deus. Afinal, se a mãe de Boaz era uma ex-prostituta cananita, seu pai, Salmom, era sobrinho de Eliseba, a esposa do grande sumo sacerdote Arão (ver Êx 6:23; Rt 4:20; 1Cr 2:10, 11). Nesse caso, membros do sacerdócio e estrangeiros foram unidos pela aliança e a fé no Deus de Israel.
Assim, com beleza e emoção, a história de Rute nos ensina muitas lições sobre o papel da religião na transformação espiritual e social de indivíduos e comunidades. O equilíbrio entre esses dois fatores é fundamental para o vigor da fé, pois piedade e compromisso social são faces da mesma moeda. Como diz uma citação clássica das Escrituras: “A religião pura e sem mácula para com o nosso Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se incontaminado do mundo” (Tg 1:27).
“Aprendam a fazer o bem; busquem a justiça, repreendam o opressor; garantam o direito dos órfãos, defendam a causa das viúvas ” (Is 1:17)
Para saber mais
Juízes e Rute: Introdução e Comentário, Série Cultura Bíblica, de Arthur E. Cundall e Leon Morris (Vida Nova, 2006) Ruth and Esther, Word Biblical Commentary, de Fredric W. Bush (Word Incorporated, 2002), v. 9.
Básica
Texto Paulo Cândido Imagem © bignai | Adobestock
Shalom é um conceito rico, multifacetado e difícil de ser traduzido. Tem que ver com a restauração da harmonia das relações
Curiosa
Texto Julie Grüdtner
SHALOM
A tradução mais simples e direta da expressão hebraica shalom é paz, mas não no sentido de ausência de conflito nem apenas como um estado de espírito. Refiro-me aqui à paz como restauração da harmonia das relações, um bem-estar pleno. Essa é uma das razões porque esse conceito bíblico começou a chamar mais a atenção de teólogos e missiólogos depois da Segunda Guerra Mundial.
Shalom é uma daquelas ideias bíblicas ricas e multifacetadas, que apresentam várias implicações práticas. Como uma caixa mágica que guarda muito mais coisas do que seu volume permite, o termo tem sido usado em hebraico pela dificuldade de encontrar expressões equivalentes em outros idiomas.
Então, o que é a paz da qual a Bíblia fala? Shalom tem que ver com: (1) se identificar e se comprometer incondicionalmente com o outro, principalmente com quem está numa condição de maior vulnerabilidade, marginalização e pode até ser visto como um inimigo; (2) o amor fraternal (ágape); (3) a restauração da harmonia na criação, transformando o ser humano e suas relações com Deus, consigo mesmo, com a sociedade e a natureza; (4) a busca ativa pela edificação mútua em comunidade, promoção de relações justas e a construção da paz; e (5) enxergar a humanidade de modo integral, considerando a espiritualidade como a base do bem-estar físico, emocional e social.
Desde meados dos anos 1960, missiólogos têm se apropriado desse conceito para ampliar a perspectiva da missão cristã e reposicionar as igrejas locais como agentes transformadoras do contexto em que estão inseridas e onde testemunham. O objetivo é repensar a identidade missionária da igreja e ajudar a redirecionar o cristianismo ocidental de sua tendência muito individualista, espiritualizante e desconectada das questões entendidas como de interesse público.
Na perspectiva missiológica, Deus é missionário, presente e ativo no mundo. Portanto, é no mundo que o cristão, reconciliado e em shalom com Deus, vive na prática da justiça, misericórdia e humildade (Mq 6:8). É no mundo que a igreja se une a Deus na restauração da criação e na promoção da harmonia e do bem-estar social, para que a vontade Dele seja feita “assim na Terra como no Céu” (Mt 6:10).
Fontes: Verbete “Shalom”, de Paul Hiebert, em Evangelical Dictionary of World Missions (Baker, 2000), de A. Scott Moreau, Harold A. Netland e Charles Edward van Engen (eds.), p. 868, 869; livros O Que é Missão Integral? (Ultimato, 2009), de René Padilla; Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia de Missão (Sinodal, 2002), de David Bosch; e El Proyecto De Dios y Las Necesidades Humanas; Más Modelos de Ministerio Integral en America Latina (Kairos, 2000), de René Padilla e Tetsunao Yamamori (eds.).
A FORÇA DOS LAÇOS FRACOS
A famosa frase, típica do sertanejo sofrência, “tem gente que só valoriza quando perde”, nunca fez tanto sentido quanto de março de 2020 para cá. Não estou falando aqui da morte de alguém querido, mas de uma sensação geral de desconexão humana, que nos faz sentir saudade até mesmo de ver aquele “conhecido” que só encontramos no elevador.
A crise sanitária atual abalou nossas relações interpessoais e nos fez perceber que precisamos mais dos outros do que imaginávamos. De acordo com a Teoria dos Laços Fracos (tradução livre de weak ties), do sociólogo norte-americano Mark Granovetter, relações superficiais têm papel crucial na manutenção da saúde coletiva.
Desde o porteiro do seu condomínio até o colega que você costuma encontrar na cantina da escola, esses são seus laços sociais fracos, ou seja, pessoas com quem você não tem profunda ligação emocional, mas com quem estranhamente compartilha certa fraternidade.
Andrew Guydish, doutorando em Psicologia na Universidade frustração, enquanto, paralelamente, as emoções positivas delas declinaram. Parece que estamos sentindo falta de gente! Isso porque nosso bem-estar depende da qualidade das nossas relações sociais, até mesmo das mais fracas.
da Califórnia (EUA), observou que os laços fracos geram em nós mais otimismo, principalmente no trabalho. Isso acontece porque o ser humano, apesar de geralmente experimentar maior satisfação nas relações familiares, precisa também se sentir parte de uma comunidade mais ampla.
Entre junho de 2019 e junho de 2020, pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, verificaram que, durante a quarentena, as pessoas entrevistadas por eles haviam tido prevalência maior de emoções negativas, como tristeza, medo e
Fontes: Artigos acadêmicos “Covid-19 and Subjective Well-Being: Separating the Effects of Lockdowns from the Pandemic”, de R.S. Foa, S. Gilbert e M. Fabian, em bennettinstitute.cam.ac.uk; “The Strength of Weak Ties”, de Mark S. Granovetter, em American Journal of Sociology, v. 78, no 6, maio 1973, p. 1360-1380; e a reportagem “The Pandemic has Erased Entire Categories of Friendship”, de Amanda Mull, na revista The Atlantic (theatlantic.com), em 27 de janeiro de 2021.
Casos recentes de assassinatos de cidadãos negros nos Estados Unidos e no Brasil geraram comoção e protestos, mas eles não são isolados. Segundo o Atlas da Violência 2020, o número de homicídios de pessoas negras aumentou 11,5% nos últimos dez anos em nosso país. Lamentavelmente, depois de tanto tempo do fim da escravidão, o fator raça continua a pesar em questões como preconceito, segregação e desigualdade social, deixando um rastro de crueldade e miséria. Curiosamente, grupos religiosos que hoje protagonizam importante papel na luta pela igualdade já tentaram justificar o racismo. Mas é possível legitimar o racismo por meio do discurso religioso? Confira.
Sim
Por cerca de 130 anos, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons) se opôs à ordenação de sacerdotes afrodescendentes e impediu a participação de negros em vários ritos no templo. Essa discriminação tinha como base a ideia de que a negritude da pele era resultado da maldição sinalizada sobre Caim (Gn 4:8-15). A cor da pele também foi a justificativa para a Igreja Católica legitimar a escravidão e o racismo em algumas bulas papais (Romanus Pontifex, Aeterni Regis, Inter Caetera). Um dos argumentos era que a pele escura tinha que ver com o significado do nome hebraico Cam (“quente”, “queimado”), um filho de Noé que foi amaldiçoado pelo pai (Gn 9:25). Por sua vez, Allan Kardec, pai do espiritismo moderno, declarou, no século 19, que negros eram espiritualmente inferiores.
Não
De modo geral, hoje a maior parte das denominações cristãs fundamenta seu repúdio ao racismo na convicção de que a dignidade humana tem como base o fato de que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Denominações como as Igrejas Adventista do Sétimo Dia e a Metodista reconhecem também que o racismo é um problema estrutural e que afronta os princípios bíblicos de amor ao próximo e igualdade. Porém, a história das tradições religiosas costuma ser marcada por tensões e contradições entre discurso e prática. Por exemplo, Ellen White, cofundadora da Igreja Adventista, lamentou a maneira pela qual os adventistas no Sul dos Estados Unidos, de maioria negra, eram negligenciados por líderes brancos do Norte, no fim do século 19. Em tais casos, ela advertia que a religião da Bíblia não reconhece casta ou cor. Assim como Ellen White, outros líderes cristãos de sua época foram importantes para a luta antiescravagista, como Gerrit Smith, Henrietta Platt e Joseph Bates.
Fontes: Atlas da Violência 2020 (Ipea); site da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (bit.ly/3vtOShV); artigo “A relação da Igreja Católica com o negro: de sua contribuição para a manutenção do racismo à valorização do povo negro pela pastoral afro-brasileira”, de José Cristiano Bento dos Santos, em Anais do VII SIPECS: Classes e Identidades, de 2018, p. 126-142 (bit.ly/3xLwItY), site do Vaticano (bit.ly/3gNnCHh); “Frenologia espiritualista e espírita – Perfectibilidade da raça negra”, de Allan Kardec, na revista Espírita de abril de 1862 (ipeak.net); site da Igreja Metodista no Brasil (bit.ly/332AsJr); “Pioneiros adventistas e seu protesto contra racismo sistêmico”, em Portal Adventista, em 6/7/2020 (bit.ly/2QICUSP); e os livros Declarações da Igreja (CPB, 2012), p. 174; Testemunhos Para a Igreja (CPB, 2005), v. 9, p. 205, 223.
DA DIVERSIDADE À ALTERIDADE
Diversidade
Do latim diversitas, é o que caracteriza o mosaico cultural. Mas essa multiplicidade não tem se refletido em muitos setores da nossa sociedade. Por essa razão, em 2002, a ONU instituiu o Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento, um passo importante na luta contra o
Preconceito
Motivado por generalizações apressadas, visões distorcidas ou ignorância, ele se manifesta por meio de opiniões, ideias, sentimentos ou atitudes como as que foram identificadas em um estudo realizado em 2020 pelo Instituto Locomotiva para a Central Única das Favelas (Cufa). A pesquisa revelou que três em cada quatro mulheres, negros e pessoas das classes C, D e E, já foram alvo de preconceito e constrangimento em estabelecimentos comerciais. Sem dúvida, isso é um péssimo negócio para as empresas e um entrave para que o país atinja um nível mais elevado de
Desenvolvimento
Está associado com a noção de crescimento econômico, político e social, mas depende, em grande medida, da capacidade de inovação e inclusão. Aliás, uma pesquisa da Universidade Stanford, que analisou 1,2 milhão de teses de doutorado defendidas nos Estados Unidos (1977-2015), mostrou que as minorias tendem a ser mais inovadoras do que as maiorias, embora o grau de reconhecimento acadêmico dado a elas ainda seja muito desigual. Portanto, uma sociedade que exclui perde em todos os sentidos, além de negar o valor da
Alteridade
Embora alguns confundam alteridade com empatia, esse é um conceito mais relacionado com a afirmação da diversidade humana e o reconhecimento das diferenças. É óbvio que, como humanidade, temos muito em comum, mas respeitar aquilo que nos distingue, isto é, a alteridade, é o caminho para vivermos livres dos preconceitos que impedem o desenvolvimento resultante da valorização da diversidade.
Fontes: Dicionários Houaiss e Michaelis (michaelis. uol.com.br); “Pesquisa mostra que preocupação com diversidade gera lucro às empresas”, site da Agência Brasil (bit.ly/3dL2LRU); “O paradoxo diversidade-inovação”, site Pesquisa Fapesp (bit.ly/2PQpm7n); “Alteridade”, canal Brasil Escola (bit.ly/3sWFUJk).