Diálogos e Práticas Interprofissionais em Saúde

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Diálogos e Práticas Interprofissionais em Saúde

MOSSORÓ-RN 2020

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Catalogação da Publicação na Fonte. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Diálogos e práticas interprofissionais em saúde. / Lucidio Clebeson de Oliveira, Francisco Rafael Ribeiro Soares, Lorrainy da Cruz Solano (Orgs.) – Mossoró – RN: EDUERN, 2020. 226p. ISBN: 978-65-991344-4-9 (E-book) 1.Saúde. 2. Práticas interprofissionais. 3. Multiprofissional. I. Oliveira, Lucidio Clebeson de. II. Soares, Francisco Rafael Ribeiro. III. Solano, Lorrainy da Cruz. IV. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. V. Título.

UERN/BC

CDD 613

Bibliotecário: Petronio Pereira Diniz Junior CRB 15 / 782

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Informações da editora

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Lucidio Clebeson de Oliveira Francisco Rafael Ribeiro Soares Lorrainy da Cruz Solano Francisca Patrícia Barreto de Carvalho Ismália Magda de Oliveira Lima Jéssika Priscilla Sales de Oliveira Santos Joel Florêncio da Costa Neto Kênnia Stephanie Morais Oliveira Lucas Pereira de Melo Rianne Soares Pinto Gonçalves Tatiane Aparecida Queiroz Paloma Katlheen Moura Melo Polyanna Keitte Fernandes Gurgel Welina Maria de Paiva Dias Jean Michel Regis Mendes

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Adalgiza Cristina Gomes de Oliveira Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Tocantins, UNITINS (2013). Especialista em Saúde da Família e Saúde Coletiva (FSM) Cajazeiras/PB, Especialista em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (UFRN), residência Multiprofissional em Atenção Básica (EMCM/UFRN). Ana Géssica Costa Martins Graduação em Enfermagem (Bacharelado/Licenciatura) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN. Especialista em Auditoria em Serviços de Saúde pela Faculdade Vale do Jaguaribe-FVJ. Enfermeira Gestora do Grupo Vitta. Enfermeira Coordenadora da Qualivitta Home Care. Enfermeira Intensivista do Hospital Wilson Rosado. Coordenadora do Núcleo de Segurança do Paciente do Hospital Wilson Rosado. Ana Karollyne Queiroz de Lima Graduação em Nutrição pela Universidade Potiguar (2015). Especialização na modalidade de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2018). Docente da FACENE/RN.

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Ana Luiza de Oliveira Sousa Graduação em Nutrição pelo Instituto Federal do Ceará Campus Limoeiro do Norte (2016). Especialização na Modalidade de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/ Saúde da Família e Comunidade UERN/PMM. Especialização na Modalidade de Residência Multiprofissional em Cardiopneumologia pela Escola de Saúde Pública do Ceará RIS/ESP - CE. Brena Miranda da Silva Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará. Assistente Social Residente através do Programa de Assistência em Transplantes do Hospital Universitário Walter Cântídio vinculado à Universidade Federal do Ceará. Especialista pelo Programa de Residência em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade vinculado à Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN. Caroline Nóbrega Bernardino Graduação em Farmácia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN (2013). Cindy Damaris Gomes Lira Graduação em Enfermagem (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Cognição, Tecnologias e Instituições - PPGCTI pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido-UFERSA. Deceles Ingrid de Carvalho Oliveira Graduação em Serviço Social pela Universidade Anhanguera, especialista em Saúde da Família pela Faculdade Vale do Jaguaribe-FVJ e em Atenção Básica\Saúde da Família e Comunidade, na modalidade de Residência Multiprofissional,

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pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN em parceria com a Prefeitura Municipal de Mossoró. Graduanda de Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN. Deivson Wendell da Costa Lima Graduação em Enfermagem (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN (2006). Mestre em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde pela Universidade Estadual do Ceará-UECE (2013). Atualmente é discente do Programa de Pós-graduação Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - EERP/USP. Emanuel Messias Aguiar de Castro Graduação em Psicologia pela Universidade Estadual do Ceará (2014) e mestrado em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (2017). Atualmente cursa doutorado na Universidade Federal do Ceará. É Coordenador e professor do curso de psicologia da Faculdade Princesa do Oeste. Emanuelle Louyde Ferreira de Lima Graduação em Odontologia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN (2014). Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Odontológicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Mestra pelo Programa de pós-graduação em saúde coletiva (PPGSCol), com área de concentração em Odontologia pela UFRN (2016). Atualmente está como Coordenadora do Curso de Odontologia da Faculdade Nova Esperança (FACENE/RN), atua como docente na instituição ministrando algumas disciplinas no curso de Odontologia e é membro integrante Núcleo Docente Estruturante (NDE) da instituição.

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Elayne Cristina Ferreira Xavier Graduação em Nutrição pela Universidade Potiguar. Especialista em Nutrição Clínica e Terapia Nutricional pela Faculdade Vale do Jaguaribe - CE e Especialista, na modalidade de Residência multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN em parceria com a Prefeitura Municipal de Mossoró-PMM. Fernanda Greicy Santos de Oliveira Graduação em Educação Física (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Estadual da Paraíba (2011). Especialista em Fisiologia do Exercício e Grupos Especiais pela Unileão (2015). Residência em Saúde Coletiva pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva da Universidade Regional do Cariri (2019). Francisco Arnoldo Nunes de Miranda Graduação em Enfermagem. Doutor em Enfermagem pelo Programa Interunidades da Universidade de São Paulo e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (USP-EERP-EPCH), PósDoutor em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem São João de Deus (ESESJD-U-ÉVORA), Évora/Portugal. Professor Titular do Curso de Graduação em Enfermagem e Permanente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coordenador do Programa de Pós-graduação em Enfermagem-PGENF/UFRN (2010-2014). Bolsista Produtividade-PQ2 (2014-2016). Participa como parecerista ad-hoc de diversos periódicos científicos nacionais e internacionais nas áreas de Enfermagem e da Saúde. Coordena o Grupo de Pesquisa Ações promocionais de atenção a grupos humanos em saúde mental e saúde coletiva/DGP-CNPq. Avaliador do INEP/SINAES/DAES.

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Francisca Adriana Barreto Graduação em Enfermagem (bacharelado e licenciatura) pela UERN. Doutoranda em Geografia pelo Programa de Pósgraduação em Geografia da UFPE. Mestre em Cuidados Clínicos e Enfermagem pela UECE. Especialista em Enfermagem do Trabalho pela FACISA. Atualmente atua como Docente da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, é coordenadora do projeto de extensão Intervenções em Saúde no Mundo do Trabalho ativo desde 2016, e membro do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (CEP-UERN). Francisca Patrícia Barreto de Carvalho Graduação em enfermagem. Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Mestre pelo Programa de PósGraduação do Centro de Ciências da Saúde/Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialização em Ensino de Saúde/Enfermagem pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Professora adjunto IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Desde 2005). Professora Permanente do Programa de Pós-Graduação Saúde e Sociedade (2017). Atualmente exerce a atividade de Analista Técnico na Fundação de Apoio a Pesquisa do Rio Grande do Norte (nº 1468/2019GP/FUERN). Francisco Rafael Ribeiro Soares Graduação em Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2007) e mestrado em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2014). Doutorando em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde pela Universidade Estadual do Ceará. Atualmente é professor Adjunto I da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

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Geisielly Cristina Araújo Fernandes Graduação em Fisioterapia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2016). Possui Residência em Atenção Básica pela EMCM/UFRN (2018), Residência em Cardiologia pelo HUOL/UFRN (2020). Atuando na área de Reabilitação Cardiovascular, Terapia Intensiva, Atenção Básica à Saúde e Saúde Coletiva. Girlane Maria Costa Acadêmica do curso de Medicina na Universidade Estadual do Rio Grande do Norte-UERN. Aluna Bolsista do PIBIC UERN 2018\2019 com o projeto Monitoramento entomológico e viral do Aedes aegypti no município de Mossoró -RN. Participa do Projeto de Extensão Sonho de América e Programa Assistencial de Doença de Chagas. Integrante da Liga Acadêmica Mossoroense de Cirurgia e da Liga Acadêmica de Neurologia e Neurocirurgia do Rio Grande do Norte. Glauber Weder dos Santos Silva Bacharelado e Licenciatura em Enfermagem pela UERN; Especializações em Educação Permanente em Saúde pela UFRGS e em Gestão de Redes de Atenção à Saúde pela ENSP/FIOCRUZ; Mestrado e Doutorado em Enfermagem na Atenção à Saúde (em andamento) pelo Programa de PósGraduação em Enfermagem da UFRN. É Professor Substituto de Atenção Integral à Saúde do Adulto II no Departamento de Enfermagem da UFRN e Enfermeiro da Secretaria da Saúde Pública do RN, lotado no Hospital Giselda Trigueiro - referência em infectologia, atuando na unidade de internamento clínico e cuidados intensivos de COVID19 e no serviço de educação permanente em saúde.

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Ismália Magda de Oliveira Lima Graduação em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará (2015). Especialista em Saúde da Família pela Faculdade Vale do Jaguaribe- FVJ e em Atenção Básica\Saúde da Família e Comunidade, na modalidade de Residência Multiprofissional, pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN em parceria com a Prefeitura Municipal de Mossoró. Jaciara Sampaio Gonçalves Graduação em Enfermagem (Bacharelado e Licenciatura) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN em (2017). Coordenadora Geral, Instrutora em APH do Centro de Preparação em Atendimento Pré-Hospitalar-CEPAPH; (2018); Pós-Graduanda em urgência e emergência pela Faculdade do Vale do Jaguaribe - FVJ em (2018). Jéssica Micaele Rebouças Justino Graduação em Enfermagem (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN (20112016). Mestre em Cognição, Tecnologias e Instituições pelo Programa de Pós-graduação em Cognição, Tecnologias e Instituições-PPGCTI na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA). Atualmente, atua como Técnica de Nível Superior I no Centro Integrado de Simulação (CIS) da Universidade Potiguar, campus Mossoró/RN. Jéssica Natana de Meneses Silva. Graduação (Bacharelado e licenciatura) em enfermagem pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN (2016). Enfermeira residente em atenção básica/saúde da família e comunidade pela UERN em parceria com a Prefeitura Municipal de Mossoró.

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Jéssika Priscilla Sales de Oliveira Santos Graduação em Nutrição pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2016). Especialista em Saúde da Família pela Faculdade Vale do Jaguaribe-FVJ e em Atenção Básica\Saúde da Família e Comunidade, na modalidade de Residência Multiprofissional, pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN em parceria com a Prefeitura Municipal de Mossoró. Joel Florêncio da Costa Neto Graduação em fisioterapia pela UNP. Especialista, na modalidade de Residência multiprofissional, pelo programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte em parceria com a Prefeitura Municipal de Mossoró. Especialização em Terapia Manual e Postura aplicada a Ortopedia e Traumatologia pela Universidade Potiguar (andamento). Especialização em Docência para o Ensino Superior pela Universidade Potiguar (andamento). Atua como docente de nível superior e terapeuta integrativo, desenvolvendo pesquisas direcionadas para área de envelhecimento humano, terapias complementares, saúde coletiva e terapia manual. José Josivaldo Pessoa Acadêmico de medicina da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN. Katamara Medeiros Tavares Graduação em Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (1997). Enfermeira generalista da Unidade de Pronto Atendimento Conchecita Ciarline (UPA) e Docente da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Especialista em Saúde da Família e Educação Profissional na área da Saúde: enfermagem, pela FIOCRUZ, RJ. Residência em

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Enfermagem Tocoginecológica pelo IMIP-PE. Aluna do Mestrado em Ensino: PÓS ENSINO-UERN/UFERSA/IFRN. Kênnia Stephanie Morais Oliveira Graduação em Enfermagem (Bacharelado e Licenciatura). Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde e Sociedade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (PPGSSUERN); Especialista em Saúde da Família e Comunidade pelo Programa de Residencia Multiprofissional em Atenção Básica/ Saúde da Família e Comunidade (RMABSFC) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e Prefeitura Municipal de Mossoró-RN (UERN/PMM). Pós-graduada em obstetrícia e Ginecologia pela UNIQ. Enfermeira e coordenadora da ESF da UBS do distrito do Córrego Apodi/RN; Enfermeira do Centro Obstétrico Municipal Albaniza Diógenes no município de Apodi-RN (COMAD). Jonas Rayfe Vasconcelos da Silva Graduação em Psicologia pelo Centro Universitário FACEX (2015). Especialista em Atenção Básica pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Escola Multicampi de Ciências Médicas da UFRN. Mestrando em Psicologia pela UFRN. Laura Camila Pereira Liberalino Graduação em Nutrição e pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutora em Saúde Coletiva (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), Mestre em Ciências da Nutrição (Universidade Federal da Paraíba, linha Saúde Coletiva e Epidemiologia), Especialista em Saúde da Família (Residência Multiprofissional - Escola de Formação em Saúde da Família Visconde de Sabóia/Universidade Estadual Vale do Acaraú). É servidora da Secretaria de Estado de Saúde Pública do Rio

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Grande do Norte (SESAP/RN) e professora do curso de Nutrição da Universidade Potiguar, campus Natal. Lorrainy da Cruz Solano Graduação em Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002), especialista em Processos Educacionais em Saúde pelo IEP/Sírio Libanês. Mestrado e doutorado em Enfermagem pelo PGENF/UFRN. Atualmente é enfermeira assistencial da Prefeitura Municipal de Mossoró. Criou, implantou e integra, como membro o Núcleo DocenteAssistencial Estruturante, do Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte/Prefeitura Municipal de Mossoró. Coordena o Instituto de Ensino, Pesquisa e Extensão do Hospital Maternidade Almeida Castro. Lucas Alves Ferreira Graduação em Enfermagem (Licenciatura/Bacharelado) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN (2014). Atua como Enfermeiro da Estratégia Saúde da Família no município de Assú-RN, desenvolvendo suas atividades na Unidade Saúde da Família Bela Vista (Mãe Zefa). Tem experiência no acompanhamento e supervisão de estágio, desenvolvendo atividades de acompanhamento de processos educativos. Lucas Pereira de Melo Bacharel em Enfermagem pela Fundação de Ensino Superior de Olinda (2007). Mestre em Enfermagem pela Universidade Estadual de Campinas (2009). Doutor em Ciências pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (2013). Professor do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto –

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Universidade de São Paulo (EERP-USP), na área de Ciências Sociais Aplicadas à Saúde e à Enfermagem. Líder do "Laboratório de Pesquisas Sociais em Saúde e Enfermagem" (LASSEn), cadastrado no CNPq. Nesse campo, tem desenvolvido estudos sobre experiências com adoecimentos e sofrimentos de longa duração, com ênfase em HIV/aids; gênero, sexualidade e saúde, com ênfase em saúde da população LGBT+; marcadores sociais da diferença e cuidado em saúde; ativismo em saúde e práticas estatais. Lucidio Clebeson de Oliveira Graduação em Enfermagem (bacharelado e licenciatura) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2008). Especialização em Saúde e Segurança do Trabalho pela Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró (FACENE/RN); em Ativação de Processos de Mudança na Formação Superior de Profissionais de Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/FIOCRUZ) e em Regulação em Saúde pelo Sírio-Libanês. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e doutor em Psicobiologia pelo Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia da UFRN, membro dos Grupos de Pesquisa "Atenção à Saúde do Adulto e do Idoso e Neurociências e Comportamento". No momento, é professor Adjunto IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e coordenador da Residência Multiprofissional em Saúde da Família, atenção Básica e Comunidade, professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Sociedade (Modalidade de Mestrado Acadêmico) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.

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Luiza Maria Lima Oliveira Graduação em Pedagogia na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN e Licenciada em formação no curso de Educação do Campo pela UFERSA Maria Dayanne Soares de Oliveira Graduação em Enfermagem (bacharelado e licenciatura) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte FAEN/UERN. Maria Aparecida De Oliveira Graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Natália Rejane de Almeida Universidade Federal do Rio Multicampi de ciências Médicas.

Grande

do

Norte/Escola

Natália Teixeira Fernandes Graduação em Enfermagem pela Faculdade de Enfermagem Nova Esperança - FACENE, 2013. Especialista em Saúde Pública com Ênfase em Saúde da Família pela Faculdade do Vale do Jaguaribe/CE, 2014. Especialista em Saúde da Família pela Universidade Federal de Pelotas/RS, 2015 - Programa de Valorização Profissional em Atenção Básica - PROVAB, 2015. Servidora Pública da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte na função de técnica de nível superior no laboratório de práticas de semiologia e semiotécnica de enfermagem no processo saúde/doença do adulto, enfermagem no processo de reprodução humana, morfologia. Natja Araújo Alves Universidade Federal do Rio Multicampi de ciências Médicas.

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Grande

do

Norte/Escola


Neiliane Maria da Silva Graduação em enfermagem. Enfermeira da prefeitura municipal de Mossoró e da Secretaria de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte. Pâmella Costa Queiroz Graduação em Fisioterapia pela Universidade Potiguar Campus Mossoró (2016). Especialista em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade pelo Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e Prefeitura Municipal de Mossoró. Fisioterapeuta do Hospital Maternidade Almeida Castro. Pammella Lyenne Barbosa de Carvalho Graduação em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB. Mestranda em Ciências Sociais e Humanas pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN. Especialista em Gestão de Políticas Públicas de redes relacionadas a Direitos Humanos, Faculdade Unyleya. Especialista residente em Atenção Básica, Saúde da Família e Comunidade pela UERN. Psicóloga clínica com ênfase na abordagem humanista-fenomenológica. Membro do V Plenário do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Norte (CRP-17) 2019-2022. Pesquisadora nas áreas de psicologia da saúde, psicologia do desenvolvimento, apego e resiliência. Paloma Katlheen Moura Melo Graduação em Nutrição pela Universidade Potiguar (2014). Especialista em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte em Parceria com a Prefeitura Municipal de Mossoró/RN (2017). Mestre em Saúde e Sociedade pela Universidade do

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Estado do Rio Grande do Norte - UERN, Mossoró-RN (2018). Membro da Base de Pesquisa Cultura Corporal, Educação e Desenvolvimento Humano - GCEDH. Professora universitária na Faculdade do Vale do Jaguaribe. Patrícia Carla Santos de Morais Graduação em Nutrição pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Atenção Básica pela Escola Multicampi de Ciências Médicas do Rio Grande do Norte (EMCM/ UFRN). Pedro Renan Santos de Oliveira Doutor em Psicologia (Social) no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFC - com estância doutoral na Universidad Complutense de Madrid - Espanha. Mestre em Saúde da Família - UFC. Especialista com Residência em Saúde da Família e Comunidade - SMSE/ UECE. Formação e Bacharelado em Psicologia - UFPE. Atuou na implantação das Residência Multiprofissional no estado do Ceará e coordenou o Programa de Residência em Saúde da Família e Comunidade na Escola de Saúde Pública do Ceará (RIS - ESP/CE) entre 2011 e 2015. Atua na área da Formação em Saúde e desenvolve práticas e pesquisas em Saúde Coletiva e Psicologia Social. Experiência na área da assistência psicológica, com ênfase nos campos da Atenção Primária e Saúde Mental. Atualmente, Professor Universitário, membro da coordenação do curso de Psicologia e líder/coordenador do Poiesis (Laboratório de Psicologia, Sociedade, Trabalho e Saúde) da UniChristus/ CE; também Pesquisador Visitante do "Paralaxe" - Grupo Interdisciplinar de Estudos, Pesquisas e intervenções em Psicologia Social Crítica (grupo CNPq), vinculado ao Dpto. de Psicologia da UFC e Supervisor Clínico-Institucional da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) de Maracanaú-CE.

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Polyanna Keitte Fernandes Gurgel. Graduação em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) no ano de 2012. É mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem PPGEnf/UFRN. É especialista em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade pelo Programa de Residência Multiprofissional da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte UERN-Mossoró/RN. Possui especialização também em Enfermagem Clínica e em Urgência e Emergência pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade Metropolitana de Ciências e Tecnologia. Rafael Maia Morais Graduação em Fisioterapia pela Faculdade Estácio do Rio Grande do Norte (2012). Pós-graduação em fisioterapia neurofuncional pela Faculdade Estácio do Rio Grande do Norte (2016); Fisioterapeuta Residente no Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica, Saúde da Família e Comunidade, pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (2018). Rianne Soares Pinto Gonçalves Graduação em Nutrição pela Universidade Potiguar (2013). Mestre em Saúde e Sociedade pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2016). Especialista Residente em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte em parceria com a prefeitura Municipal de Mossoró UERN/PMM (2019). Auriculoterapeuta. Samara Karla Nogueira Silva Graduação em enfermagem pela Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró – FACENE/RN. Especialização em

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saúde pública direcionada a estratégia de saúde da família pela Faculdade de Enfermagem Nova Esperança de Mossoró-RN. Sílvio Barros do Nascimento Graduação em enfermagem, graduado pela Universidade Potiguar - UNP (2016), atualmente enfermeiro do Núcleo Prevent Sênior. Integrante da Unidade de Pronto AtendimentoUPA/Natal-RN (2015); integrante do departamento de Atenção Básica, pela Secretaria Municipal de Saúde do Natal (2014). Tatiane Aparecida Queiroz Graduação em Enfermagem (bacharelado e licenciatura) pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde e Sociedade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Especialista em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade pelo Programa de Residência Multiprofissional em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte e Prefeitura Municipal de Mossoró. Atualmente é coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão Acadêmicas da Faculdade Nova Esperança de Mossoró e atua como enfermeira no Hospital Regional Dr. Tarcísio de Vasconcelos Maia. Tereza Fernanda Gurgel Dantas Graduação em Enfermagem pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN, pós-graduanda em Auditoria em Serviços de Saúde pela Faculdade do Vale do Jaguaribe-FVJ. Thaís da Silva Aguiar Graduação em Serviço Social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN. Especialista Residente em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade pela UERN. Especialista Residente em Saúde Materno-Infantil pelo

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Programa de Residência Integrada Multiprofissional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN. Ubaldo Onésio de Araújo Silva Graduação em Odontologia. Mestre em Saúde e Sociedade pela Universidade do Rio Grande do Norte-UERN, servidor público da prefeitura municipal de Mossoró/RN. Viviane de Sousa Lira Graduada em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Atualmente residente concluinte do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde MaternoInfantil do Hospital Universitário Ana Bezerra-UFRN. Welina Maria de Paiva Dias Graduação em Enfermagem pela Universidade Potiguar (2010) e graduação em administração pela FACULDADE DO VALE DO JAGUARIBE (2006). Tem experiência na área de Enfermagem, com ênfase em Enfermagem. Especialista Residente em Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade pela UERN. Especialista Residente em Saúde Materno-Infantil pelo Programa de Residência Integrada Multiprofissional da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN.

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“Sois resistência em tempos de luta... sol em luz de persistência... caminho em prol da liberdade”. No imaginário comum ecoa um brado forte no árido solo do nordeste brasileiro, não de famigerados da seca e fome de outrora, mas de um grupo destemido, resistente à luta. Mulheres e homens compõem o multifacetado cenário das profissões de saúde, organizados sob a égide da bandeira coletiva da luta pelo direito à Saúde Pública de

qualidade.

Dialogam

sobre

o

pensar

e

o

fazer

interprofissional mediante o desafio de concretizar um Sistema Único de Saúde em nível nacional face uma conjuntura política de desmonte das conquistas populares dos últimos anos. Partindo desta licença poética, início o prefácio desta obra que celebra exitosas experiências publicadas no I Fórum Nacional de Diálogos e Práticas Interprofissionais em Saúde (I FONDIPIS),

evento

este,

organizado

pela

Residência

Multiprofissional para Atenção Básica/Saúde da Família e Comunidade do município de Mossoró/RN. A Residência

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Multiprofissional foi implantada no ano de 2015, numa parceria entre a Prefeitura Municipal e a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Historicamente, em 1960, a modalidade de ensino ou treinamento

em serviço,

sob

o

molde

de

Residência

Multiprofissional em Saúde, foi implantada no Brasil, inspirada no modelo de Residência Médica voltado a egressos dos Cursos de Medicina. Diferentemente da Residência Médica, oficializada a partir do Decreto nº 80.281/77 e da Lei Nº 6.932/81, a Residência Multiprofissional demorou a ser oficializada nacionalmente. Com a proposta do Ministério da Educação e Cultura, no ano de 2005, este processo teve continuidade, mediante a aprovação da Lei nº 11.129, sendo oficializada a Residência em Área Profissional de Saúde nas modalidades Multiprofissional e Uniprofissional, vinculada à Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde (CNRMS). Tal iniciativa contribuiu diretamente no processo de ampliação e qualificação dos programas, com maior oferta de bolsas de estudos aos profissionais e envolvimento das diversas áreas de saúde. O Programa de Residência em Área Profissional de Saúde instituído nacionalmente, tem reflexo direto da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS),

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implantada no Brasil, em 2004 pela Portaria 198, como política pública de saúde que incentiva a qualificação das ações e serviços de saúde, transformando as práticas pedagógicas e de saúde, contribuindo para o processo de desenvolvimento individual e coletivo dos profissionais da saúde. No âmbito da Atenção Básica, particularmente entre as equipes da Estratégia Saúde da Família (ESF), a PNEPS e o Programa de Residência Multiprofissional possibilita um contínuo repensar interprofissional sobre o trabalho, atentandose à formação de recursos humanos para o SUS com maior aporte teórico e vivência prática no contexto dos serviços de saúde. Assim, tem-se, entre outros avanços, a ampliação do diálogo sobre o processo de trabalho da equipe no território e maior escopo e resolutividade do atendimento em saúde à população. É no mister das experiências e práticas interprofisisonais em saúde numa perspectiva dialógica que o E-book do I FONDIPIS floresceu, trazendo reflexões estruturadas sob três eixos de discussão e poeticamente denominados: Eixo 1 – Na terra da resistência somos persistência: serviços, equidade e saúde; Eixo 2 – Na terra da liberdade somos luta: práticas populares, controle social e saúde; e Eixo 3 – Na terra do sol somos caminho: educação, gestão e saúde. As denominações

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dos eixos refletem o principal cenário das práticas do o município de Mossoró e confluem para os princípios e diretrizes fundamentais do SUS, como a equidade, controle social e a própria formação em saúde, além disso, os temas trazem uma configuração teórico e prática diversificada sob a ótica multiprofissional na atenção básica. O Eixo I de discussão traz no primeiro capítulo reflexões históricas e conceituais sobre o termo cidadania na égide das políticas públicas no SUS, conclamando o importante pensar sobre a luta em defesa dos direitos dos sujeitos. Em outro denuncia iniquidades de gênero vividas pela população LGBT nos serviços de saúde do SUS partindo de um amplo referencial teórico. O Eixo II reforça práticas e o controle social e saúde vividas, em sua maioria, pelos residentes no cenário de Mossoró. Sinalizam-se, entre outros temas fundamentais na atenção básica: o acesso avançado mediante o acolhimento para gestão e organização do serviço, o papel da alimentação saudável no grupo idosos de HIPERDIA, o desenvolvimento cognitivo do idoso, saúde do homem na Estratégia Saúde da Família, o projeto calçada amiga, a atenção interprofissional no tabagismo. Além dessas, mencionam-se experiências da Enfermagem seja no processo de formação profissional, projeto

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com saúde de adolescentes e o próprio território em saúde na perspectiva das minorias. E, por fim, o Eixo III anuncia experiências no campo da educação e formação profissional em saúde. Os relatos incluem saúde do homem, busca ativa no cuidado da tuberculose, a integração ensino/serviço e comunidade e uma avaliação sobre o Programa Mais Médicos em Mossoró/RN. Frente à proposta de pensar a saúde norteada por um conceito ampliado que envolve condicionantes e determinantes do

processo

saúde/doença,

espera-se

que

a

formação

profissional aconteça articulada com o mundo do trabalho, envolvendo a participação das instituições de ensino (docentes e discentes), gestão e profissionais do serviço. Nesse sentido, parafraseando Paulo Freire “Não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes”, ou seja, a partir desses encontros novos saberes e novas práticas em saúde serão produzidos, frente às exigências sociais que se fazem prementes. Assim,

o

conjunto

composto

pelas

reflexões,

experiências e pesquisas que fizeram parte do I FONDIPIS organizados neste E-book brinda o leitor com o panorama de cenários, desafios e possibilidades presentes entre os serviços da atenção básica, por vezes pouco divulgadas ou mesmo negligenciados pelos profissionais ou instituições de ensino

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numa linguagem poética, mas clara e reveladora. Embora apontem para uma realidade específica, os relatos fornecem importantes pistas para o repensar na atenção à saúde numa perspectiva interprofissional e reforça a persistência em continuar na luta em busca de caminhos para o fortalecimento do SUS.

Profº Dr. João Mário Pessoa Júnior Professor Adjunto do Departamento de Ciências da Saúde, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal Rural do Semi-Árido. Eixo de Atenção Primária à Saúde (Epidemiologia).

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EIXO 1 - NA TERRA DA RESISTÊNCIA SOMOS PERSISTÊNCIA: SERVIÇO, EQUIDADE E SAÚDE COMO DEFENDER O SUS DE UMA CIDADANIA CONCEDIDA A UM SUJEITO POÉTICO CONQUISTADO?

32 33

“ELES SÓ FALTAM REVIRAR A MULHER E O HOMEM, E A GENTE ELES NEM TOCAM”: AS INIQUIDADES DE GÊNERO EM SERVIÇOS DE SAÚDE E A POPULAÇÃO LGBT

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EIXO 2 - NA TERRA DA LIBERDADE SOMOS LUTA: PRÁTICAS POPULARES, CONTROLE SOCIAL E SAÚDE

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EXPERIÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO DO ACESSO AVANÇADO EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE DA FAMÍLIA EM MOSSORÓ-RN

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CONSUMO ALIMENTAR DOS IDOSOS PARTICIPANTES DOS GRUPOS DE HIPERDIA DE MOSSORÓ-RN

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DO IDOSO E SUA INFLUÊNCIA NA AUTONOMIA

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95 112


POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DO HOMEM NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

131

CALÇADA AMIGA: O OLHAR DO PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM DA ESF

153

OS MOTIVOS DO SOFRIMENTO PSÍQUICO DOS DISCENTES DE ENFERMAGEM DURANTE SUA TRAJETÓRIA NA FACULDADE

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PROJETO LAMPARINA: ILUMINANDO E SEMEANDO SONHOS, TENDO A ARTE E A CULTURA COMO NORTEADORES DA FORMAÇÃO HUMANA E CIDADÃ DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

190

191

1 INTRODUÇÃO

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

194 197 203

ATUAÇÃO INTERPROFISSIONAL NO TRATAMENTO DO TABAGISMO NA ATENÇÃO BÁSICA

206

2 A VALORIZAÇÃO DA CULTURA POPULAR NA PREVENÇÃO ÀS DROGAS 3 EDUCAÇÃO COMO CULTURA

SAÚDE DO TRABALHADOR: ATUAÇÃO INTERDISCIPLINAR E AS NOVAS DEMANDAS EM QUESTÃO

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214


SOMOS PERSISTÊNCIA: SERVIÇO, EQUIDADE E SAÚDE

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COMO DEFENDER O SUS DE UMA CIDADANIA CONCEDIDA A UM SUJEITO POÉTICO CONQUISTADO? Pedro Renan Santos de Oliveira Emanuel Messias Aguiar de Castro

Quem é o cidadão? Há algo comum na ideia de que as políticas públicas se dirigem ao cidadão, entre elas as destinadas à saúde. Mas quem são esses a quem essas políticas se destinam? Quem é este vivente da cidade? A ideia de cidadania é antiga e remonta às cidadesestados gregas no período do surgimento da democracia clássica. Ferreira (2010) exprime que nas pólis gregas surgiram várias instituições que discutiam os destinos da cidade, envolvendo a assembleia do povo, os conselhos e os magistrados. Nelas participavam ativamente os cidadãos, entretanto não implicava dizer que a população da pólis detinha o direito de decidir sobre o futuro de sua cidade, os rumos e os governos de seu local de vida. Nesse sentido, fazse necessário diferenciar população de cidadão. A pólis, em especial, era constituída por diversas classes sociais. Classicamente, podemos dispô-la em pelo

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menos três: Eupátridas, Metecos e Escravos. Os Eupátridas eram os nascidos na cidade, filhos de pais gregos, que adquiriam direitos políticos ao atingir a maioridade. A este grupo seleto cabia o exercício da cidadania, exceto mulheres e crianças. Os Metecos eram estrangeiros que pagavam impostos para viver na pólis, não possuíam direitos políticos, mas eram homens livres. E os escravos não possuíam qualquer tipo de direitos; no geral, eram considerados espólios de guerra. Ao analisarmos o termo Democracia em seu sentido estrito etimológico chegaremos à junção de duas palavras: demo (povo) + kratos (poder). O vocábulo expressa uma forma de governo em que o poder emana do povo. No entanto, o poder na Democracia grega, ou o direito de decidir sobre o rumo da pólis era exclusivo, estando mulheres, crianças, estrangeiros e escravos restringidos do direito. Ao definirmos Democracia como o governo do povo devemos nos questionar: Quem é esse povo a que ela se refere? Quase três milênios depois da invenção da Democracia grega a questão ainda nos parece válida. Na modernidade, após a Revolução Francesa, o termo expressa a forma de governo que imbui o cidadão ao direito de decidir

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sobre o seu destino e o destino de sua cidade. Há qualquer semelhança com o sentido grego, ou pelo menos assim pensava Hegel (1997) em sua filosofia do direito. Para o filósofo alemão, ao ter o direito de decidir sobre o que é melhor para si, o cidadão também tem o direito de decidir o que é melhor para a cidade, pois ele é apenas uma particularidade de um universo

que integra a

coletividade do estado de direitos. Igualmente, há uma paridade entre homem e cidadão na medida em que estes compõem um elemento indissociável de participação na sociedade civil1. Na Grécia clássica estava claro o traço entre quem tinha direitos políticos e quem não. O cidadão passou a ser um componente da sociedade civil em sua esfera de tomada de decisão política, ou seja, alguém com a capacidade de decidir o que é melhor para si e para a cidade. E a sociedade civil o campo de disputa entre os interesses de cada cidadão sobre o que é melhor para si e para a cidade, pois cada um 1

O conceito moderno de Sociedade Civil pode ser encontrado nos Princípios de filosofia do direito, de Hegel (1997). Para o autor, a sociedade se organiza a partir de três esferas: a família, a sociedade civil e o Estado. A Sociedade civil seria o lugar de disputa entre os vários interesses particulares dos indivíduos. Segundo ele, seria papel do Estado mediar esses conflitos entre as particularidades no campo social.

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somente pode opinar mediante seus interesses próprios (HEGEL, 1997). Marx (2010), por outro lado, em sua Crítica à filosofia do direito de Hegel, aponta uma série de limitações desse pensamento, porém fiquemos apenas com a indagação extraída de seus apontamentos: Em uma sociedade de classes os interesses particulares não seriam os interesses de uma classe em particular? É preciso supor uma composição perfeitamente ética - ou podemos dizer, demasiadamente idealista - do Estado para que o pensamento hegeliano se efetive. O cidadão a que Hegel cita é o cidadão de direitos produzido pela Revolução Francesa, mas, concretamente, ele esbarrou nos interesses particulares da classe oriunda dessa revolução, ou seja, da burguesia. A paridade entre povo e cidadania é, portanto, uma ficção, a qual para existir precisa de muitas outras como, por exemplo, os ideais burgueses da dita Revolução Francesa que posteriormente resultaram nas premissas da Declaração Universal dos Direitos do Homem, tomada como central para pensar a cidadania atual. Ao pensar na Revolução citada somos tomados pelo lema “igualdade, liberdade e fraternidade”, que se tornou o

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estandarte da Democracia republicana ocidental. Sem aceitar de imediato a herança burguesa expressa no ideário francês, façamos o esforço imaginativo de uma leitura dialética: E se esse lema apontasse exatamente para os seus contrários? A “igualdade” estaria reduzida à forma jurídica (igualdade “perante à lei”) e assumiria no estado tripartite baseado na separação equânimes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário - o semblante de um Estado democrático de direito. Idealmente, necessitaria de um estado natural em que efetivamente todos os seres humanos fossem iguais. E quanto à complexidade das desigualdades de ordem social, econômica, étnica, de gênero, entre outras? Não são elas históricas ao invés de naturais? As duas perguntas que entendemos como cruciais são: Todos os cidadãos são iguais? Qual seria o papel do Estado na garantia da efetivação dessa pretensa igualdade? Sobre o outro lema do ideário revolucionário, fundamental para as ainda presentes aspirações iluministas, a “liberdade” não estaria também sujeita aos dilemas denunciados acima? Sendo a liberdade uma conquista das “garantias individuais” não seria deflacionária daquilo que é do ordenamento social? A cidadania antes ligada à esfera

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pública e coletiva (como decisões sobre guerra ou paz na pólis) coaduna à esfera privada e individual (como os direitos de “ir e vir”, a “liberdade de escolha”, o direito à “privacidade” etc.). Nas imbricadas relações entre Estado e Sociedade, as mediações da economia-política capitalista produzem um enlace social em que imperativos sistêmicos (dinheiro e poder - conforme Habermas, 2012) são os redutores de uma lógica que aponta para o lucro individual ou empresarial, consagrando-os como horizonte político. Nas concepções de Habermas (2012), na hegemônica forma de organização social, centrada nas relações produzidas pelo capital, as possibilidades de negociação do mundo de vida cotidiano livremente articulado entre as pessoas são colonizadas pelas razões sistêmicas em que o lucro e a burocracia estatal criam coerções diárias e reduzem nossas liberdades de agir. Quanto à “fraternidade”, esta permaneceria pautada em uma sociedade que coloca todos em patamar de igualdade. Mas e quem não pertence ao que definimos como membros de nossa “irmandade”? Não seria a ideia de fraterno subsidiado

dos nacionalismos e corporativismos, por

exemplo? A fraternidade não abarca a cooperação, ou as

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relações

cooperativas,

e

tão

menos

os

valores

da

solidariedade como ação de produção de alteridade, mas aponta para um protecionismo classista de solidariedade entre pares. Podemos, e não seria raso ou demasiadamente intuitivo, supor que a fraternidade, em uma sociedade com marcadores de classe, fornece subsídios para relações mais corporativistas (em defesa dos pares) do que colaborativa (que favorece a relação de desenvolvimento dos coletivos a partir de sua diferença)? Não há respostas fechadas para as indagações nesse exercício dialético. Mas uma análise não tão minuciosa da lógica do capitalismo contemporâneo não apontaria para questões como aporias do contemporâneo? Façamos uma leitura do funcionamento da sociedade se, hipoteticamente, a ideia de cidadania estivesse pautada naquele lema em seu aspecto negativo. Seria como dizer que nossa igualdade jurídica é mera suposição ideológica e que serve para a manutenção das desigualdades sociais, uma vez que culpabiliza os setores subalternizados por serem incapazes de atingir o topo da pirâmide societária - já que segundo certo estado de natureza liberal o Estado deve prover condições de igualdade para todos -, que teríamos o direito de ir e vir,

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liberdades plenas de escolher nossos caminhos e possuir as propriedades que a nossa força de trabalho poderia acessar segundo nossas iguais condições. Outrossim, que nas condições não alcançadas estaríamos diante de limitações das mais diversas dos sujeitos: cognitivas, afetivas, laborais etc. Logo, os iguais deveriam ter os mesmos direitos, e os diferentes tratados como diferentes, haja vista não possuírem as mesmas capacidades que as nossas. Não é preciso um esforço colossal para perceber que a cidadania resguarda correlata semelhança com a dimensão negativa dela própria. A cidadania contemporânea faz referência ao conjunto de direitos e deveres do cidadão para com a cidade e para com a sociedade. Todavia, assim como apontamos nos gregos e como destacamos nos esboços de Marx, não parece haver paridade alguma entre cidadãos e a população. A cidadania não seria um excelente caminho para a manutenção do status quo? Não estaríamos todos alienados à condição de cidadãos? Parece-nos que sim. Mas quais seriam as implicações dessa alienação do ponto de vista de uma política pública de saúde que se orienta para a cidadania?

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É possível falar de uma cidadania que não seja oriunda dos ideais liberais? Demo (1995) aponta que sim. Segundo o autor, poderíamos falar em pelo menos três tipos de cidadania: a tutelada, a assistida e a emancipada. Na primeira, o cidadão é protegido por segmentos do Estado, e assim as políticas de direitos são difusas, uma vez que o próprio Estado é minimizado pela proposta de autonomia do mercado. Na segunda, o Estado é assistencial, cujos direitos são garantidos para que os cidadãos possam se inserir na lógica do consumo e da produção. Esse tipo de cidadania é ligado à lógica do Wellfare State. E, finalmente, a terceira é um tipo de cidadania que visa o desenvolvimento humano e que o Estado seja capaz de prover condições dignas de vida para seus cidadãos. Diante disso, nossa questão sobre ser possível pensar uma cidadania fora dos marcos liberais está respondida. Sim! É possível pensar uma cidadania para além do liberalismo. Entretanto, no campo das políticas públicas, em especial as de saúde, ela aparece como um conceito fundamental que ainda articula o direito a ter “direitos” na sociedade. Para Oliveira e Alessi (2005), no campo da saúde mental, por exemplo, a cidadania surge como articuladora

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fundamental das reformas psiquiátricas. Na Itália,

a

psiquiatria democrática via na cidadania uma forma de reinserção da loucura no laço social do cotidiano (ROTELLI ET

AL,

1990),

apresentando-se como

estratégia de

reconhecimento e construção de um processo de garantias de direitos, e assim o dito “louco”, encarado como cidadão, garantiria seus direitos, passando a ser dever do Estado (AMARANTE, 1995). Para os autores acima, a cidadania é uma das marcas fundamentais para a etapa desinstitucionalizante da “Reforma Psiquiátrica Brasileira”. A ideia era construir uma cidadania que atendesse às demandas da realidade dos doentes mentais no Brasil. O foco seria a valorização da rede de laços sociais e das condições de trabalho para os sujeitos da Reforma. Já Luz (2009) aposta na cidadania como elemento articulador de uma rede de cuidados em uma dimensão integralizada. Para a autora, ela oferece a possibilidade de descentralização no campo das políticas de saúde, o que implicaria que o cuidado em saúde seria capaz de responder às demandas localizadas e abarcar a realidade micropolítica do espaço. Assim, estaríamos no campo da cidadania

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enquanto construção apontada à ideia de emancipação (DEMO, 1995). No campo da “cidadania e saúde” poderíamos dizer que há imbricada relação entre o cuidado oferecido por essas políticas e os direitos do cidadão. Talvez não seja forçoso afirmar - e para a crítica que tecemos neste ensaio é fundamental entender a centralidade da afirmação a seguir que ao tentar construir uma condição de cidadania para a população as políticas de saúde assistam à saúde destinada ao cidadão com o fim de que ela aposta existir. Em outras palavras, as políticas públicas de saúde são voltadas para o cidadão que ela tenta criar com o fim de oferecer sua atenção. Aqui reside o ponto fundamental de nossa crítica: nas políticas de saúde o cuidado e a cidadania estão imbricados de maneira que o direito ao cuidado é um direito do cidadão. Todavia, se seguirmos a lógica que construímos até aqui nos deparamos com um problema: afirmamos que a cidadania é uma categoria menor que a categoria população, isto é, que não há paridade entre população e cidadãos. Logo, se estivermos certos em nossa elucubração imaginativa estamos diante de um déficit social da cidadania.

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O que queremos dizer com “déficit social da cidadania” é que estamos precisamente afirmando a necessidade de abrir espaço para pensar a cidadania dialeticamente, ou seja, pensar que atrelado a esse jogo de produção de cuidados em políticas públicas de saúde subsista um jogo ideológico de produção extremamente eficaz de dominação e exploração dos indivíduos que agora são cidadãos. Ao operar a possibilidade do cuidado através da ideia de cidadania, por um lado, incorremos no risco de produzir universalismos enquanto práticas que se operam no cotidiano da saúde. Por outro lado, ao estabelecer a cidadania como um dos ideais de sujeito e, ao mesmo tempo, horizonte de luta, produzimos o “paciente” sujeito-de-direito. Entretanto, está incutida nessa ideia um conjunto de deveres previstos na noção de cidadania. Sutilmente, entramos no que Lima (2010)2 chamou de “Reconhecimento Perverso”: uma forma de

reconhecimento

que

estabelece

um

conjunto

de

Lima (2010) aponta como “Reconhecimento Perverso” o tipo de reconhecimento que exige do sujeito uma identidade estigmatizada, permitindo-o o acesso ao cuidado em saúde mental usando esse estigma como moeda de troca. Por exemplo, alguém que possui um diagnóstico psiquiátrico passa a ser reconhecido nos serviços de saúde mental a partir de sua patologia, possibilitando o acesso a um serviço que lhe é de direito. 2

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identidades normatizadas para que seja reconhecida a condição de sujeito de direitos, ou seja, cidadão. Queremos propor aqui um acréscimo conceitual, quase que em uma formação de um sintagma conceitual a esse reconhecimento perverso a partir de certos jogos de linguagem3 - expressos em analogias de algumas figuras de linguagem - que podem, no nosso entendimento, denunciar um “jogo linguístico de reconhecimento perverso”. Explicamo-nos: expressam e

se

as

necessidades

representam ao

em

saúde

se

que tomamos por

“metonímias”, ou seja, o sofrimento - de qualquer ordem, físico, mental, espiritual, social, ético - se torna reduzido unicamente aos sintomas. Esses sintomas, reduzem o sujeito de uma de suas partes (a expressão do sofrimento) pelo todo (o sujeito como um todo reduzido ao nome que pode ser dado

3

O conceito de Jogos de Linguagem é utilizado com ênfase na filosofia da linguagem de Wittgenstein, principalmente na obra “Investigações Filosóficas” (2014). Na concepção do autor, interessa-lhe nos fazer ver os vários aspectos da linguagem, que em diversas situações cotidianas nos são alheios. E mais, define-os como atividades coletivas entre falantes, localizadas em dado contexto social e cultural, que pressupõe, para o uso da própria linguagem, a utilização de regras, habilidades, disposições e capacidades advindas do domínio das técnicas. Nesse texto, não aprofundamos a noção filosófica, mas utilizam-na estrategicamente para desdobra-la em uma repercussão dos efeitos do uso cotidiano da linguagem como em uma analogia às figuras de linguagem.

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aquele sofrimento - geralmente o diagnóstico). Logo, a “metonímia do sujeito” faz parecer ser o sintoma (que se expressa no sofrimento) como representativos do sujeito por inteiro. Ela representa a nosografia como código linguístico único das relações de cuidado, cujos sintomas precisam ser traduzidos em diagnósticos. Uma outra figura de linguagem nos auxilia a compreender os jogos perversos da assistência à saúde: a zeugma.

Especificamente

a

zeugma

de

sujeito.

Se

lembrarmos que ela é um tipo específico de elipse precisaremos pontuar qual jogo a expressa: omissão de um termo que pode ser subentendido no texto. Ela, por sua vez, é uma supressão de algo já dito. Nesse ínterim, dizemos que aquilo que é suprimido nas relações de cuidado é o próprio sujeito. Se na metonímia o percebemos reduzido ao sintoma, na zeugma percebemos a alta instrumentalização do cuidado em saúde que expressa a própria retirada do sujeito das relações de produção de cuidado, de modo que a “cura dos sintomas” se refira a um “sintoma sem sujeito”. A zeugma do sujeito representa o alto grau de instrumentalização das relações e organizações das

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práticas de saúde em que aquele se perde em meio às tecnologias duras (MERHY, 2003). Caso a metonímia produza efeito negativo (supressão de conteúdo - no nosso exercício crítico, o sujeito do centro do processo de cuidado), o efeito positivo (repetição de conteúdo) é expresso pela anáfora. Esclarecemos: a repetição cotidiana nos meios sociais e culturais da vigilância a determinados índices e critérios expressivos de adoecimentos (taxas glicêmicas, colesterol, níveis pressóricos, entre muitos outros, são idealizados como padrões e supostamente parametrizados por meios de comunicações supostamente científicos) e um determinado modo de combate a males em saúde (cultura “fitness”, moda “diet” etc.) impõem uma cultura em que o sintoma em saúde passa a fazer parte da vida diária, expressos em um conjunto predeterminado e prescritivo de “hábitos saudáveis”, fazendo com que a saúde deixe de ter relações com uma produção social e complexa da vida. A produção anafórica da saúde diz respeito à repetição quase exaustiva do “linguajar” em saúde do que à expressão do hegemônico modelo anátomo-fisiopatológico de compreensão do corpo que adoece. O sintoma é a linha

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condutora das relações presentes nos serviços de assistência à saúde que opera um efeito cultural que a transforma em um conjunto

de

prescrições

idealizadas

e

previamente

normatizadas que excluem conteúdos do mundo da vida contextos de condições de moradia, transporte, saneamento, níveis educacionais, acesso a bens e serviços etc. O jogo de linguagem expresso pela anáfora repete, portanto, os sintomas e os modelos idealizados de combate a estes e exclui a vida real, produzida complexamente do modo de cuidar. Mas não é somente na “cultura” que expressa a anáfora do cuidado. O modo como se organiza o processo clínico pode evidenciar, também, esse “jogo perverso de linguagem”. Na clínica, a anáfora se evidencia quando nega os conteúdos do mundo da vida dos sujeitos que demandam os cuidados em saúde e se obtém como ato em saúde (ação concreta, geralmente prescritiva) intervenções que operam único e exclusivamente o corpo do sujeito (remissão dos sintomas já ditos). Ainda que os conteúdos de sofrimento expressem relações construídas socioculturalmente, ou que as doenças expressem condições sociais, econômicas e laborais,

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a clínica se restringe à prescrição de terapêuticas centradas na cura da patologia. Apontamos, ainda, que nesses jogos em que as figuras de linguagem nos ajudam a elucidar nas práticas de cuidado à saúde há uma distorção do que seriam as necessidades em saúde sentidas na vida concreta dos usuários dos serviços diante daquilo que as políticas de saúde, especialmente a assistência à saúde, parecem enxergar da saúde da população. A essa distorção nominamos de “anamorfose”4, exportando-a do conceito utilizado por Almeida (2006), também apropriado por Lima (2010). Essa distorção é aquela que na maioria das vezes não considera, por exemplo, que o

4

Em sua tese, Almeida (2006) produz uma longa discussão sobre o conceito de anamorfose, advindo da física, como figura em perspectiva deformada que exige do observador, para melhor enxergar o objeto, um deslocamento que o deve retirar de sua posição convencional. Entretanto, sua apropriação do conceito se dá para o uso na discussão sobre as distorções que as políticas de identidades produzem ao necessitarem que os sujeitos se enquadrem em identidades socialmente idealizadas, distorcendo os personagens que são produzidos nas relações indenitárias. Lima (2010), comentando o conceito de anamorfose para a sua discussão sobre o reconhecimento das identidades políticas, diz que ela apontaria a contradição inerente na disputa entre as políticas de identidade, o conteúdo ético, que estaria na possibilidade de criar possibilidades de existência mais justas. Para maiores esclarecimentos sobre o tema acessar a Tese de doutorado de Juracy Armando Mariano de Almeida, intitulada “Sobre a anamorfose: identidade e emancipação na velhice” (https://tede2.pucsp.br/handle/handle/17083) (ALMEIDA, 2006).

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conteúdo da vida, e que também deveria ser objeto da saúde, possuem dimensões políticas. Nesse movimento dos “jogos operados pelas figuras de linguagem”, a dimensão política é excluída do fazer diário do profissional de saúde. Logo, afirmamos contundentemente: o cuidado em saúde que se é ofertado ao cidadão pode excluir de suas práticas a dimensão política da vida. Acreditamos que aquilo que se expressa por meio de jogos de (pretensa) inclusão pela cidadania no cuidado em saúde é a patologia, ou a linguagem universal sobre a expressão do “patológico”. E o que se restringe no cuidado é a dimensão ética e política: há a seletividade do conteúdo escolhido para a intervenção e há um desatrelamento ideológico da produção da saúde com a produção social da vida. O reconhecimento perverso que nos referimos é o reconhecimento da cidadania como indutora de práticas que operam a seletividade da demanda e dos tipos de intervenção, priorizando o patológico e excluindo a dimensão da produção social da vida. Quando operamos relações restritas e supostas universalizações no cotidiano produzimos claras repercussões nas práticas de cuidado. Entendemos a cidadania como figura

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que permite ao “usuário do serviço” ser subsumido à patologia, pois a partir dela se universaliza um sujeito abstrato do qual ela possa ser deduzida e generalizada. Não é o usuário do serviço, em sua singularidade, que adoece: é o cidadão. Assim, produzimos práticas que visam cuidar de um sujeito universal e abstrato que não encontra reflexos no cotidiano dos serviços de saúde e suspeitamos que haja enorme distensão entre sujeitos e cidadãos. Não seria a cidadania uma forma de capturar e homogeneizar os sujeitos? Acreditamos que sim, mas já que não queremos nos conformar aos prescritivos da Cidadania não nos custa problematizar. Ao invés de valores como “Liberdade, igualdade e fraternidade” por que não valores como “Diferença, Equidade e Justiça Social”? Para essa mudança radical é preciso ir além dos direitos enquanto substância natural dada. Defendemos a ideia de que não se trata de direitos inatos ao cidadão. Em nossa leitura, a cidadania é algo concedido, ou por vezes imposto - por mais contraditório que pareça - e que exclui o elemento político de sua lógica na medida em que nega a participação do sujeito a que ela se refere, o cidadão, ao ato de sua construção.

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Nossos apontamentos se guiam pela peculiar leitura que Agamben (2013) faz dos conceitos de Poíesis e Práxis. Para ele, a Poíesis, no mundo grego, tem um sentido peculiar de produção, sendo a produção do novo algo que inexiste no mundo. Já a Práxis é também uma produção, mas se assenta sobre esse novo produzido e o reproduz, tornando-o uma característica comum. Em outras palavras, a Poíesis produz o novo e a Práxis torna este novo uma atividade humana. A característica peculiar do primeiro termo, o qual nos interessa, reside no fato de que nele o que vem a ser é oriundo do antes que não era nada. Na Poíesis o novo é constantemente reposto, de modo que a prática que chamaremos aqui de poética é a prática da reinvenção do mundo dos homens. Agamben (2013), ao referenciar o termo, usa-o para falar do novo que surge na produção da obra de arte. O sujeito poético, aquele para além da cidadania, também possibilita o espaço de superação do cidadão saturado por práticas normativas que estabelecem os critérios de cidadania. Pode parecer que estamos igualando as práticas de saúde à obra de arte, mas ao falarmos de um sujeito poético é precisamente isso que estamos fazendo.

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É preciso pensar a Práxis na medida em que ela se insere no mundo da vida dos homens, na produção do novo como uma atividade. O direito ao cuidado e o próprio cuidado em si se engendram na dimensão da Práxis e da Poíesis na medida em que saturam a ideia de uma cidadania concedida por outrem e evocam a ideia de atividade produtiva humana. Nesse contexto, construiremos - em vez de sujeitos produzidos nas forjadas lutas em que os seus direitos foram concedidos - as condições de possibilidade para o surgimento de “sujeitos-de-direitos-em-conquista”. Portanto, sujeitos preocupados na construção da luta cotidiana por novas formas de reconhecimento que suturem o direito cidadão; sujeitos que não se resignem em direitos concedidos, mas que entendam que o viver diz respeito à luta pela possibilidade de um mundo mais justo, equânime, capaz de abarcar as diferenças de alteridades, e; não um sujeito utópico, quase transcendente, como o da cidadania, mas um sujeito que assuma como horizonte as possibilidades utópicas do viver em sociedade. Assim,

afirmamos

que

é

preciso

defender

radicalmente uma política pública de qualidade para a saúde,

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como dever do Estado e conquista da população, e o Sistema Único de Saúde não apenas como uma política cidadã, mas um meio para a construção de um projeto de sociedade implicado na superação da ideia de direitos que mais servem para regular do que emancipar. Está na hora de colocarmos isso de forma ainda mais clara na arena. Cada vez que lutamos por políticas de saúde engendradas na concessão de direitos normativos e regulatórios menos percebemos que a reivindicação por uma política pública é a luta contra um sistema que oprime e explora os trabalhadores cotidianamente. Cada vez que defendemos uma saúde de qualidade sem atrelar à pauta a uma necessidade de reinvenção dos modos de produção e reprodução da vida em sociedade mais tornamos a própria saúde instrumento ideológico da redução de questões sociais a uma análise patológica da vida. REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. O homem sem conteúdo. Belo Horizonte: Autentica Editora, 2013. ALMEIDA, Juracy Armando Mariano de. Sobre a Anamorfose: Identidade e Emancipação na velhice. Tese de Doutorado em Psicologia Social. PUCSP, 2005, 119p.

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Pública, Periódico. I. Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES CDD 362.1, v. 27, n. 65, p. 316-323, 2003. OLIVEIRA, Alice Guimarães Bottaro de; ALESSI, Neiry Primo. Cidadania: instrumento e finalidade do processo de trabalho na reforma psiquiátrica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n. 1, p. 191-203, 2005. ROTELLI, F; LEONARDIS, O; MAURI, D. Desinstitucionalização, uma outra via. In: NICÁCIO, F (Org.) Desinstitucionalização. São Paulo: Hucitec, 1990. WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2014.

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“ELES SÓ FALTAM REVIRAR A MULHER E O HOMEM, E A GENTE ELES NEM TOCAM”: AS INIQUIDADES DE GÊNERO EM SERVIÇOS DE SAÚDE E A POPULAÇÃO LGBT Lucas Pereira de Melo INTRODUÇÃO A tarefa de falar sobre iniquidades de qualquer natureza sempre será um árduo exercício de ser feito, dificuldade posta não apenas pela complexidade do tema ou pelo volume de produção científica que se avoluma. Trata-se de um difícil exercício, uma vez que o presente autor é oriundo de família de classe trabalhadora urbana, negro e homossexual que vive com o Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV). É desse lugar que falamos: um lugar atravessado por diferença, desigualdades e injustiças. Como nos disse Emerson Merhy, na abertura deste Fórum, a vida de qualquer um vale a pena. Viemos dar voz à vida de um grupo da população brasileira que diariamente luta para que tenham suas vidas e condições humanas marcadas por diferenças, reconhecidas: a população LGBT. Todavia, diante das formas plurais de ser e de viver existentes nesse grupo faremos um recorte para não fadigar nossa

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exposição,

no

qual trataremos sobre as

iniquidades

experimentadas cotidianamente por pessoas travestis nos diversos serviços de saúde. Novamente, nos apoderaremos de uma expressão proferida na mesa redonda que deu início ao I FONDIPIS, quando o professor Ailton Siqueira nos convidou para o exercício de um olhar que nos tire de casa. Nesse sentido, direcionamos as iniquidades em saúde que marcam o itinerário terapêutico das travestis, pois elas colocam para os profissionais da saúde, por meio de significados e da linguagem expressos em seus corpos (BENEDETTI, 2005), as ambiguidades múltiplas possíveis de existir entre o que aprendemos a ver apenas biologicamente. Talvez aqui, a casa,

possa

ser

o

determinismo

biológico,

a

heteronormatividade e seu padrão hegemônico, nos quais sexo e gênero devem necessariamente coincidir (MULLER; KNAUTH, 2008). Essas casas por onde nós, profissionais da saúde, costumamos transitar, se construir, como trabalhadores e habitar. Que no final deste escrito os senhores leitores consigam sair dessas casas e ver as tramas do prazer, poder e perversão que enervam as práticas e os saberes profissionais

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dirigidas às travestis, em particular, e a todos nós que vivemos

nossas

sexualidades

tencionando

à

norma

heterossexual, monogâmica e reprodutora. 1. SOBRE GÊNEROS, INIQUIDADES E JUSTIÇA SOCIAL NOS SERVIÇOS DE SAÚDE DO SUS Desde a emergência do Movimento Feminista, a categoria gênero tem desenvolvido um importante e revolucionário papel no campo das Ciências Sociais e Humanas ao revisar criticamente as teorias que ligavam (e ligam) reprodução-gênero-sexualidade. No bojo dessas discussões, as feministas acadêmicas e ativistas trouxeram (e trazem) para pauta do dia o debate sobre natureza e cultura, ao censurar o determinismo biológico por meio de evidências históricas e culturais da diferença entre sexo e gênero e como os papéis de gênero se expressam de forma diversa nas sociedades humanas (VANCE, 1995). Tendo em vista que nesses campos científicos aquela categoria já está sendo desconstruída para dar conta da multiplicidade de identidades de gênero, orientações sexuais, esgarçamento do discurso científico binário etc., no campo das Ciências da Saúde (ou da vida) essa categoria ainda não

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concluiu a tarefa de ampliar seus efeitos na seara da biologia cartesiana. Por isso, as discussões de gênero sejam hoje, e talvez para sempre, uma casa que os profissionais da saúde precisam conhecer, visitar, habitar. Por outro lado, quando abordamos sobre iniquidades em saúde, referenciamos as desigualdades injustas e desnecessárias no acesso e acessibilidade à saúde, resultantes de

estruturações

sociais

originalmente

baseadas

nos

marcadores sociais da diferença (gênero, classe social, raça, geração,

renda

etc.)

(VOLOCHKO;

ANTENOR;

KALCMANN, 2010). Para Paim e Silva (2010), essas culpas correspondem à injustiça, seja ela produzida na negação da igualdade ou inerente à própria estrutura social. Portanto, discuti-las é questionar formas própria e renovada, solidária e coletiva de produção de justiça social. No setor da saúde, o debate suscita e tenciona aquilo que está posto na Constituição Federal de 1988 e nas leis que regulamentam o Sistema Único de Saúde (SUS), qual seja: a saúde como direito de todos. Apesar de todos os avanços coconstruídos nesses anos de SUS, e mesmo antes dele (Reforma Sanitária Brasileira), permanecem barreiras que

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impedem ou dificultam o acesso de grupos específicos ao sistema de saúde. Como afirmam Muller e Knauth (2008), no cotidiano dos serviços de saúde são percebidos que alguns grupos sociais ainda continuam a receber tratamento diferenciado, como se fossem cidadãos com menos direitos que os demais. A “carteira do INAMPS” já não existe concretamente, mas permanece simbolicamente e produz violência. Nesses grupos, se destacam usuários de drogas, pessoas em situação de rua, população LBGT – travestis, em particular. Dessa forma, sustentamos a argumentação que os serviços de saúde oficial, como instituições sociais que são, estão comprometidos político, simbólico e ideologicamente com a produção e a reprodução de certa ordem social, que ao produzir, garantir e acentuar as desigualdades sociais primeiro invisibiliza, depois exclui e, finalmente, mata, civil, simbólico e biologicamente (como no contexto atual da epidemia de HIV/aids) as pessoas que representam perigo, ameaçam a estrutura e vivem condições ambíguas. No tocante aos serviços de saúde do SUS, o preconceito, a invisibilização, a exclusão, a violência e a morte civil, simbólica e biológica das travestis que são

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histórica e socialmente construídos e reproduzidos na sociedade mais ampla são também institucionalizados nas unidades básicas de saúde, hospitais, pronto-atendimentos, policlínicas, laboratórios etc.. Esse processo de institucionalização do preconceito, da violência e da injustiça social nos serviços de saúde, quando associado à centralidade do biológico na formação e na prática dos profissionais da saúde, configura a transfobia institucional, a lesbofobia institucional e a homofobia institucional, ou seja, o preconceito institucionalizado fecha as portas dos serviços de saúde para a integralidade, a igualdade e a equidade. Para ilustrar esses argumentos, elencaremos algumas evidências

de

estudos

qualitativos

sobre

percepção,

sentimentos e dificuldades enfrentadas pelas travestis para terem acesso aos serviços de saúde e serem atendidas igualitariamente aos demais segmentos da população. Logo, não pretendemos fadigar a temática na análise da literatura produzida.

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2. INIQUIDADES VIVENCIADAS POR TRAVESTIS NO ACESSO AO SUS Antes de elencarmos alguns resultados de estudos brasileiros realizados junto às travestis faz-se necessário breve descrição daquilo que se pode chamar de “universo travesti”, como afirmam Muller e Knauth (2008). Para esses autores, a identidade travesti se constrói paralelo a um conjunto de transformações, quais sejam: adoção de um nome feminino; transformação do corpo a partir do uso de hormônios femininos e silicone; utilização de linguagem própria; mudança das atitudes masculinizadas, e; frequência a locais específicos (MULLER E KNAUTH, 2008). Nesse universo, o corpo da travesti é o ponto de intersecção dessas transformações. As travestis, ao investirem tempo, dinheiro e emoção nos processos de alteração corporal, não estão concebendo o corpo como um mero suporte de significados. O corpo das travestis é, sobretudo, uma linguagem; é no corpo e por meio dele que os significados do feminino e do masculino se concretizam e conferem à pessoa suas qualidades sociais. É no corpo que as travestis se produzem enquanto sujeitos. (BENEDETTI, 2005, p. 55)

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Diante dessas considerações, iniciaremos o relato pelo corpo ambíguo da travesti. Logo, faremos uso das narrativas e interlocuções dos trechos de diversos autores para melhor fundamentar este trabalho.

2.1. O CORPO AMBÍGUO CONSULTA CLÍNICA

DA

TRAVESTI

NA

No material empírico dos estudos de Muller e Knauth (2008), realizado em Porto Alegre-RS, os principais elementos da transfobia institucional relatados foram: resistência dos profissionais de saúde de UBS e hospitais em toca-las; o profissional médico geralmente faz perguntas e prescreve as medicações, baseado no relato da paciente, sem examina-la, e; o corpo travesti causa tanto constrangimento ao profissional de saúde que este transparece desconforto para o exame físico, requisito necessário para uma consulta clínica. “Eu cheguei, e eles (os atendentes) acharam que eu era mulher. Eu gritava de dor, querida, e eles achavam que eu estava grávida! Daí o médico mandou eu entrar, eu entrei e o médico disse: O que houve? Deita aí na cama! Aí ele mandou

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eu tirar a roupa. Daí eu disse: ai, doutor, me dói aqui, me dói aqui. Aí, eu toquei na barriga assim (ela aperta o abdômen). E ele: Tira a roupa! Tirei a blusa. Quando eu baixei a calça, o médico disse: Põe a roupa! E mandou eu levantar da cama, na hora, e não fez mais nada! Tu acreditas numa coisa dessas? Aquilo ali eu tenho na cabeça até hoje. Porque ele fez aquilo ali?” “A doutora que eu vou não manda eu tirar a roupa! Ela é que trata meu babado, que é o HIV, mas não manda tirar a roupa! ”

2.2. A RECEPÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE A recepção dos serviços de saúde é relatada por interlocutoras de todos os estudos consultados como um espaço de constrangimento, vergonha e exposição. No geral, isso se dá no momento do preenchimento da “ficha de atendimento”. Mesmo as travestis pedindo ao recepcionista para serem chamadas pelo seu nome social eles as chamam pelo nome oficial. Além disso, são comuns a associação direta entre travestis e HIV/aids. Essas situações de discriminação fazem com que elas apenas procurem assistência médica quando já não há outra

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alternativa. Como assinalam Muller e Knauth (2008, p.), “talvez, haja certo prazer, poder e perversão em expor as travestis diante dos outros pacientes”. Seguem os relatos:

“Outro dia fui fazer meu teste anti-HIV e a sala estava cheia de gente. Todo mundo já olha atravessado. É como se tu já tivesse [aids], entende? Deixaram a porta aberta durante o atendimento. Levantei constrangida e tentei fechar a porta. Disseram para eu deixar a porta aberta. Pedi que colocassem meu nome de mulher no prontuário. Mas que nada! Passei o maior constrangimento quando me chamaram pelo nome de homem. Fiz de conta que não era comigo e saí disfarçada. Mas não adianta. Quem está ali percebe que é tu. Além disto, é um descaso, não resolvem o problema. Imagina, se o meu teste tivesse dado positivo para o HIV eu não iria mais lá. É por estas e outras que as pessoas não se tratam”. (SOUZA et al., 2014, p.65). “Eu às vezes estou morrendo de dor. Aí, eu já fico com medo... Eu tento... Eu tento ficar com a dor, para não ir no hospital, porque eu sei como é que vão me tratar! Aí, eu já digo: eu nem vou! Para ser tratada mal; então, eu fico em casa, morrendo de dor. Eu fico. As vezes, eu fico em casa, gritando de dor, mas...

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eu fico com medo de ir. Principalmente, no hospital A, que é ali na esquina de casa. Aí eu digo: nem vou, porque vão me tratar mal!” (MULLER; KNAUTH, 2008, p. 12).

Souza et al. (2015) destacam que para suas interlocutoras uma das maiores violências dos serviços de saúde é denomina-las com o nome masculino. Ser identificada publicamente pelo nome que não corresponde a aparência é uma violência responsável pela evasão das travestis dos serviços de saúde. 2.2.1. Hospitalização As travestis ficam hospedadas em quartos com outros pacientes do sexo masculino. Não lhes são dadas a possibilidade de ficarem em quartos femininos ou juntas a outras travestis. Todas são tratadas a partir do sexo biológico e, portanto, vistas como homens vestidos de mulher. Em algumas

situações

são

realizados

testes

HIV

sem

conhecimento da pessoa travesti.

“[...] Eles foram me operar no hospital B e, daí, eles mandaram eu baixar de noite.

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Eu cheguei no quarto e foi o maior tumulto quando eu entrei no quarto. Os homens disseram: mas o que é isso? Vão botar isso aqui no nosso quarto? Eu fiz um escândalo porque eu tava morrendo de dor... Eu saí de pés descalços; a mulher já tinha me botado deitada. Eu levantei; eu fiz um escândalo com os enfermeiros porque...Eu disse: eu não vou ficar nesta palhaçada; eu estou passando mal e ninguém me respeita! Eu gritava! Ah, tu tens que te acalmar [diziam os profissionais]. Não sei o que, não sei o que... Digo: não tem calma! Chamei meu irmão; meus irmãos subiram. Aí, foi o maior retetê [termo êmico para expressar confusão]! ” (MULLER; KNAUTH, 2008, p.16).

2.2.2. Serviços de saúde No

estudo

de

Muller

e

Knauth

(2008),

as

interlocutoras afirmam que os postos de saúde que frequentam têm um conceito soez quanto ao acolhimento e serviços

prestados.

E

os

hospitais

variam

entre

discriminatórios e alguns acolhedores. No geral, os sentimentos vivenciados pelas travestis ao terem de utilizar os serviços de saúde são de preconceito,

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exclusão, discriminação e estigma. Esses sentimentos são traduzidos por uma palavra: “depressão”. Souza et al. (2015) afirmam que na maioria dos casos os serviços de saúde não rompem o ciclo de violência simbólica contra as travestis. Os profissionais classificam-nas em categorias rígidas, heteronormativas, por meio de mecanismos complexos de patologização, criminalização e exclusão. Nas palavras das interlocutoras, elas evitam os serviços de saúde para não sofrerem “discriminação”, “julgamento”, “chacota”, “humilhação”, “constrangimento” (SOUZA et al, 2015). A violência se revela na culpabilização das travestis pelas suas escolhas. Para Silva e Bento (2014), ao revelarem espaços em que a violência simbólica é reproduzida,

os

serviços

de

saúde

contribuem

na

intensificação do sofrimento social das travestis.

“Fui encaminhada para um ginecologista, mas ele me deu pílula só para se livrar de mim naquele dia. Foi bem grosseiro e disse que só entendia de ovários e vagina e que não conhecia mulher de pênis e barba. Que eu fosse procurar ajuda em outro lugar. Claro que não vou voltar lá, né?! Então, vou fazendo do jeito que dá.

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Vou juntando um dinheiro para uma hora colocar silicone e ficar com o corpo que eu desejo”. (SOUZA et al., 2015, p.23). “Eles olham para a gente e já pensam: onde já se viu estar vestida assim? Estão pedindo para apanhar, monte de bandidos, safados, veados! [...] Sem contar o olhar das outras pessoas que estão esperando por atendimento. É como se não tivéssemos direito ao cuidado com a saúde! ” (SOUZA et al., 2015, 32).

Em uma das visitas a um grupo de travestis durante o trabalho de campo, em março de 2012, Laysa, 23 anos, sentava com muita dificuldade em uma cadeira disposta na sala em que estávamos. Ela explicou ter levado umas facadas na nádega esquerda na noite anterior e que não havia procurado o serviço de saúde receosa de “chacota”. E comentou: prefiro ficar com dor e deixar a ferida colar sozinha em casa do que passar vexame no pronto-socorro. (SOUZA et al., 2015). 2.2.3. Itinerários terapêuticos e agenciamentos das travestis Nesse

cenário

de

discriminação,

estigma

e

culpabilização que marcam a atenção à saúde das travestis no

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Brasil, as pesquisas de Pelúcio (2007) e Benedetti (2005) apontam que a saúde dessas está relegada a automedicação ou a ação de “bombadeiras”. Souza et al. (2015) explicam que em geral as “bombadeiras” são travestis mais velhas que adquiriram experiência em injetar silicone industrial. A utilização de hormônios e silicone são amplamente discutidos e todas conhecem seus riscos. Alguns motivos são apontados para o silicone industrial ser a primeira opção: facilidade de acesso, menor custo do que a cirurgia e não serem julgadas pelo procedimento. A literatura (PELÚCIO, 2007; SOUZA et al., 2015; BENEDETTI, 2005) evidencia que para além dos agravos causados pelas situações de violência a própria construção do corpo da travesti faz com que ela necessite de cuidados especiais. Diante das discriminações nos serviços oficiais, as travestis constroem itinerários terapêuticos plurais, nos quais merecem destaque o papel das religiões de matriz afrobrasileira. Para as interlocutoras do estudo de Souza et al. (2014), por exemplo, a proteção dos orixás, caboclos, pretos velhos, Pombagiras e Exus são fundamentais em suas vidas.

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Além disso, destacam que nesses espaços são aceitas, respeitadas e valorizadas. “Não questionam nossa forma de ser, somos aceitas assim, do nosso jeito e isto faz toda a diferença” “Sempre faço proteção com meu pai de santo para não ficar doente. Mas outro dia ele falou que eu não estava bem, que eu precisava ir ao médico. Só procurei o serviço de saúde porque foi ele quem encaminhou”.

3. PARA NÃO CONCLUIR Para não concluir, acreditamos ser necessário elencar alguns encaminhamentos com vistas à mitigação dessas iniquidades. Pensamos ser um espaço propício pelo formato do fórum e pela temática que o evento suscita, quais sejam: os diálogos e as práticas interprofissionais em saúde:  A necessidade de contratação de sociólogos e antropólogos especializados em saúde para ministrar as disciplinas das áreas de Ciências Sociais e Humanas nas graduações em saúde;

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 A criação de componentes curriculares obrigatórios nos cursos de graduação em saúde que discutam os diversos marcadores sociais da diferença, com destaque para gênero, orientação sexual, classe social e raça;  A inclusão desses marcadores sociais da diferença nas agendas de pesquisa e extensão

comunitária das

instituições de ensino superior;  O fortalecimento do controle e da participação social no SUS por meio do fomento à formação de coletivos nos territórios dos serviços de saúde que tematizem essas questões;  O oferecimento regular de cursos, debates, fóruns e rodas de conversas sobre esses temas para os profissionais que já estão atuando nos serviços de saúde, incluindo não apenas profissionais com formação em saúde, mas todos os envolvidos na produção de cuidados (vigilantes, recepcionistas,

copeiras,

auxiliares

administrativos,

auxiliares de serviços gerais, motoristas etc.);  A urgência da criação de espaços de produção de cuidados nos serviços de saúde que sejam sensíveis e especializados nas necessidades de saúde da população LGBT, com destaque as pessoas trans e lésbicas;

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 O envolvimento dessas pessoas e dos movimentos sociais na organização e na programação científica de eventos universitários... Retomando o dito no início deste trabalho, esperamos que esse debate nos tire de casa e nos faça pensar, sentir e viver (praticar) que a vida de qualquer um vale a pena, e que nós, homossexuais, lésbicas, travestis, transexuais e outras identidades de gênero que não cabem nessa sigla, possamos construir projetos de vida e felicidade de forma que não precisemos dizer, todos os dias e o dia todo, que somos humanos, temos direitos e merecemos respeito por vivermos de forma diversa a que muitos vivem. REFERENCIAS BENEDETTI, M. R. A travesti e o gênero: o corpo “todo feito” de ambiguidades, especificidades e curiosidades. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond, 144 p, 2005. MULLER, M.I; KNAUTH, D.R. Desigualdades no SUS: o caso do atendimento às travestis é 'babado'!. Cad. EBAPE.BR. 6(2): 01-14, 2008.

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PAIM, J. S; SILVA, L. M. V. Universalidade, integralidade, equidade e SUS. BIS, Bol. Inst. Saúde. 12 (2): 109-14, 2010. PELÚCIO L. Nos nervos, na carne, na pele: uma etnografia sobre prostituição travesti e o modelo de prevenção da aids. [Tese de Doutorado]. São Carlos: Universidade Federal de São Carlos; 2007. SILVA, M.M.V; BENTO, B. Produção e negociação das identidades trans nas relações familiares em Natal-RN. História Agora. 16: 34-57, 2014. SOUZA, M.H.T; SIGNORELLI, M.C; COVIELLO, D.M; PEREIRA, P.P.G. Therapeutic itineraries of transvestites from the central region of the state of Rio Grande do Sul, Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 19: 2277-86, 2014. SOUZA, M.H.T; MALVASI, P; SIGNORELLI MARCOS CLAUDIO 3 PEDRO PAULO GOMES PEREIRA. Violência e sofrimento social no itinerário de travestis de Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro. 31(4): 767-76, 2015. VANCE, C. S. A antropologia redescobre a sexualidade: um comentário teórico. Physis. 5(1): 7-32, 1995. VOLOCHKO, A; ANTENOR, S; Kalcmann, S. Editorial. BIS, Bol. Inst. Saúde. 12(2). São Paulo. 2010

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EIXO 2 - NA TERRA DA LIBERDADE SOMOS LUTA: PRÁTICAS POPULARES, CONTROLE SOCIAL E SAÚDE

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EXPERIÊNCIA DE IMPLANTAÇÃO DO ACESSO AVANÇADO EM UMA UNIDADE BÁSICA DE SAÚDE DA FAMÍLIA EM MOSSORÓ-RN Ana Karollyne Queiroz de Lima Brena Miranda da Silva Lorrainy da Cruz Solano Natália Teixeira Fernandes Pammella Lyenne Barbosa de Carvalho Rafael Maia Morais. 1 INTRODUÇÃO Uma Atenção Primária à Saúde (APS) forte e resolutiva depende de um acesso facilitado, no qual a pessoa vinculada a essa equipe consiga atendimento no momento em que precise, com os profissionais que conhece e com a forma de agendamento mais confortável (SMS CURITIBA, 2014). Realidade que se encontra distante dos serviços de APS no município de Mossoró-RN, a maioria das Unidades de Saúde realizam agendamento das consultas por meio da marcação de fichas, por ordem de chegada. Os usuários precisam levantar antes do amanhecer e esperar longas filas para talvez conseguir atendimento naquela semana. Foi essa situação que inquietou a equipe de residentes multiprofissionais em Atenção Básica, Saúde da Família e

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Comunidade ao ser inserida em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no referido município. Longas filas, usuários expostos à insegurança da comunidade por terem que sair de suas casas no horário da madrugada e insatisfação por não conseguir “pegar uma ficha”. A equipe de referência da UBS também relata se sentir incompetente, no sentido de não conseguir dar respostas às necessidades dos usuários, circunstância que facilitou o processo de discussão e implantação do modelo acesso avançado, ou acesso aberto. Pesquisas têm demonstrado que quando uma pessoa não consegue atendimento na sua UBS no momento em que precisa o vínculo se fragiliza e a confiança na equipe minimiza (SMS CURITIBA, 2014), fazendo com que ela, ao ter outra necessidade de saúde, opte por buscar a Unidade de Pronto Atendimento (UPA), por exemplo, superlotando os serviços. O acesso avançado tem como lema “Faça o trabalho de hoje, hoje”. Várias experiências e modelos têm sido desenvolvidas no Brasil, Europa e EUA baseados nos princípios desse acesso. Sabendo que cada comunidade tem suas características próprias, a equipe de APS deve buscar

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melhores

estratégias

para

organizar

o

atendimento,

objetivando oferecer respostas eficazes à sua demanda. Diante dessas considerações, apresentamos um relato de experiência de implantação e desenvolvimento do acesso avançado na UBS Dr. José Holanda Cavalcante, situado na cidade de Mossoró-RN. O modelo é baseado no acolhimento à demanda espontânea quatro dias por semana, organizando o fluxo através da classificação de risco e agendamento dos usuários para os grupos de cuidado continuado (Hiperdia, Pré-natal, C e D, Saúde mental) periodicamente, com a consequente extinção da distribuição de fichas. Os usuários, ao buscar o serviço de saúde, procuram não apenas cura para sua condição física, mas um espaço de escuta. Ao oferecê-lo, através do acolhimento, o serviço de saúde promove a integralidade do cuidado. O acesso avançado possibilita que o usuário ao procurar a UBS tenha sua queixa ouvida e resolvida da melhor forma, seja no atendimento médico no dia ou em até 48h, agendamento para um grupo de cuidado ou atendimento por outros profissionais mais adequados para a demanda apresentada por ele. O acesso inclui tecnologias leves, descritas por Merhy (1998), pois diz respeito ao encontro de duas pessoas em uma

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relação sob a qual opera um jogo de expectativas e produções e se delineia o vínculo profissional-usuário. Esse modelo de acolhimento é centrado no usuário, em suas necessidades, acolhendo, responsabilizando e resolvendo sua demanda e dando autonomia ao indivíduo. Outrossim é extremamente pertinente, possibilitando que o serviço de APS atenda a todas as pessoas registradas naquele território quando necessitam, garantindo a acessibilidade, reorganize o processo de trabalho, deslocando o eixo central do médico para uma equipe multiprofissional, e qualifique a relação entre usuários e profissionais, pautada em uma ética mais humanizada (SOUZA, VILAR, ROCHA et al, 2008). Neste sentido, o trabalho objetiva relatar a vivência de implantação do modelo de acolhimento denominado acesso avançado em uma Unidade Básica de Saúde da Família no município de Mossoró-RN. 2. METODOLOGIA Na UBS Dr. José Holanda Cavalcante, localizada no bairro Dom Jaime Câmara, município de Mossoró/RN, está em andamento o acesso avançado, estratégia utilizada pela equipe como forma de dar maior resolutividade às demandas

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que a comunidade apresenta, facilitando o acesso do comunitário à sua equipe de referência. O método de distribuição de atendimento da equipe se dava por fichas, cujos usuários com atenção à saúde chegavam por volta das 5 horas da manhã e formavam filas. A UBS funciona a partir das 7 horas da manhã. Nesse horário, uma funcionária responsável pelo SAME distribuía as fichas referentes aos atendimentos da semana por ordem de chegada, e apenas doze usuários eram atendidos em cada um dos turnos. Devido a essa logística, muitos voltavam sem o êxito sequer de ser ouvido pela equipe. Não havia priorização de casos mais graves ou de faixa etária. Normalmente, as pessoas que necessitavam de atendimento e não conseguiam chegar cedo por motivo de condição física precisavam se deslocar para o serviço de Pronto Atendimento no bairro vizinho. Para oferecer aos comunitários um atendimento mais resolutivo e humano, pensou-se na implantação do acesso avançado como método de acolhimento da demanda espontânea. Antes que ele pudesse ser efetivamente implementado foi preciso capacitar a equipe.

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A capacitação teve início em agosto de 2016, momento em que a UBS passou por reformas na estrutura física e os atendimentos foram suspensos. Esse momento possibilitou discussões e reflexões, no qual foi utilizado o equipamento social “Casa da Nossa Gente” como local de planejamento e capacitação. Durante duas semanas, nos turnos matutino e vespertino, a equipe da UBS e os residentes que atuam na unidade se reuniram para trabalhar os temas: 1) acesso avançado; 2) Política Nacional de Humanização; 3) Integralidade do Acesso, e; 4) Classificação de Risco. Os assuntos foram trabalhados através de metodologias ativas, requerendo a participação do partícipe, conduzindo-o à reflexão sobre sua prática e mudança de atitude. Nesse período, construímos os fluxos de atendimentos e os fluxogramas de todos os programas existentes na unidade, assim como dos grupos de atividades e do acolhimento à demanda livre. O objetivo foi orientar o profissional no direcionamento do usuário dentro da APS. A agenda programática da equipe foi organizada visando atender à demanda espontânea no turno matutino, e no vespertino os grupos de cuidado. E, finalmente, foram criados

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critérios de classificação de risco baseados nas demandas mais comuns apresentadas pelos usuários da unidade. Esses critérios foram utilizados junto ao acolhimento à demanda espontânea, orientando as decisões sobre quem será atendido no dia e quem será agendado. Acentua-se que partiu da equipe de profissionais a ideia de elaborar um modelo de classificação de risco a ser seguido no acolhimento, cujo critérios foram confeccionados com o auxílio de alunos internos de medicina, resultando em um banner expositivo com as principais demandas atendidas de acordo com as prioridades, quais sejam: 1 - risco maior; 2 risco médio ou; 3 - risco baixo). Após o fechamento desse período de capacitação realizamos três “Calçadas Amigas” visando apresentar aos usuários a proposta do acesso avançado. A Calçada Amiga é uma estratégia utilizada pela UBS que objetiva aproximar a comunidade, no qual a equipe vai até a casa de um usuário e lá se reúne com a população para tratar de temas diversos relacionados à saúde, direitos sociais, entre outros. Conclusa a reforma e findada a capacitação, iniciou-se efetivamente o atendimento com o novo modelo. O acolhimento acontece em uma sala privada no período das

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07:00 às 08:30 horas da manhã. O usuário informa sua queixa inicial, que é ouvida por um profissional residente e um Agente Comunitário de Saúde (ACS), classificando-a dentro dos

critérios

de

risco

previamente

desenvolvidos.

Posteriormente ele é direcionado para o atendimento médico do dia, agendado para os grupos de cuidado, atendido pela equipe multiprofissional (Assistente Social, Enfermeira, Fisioterapeuta, Nutricionista e Psicóloga), ou ainda solicitado seu retorno no dia seguinte, com garantia de atendimento em até 48 horas. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES A equipe de profissionais da UBS Dr. José Holanda se mostrou convencida e estimulada com os fluxos resolutivos diante da nova dinâmica do acesso avançado, tanto que conjuntamente a maioria dos profissionais colaborou com todo o processo de implantação, desde a participação na capacitação à realização do acolhimento na unidade. Até mesmo os que não estiveram envolvidos diretamente reconheceram o funcionamento da dinâmica, sendo ativos no repasse das informações aos comunitários e orientações sobre

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

a oferta de serviços na unidade, seguindo uma mesma linguagem operacional. Sobre

as

particularidades

na

caminhada

de

implantação do acesso avançado, destaca-se que todas as manhãs, antes de iniciar o acolhimento dos usuários, o profissional explicava as

mudanças de fluxos.

Essa

abordagem influenciou na recepção dos usuários que não sabiam como estava organizado o serviço, facilitando a dinâmica de atendimentos com mais resolutividade. O acolhimento induz à reformulação da tradição burocrática e rígida dos serviços de saúde, visando a flexibilização e ampliação da clínica e facilitando o cuidado do usuário dentro das equipes da APS. O atendimento integral desafia os profissionais, pois amplia as incertezas, o contato não programado passa a ocorrer e requer uma prática profissional

com

interpretação,

importante

grau

negociação

e

de

comunicação,

responsabilidades

compartilhadas, estimulando o vínculo, acalmando as ansiedades

do

usuário

e

buscando

resoluções

contextualizadas para os seus problemas (TESSER, POLI NETO E CAMPOS, 2010).

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

Starfield (2002) afirma que os termos acesso e acessibilidade são usados intercaladamente e, geralmente, de forma ambígua. A autora descreve acessibilidade como o elemento estrutural necessário para a atenção de primeiro contato, cujo local de atendimento deve ser facilmente acessível e disponível, possibilitando que as pessoas cheguem aos serviços, à APS como porta de entrada no sistema de serviços de saúde. Já acesso diz respeito à forma como a pessoa experimenta a acessibilidade de seu serviço de saúde. O acesso avançado tem a finalidade de possibilitar que o usuário seja atendido no mesmo dia, minimizando o número de consultas preagendadas e aumentando o espaço da agenda para as demandas do paciente daquele dia. Dá-se a esse sistema o(s) nome(s) de acesso avançado ou acesso aberto, ou agendamento para o mesmo dia. Ele permite às pessoas buscarem seu médico/equipe de referência por qualquer problema de saúde, seja ela de urgência, rotina ou atividade preventiva (BARRA VIDAL, 2013). Esse acesso possibilitou atender habilmente toda a demanda diária (ou em até 48 horas e em casos de agendamento dos programas) e excluir o sistema de fichas por ordem de chegada. A unidade de saúde em tela funciona

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apenas com uma equipe e tem um número de famílias relativamente fixo, o que facilitou a oportunidade de acesso a todos. Caso atendesse pacientes fora de área ou tivesse uma área descoberta dificultaria o processo. No primeiro mês foi difícil a adaptação da comunidade à nova forma de acolhimento. Destacamos a abordagem hostil de alguns comunitários que não tinham demanda prioritária para o atendimento imediato e se sentiram prejudicados por terem chegado cedo e não obtido a consulta, evidenciando a ausência de solidariedade para com outros usuários com condição de saúde classificada de maior risco. Outra questão foi o descrédito de alguns em ter sua demanda solucionada por outro profissional de saúde. O antigo modelo de atendimento limitava o acesso da população ao serviço de saúde, contemplando apenas 12 comunitários que chegassem à UBS primeiro. Com o acesso e a participação da equipe multiprofissional na resolução de algumas demandas possibilitou que mais comunitários tivessem suas necessidades ouvidas e resolvidas, atendendo entre 15 a 20 pessoas por turno. No segundo mês, fidelizou-se a aprovação do novo modelo, que recebeu elogios dos comunitários através da

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

caixinha de sugestões presente na recepção. Ao final de cada mês a equipe é reunida e as opiniões sobre o atendimento lidas. Percebeu-se que a resistência inicial ocorreu devido ao rompimento do que antes era habitual, ocorrente por mais de uma década na unidade. Ainda no período de inserção do modelo de acolhimento ocorreu um desmonte na gestão de saúde do município, afetando negativamente o andamento do serviço, desde a sequência de paralizações, greves, atrasos salariais à falta de insumos, o que desestabilizou o equilíbrio e a interação dos profissionais partícipes no processo de mudança. Destaca-se que os fatores externos/estruturais e políticos também arrebatem no acesso ou não aos serviços públicos de saúde. Da construção desse modelo é importante destacar que o envolvimento dos ACS facilitou a aceitação da comunidade na estruturação do novo formato de atendimento, cujos profissionais detêm um vínculo de confiança na comunidade adquirido ao longo dos vários anos de atuação na área. Analisa-se que a distribuição das tarefas na equipe foi fundamental para que todos visualizassem a possibilidade de

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um atendimento multiprofissional e interdisciplinar, uma vez que a implantação do acesso avançado possibilitou/a maior aproximação da equipe com a comunidade, vínculo de cuidado mais firme e descentraliza os atendimentos na figura do médico. Outrossim, são apresentados aos usuários novos profissionais da área da saúde capacitados em atender às demandas do processo saúde-doença com olhar holístico. A interprofissionalidade vincula-se à noção do trabalho em equipe de saúde, marcado pela reflexão sobre os papeis profissionais, a resolução de problemas e a negociação nos processos decisórios, a partir da construção de conhecimentos, de forma dialógica e com respeito às singularidades e diferenças dos diversos núcleos de saberes e práticas profissionais (BATISTA, 2012). Salienta-se que a cultura biomédica ainda se faz presente na Atenção Básica, e nesse território in lócus não é contrário. O entrave do saber médico-centrado também foi uma barreira no processo de implantação do novo serviço, uma vez que a descentralização da demanda para a equipe multiprofissional não era, muitas vezes, valorizada pela população, fazendo com que os pacientes se recusassem em

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mostrar exames laboratoriais à enfermeira ou ao nutricionista do serviço. As dificuldades na planificação do novo modelo de atendimento foram e são inúmeras, com destaque para a falta de ambiência, já que a infraestrutura do equipamento de saúde dificulta um espaço adequado, com conforto e privacidade necessários para escutar e avaliar as demandas de todos os indivíduos, a resistência da comunidade e de alguns profissionais da unidade em acreditar na inovação do atendimento, os fatores sociopolíticos de estruturação da gestão em saúde e as fragilidades de avaliação do formato de atendimento. A

partir

dessas

experiências

percebeu-se

a

necessidade de criar mecanismos de diálogo com a comunidade, no sentido de ofertar serviços que alcancem as reais necessidades do território, visando um modelo mais adequado à procura diária da população e com acesso menos burocratizado. A integralidade é o fundamento para a produção desse cuidado relacional, baseado nas necessidades dos indivíduos, já que busca atendê-las de forma integralizada, seja com olhar multidimensional ou aumentando a resolutividade e

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corresponsabilização na Atenção Básica. Isso se trata de um nível que permite ao profissional desempenhar esse olhar mais crítico se valendo de tecnologias leves para produzir o cuidado em saúde (SILVA et al, 2014). 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A equipe se sentiu satisfeita com a solução alcançada pelo novo acesso. Isso se deve ao aumento do número de pessoas atendidas por dia, principalmente quando se pensa nos comunitários que tinham o acesso sustado pelas barreiras físicas e relacionais decorrente do antigo sistema. Da mesma forma, alguns outros que possuíam disponibilidade de está às cinco horas da manhã na fila da UBS ou possuíam influência com algum funcionário frequentavam assiduamente o consultório

médico,

muitas

vezes

desnecessariamente,

fragmentando sua demanda e dificultando o acesso dos demais comunitários. O fato da equipe se envolver com o processo de acolhimento aumentou o vínculo desta com a comunidade e a responsabilização pelo funcionamento do serviço. Outro ponto percebido foi a abertura do diálogo com o médico,

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facilitando as interconsultas e a valorização das demais categorias profissionais. Ressaltamos a sensação de impotência em dar continuidade ao processo de cuidado, quando este necessita de serviços especializados, por motivo do paciente esbarrar na burocratização do acesso aos recursos materiais e humanos desse nível de atenção. Além disso, a atual situação da administração pública de gerenciamento de recursos e insumos em todos os níveis de atenção do SUS, associado a fatores externos como a segurança pública e atraso salarial da equipe de saúde, dificultou o andamento do acesso avançado, chegando a nos fazer repensar o modelo de acolhimento. Entretanto, torna-se convicto de que ele é o modelo mais próximo do ideal, uma vez que promove a humanização dos atendimentos, fortalece o vínculo afetivo entre a comunidade e a equipe e resolve as demandas apresentadas em nossa área. Igualmente, tem encorajado toda a equipe no sentido da permanência e persistência, cujos frutos do trabalho a curto prazo estão sendo obtidos. Cabe a nós aguardar com expectativa e esperança os de médio e longo prazos.

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REFERÊNCIAS BARRA VIDAL, T. Acesso Avançado e sua Relação com o Número de Atendimentos Médicos em Atenção Primária à Saúde. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, Porto Alegre, BRRS, 111p, 2013. BATISTA, N.A. Educação interprofissional em saúde: concepções e práticas. Cad FNEPAS. p. 25-28, 2012. MERHY, E. E. A perda da dimensão cuidadora na produção da saúde: uma discussão do modelo assistencial e da intervenção no seu modo de trabalhar a assistência. In: REIS, A.T., SANTOS, A. F., CAMPOS, C.R., MALTA, D.C., MERHY, E.E. (Orgs.) Sistema Único de Saúde em Belo Horizonte: reescrevendo o público. São Paulo: Xamã, 1998. P.103-120. Parte II. SILVA, C. T. S; SILVA, S. S; ALMEIDA, M. V. G; ARAÚJO, I. B. Integralidade e suas interfaces com a produção do Cuidado. Rev Cuid, v.5, n.2, p. 731-738, 2014. SMS CURITIBA. Novas possibilidades de organizar o Acesso e a Agenda na Atenção Primária à Saúde. Prefeitura Municipal de Curitiba. Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba. Departamento de Atenção Primária à Saúde. Coordenação do Acesso e Vínculo. 2014. SOUZA, E. C. F; VILAR, R. L. A; ROCHA, N. S. P. D; UCHOA, A. C; ROCHA, P. M. Acesso e acolhimento na atenção básica: uma análise da percepção dos usuários e

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profissionais de saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.24, p. 100-110, 2008. Suplemento 1. STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO; 2002. TESSER, C. D.; POLI NETO, P.; CAMPOS, G. W. S. Acolhimento e (des)medicalização social: um desafio para as equipes de saúde da família. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, p. 3615-3624, 2010. Suplemento 3.

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CONSUMO ALIMENTAR DOS IDOSOS PARTICIPANTES DOS GRUPOS DE HIPERDIA DE MOSSORÓ-RN Paloma Katlheen Moura Melo Rianne Soares Pinto Elayne Cristina Ferreira Xavier José Josivaldo Pessoa Girlane Maria Costa Laura Camila Pereira Liberalino

1 INTRODUÇÃO O crescimento da população idosa aumenta em caráter linear e unidirecional nos países desenvolvidos e em desenvolvimento devido às melhorias das condições do estilo de vida (OLIVEIRA, 2004). Várias alterações significativas têm sido observadas na pirâmide populacional decorrente do processo de transição demográfica ocorrido no Brasil, caracterizada pelo aumento da expectativa de vida, queda das taxas de fecundidade e mortalidade e crescimento da população idosa (SCHMALTZ, 2011). Esse processo teve sua descrição em meados da década de 1940, com o surgimento dos efeitos referentes aos níveis de fecundidade, natalidade e mortalidade, que por sua vez provocaram um ritmo acelerado no crescimento da

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

população

adscrita

no

país

em

transição

(KAC

E

MELÉNDEZ, 2003). Concomitante à transição demográfica, aliada às mudanças epidemiológicas, surge a transição nutricional, que, segundo Batista Filho e Rissin (2003), é entendida como um fenômeno no qual ocorre uma inversão nos padrões de distribuição dos problemas nutricionais de uma dada população no tempo, ou seja, uma mudança na magnitude e no risco atribuível de agravos associados ao padrão de determinação

de

doenças

atribuídas

ao

atraso

e

à

modernidade, sendo em geral uma passagem da desnutrição para a obesidade. Ainda dentro desse contexto, os idosos apresentam condições peculiares que condicionam seu estado nutricional condignas

das

alterações

fisiológicas

próprias

do

envelhecimento, enquanto outros são influenciados por enfermidades e fatores relacionados com as situações socioeconômica e familiar (TRAMONTINO, 2009). A alimentação, entendida como parte integrante das práticas de saúde institucionais e individuais, desempenha papel relevante ao longo da vida. A história alimentar de uma pessoa ou de um grupo social mantém estreita relação com

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

seu perfil de saúde-doença, especialmente quando se trata da longevidade e de enfermidades que se associam à idade, como doenças cardiovasculares, diabetes e obesidade, o que interfere diretamente sobre o seu estado nutricional (TRAMONTINO, 2009; IVONE, 2012). O século XX foi marcado por uma dieta rica em gorduras - principalmente as de origem animal -, açúcar e alimentos refinados, além de reduzida em carboidratos complexos e fibras, provocando, consequentemente, mudança no padrão de saúde e de consumo alimentar dos brasileiros que são influenciados direta ou indiretamente por fatores culturais, sociais, econômicos, avanços tecnológicos na produção de alimentos, processo de industrialização e propagandas veiculadas pelos meios de comunicação, consonante com o declínio progressivo da atividade física (OLIVEIRA, 2004; SANTOS et al., 2005). O padrão de consumo dos indivíduos sofre variações de acordo com os grupos etários, enquanto a avaliação do dispêndio alimentar é um indicador importante para diagnosticar os agravos relacionados à nutrição dos indivíduos e às Doenças Crônicas Não Transmissíveis

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(DCNT) que atingem todas as regiões do país (LOPES et al., 2003). A verificação do padrão de consumo dos alimentos é primordial para uma efetiva avaliação nutricional, uma vez que a partir dos dados encontrados será possível redirecionar as políticas públicas já existentes quanto à promoção, prevenção da saúde, identificação de áreas endêmicas, dentre outros. Além disso, as análises epidemiológicas pressupõem que a ingestão alimentar tem fornecido evidências sobre a importância da dieta na etiologia de diversas doenças (SALES et al., 2006). As DCNT constituem um problema de saúde de grande magnitude, e por isso o Departamento de Atenção Básica vem trabalhando para a melhoria e ampliação da promoção da saúde das pessoas com doenças crônicas através das políticas públicas (BRASIL, 2002). Nesse

contexto,

visando

um

acompanhamento

constante e devido ao aumento dos agravos em pacientes portadores de doenças cardiovasculares, foi criado em 2002 um Plano de Reorganização da Atenção à HAS e DM, denominado HIPERDIA. Esse Plano tem o objetivo de promover a integralidade e estabelecer metas e diretrizes para

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

ampliar ações de prevenção, diagnóstico, tratamento e controle dessas patologias, através da reorganização do trabalho de atenção à saúde e das unidades da rede básica dos serviços de saúde (BRASIL, 2002). Dessa forma, o trabalho realizado nos grupos de HIPERDIA é uma ferramenta de suma importância no processo de educação em saúde, uma vez que as intervenções poderão contribuir para o desenvolvimento de estratégias de prevenção,

promoção

e

reabilitação

dos

idosos

(MAGALHÃES, 2015). Com um ritmo crescente do envelhecimento da população brasileira, torna-se fundamental planejar e desenvolver ações de saúde que possam contribuir com a melhoria da alimentação adequada e saudável dos idosos brasileiros (BRASIL, 2013). À luz dessas considerações, esta pesquisa objetiva descrever o perfil de alimentação dos idosos participantes dos grupos de acompanhamento do HIPERDIA em Mossoró-RN, o qual poderá fornecer elementos para o controle da ingestão alimentar adequada e a prevenção de distúrbios nutricionais e doenças crônicas que acometem essa população, contribuindo com a melhoria da qualidade de vida dos que envelhecem,

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

bem como incentivando profissionais e estudantes da saúde a promoverem mais estudos e intervenções que possam auxiliar na recuperação e/ou manutenção da saúde da pessoa idosa. 2 METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa de delineamento transversal, com caráter descritivo e abordagem quantitativa, que está sendo realizada com os idosos que frequentam os grupos de acompanhamento do HIPERDIA nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município de Mossoró-RN. O projeto foi aprovado, em seus aspectos éticos e metodológicos, pelo Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Parecer No 1.668.434 e CAAE 57382616.0.0000.5294. Foram inclusos na pesquisa todos os idosos que frequentam os grupos de acompanhamento do HIPERDIA e que aceitaram participar através de assinatura ou impressão digital do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). E restringidos os portadores de transtornos mentais, os que não deambulam e possuem membros amputados. O município de Mossoró, situado na região oeste do Rio Grande do Norte, possui 45 UBS, sendo 33 na zona

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

urbana e 13 na zona rural, totalizando 68 equipes de Estratégia Saúde da Família. A pesquisa encontra-se em andamento e está sendo realizada apenas nas UBS que possuem os grupos de HIPERDIA, cumulando 12 Unidades (11 na zona urbana e 1 na zona rural). A população amostral definida foi de 180 participantes com idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos, sendo esse o número total de idosos que frequentam os grupos. Para este artigo foi realizada uma análise parcial dos dados obtidos de apenas uma UBS (n = 16). O contato com os idosos ocorreu previamente na UBS para esclarecer os procedimentos da pesquisa. Em uma sala reservada, com o fim de garantir o sigilo da identidade pessoal e minimizar os riscos mínimos que poderiam surgir, iniciou-se a coleta dos dados, ocorrente no mês de agosto de 2016, os quais serão armazenados sigilosamente na Instituição Formadora (UERN) em um período de cinco anos. A coleta de dados está sendo realizada mediante a aplicação de um Recordatório de 24 horas (R24H) durante dois dias alternados, respeitando um intervalo de 30 a 45 dias entre as coletas e evitando-se o recolhimento dos dados dos fins de semana, com auxílio de um álbum fotográfico de

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

alimentos e utensílios. Também está sendo aplicado um questionário

semiestruturado

contendo

informações

sociodemográficas, estilo de vida e condições de saúde. A construção do banco de dados foi realizada no Microsoft Excel, versão 2011, e a análise estatística no software Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS®), versão 20.0 para Microsoft Windows®. E foi realizada a análise descritiva das variáveis contínuas a partir das medidas de tendência central e dispersão. Para as variáveis categóricas utilizou-se a frequência absoluta e relativa. E para a análise dos dados de consumo alimentar elaborou-se a padronização dos alimentos citados, agrupando-os em 29 itens conforme a similaridade nutricional. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Entre os idosos avaliados até o momento (n=16) houve predomínio do sexo feminino, com idade média de 74,7 (6,3) anos, sendo metade viúvos, de cor parda e a maioria alfabetizados, com nível de ensino fundamental completo ou incompleto.

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Na população estudada observou-se que ainda há elevado número de idosos que não praticam atividade física, no entanto, entre os fisicamente ativos, a modalidade caminhada foi a mais citada (Tabela 1). Tabela 1 - Características sociodemográficas dos idosos que frequentam grupos de HIPERDIA, Mossoró-RN, ano referência 2016.

Variáveis Sexo Masculino Feminino Faixa Etária 60 - 69 anos 70 - 79 anos 80 anos e mais Escolaridade Analfabeto E. Fundamental Completo E. Fundamental Incompleto E. Médio Completo E. Superior Completo Estado Civil Solteiro Casado Separado Viúvo Atividade Física Pratica Não pratica

103

n

%

02 14

12,5 87,5

04 08 08

25,0 50,0 25,0

03 05 06 01 01

18,8 31,3 37,5 6,3 6,3

01 04 03 08

6,3 25,0 18,8 50,0

07 09

43,8 56,3


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Tipo de Atividade Física Caminhada Hidroginástica Dança

08 01 01

80,0 10,0 10,0

A maioria dos indivíduos estudados busca por um estilo de vida com adoção de hábitos saudáveis, dos quais não há, até o momento, nenhum que indicou ser tabagista ou ingerir bebida alcóolica. Por conseguinte, são sujeitos corresponsáveis por sua própria qualidade de vida. No que diz respeito à prevalência de HAS e/ou DM, observou-se que a HAS foi a doença de maior prevalência (n=8) na população pesquisada. Figura 1 – Prevalência de hipertensão (HAS) e diabetes (DM) dos idosos que frequentam grupos de HIPERDIA, Mossoró-RN, ano referência 2016.

HAS

61,5%

HAS e DM

DM

23,1%

15,4%

104


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Em relação ao consumo alimentar e o número de refeições, constatou-se que 75% (n=12) dos participantes realizam cincos refeições, 12,5% (n=2) quatro refeições e 12,5 % (n= 2) três refeições. Esses resultados são satisfatórios, uma vez que o fracionamento das refeições é recomendado para evitar longos períodos de jejum, mantendo níveis glicêmicos adequados no sangue (SCHMAKTZ, 2011). Quanto ao local de realização das refeições, notou-se que a maioria dos idosos (95,8%) realizam-nas em casa, enquanto que a alimentação fora dela é realizada apenas na forma de lanches, especialmente quando ofertados nos dias de encontros na UBS. Ao listar os cinco alimentos com maior percentual de registro de consumo alimentar obteve-se a seguinte classificação: 1º) Arroz, feijão e leguminosas; 2º) Café puro; 3º) Frango, frutas, sucos e vitaminas; 4º) Pães e biscoitos, e; 5º) Leite (Figura 2). Figura 2 – Distribuição relativa dos alimentos com maior frequência de consumo por idosos que frequentam grupos de HIPERDIA, Mossoró-RN, ano referência 2016.

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Feijão e leguminosas Arroz Café Frutas, sucos e vitaminas Frango Pães Biscoitos Leite Carne bovina Tapioca Sopas Legumes e verduras Farinha de mandioca Queijos Milho e derivados Iogurte Tubérculos Salgados fritos Ovos Mingaus e papas Peixes Doces Chás Bolos Suco artificial Macarrão Embutidos Chips Cevada

93,7 93,7 87,5 81,2 81,2 75 75

62,5 50 43,7 37,5 37,5 37,5 31,2

25 25 18,7 18,7 18,7 18,7 12,5 12,5 12,5 12,5 6,2 6,2 6,2 6,2 6,2

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De acordo com a Figura acima, os itens alimentares suco artificial, macarrão, embutidos e chips foram os menos consumidos pelos idosos. Eles são considerados como calorias

vazias

que

promovem

o

surgimento

e/ou

agravamento de patologias como DM, HAS, dislipidemias e obesidade. Merece destaque a presença dos itens feijão e arroz entre os cinco alimentos mais citados, constituindo um prato tipicamente brasileiro de alto valor nutricional. Entretanto, para Jorge et al (2014), nos últimos anos o consumo de arroz e feijão no Brasil não vem acompanhando o crescimento populacional do país. Para os idosos da pesquisa, o tipo mais consumido foi arroz branco e feijão carioca, e seu consumo acontece especialmente no almoço. Já o consumo de leite foi comumente consumido na forma integral, estando presente nas preparações de desjejum e nos lanches. Vale ressaltar que esse consumo poderá ser ainda maior, pois em outras preparações utilizam-no como ingrediente para o preparo de vitaminas, papas e arroz de leite. O café puro foi classificado como o terceiro item alimentar mais consumido, especialmente no desjejum e

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lanches (manhã, tarde e noite). O consumo desse item ocorreu em 87,5% dos idosos, em ambos os sexos. Em relação ao consumo de sucos, vitaminas e frutas foram registrados dez tipos de sucos (laranja, abacaxi, tamarindo, cajá, cajarana, caju, acerola, goiaba, limão e maracujá), dois tipos de vitaminas (banana e abacate) e sete frutas (mamão, maçã, melão, banana, melancia, abacaxi e uva). Esse item está habitualmente presente nas refeições almoço e lanches (manhã e tarde). 4. CONCLUSÕES Os resultados obtidos mostram que o consumo alimentar dos idosos dos grupos de HIPERDIA de MossoróRN não se encontra em situação alimentar que proporcionam uma manutenção adequada para a sua condição de saúde. Em relação ao consumo alimentar, destaca-se o elevado consumo de cereais, leguminosas, leite e frutas, caracterizando-se como principal componente da dieta básica da população estudada, bem como uma diversidade alimentar dentro dos padrões econômicos e variação no fracionamento das refeições.

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Quanto ao consumo de arroz e feijão, a frequência foi relativamente satisfatória, pois

historicamente são os

alimentos básicos na refeição brasileira, e embora exista uma monotonia do consumo alimentar a maioria desses alimentos identificados pode ser classificada como saudáveis, com exceção para doces, chips e embutidos. Diante disso, uma alimentação inadequada, rica em açúcares e gorduras, é característica do processo de transição nutricional pelo qual o Brasil tem passado, potencializando a inversão nos padrões de distribuição de agravos nutricionais e,

consequentemente,

insatisfatório

quanto

ao

aporte

nutricional. Esse quadro revela, ainda, as consequências que uma alimentação inadequada, do ponto de vista qualitativo, pode trazer à saúde, com surgimento e/ou agravamento de patologias

como

a

obesidade,

hipertensão,

diabetes,

cardiopatias, dentre outras, além da diminuição da qualidade de vida da população. Os resultados podem subsidiar a elaboração de intervenções educativas e o desenvolvimento de políticas públicas

destinadas

especificamente

a

esse

grupo,

objetivando promover melhorias no consumo alimentar e na qualidade de vida, considerando a terceira idade como o

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

grupo

mais

vulnerável

às

doenças

crônicas

não

transmissíveis. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Hiperdia – Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos – Manual de Operação. Rio de Janeiro, 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Pesquisa Nacional de Saúde: Percepção do estado de saúde, estilo de vida e doenças crônicas. 2013b. JORGE, K et al. Avaliação do consumo de arroz e feijão em uma unidade de ensino no município de São Paulo. Univap, São Paulo, v. 20, n. 36, p.35-46, dez. 2014. LOPES, A.C.S et al. Consumo alimentar da população adulta segundo perfil sócio-econômico e demográfico: Projeto Bambuí. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2003. MAGALHÃES, G. L. Inserção do grupo de hiperdia na unidade básica de saúde de Nova Amazonas.2015. 27 f. TCC (Especialização) - Curso de Saúde da Família, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015. NUNES, I.F.O.C. Estado Nutricional E Associação Com Variáveis Demográficas, Níveis Séricos E Ingestão Alimentar De Vitamina D Em Pessoas Idosas Domiciliadas Em Capital Do Nordeste Do Brasil.2012.

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

Tese (doutorado em nutrição) Universidade Federal do Piauí.TERESINA,2012. PRADO, S.D. Alimentação saudável e envelhecimento. Rio de Janeiro:2014. p. 201. SALES, R.L de. et al. Desenvolvimento de um inquérito para avaliação da ingestão alimentar de grupos populacionais. Rev. Nutr., Campinas, v. 19, n. 5, p. 539-552, out. 2006. SANTOS, J.S et al. Perfil antropométrico e consumo alimentar de adolescentes de Teixeira de Freitas - Bahia. Rev. Nutr. Campinas, v. 18, n. 5, p. 623-632, 2005. SCHMALTZ, R.M.L.C. Avaliação do consumo alimentar de idosos institucionalizados da cidade de Paracatu, MG. Rio de Janeiro: Revista Augustus, v. 16, n. 32. 2011. TRAMONTINO, V.S et al. Nutrição para idosos. São Paulo, p.261, 2009.

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DO IDOSO E SUA INFLUÊNCIA NA AUTONOMIA Kênnia Stephanie Morais Oliveira Francisca Patrícia Barreto de Carvalho Ana Géssica Costa Martins Tereza Fernanda Gurgel Dantas Sílvio Barros do Nascimento Jéssica Micaele Rebouças Justino Tatiane Aparecida Queiroz Cindy Damaris Gomes Lira Maria Dayanne Soares de Oliveira Katamara Medeiros Tavares 1 INTRODUÇÃO O envelhecer constitui o viver e a história da humanidade, cuja situação se transformou de um fato isolado para uma realidade mundial (SANTOS E PAVARINI, 2011). As diferentes sociedades exibem características com efeitos a curto e longo prazos, como a diminuição da taxa de natalidade,

o

aumento

da

expectativa

de

vida,

o

envelhecimento populacional e o aumento das doenças crônicas e degenerativas (SARAIVA, 2014). O Brasil já é considerado um país envelhecido, cujo número de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos é maior que 21 milhões, o que significa aproximadamente 11% do total da população (BRASIL, 2011). Por se tratar de um

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

fenômeno biológico universal, com consequências sociais e psicológicas

variadas,

o

envelhecimento

deve

ser

compreendido em sua amplitude e se constituir como uma etapa da vida com valores e características próprias, responsável por modificações no desenvolvimento cognitivo e funcional do sujeito, afetando sua base orgânica, metabolismo, equilíbrio bioquímico, memória, linguagem, imunidade e nutrição (SCHIMIDT; SILVA, 2012). O Declínio da Capacidade Cognitiva (DCC) pode decorrer do enfraquecimento dos processos fisiológicos do envelhecimento normal ou de um estágio de transição para doenças e demências (TRINDADE et al, 2013). As alterações cognitivas presentes no envelhecimento normal apresentam como consequências o declínio gradual das funções, como linguagem, percepção, habilidades motoras e funções executivas, sendo a perda da memória a mais significativa entre a população em geral, acarretando prejuízos das diversas atividades de vida diária (BRITO; PAVARINI, 2012). Nesse ínterim, os déficits cognitivos precisam ser identificados precocemente nos idosos a fim de garantir que durante o avançar do processo de envelhecimento o indivíduo

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possa manter sua autonomia, autocuidado e independência sem prejuízos (ALTERMANN, 2014). Diante disso, o presente estudo busca identificar a capacidade cognitiva, envolvendo memória, função executiva, linguagem, função visuoespacial, gnosia e praxia dos idosos assistidos pela Estratégia de Saúde da Família (ESF). 2 MÉTODO Estudo

exploratório

e

descritivo,

de

natureza

quantitativa, realizado em todas as áreas cobertas pela ESF da zona urbana do município de Mossoró-RN. A coleta foi realizada no período de março a maio de 2014 através de visitas domiciliares a 406 idosos, acompanhado de Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Os critérios de inclusão foram: ter idade igual ou superior a 60 anos, residir em área adscrita da ESF, zona urbana do município de Mossoró-RN, ter condições físicas e psíquicas para responder as questões da pesquisa e participar voluntariamente do estudo. E os critérios de exclusão: não se enquadrar na faixa etária da população-alvo deste trabalho na época da coleta de dados, apresentar sofrimento psíquico ou dificuldades físicas que impedissem de participar da pesquisa

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ou que tornasse o momento da coleta algo incômodo ao sujeito participante e aos que não residissem na área geográfica enquadrada na presente pesquisa. A coleta de dados foi realizada através da aplicação de dois questionários com perguntas objetivas e subjetivas (Mini Exame do Estado Mental - MEEM e Instrumento de Pfeffer) na residência dos idosos, os quais foram aplicados de forma concomitante

ao

Termo

de

Consentimento

Livre

e

Esclarecido (TCLE). O MEEM é um dos testes mais utilizados atualmente na prática clínica para avaliar a mudança de estado cognitivo dos pacientes geriátricos (FERREIRA et al, 2014). Ele é constituído por questões agrupadas em sete categorias diferentes, cada uma com o intuito de avaliar a capacidade cognitiva global e funções cognitivas específicas, quais sejam: orientação (tempo e local), registro de três palavras (memória curto prazo), atenção e cálculo, recordação das três palavras

(evocação),

linguagem

e

capacidade

visuoconstrutiva (DIAS et al, 2014). Quanto ao Índice de Pfeffer, ele é constituído por questões objetivas, envolvendo itens relacionados com a capacidade do indivíduo para

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

realizar Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD) e funções cognitivas/sociais (APÓSTOLO, 2012). O banco de dados foi construído no programa Excel, versão 2010, para a realização das tabelas descritivas e aplicações de testes estatísticos (Teste de Alpha Cronbach’s, Kruskal-Wallis, teste de quiquadradro e teste de Pearson), sendo utilizados os softwares Statistica SPSS, versão 20.0, e o livre R, versão 3.0.0. Após a construção do banco de dados eles foram submetidos à análise descritiva, expressos em média, desvio padrão, frequências e porcentagens. E as variáveis foram: número de idosos participantes, sexo e as questões abordadas pelos dois instrumentos. Os dados sofreram análise descritiva e permitiram a construção de tabelas e gráficos de frequências simples e porcentagens. A privacidade dos participantes foi mantida e todo o processo de coleta de dados foi realizado, garantindo os preceitos éticos preconizados pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e sob a aprovação de parecer pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte Nº 389.587.

116


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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO No estudo houve predominância de idosos do sexo feminino, com 67,98% (n = 276), e 32,02% (n = 130) de idosos do sexo masculino. O percentual predominante justifica-se pela feminização da velhice, fenômeno crescente no

país,

acompanhado

por

modificações

no

perfil

epidemiológico e assistencial (TESTON; CARREIRA L; MARCON, 2014), bem como pela existência da mortalidade diferencial de sexo, em que a quantidade de homens que morrem por diversas causas é superior à quantidade de mulheres falecidas. Em concordância com o presente estudo, essa mesma realidade foi encontrada por diversos autores em suas pesquisas (EVANGELISTA, 2014). No que diz respeito à capacidade cognitiva dos entrevistados não houve mudança significativa quanto as diferenças no desenvolvimento cognitivo dos idosos em relação às idosas, como visto em outro estudo (SANTOS et al, 2012). Todavia, ela difere de outros trabalhos realizados, em que o número de mulheres dependentes é maior que o de homens,

ressaltando

que

apesar

delas

apresentarem

expectativa de vida maior que eles não envelhecem saudavelmente (AZEVEDO et al, 2014).

117


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Conforme a Tabela 1, o índice médio de Pfeffer nos pacientes foi de 25,30, com desvio padrão de 5,28. E 50% dos entrevistados tiveram um índice de até 27,00, enquanto que o 1º quartil (25%) e 3º quartil (75%) apresentaram os resultados 23,00 e 30,00, respectivamente, evidenciando um desempenho cognitivo satisfatório por parte dos idosos entrevistados, apesar da amostra ser composta por 32,27% dos idosos analfabetos, o que não influenciou no desempenho para a realização das atividades instrumentais de vida diária.

Tabela 1: Estatística descritiva do índice de Pfeffer. Mossoró, ano referência 2014. Estatística Descritiva Mínimo Máximo

25% Mediana 75% Média DP CV

PFEFFER 4,00 30,00 23,00 * Fonte: Dados da Pesquisa

27,00

30,00 25,30 5,28 20,8 7

O índice médio de Pfeffer nos pacientes foi de 25,30, o que demonstra que os idosos entrevistados apresentaram um grau elevado de independência, uma vez que o nível máximo de pontuação no instrumento é de 30 pontos para a verificação de dependência ou independência nas atividades instrumentais de vida diária (AIVD). Além disso, 50% dos

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entrevistados apresentaram um índice acima de 27 pontos, o que corrobora com outro estudo presente na literatura (BRITO; PAVARINI, 2012), apesar de se tratar de idosos assistidos pela ESF, ou seja, serviço público de saúde ofertado pelo SUS, com renda baixa e dificuldade de acesso a serviços de média e alta complexidades. A Tabela 2 apresenta dados do grau de independência para a realização das atividades de vida diária em consonância com o instrumento de Pfeffer.

Tabela 2: Instrumento de Pfeffer. Mossoró, ano referência 2014. Atividades

Frequência

Consegue administrar seu próprio dinheiro? Consegue fazer suas compras sozinho? Consegue cuidar das atividades domésticas? Consegue fazer as próprias

N

Não é Necessita Faz com Normal Total capaz de ajuda dificuldade 19 152 58 172 401

%

4,74

37,91

14,46

42,89

100,00

N

19

86

45

252

402

%

4,73

21,39

11,19

62,69

100,00

N

21

44

42

295

402

%

5,22

10,95

10,45

73,38

100,00

N %

9 2,28

32 8,10

26 6,58

328 83,04

395 100,00

119


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refeições? Costuma saber 6 N o que acontece com seus 1,51 % vizinhos? Consegue 3 N acompanhar as notícias do 0,74 % Rádio/TV e discuti-las? Costuma se 11 N lembrar das datas/horário 2,72 % de seus compromissos? Consegue 8 N tomar seus remédios na 1,99 % dose e horários certos? Consegue ir a 23 N locais distantes, usando algum 5,68 % transporte, e voltar para casa? Pode ficar em 15 N casa de forma 3,71 % segura? * Fonte: Dados da pesquisa

19

14

359

398

4,77

3,52

90,20

100,00

4

13

385

405

0,99

3,21

95,06

100,00

27

41

326

405

6,67

10,12

80,49

100,00

17

54

323

402

4,23

13,43

80,35

100,00

90

48

244

405

22,22

11,85

60,25

100,00

31

39

319

404

7,67

9,66

78,96

100,00

120


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Verifica-se que 57,1% dos idosos entrevistados relataram que não possuem capacidade para realizar, necessita de ajuda ou realiza a atividade de administrar o próprio dinheiro com dificuldade. Outro quesito revelado foi a “dependência”, no que toca à capacidade dele ir a locais distantes, por meio de transportes, e voltar para a casa. Os idosos que realizavam a atividade de forma normal apresentaram percentual de 60,25%, enquanto que 39,7% tinham dificuldade para realizala, necessitando de ajuda, ou não tinham capacidade de realização. Com relação à estatística descritiva do Mini Exame do Estado Mental (MEEM), os dados estão dispostos na Tabela 3.

Tabela 3: Estatística descritiva do Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Mossoró, ano referência 2014. Estatística Mínimo Máximo 25% Mediana 75% Média DP Descritiva MEEM

3,00

30,00

21,00

25,00

* Fonte: Dados da pesquisa

121

CV

27,00 23,60 4,94 20,93


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

Para a aplicação do MEEM foi considerado o nível de escolaridade

dos

pacientes,

dos

quais

32,27%

são

analfabetos, representando 131 idosos. O resultado médio do MEEM nos pacientes foi de 23,60, com desvio padrão de 4,94. Além disso, 50% da população pesquisada tiveram um índice acima de 25,00, enquanto que o 1º quartil (25%) e 3º quartil (75%) apresentaram os resultados de 21,00 e 27,00, respectivamente. Verifica-se, portanto, que mesmo a amostra sendo composta por 32,27% de idosos analfabetos, apenas 25% obteve resultado abaixo de 24 pontos, pontuação considerada limite para idosos alfabetizados, o que ressalta o bom desempenho cognitivo deles. A classificação do MEEM apresentou o respectivo resultado: normal (50,99%), leve (25,12%), moderada (22,66%) e grave (1,23%) (Tabela 4). Na Tabela 5 são apresentados os dados em função do perfil do entrevistado.

Tabela 4: Classificação do Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Mossoró, ano referência 2014. Classificação Normal Leve Moderada

Frequência 207 Absoluta 102 92

122

% 50,99 25,12 22,66


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Grave Total *Fonte: Dados da pesquisa

5 406

1,23 100,00

Tabela 5: Classificação do Mini Exame do Estado Mental em função do sexo e da região de moradia do entrevistado. Mossoró, ano referência 2014. Perfil

do

Classificação

entrevistado Normal Leve

Moderada Grave Total

Sexo Feminino

50,72%

23,19% 25,00%

1,09% 100,00%

Masculino

51,54%

29,23% 17,69%

1,54% 100,00%

X2: 3,525; G.L:3; Valor-p: 0,318 Setor Central

20,00%

20,00% 60,00%

0,00% 100,00%

Leste

51,79%

24,40% 23,81%

0,00% 100,00%

Norte

51,28%

21,79% 21,79%

5,13% 100,00%

Oeste

55,79%

24,21% 20,00%

0,00% 100,00%

Sul

51,11%

15,56% 31,11%

2,22% 100,00%

X2: 30,874; G.L:12; Valor-p: 0,002 *Fonte: Dados da pesquisa.

123


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Através do teste quiquadrado, para um nível de significância de 5%, temos evidência da diferença estatística entre a classificação do MEEM com o setor, de modo que os idosos residentes da região central apresentaram menor desempenho que as demais regiões. Apesar dos moradores dessa região ter mais acesso aos serviços e melhor poder aquisitivo, o resultado pode ser explicado decorrente da pouca quantidade de residências nessa área da cidade, em contraposição aos demais bairros, à grande quantidade de idosos que residem sozinhos, falta de convivência familiar e aumento da violência na região, o que predispõe ao isolamento social e surgimento de quadros depressivos. O resultado do Instrumento de Pfeffer, somado ao resultado do MEEM trazido pelos idosos residentes na cidade de Mossoró, evidencia o desempenho cognitivo dessa população geriátrica, com autonomia e independência preservadas, o que, por sua vez, influencia diretamente na capacidade funcional dos mesmos. O alto índice de independência funcional percebido em idosos acima de 80 anos, através de outros instrumentos, com capacidade para realizar atividades instrumentais de vida diária pode ser

124


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

explicado pelo alto nível de desenvolvimento cognitivo verificado nesses indivíduos (AZEVEDO et al, 2014). A presente pesquisa demonstra que a autonomia e a independência verificadas nos idosos mossoroenses, através da capacidade para a realização de atividades instrumentais de vida diária e desempenho cognitivo preservado, supera a ideia que a sociedade possui de uma população idosa incapaz para realizar o autocuidado, dependente de familiares ou terceiros para cuidados e ações cotidianas mínimas. A realidade observada na cidade de Mossoró traz a necessidade de um novo olhar por parte da sociedade para o sujeito na velhice. Torna-se primordial compreender e aceitar a autonomia e a independência da população idosa, de modo que as famílias, profissionais de saúde e demais parcelas da população tenham novas posturas frente ao sujeito idoso e à velhice. A promoção da saúde do idoso envolve ações que buscam minimizar a mortalidade causada por quadros agudos ou crônicos, manter a independência, a autonomia funcional e cognitiva e aumentar a qualidade de vida. Para isso é necessário desenvolver uma assistência contínua a essa parcela da população a fim de que a sociedade compreenda

125


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

que os problemas que afetam os idosos atingem além destes à família, à comunidade e o ambiente administrativo-político e de saúde da população (LINDOLPHO et al, 2014). 3 CONCLUSÃO Os idosos assistidos pela ESF do Munícipio de Mossoró-RN

apresentaram

nível

de

autonomia

e

independência para a realização das atividades instrumentais de vida diária preservados, bem como memória, linguagem, função executiva, função visuoespacial, gnosia e praxia conservadas. A saúde do idoso é produto de diversos fatores relacionados com a qualidade de vida. É preciso que o Estado e a sociedade busquem garantir uma vida saudável a essa população

através

acompanhamento

do

acesso

a serviços

multiprofissional,

de saúde,

acessibilidade

aos

diferentes ambientes, segurança, padrão adequado de alimentação e nutrição, habitação e saneamento, prática de exercícios físicos, lazer e apoio social. O conhecimento apontado através da presente pesquisa traz para a enfermagem um novo olhar sobre o sujeito idoso, contrapondo-se às atitudes paternalistas e

126


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

discriminatórias comumente vivenciadas nos serviços de saúde. É preciso que os profissionais dessa área, dentre eles o enfermeiro, compreendam o idoso como adulto com experiências de vida e respeitem sua singularidade e subjetividade, contribuindo para a promoção da saúde e garantindo os direitos à parcela da população com vistas a melhoria da qualidade de vida. Verificou-se como lacuna do estudo a necessidade de maior investigação sobre a dependência dos idosos que residem na região central ter sido superior aos residentes em outras zonas da cidade. Estudos como este auxiliam no direcionamento de ações e concepções que fortaleçam a autonomia e a independência dessa parcela da população, contribuindo para a promoção da saúde da mesma. REFERÊNCIAS SANTOS, A. A.; PAVARINI, S. C. I. Funcionalidade de idosos com alterações cognitivas em diferentes contextos de vulnerabilidade social. Acta Paul Enferm. 2011 [acesso 2015 Jan 22]; 24(4):520-6. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ape/v24n4/a12v24n4 SARAIVA, A. M. P. Acesso à tecnologia biomédica: perspectiva bioética dos enfermeiros portugueses. Rev

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

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128


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

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129


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

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POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL A SAÚDE DO HOMEM NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA Kênnia Stephanie Morais Oliveira Francisca Patrícia Barreto de Carvalho Samara Karla Nogueira Silva Lucidio Clebeson de Oliveira Glauber Weder dos Santos Silva Francisca Adriana Barreto Tatiane Aparecida Queiroz Francisco Rafael Ribeiro Soares Francisco Arnoldo Nunes de Miranda Katamara Medeiros Tavares. 1 INTRODUÇÃO No Brasil é bastante disseminada a ideia de que a atenção primária à saúde se constitui de serviços destinados quase que exclusivamente a mulheres, crianças e idosos. Muitas são as suposições e justificativas para a pouca presença masculina nos serviços àquela atenção. Dessa forma, a inclusão de homens em ações de saúde é desafiadora, haja vista eles não reconhecerem a importância do cuidado e a valorização do corpo salutarmente como questões sociais (ALBANO et al, 2010). No geral, os indivíduos do sexo masculino sofrem mais condições severas e crônicas de saúde do que as

131


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

mulheres, e também morrem mais cedo do que elas. Todavia, apesar das taxas masculinas representarem um peso significativo nos perfis de morbimortalidade, observa-se que a presença de homens nos serviços de atenção primária à saúde é significativamente menor em relação às mulheres (GOMES et al, 2007). A elevada mortalidade masculina em relação a feminina, segundo estudos publicados na política de saúde do homem4,

foi

um

cofator

para

a

percepção

dessas

necessidades, levando ao desenvolvimento de ações em saúde voltadas para o público masculino (GOMES et al, 2007). É crescente a produção de pesquisas acerca da relação homens e saúde, sobretudo direcionadas a temas como o acesso e o uso de serviços, perfis de morbimortalidade e representações sobre saúde e adoecimento em grupos sociais específicos (LEITE et al, 2010). Nessa perspectiva, a desaprovação do homem aos serviços primários de saúde, locais prioritários para a realização de ações para a promoção e prevenção da saúde, provoca a manutenção do quadro de morbimortalidade masculina praticamente inalterado (COUTO et al, 2010).

132


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

Esse cenário decorre de variáveis culturais que distanciaram o público masculino dos serviços de saúde, haja vista durante muitos anos eles terem sido frequentados por mulheres, idosos e crianças, entendendo-as como pessoas susceptíveis a doenças (COUTO et al, 2010). Nesse contexto, as pesquisas mostram que os homens pouco cuidam de sua saúde e pouco procuram os serviços de saúde por vários motivos, entre eles: os cuidados em geral são percebidos como femininos, e não masculinos; os homens costumam ser vistos como fortes e invencíveis, logo somente buscam ajuda quando os problemas se agravam, quando não conseguem trabalhar; os serviços de atenção básica costumam ser vistos como lugar de crianças, mulheres e idosos, e; as ações de atenção básica voltadas para os segmentos masculinos ainda são tímidas ( GOMES, 2008). Compreender esses motivos é importante para a criação de medidas que possam promover o acesso dessa população aos serviços de atenção primária objetivando garantir a prevenção e a promoção da saúde (BRASIL, 2009). A Atenção Primária no Brasil é ofertada dentro dos preceitos da Estratégia Saúde da Família (ESF), entendida como uma forma de reorientação do modelo assistencial que

133


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

até então era caracterizado como medicalizante e em que se priorizava

a

assistência

baseada

na

remissão

da

sintomatologia (CARNEIRO JUNIOR et al, 2010). Essa estratégia é operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades de Atenção Primária à Saúde (APS), abrangendo uma parcela populacional a ela atribuída. Essas equipes da ESF são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada, que realizam ações de promoção à saúde, prevenção de agravos, recuperação e reabilitação da saúde. Em uma sociedade em constante transformação, a prevenção de doenças e a promoção da saúde adquirem importante papel socioeconômico e cultural, cujos indivíduos do sexo masculino acabam por renegar em segundo plano a qualidade da própria vida, tornando-os mais susceptíveis ao desenvolvimento de diversas patologias (LEITE, 2010). Nesse sentido, com o intuito de melhorar a inserção do homem nos serviços de saúde e, em especial, na APS, foi criada a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH). Essa Política prioriza a assistência de forma a integralizar os serviços, garantindo por lei o acesso

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

universal e igualitário ao usuário do sexo masculino (BRASIL, 2009). Logo, torna-se imprescindível desenvolver estratégias que objetivem buscar essa clientela e mostra-la a importância das ações de promoção e prevenção da saúde, bem como traçar medidas que a aproximem das ações de atenção primária, fortalecendo-a como porta de entrada dos serviços de saúde (BRASIL, 2006). Para tanto, os profissionais inseridos na ESF precisam se apropriar da PNAISH com vistas a melhorar o acesso da população masculina, seu acolhimento e melhor compreensão de suas demandas de saúde/doença. Diante disso, o objetivo deste estudo foi analisar o entendimento dos profissionais de saúde sobre o conteúdo e a aplicabilidade da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem na Estratégia de Saúde da Família e compreender, a partir dos profissionais de saúde, como se dá o processo de inserção da população masculina nos serviços e quais estratégias são utilizadas para implementa-la. 2 METODOLOGIA O presente estudo se trata de uma pesquisa de cunho analítico, com abordagem qualitativa, colocando em prática

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

os

procedimentos

metodológicos

da

pesquisa

social

(MINAYO, 2006). A coleta de dados foi realizada no período de 02/04/11 a 04/05/11. O instrumento utilizado foi um roteiro de

entrevista

dividido

em duas

partes:

a

primeira

caracterizando o entrevistado, e; a segunda com questões abertas pertinentes à temática em estudo. O estudo foi desenvolvido em uma Unidade de Saúde da Família situada no município de Mossoró-RN. A população do estudo é constituída por duas equipes de ESF, sendo dois Enfermeiros, dois técnicos de enfermagem, dois atendentes de dentistas, dois dentistas, dois médicos e nove agentes comunitários de saúde, totalizando

dezenove

profissionais. A amostra do estudo foi constituída pelos profissionais que faziam parte das equipes há mais de seis meses. E o total de entrevistados cumulou 16 pessoas. Na análise foi adotada a proposta de leitura compreensiva do material transcrito das entrevistas e, sequencialmente, a aproximação das ideias que passaram a caracterizar os núcleos de sentido das falas, divididos em duas categorias: Conhecimento dos profissionais da ESF

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acerca da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem - PNAISH, e; Gênero e Saúde. Na apresentação das falas utilizou-se a transcrição, que é “um recurso através do qual o pesquisador torna o conteúdo mais acessível à compreensão dos leitores, reelaborando o texto, dando-se especial relevância ao tom vital e às categorias mais expressivas da entrevista”. Foi utilizada uma nomenclatura formada pelo cargo e a equipe que aquele profissional pertence, de modo a garantir o anonimato dos sujeitos da pesquisa. E o presente estudo foi desenvolvido observando-se os princípios éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, conforme pressupõem as Resoluções 196/96 CNS/MS e 311/2007 do Conselho Federal de Enfermagem. Para isso, ele foi submetido à avaliação e aprovação do comitê de pesquisa da

FACENE/FAMENE,

Protocolo

53/11

e

CAAE

0047.0.351.000-11. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os profissionais das duas equipes de estratégia de saúde da família são em sua maioria mulheres (93%), mostrando que apesar de acontecerem mudanças o trabalho

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em saúde ainda é eminentemente feminino. A faixa etária variou de 28 a 58 anos, estando 46% entre 36 a 43 anos. Os casados somam 73% e 40% dos entrevistados que apresentam o Ensino Médio como nível máximo de escolaridade. 2.1. CONHECIMENTO DOS PROFISSIONAIS DA ESF ACERCA DA POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRAL À SAÚDE DO HOMEM - PNAISH A PNAISH constitui um importante desafio para as unidades de saúde, e apenas metade dos participantes da pesquisa a caracterizou como parte fundamental e necessária para a realização de uma assistência integral. Esses profissionais ainda destacaram que apenas conhecem alguns aspectos da PNAISH e que desconhecem sua implementação. Que as informações foram colhidas em pesquisas na internet ou no próprio sítio do Ministério da Saúde ou pela televisão, já que não foi disponibilizado nenhum insumo ou capacitação para o conhecimento da Política. Eu sei alguma coisa, através de televisão, porque aqui no posto mesmo não foi feito nenhuma atividade, não foi

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

feito nenhum treinamento sobre isso. (Agente Comunitário de Saúde - Equipe 01) A gente tem programa para a mulher, para a criança, para gestante e o homem tem sido esquecido, então essa política ela vai trazer diretrizes pra que a gente também comece a observar e a ver que o homem deve também fazer parte, que homem também precisa ter saúde, então a gente precisa trabalhar com esse homem e a política veio trazer essas diretrizes para este trabalho. Para que a gente possa atrair esse homem, para que a gente possa trabalhá-lo de acordo com o perfil epidemiológico, do que acontece com o homem. (Enfermeira - Equipe 02)

A PNAISH surgiu com o intuito de inseri-lo na Atenção Primária à Saúde, sendo resgatada como porta de entrada do SUS para esse público, garantindo a ele vivenciar as mesmas práticas de saúde que a mulher, o idoso e a criança vivenciam e respeitando uma lógica de atenção prestada em suas necessidades masculinas. Percebemos, entretanto, que os próprios componentes das equipes da ESF não se apropriaram ainda desse saber, apresentando dificuldades quanto ao desenvolvimento de ações no que diz respeito à promoção à saúde dessa clientela.

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

A política foi criada com a finalidade de tentar fazer a prevenção, principalmente das doenças que acometem o homem, melhorar o acesso desse sexo masculino à Unidade Básica de Saúde e daí a gente ter como prevenir e tratar alguma patologia que já vem acometendo esse homem. (Médico - Equipe 02)

Observa-se forte componente curativista, com foco na doença, mesmo quando se fala em prevenção, haja vista ainda não se ter um trabalho pautado na promoção à saúde. Outrossim, há ausência de estratégias que atraiam o homem ao serviço de atenção primária, sendo uma das consequências desse desconhecimento. Os entrevistados disseram que o único

serviço

voltado

para

o

homem,

porém

não

exclusivamente, é a entrega de preservativo: Temos alguns programas como DST/AIDS com a entrega de camisinha, que por falta de pessoal tem um horário restrito. (Enfermeira - Equipe 02)

Esse discurso mostra a lacuna existente na atenção à saúde do homem, uma vez que o programa DST/AIDS atua apenas de forma pontual, não apresentando ações que estimulem o estabelecimento do vínculo dos indivíduos com a equipe da ESF.

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

Outro aspecto importante é o fato de não existirem programas voltados aos indivíduos do sexo masculino durante todo o seu ciclo de vida, comprometendo a integralidade da assistência. Entender as necessidades e a política destinada à população masculina é o ponto-chave para que ela se efetive concretamente, trabalhando com ações conjuntas, inserindo o gênero na ESF e facilitando o acesso às unidades de saúde com ações direcionadas a esse público, objetivando promover saúde, prevenir os principais agravos e também priorizar a assistência respeitando suas singularidades, dando a eles o direito à informação, à participação na família e ao protagonismo no seu modo de andar a vida, sendo coparticipe no processo saúde-doença. Um reflexo desse cenário é o fato de não ser raro se perceber em salas de vacinas a decepção dos profissionais em receber uma criança com o pai. Ao invés de elogios pela iniciativa de participação, em uma sociedade onde o cuidado é delegado às mulheres, ou de trata-los com naturalidade diante da situação, ele é recebido com questionamentos: “onde está a mãe da criança? ”, ou; “esta criança não tem mãe, não?”. Como se ele fosse inapto para a atividade de

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levar o filho para ser vacinado ou não fosse bem recebido naquele local, ou ainda não tenha o direito de participar ativamente da vida dos filhos (COUTO et al, 2010). Essas atitudes levam os homens a se sentirem deslocados no ambiente das unidades de atenção primária à saúde e dificulta o acesso deles aos serviços de saúde. A reconstrução e a implementação de um modelo de atenção menos preconceituoso e estereotipado sobre o masculino e o feminino são fundamentais para a constituição de relações mais igualitárias entre os sexos. Levando em consideração o importante papel dos profissionais de saúde e educação como agentes multiplicadores, urge discutir essas questões com os profissionais que trabalham na área para que os programas e as diretrizes já oficializadas possam ser implementados (OSINAGA, 2000). 4 GÊNERO E SAÚDE Gênero pode ser considerado como uma referência sociohistórica que consiste nas diferenças entre sexos e na estruturação

material

e

simbólica

da

vida

social,

estabelecendo entre homens e mulheres valor desigual e suas especificidades, bem como reconhecimentos diversos de suas

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necessidades de saúde. Outrossim, assinala características socialmente construídas que constituem a definição do masculino e do feminino em diferentes culturas (MINAYO, 2006). Valorizando as questões de gênero, ao orientar ações e serviços de saúde para os indivíduos, com integralidade e equidade, primando pela humanização no serviço prestado, a consolidação da PNAISH tem papel imprescindível para a mudança de paradigmas acerca da saúde masculina (BRASIL, 2009). Essa Política tem como diretrizes a integralidade e a continuidade do cuidado por todos os níveis de atenção, desde o primário até o terciário, considerando o modo

de

vida

e

a

situação

social,

factibilidade,

disponibilidade de recursos e tecnologias, estrutura técnicoadministrativa e gerencial, coerência e diretrizes que devem estar de acordo com os princípios norteadores do Sistema Único de Saúde (SUS) e a viabilidade relacionada ao comprometimento e à possibilidade de execução de ações (CNS, 1996). Embora não se negue que os homens tenham necessidades de saúde, observou-se que a maioria não

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

procura os serviços de APS. Essa realidade se torna clara nos relatos dos participantes da pesquisa: O homem realmente procura quando está com alguma coisa. Ele não procura na prevenção, ele procura na parte curativa. Eles só vêm realmente pela parte curativa, dificilmente vem um para procurar a parte preventiva, eles vêm quando não conseguem resolver a coisa na farmácia. (Enfermeira - Equipe 01)

Esse cenário é reflexo, também, do homem ser educado desde a infância a ser protetor e provedor. Desde cedo é preparado para suportar sem chorar suas dores físicas e emocionais, dando-o ar de invulnerabilidade (VIEIRA et al, 2011). Estereótipos de gênero, oriundos da nossa cultura patriarcal e machista, potencializam práticas baseadas em crenças e valores do que é ser masculino. Nesses casos, a doença é considerada como um sinal de fragilidade que os homens não reconhecem como inerentes à sua própria condição biológica, e, por isso, se julgam invulneráveis, sendo exposto a condições de risco (VIEIRA et al, 2011). Os homens utilizam mais objetivamente outros serviços que atendem diretamente suas demandas, que seriam

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

farmácias e serviços de pronto atendimento (urgência e emergência), uma vez que estes são céleres e diretos (SCHRAIBER, 2010). A PNAISH reconhece que a população masculina acessa o sistema de saúde por meio de atenção especializada, o que mostra a necessidade de fortalecimento e qualificação da atenção primária, uma vez que os homens não buscam, como fazem as mulheres, os serviços dessa atenção, adentrando os sistemas de saúde pela atenção ambulatorial e hospitalar de média e alta complexidades. Isso resulta no agravo da morbidade pelo retardo na procura e maior custo para os sistemas de saúde (VIEIRA et al, 2011). É uma questão educacional e cultural, sendo que a própria educação familiar favorece esse contexto, pois os homens não vêm a unidade de saúde por considerar desnecessário. Admitir a necessidade da assistência em saúde traz às mentes masculinas a ideia de fragilidade e isso difere da identidade construída ao longo da vida. Todavia, a identidade não é, nessa perspectiva, fixa, unitária e acabada, mas um processo de ‘se tornar’ uma identidade dentro de certos grupos de significados, selecionados a partir de uma

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diversidade infinita de sentidos potenciais, produtos de uma situação real (THOMÉ; MEYER, 2011). É a partir dessa perspectiva de mudança que os profissionais de saúde precisam modificar comportamentos e atitudes quanto aos riscos à sua saúde e à boa qualidade de vida do sexo masculino. Entre esses comportamentos são destacadas as faltas às consultas agendadas e a interrupção dos tratamentos prescritos/instituídos, como

ilustra o

depoimento abaixo: É mais difícil o acompanhamento de patologias no sexo masculino. Não só o acompanhamento das patologias e o tratamento em si, mas principalmente a prevenção. É mais complicado, por uma questão cultural, muitas vezes vem trazido pela mulher que fica escutando as queixas, ou então uma filha. Na rotina é isso que a gente vê. (Medico - Equipe 02)

Além da educação em saúde citada com fim à mudança de comportamento dos homens no cuidado consigo, há outro ponto a ser enfatizado: a atenção à saúde no nível primário necessita de mais agilidade, resolutividade e integralidade. A integralidade, por sua vez, perpassa pelos princípios da vigilância e promoção da saúde, do respeito às

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diversidades cultural, social, racial e de gênero, e compreende aspectos que envolvem a qualidade da assistência prestada, a visualização como um todo do sujeito a ser cuidado com vistas a identificar as dimensões individual e coletiva desses atores (MELO et al, 2011). Há, ainda, alguns profissionais que não aceitam e/ou não concordam com essa dificuldade de acesso mencionada na literatura e por outros profissionais. Não vejo dificuldade de acesso. É só ele vir que será atendido. Não vem porque não querem vir. Não existe esta dificuldade de acesso, é uma questão cultural mesmo. Chegando aqui ele vai ser atendido. (Dentista - Equipe 01) Os homens não têm interesse, eles não entendem e não têm interesse. Se tivessem interesse fariam o exame de próstata, por exemplo. É muito difícil fazerem (o exame), a não ser que estejam sentido alguma coisa, aí pedem para fazer. (Dentista - Equipe 02)

Percebe-se,

ainda,

que

profissionais

que

desconhecem o que realmente significa acesso a um serviço de saúde, bem como procuram responsabilizar o próprio usuário pelo não comparecimento a esses serviços. Ignoram

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

as condições sociais em que vivem os homens das camadas mais pobres da população e a influência dessas condições no cotidiano em suas decisões. Outro ponto importante destacado pelos participantes da pesquisa que dificulta o acesso do homem ao posto de saúde é a presença de poucos profissionais do sexo masculino nas equipes de ESF para atender essa clientela, ou até mesmo profissionais específicos como, por exemplo, o urologista. A presença

desses

profissionais

poderia

simplificar

a

inserção/acolhimento do homem nesses serviços. 5 CONCLUSÃO No contexto estudado, foi possível perceber que apesar da divulgação por parte do governo nas mídias falada, impressa e televisiva os profissionais que lidam diretamente com a população ainda não se apropriaram dos pilares da PNAISH. Infelizmente há casos frequentes em que ainda se trabalha em uma perspectiva curativista e visão machista no atendimento das necessidades da população. O estudo mostrou que os homens não procuram os serviços de APS com o fim no cuidado à saúde. Eles são vistos quando há algum sintoma que não pôde ser controlado

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

no

espaço

domiciliar

e/ou

não

foi

devidamente

tratado/controlado no âmbito hospitalar. É rara a procura pela sala de vacina, exames periódicos, seguimento de algum tratamento já instituído (hanseníase, tuberculose, hipertensão e diabetes) de forma espontânea. Geralmente essa procura se dá por pressão de familiares, em especial esposa e filhas. Há, ainda, um longo caminho a ser percorrido a fim de que os profissionais de saúde se libertem do arcaísmo machista e atendam essa clientela adequadamente, no sentido de ofertar uma escuta e acolhimento dignos aos usuários do gênero masculino. Há um outro que já começou a ser trilhado, impulsionado pelo aumento da longevidade e as propagandas e programas televisivos que mostram a necessidade de se preparar para a velhice. Timidamente o os homens estão sendo introduzidos e se introduzindo nos serviços de APS e se interessando pelo cuidado de si e dos seus. REFERÊNCIAS OSINAGA, V.L.M; VIEIRA, M.J; ARMELIN, M.V.A.L; FUREGATO, A.R.F. Trabalhando com histórias de vida de familiares de pacientes psiquiátricos. Rev Esc Enferm USP. 34(4): 401-6, 2000.

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CALÇADA AMIGA: O OLHAR DO PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM DA ESF Neiliane Maria da Silva Ana Luiza de Oliveira Sousa Deceles Ingrid de Carvalho Oliveira Pâmella Costa Queiroz Tatiane Aparecida Queiroz Ubaldo Onésio de Araújo Silva 1 INTRODUÇÃO A educação em Saúde é uma característica essencial a todas as ações desenvolvidas no trabalho do SUS. Ela proporciona a articulação entre todos os níveis de gestão do sistema, sendo imprescindível para o fortalecimento da atividade transdisciplinar entre os profissionais, como as ações que acontecem na relação direta dos serviços com os usuários. Essas práticas devem ser valorizadas e incentivadas objetivando contribuir cada vez mais para a afirmação do SUS como a política pública que possibilita maior participação social, não somente por promover a saúde enquanto direito por parte da população, como também pela promoção da cidadania (FALKENBERG et al, 2014). É preciso repensar também a Educação em Saúde na perspectiva da participação social, compreendendo que as

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verdadeiras práticas educativas somente têm lugar entre sujeitos sociais. Logo, deve estar presente nos processos de educação permanente para o controle social, de mobilização em defesa do SUS e como tema relevante para os movimentos sociais que lutam em prol de uma vida digna. (BRASIL, 2007). Nessa visão, o Ministério da Saúde traz que a Educação Popular na Saúde implica atos pedagógicos que fazem com que as informações sobre a saúde dos grupos sociais contribuam para aumentar a visibilidade sobre sua inserção histórica, social e política, elevar suas enunciações e reivindicações, conhecer territórios de subjetivação e projetar caminhos inventivos, prazerosos e inclusivos (BRASIL, 2007). Entendemos, aqui, que a integralidade do SUS diz respeito tanto a atenção integral em todos os níveis do sistema quanto à condição de saberes, práticas, vivências e espaços de cuidado, ou seja, o sistema de saúde deve está preparado para ouvir o usuário, entender o contexto social em que ele está inserido para a partir daí atender suas demandas e necessidades. Tudo isso está garantido pela Lei 8.080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

recuperação da saúde, e pela Lei 8.142/90, que assegura a participação popular tanto na gestão como na construção do SUS (FEIJÃO E GALVÃO, 2016). Nesse contexto, observa-se que a atenção básica além de ser a principal porta de entrada para os demais serviços de saúde caracteriza-se por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e nos

determinantes

e

condicionantes

de

saúde

das

coletividades (BRASIL, 2012). Ela é desenvolvida por meio do exercício de práticas de cuidado e gestão, democráticas e participativas, em que se insere a Estratégia Saúde da Família, sob forma de trabalho em equipe, dirigidas às populações

de

territórios

definidos

que

assumem a

responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente no território em que vivem (BRASIL, 2012). Complementando a Estratégia Saúde da Família, temse a Residência Multiprofissional na Saúde, criada e financiada

pelo

Ministério

155

da

Saúde

com

formatos


DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

diversificados, mas dentro da perspectiva de trabalhar integradamente com todas as profissões da saúde, e que embora sejam preservadas as especialidades de cada profissão

envolvida

seria

criada

uma

área

comum,

especialmente a vinculada ao pensamento da velha saúde pública, acrescida de valores como a promoção de saúde, integralidade da atenção e acolhimento (MAIA et al, 2013). A Residência Multiprofissional traz para a Atenção Básica uma forma de atuação cooperativa e interdisciplinar, interagindo com a comunidade na qual estão inseridos outros profissionais que atuam no sistema de saúde, bem como nas outras

políticas

públicas

locais.

Essas

experiências

demonstram o quão efervescente os lugares podem se tornar quando

devidamente

estimulados.

E

apresentam

sua

potencialidade para romper com os paradigmas existentes em relação à formação dos profissionais para o SUS e em contribuir para qualificar a atenção que os serviços de saúde locais necessitam ofertar às suas comunidades (BRASIL, 2006). Diante dessa realidade é preciso despertar nos profissionais de saúde o interesse pela educação em saúde efetivo e resolutivamente, por meio da integração dessas

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ações com a comunidade de forma que possam contribuir para a manutenção da saúde individual e coletiva com consciência crítica, permitindo o exercício da cidadania e a efetivação de mudanças pessoais e sociais. As ações em saúde devem ser direcionadas para a realidade cultural dos sujeitos, no qual o problema é trabalhado a partir do pensamento do coletivo, da análise de suas crenças e valores sobre determinada situação ou risco de agravo à saúde e de práticas em relação à situação vivenciada (NUNES et al, 2013). Posto isso, o presente trabalho objetiva explicitar o olhar do enfermeiro quanto à estratégia de saúde da família sobre a experiência exitosa das ações educativas do grupo itinerante Calçada Amiga, uma estratégia de educação em saúde no território. 2 METODOLOGIA O presente artigo consiste em um relato de experiência da instituição do grupo itinerante Calçada Amiga, realizada no território adscrito à Unidade Básica de Saúde Duclécio Antônio de Medeiros, localizada no bairro Presidente Costa e Silva, Mossoró-RN. O Grupo é uma

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estratégia realizada pelos Residentes Multiprofissionais em Atenção

Básica/Saúde

da

Família

e

Comunidade

e

profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF) objetivando promover ações de educação em saúde no território. As

ações

são

realizadas

quinzenalmente

em

microáreas alternadas e a escolha das calçadas ocorre nas residências onde os moradores possuem o hábito de se reunirem para conversar no final da tarde, sendo o Agente Comunitário de Saúde (ACS) do espaço o intermediário entre a equipe e a comunidade. As temáticas abordadas decorrem das necessidades e dúvidas da população, nos quais são discutidos assuntos como o papel da ESF, direitos dos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), doenças transmitidas pelo Aedes Aegypti, câncer de mama e tuberculose. Os debates são realizados por meio de roda de conversa, sendo utilizados cartazes ilustrativos com fim a estimular a participação dos usuários e a troca de experiências entre os presentes. Esse modelo de ação propõe mudanças de atitudes, tanto na população quanto nos profissionais envolvidos, aproximando os profissionais de saúde e os usuários e fortalecendo vínculos.

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3 RESULTADOS E DISCUSSÕES A vivência do residente em saúde da família deve partir do compreender e do interagir em um dado território, estruturando a estratégia de saúde da família na sua área de atuação. Não se trata de observar as atividades, o fazer dos profissionais, mas ser sujeito ativo que pensa, problematiza, elabora e se baseia na realidade local de forma participativa e orgânica com a população, equipe da Estratégia Saúde da Família e com as várias instituições que atuam no território, com a devida supervisão, apoio e suporte da aprendizagem técnica. (BRASIL, 2006). Com esses preceitos, a Equipe de Residentes Multiprofissionais inseriu na rotina dos profissionais da Estratégia Saúde da Família e seus clientes assistidos diversas ações de intervenção, dos quais citamos o Grupo Saúde na Melhor Idade, Rádio Aida Mix, Orientação aos Cuidadores, Ações de Saúde do Homem e Trabalhador e a Ação Calçada Amiga. Quando recebemos a proposta dessa Ação pela equipe de residentes multiprofissionais rapidamente identificamos o quanto ela seria importante para a comunidade assistida pela equipe ESF da referida unidade de saúde, mas também vimos

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a necessidade de trabalhar a ideia com os profissionais que lá trabalham acostumados a realizar ações na própria unidade ou em ambientes fechados. Envolver os profissionais, principalmente os ACS, foi um grande desafio. Desafio esse superado, em que eles contribuem diretamente para o sucesso da ação, uma vez que há um conhecimento mais próximo com a comunidade, garantindo maior aceitação por parte dos usuários, que, por sua vez, também ainda não tinham vivenciado algo semelhante. A presença constante de residentes das categorias profissionais que não atuavam na unidade anteriormente resultou no aumento da capacidade da equipe de resolver e/ou enfrentar os problemas de saúde do usuário. Para os trabalhadores, aqueles representaram um apoio na prestação do cuidado, através da troca de conhecimentos proporcionado pela discussão de casos e a tomada de decisão para a realização do cuidado em saúde entre diferentes categorias profissionais (DOMINGOS et al, 2015). Essa experiência permitiu identificar que uma das grandes dificuldades expressas pelos trabalhadores da saúde no desenvolvimento de suas atividades com a comunidade era a escassa participação dos usuários nas ações de educação

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em saúde oferecidas e realizadas tanto na unidade de saúde quanto nos territórios (DE OLIVEIRA, 2014). O modelo comumente praticado na saúde em geral consiste em uma prática fragmentada, centrada na produção de atos e no predomínio articulado entre as inúmeras queixas dos usuários. Para a superação desse cenário, impõe-se um novo referencial, assentado no compromisso ético com a vida, promoção e recuperação da saúde (DE OLIVEIRA et al, 2014). E isso conseguimos verificar claramente com a chegada da Equipe de Residentes Multiprofissionais na nossa unidade de saúde e a implantação das ações realizadas por ela. Com base no princípio da integralidade e do agir em saúde, os serviços devem ofertar ações de promoção à saúde, prevenção dos fatores de risco, assistência aos danos e reabilitação segundo a dinâmica do processo saúde-doença, estando articuladas e integradas em todos os espaços organizacionais do sistema de saúde (CHEADE et al, 2013). Com

isso,

ampliamos

nossa

visão

enquanto

profissionais de saúde no que toca à promoção e prevenção dos

problemas

encontrados rotineiramente

em

nosso

cotidiano, onde saindo da unidade de saúde e indo ao

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encontro da comunidade para levar nosso conhecimento, como também ouvir seus relatos sobre os assuntos abordados, suas dificuldades e saberes e juntos tentarmos buscar melhores caminhos para a resolução desses problemas. Junto a isso, também sentimos a acolhida positiva da população em que sempre nos horários marcados estiveram presentes nos aguardando. 4 CONCLUSÕES Essa estratégia de intervenção comunitária tem sido relevante para nós profissionais, possibilitando o estímulo à novas práticas de promoção da saúde e o fortalecimento da equipe quanto ao seu papel com a comunidade visando a promoção

e

o

empoderamento

dos

usuários

como

protagonistas de sua realidade. Buscamos despertar nesses o sentimento de responsabilidade para resolver seus problemas de saúde e se cuidarem para o não adoecimento. Ficamos satisfeitos em levar informação às pessoas em seu ambiente, possibilitando maior aproximação, assim como a não formalidade das ações, onde era seguido um roteiro apenas para direcionar as conversas, mas que no desenrolar das ações, com a livre discussão do tema, todos se

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sentiram à vontade. O envolvimento da comunidade com os temas apresentados pela equipe estava presente nas discussões, sempre baseado em suas maiores necessidades, como também o cuidado de já deixar acordado o local do próximo encontro. E insatisfeitos com a dificuldade em marcar ações da Calçada Amiga em algumas microáreas, pois o território da unidade apresenta realidades bem distintas em sua população assistida e isso nos causa limitações no que tange à promoção e proteção à saúde dessa clientela, que mesmo com poder aquisitivo maior não podemos avaliar suas dificuldades e dúvidas sobre sua saúde. REFERÊNCIAS Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Educação Popular e Saúde, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Brasília: Ministério da Saúde, 2007. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Básica / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2012 Brasil. Ministério da Saúde. Residência Multiprofissional em Saúde: experiências, avanços e desafios/Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na

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Saúde, Departamento de Gestão da Educação em Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2006. CHEADE, M.F.M. Residência multiprofissional em saúde: a busca pela integralidade. Cogitare Enfermagem. 18(3), 2013 DE OLIVEIRA, L.C. Participação popular nas ações de educação em saúde: desafios para os profissionais da atenção primária. Interface-Comunicação, Saúde, Educação. 18, 2014. DOMINGOS, C.M. Potencialidades da Residência Multiprofissional em Saúde da Família: o olhar do trabalhador de saúde. Interface-Comunicação, Saúde, Educação. 19(55), 2015. FALKENBERG, M.B. Educação em saúde e educação na saúde: conceitos e implicações para a saúde coletiva. Revista Ciência & Saúde Coletiva. 19(3); 2014. FEIJÃO, A.R; GALVÃO, M.T.G. Ações de educação em saúde na atenção primária: revelando métodos, técnicas e bases teóricas. Northeast Network Nursing Journal. 8(2), 2016. MAIA, D.B. Atuação interdisciplinar na atenção básica de saúde: a inserção da residência multiprofissional. Saúde & Transformação Social/Health & Social Change. 4(1); 103110, 2013. NUNES, J.M; OLIVEIRA, E.N; VIEIRA, N.F.C. Grupo de mulheres na comunidade:(re) construindo saberes em saúde. Cad. Saúde colet. 21 (3); 253-259, 2013.

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OS MOTIVOS DO SOFRIMENTO PSÍQUICO DOS DISCENTES DE ENFERMAGEM DURANTE SUA TRAJETÓRIA NA FACULDADE Jaciara Sampaio Gonçalves Deivson Wendell da Costa Lima Lucas Alves Ferreira Francisco Rafael Ribeiro Soares Jéssica Natana de Meneses Silva. INTRODUÇÃO O contexto acadêmico traz para o universitário uma vivência diferenciada do ensino médio, o qual exige a realização de pesquisas, a socialização com novos colegas e professores e o estabelecimento de novas regras e de novos conteúdos de aprendizagem que podem contribuir para o surgimento de um sofrimento psíquico (PADOVANI, 2014). Entende-se por sofrimento psíquico: um conjunto de condições psicológicas, ocasionadas por situações reais ou não, que geram mal-estar, que, por sua vez, ultrapassa o desconforto de ordem fisiológica, sendo seus principais sintomas de ordem emocional e relacional. (CAIXETA E ALMEIDA, 2013, p.7)

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Na universidade, o jovem se depara com mudanças pessoais, familiares e sociais que repercutem diretamente em sua vida. Ele é exposto às mais variadas situações que mobilizam

seu

sofrimento

psíquico,

podendo

vir

a

comprometer sua formação e ocasionar: afastamento do âmbito familiar, conflitos amorosos, adaptações às exigências impostas pelo meio acadêmico e expectativas diversas em relação ao futuro profissional (OSSE, 2013). Frequentemente, tem-se visto um maior número de estudantes universitários em sofrimento psíquico, se comparados aos que não estão no ambiente acadêmico (NEVES; DALGALARRONDO, 2007). Diante dessas considerações, esta pesquisa traz uma discussão importante para o universo acadêmico, uma vez que a universidade é compreendida como instituição de formação de sujeitos, articuladora e promotora do saber, um ambiente que contribui para a estabilidade, controle e ordenamento ao invés de potencializar situações de sofrimento psíquico para seus alunos. Dessa forma, buscou-se investigar os motivos que mobilizam o sofrimento psíquico dos universitários de enfermagem no contexto de sua vida acadêmica.

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2 METODOLOGIA A metodologia possui abordagem qualitativa, cujos participantes da pesquisa foram os alunos matriculados no Curso de Enfermagem, da Faculdade de Enfermagem (FAEN), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), que já relataram algum sofrimento psíquico e que vivenciaram todos os períodos da graduação. A amostra se deteu aos alunos do nono período da turma concluinte inerente ao semestre letivo 2015.1, cumulando 10 discentes. Por ser um estudo de natureza qualitativa, o número de participantes foi resultado de um processo de amostragem teórica ou proposital que faz parte da metodologia utilizada. Foram elencados como critérios de inclusão: estar matriculado no Curso de Enfermagem da UERN, campus Mossoró; ser aluno do último semestre e; afirmar ter tido sofrimento psíquico em algum momento da vida acadêmica. E como critérios de exclusão: estar em licença maternidade; estar no período de férias, e; estar de atestado por motivo de doença. A abordagem inicial aos participantes da pesquisa ocorreu com o envio de uma carta-convite para o e-mail da

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turma contendo todas as informações da pesquisa, como a importância, objetivos, contribuições e procedimentos éticos. Para a etapa de produção dos dados adotou-se a técnica

de

entrevista

semiestruturada,

norteada

pelas

questões: Durante a sua permanência na universidade, até o presente momento, você vivenciou ou vivencia algum sofrimento psíquico? Quais foram os motivos que te levaram a esse sofrimento? Como método de análise, adotou-se a Análise de Conteúdo de Bardin. E o estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), com aprovação através do Parecer N.º 970.857, CAAE 41357215.3.0000.5294, datado de 26 de fevereiro de 2015. 3 RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1. DIFICULDADES DE ADAPTAÇÃO NO INÍCIO DO CURSO A fase de ingresso na universidade é vista pelos discentes como um período de fragilidade, podendo leva-los a um quadro de sofrimento psíquico (OLIVEIRA et al., 2014; CUNHA; CARRILHO, 2008). Geralmente, essa passagem do

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Ensino Médio para o Ensino Superior não é um processo fácil e simples, cujo novo contexto exige uma nova posição social e se constitui como um espaço de adaptação às exigências do curso, tais como cumprir com as regras da instituição, buscar conhecimento extracurricular e criar novos vínculos com colegas, professores e outros funcionários, provocando um choque de realidades durante a transição (ÁVILA, 2011; OLIVEIRA et al., 2014). Osse (2013) afirma que essas exigências influenciam o desenvolvimento de problemas emocionais, educacionais e relacionais dos discentes, principalmente quando as suas expectativas não são atendidas ao ingressar na faculdade. Eles falam que esses problemas se relacionam à diferença entre a exigência da universidade perante o ensino médio, como fala E9: porque quando eu entrei aqui na universidade, como eu vim de escola, de escola que não, não puxava muito do aluno, aquela escola que a gente era cada um por si e Deus por todos. Autores como Ávila (2011) contribuem por afirmar essa assertiva, pois na universidade o discente é quem define seus objetivos de estudo e administra seu tempo para atender às demandas de leituras textuais e outras atividades

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acadêmicas. Ele quem define essas ações realizadas logo no início do curso como uma independência forçada, não exercida no Ensino Médio. Associado a isso, tem-se o novo ritmo de estudos na faculdade, que também é mencionado como um dos sofrimentos pelo discente E7: A gente tem muito conteúdo pra estudar em pouco tempo, a gente tem muita coisa pra fazer (...) a rotina da faculdade que é muito desgastante, de manhã e de tarde aula, à noite milhões de textos e de coisas pra fazer, então realmente eu não conseguia conciliar, entendeu.

A fala do discente evidencia o novo ritmo de estudo decorrente da distribuição da carga horária de aulas nos turnos matutino e vespertino, de segunda-feira a sexta-feira. Em relação a essa adaptação, Pinho et al. (2015) afirmam que a forma como as aulas estão organizadas e divididas, o fracionamento do tempo em semestres, a densidade dos conteúdos, bem como a quantidade para estuda-los faz com que o estudante se veja diante de uma situação a qual necessita se adaptar da melhor forma possível. Quando ela não acontece emergem sentimentos de frustração e de fracasso.

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Outro sofrimento presente nas falas dos entrevistados diz respeito ao momento em que deixam suas cidades para morar em outro estado ou município, expresso na por E5: Eu estava saindo de casa, né? Essa ruptura de não ter mãe e pai pra resolver as coisas e você ter que se virar é um ‘bocado puxado’. Percebe-se que o sofrimento decorre da separação com o meio familiar, implicando no assumo de novas responsabilidades nas vidas pessoal e acadêmica. Essas responsabilidades estão voltadas para os afazeres domésticos, tomada de decisões, entre outros, que até então não eram exercidas por esses sujeitos. A família exerce papel importante na condução da vida do acadêmico, e quando há o rompimento no convívio direto com seus familiares eles se sentem receosos, inseguros e

apresentam

dificuldades

em

assumir

novas

responsabilidades relacionadas ao novo contexto de vida. Logo, diante das dificuldades em assumirem e conduzirem essa nova realidade sem os pais podem emergir momentos de angústia, ansiedade e estresse (PAIANO et al., 2012).

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3.2. CONFLITOS PESSOAIS, AMOROSOS E FAMILIARES DURANTE A FACULDADE

Um dos motivos que influencia no surgimento do sofrimento psíquico durante o período acadêmico está relacionado

aos

conflitos

nas

relações

interpessoais,

principalmente entre discentes e docentes ocorrente em sala de aula. A fala de E3 reflete essa situação de sofrimento decorrente da má convivência com alguns professores da equipe que compõem o componente curricular Enfermagem em Saúde Coletiva: teve um atrito com os professores, acabou virando um atrito com alunos e acabou virando atrito com outro professor e foi embolando (...) isso adoeceu muita gente. A fala de E9 também mostra esses conflitos com a equipe: Foi o momento que teve conflito com professor (...) eu lembro como foi na época o que eu passei, o que a turma toda passou, isso adoeceu muita gente, então pra mim, assim, eu adquiro esse sofrimento. (...) a turma toda adoeceu (...) era praticamente todo mundo contra a equipe de saúde coletiva, com o problema que a gente vinha passando.

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O adoecimento provocado a esses estudantes é explicado por Silva (2010), ao enfatizar que a forma como acontece o relacionamento entre professor-aluno pode contribuir tanto para a promoção como para a perturbação da Saúde Mental. Nas falas de E3 e E9 o mau convívio ocasionado por esse atrito gerou o sofrimento psíquico. Essa barreira ocasionada pelo mau convívio é observada na fala de E3, pelo confronto de ideologias entre professor e aluno. De acordo com o entrevistado, os docentes usavam do autoritarismo para se impor diante da turma. Logo, os discentes se sentiam perseguidos, expressos na fala abaixo: Era a sensação de abuso, de autoridade mesmo, que eles tinham com a turma toda (...) era perseguição com a gente. Senti que era realmente perseguição contra a gente (...) postura dos professores era de querer, eu não sei nem dizer, era como se fosse sadismo, querer maltratar a gente (...). [E3]

Atitudes como as descritas acima refletem a educação liberal tradicional caracterizada na centralidade do professor que expressa a imagem de um ser incontestável e inquestionável, possuidor do saber e com comportamento de

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despotismo. Esse tipo de profissional não diferencia o autoritarismo de autoridade, exercendo, prioritariamente, sobre os seus discentes o primeiro (QUEIROZ; MOITA, 2007). Diante disso, essas atitudes docentes contribuíram para que ocasionassem prejuízos no desempenho dos acadêmicos, como a reprovação. Vejamos na fala de [E9]: Da sobrecarga dessa disciplina, desses professores. Afetou tanto que a minha reprovação não foi da disciplina que eu tive, é, stress, que eu me desgastei. A disciplina que eu cheguei a reprovar foi uma disciplina, boa, uma disciplina simples, mais eu estava tão, tão bitolada alucinada pela Saúde Coletiva que, eu acabei me prejudicando na Semiologia, que foi o que aconteceu com a turma isso, eu acho que foram o que, 8 pessoas... por aí, a 9 pessoas, né, teve esse problema.

Autores como Siqueira (2003) afirmam que alguns fatores influenciam no bom desempenho, na aprendizagem acadêmica e no comportamento dos estudantes. E um deles parte da premissa de que quando não há boa relação entre os aprendizes e seus professores o rendimento acadêmico

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diminuirá com a decaída das notas e, consequentemente, possíveis reprovações. Vê-se que essa conduta dos docentes expressas nos discursos dos discentes fizeram com que eles tivessem um desequilíbrio não apenas em sua Saúde Mental, mas nas outras esferas, envolvendo demais aspectos do contexto acadêmico. Esse desequilíbrio é observado quando os estudantes deixam as outras atividades acadêmicas para se dedicar apenas ao componente curricular ministrado por esses professores, receosos de vivenciar todo o sofrimento psíquico novamente no ano seguinte. Dessa forma, houve a piora do sofrimento psíquico já instalado em virtude da reprovação em um componente curricular que não estava inserida nesse contexto de angústias e adversidades. Além desses sofrimentos, alguns estudantes relataram terem sofrido problemas amorosos surgidos nessa época. Vejamos a fala da discente E8 ao se reportar à problemática: Eu tinha um relacionamento que não era muito saudável, eu namorei seis anos com essa pessoa e... eu sofria muito, eu era muito dependente dele, era aquele namoro... que não era saudável, não era uma coisa saudável pra mim. (...) ele queria muito sair sozinho e eu sofria

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demais porque eu era muito dependente. Eu colocava a minha felicidade muito nas mãos de uma pessoa e isso é terrível quando a gente faz isso.

Alguns autores, como Almeida (2013), explicam que esse apego ao companheiro atua como uma forma de preencher um vazio afetivo não suprido na infância, pois a primeira forma de afetividade construída no ser humano se dá nos primeiros relacionamentos com a família, desde quando a criança ainda é recém-nascida. Quando a construção dessa afetividade

é

interrompida

essa

quebra

influenciará

negativamente nos relacionamentos afetivos futuros na vida adulta, causando-lhes transtornos, como foi o caso da E8. Almeida (2013) contribui com essa assertiva ao ressaltar que quando uma criança passa por um processo de separação dos pais esse vínculo em processo de formação é barrado. E foi o que aconteceu com E8, cujo vínculo, muito provavelmente, foi quebrado em decorrência da separação dos pais quando criança, tornando-o um adulto menos confiante e dependente de seu relacionamento amoroso. Vejamos: já tinha tido outros problemas antes, quando meus pais se separaram quando eu era menor [E8].

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O sofrimento psíquico relacionado às patologias presentes em algum membro da família também foi mencionado por E9: Assim, foi uma série de fatores no caso, né? Começou lá em casa, com a doença de vó. Vó teve câncer, quando eu estava no final do terceiro período da faculdade, ela foi diagnosticada com câncer de pulmão. O câncer traz um estigma histórico de morte para os pacientes diagnosticados com essa patologia decorrente da pouca probabilidade de cura. Diante de um diagnóstico oncológico a preocupação surge em forma de sofrimento, tanto para a pessoa que a desenvolveu como para familiares quando descobrem-na (VISONÁ; PREVEDELLO; SOUZA, 2012). Essa preocupação foi sentida por E10: minha mãe estava passando pelo, é... estava com, suspeita de ter problema na mama, aí eu estava bem preocupada (...), aí eu fiquei bem abalada. Essa preocupação é manifestada pelos sentimentos de perda, que emergem em relação aos planos futuros, sonhos e esperanças, já que o câncer tem forte ligação com a morte, além de toda a estrutura familiar e sua rotina ser modificada em prol do parente que desenvolveu a enfermidade. Dessa forma, toda essa conjuntura é motivo para o surgimento do

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sofrimento de todos os envolvidos, nesse caso os estudantes (VISONÁ; PREVEDELLO; SOUZA, 2012; BARRETO; AMORIM, 2010). 3.3. AS EXPECTATIVAS FACULDADE

NO

TÉRMINO

DA

O primeiro contato com as práticas de enfermagem no hospital foi outro motivo que contribuiu para o surgimento do sofrimento psíquico no término da faculdade, quando os espaços de atuação dos discentes deixaram de ser as Unidades Básicas de Saúde (UBS) e passaram a ser os Hospitais. As práticas no âmbito hospitalar proporcionam a aqueles vivenciar o surgimento de sentimentos ambivalentes. Por um lado, o graduando estará inserido no serviço, experimentando, na prática, o que é ser enfermeiro pela primeira vez no hospital (BOSQUETTI; BRAGA, 2008). Por outro lado, a preocupação em executar corretamente o que foi aprendido em sala de aula. O discente E6 expressa o sofrimento psíquico despontado em consequência dessa preocupação em colocar em prática nesse novo espaço o que foi aprendido:

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Agora quando você tá ali, tendo uma vida nas suas mãos, (...) e qualquer erro pode comprometer a vida ou a integridade da saúde daquela pessoa (...) eu estou fazendo um curso na área da saúde, eu posso ajudar, ou eu posso matar uma pessoa, então ainda mais vem essa.

O discurso de E6 no novo âmbito se mostra diferente, desafiador, exigindo dos discentes tomadas de decisões importantes no cuidado ao paciente. Qualquer desvelo ou decisão tomada pode contribuir tanto para a melhora quanto para a piora do estado clínico desse paciente (COSTA, 2007; MOREIRA; FUREGATO, 2013). Daí a preocupação do discente em mostrar a sapiência e segurança nas práticas. Outra razão que desencadeia o sofrimento psíquico mencionado pelos entrevistados inere-se à extensa carga horária do Curso de Enfermagem, que propicia ao discente sobrecarga de estudos. Esse problema é visto durante todo o Curso, conforme é verificada, a seguir, através da carga horária total dos componentes curriculares, descrita no Projeto Pedagógico de Curso:

O Curso de Enfermagem (Bacharelado e Licenciatura) compreende componentes

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curriculares que correspondem a 4.775 (quatro mil setecentos e setenta e cinco) horas/aulas com duração mínima de quatro anos e meio (4,5) equivalentes a 09 (nove) semestres letivos respectivamente. Para efeito de integralização curricular, o aluno deverá cumprir 2.550 (duas mil quinhentos e cinquenta) horas de disciplinas obrigatórias, 405 (quatrocentos e cinco) horas de prática como disciplina, 1.260 (mil duzentos e sessenta) horas de estágio, 240 (duzentas e quarenta) horas de trabalho de conclusão de curso, 120 (cento e vinte) horas de disciplina de caráter optativo e 200 horas (duzentas) de atividades complementares (UERN, 2014).

Em virtude dessa extensa carga horária alguns componentes curriculares, como Semiologia e Semiotécnica da Enfermagem no Processo Saúde/Doença do Adulto, Enfermagem no Processo Saúde/Doença do Adulto, entre outros, acabam sendo prejudicados pela condensação de conteúdos em um único componente curricular, resultando na elevação da carga horária e curto espaço de tempo para integralizá-los. Dessa forma, o componente curricular Enfermagem no Processo Saúde/Doença do Adulto, presente no sétimo

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período, foi a mais enfatizada, haja vista ser um dos componentes com extensa carga horária, sobrecarregando os discentes ao chegar nessa fase do curso. A seguir, a fala de E4 menciona essa sobrecarga: Eu teria tido bem menos problemas se eu não tivesse tanta sobrecarga aqui de trabalho, de coisa e, justamente, que pegou esse período do sétimo período que foi muito sufocante e muito aperriante pra gente, aí pronto! Foi extremamente difícil.

Essa sobrecarga enfatizada pelo discente, na maioria das vezes, ocorre por motivo dos professores sentirem a necessidade de marcar com os discentes horários extras para serem ministradas a fundamentação teórica, aos sábados pela manhã ou algum horário a noite durante a semana, bem como ultrapassar o horário que é destinado para o componente, ficando em média até às 12:00h do dia. Essa situação é justificada por se tratar de uma disciplina com carga horária de 270h e o tempo estabelecido pela grade curricular do curso não ser suficiente para dar conta (UERN, 2014). Portanto, a forma como o curso está estruturado, a organização e a

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rigidez dos horários contribuem para o esgotamento emocional dos estudantes (COSTA, 2007). Dalri et al. (2014) ressaltam, ainda, que a sobrecarga de trabalho dos estudantes e a falta de tempo tem prejudicado a Saúde Mental desses sujeitos, principalmente em não poder descansar e realizar outras atividades. Essa falta de tempo que o componente curricular disponibiliza é enfatizada na fala de E2, a seguir: Porque a gente fica com a cabeça superlotada, a gente esquece de aproveitar o melhor momento, de ligar para um pai, para uma mãe, sabe? Durante o dia, por exemplo, não dar tempo de você realizar as atividades que te fazem bem, então isso tudo acarreta num momento desgastante.

Os estudantes percebem a necessidade de se abster dos momentos em família, em sair com os amigos ou até mesmo dificuldade em encontrar momentos do cotidiano para a organização de questões pessoais para poder dar conta das atividades acadêmicas. A forma como o Curso está organizado pode ocasionar sentimentos de satisfação ou sofrimento. Quando sua organização impõe um ritmo exacerbado de estudos a

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Saúde Mental dos estudantes pode ficar comprometida, emergindo o sofrimento psíquico, cujo ritmo acelerado os impedem de vivenciar momentos importantes, como uma simples atividade de lazer com familiares e amigos (CAMARGO E BUENO, 2004). O desenvolvimento do TCC também foi mencionado como um dos sofrimentos, pois ao chegar no último período a monografia é para está em processo de finalização. Entretanto, não é o que acontece com alguns, visto que muitas vezes eles deixam para desenvolvê-la na reta final, ocasionando-lhes o sofrimento psíquico por coincidir com os estágios supervisionados e outras atividades acadêmicas. Como os estágios obrigatórios acontecem em horário integral, com carga horária de 420 horas (UERN, 2014) durante toda a semana e com uma rotina desgastante devido os alunos estarem atuando nos serviços, Unidades Básicas de Saúde (UBS), no Hospital e nas Escolas Técnicas em Enfermagem, os entrevistados relatam o cansaço, faltandolhes energia ao chegar em casa para escrever suas monografias, expressa na sala abaixo por E4: (...) a gente vai de manhã da segunda de manhã a sexta de manhã, manhã e tarde,

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só não na sexta-feira à tarde e chega em casa à noite extremamente cansada, não tem mais energia mesmo pra nada, entendeu (...), eu estou com dificuldade na monografia, de desenvolver, e é porque eu já estou a dois meses de entregar (...) não tem como você se dedicar que preste a uma monografia, aí atrasa tudo, porque a sobrecarga é muito grande.

Antunes et al. (2011) contribuem por afirmar essas dificuldades, uma vez que os discentes muitas vezes não conseguem adequar e equilibrar os seus horários de estudos da monografia com as atividades dos estágios, em razão do cansaço provocado pelo tempo reduzido nessa fase final do Curso. Logo, eles se encontram esgotados e indispostos para conseguir finalizar seu trabalho. E, finalmente, outro sofrimento se refere aos períodos finais da faculdade e a angústia relacionada ao futuro profissional, mostrada na fala de E5: principalmente agora no final que, né? E aí? Vai terminar vai fazer o quê? (...)Tem que passar e tem que arrumar um emprego. Percebe-se que a preocupação desse discente está ligada à oportunidade em ingressar no mercado de trabalho

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ao se formar, encontrando muitas dificuldades, haja vista que ele está mais seletivo e exigente (SILVA et al., 2011). Silva et al. (2011) corroboram ao justificar que esse sofrimento psíquico emerge pela preocupação de se inserir em um mercado de trabalho competitivo e sem o apoio docente. Associado a isso, ressaltam ainda que no nosso país há um desequilíbrio entre a oferta e a procura por trabalho. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo demonstra que o sofrimento psíquico dos universitários está relacionado a sua trajetória acadêmica e implica diretamente nos processos ligados à sua formação. A maioria dos alunos em sofrimento psíquico procura ajuda e considera os elementos acadêmicos visivelmente implicados no sofrimento. O Projeto Pedagógico do Curso de Enfermagem precisa levar em consideração a forma como os estudantes lidam com o processo de formação e sua saúde mental. Tornam-se necessárias mudanças curriculares, como a reorganização da carga horária das disciplinas, o aumento na extensão do curso para dez períodos, a avaliação de conteúdos e as metodologias de ensino que minimizem o

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impacto de outras disciplinas e a realização de atividades acadêmicas ponderadamente com os objetivos de formação que considerem o lazer e as redes familiar e social. REFERÊNCIAS ANTUNES, E.D. Desafios na Construção do Trabalho de Conclusão do Curso de Especialização em Negociação Coletiva / Modalidade a Distância. CINTED-UFRGS Novas tecnologias da educação. 9(2); 2011. ÁVILA, R.C. Estudantes de camadas populares e o ingresso na vida universitária. R. Bras. Est. Pedag. Brasília. 92(232); 757-764; 2011. ALMEIDA, T. Relacionamentos amorosos: o antes, o durante e o depois. 1ª ed. São Carlos.: Compacta Gráfica e Editora. 2013. BARRETO, T.S; AMORIM, R.C. A família frente ao adoecer e ao tratamento de um familiar com câncer. Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro. 18(3);462-7; 2010. BOSQUETTI, L.S; BRAGA, E.M. Reações comunicativas dos alunos de enfermagem frente ao primeiro estágio curricular. Rev. Esc. Enferm. USP. 42(4):690-6; 2008. CAIXETA, S.P; ALMEIDA, S.F.C. Sofrimento psíquico em estudante universitário. In: IX Congresso Nacional de Educação – EDUCERE, 9, Curitiba. Pontifica Universidade Católica do Paraná. 2013.

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PROJETO LAMPARINA: ILUMINANDO E SEMEANDO SONHOS, TENDO A ARTE E A CULTURA COMO NORTEADORES DA FORMAÇÃO HUMANA E CIDADÃ DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES Luiza Maria Lima Oliveira Maria Aparecida De Oliveira

1 INTRODUÇÃO A necessidade de realizar intervenções educativas na

sociedade,

tendo

como

público-alvo

adolescente é uma necessidade peculiar e

criança

e

necessária,

principalmente quando o assunto envolve droga, e trabalhar a

prevenção

é

desbastar

esse

mal.

caminhos

pedagógicos que trabalhado junto à comunidade se obtêm resultados significativos. As ONG’S, grupos e movimentos sociais estão à frente de trabalhos educativos com classes populares detentoras de um saber não valorizado e excluídas pela sociedade, bem como as universidades e seus departamentos oferecem política de extensão nos mais variados temas envolvendo a participação da sociedade.

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A construção de uma educação a partir

do

conhecimento do povo e com o povo e a vulnerabilidade social é visível nos becos, calçadas e no olhar de uma comunidade esquecida por autoridades governamental e social

que

deu

origem

ao

projeto

desenvolvido e

vivenciado na comunidade do bairro Pereiros, município de Mossoró-RN,

objetivando

despertar

nas

crianças

e

adolescentes um olhar sonhador e real, e que é possível semear bons frutos através de uma educação voltada para as vivências artísticas e culturais. A escolha do tema surgiu com base nas dificuldades apresentadas pela comunidade do bairro citado, no tocante à vida sedentária do convívio social em que se apresenta, e para se repensar os valores, haja vista a inclusão da afetividade, o diálogo, a cooperação, o saber ouvir e a própria atenção e o carinho com as crianças e adolescentes serem importantes no processo de socialização. No entanto, será a partir das experiências vividas que eles farão suas escolhas para

o

crescimento

intelectual

e

profissional,

que

oportunizará as relações interpessoais e os tornarão cidadãos. O recurso metodológico para a realização da intervenção ocorreu com a produção didática consonante

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com aquelas. Foi apresentado espetáculo de malabaristas, apresentação teatral e oficina de monociclo, no qual a equipe do projeto se caracterizou de acordo com o tema desenvolvido

na

intervenção - como

palhaço

e

a

personagem Emília (Sítio do Picapau A marelo). E a confecção de swing (malabares de fitas de cetim) e a ornamentação com trabalhos artesanais (caixa de papelão em formato de piano, brinquedo lúdico) foi cedido pela população através de materiais recicláveis. O trabalho foi desenvolvido em etapas planejadas, com cronograma proposto pela equipe do projeto, e distribuídas em reuniões para a decisão de realização da intervenção, divulgação junto à comunidade para aceitação do projeto, confecção de material para ser usado na intervenção e realização da apresentação do projeto, que contou com a presença teatral do grupo Arruaça, dupla de malabarista e o grupo de monociclo. Todos desenvolveram seu trabalho com amor e alegria, deixando as crianças entusiasmadas e incitadas a querer mais.

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2 A VALORIZAÇÃO DA CULTURA POPULAR NA PREVENÇÃO ÀS DROGAS Como mencionado no início deste trabalho, a intervenção na comunidade do bairro Pereiros é explícito, cujos riscos acentuados de criminalidade para o consumo de drogas requer uma preocupação em trabalhar a questão da prevenção ao uso, bem como pelos altos índices de criminalidade e por ser uma comunidade que não favorece a vida social das crianças na educação cultural e de lazer, não disponibilizando

meios

de

crescimento

e

tratamento

adequado para viver dignamente e com qualidade. De acordo com Dumazedier (1973, p.34), o lazer pode ser compreendido como um: Conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se ou entreter-se ou ainda para desenvolver sua formação desinteressada, sua participação social voluntária, ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das ocupações profissionais, familiares e sociais.

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É necessário analisar que o ser humano necessita ser compreendido na sua plenitude de criança e adolescente para ter inteira liberdade de expressão no âmbito social em que está inserido. Para isso são levadas várias considerações de todas as dimensões, em que se impera o respeito mútuo, a dignidade, a solidariedade e as leis que os regem. Assim, também se dão as relações de grupos, que estão inseridas durante em suas vidas, na sociedade democrática e de direitos, protegido pela Constituição Federal, conforme titulo I –Das Disposições Preliminares, Lei 8.069, de 13 de Julho de 1990, art. 4°, que destaca: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990)

Através do reconhecimento e do trabalho social que foi implantado

para proporcionar

uma

melhoria

na

educação voltada para a s a tividades artísticas e culturais pode-se perceber uma nova percepção para uma realidade de

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conhecimento, valores, prestígio e auto altruísmo do ser humano. Como afirma Paulo Freire (1983, p. 116): Os movimentos de cultura popular identificam no sujeito o cultural que é inerente à condição do ser humano. Somente homens e mulheres produzem cultura, só eles transformam a natureza e atribuem significados que conferem o seu ato de criar, de inovar, de transformar. A cultura como agregação que o homem faz a um mundo que não foi construído por ele. A cultura como resultado de seu esforço criador e reciclador.

Nesse contexto é construído pelo povo e suas realidades culturais e de novos saberes perspectivas e desenvolvimento de um olhar criterioso, que busca a valorização da sociedade, como também privilegiar o espaço de uma cultura de classes populares que se opõe à cultura

dominante,

em

que

a

criação

facilita

o

desenvolvimento da comunidade em que o educando está inserido, estimulando-o ao diálogo e à participação. Assim,

a possibilidade de uma estratégia na

construção e participação popular é utilizar o saber como principal objetivo para valorizar os sujeitos sociais no processo de conhecimento, reconhecendo a importância do

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saber popular e os saberes científicos. Gadotti (1983, p. 162163) chama atenção da educação popular como instrumento de transformação: (...) a Educação só pode ser transformadora nessa luta surda, no cotidiano, na lenta tarefa de transformação da ideologia, na guerrilha ideológica (...). Por que ela pode ser transformadora? Porque o trabalho educativo é essencialmente político e é o político que é transformador.

3 EDUCAÇÃO COMO CULTURA É necessário que os educadores estejam engajados no processo de conscientização, fazendo-se autores de suas atitudes e práticas. A valorização dos saberes populares produz experiências de vida e as ações praticadas pelo ser humano ou crianças e adolescentes é algo construído proveniente da sociedade mediante as lutas pelas regras existentes no meio em que está inserido. Não há conscientização se, de sua prática não resulta a ação consciente dos oprimidos, como classe explorada, na luta por sua libertação. Por outro lado, ninguém conscientiza ninguém. O educador e o povo se conscientizam

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através do movimento dialético entre a reflexão crítica sobre a ação anterior e a subsequente no processo de luta. (FREIRE, 1982, pp 109-110)

Nesse sentido, acreditamos que a cultura afirma o valor de cada manifestação: o incentivo à criatividade, à afetividade, o afeto, traz novas relações. As questões de rivalidades deixam de existir entre os grupos de uma comunidade,

a

disputa

acelera

a competição sadia,

possibilitando o modo de viver e o respeito ao próximo, que traça o sentido do bem, deveres diante da sociedade e na conduta do ser humano. Brandão (1995) enfatiza que o conceito de educação deve transcender ao ato e ao fazer pedagógico ocorrente dentro da instituição de ensino. Nessa perspectiva, a educação pode acontecer em várias extensões da sociedade, não estando restrita à sala de aula,

podendo

ser

vivenciada

aprendizagem para a construção

na

prática

de

uma

das relações e as

experiências cotidiana. A educação popular pode ser desenvolvida nas rodas de conversas, espaço em que a maioria dos participantes dialogam relações e aprendizagens na comunidade em que está inserida.

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De acordo com Brandão (2002), existem quatro posturas visíveis quando se trata de refletirmos a respeito da educação popular: a primeira está ligada ao desconhecimento da educação popular como escolha da educação que queremos, por não ser considerada como uma visão de mundo, de práticas pedagógicas que aconteceram em um dado momento histórico. Ela é entendida como práticas não científicas,

primitivas,

superadas,

distante

de

um

conhecimento científico privilegiado em nossa sociedade (BRANDÃO, 2002). Nessa

perspectiva,

uma

educação

popular

é

conceituada como uma educação informal a partir do conhecimento do povo e com o povo, provocando uma leitura da realidade na ótica do oprimido que ultrapasse as fronteiras dos conhecimentos e se constitui nas relações sociais, porém, ao final, ela é uma educação o quanto formal, pois transmite saberes que educa e transforma a sociedade. A segunda postura está ligada à importância do viés cultural da educação popular. Ela se encontra associada ao campo dos movimentos sociais do que à própria educação, pelo fato e como o senso comum prega não ser vista como

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tendo um viés político, militante, mas apenas como prática profissional. Brandão (2002, p.21) enfatiza: Com essa afirmação, e por se tratar de uma educação informal está associado aos movimentos sociais, tento em vista de uma educação que não estar nos regimentos pedagógicos, não estão inseridas nas leis governamentais, diretrizes curriculares, para tanto a educação popular sempre esteve amparada por grupos sociais articulados como instrumentos de promoção da cultura e da educação popular.

Como destaca Paulo Freire (1960, 17): Com o passar do tempo os movimentos sociais foram se moldando e conquistando espaço na sociedade e as conquistas inerentes a educação popular. Estudos da área nos mostram que até 1964 a relação entre os governos progressistas e movimentos populares era propriamente de colaboração na educação popular.

Nesse período, surgiram o Movimento da Cultura Popular (MCP), em Recife-PE, com forte influência socialista e cristã, o Movimento de Educação de Base (MEB), criado

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pela Conferência Nacional de Bispos do Brasil com o apoio da presidência, fortalecendo o papel da Igreja Católica, o Centro Popular de Cultura (CPC), criado pela UNE em 1961, utilizando a música, o teatro e o cinema populares como espaço de formação política, além de campanhas do tipo “De pé no chão também se aprende a ler”, que tiveram como objetivo a alfabetização de crianças e adultos das classes populares. A terceira postura está direcionada à educação popular como um fenômeno datado na história da educação de alguns países da América Latina, principalmente no Brasil, tendo como referência o educador Paulo Freire. Esta se construiu por meio de experiências de alfabetização popular direcionadas a trabalhadoras

e

dos

jovens e adultos das classes MBE,

associando

projetos

de

alfabetização à ação comunitária. Outrossim, configurou-se como um momento em que passou a ser reconhecida e estendida

internacionalmente

como

uma

prática

educacional relevante. Fica claro que a História da Educação específica a jovens e adultos das classes menos favorecidas teve como referencial o educador Paulo Freire. Ela foi uma construção

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atrelada a uma educação popular libertadora em que prevaleciam a ação do senso em comum das classes sociais. Como exemplo, citamos a alfabetização

de

trezentos

canavieiros na cidade de Angicos dentro de quarenta dias ministrado por aquele educador no ano de 1963. A quarta postura explicita que a educação popular não foi uma experiência única, mas “é algo ainda presente e diversamente participante na atualidade da educação entre nós” (BRANDÃO, 2002, p.142). Nesse sentido, ela não pode ser considerada algo realizado como um acontecimento situado e datado caracterizado por um esforço de ampliação do sentido do trabalho pedagógico a novas dimensões culturais e a um vínculo entre a ação cultural e a prática política. Foi e prossegue sendo uma sequência de ideias e propostas de um estilo de educação em que os vínculos são reestabelecidos em diferentes momentos da história, tendo como foco de sua vocação um compromisso de ida e volta nas relações pedagógicas. Nesse contexto, a educação popular está no contexto de uma ação de diferentes maneiras para cada etapa de desenvolvimento das relações pedagógicas e gradativamente passam por mudanças fundamentais no modo de conceber a

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cultura e os estilos de diversas formas de representações, os quais foram construídos culturalmente. A história da educação popular trouxe para a sociedade a capacidade de interação, possibilitando o contato com o mundo e ampliando as experiências cotidianas nas mais variadas formas de relações nas práticas políticas usadas para representá-los na sociedade. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Durante a realização dos trabalhos pudemos perceber que há a necessidade de implantar atividades de cunho social e cultural para a devida comunidade com o fim de promover

ações de prevenção

às drogas de forma

continuada, com estratégias que evitem a adesão a vícios, e a aceitação, a receptividade e o interesse à apresentação de atividades

culturais,

despertando

a

curiosidade

e

a

expectativa de crianças e adolescentes, bem como da família para uma ação cultural como trilha de alcance ao êxito. Os objetivos que apontam para a necessidade de ações contínuas relacionadas à cultura, demonstrando através das atividades práticas que a educação popular está inserida, promovendo mudanças, criando e recriando novas ações sociais, foram alcançados, cuja interação, participação e

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aceitação dos moradores da comunidade do bairro Pereiros abraçou o projeto, mostrando que as educações formal e informal trabalhadas conjuntamente são alicerces que impedem o surgimento de uma educação desnorteadora e injusta. A interação da comunidade foi de grande importância, pois o público- alvo (crianças e adolescentes) participou massivamente, demonstrando contentamento, e questionando: próximo final de semana vai ter novamente? Quando vai ter de novo? Quando vai ter oficina? O objetivo da interação entre as crianças e os adolescentes com os personagens foi alcançado, no qual tivemos a colaboração de todos do bairro. Os agradecimentos e os elogios por parte dos pais foram espontâneos, os quais sugerirão que fosse realizado mais vezes, haja vista o bairro necessitar de trabalhos que ocupem a mente daquelas. Portanto, todo o processo de implementação pode passar por desafios, transformações e resistência. Assim, para que as mudanças aconteçam é preciso que haja a implantação do projeto como viabilizador da prevenção junto à comunidade, evitando e prevenindo o uso de práticas ilegais.

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REFERÊNCIAS BRANDÃO, C.R. O que é Educação. 33 ed, São Paulo: Brasiliense, 1995. BRASIL, Constituição (1990). Estatuto da criança e do Adolescente. República Federativa do Brasil. Disposições Preliminares, título I, Art. 4° LEI 8.069 de 13 de Julho de 1990, título I Art. 4°. DUMAZEDIER, J. Lazer e cultura popular. São Paulo: Perspectiva, 1973.

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ATUAÇÃO INTERPROFISSIONAL NO TRATAMENTO DO TABAGISMO NA ATENÇÃO BÁSICA Geisielly Cristina Araújo Fernandes Adalgiza Cristina Gomes de Oliveira Caroline Nóbrega Bernardino Emanuelle Louyde Ferreira de Lima Fernanda Greicy Santos de Oliveira Jonas Rayfe Vasconcelos da Silva Natália Rejane de Almeida Natja Araújo Alves Patrícia Carla Santos de Morais

1 INTRODUÇÃO O tabagismo é um hábito bastante popular e disseminado no mundo. Ele está presente em várias culturas, porém relacionado a no mínimo 30% das mortes por câncer e a

maior

morbidade

por

doenças

cardiovasculares,

cerebrovasculares, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC), doença péptica e outras afecções. Em 2015, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou um novo relatório sobre a epidemia global de tabaco, apontando o aumento dos impostos como sendo o meio mais

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efetivo de reduzir o uso. No entanto, outras medidas se fazem necessárias, como: monitorar o uso do tabaco e as políticas de prevenção; oferecer ajuda para o cesso ao uso do tabaco; alertar sobre os perigos do tabaco; usar etiquetas de aviso de saúde; campanhas de mídia de massa antitabaco, e; ampliar proibições à publicidade, promoção e patrocínio do tabaco. Nesse relatório, o Brasil é citado dentre os países de baixa e média rendas que aplicam quatro ou mais dessas medidas no mais alto nível. Na perspectiva de apoio à suspensão do tabagismo, o Ministério da Saúde reviu a portaria que dava as diretrizes para o Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) e publicou a Portaria MS/GM Nº 571, de 5 de abril de 2013, que define a Atenção Básica como locus principal de cuidado da pessoa que fuma. O objetivo é universalizar o tratamento do tabagismo e está mais próximo dos usuários. Em seus Cadernos de Atenção Básica, o referido Ministério traz estratégias para o cuidado da pessoa tabagista, considerando desde a avaliação, intervenções, tratamento e doenças relacionadas ao tabaco até aos recortes populacionais específicos.

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Diante dessas considerações, o presente trabalho objetiva relatar a experiência do cuidado da pessoa tabagista no ambiente da Atenção Básica, mostrando que a atuação interprofissional e o trabalho em grupo são viáveis e imprescindíveis para a integralidade do cuidado. 2 METODOLOGIA Trata-se de um relato de experiência de uma equipe multiprofissional de residência em Atenção Básica nos grupos de tabagistas de duas Unidades Básicas de Saúde (UBS) no município de Caicó-RN. A equipe é composta por Enfermeiros,

Médicos,

Nutricionista,

Fisioterapeuta,

Farmacêutica, Psicólogo, Cirurgião Dentista, Educador Físico e Assistente Social.

Os grupos possuem em média seis

participantes, a maioria mulheres idosas, e os encontros acontecem conforme modelo sugerido pelo Ministério da Saúde. E o relato em questão dá-se por meio de uma síntese das vivências dos autores no grupo de cesso ao tabagismo no âmbito da Atenção Básica. Como produtos, foram elencados dois quadros com as possibilidades referentes ao campo de atuação e o núcleo de cada área profissional envolvida.

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3 RELATO DE EXPERIÊNCIA A estrutura adotada para o grupo foi proposta pelo Consenso de Abordagem e Tratamento do Fumante (2001), com quatro sessões estruturadas, duração de 90 minutos, cada, e periodicidade semanal. Após as sessões iniciais seguiram-se as de acompanhamento com o objetivo de prevenir recaídas. Elas são realizadas após 15, 30, 60, 90, 180 dias e, por último, 12 meses. Para cada uma escolheu-se um profissional da equipe com o fim de conduzir o encontro, a depender dos temas abordados. No andamento, a atuação dos demais profissionais ocorreu horizontalmente e de forma transversal ao tema em questão, consistindo na troca saberes e práticas. Campos (2000) diz que a organização das práticas se dá mediante a conformação dos núcleos e campos, sendo o núcleo a aglutinação de conhecimentos e a conformação de determinado padrão concreto de compromisso com a produção de valores de uso que demarcaria a identidade de uma área de saber e de prática profissional, e o campo espaço de limites imprecisos em que cada disciplina e profissão buscariam em outros apoios para cumprir suas tarefas teóricas e práticas.

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O autor entende, também, a saúde como uma matrix na qual a Saúde Coletiva perpassa distintos planos, tendo seu núcleo de atuação não somente na esfera política ideológica, mas também assistencial, em seu traço mais específico à produção de práticas de promoção (da saúde) e prevenção de doenças. Dessa forma, a atuação profissional no grupo de tabagistas não se restringe apenas aos núcleos e campos das profissões envolvidas, mas também ao núcleo e campo próprio da Saúde Coletiva, enfatizando o perfil e a vocação “sanitarista” da produção de saúde na Atenção Básica. Os quadros abaixo foram produtos da experiência relatada e detalham as possibilidades de atuação de acordo com o campo e o núcleo de atuação profissional. Quadro 1: Campo de atuação - Atuação comum a todos os profissionais de saúde na Atenção Básica que participam do atendimento em grupo de tabagistas. CAMPO DE ATUAÇÃO Acolhimento Triagem e aplicação dos protocolos de avaliação Dinâmicas de grupo Técnicas de relaxamento Promoção de vínculo, motivação e apoio Encaminhamentos Ordenamento de fluxos dentro da rede de serviços de saúde Fonte: residência multiprofissional em saúde da família, atenção básica e comunidade.

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Quadro 2: Núcleos de Atuação Profissional NÚCLEOS DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL Profissional de referência, estabelecer normas e rotinas, Enfermagem programação de sessões, consultas de enfermagem. Avaliação clínica, diagnóstico, prescrição de medicamentos, Medicina avaliação da capacidade cardiovascular. Avaliação psicológica, Terapia Cognitivo Comportamental, Psicologia Atendimento orientado para queixas individuais. Avaliação da função pulmonar, Técnicas de Fisioterapia Fisioterapia Respiratória, cinesioterapia. Avaliação antropométrica, prescrição de exercícios, orientações de Educação práticas corporais; Física Investigar interações medicamentosas, avaliar indicações e contraindicações, posologias e formas de apresentações dos Farmácia medicamentos; Controle do peso, orientações nutricionais, dietoterapia; Nutrição Diagnóstico de vulnerabilidade social, promoção de acesso aos Serviço recursos e serviços de saúde; Social Odontologia Avaliação Odontológica, tratamento e procedimentos odontológicos, orientações sobre saúde bucal. Fonte: residência multiprofissional em saúde da família, atenção básica e comunidade.

4 CONCLUSÃO Para além da ação multiprofissional, o grupo de tabagistas

nos

mostrou

a

oportunidade

de

atuação

interprofissional, ou seja, que prioriza o trabalho em equipe, a integração e a flexibilidade da força de trabalho, alcançada com um amplo reconhecimento e respeito às especificidades de cada profissão. Esse tipo de abordagem, ao mesmo tempo

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em que responde as necessidades sociais, também desenvolve a consciência crítica da equipe e auxilia na otimização dos recursos em saúde. Uma das principais dificuldades dessa experiência foi inserir na rotina do serviço um atendimento diferenciado, com uma proposta de corresponsabilização por parte da equipe e dos usuários. Negativamente, destaca-se a escassez de material de divulgação. E, positivamente, o envolvimento de cada profissional para uma ação integrada. A atuação interprofissional se mostrou viável na Atenção Básica e proveitosa. Já as possibilidades de atuação no campo e no núcleo de cada profissão permitem a integralidade do cuidado, partindo do sujeito como um todo e protagonista da produção do cuidado.

REFERÊNCIAS AGUILAR-DA-SILVA, R.H; SCAPIN, L.T; BATISTA, N.A. Avaliação da formação interprofissional no ensino superior em saúde: aspectos da colaboração e do trabalho em equipe. Avaliação (Campinas), Sorocaba. 16(1): 16584; 2011. BALBANI, A.P.S; MONTOVANI, J.C. Métodos para abandono do tabagismo e tratamento da dependência da

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nicotina. Rev. Bras. Otorrinolaringol. São Paulo. 71(6): 8207; 2005 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: o cuidado da pessoa tabagista / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – Brasília: Ministério da Saúde, 2015. CAMPOS, G.W.S. Saúde pública e saúde coletiva: campo e núcleo de saberes e práticas. Ciência & Saúde Coletiva. 5(2): 219-30; 2000. World Health Organization. WHO report on the global tobacco epidemic. Raising taxes on tobacco. 2015.

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SAÚDE DO TRABALHADOR: ATUAÇÃO INTERDISCIPLINAR E AS NOVAS DEMANDAS EM QUESTÃO. Thaís da Silva Aguiar Viviane de Sousa Lira 1 INTRODUÇÃO Este trabalho é resultado da experiência vivenciada como Residentes de Serviço Social do Programa de Residência

Integrada

Multiprofissional

em

Saúde

da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), especificamente no setor de Saúde Ocupacional e Segurança no Trabalho (SOST) do Hospital Universitário Ana Bezerra (HUAB), localizado no município de Santa Cruz-RN. A saúde do trabalhador adquiriu reconhecimento na área a partir dos avanços ocorridos na Constituição Federal de 1988 e das ramificações materializadas nas leis orgânicas da saúde (Lei 8.080/1990 e 8.142/1990), passando a ser concebida como campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS), englobando ações de vigilância sanitária e epidemiológica visando à promoção, prevenção, recuperação e reabilitação do trabalhador.

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Diversas instituições públicas e privadas formaram setores voltados especificamente para o cuidado da saúde de

seus trabalhadores. O HUAB possui um setor próprio responsável por acompanhá-los no decorrer da trajetória na Instituição. Para tanto, necessitam da atuação de profissionais com diferentes formações devido a compreensão ampliada do processo saúde-doença. No tocante ao trabalho do Assistente Social nessa área, compreende-se que ele trabalha na perspectiva da concepção ampliada de saúde, considerando os determinantes e condicionantes que influenciam o processo saúde-doença em consonância com os princípios e diretrizes da Reforma Sanitária (1980), que modificou a concepção de saúde, ampliando e concebendo-a como determinada, condicionada e resultante das formas de organização da sociedade, e não apenas como mera ausência de doenças. Nesse

sentido,

o

Assistente

Social,

enquanto

profissional da área da saúde, dispõe de formação ampliada, atribuições e competências para intervir junto às demandas sociofamiliares, culturais, econômicas e de educação em saúde que perpassam a saúde do trabalhador, atuando em

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equipe interdisciplinar com o fim de efetivar um atendimento integral e de qualidade ao mesmo. 2 METODOLOGIA No decorrer das atividades desenvolvidas pela equipe interdisciplinar do SOST percebeu-se a necessidade de sua ampliação, haja vista ela se restringir aos profissionais das áreas de Medicina do Trabalho, Enfermagem do Trabalho e Psicologia Organizacional. Frente às demandas postas, identificou-se a necessidade de inserção do profissional de Serviço Social na equipe para se utilizar das particularidades de sua formação e intervir de forma diferenciada. Desse modo, com o reconhecimento da importância que detém o Assistente Social no processo de trabalho em saúde, incumbiram as residentes de Serviço Social o desafio de realizar a implantação da profissão no SOST. Foram discutidas junto à equipe interdisciplinar quais possibilidades de atuação daquelas frente às demandas postas ao setor, bem como o esclarecimento das competências e atribuições privativas na atuação em equipe interdisciplinar, tendo em vista a dificuldade que alguns profissionais têm em entender qual o papel daquele na área da saúde. Posto isso:

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[...] o trabalho interdisciplinar demanda a capacidade de expor com clareza os ângulos particulares de análise e propostas de ações diante dos objetos comuns a diferentes profissões, cada uma delas buscando colaborar a partir dos conhecimentos e saberes desenvolvidos e acumulados pelas áreas (RAICHELIS, 2009, p. 389).

Após essa etapa foi elaborado um projeto por escrito a ser apresentado à direção da Instituição. No decorrer do processo, inserimos nas atividades já desenvolvidas pelo SOST, por exemplo, o acolhimento e a recepção dos novos funcionários da Instituição, atividades socioeducativas, como campanhas de prevenção e promoção da saúde, atendimentos individuais e coletivos aos trabalhadores que procuravam o serviço, elaboração de projetos, orientações sociais e encaminhamentos intersetoriais, principalmente ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), entre outros. Para além dessas possibilidades de atuação, Oliveira (2007, p. 02-04) explicita que novas atribuições são exigidas aos Assistentes Sociais relacionadas ao âmbito da saúde do trabalhador, como:

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[...] desenvolver programas voltados à saúde do trabalhador, em outras palavras, ações de promoção e prevenção (doenças sexualmente transmissíveis, inclusive AIDS, uso de drogas, hipertensão, diabetes, prevenção de estresse, de acidentes de trabalho, à saúde da mulher e outros), a coordenação de trabalhos voltados à qualidade do meio ambiente, de vida, à escolarização, e os acompanhamentos aos trabalhadores hospitalizados e a inserção do trabalho em equipe interdisciplinar.

Essas temáticas estão presentes na composição do projeto elaborado para a inserção do profissional de Serviço Social na equipe interdisciplinar do SOST. A Lei Nº 8.662/1993 traz em seu artigo 4º como competências do Assistente Social elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam no âmbito de atuação profissional, o que afirma a capacidade teórico-metodológica e

técnico-operativo

de

implantar

programas e projetos que beneficiem trabalhadores e empregadores. Considerando os determinantes e condicionantes sociais da saúde, esses aspectos estão intrinsecamente

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

relacionados ao processo saúde-doença, os quais devem ser trabalhados na perspectiva da prevenção e promoção da saúde para que não prejudique a vida laborativa dos sujeitos envolvidos nesse processo. A intervenção do Assistente Social não deve ser desenvolvida de forma isolada, mas atuar conjuntamente com uma equipe interdisciplinar, visando ações que trabalhem a integralidade dos sujeitos. A atuação desse profissional, em particular, tem como objeto de sua intervenção as expressões da Questão Social, que busca envolver os profissionais de outras áreas do conhecimento na dinâmica, fazendo com que passem a ver essas situações para além do imediatismo dos fatos.

O trabalho do assistente social é requisitado em diferentes instituições, na prestação direta de serviços e execução de programas [...]. Para tanto, nessa perspectiva, o trabalho do assistente social se materializa na capacidade de trabalhar em equipes com formação interdisciplinar, buscando a intersetorialidade e a interface da saúde do trabalhador com as demais políticas sociais. (MENDES, WÜNSCH, 2011, p.475- 477)

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Complementando, atuando em conjunto com as diferentes áreas do saber e possibilitando a intersetorialidade com as diversas políticas sociais que perpassam a saúde do trabalhador e de sua família.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO O Serviço Social é uma profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho, perpassando múltiplos espaços sócio-ocupacionais, dentre eles a área da saúde, que historicamente consiste em um dos maiores campos de atuação do Assistente Social, reconhecido como profissional através das Resoluções 218/1997, do Conselho Nacional de Saúde, e 383/1999, do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). Ele apresenta capacidade técnica e ética para atuar em diferentes espaços sócio-ocupacionais devido à sua formação generalista, não se restringindo apenas a uma área de atuação, tendo como objeto de intervenção as expressões da Questão Social que resulta nas desigualdades sociais inerentes à sociedade capitalista.

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DIÁLOGOS E PRÁTICAS INTERPROFISSIONAIS EM SAÚDE

Segundo Bravo, 2013, p. 22-23, a questão qocial se define como: [...] o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs ao mundo no curso da constituição da sociedade capitalista, estando fundamentalmente vinculada ao conflito entre capital e trabalho.

O Assistente Social toma a Questão Social como seu objeto de trabalho e busca responder às demandas presentes de forma a refletir sobre a melhor forma e as condições objetivas para atendê-las. Com as mudanças na sociedade e o consequente mundo do trabalho, essa categoria profissional vem sendo chamada a atuar na dinâmica empresarial. No Brasil, desde a década de 1980 essas mudanças requerem a necessidade de integração a um mercado cada vez mais competitivo e globalizado (AMARAL; CESAR, 2009), atendendo às requisições dos mercados interno e externo. No início de sua inserção nas empresas, aquele profissional era chamado “para eliminar focos de tensões sociais, criar um comportamento produtivo da força de

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trabalho, contribuindo para reduzir o absenteísmo, viabilizar benefícios sociais, atuar em relações humanas na esfera do trabalho” (IAMAMOTO, 2014, p. 47). Isso não significa dizer que essas demandas não aparecem atualmente. No entanto, o Assistente Social passa a responder de forma reflexiva, buscando não atendê-las apenas no imediatismo dos fatos, mas na maneira que as intervenções realizadas subsidiem ações futuras no intuito de qualificar o fazer profissional. No contexto atual, ele vem se inserindo nas empresas como um profissional propositivo diante das demandas apresentadas, trabalhando com base em valores explícitos pelo Código de Ética Profissional (Resolução CFESS nº 273/93), sendo requisitado para atuar principalmente em atividades que dizem respeito à gestão de recursos humanos, programas participativos, qualidade de vida no trabalho, incluindo a saúde do trabalhador, entre outros (AMARAL, CESAR, 2009). Mantém-se o caráter educativo de sua atuação profissional, pois a “função pedagógica desempenhada pelo assistente social inscreve a prática profissional no campo das atividades educativas formadoras da cultura, ou seja,

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atividades formadoras de um modo de pensar, sentir e agir [...]” (ABREL; CARDOSO, 2009, p. 594). Segundo Amaral e Cesar (2009, p. 419), “o assistente social se caracteriza como um dos profissionais que possui atributos para intervir na vida cotidiana dos trabalhadores, tanto no âmbito fabril quanto na esfera de seu ambiente doméstico ou de sua vida particular”. Ele é capaz de adentrar na particularidade de cada trabalhador fazendo uma leitura ampla de suas condições de vida, saúde, contexto familiar e comunitário, o que pode influenciar diretamente em seu desempenho

profissional.

Sua

inserção

“ocorre

pelo

reconhecimento, da sua facilidade de diálogo e inserção no cotidiano dos trabalhadores” (AMARAL; CESAR, 2009), visando trabalhar as questões inerentes à vida no trabalho e em seu ambiente familiar e comunitário objetivando a melhora na qualidade de vida e de trabalho desses sujeitos. 4 CONCLUSÃO Acredita-se na importância da atuação do Assistente Social junto à equipe da SOST na defesa da saúde do trabalhador, visando trabalhar aspectos sociais, culturais e

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familiares

junto

a

eles,

objetivando

uma

prática

interdisciplinar como forma de fortalecer o setor em questão. Considera-se

imprescindível

a

inserção

do

profissional de Serviço Social na equipe multiprofissional do Serviço de Saúde Ocupacional e Segurança do Trabalho (SOST) como fortalecimento da mesma, contendo um diferencial ao

levar

em consideração

sua

formação

profissional, uma vez que ele é carregado de conhecimentos sociais, políticos, econômicos e culturais que somam em uma equipe de saúde composta por profissionais de outras áreas de conhecimento. Entre as mudanças que ocorreram no setor após a atuação das residentes de Serviço Social foi considerada uma das mais importantes o fato de podermos contribuir para a ampliação e o conhecimento por parte de profissionais de outras áreas do saber acerca da problematização das expressões da Questão Social na saúde, fazendo com que elas passem

a

entendê-las

de

forma

diferenciada,

não

restringindo-se apenas a sua especialização, mas também conseguindo dialogar e compreender a forma de atuar de cada profissão.

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REFERÊNCIAS ABREL, M.M; CARDOSO, F.G. Mobilização social e práticas educativas. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. – Brasília: CFESS/ABEPSS. 593-608, 2009. AMARAL, A.S; CESAR, M. O trabalho do assistente social nas empresas capitalistas. In: Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. – Brasília: CFESS/ABEPSS. 411-427, 2009. BRASIL. Lei nº 8.662, de 07 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. _____. Resolução nº 218, de 06 de março de 1997. Dispõe sobre os profissionais de saúde de nível superior. _____. Lei nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre a Lei Orgânica da Saúde. _____. Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). _____. Resolução CFESS nº 383, de 29 de março de 1999. Caracteriza o assistente social como profissional da saúde. CFESS. Parâmetros para Atuação de Assistente Sociais na Política de Saúde. Brasília, 2010.

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BRAVO, M.I.S. Saúde e serviço social no capitalismo: fundamentos sócio históricos. – 1. Ed. – São Paulo: Cortez, 2013. IAMAMOTO, M.V. O serviço social na contemporaneidade: trabalho e formação profissional. – 25. Ed. – São Paulo, Cortez, 2004. MENDES, J.M.R.M; WÜNSCH, D.S. Serviço Social e a saúde do trabalhador: uma dispersa demanda. In: Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo. 107; 461-81, 2011. OLIVEIRA, M.D.T. As transformações no mundo do trabalho: a saúde do trabalhador demanda para o Serviço Social. III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS, São Luís – MA, 28 a 30 de agosto de 2007.

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