2 ENSAIOS QUE NARRAM, CONTOS QUE REFLETEM
Acompanharemos a hipótese segundo a qual a indissolubilidade e a simultaneidade entre poética da narrativa e poética borgeana abrem a possibilidade de os gêneros se dinamizarem, se mesclarem, trocando características. A “inquisição”, através da qual a leitura aborda os livros e o universo, transita entre as características dos gêneros ensaio e conto, mantendo-os em constante relação. Nesse sentido, os contos passam a refletir criticamente sobre conceitos, e os ensaios tornam-se contadores de histórias. Na conferência El cuento policial, do livro Borges, oral (Borges, 1996, p. 189-197), pode-se encontrar a questão do gênero literário condicionada à poética. Nas palavras do autor borgeano: “Hablar del relato policial es hablar de Edgar Allan Poe, que inventó el género” (Borges, 1996, p.189), encontra-se a determinação do gênero pelo autor; e, em seguida, o condicionamento dos gêneros também pelo leitor: “[...] los géneros literarios dependen, quizá, menos de los textos que del modo en que éstos son leídos” (Borges, 1996, p.189). Essa tese é ilustrada pela simulação da leitura do Quijote por um leitor de ficção policial que, como o gênero conto policial, deve sua existência a Poe. O que acontece quando um leitor, habituado a ler somente contos policiais, lê o Quixote, tendo em mente que se trata de um romance policial? O que exatamente acontecerá a partir deste ponto de vista? En un lugar de la Mancha de cuyo nombre no quiero acordarme, no hace mucho tiempo vivia un hidalgo... y ya ese lector esta lleno de sospechas, porque el lector de novelas policiales es un lector que lee con incredulidad, con suspicacias, una suspicacia especial. Por ejemplo, si lee: En un lugar de la Mancha ... desde luego supone que aquello no sucedió en la Mancha. Luego: ... de cuyo nombre no quiero acordarme, ¿por qué no quiso acordarse Cervantes? Porque sin duda Cervantes era el asesino, el culpable. Luego ... no hace mucho tiempo..., posiblemente lo que suceda no será tan aterrador como el futuro (Borges, 1996, p. 190).