TERRA VERTIDA
Dissertação apresentada ao Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais, da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Artes Visuais.
Processos Teóricos, Históricos e Criativos Área de concentração: Artes Visuais e seus
Linha de pesquisa: Processos Criativos em Artes Visuais
Orientador: Prof.º Dr.º Marcelo Coutinho
Juazeiro do Norte, Ceará, Cariri
Verão de 2023
VERTIDA TERRA
Dissertação apresentada ao Programa Associado de PósGraduação em Artes Visuais, da Universidade Federal da Paraíba como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Artes Visuais.
Orientador: Prof.º Dr.º Marcelo Coutinho
Banca Examinadora PPGAV UFPB/UFPE
Orientador: Prof.º Dr.º Marcelo Coutinho
Membros:
Prof.ª Dr.ª Sicília Calado Freitas
PPGAV UFPB/UFPE
Prof.º Dr.º Gentil Porto Filho CAC / UFPE
Juazeiro do Norte, Ceará, Cariri Verão de 2023
Às carobas mais garridas, abraçado até, o feio prometia: brotarei novos braços, novo peito, coração ou olhos, se a metade inimiga for aí e meus braços, meu peito, coração ou olhos precisarem de ser arrancados e mortos Eu brotarei cada bocado do corpo onde esteja meu inimigo que seja levado para sempre de mim. Nem que brote braços pequenos, um palmo de peito, um resto de coração ou olhos ínfimos de mosquito Eu bastarei de qualquer jeito, desde que me salve de ser também inimigo e arriscar obedecer à sua cultura avessa. A mata também é uma velocidade interior Corre por dentro. Eu sei que ela corre por dentro.
Valter Hugo Mãe em As Doenças do Brasil.Agradeço a todos que tiveram participação nesta dança terrena, visíveis e invisíveis
Agradeço aos meus pais, Cássia e Angelo, que sempre que puderam me mostraram a terra desde menina, me mostraram os bichos, as plantas, as trilhas, as cachoeiras e demais manifestações da natureza.
Agradeço a Larissa, minha parceira, com quem escolhi trocar as experiências dessa vida, na busca pelo lento, natural, utópico humano em eterna busca pela saúde, com quem construo sonhos e casas para que tantos outros sonhos possam ser concretizados e que logo construiremos nosso sítio, nosso roçado e nosso pomar
Agradeço a Liro, a Zé, a dona Ana e Cicera Ana que me receberam de braços abertos no Baixio das Palmeiras e no Assentamento 10 de Abril, que me levaram em suas roças de milho, de fava e de jerimum e me mostraram um lugar em que o humano ainda habita.
Agradeço a Tião, sertanejo de olhos azuis mareados que leem a alma, detentor de um enorme saber sensível dos mistérios da caatinga, que me ensinou tanto no interior do sertão e que faz um trabalho belo junto aos agricultores e moradores dos assentamentos que aí habitam.
Agradeço a Marcelo, pela confiança na minha trajetória e no tema aqui presente; pelas trocas, mesmo com as distâncias de uma vida remota, pela paciência e pelo permitir.
Agradeço a Adriani, que me incentivou a entrada no programa, ao retomar as pesquisas e práticas poéticas que tanto abastecem a alma, as trocas de receitas, de livros, de risadas.
Agradeço a Nara, que desde nossas primeiras conversas me mostra e me provoca a ver formas de fazer e de ver que façam sentido para e na vida, que – mesmo com as distâncias físicas – sempre ressoam em minhas escolhas e aprendizados.
Aos mestres e mestras, artistas e educadores que abriram essas trilhas e caminhos anteriormente para que hoje eu tenha por onde olhar e pisar.
Terra Vertida é uma convocação Ao utilizar fotografias e textos que buscam códigos documentais e evocativos, essa investigação busca trazer discussões sobre as relações entre arte e vida; land use e as possíveis perspectivas para adiar o fim do mundo. As etapas e procedimentos de construção de duas casas feitas de sacaria de terra são apresentadas e as reverberações nas paisagens social e ambiental em que estão inseridas são discutidas, auxiliadas por reflexões acerca das consequências que o legado da modernidade tem deixado para a natureza. Passando pela compreensão que somente é possível se construir lares quando esses são vertidos com diversas mãos, mãos que possuem histórias para que sejam escritas e contadas. Os relatos buscam evocar algo de ficcional, não como fora da realidade, mas sim como experiência que narra vivências fora da hegemonia do asfalto e do cimento.
Palavras-Chave: Obra a fazer; Arte vida; Poéticas artísticas; Habitações de terra; Construção de Paisagem.
Terra Vertida es una convocatoria. Mediante el uso de fotografías y textos que buscan códigos documentales y evocativos, esta investigación busca generar discusiones sobre la relación entre el arte y la vida; land use y las posibles perspectivas para intentar posponer el fin del mundo. Se presentan los pasos y procedimientos para la construcción de dos casas hechas con sacos de tierra y se discuten las repercusiones en las paisajes sociales y ambientales en las que se insertan, auxiliados por reflexiones sobre las consecuencias que el legado de la modernidad ha dejado para la naturaleza. Pasando por el entendimiento de que solo es posible construir casas cuando estas se vierten con diferentes manos, manos que tienen historias por escribir y contar. Los informes buscan evocar algo de ficticio, no como fuera de la realidad, sino como una experiencia que narra experiencias fuera de la hegemonía del asfalto y el cemento.
Palabras llave: Trabajo por hacer; Arte Vida; Poéticas artísticas; Viviendas de tierra; Construcción del Paisaje
Resumo __ 09
Resumen __11 Sobre escavações e fundações __ 14
1. Do oco da terra ao elemento de terra batida __ 30
1.1. Sobre a progênie dos ocos de terra __ 32
1.2. Sobre as quimeras das Zonas de Despertar __ 38
1.3. Escavando o futuro: o elemento de terra batida enquanto forma contemporânea __ 48
2. Lar vertido à muitas mãos __ 58
2.3. Canteiro de obras __ 88
2.2. O Cariri Cearense e suas paisagens __ 79 2.3.1. Hiperadobe __ 88
2.3.2. Baixio das Palmeiras __ 96
2.1. Sobre os aspectos políticos e materiais do lar __ 68 2.3.3. Cidade Universitária __ 104 Lista de Figuras __ 137
2.4. Como medir o peso da terra em tempos de carradas __ 112 Referências __ 142
3. A terra move montanhas __ 120
Sobre escavações e fundações.
As minhas raízes chegam às profundezas do mundo; passam por terrenos secos e alagados; passam por veios de chumbo e prata. Nada mais sou que fibra. Tudo me faz estremecer, e a terra comprime-se contra os meus veios. Cá em cima, os meus olhos são como folhas verdes e não veem.
WOOLF, V. As Ondas, 2021.
De tanto concreto, enterrar-me na busca do que restou de natureza no colapso desta era parece ser um dos possíveis sentidos de sensatez. Buscar a terra enquanto imagem do humano orgânico Talvez, até mesmo, a terra como relação e possibilidade de encontros que lembram o que poderia ser, de fato, o humano na era que insiste em permanecer constituída de elementos inorgânicos:
Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina. São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes – a sub-humanidade Porque tem uma humanidade, vamos dizer bacana. E tem uma camada mais bruta, rústica, orgânica, uma sub-humanidade que fica agarrada na terra. Parece que eles querem comer terra, mamar na terra, dormir deitados sobre a terra, envoltos na terra (KRENAK, 2020, p. 21 -22).
Os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que ficaram meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina. São caiçaras, índios, quilombolas, aborígenes – a sub-humanidade. Porque tem uma humanidade, vamos dizer, bacana. E tem uma camada mais bruta, rústica, orgânica, uma sub-humanidade que fica agarrada na terra. Parece que eles querem comer terra, mamar na terra, dormir deitados sobre a terra, envoltos na terra (KRENAK, 2020, p. 21 -22).
Compreender a organicidade enquanto abraço à finitude e uma ode ao novo - velho fugaz – humano. Ou melhor, traçar verteduras para que a finitude se faça visível no cotidiano: tocar o barro, a lama, o esterco, as misturas de baba de palma com polvilho compõem uma espécie de orquestra bioconstrutiva que relembram a todo o tempo que o corpo animal também vira terra.
Verter a terra busca refletir sobre quais os locais de prática em que as discussões direcionadas para a arte enquanto captadora das
urgências contemporâneas pode estar inserida na tentativa de reconstruir paisagens arrasadas pelo antropoceno (MOORE, 2022). Essas reflexões estão imersas nos processos artísticos e nas tentativas de regresso ao sub-humano¹, o qual está obstinado pela natureza e por buscar soluções para adiar o fim do mundo.
Os processos artísticos discutem as relações entre a propagação massiva do uso de materiais inorgânicos como única possibilidade segura de construir lares e habitações e as consequências desses usos para as crises hídricas, financeiras e ambientais que a sociedade enfrenta, direcionando-se cada vez mais para um monoculturização do pensamento e das homogeneizações coletivas (SHIVA, 2003).
A princípio, este ensaio verte de um entrelaçamento entre a construção de lares e habitações com técnicas de bioconstrução (tais como hiperadobe, taipa de mão, taipa de pilão e rebocos naturais) e as reconstruções de paisagens, tanto físicas quanto sensíveis, que essas construções podem provocar
As teorias debatidas em áreas de estudo como as do urbanismo, da sociologia e da agroecologia e as práticas estéticas envolvidas no campo da arte, principalmente as que foram trazidas ao longo dos últimos sessenta anos sobre land art, arte conceitual e arte relacional, onde os limites entre arte / cotidiano / vida / paisagem permanecem borrados desde então, servirão para auxiliar nos possíveis desdobramentos dessa escrita.
A apresentação de teorias, processos poéticos, habitações e demais referências surgirão ao longo da escrita, de forma a criar provocações nas discussões.
¹ Quando se lê “sub-humano” nesta investigação, direciona-se à compreensão do conceito de sub-humanidade cujos habitantes querem ficar agarrada na terra e nas margens dos rios, que se nutrem desse local, como escreve Krenak (2020). Não se trata de um termo pejorativo
Tratar sobre as relações entre as experiências, imagens e trocas que culminam em um processo poético: traçar as amarrações entre transformar experiências em palavras que narram o cotidiano de pessoas inseridas na construção de habitações de terra batida na região do Cariri cearense; a criação de lares feitos com monólitos de terra com mais de cinco metros de altura e mais de cem toneladas de terra compactada e o impacto deles na paisagem (LIPPARD, 2014); as relações humanas de trocas e afetos que se fortificam quando ativam memórias e emoções – tocar o barro e lembrar-se da infância na roça fazendo paredes de taipa-de-mão da casa da família ou vizinhos aparecia corriqueiramente. Questionar-se onde é o local que o lar existe.
Verter, segundo o dicionário Michaelis, significa “Desaguar, Transbordar e Deixar sair de si o líquido contido” e também “Ter a sua origem em”, nesse sentido Terra Vertida se lança ao transborde de momentos em que a terra possa estar presente: chão que pisamos; solo que plantamos; argila que moldamos; terra que construímos; “matéria que dá sustentação às coisas todas” (MARESCH, 2015).
O foco de Terra Vertida não é se colocar em acordos e linguagens restritas ao regime estético das artes (RANCIERÈ, 2009), tampouco justificar o uso dos elementos visuais (AUMONT, 1993) somente para a inserção dos seus resultados prioritariamente como uma categoria do campo da arte. Ao contrário, Terra Vertida quer se expandir. Verter também possui dois desdobramentos etimológicos que auxiliam a esta escrita. Vertere, em latim, tem as mesmas relações que o verso – como um desdobramento do verso como poesia, o verso como “linha de escrita”, como terreno fértil: o ato de trabalhar a terra, quando um animal puxa o arado, completando um sulco e
² Lucy Lippard propõe em seu livro Undermining as reflexões acerca do termo “Land Art” e propõe a utilização do termo “Land Use”.
e virando o sentido para fazer outro paralelo a ele, vertere como “virar a terra”, “linhas escritas na terra”. Versar possui as mesmas raízes, “estender-se sobre um assunto; revolver; revirar”.
A essas três interpretações, pensar a Terra Vertida enquanto paredes de terra que são construídas por mãos humanas, criando linhas tridimensionais escritas na terra com a própria terra, o processo em que a matéria orgânica condensada em barreiras e montanhas é retirada e transformada em paredes para a criação de lares por meio da força humana. Versar sobre a terra enquanto estender-se sobre as inúmeras possibilidades de criação por meio do acúmulo de elementos que chamamos de terra.
Estruturalmente, a pesquisa está dividida em três grandes capítulos: 1 Do Oco da terra ao elemento de terra batida; 2 Lar vertido a muitas mãos; 3 A terra move montanhas. Os capítulos possuem textos dissertativos e narrativos, fotografias do processo construtivo e de locais em busca dos diferentes tipos de terra, visitados ao longo do processo, desenhos, dados técnicos e, inclusive, valores para auxiliar na construção imagética das paisagens narradas. O uso desses elementos foi pensado para que cada parte possa ser lida e experienciada de maneira independente das demais partes. Pode ser conduzida sob três perspectivas:
1. As fotografias, os relatos narrativos e os desenhos possuem uma estrutura independente dos elementos textuais, possibilitando o acompanhamento das construções de forma autônoma;
2. O texto dissertado ocorre independente da construção nas imagens paralelas, isso significa que o texto não interpretará as imagens - o processo prático da construção das habitações está narrado nos capítulo 2.3. “Canteiro de Obras”;
3. Imagens, elementos textuais e desenhos são transpostos e os significados se mesclam. As fotografias e relatos aqui presentes
podem também ser considerados como uma extensão dos processos de construção independentes das limitações textuais.
As fontes e as referências das imagens se encontram na lista de imagens, inserida como elemento pós-textual nesta dissertação. De forma que as fotografias possam contextualizar as paisagens onde as paredes e os processos construtivos ocorreram, independente de indicações e de informações técnicas, oferece-se ao leitor uma aproximação desses locais apresentados em sua totalidade neste tipo de suporte: as páginas duplas onde as imagens se expandem. Para que a referência possa ser encontrada na lista, basta encontrar o número da página que a imagem está localizada. Caso tenham mais imagens por página, haverá uma breve descrição de cada uma antes da referência. Todas as fotografias dos processos de construção e paisagens de terra são de elaboração da autora.
As imagens não se restringem a ser um ensaio fotográfico do processo – o uso delas se justifica pelos processos e detalhes que elas apresentam, com relações mais próximas das fotografias documentais e evocativas, para auxiliar na reprodução da imaginação e, em uma tentativa quase utópica, criar possíveis lembranças de algo que não foi vivido individualmente, ao mostrar, por exemplo, em imagens, a lama pisada, narrar os cheiros e as texturas. Os desenhos técnicos, medidas, resultados de testes e explicações do processo das construções são utilizados para proporcionar detalhes imagéticos, não para serem repetidos, pois cada região possui especificidades topográficas e formações sedimentares de solo muito peculiares.
Esta investigação não se trata de uma pesquisa de arquitetura ou urbanismo – mesmo sendo amparada por essas áreas. Esta investigação não se trata de uma pesquisa de sociologia ou antropologia – mesmo sendo amparada por essas áreas.
Terra Vertida é uma convocação. Talvez um suspiro na busca em adiar o fim do mundo (KRENAK, 2020), talvez um desvio para longe dos pensamentos abissais (SANTOS, 2007).
Do oco da terra ao elemento de terra batida, perpassamos por ficções e narrativas conceituais para auxiliar na criação imagética desse chamado. Um ponto importante é demarcarmos a ficção no texto não como algo fora da realidade, mas um relato não hegemônico dessa vivência.
A Terra que precisamos que se verta sobre nós, vidas passageiras em tanta história no planeta que foi e que será, para que lembremos sobre as limitações da nossa própria espécie. É se deslocar da experiência do sujeito moderno que criou processos de domesticação da natureza (FONSECA; BRITTO, 2019), sujeito que tem asco da terra³, que passa por processos modernos de estetização constante em busca de “Zonas de Adormecimento” (COUTINHO, 2018) – desde seu próprio corpo até as plantas de plástico na casa em que habita: o ser humano não se encontra mais com o mundo, tampouco com a terra. A esse espaço denomino aqui de oco da terra, o que não tem nada de terra dentro.
O próximo deslocamento é a busca pelo elemento de terra batida: extremo oposto do corpo que nada possui de terra para o elemento que é compactado e se estrutura unicamente de terra para manterse em pé. Nas imagens e relatos durante o texto, este elemento está apresentado pelas paredes físicas, mas o movimento da escrita aqui é na intenção que essas paredes possam ser compactadas nas dimensões internas e, em certo grau de quimera, possibilitem o surgimento de Zonas Autônomas Temporárias (BEY, 2011). Além disso, pensar o elemento de terra batida enquanto forma
³ Uma das traduções de terra para o inglês é dirt, que significa também sujeira.
contemporânea, discutindo sobre a urgência de formas de vida (BOURRIAUD, 2011) e a emancipação dos saberes que buscam proteger a terra.
Lar vertido a muitas mãos, trata sobre a perspectiva da Terra Vertida como a experiência prática das habitações de terra construídas a muitas mãos, é o lar transbordando pelo coletivo que molda a paisagem em busca de um propósito comum. Perpassando pelas discussões conceituais dos termos Lar e Habitação, e buscando maneiras de traçar caminhos sobre a terra e sob o céu para habitar (HEIDEGGER, 1969), há uma espécie de denúncia das imposições modernas ao habitar natural (NORBERG-SCHULZ, 1997). É o local de convite para que as outras vozes que auxiliaram esse processo possam se manifestar. É também o fato de que não se é possível habitar sozinho – as consequências do humano reverberam na natureza: “a sobrevivência da quase totalidade dos seres vivos pressupõe a existência de outros viventes: toda forma de vida exige que já haja vida no mundo” (COCCIA, 2018).
Antes de falar propriamente sobre os aspectos técnicos das habitações, a região onde são construídas é contextualizada. O Cariri Cearense é uma região limítrofe entre o extremo sul do estado do Ceará, Pernambuco e Piauí. Possuindo aspectos em sua grande maioria rurais, são poucos os municípios com urbanização acentuada. Suas dimensões, densidade populacional, formação geomorfológica e uma breve apresentação histórica são apresentadas, de modo a oferecer instrumentos para que as paisagens possam ser imaginadas. As edificações foram construídas em duas cidades: Juazeiro do Norte e Crato.
Um dos propósitos do canteiro de obras é investigar seu próprio princípio em datas muito anteriores as que essas palavras são escritas: as pessoas que puderam auxiliar nessas construções
possuem um saber próprio, como quem fica envolto na terra, quem conversa com ela, quem sabe que o inverno⁴ vai começar mais cedo naquele ano Nessa perspectiva, a representação do que o estúdio exprime para o artista não é particular: a imagem dele está relacionada ao confinamento das operações e materialidades ditas próprias do campo tradicional da arte. Robert Smithson (1968) escreve em seus Projetos com Terra sobre a queda do estúdio e diz que “a libertação dos confinamentos do estúdio liberta o artista até certo ponto das armadilhas do artesanato e da escravidão da criatividade”⁵ .
As mudanças foram possíveis com o deslocamento do artista de um local reservado para criação para a utilização do mundo como laboratório. O desenvolvimento da queda do estúdio é um resultado de uma série de processos e ações mentais; da aceitação e da compreensão sobre as possibilidades de imperfeição e, principalmente, da infinidade de direções que um não-estúdio permitem. A dissolução das paredes/limites do estúdio que serviam de molde à “perfeição” estabelecem relações como barreiras e restrições impostas na arte. Aqui, a queda do estúdio também é compreendida como canteiro de obras, operando em duplo sentido: obras de construção civil e processos poéticos.
Medir o peso da terra em tempos de carradas traz a perspectiva que a terra não é apenas o valor custado por uma carrada de terra. Uma carrada possui diversas dimensões - físicas e abstratas, que variam territorialmente e com o peso de determinado material. O valor das carradas de terra são justificados basicamente pelo valor do combustível utilizado pelo maquinário para extrair a terra de determinado local e transportá-lo até o destino final. Os depósitos
É chamado de inverno na região do Nordeste quando ocorre a pequena queda de temperaturas, dando início ao período de chuva que consequentemente traz dias mais frescos ⁵ SMITHSON, 2015, tradução da autora.
⁴
de material de construção e fornecedores desses materiais calculam o preço de uma carrada de terra contabilizando os processos logísticos dessas etapas Em realidade, há muitos sinais que a terra não custe nada para eles, mas sim a entrega. A busca, neste subcapítulo, se faz para encontrar meios que valorizem a terra – não por valor em moeda corrente, mas sim pela tentativa em refletir sobre os esforços dos processos naturais e a duração para a estratificação de camadas que constituem o solo⁶ .
Em a terra move montanha existe uma referência clara à frase “a fé move montanhas", trazendo aspectos quase utópicos para pensar os possíveis futuros por vir, fazendo uma alusão direta ao futuro ancestral (KRENAK, 2022) e as respostas que própria Terra nos dá (AZAM, 2020). Essas possibilidades e histórias já existem, mas precisamos aprender a desenterrar-lás, e isso só é possível quando compreendemos os processos colaborativos que a trama da vida nos direciona a cooperar.
Na busca pela criação de terrenos férteis de mudanças, assim como em Francis Alÿs fez ao convidar, em 2002, pessoas dispostas a ir com pás e enxadas até uma montanha em Lima, no Peru, para movê-la mesmo que momentaneamente, em um exemplo prático de como a fé de todas essas pessoas poderia de fato mover minimamente aquela montanha, este ensaio quer que a própria terra possa ser a protagonista e a força geradora para mover montanhas.
Que a terra forma e transforma a todo o tempo as montanhas físicas por meio das ações pelas quais estão em contatos diretos –chuvas, ventos, erosões, isso a geologia, o estudo de solos e rios já
⁶
Para formar o solo, a natureza necessita de fatores, como clima, material de origem, relevo, organismos e tempo cronológico. O tempo que um solo leva para se formar depende do tipo de rocha, do clima e do relevo. "Quanto tempo leva um solo para ser formado"? Essa pergunta é difícil de ser respondida porque o tempo de vida do ser humano é muito curto para acompanharmos esse processo. A única certeza é que são necessários milhares de anos (LIMA; LIMA; 2007).
nos mostrou há muitos anos. A urgência aqui é para sejam convocadas formas de pensar o mundo por vir que valorizem os saberes ancestrais, por meio de perspectivas que possam mover as montanhas internas, na assertividade que a terra possa se verter dentro dos corpos dos ocos de terra e, tal como a argila se molda, fazer com que esses sejam moldados com folhagens, raízes e até mesmo tubérculos.
Era uma segunda feira. Na semana anterior a primeira etapa da construção das paredes já havia chegado no limite. Estava na hora de iniciar a etapa do teste com os rebocos.
A destreza para executar um reboco de parede, seja ela em alvenaria convencional ou em barro, é algo alcançado apenas depois de muita prática. As etapas para elaborar o chapisco, o emboço e o reboco propriamente finalizado são muito parecidos independentemente se a técnica é com terra ou com métodos convencionais, utilizando areia, cimento e água. A grande diferença em suas aplicações se encontra na possibilidade da aplicar a massa de terra com as mãos, uma vez que não possui cimento.
B e V já estavam me esperando para iniciarem as misturas
Conversavamos sobre como tinha sido o final de semana, enquanto acendiam um fogo para preparar o mingau de polvilho
A palma que seria utilizada nessa etapa já tinha sido picada fazia umas três semanas e estava de molho na água em um tonel, para que soltasse a baba grudenta dela.
Da mesma maneira, a bosta de vaca também estava em outro tonel, fermentando, crescendo e virando uma massa homogênea.
Há várias receitas de reboco de terra, para cada necessidade, dependendo do local, da umidade e das intempéries que a edificação sofre.
Aqui foram utilizadas as misturas de esterco de vaca fermentado (tem que ser de vaca mesmo, pela quantidade de ruminação que ela faz); baba da palma; polvilho azedo (o que faz pão de queijo); uma quantidade bem pequena de cal hidratada e terra, de preferência a mesma que foi utilizada nas paredes.
V estava peneirando a terra enquanto B foi organizar a baba de palma do tonel, depois do mingau pronto
B de repente se lança a correr pelo terreno no lado oposto da palma quase colocando os bofes pra fora.
- O que é que rolou B?
- Bicho, tem um monte de larva lá naquela caixa. Tá tudo podre! Num vou mexer nesse negócio aí não oh.
Com o calor dos últimos dias, a baba tinha virado moradia das larvas
V, com o estômago mais forte, foi atrás de uma peneira para prontamente separar o líquido viscoso dos insetos
B foi terminar de peneirar a terra para começar a misturar com o mingau de polvilho, com a cal e – retomando a respiração – o esterco fermentado.
V se encarregou de fazer a mistura final com a baba peneirada.
Iniciamos os testes aplicando nas paredes É um dia com um sol par a cada um, então não demor aria par a acompanharmos a secagem das misturas
Cada um dos elementos usados no reboco serve para determinada função. A bosta fermentada ajuda a aglutinar os materiais, dando um aspecto quase suave para o reboco O polvilho e a palma auxiliam na repelência ao contato com a água (hidrorrepelência não é impermeabilização) e na maior modelagem do material. A cal, mesmo que pouca, auxilia na secagem de maneira uniforme
Qual seria nossa surpresa ao ver os primeiros testes secando de maneira uniforme e, sem acreditar muito no que víamos, ver que algumas larvas tinham conseguido passar pela peneira fina e se rastejavam pelo reboco?
Retiramos todo o reboco e picamos novas palmas para deixar de molho novamente.
1. Do oco da terra ao elemento de terra batida.
para os Yanomamis e ao seu direito de sonhar 1.1. Sobre a progênie dos ocos de terra
Estive nos últimos dias andando em um local um tanto confuso: haviam vozes, sons, cheiros e cores mas eu não conseguia defini-los. Como se ainda faltassem reentrâncias, maneiras para que meu corpo pudesse traduzir com clareza o que se passava: existiam ouvidos mas estavam tampados por uma grossa camada de um material viscoso. As imagens existiam por meio de borrões: olhos existiam, mas as pálpebras permaneciam cerradas, tal qual uma costura bem feita. Os cheiros também sucediam, mas, similarmente, parecia que os orifícios das narinas estavam entupidos, nesse local com um material extremamente duro.
As coisas se passavam, mas eu não as percebia.
Caminhei durante um bom tempo por esse local – no percurso, questionei-me se as sensações estariam vinculadas com o espaço presente em que estão ocorrendo, ou se a forma de perceber talvez esteja vinculada às camadas de filtros que cada um constrói e opera.
No trajeto, cada sensação estava, ou poderia estar, distorcida pela minha falta de habilidades em perceber integralmente o que estava ocorrendo
Aos poucos fui me cansando. Perdi a noção dos dias que ali caminhava, até que pisei em algo em que afundei meus pés e cai por cima de formas estranhas à rigidez que estava acostumada em meu corpo. Parei para tentar entender o que acontecia, já que não via com nitidez, não ouvia e não sentia cheiros, notei que algo me consumia: enfiei no único orifício que possuía abertura, logo abaixo das narinas entupidas, uma dessas coisas macias e com forma diferente do que estava acostumada. A mastiguei até que percorresse outras partes internas do meu corpo.
Escutei uma voz ressoando mais claramente do que os demais sons abafados que ouvia, dizendo: "isso é uma manga, aproveita que estão bem doces!". A voz estava dentro da minha cabeça.
Esforcei-me em prestar atenção nessa voz e a segui até um local que ficou ainda mais difícil de perceber os borrões, um pouco mais escuro. Subitamente, essa voz estava próxima à massa viscosa dos
meus ouvidos. Percebia que existia curiosidade em entender porque estavam daquela forma. Percebi que tentava comunicação, mas sem sucesso.
Tudo ficou em silêncio .
Como uma flecha certeira, um instrumento de corte abriu os buracos das narinas. Outro removeu as camadas grossas dos ouvidos. Um terceiro pingou algo nas minhas pálpebras até que conseguissem abrir e seguiu pingando nos olhos.
Escutei, antes de desmaiar , da mesma voz que segui: “talvez essa seja a forma que esse oco vai se despertar”. Percebi o passar de dias e noites sob uma palhoça de coco babaçu e paredes feitas com terra, pedras e galhos, enquanto tentava abarcar com todo o corpo o que estava ocorrendo ao redor.
Cores tomavam proporções que não tinha capacidade para distinguir antes, sons inundavam os cantos internos da pele, sensações se mesclavam e começavam se desdobrar em tantas outras.
Essa voz – que prefiro chamar somente de voz – permanecia boa parte do tempo acompanhando o que acontecia depois dos processos.
Um dia, ela me contou sobre as histórias entre os ocos de terra e como os seus, chamados de terra batida, dificilmente conseguem se encontrar. É ainda mais raro quando a própria terra permite que o oco seja preenchido por si mesma ao ponto de possuir terra firme em si.
Ela contou sobre as inúmeras tentativas por parte dos seus de permitir, benzer e querer que os ocos fizessem parte de suas vidas, apresentando lugares, comidas, vestimentas, rituais, medicinas e
tudo o que possuíam, por querer compartilhar as coisas que fariam bem a eles.
Nesse momento, ela já não fala tão empolgada, mas conta sobre as tragédias que os seus passaram por não conhecerem as profundidades das malicias dos ocos, e como um a um, seu povo de terra batida foi sumindo. Suas vestimentas, seus animais, suas árvores e seus remédios foram desaparecendo com cada um.
Em um movimento extremamente violento, o oco apenas as consumiu, deglutiu e logo excretou, fazendo com que a terra fosse sumindo, drasticamente.
Logo, os que ainda sobreviviam escondidos, perceberam que os ocos não conseguiam se preencher com as coisas vindas diretamente da natureza. Como se tudo o que fizesse sentido para os que possuíam a responsabilidade de cuidar da terra e se mantivesse firme com ela, escorresse rio abaixo com todas as toxinas que os ocos excretavam.
Passei a noite com os pensamentos imaginando e recriando as histórias que a voz havia contado. Pensava, até então, que a terra que ela falava seria somente a mistura de materiais que resumimos a chamar de argila, areia, pedriscos e todos os elementos orgânicos, possíveis de serem compradas para decorar vasos de plantas –talvez esse seja o lugar que o oco de terra imagina mesmo.
1.2. Sobre as quimeras das Zonas de Despertar
Esta história narrada talvez tenha ocorrido dessa maneira, talvez seja uma compilação de histórias de diversas outras vozes que construíram cosmovisões singulares, com processos e rituais por meio da relação com a natureza. Independente de qual seja a perspectiva escolhida, este ensaio é escrito no intuito de honrar a terra, na esperança também que possa inserir punhados de matéria orgânica para serem estratificados no solo.
A figura do oco da terra e o da terra batida são trazidos neste capítulo como metáforas de um processo em que o primeiro possui o vazio de terra em si, terra essa que deveria sustentar e dar sentido às coisas, e o segundo é uma espécie de guardião dos saberes da terra.
Esse oco de terra faz uma alegoria aos humanos cujas concepções de mundo são embasados nas heranças modernas que apartam a civilização e a natureza, que acreditam que a sociedade que constrói cidades feitas de concreto, asfalto e poluição atuam de forma soberana aos que chamam de não civilizados e primitivos, povos que se nutrem e cuidam da natureza. O terra batida, muito distante do primeiro, é metáfora para o sub-humano que se estende sobre a terra para dormir e conversar com as montanhas para saber se o dia será bom, que constrói seu mundo em diálogo com forças que estão há milênios nutrindo os seres que habitam e fazem lar dos mais diferentes locais.
Essa metáfora culmina na história que se repete há séculos: a invasão e destruição dos territórios que abrigam a sub-humanidade, em suas mais diversas manifestações, pelos que julgam que ela é atrasada, tosca e primitiva e, portanto, deve ser aniquilada. Na busca e apropriação de todo e qualquer minério, religião, planta, animal e gente, essa narrativa ocorre com a autorização das mais diferentes circunstâncias, desde as políticas, às religiosas, culturais,
comerciais e, hoje cada vez mais, tecnológicas.
A bem da verdade, a terra não tem dono. Ela é lar temporário para protetores ou destruidores e cada vez mais “a emergência de uma sociedade de consumidores comporta o grave risco de que nenhum objeto do mundo esteja a salvo de ser destruído e aniquilado por meio do consumo” (MARESCH, 2015, p. 31).
A terra batida também está relacionada com o procedimento de construção das casas acompanhadas neste ensaio, cuja execução perpassa pela elevação das paredes através do apiloamento da terra ensacada, de forma a criar suas paredes; pela perspectiva de duração centenária que essas paredes terão e pela possibilidade de que a terra ensacada será terra em qualquer momento, podendo ser rapidamente incorporada ao solo, deixando poucos resíduos que levem mais tempo nesse processo.
Como uma espécie de quimera, essas paredes com toneladas de terra compactada buscam deslocar a estabilidade e a homogeneização das paisagens modernas (SHIVA, 2003) e suas construções, simbólicas e edificadas, das zonas de adormecimento e de seus significados para a vida do oco:
41. O que chamo de Zonas de Adormecimento não quer refazer perguntas, tampouco refará as fundamentais: “O que é a vida?”.
42. Nas Zonas de Adormecimento as perguntas e as respostas possuem remetente e destinatário controlados.
43. As perguntas devem vir de certos lugares para que tenham alguma pertinência.
44. E assim serão respondidas por aqueles que se especializaram em construir as respostas
45. A supressão do refazer de perguntas fundamentais é o que visa as Zonas de Adormecimento e é o trabalho em que mais se empenham.
46. Afinal, para que se refaça certas perguntas, certas perguntas fundamentais - como por exemplo “o que é a vida?”- é necessário que haja um desacordo fundamental com as respostas até então dadas (COUTINHO, 2018).
Quimera esta porque quer obrigar o corpo e a noção de corporeidade a estar em prova constante (SANTOS, 2006), até alcançar um tipo de utopia neste corpo ao deslocar o olhar domesticado da paisagem, de forma a incomodar as zonas de adormecimento para que este oco, finalmente, pergunte-se sobre o que se trata a vida e o viver.
Dentro das zonas de adormecimento, em que “as perguntas e as respostas possuem remetente e destinatário controlados”, a natureza é domesticada. São essas as zonas que, simbolicamente, auxiliaram à extinção dos terra batida.
No intuito de auxiliar os contatos com as diversas camadas que compõem a terra, o conceito de Zonas de Adormecimento, escrito por Coutinho (2018), faz alusão ao das Zonas Autônomas Temporárias – TAZ, escrito por Hakim Bey, em 2011. As TAZ, como o autor prefere chamar, são descritas enquanto espaços temporários que fogem das estruturas formais de controle (social, político, financeiro), trazendo diversos exemplos para demonstrar sistemas sociais não-hierárquicos em que novos territórios podem e devem ser criados a parte das linhas fronteiriças. O sujeito que cria as TAZ já não é mais o sujeito oco de terra, ele está em processo ou já se entupiu de terra, questiona seu papel e suas funções, questiona o que é a vida:
Estamos nós, que vivemos no presente, condenados a nunca experimentar a autonomia, nunca pisarmos, nem que seja por um momento sequer, num pedaço de terra governado apenas pela liberdade? Estamos reduzidos a sentir nostalgia pelo passado, ou pelo futuro? Devemos esperar até que o mundo inteiro esteja livre do controle político para que, pelo menos, um de nós possa afirmar que sabe o que é ser livre? Tanto a lógica quanto a emoção condenam tal suposição A razão diz que o indivíduo não pode lutar por aquilo que não conhece. E o coração revolta-se diante de um universo tão cruel a ponto de cometer tais injustiças justamente com a nossa, dentre todas as gerações da humanidade. (BEY, 2011).
Terra vertida não quer romantizar a terra, mas sim abrir espaço para que ela seja a verdadeira protagonista.
A lógica de consumo em todos os aspectos do ser vivente em cidades contemporâneas perpassa pela domesticação dos sentidos e a validação das zonas que adormecem. A entidade, podemos chamála assim, consumo não quer seres incomodados, mas quer, sim, incomodar momentaneamente para que sejam inventados, produzidos e comprados progressivamente mais itens para o bemestar e simulação efêmera de saciedade:
Muitas experiências de natureza na cidade dependem hoje de artifícios simuladores, gatilhos para processos de subjetificação agenciados por re produções e representações. Alguns desses processos acontecem quando a pessoa depara-se com agenciamentos de sentidos correlatos àqueles de natureza, mas que não se constituem diretos e plenos, pois não se trata dela própria e sim de simulacros produzidos ou resultantes, oriundos de procedimentos de controle da cidade ou estimuladores de consumo. Os simulacros de natureza são agenciadores de fabricações substitutas porque criam realidades que suprem de maneira pobre volições originais e funcionam como intermediadores de uma experiência que traz um tipo de saciedade efêmera (FONSECA; BRITTO, 2019).
Essa entidade também faz uso de diversos mecanismos transitórios, seja pela obsolescência programada para que cada vez mais os aparelhos tecnológicos tenham atualizações e não possam mais funcionar ou, simplesmente, pela falha em pequenas circuitos que quebram e não possam ser substituídas depois de cinco ou até, no máximo, dez anos desde sua produção.
Os minérios subterrâneos extraídos de montanhas (as mesmas que o terra batida conversou durante milênios para saber como seria seu dia) nos locais demarcados preconceituosamente e politicamente enquanto países de terceiro mundo, estão sendo extintas pelos diferentes processos civilizatórios em busca dessa domesticação e afastamento de possíveis zonas de despertar. As
As populações que vivem próximas a essas montanhas estão sendo adoecidas e dizimadas (LACAZ; PORTO; PINHEIRO, 2017).
O oco de terra tem, em realidade, asco da terra. Ele não gosta da sua textura, granulada quando seca e pastosa quando úmida; ele não gosta da sua estética, nos mais diversos tons de marrom, chegando aos roxos e vermelho-sangue Ele não gosta do seu cheiro, entre uma mistura de merda de vaca centenária e matéria orgânica enterrada e estratificada que somente as datações de carbono podem definir. Ele quer tudo branco, liso e sem cheiros.
O consumo do oco está entrelaçado diretamente aos processos que ele legitima em suas escolhas. A globalização e a modernização construíram falácias sobre o distanciamento da área rural e da área urbana, por exemplo, nas cidades, que cooperam com esses simulacros efêmeros onde basta uma praça ou parque para satisfazer a demanda por natureza que alguém possua.
Também consolidam e justificam narrativas que legitimam a duração útil para os produtos decorrentes nesses, pouco mais, que dois séculos. Sendo um exemplo muito próximo e propagado, a Norma Brasileira (NBR) 15575 trata sobre a “Vida Útil Mínima” de uma edificação, a qual impacta diretamente toda a cadeia de produção desde os processos industriais até os profissionais que atuam nessa área. Esta norma dita que o tempo útil da estrutura de uma edificação deve ser de, no mínimo, cinquenta anos, não deixando perspectivas sobre qual o máximo de duração que deveria possuir.
Esquecem, porém, que os mesmos cinquenta anos, amparados pela norma, quase nada significam no tempo para que os mesmos materiais usados nesta edificação possam sequer sonhar em ser reciclados. Somente os tijolos cerâmicos, empregados na vedação de paredes, possui um tempo indeterminado para ser decomposto.
Cada milheiro de tijolo leva entre dez a doze árvores de médio porte para ser queimado. O aço usado nas vigas e pilares demora mais de cem anos para ser decomposto.
Igualmente, esquecem que, antes da invenção dos “ novos materiais”, hoje largamente utilizados, tanto os ocos de terra quanto os terras batida sempre habitaram e construíram abrigos. Há resquícios de edificações feitas com terra, madeira e pedra com mais de nove mil anos, há edificações ainda habitadas com mais de dois mil anos.
A civilização do oco de terra consiste em uma sociedade adormecida. Ligeira, prática, sem se importar sobre os impactos da massiva extração de materiais subterrâneos e poluição da natureza, que sequer se questiona sobre as realidades futuras: os filmes que narram a habitação futura do homem tendem, predominantemente, mostrar esse mundo-por-vir fora do planeta terra, depois da destruição, em busca de novos paraísos:
Acho que nós estamos indo para um buraco tão absurdo [...], lidando com esses seres-árvores que existem muito antes de nós com um desprezo e um abuso tão escandaloso que vamos acabar com as últimas florestas do planeta sem nem prestar atenção, sem saber o nome delas.
Esse é um elemento essencial para um pensamento que tem me provocado: "como a ideia de que a vida é selvagem poderia incidir sobre a produção do pensamento urbanístico hoje?". É uma convocatória a uma rebelião do ponto de vista epistemológico, de colaborar com a produção de vida. Quando eu falo que a vida é selvagem, quero chamar atenção para uma potência de existir que tem uma poética esquecda, abandonada pelas escolas que formam os profissionais que perpetuam a lógica de que a civilização é urbana, e tudo que está fora das cidades é bárbaro, primitivo - e a gente pode tacar fogo (KRENAK, 2022).
Quimera enquanto ilusão ou premonição, as zonas para despertar urgem em mostrar a existência de paisagens que possibilitem um futuro que seja, nas palavras de Krenak, ancestral.
1.3. Escavando o futuro: o elemento de terra batida enquanto forma contemporânea
A busca pela ancestralidade ocorre pelas relações e urgências de pensar e tratar a terra enquanto bem comum e, com isso, ser utilizada com respeito para um possível futuro por-vir. Um dos compromissos buscados por este ensaio, inserido no campo das poéticas visuais, é pelo desdobramento da concepção da apresentação do mundo tal como ele é, com suas diversas materialidades, no intuito de provocar percepções de realidade com o deslocamento dos sentidos e do sensível. No texto “Artes Plásticas, a crise da hora atual”, Frederico Morais diz que: Não por coincidência, o título deste capítulo – Escavar o futurofaz alusão a uma exposição que ocorreu em Belo Horizonte, em 2014, que discutiu as fronteiras compartilhadas entre arte, política, urbanismo e práticas espaciais por meio de uma seleção de trabalhos extremamente acurada. Essa exposição, por sua vez, faz referência a um trabalho feito por Morais, denominado “ARQUEOLOGIA DO URBANO - escavar o futuro”, realizada como intervenção crítica, para a exposição Do corpo à terra, ocorrida em Belo Horizonte em
O artista, hoje, é uma espécie de guerrilheiro. A arte, uma emboscada. Atuando, imprevistamente, onde e quando é menos esperado, de maneira inesperada (pois tudo pode transformar-se, hoje, em arma ou em instrumento de guerra ou de arte) o artista cria um estado permanente de tensão, uma expectativa constante Tudo pode se transformar em arte, mesmo o mais banal evento cotidiano. Vítima constante da guerrilha artística, o espectador se vê obrigado a aguçar e ativar seus sentidos (o olho, o ouvido, o tato, o olfato, agora também mobilizados pelos artistas plásticos), sobretudo, necessita tomar iniciativas A tarefa do artista-guerrilheiro é criar para o espectador (que pode ser qualquer um e não aquele que frequenta exposições) situações nebulosas, inusitadas, indefinidas, provocando nele, mais que o estranhamento ou a repulsa, o medo. E só ante o medo, quando todos os sentidos estão alertas, há iniciativa, ou seja, criação (MORAIS, 1975, p 24-34).
1970. Nessa época, talvez o futuro estivesse próximo:
Morais acreditava viver num momento no qual não existiam posições determinadas como anteriormente, quando críticos, artistas e espectadores tinham papéis bem definidos. Na “guerrilha artística” todos eram guerrilheiros e tomavam a iniciativa. Dessa maneira o artista, o público e o crítico mudariam continuamente de posição e o próprio artista poderia ser vítima de uma emboscada armada pelo espectador ou pelo crítico (MELENDI, 2018).
Essa perspectiva pela expansão do espaço reservado para a arte e a reversão dos papéis tem sido estímulo para as práticas artísticas há muitos anos. Um dos momentos com maiores rupturas, que ainda impactam as visualidades na contemporaneidade, encontra-se pós década de 60, quando a busca por outros lugares (KWON, 2008), como espaços urbanizados – galpões e indústrias abandonados; entre outros - e naturais - desertos; praias; florestas; entre outros –tem seu desdobramento. De forma a cooperar com essa discussão, Smithson escreve a respeito do abandono do espaço destinado aos ofícios do artista:
A noção “clássica” do artista copiando um modelo mental perfeito mostrou ser um erro O artista moderno em seu “ateliê”, elaborando uma gramática abstrata dentro dos limites do seu “ofício”, só leva a uma outra armadilha. Quando as fissuras entre mente e matéria se multiplicam em uma infinidade de lacunas, o ateliê começa a desabar, como na A queda do solar de Usher, de modo que mente e matéria se confundem interminavelmente. Sair do confinamento do ateliê liberta o artista, em certa medida, das armadilhas do ofício e da sujeição da criatividade (SMITHSON, 2009, p. 182 – 197).
Compreendendo as consequências dos processos de entropização das paisagens, como “uma espécie de paisagem que se tornou muito comum e onde encontram-se reunidos elementos que tornam visíveis os impactos do crescimento das cidades” (MARESCH, 2015, p. 30), Smithson busca uma espécie de estado consciencial ao se deslocar para o deserto e ao criar seus “Projetos de Terra”. Ele passa anos se relacionando com essas paisagens,
conceitualizando e materializando seu desencantamento, e de tantos artistas de sua época, com a homogeneização que projeto modernizador das cidades estava colocando em curso. A respeito disso, ele comenta que:
Para mim, o mundo é um museu. A fotografia torna a natureza obsoleta. O meu pensamento em termos de site e non-site me faz sentir que não há mais necessidade de se referir à natureza. Estou completamente absorvido em fazer arte e isto é principalmente um ato de observação, uma atividade mental que aponta diretamente para sites distintos Não estou interessado em apresentar o meio pelo meio [medium for its own sake]. Acho que essa é uma fraque za de vários trabalhos contemporâneos (SMITHSON, 2009, p. 280).
Nesta direção, recentemente, a crítica de arte contemporânea e ativista Lucy Lippard, em seu livro intitulado Undermining: A Wild Ride Through Land Use, Politics, and Art in the Changing West (sem tradução para o português), trabalhou a partir de sua própria experiência vivida no Novo México e inspirada por poços de cascalho na paisagem. A autora perpassa por uma série de temasentre eles fraturamento hidráulico [fracking]; a mineração e seus impactos na paisagem; a arte através da terra; edifícios de adobe e ruínas; direitos indígenas à terra; turismo; fotografia e água. Esses temas são tratados de forma a criar uma espécie de teia que ilumina a relação entre a cultura e a terra. Dos locais sagrados das populações nativas americanas ameaçadas à história da mineração de urânio, Lippard oferece um panorama cético da “economia subterrânea”, que perpassa por toda a civilização globalizada.
Este texto é conduzido pelas discussões a respeito da substituição da terminologia Land Art por Land Use e suas implicações, buscando as relações ambientais, políticas e sociais dentro do contexto da arte. Referindo-se a ideia de Land Use enquanto conceito para ser revogado pela arte, uma vez que, ao
relembrar práticas de Land Art das últimas décadas, ela questiona sobre o quanto realmente tais obras não impactaram negativamente o ambiente que estavam alocadas e, com uma espécie de crítica às praticas artísticas que estão preocupadas com o medium for its own sake, discute a urgência do artista refletir e fazer algo a respeito sobre as paisagens ao seu redor que estão, literalmente, pegando fogo e derretendo.
Para preparar este trabalho colaborativo foram formalizados dois projetos de extensão universitária, envolvendo a Universidade Federal de Pelotas, Universidade do Estado de Santa Catarina, Universidade Federal de Santa Catarina, Instituto Federal de Santa Catarina e a comunidade rural local. Na forma de encontros, os eventos junto a construção da Casa Redonda organizaram-se em duas frentes, a manutenção do grupoalimentação, hospedagem e necessidades individuais - e o trabalho coletivo em diversas oficinas. […] Neste processo, o qual estamos vivenciando, o que estamos buscando é o trabalho colaborativo, que se distingui de outros processos coletivos Enquanto que o primeiro a autoria é compartilhada, e determina o andamento e a direção tomada no grupo Já em processos coletivos, não colaborativos, podem simplesmente realizar o que já está determinado (DAMÉ, 2015).
A casa redonda e suas paredes de terra compactada se estruturam, simbolicamente, com o deslocamento do ateliê cerrado em paredes – consequentemente a ruptura da representação que esse espaço produz – para o mundo, local em que a própria utilização da terra, dos materiais e das circunstâncias provindos dela, e a construção colaborativa de significados para o lar a muitas mãos são possíveis e urgentes. Quando Morais fala que o artista, o público e o crítico mudariam continuamente de posição talvez seja essa a direção que ele está prevendo, a qual, inclusive, põe em questão a legitimidade de autoria individual nos processos artísticos.
Neste percurso, é necessário não somente que a queda do ateliê ocorra, mas também – e com a mesma intensidade – que exista a partilha e o comum acordo entre as partes nesse processo para que o estúdio permaneça no mundo: os acordos possuem raiz no compartilhamento espacial-temporal entre quem faz uso do mundo enquanto espaço de produção poética e quem passa, vive e precisa conviver com esses processos. Em outra perspectiva de compartilhamento, Rancière busca afirmar por meio do conceito de partilha do sensível a dimensão estética da política:
Pelo termo de constituição estética deve-se entender aqui a partilha do sensível que dá forma à comunidade. Partilha significa duas coisas: a participação em um conjunto comum e, inversamente, a separação, a distribuição em quinhões. Uma partilha do sensível é, portanto, o modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes exclusivas (RANCIÈRE, 1995).
Com essa partilha, é possível compreender a existência de planos comum sensíveis dos corpos, do compartilhamento de histórias e dos processos de subjetificação, sendo, em muitas vezes, essas práticas que se alicerçam na ideia de que "o poético diz sempre a essência do agir, não mecânico, funcional, mas realização no e pelo sentido da compreensão e compreensão do sentido. Por isso, poíesis
diz a energia de sentido e compreensão" (CASTRO, 2015).
O uso sensível dos espaços, das relações e das paisagens, combinados às dimensões políticas e locais dos mesmos, é elemento essencial para que os processos de compactação de terra batida para criação dos monólitos de terra apresentadas ao longo deste texto possam suceder.
HABIT A
TERRA
AHABITAR TERRA
2. Lar vertido à muitas mãos.
A house is not a home.
Uma casa não é um lar (Gifford, 1997; p. 194)
Para nos aproximarmos das muitas mãos que se vertem sobre um lar, sugiro uma derivação. Antes que possamos falar sobre as habitações de terra propriamente construídas, suas técnicas, seus desafios, seu local de implantação e a comunidade em que tais edificações estão inseridas, faremos uma breve investigação sobre o uso simbólico das palavras.
A palavra Lar muitas vezes se confunde com a palavra Habitação. Podemos pensar que lar se aproxima mais de habitar, por estarem em funções ativas na ação, do que de habitação, que se direciona mais ao lugar físico e estático. Como diz Christian Norberg-Schulz, estamos acostumados a definir o habitar como “ter um teto sobre nossas cabeças e um certo número de metros quadrados à nossa disposição”; ou seja, entendemos o conceito de habitar “em termos materiais e quantitativos” (Norberg-Schulz, 1985; p. 12). Habitar e lar não precisam necessariamente de um lugar fixo – residência, vivenda ou paredes e coberta – mas podem existir nas ações
Segundo o dicionário Priberam da Lingua Portuguesa, encontramos as seguintes definições para auxiliar nessa análise:
contínuas do morar, do habitar, do preservar ou do viver. Habitamse muitos lugares. Faz-se lar de diferentes contextos e, como diz Martin Heidegger em seu pensamento e análise sobre o conceito de habitar, esses se estendem para além da estrutura física chegando até mesmo a ser a “maneira como os homens fazem seu caminho desde o nascimento até a morte, sobre a Terra, sob o céu” (Heidegger, 1982). ha-bi-ta-ção - (latim habitatio)
1. Casa, lugar de residência. ha-bi-tar - (latim habito)
2. Compartimento (de uma casa) próprio para estância.
3. Moradia, residência.
1. Ter a sua residência em. = MORAR, VIVER
2. Prover de população ou de residentes. = POVOAR
3. Estar presente em.
lar - (latim Lar, protetor da casa – Lares, Deuses que protegem a casa)
1. Local onde mora uma família.
2. Grupo de pessoas que vivem na mesma casa.
3. Terra onde alguém nasce.
A habitação tende a ser definida em termos que direcionam a algo físico, material – a casa em si e até mesmo determinado compartimento dela. Habitar tende a se desdobrar em práticas –morar, viver, povoar, estar presente. Lar, derivando de Lares –divindades romanas que poderiam proteger ou prejudicar a família romana em suas casas – parece ser uma mistura entre o espaço físico, porém não possuindo demarcações definidas ou uma certa inércia, como o primeiro. O fato de existirem mais seres e circunstâncias que validem a existência e a contextualização desse local também é um aspecto particular dessa definição – onde mora uma família. O terceiro significado de lar, terra onde alguém nasce, é um dos possíveis caminhos que essa investigação pretende utilizar para se orientar. Seguindo no conceito de habitar de Heidegger, para complementar sua ideia, ele comenta que este caminho desde o nascimento até a morte seria “o aspecto fundamental da habitação, enquanto permanência humana entre o céu e a terra, entre o nascimento e a morte, entre a alegria e a dor, entre a obra e a palavra”, dissolvendo-se por completo a necessidade de limitar em metros quadrados o habitar, chegando a considerar o mundo como a própria “casa que habitam os mortais” (Heidegger, 1969).
Fazer o lar como caminhar diário. Habitar como o fato de estarmos “sempre a caminho”, o que “nos possibilita escolher tanto um lugar, quanto um determinado tipo de companhia para nós. E é ao nos assentarmos em determinado lugar, que nos encontramos a nós próprios, estabelecendo, assim, nosso próprio estar-no-mundo” (CAMARGO, 2007, p. 25).
Encontrar a nós próprios pisando na terra onde nascemos. Essa observação não se direciona para o conceito de terra enquanto fronteira tal como concebida em mapas geográficos, guiando-se
mais, se assim preferirmos, para a geomofologia e a terra enquanto elemento, relevos, planícies, chapadas, traçado de riachos e rios, assim como a origem e a evolução dessas paisagens.
Procurar qual a terra onde nascemos.
Moldar os caminhos ao habitar os espaços entre o céu e a terra talvez seja a direção para o lar que se verte em muitas mãos. As práticas do habitar, tais como povoar e estar presente, exigem o encontro com outras mãos, outras pessoas, outras histórias. Ninguém que habita o faz sozinho.
Procurar o que existe entre o céu e a terra.
2.1. Sobre os aspectos políticos e materiais do lar
Torna-se necessário também investigar a ideia sobre a construção das paisagens e a reconstrução do olhar ao longo dos processos de modernização, com as conformações sociais e temporais entre as mudanças entre cidade e campo, e as reflexões dessas mudanças para o conceito de lar
Essa conceituação perpassa por modificações temporais por meio do uso de materiais que se deslocam dos naturais e chegam aos industriais; dos processos de construção das habitações e da aceleração com que elas precisam ser construídas.
Para que o lar, ou o habitar, exista, é necessário sim um espaço, um lugar ou um local físico, que reforce as possibilidades do caminhar que Heidegger compactua, não se restringindo às limitações comentadas anteriormente. Desde muito cedo, o caminhar e o estar-no-mundo do ser humano enquanto espécie e grupo se mesclou ao habitar natural. O habitar natural, consequentemente, implicaria em um certo grau de domesticação deste determinado meio natural (Norberg-Schulz, 1997; p. 13), em que a escolha do local da habitação, os materiais a serem utilizados e a construção social, comercial e familiar ao redor deste espaço estaria necessariamente vinculada às demandas do agrupamento lá fincado.
Este local, então, seria escolhido e construído para que as necessidades e seguranças do grupo pudessem se fortificar, perpassando pela proteção contra animais selvagens, intempéries, contra outros grupos humanos e demais situações ao longo da história humana sobre a terra.
A propagação das cidades modernas – com larga utilização de concreto, ferro, aço e asfalto – é recente, ainda que muitas vezes pareça que sempre existiram, por seu largo espraiamento:
O concreto armado é um processo construtivo inventado na Europa em meados do século XIX. Ele consiste na combinação do concreto – uma pasta feita de agregados miúdos e graúdos, cimento, areia e água, conhecida desde a Antiguidade – com uma armadura de aço. […] Inicialmente empregado apenas em embarcações e tubulações hidráulicas, a partir de fins do século XIX o concreto armado passa a ser utilizado também nas edificações Junto com o aço e o vidro, ele constitui o repertório dos chamados “novos materiais” da arquitetura moderna, que são produzidos em escala industrial e viabilizam arranha-céus, pontes, silos, estações ferroviárias ou, em suma, aqueles novos objetos arquitetônicos característicos do cenário do mundo modernizado do século XX (BENEVOLO, 1976, p.42).
Não à toa, uma das principais consequências destes últimos três séculos culmina em diferentes processos de homogeneização de culturas:
O processo de homogeneização da cultura, o projeto de criação de uma cultura comum, deve ser entendido como um processo [...] da necessidade de ignorar ou, na melhor das hipóteses, de refinar, sintetizar e misturar diferentes locais. [...] O fundamento não é a eliminação das diferenças, os vestígios do regional e das afiliações étnicas locais, mas a percepção do direito do Estado agir assim, o fato de que tais laços são retrógrados, desviantes e precisam ser neutralizados através da educação e dos processos civilizatórios (FEATHERSTONE, 1990; p. 142).
Ao compreender que as escolhas por determinados materiais e processos para criação do lar e da habitação validam determinadas narrativas desta história, sejam elas as industriais e as homogeneizadas ou as mais próximos das naturais e manuais, estamos escolhendo (gosto de pensar que estamos sendo obrigados à) cooperar com processos de destruição do mundo ou processos que ajudem a adiar o fim do mundo (KRENAK, 2020).
Quando buscamos quais os meios naturais e a forma que existem para o habitar natural, encontramos as pedras, as madeiras e o barro/ a terra que construíram a base sedimentar do habitar enquanto
abrigo, enquanto proteção, enquanto cuidado, enquanto cultivar durante os últimos, pelo menos, nove mil anos (MINKE, 2015) antes da revolução industrial. Para Arendt, a ideia de cultivar para habitar traz consigo o espírito de tomar conta, de criar e de preservar, estando a palavra cultura essencialmente relacionada ao “trato [carinhoso] do homem com a natureza, [...] até que ela se torne adequada à habitação humana” (Arendt, 1992; p. 265). Para Krenak, guardião da floresta enquanto lar:
Historicamente, a cidade se opõe a esse lugar que a gente chama de floresta, a ponto de todo imaginário infantil usar um chapéu vermelho e ser ameaçado por um lobo, ou um lobisomem, uma peste, um bicho qualquer que vai pular de dentro da floresta para comer a gente […] Essa narrativa é muito maldosa mas teve um grande efeito (KRENAK, 2022; p. 50).
Essas narrativas consolidam as ideias que a floresta, ou o lugar que busque viver junto ao habitar natural, é um lugar primitivo, atrasado, inseguro e a cidade moderna é a principal realização da sociedade civilizada, onde tudo acontece, tudo se passa, onde tudo é bom. Uma das principais consequências dessa história no Brasil, desde metade do século 20, foi o êxodo rural:
Segundo censo do IBGE de 2010, 84% da população brasileira vive em áreas urbanas (160.879.708 milhões), enquanto 16% no meio rural (29.852.986 milhões). No Brasil, essa transformação espacial ocorreu tanto pelo êxodo rural provocada pela industrialização no sudeste quanto pela modernização tecnológica e conservadora que chegou aos campos a partir, principalmente da década de 60, alterando significativamente a distribuição da população no território brasileiro […] A estrutura política pautada na modernização técnica do grande latifúndio e na expansão agro mercantil do Brasil no período pós 64, impactou diretamente a população brasileira, visto o crescimento espantoso da população urbana devido à pobreza das regiões rurais, sem uma infraestrutura urbana que comportasse essa migração (NASCIMENTO et al., 2017).
Dessa maneira, a paisagem da habitação natural, e por
consequência, do lar das pessoais e seres que aí estão, finda em se moldar aos caprichos da modernidade. Onde antes moravam pessoas que estariam dispostas ao trato cuidadoso com a natureza para a habitar, encontramos o solo impermeabilizado, as monoculturas e os loteamentos que cortam a terra em quadrados, retângulos e círculos.
Um dos impactos mais comuns desses caprichos são os encontrados dentro das cidades, com a própria transformação urbana por meio do rápido fluxo de acontecimento, com a verticalização de bairros, desvios e canalizações subterrâneas de rios (PRADO, 2022) e a aceleração dos meios de locomoção, que transforma significativamente o tempo de assimilação do olhar –vemos mais e temos muitos sentidos aflorados andando a pé do que de carro, mas “gastamos” muito mais tempo na primeira situação do que na segunda, por exemplo.
A própria ideia de gastar o tempo é decorrente da modernidade Como diz Larrosa (2002): “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo
tempo, quase nada nos acontece”. Ele limita a experiência, consequentemente o estar-no-mundo, pelo que nos passa, pelo que nos toca e a não-experiência no que apenas passa, que não possue presença suficiente para se transformar em conhecimento ou novos sentidos, seja pela velocidade com que ocorrem ou pela falta de sentido. Sobre essa espécie de domesticação da natureza e apatia na construção do olhar na cidade contemporânea, Fonseca e Britto provocam:
Desde o início do urbanismo as relações entre as cidades e as naturezas atravessam a maioria das teorias e práticas utilizadas na construção da cidade contemporânea A natureza vem sendo modificada e adaptada ao longo deste percurso histórico, passando por transições que configuram de diferentes formas a sua presença e a sua ausência no projeto urbano, desde o clássico até o moderno, do jardim à cidade jardim, do fútil ao utilitário, da ruína à utopia, da experiência ao simulacro (FONSECA; BRITTO, 2019).
Os recortes brutos na paisagem causados pelas minerações e plantações no modelo intensivo, que fazem uso de insumos (venenos e sementes modificadas) e tecnologia (maquinário pesado) para o aumento da produtividade e redução nos prazos entre plantio e colheita também são efeitos de uma habitação que não é lar.
No estado do Ceará há uma comunidade chamada Tomé, inserida na região na Chapada do Apodi, município de Limoeiro do Norte, que desde a década de 90 tem passado por uma progressiva, impactante e intensa mudança em sua paisagem por meio de plantações de monocultura. Tais plantações acarretam diversos problemas, como o uso intensivo de venenos, que ficam no ar, solo e água dessa região (AGUIAR, 2017), que culminam no adoecimento dos habitantes desse local.
As imagens a seguir foram retiradas do programa Google Earth e mostram o histórico da modificação dessa região nos anos de 1985, 2010 e 2022. A nitidez da primeira imagem não é tão clara quanto as
demais, mas é possível acompanhar o crescimento dos círculos e dos retângulos com plantações nesses anos.
Se o trato adequado do ser humano com a natureza faz com que ela se transforme em um lar, possivelmente o destino da destruição desse habitar natural culminará em uma terra arrasada:
O que é feito de nossos rios, nossas florestas, nossas paisagens? Nós ficamos tão perturbados com o desarranjo regional que vivemos, ficamos tão fora do sério com a falta de perspectiva política, que não conseguimos nos erguer e respirar, ver o que importa mesmo para as pessoas, os coletivos e as comunidades nas suas ecologias. […] Precisamos ser críticos a essa ideia plasmada de humanidade homogênea na qual há muito tempo o consumo tomou o lugar daquilo que antes era cidadania. José Mujica disse que transformamos as pessoas em consumidores, e não em cidadãos (KRENAK, 2020, p 24).
A reconstrução da paisagem passa também pela compreensão das obrigações em retornar à ideia de que a terra onde alguém nasce, o caminho feito sob o céu, deve ser um local a ser preservado e cuidado. Jacobs (2019, p. 131, tradução da autora) escreve que: “as destruições industriais das paisagens algumas vezes abrem espaço para um verdadeiro renascimento ecológico”, revelando, como fotógrafo, paisagens de vários países que se transformaram com o declínio da revolução industrial, trazendo aspectos rururbanos:
A região do Ruhr, na Alemanha, é uma das instâncias mais discutidas desse fenômeno. Também nos Estados Unidos, cidade e campo estão se fundindo. Durante as décadas de 1970 e 1980, novas concentrações urbanas surgiram nas periferias das grandes cidades e desenvolveu-se um novo padrão de assentamento de baixa densidade, que Leo Marx chamou de ruburbia De acordo com Marx, esse fenômeno se relaciona com uma antiga tradição antiurbana americana, que reconciliou os ideais pastoris com a fé no progresso tecnológico - uma tradição que ele mapeou em seu livro seminal, The Machine in the Garden (1964) (JACOBS, 2019, p 131, tradução da autora).
Nessa perspectiva, na região do Cariri é possível encontrar paisagens que se estendem e se conurbam entre áreas urbanas e áreas rurais, com intersecções sociais, culturais, naturais e religiosas que constroem um legado de práticas com a terra.
2.2.
paisagens
No outro extremo do estado do Ceará, existe a região da Chapada do Araripe. Diferentemente do que ocorre na região da Chapada do Apodi, a do Araripe abriga a Floresta Nacional do Araripe – FLONA, uma área de proteção ambiental - APA, desde 1946. A chapada é uma região que limita os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, e abarca a Região Metropolitana do Cariri, com 29 municípios, com um berço de cultura natural e regional:
Do ponto de vista geomorfológico, a Bacia do Araripe exibe a chapada como principal unidade que se encontra sustentada pelos arenitos da Formação Exu. A topografia da chapada apresenta relevo tabular, com altitudes médias em torno de 900m. A porosidade dos arenitos da Formação Exu justifica a ausência de escoamento superficial no topo da chapada, com ação fluvial praticamente nula em termos de entalhe. No entorno da chapada observa-se as depressões periféricas formadas a partir de processos erosivos regressivos Apesar do topo da chapada contar com uma rede de drenagem superficial praticamente nula, as camadas sotopostas apresentam uma leve inclinação para leste, favorecendo a ocorrência de cursos d'água nas depressões periféricas (BASTOS et al, 2016).
Essa inclinação e formação geomorfológica da chapada faz com que a região seja comumente conhecida como um “oásis no sertão”, repleta de nascentes, vegetações com as mais diversas características, animais endêmicos, entre tantas outras belezes que, consequentemente, auxiliaram no desenvolvimento de diversos povoamentos ao longo de toda a sua formação e história, além dos povos originários desse local, como os Kariris.
Para mais informações, checar a página oficina do Instituto Chico Mendes de C o n s e r v a ç ã o d a B i o d i ve r s i d a d e – I C M B i o D i s p o n í ve l e m : <https://www.gov.br/icmbio/pt-br/assuntos/biodiversidade/unidade-deconservacao/unidades-de-biomas/caatinga/lista-de-ucs/flona-do-araripeapodi>. Acesso em 20 de dezembro de 2022.
Segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, nos 29 municípios que compõem a região, haviam 668.130 habitantes na área urbana das cidades e 293.888 hab na área rural, totalizando 962.018 habitantes Os moradores da área rural correspondem em média de 30,54% da população (CEARÁ, 2016), quase o dobro que média maior que a nacional, com 16%. No entanto, é necessário compreender que há um inconveniente básico para se definir o meio rural enquanto delimitação administrativa no Brasil:
O mais importante, entretanto, é que o critério de patamar populacional não permite uma abordagem regional da ruralidade. Ele nos diz que tal localidade ou tal município é ou não rural — segundo os critérios estipulados —, mas não é capaz de indicar se existem regiões ou territórios mais ou menos rurais. Uma aglomeração populacional de 25 mil habitantes cercada por pequenos povoados e distritos de 2 ou 3 mil habitantes será caracterizada — a justo título — como urbana, mas sem que se tenham instrumentos estatísticos que permitam perceber que ela está no meio de uma região que, globalmente, é rural (IBGE, 1996).
Na prática, a região do Cariri possui cidades de médio a pequeno porte, com urbanização em áreas concentradas, possuindo aspectos rurais muito próximos aos da zona urbana, com atividades agropecuárias, culturais, religiosas e sociais que ocorrem de maneira independente da região central dos municípios. Saraceno (1999) auxilia na construção da concepção do que é rural, quando diz que a “ruralidade é um conceito de natureza territorial e nãosetorial e o mesmo se aplica à noção de urbano”, trazendo a discussão inclusive sobre o pressuposto da multissetorialidade do meio rural, permitindo que não se suponha que o campo tenha se “urbanizado”:
As cidades não são definidas pela indústria nem o campo pela agricultura Existe uma notável convergência na literatura internacional em torno de três aspectos básicos sobre o meio rural: a relação com a natureza, a importância das áreas não densamente povoadas e a dependência do sistema urbano (BRASIL, 2000).
Dessa maneira, falaremos sobre as cidades de Juazeiro do Norte e Crato, duas localidades cujas casas de bioconstrução foram acompanhadas ao longo desta dissertação, durante o ano de 2021.
Encontrar a terra adequada à construção de uma habitação é tarefa minuciosa:
Exige compreender sobre a localização de espaços – legais –possíveis de ser retirada, uma vez que muitas casas não terão o que fazer com um buraco cavado em lote próprio após ser retirada a terra;
É possível construir cisternas enterradas, lagos e açudes no buraco cavado, caso seja uma escolha do morador;
Tocar, sentir o cheiro, sentir a textura e demais percepções que não necessitem de equipamentos minuciosos para essa operação é etapa imprescindível para uma escolha assertiva;
Devem ser escolhidas terras de diversos locais e feitos testes para checar a melhor qualidade;
Quase toda terra pode ser usada para construção, exceto a que possui camada de matéria orgânica (camada geralmente superficial do solo), com raízes, insetos e demais microorganismos; A terra se divide basicamente em: matéria orgânica, argila, silte e areia/pedriscos.
Os testes possíveis de serem feitos em obra/casa passam pela separação de granulometrias dos elementos da terra, por meio da inserção de um punhado de terra em um vidro ou garrafa com água, homogeneizando essa mistura e deixando-a decantar até que seja possível diferenciar as camadas.
Há diversos testes possíveis para a mistura adequada da terra (teste da bolinha, teste da secagem, corpos de prova, etc) (LENGEN, 2019).
2.3. Canteiro de obras.
Às vezes fazer algo não leva a nada,
às vezes não fazer nada leva a algo (ALŸS, 2002.
O canteiro de obras atua em duas justaposições: poeticamente e construtivamente. Poeticamente por meio da compreensão estética dos processos construtivos enquanto reconstrução de paisagens e discussões de seus resultados enquanto “decisões de reinterpretação daquilo que a arte faz ou daquilo que a faz ser arte” (RANCIERÈ, 2009, p. 36), utilizando de ferramentas que apresentam o próprio mundo enquanto estúdio e canteiro fértil de processos artísticos. Construtivamente, remetendo ao local do canteiro que dá suporte a execução de obras de construção civil propriamente dita, acompanhado de todas as relações, dificuldades e conquistas ai atravessadas.
2.3.1.
Hiperadobe
A técnica de construção denominada hiperadobe está há dezessete anos sendo empregada nas obras com terra em várias regiões do país (SANTOS, 2015). Seu nome é uma união entre as palavras “hiper” e “adobe”. Cabe uma rápida apresentação Desses termos (SOARES, 2007).
Antes do hiper, há o superadobe e, antes dele, há o adobe propriamente conhecido Sendo largamente empregado durante milhares de anos em inúmeras regiões ao redor do globo, os tijolos chamados adobe ainda hoje são estruturas fundamentais de edificações milenares pelos países do oriente médio. Mais recentemente, movimentos como a permacultura e a bioarquitetura têm se voltado para técnicas e soluções que impactem menos a natureza:
A construção com adobes ou blocos de barro se propagou por todos os climas quentes e secos, subtropicais e temperados no planeta. Encontram-se no Turquisão, Rússia, construções de adobe que datam 8000 a 6000 a.C e na Síria há 4000 a.C. A arte de construir abóbadas e cúpulas com adobes e sem cofragens se propagou muito nas culturas antigas. Durante séculos, os índios do povo Taos, Novo México, construíram suas habitações com adobes, utilizando a terra do local, a água dos rios próximos e a palha das suas colheitas de cereais (MINKE, 2015)
A elaboração dos tijolos em adobe consiste em uma mistura de barro, água e palha, obtendo-se uma massa com consistência um tanto pastosa, não muito líquida. O barro utilizado deve mais arenoso do que argiloso. Essa mistura, quando bem homogênea, é então lançada dentro de uma forma (geralmente) feita de madeira, com dimensões variáveis para cada cultura e tipo de edificação. Com o passar dos anos e trocas entre culturas, foi-se elaborando melhores formas e moldes para facilitar e agilizar o processo de feitura dos tijolos (MINKE, 2015, p. 73).
Os adobes são deixados para secar e curar à sombra, em local protegido de umidade Inverte-se a posição que estão para secarem uniformemente a cada 3 a 5 dias, dependendo do clima (SOARES, 2007, p. 22).
É importante apresentar os dois possíveis processos de construção com os adobes: quando os tijolos possuem medidas largas e altas o suficiente para que a construção seja estrutural, ou seja, sem a necessidade do uso de pilares. Isso faz com que a parede seja levantada somente com os tijolos e uma massa pastosa parecida com a qual o tijolo foi fabricado, sendo um procedimento parecido com a da construção convencional com tijolos cerâmicos e argamassa com cimento. Outro processo é quando os adobes são utilizados apenas como fechamento das paredes, sendo necessário a montagem de pilares e vigas para que, posteriormente, os tijolos entrem como vedação desse esqueleto, utilizando a mesma
argamassa de terra para colar os tijolos (MINKE, 2015, p. 78).
Parte das edificações convencionais atualmente são feitas com a construção desse esqueleto com concreto armado, tijolos queimados e argamassa de cimento, mesmo havendo já opções autoportantes no comércio, como os blocos de terra compactada (BTC) e os blocos de cimento estrutural. Em qualquer um dos métodos empregados é necessário utilizar ferramentas comuns como prumo e nível para erguer as paredes. A opção da alvenaria estrutural tende a ter valores de execução mais baixos que a opção por meio de execução da alvenaria como vedação.
O esclarecimento acerca das diferenças entre o adobe para estrutura e o para vedação é importante para que possamos
discorrer sobre as tecnologias mais recentes.
Diferente do histórico milenar do adobe, o superadobe foi desenvolvido em 1980, por um iraniano e arquiteto chamado Nader Khalili. Desde a década de 70 ele estudava formas para o desenvolvimento de habitações de baixo custo para países de terceiro mundo, passando anos nos desertos do Irã até conseguir soluções.
As paredes com a técnica em superadobe são erguidas simplesmente com sacos contínuos de polipropileno tecido (PP-T) (SANTOS, 2015, p. 116) preenchidos com subsolo. Esse tipo de sacaria é parecido com sacos de trigo usados em padarias mas, em vez de serem utilizado unitariamente, é um rolo contínuo, que
possuem entre 35 a 40cm de largura, criando um grande isolamento térmico dentro das edificações:
As construções feitas com essa técnica são sólidas como uma rocha, podendo resistir até a terremotos O superadobe é, talvez, a maneira mais simples de construir com terra, pois não é necessário fazer qualquer teste com o material, não é preciso peneirar a terra, nem moldá-la e nem acrescentar palha. As paredes são erguidas muito rapidamente, mas é preciso ter uma equipe de, pelo menos, cinco pessoas (SOARES, 2007, p. 27).
Essa sacaria é preenchida com o subsolo, por meio de um pedaço de cano no início do saco que funciona como funil. Uma pessoa precisa segurar esse saco, enquanto uma segunda despeja os baldes dentro do saco, uma terceira enche os baldes, uma quarta traz a terra para perto da construção e uma quinta, ou ainda mais pessoas, apiloa as partes que já estão cheias. Este apiloamento é necessário ser feito verticalmente para que a linha possua uma mesma altura contínua, sem grandes desníveis, e horizontalmente, para que as bordas fiquem aprumadas e mais quadradas que redondas, diminuindo o uso de reboco posteriormente.
Dois dos contratempos encontrados nesta técnica é a necessidade de utilizar arame farpado entre as linhas, para que as fiadas criem aderência na sacaria de plástico, e a queima da capa de plástico com maçarico ou a fixação de telas nas paredes para que possa ser aplicado o reboco.
O hiperadobe, por sua vez, utiliza-se de processos construtivos das fiadas nas paredes muito parecidos com os do superadobe, sem os contratempos apresentados acima. Sendo uma técnica desenvolvida por um engenheiro brasileiro chamado Fernando Soneghet Pacheco em parceria com a empresa Citropack, em 2006, a principal diferença está no tipo de sacaria utilizada, permanecendo uma sacaria contínua, mas feita com malha Raschel (PEAD-MR) (SANTOS, 2015, p. 117), a mesma malha utilizada em sacos de
de laranjas, batatas e outros itens encontrados em feiras e mercados Os contratempos encontrados nesta técnica são a necessidade de fazer testes com a terra e peneirá-la para poder encher as sacarias.
Em ambas as técnicas, super e hiperadobe, é preciso criar isolamento contra a umidade do solo, sendo comumente utilizado um tipo de rodapé feito de pedra e concreto; os vãos podem ser preenchidos com argamassa de cimento e vergalhões para formar vergas, vigas e cintas de amarração; cada fiada precisa estar alinhada com a de baixo, para que a edificação se mantenha aprumada e não ocorra flambagem; as paredes, depois de rebocadas, possuem entre 40 a 45cm de largura; o clima para sua execução precisa estar seco e sem chuvas; há forte desgaste físico dos construtores e ambas são autoportantes.
HASTE DE MADEIRA
ESTRUTURA DE METAL
ENCAIXE
Baixio das Palmeiras
O Baixio das Palmeiras é um distrito rural da cidade do Crato, no extremo sul do estado do Ceará. Esse distrito é formado por famílias que habitam esse local há gerações, compartilhando um cotidiano próximo ao comunitário com parentes, vizinhos e pessoas próximas. Repleto de roçados e plantações, a maioria dos seus moradores utilizam a terra como forma de subsistência, cultivando pomares com laranjeiras, mangueiras, jambeiros, macaxeiras, feijões, favas, jerimum e diversos outros. Algumas famílias comercializam parte dos produtos que excedem o consumo em feiras locais e outras estocam para o restante do ano (NOBRE, 2015). Os terrenos são identificados pela medida de tarefa, cuja metragem é de 3060 m², ou glebas e divisões deste espaço. O distrito possui certa autonomia da região central da cidade, com igrejas, escolas, posto de saúde e uma rede de comércio local. A mobilidade nesse distrito é feita com veículo próprio, ônibus escolar ou D20 adaptada para transporte coletivo. A pavimentação, em grande parte, é feita com pedra tosca e terra batida. Parte das residências, principalmente feitas antes dos anos 2000, foram construídas pelos próprios moradores, por meio de mutirões junto a vizinhos e familiares. Muitas casas eram feitas com material local, seja através da técnica de taipa de sopapo, conhecida também como taipa-de-mão, ou um tipo de tijolo que era queimado no terreiro da própria casa. Ainda hoje há diversas casas de terra preservadas no Baixio.
Zé de Téta, Nina, Liro, Kaka e Sr. Luiz são alguns dos moradores deste local que auxiliam nas movimentações e encontros que ocorrem no Baixio. Para além das personalidades extremamente destoantes entre eles, o roçado e a luta comunitária os une e faz com que cada um valorize seu território e suas histórias por meio de seus territórios.
Ao verter-se com a terra, na raiz etimológica do versar enquanto escrever linhas sobre a terra, linhas que são resultados de cultivos, considera-se que os protagonistas cuidadores de suas terras são sujeitos criadores. Em um texto intitulado “Da estética à Poética”, o autor Passeron (2012) escreve sobre isso, dizendo que:
O sujeito criador nem sempre é um indivíduo, mas pode muito bem ser uma entidade coletiva, seja por colaboração voluntária de alguns, seja pelo efeito de uma criação continuada como a de uma língua viva que cada geração modifica ao falar, sendo o que se chama “língua natural”, com toda a evidência, uma obra. Assim acontece com grandes instituições e civilizações cujas particularidades e evolução a história nos descreve (PASSERON, 2012)
Sujeitos criadores, esses e tantos outros, que constroem suas próprias paisagens e fincam pés na terra onde fazem seus lares no habitar natural. Longe de inserir figurações românticas nessa construção, mas sim muitos calos nas mãos e suor nas testas ainda é possível acreditar que a sub-humanidade é praticável.
A casa de terra construída nessa localidade está inserida dentro de um terreno particular com um pouco mais de uma tarefa. Em meio a vegetação, as paredes largas de terra puderam criar uma paisagem mesclando monólitos de terra e árvores. As paredes de terra chegam aos cinco metros de altura, com linhas de terra sobre linhas de terra. Essa edificação possui algo próximo a 300 m², sendo erguida durante os meses de março e outubro de 2021. Os construtores que executaram essa edificação variaram consideravelmente, muitos trabalhavam em seus roçados e tiveram que dedicar tempo nas colheitas e plantios, outros desistiam pela distância. Mesmo com as oscilações, haviam entre 8 a 14 pessoas trabalhando durante essas etapas. Há algo próximo a 150 toneladas de terra compactada nessas paredes.
As ocupações e crescimento urbano do bairro Cidade Universitária, localizado na cidade de Juazeiro do Norte, são extremamente recentes, quando comparadas ao histórico do distrito rural. Com a construção da universidade nesse local, em 2013, o bairro surgiu e tem se solidificado por meio da expansão urbana com loteamentos, condomínios fechados e poucas redes locais de comércio, como mercados e padarias.
Com uma perspectiva que busca se alinhar com as urbanizações brasileiras de cidades de médio porte, com todos os ônus que essa perspectiva se valida, seus asfaltos e suas casas envidraçadas não deixam muito espaço para que os pomares possam crescer.
Esses loteamentos inserem piquetes na paisagem, demarcando os terrenos a serem vendidos em glebas menores que variam entre 10 m x 25 m ou 7,5 m x 30 m, medidas que ficam próximas de 250 a 225 m², cerca de 8% do tamanho de uma tarefa.
Geralmente os espaços verdes encontrados são dos terrenos aguardando a construção de habitações em sua superfície ou, em m u i t o s c a s o s, a e s p e c u l a ç ã o i m o b i l i á r i a a u m e n t a r consideravelmente o valor dessa terra. Raros são os espaços destinados a parques, praças e áreas de convivência.
Os loteamentos neste bairro acompanham o crescimento urbano do município nos últimos dez anos, que se espraia em diversas direções. Não à toa, a modificação da paisagem que ocorre nessa região - antes com aspectos rurais, com divisão por tarefas, com pastos, roçados e plantios – perpassa pela lógica de empurrar qualquer visualidade que empobreça as imagens que os avanços da modernidade representam para as bordas e áreas periféricas da cidade, de forma a vender terrenos urbanizados, porém muito aquém das promessas, uma vez que não possuem ao menos rede de
tratamento de esgoto. De urbanização só há o asfalto, os pequenos lotes e a facilidade de locomoção para outros bairros. Diferentemente do histórico familiar no Baixio das Palmeiras, essas glebas são ocupadas por pessoas vindas dos mais diferentes locais, com diferentes profissões e anseios. Isso acabou culminando na aproximação da família interessada em habitar um lar feito com uma técnica não convencional, mais saudável para seus filhos e que gerasse baixo impacto ambiental, com os benefícios de paredes que possuem isolamento térmico em um local extremamente quente.
A construção de terra feita nesse local está dentro de dois terrenos particulares, que juntos somam as medidas de 15 m x 25 m, totalizando 375 m². Como as paredes de hiperadobe são mais espessas que as convencionais de bloco cerâmico, optaram por adquirir dois lotes para que pudessem ter uma pequena área de lazer e área verde na casa. A área construída da residência totalizou 210 m², dividida em dois módulos: área privativa com quartos e área social com cozinha, sala e despensa. A cobertura da área privativa foi feita com uma laje volterrana com concreto armado, pare que possa receber um telhado verde, chegando aos 3,5 m de altura A cobertura do módulo social foi feito com telha cerâmica convencional, mas para chegar na inclinação adequada o pé direito chega a 5,5 m de altura. A casa foi construída entre os meses de junho e dezembro de 2021, tendo momentos em que a equipe ficou reduzida entre 2 a 3 pessoas, para contenção de gastos, e outros que tinham entre 8 a 12 pessoas trabalhando diariamente. Há algo próximo a 180 toneladas de terra compactada nessas paredes.
2.4. Como medir o peso da terra em tempos de carradas.
Chamada de telefone com J, caminhoneiro que entregou terra em carradas em alguns momentos entre os meses de maio e junho de 2021:
- Fala J, tudo em paz por ai cara?
- Fala, tudo na santa paz aqui! Mande as ordens.
- J cara, tâmo construindo mais casas de barro esse ano bicho, tô precisando saber onde encontrar terra pra tirar as amostras e ver se prestam…
- Eita, esses últimos meses tá difícil, com tanta chuva o caminhão não tá entrando nas barreiras e a fiscalização fechou as duas que dava pra entrar.
- Putz, e ali perto das olarias, onde queimam os tijolos, eles não vendem não? Ou perto da obra da avenida do Juazeiro?
- Olhe, das olarias tem um conhecido meu que até podia vender, mas acho que ele vai cobrar umas três vezes o valor que eu cobro
- Ixi, ai quebra as pernas….
- É, mas deixa eu dar uma volta lá pela obra da avenida pra conversar com os caras, ver que dia eles estão com as máquinas pra encherem as caçambas, deixo no meu depósito e conforme tu for precisando eu vou levando, mas cê precisa ver se presta né, tem essas coisas nessa casas que cês fazem né….(dá risada)
- Beleza cara, me avisa se conseguir, enche uns sacos plásticos com uns quilos da terra pra gente fazer os testes.
- Tá certo, amanhã mesmo te aviso
- Show, valeu!
- Valeu!
Trezentos e trinta mil quilos de terra compactada é a média que essas duas habitações possuem. Essa terra não é matéria inerte, muito pelo contrário. O solo possui história, a formação das camadas dessa superfície que habitamos e que hoje são extraídas está há anos incalculáveis se formando, desde épocas em que o tempo não era medido em ano, nem dia em dia. Quem regia a temporalidade eram as mudanças lunares e as estações em que as folhas caiam e outras em que elas brotavam. A terra se nutrindo das algas, plânctons, plantas, insetos, formigas, minhocas e animais que se decompõem e dão novos nutrientes e novas cores para ela. O sol que toca essa terra está há tempos antiquíssimos em contato com essas camadas, banhando suas superfícies e aquecendo-as a cada nova geração de organicidade que a perpassa e a transforma. As placas que formam os continentes se transformaram, terras que antes eram integradas possuem oceanos de distância, fezes de animais que nutriam determinadas regiões passaram a nutrir outras. Quais plantas e animais será que formaram a terra arroxeada na Chapada Diamantina? Gelo surgiu, gelo derreteu. Essas quantidades de banhos de sol, banhos de astros e banhos de chuvas fizeram com que esses nutrientes percolassem entre os séculos, quase como que em uma tentativa de contar às camadas subterrâneas sobre os novos acontecimentos
que sucedem: os pterossauros da bacia do Araripe entraram em extinção, novas espécies tomam seu lugar. Começa a se produzir, nas camadas ainda mais profundas dessas formações geológicas, com a decomposição desses bichos, o que hoje conhecemos por petróleo. A cada nova geração de pesquisas são reveladas novas temporalidades que o bicho homem habita esse planeta: 20 mil, 60 mil, 130 mil anos antes do que conhecemos hoje por contemporaneidade e já existia gente fazendo ferramenta e vivendo com a floresta. Não há resquícios de qualquer outra cultura, em nenhum desses tempos, que tenha maltratado a terra com tanta profundidade para explorar esse material viscoso. Sociedades se formaram e se destruíram, seja pelo poder, pela guerra, pela doença. O ser humano vive muito pouco Outros bichos vivem muito menos. Quem sempre está é a terra, suas pedras, suas montanhas, suas águas, suas histórias. Hoje tudo precisa de petróleo, a forma de se locomover, de construir, de plantar, de cozinhar, de comprar, de guardar alimentos. Pe sq u i sas r e ce n te s j á e n con tr ar am microplásticos em corpos de bebês humanos. Já foi criado um acordo tácito no qual os peixes dos oceanos morreram sufocados com plásticos, mas que basta tirar seus órgãos, ou onde pelo menos é possível ver o plástico, para que seja cozido e sirva de alimento. Igualmente, que os peixes dos rios não vão mais existir, pelo menos no Brasil, pela
intoxicação por mercúrio, metais pesados provindos de barragens e despejo de esgoto. A gente coloca preço em tudo e esse preço não tem, em muitas vezes, a ver com processos de produção nem criação, mas sim de extração Como se precifica um bem que os próprios processos naturais produziram, ao longo dessa quantidade de sol e chuva? “Esse terreno é meu e eu faço o que eu quiser com ele”, de novo, terra não tem dono. Uma carrada de terra é muito fácil de ser transportada, seis metros cúbicos, seis toneladas de terra, em cima da caçamba de um caminhão. Cobra-se cem, duzentos, trezentos reais para buscar essa terra e entregar: o preço da terra é incalculável, precifica-se seu transporte. Não conseguimos acompanhar em um tempo de vida humana a produção de uma montanha de areia ou de terra na natureza. Extraímos, mas não aprendemos a produzir esses materiais antes de acabar com eles. Recentemente as pessoas criaram um procedimento que busca de replicar e acelerar os processos naturais, conhecido por agrofloresta, no qual uma das ideias principais é a formação de solo e matéria orgânica: algo próximo de criar em um ano o que a natureza criaria em cem. Ainda não há muitos agrofloresteiros para ajudar adiar o fim do mundo. Descobriram também que a floresta Amazônica foi uma grande agrofloresta cultivada por vários povos. E que os fungos das raízes subterrâneas entre as árvores possuem comunicação direta, onde criam uma rede de
interação entre toda a floresta: os animais percebem, pelo movimento das árvores, algum perigo iminente se aproximando para que possam fugir. Os trezentos e trinta mil quilos de terra são feitos pela natureza, as paredes de terra compactada são construídas por mãos humanas. O mesmo ser que pode destruir, pode construir. Honrar a terra criando linhas tridimensionais escritas na terra com a própria terra: o que antes estava enterrado sob montanhas hoje cria abrigo. Numa espécia de conversa entre os solos de tantos locais diferentes, que abrigam a memória de suas histórias milenares, e que hoje dão mais um passo nas suas histórias. O processo em que a matéria orgânica, condensada em barreiras e montanhas, é retirada e se transforma em paredes para a criação de lares por meio da força humana não faz com que essas paredes não sejam orgânicas: elas voltam a ser terra assim que colocadas à disposição das oscilações climáticas e se unem com o solo - na verdade, nunca deixaram de ser terra. Como uma espécie de cápsula do tempo, na qual essa terra se encontra preservada para que as futuras gerações possam acessá-la, a matéria orgânica desses lares não é apenas parede. A terra, por mais que seja comercializada em carradas com os mais diversos tamanhos, não tem preço em moeda corrente, mas tem um valor incomensurável.
MISTUR TERRA SUO
RAR A A COM OR
A terra move montanhas.
Eu sou seu ecúmeno
Encanta-me a ideia de me tornar novamente seu ecúmeno, o lar que os acolhe, que se tece com vocês, a textura de seus mundos. E sem vocês também. É assim que eu entendo seu desejo de ser e de se sentir terrestres Entendo os obstáculos a serem superados pelos Modernos, tendo que aceitar ser destronados de sua solidão imperial e sagrada! No entanto, vocês estão sufocando por estar sozinhos. Então, têm que escolher. Ousem dar um primeiro passo fundamental em direção a um caminho no qual não estarão mais sozinhos, como você me diz: encontrarão ali os povos terrestres que chamam de indígenas e muitas outras comunidades terrenas. Ser reduzida a um depósito de riqueza e a um objeto que pode ser manipulado de acordo com desejos de conquista, interesses e apetites proprietários me degradou e enfeiou profundamente. Vocês também estão degradados e intoxicados Não é consolo nem vingança. É muito mais raiva e tristeza infinitas. Não vou mais me manter passiva. Agora estou fora de mim e faço com que vocês sintam isso.
AZAM, Geneviève. Resposta da terra: Mensagem aos terrestres In: Carta à terra: e a terra responde 2020.
Terra Vertida é um chamado para compreender que corpo e casa retornam ambos para o próprio solo, raiz que se expande durante todo o percurso de nossas vidas e que nos sustenta, quando cada processo finaliza. Converter carradas de terra em paredes para que elas voltem a se transformar em terra novamente em um possível futuro, conectando-se tal qual a rede fúngica das árvores, em uma tentativa para mostrar que ainda é possível se abrigar com a natureza. Urge o retorno à terra de forma que o oco de terra possa finalmente se tocar com a organicidade da vida e perceber a tristeza que criou com a distopia moderna.
Que o resplandecer dos terra batida possa voltar. Refletir sobre o processo de construção dessas duas casas de terra tem muitos aspectos e características próprias: nas etapas construtivas que cada uma teve dentro de suas muitas
particularidades, desde a marcação de gabaritos, escavação de fundação, manejar formigas saúvas e cupins, encontrar a terra com qualidades próximas para essa execução, passar os melhores procedimentos técnicos para que a feitura das paredes não se tornasse exaustiva; nos seus problemas e dificuldades – que são incontáveis; nas suas conquistas e realizações – às vezes parece que a própria parede se realiza ao se manter em pé com todas as suas toneladas de terra; nas noites de sono mal dormidas quando começava a chover de madrugada e as paredes não estavam protegidas com lona e o temor que a feitura toda se dissolvesse no decorrer das horas; no impacto que elas tiveram durante suas construções e ainda tem nas paisagens nas quais estão inseridas –perdemos a conta da quantidade de pessoas que visitaram para ver se essas paredes realmente são reais; nas pessoas que ajudaram, nas pessoas que prejudicaram e nas pessoas que não acreditaram ou que, ao contrário, acharam incrível poder conhecer e acompanhar essas execuções. Cada uma, das maiores às menores, experiências ajudaram a lembrar sobre o que se trata a vida.
Algumas experiências dessas construções são inenarráveis: não por serem de difíceis palavras, mas exatamente por essas se escaparem ao ver monólitos de terra construídos por mãos humanas com mais de seis metros de altura e apenas sentir ao olhar. A força e a fé humanas são ainda incompreendidas.
Dentre tantas casas que puderam ser acompanhadas nos últimos anos em várias cidades da região do Cariri e fora dela, em um momento civilizatório que pede tudo mais rápido, mais prático, mais asséptico, mais concreto, mais lucro, essas duas delimitaram suas histórias e divergências desse modelo veloz exatamente pela complexidade que abarcaram durante o período de investigação deste texto.
Na tentativa de documentar essas construções, compreende-se que as direções que os capítulos traçaram ao longo das palavras e das imagens perpassam e transpassam áreas que não se encontram fixas somente no modelo que busca a centralização de linguagens tradicionais da arte ou do campo hegemônico dela. Entretanto, também compreende-se que há diversas lacunas e espaços vagos para serem ainda mais adentrados e examinados. Essa pesquisa não busca se exaurir, ao contrário, quer propor com seus direcionamentos e seus caminhos uma instigação aos possíveis desdobramentos e contestações que cada um possa entrever. Como uma espécie de premonição, Allan Kaprow escreve no início do milênio que:
O mais importante prognóstico de curto prazo que pode ser feito foi deixado implícito aqui várias vezes; que o atual, provavelmente global, meio ambiente nos engajará em um modo crescente de participação. O meio ambiente não serão os Ambientes com os quais já estamos familiarizados […].
Em vez disso, nós agiremos em resposta ao meio ambiente natural e urbano, como o céu, o solo do oceano, hotéis de inverno, motéis, os movimentos dos carros, serviços públicos e meios de comunicação (KAPROW, 2003).
Essas habitações de terra possuem processos construtivos extremamente complexos, mas, em realidade, atuam de modo a abrir espaço para que a verdadeira protagonista que sustenta a tudo, em todos os seus formatos e materialidades, possa se expressar.
Ao refletir sobre o colapso das relações humanas e o declínio e destruição do ambiente natural, que nesse último século tem sofrido de maneira ainda mais intensa com os processos de globalização e demanda por extração de materiais que levaram milênios para se formar, parece que resta somente se questionar quais as possíveis perspectivas de futuros a surgir e como podemos fazer para que eles possam chegar. Krenak defende a ideia que esses futuros serão
ancestrais quando diz que “Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há um futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui” (KRENAK, 2022, p. 11). Parte dessa pesquisa acredita nisso, parte acredita que não haverá futuro se os ocos de terra, com seus procedimentos, dos mentais aos financeiros, não sofrerem rupturas a ponto de causar mudanças:
A mente e a terra estão em constante estado de erosão; os rios mentais desgastam as margens abstratas; as ondas cerebrais minam os penhascos do pensamento; as ideias se decompõem em pedras de desconhecimento e as cristalizações conceituais se desfazem em depósitos de razão arenosa (SMITHSON, 2015, tradução da autora).
Se tudo está em constante estado de erosão, desfazimento e refazimento, ainda há chances que esse futuro possa se aproximar do que um dia já foi.
Por fim, essa pesquisa espera trazer vislumbres do que pode acontecer ao criar um lar com o mundo, sobre a terra e sob o céu, trilhando percursos tal como Heidegger narrou. Ao descobrir a potencialidade da experiência de viver e habitar, no intuito de criar uma espécie de estética da existência, ainda que quase utópica. Dizem que os artistas são como antenas, captadores de ondas que estão distantes do que ainda não é possível enxergar. Talvez os trabalhos poéticos possam auxiliar nessas perspectivas do mundo por vir, ainda que utópicas, ou talvez auxiliem na escavação desses futuros ancestrais, em um tempo de colapsos.
No início da obra todos os construtores se mostraram animados para iniciar a técnica de hiperadobe Muitos tinham experiência em construir com com taipa de mão e queriam aprender sobre suas diferenças
Foram explicados as especificidades do barro, mostrando as quantidades de argila, areia e silte por meio da decantação nas garrafas pet e outros testes possíveis de se fazer no local da obra, e a quantidade de umidade para que a massa ficasse boa o suficiente e pudesse ser apiloada sem ficar nem muito rígida, a ponto de trincar ao secar, nem muito mole, senão desmancharia e o trabalho seria desperdiçado.
A textura deveria ficar próxima à massa de cuscuz quando está hidratando, antes do cozimento
Também havia um ponto muito importante para que ficassem atentos: as fiadas possuem um limite diário para que possam ser elevadas Geralmente em climas quentes e secos consegue-se chegar até uns 60 cm diários, algo próximo de cinco fiadas, se cada uma tiver 12 cm de espessura.
Esse limite é dado pelo clima X umidade da massa. Caso seja extrapolado é possível perceber no dia seguinte ao apiloamento, pois as linhas estarão com aspectos nada uniformes e, na maioria das vezes, fora de prumo
As técnicas auto portantes, ou estruturais, necessitam –acima de tudo – o nivelamento e a prumagem das paredes, afinal elas que serão a estrutura da edificação.
Iniciaram as fiadas de um pequeno módulo de 1,5 m linear e haviam outros similares para que pudessem dar continuidade.
No dia seguinte, ao retornar, qual a surpresa ao checar que, com o misto de agilidade, pressa e fazer-o-mais-rápidopossível, havia sido construído, nesse pequeno módulo de 1,5m linear, mais de um metro e oitenta centímetros de altura?
Obviamente, as linhas inferiores começaram a se deformar sem estarem curadas, pela falta de tempo e pela carga que receberam abruptamente.
Em uma rápida conversa, perceberam, na prática, o principal problema de não escutar sobre os limites dessa terra compactada.
Passaram os dois próximos dias desmanchando as toneladas de terra que haviam apiloado, para que pudessem peneirar e iniciar novamente Talvez precisamos aprender sobre os limites da terra na qual pisamos.
COSMOV
PALADAR VISÃO
TATO
de Figuras
Imagem 1 - Parede de terra ensacada protegida contra chuva. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ Capa
Imagem 2 - Diferentes tipos de terra com o processo de decantação de cada um em garrafas sobre uma lona. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 01
Imagem 3 - Barreira de argila de propriedade particular localizada entre as cidades de Crato e Farias Brito, 2021. Registro feito pela autora_ p. 04 e 05
Imagem 4 - Fotografia aérea de área com movimentação de terra feita no entorno do Cinturão das Águas do Ceará, localizada dentro do assentamento do MST 10 de abril, Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, 2022. Registro feito pela autora_ p. 14 e 15
Imagem 5 - Resíduo grosseiro de terra peneirada, para posterior trituramento. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 18
Imagem 6 - Resíduos das montanhas destruídas e trituradas pela movimentação de terra no entorno do Cinturão das Águas do Ceará, localizado dentro do assentamento do MST 10 de abril, Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, 2022. Registro feito pela autora_ p. 19.
Imagem 7 - Tonel semi tampado com pedaço de pau para movimentação de esterco a ser fermentado. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora _ p. 29.
Imagem 8 – Coleta de terra para testes de qualidade Crato, 2021. Registro feito pela autora_ p 30 e 31.
Imagem 9 e 10 – Registro de pedreira onde o britador extrai pedras para trituração e venda de brita e demais granulometrias de pedras. Juazeiro do Norte, 2021. Registro feito pela autora_ p. 32 e 33.
Imagem 11 e 12 – Medição de nível de terreno para implantação de obra. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 36.
Imagem 13 – Escavação e terraplenagem. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 37.
Imagem 14, 15 e 16 – Escavação e movimentação de terra em terreno para implantação de obra. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 42 e 43.
Imagem 17 – Nivelamento e terraplenagem de solo em terreno para implantação de obra. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 46 e 47.
Imagem 18 – Construção de fiadas para paredes de sacaria em hiperadobe. Cidade universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 50 e 51
Imagem 19 – Habitar a terra. Cartaz postal. 2022. Feito pela autora_ p. 56 e 57.
Imagem 20 – Parede em hiperadobe com cinta em concreto com cerca de 3m. Crato, 2021. Registro feito pela autora_ p. 58 e 59.
Imagem 21 – Implantação de gabarito Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p 60.
Imagem 22 - Início de fundação radier com lona e vergalhões de ferro. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 61.
Imagem 23 – Construção de paredes em blocos de terra compactada. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 62 (figura superior ao lado esquerdo).
Imagem 24 - Construção de rodapé em pedra quebrada. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 62 (figura superior ao lado direito).
Imagem 25 – Construção de primeira fiada de hiperadobe. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 63 (figura superior ao lado esquerdo).
Imagem 26 – Construção de fiadas de hiperadobe, aproximadamente com 1,8m. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 63 (figura superior ao lado direito).
Imagem 27 – Construção de paredes em blocos de terra compactada, rodapé em pedra quebrada e tubulações de esgoto. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 62 e 63.
Imagem 28 – Desenho “Levar carradas de terra de um lugar para o outro, criar montanhas”. 2022. Feito pela autora_ p. 65.
Imagem 29 – Rodapés em pedra quebrada finalizado, início de fiadas em hiperadobe e paredes em blocos de terra compactada. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p 66 e 67.
Imagem 30 – Desenho “Transformar montanhas em paisagens, construir olhares”. 2022. Feito pela autora_ p. 71.
Imagem 31 – Rodapés em pedra quebrada finalizado, cinco fiadas em hiperadobe. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 72 e 73.
Imagem 32, 33 e 34 - Imagens retiradas do programa Google Earth mostrando o histórico da modificação da área rural da cidade de Limoeiro do Norte/CE, nos anos de 1985, 2010 e 2022 (de cima para baixo)_ p. 75.
Imagem 35 –Dez fiadas em hiperadobe e as amarrações com as paredes que se encontram, construção de parede em bloco de terra compactada. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 76 e 77.
Imagem 36 - Fotografia aérea, vista parcial da Chapada do Araripe e as cidades de Juazeiro do Norte, Crato e Barbalha. Fonte: BASTOS, ET AL, 2016, disponível em:
<https://doi.org/10.4000/confins.11509>_ p. 80.
Imagem 37 - Desenho “Sentir os grãos da terra, virar poeira”. 2022. Feito pela autora_ p. 81.
Imagem 38 – Construção de paredes em hiperadobe e recorte de nova sacaria para iniciar fiada. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p 82 e 83.
Imagem 39 e 40 – Decantação de testes de terra em garrafas de plásticos para averiguação de suas qualidades. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 84.
Imagem 41 – Pedaço de sacaria de hiperadobe verde escaneado em impressora digital. 2022. Feito pela autora_ p. 85 e 86.
Imagem 42 – Medição de altura de parede em hiperadobe. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 90 (figura superior ao lado esquerdo).
Imagem 43 – Reboco em parede em hiperadobe. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 90 ( figura superior ao lado direito).
Imagem 44 – Recorte de excesso das fiadas de parede em hiperadobe para abertura de vão de porta. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 91 (figura superior ao lado esquerdo).
Imagem 45 – Armação em ferro e construção de caixaria de viga para ser concreta. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 91 (figura superior ao lado direito).
Imagem 46 – Detalhamento com medidas de socador, para aprumar verticalmente as paredes e diminuir a espessura do reboco. Feito pela autora_ p 93.
Imagem 47 – Detalhamento com medidas de pilão de madeira e chapa metálica, para nivelar horizontalmente as paredes e manter as fiadas com espessuras próximas. Feito pela autora_ p 94.
Imagem 48 – Nivelamento das fiadas de parede em hiperadobe, aproximadamente 2,2m de altura, armação de ferragem para vigas e cintas. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 95 (figura superior ao lado esquerdo).
Imagem 49 – Destaque para a utilização de um cone cortado como funil para encher as sacarias. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 95 (figura superior ao lado direito).
Imagem 50 – Destaque para junção de contraverga em concreto armado na parede de hiperadobe. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 95 (figura inferior).
Imagem 51 – Preparação de terra e construção de paredes em hiperadobe, com destaque na parede em bloco de terra compactada finalizada ao fundo Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p 98 e 99.
Imagem 52 – Paredes em hiperadobe protegidas contra a chuva com lona e cordas. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 100 e 101.
Imagem 53 – Destaque das escoras sustentando a laje, preparação de terra e início de construção de fiadas em hiperadobe do primeiro andar. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 102 e 103.
Imagem 54 – Últimas fiadas de paredes de módulo privativo, com destaque para contravergas e vergas de concreto armado e lonas rasgadas. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 106 e 107.
Imagem 55 – Finalização de paredes de módulo privativo, com destaque para contravergas, vergas e cinta de amarração de concreto armado. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 108 e 109.
Imagem 56 – Finalização de paredes de módulo privativo com escoras sustentando suas vigas, início de paredes do módulo social. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 110 e 111.
Imagem 57 – Recibo com valor de R$ 200,00, respectivo a uma carrada de terra do depósito HA Construção, da cidade de Juazeiro do Norte, no dia 03 de janeiro de 2023. Registro feito pela autora_ p. 112 (imagem superior).
Imagem 58 – Recibo com valor de R$ 325,00, respectivo a uma carrada de areia vermelha do depósito União, da cidade de Crato, sem data. Registro feito pela autora_ p. 112 (imagem inferior).
Imagem 59 – Misturar a terra com suor. Cartaz postal. 2022. Feito pela autora_ p. 118 e 119.
Imagem 60 - Registro fotográfico dos paredões rochosos avermelhados da Chapada do Araripe 2023. Registro feito pela autora_p 120 e 121.
Imagem 61 – Parede de terra ensacada, fazendo alusão à parede da capa sem a lona. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 127.
Imagem 62 – Cosmovisão, cosmotato, cosmopaladar, cosmoconstrução. Cartaz postal. 2022. Feito pela autora_ p. 128 e 129.
Imagem 63 – Finalização de paredes de módulo privativo, com destaque para contravergas de concreto armado na porta. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 130 e 131.
Imagem 64 – Módulo privativo ao fundo e paredes em hiperadobe do módulo social sendo construídas. Cidade Universitária, 2021. Registro feito pela autora_ p. 132 e 133.
Imagem 65 – Processo de construção das paredes do primeiro andar em hiperadobe, com paredes em bloco de terra compactada finalizada, emboço do térreo completo e cenário de dia a dia de obra. Baixio das Palmeiras, 2021. Registro feito pela autora_ p. 134 e 135.
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