TGI 1 - Elis Stropa

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HABITAR E MORAR

Resgate da sociabilidade e da identidade no centro de Campinas

TGI-I | Elis JordĂŁo Stropa




Trabalho de Graduação Integrado I Elis Jordão Stropa Instituto de Arquitetura e Urbanismo

2017

HABITAR E MORAR

Resgate da sociabilidade e da identidade no centro de Campinas Docentes| David Moreno Sperling Lucia Zanin Shimbo Luciana Bongiovanni M. Schenk Joubert José Lancha Orientadores| Joubert José Lancha Simone Helena T. Vizioli


Índice Porque A Inquietação e a Questão

O Que Habitar ou Morar? Alguns Autores Principais Estratégias

Onde Campinas – SP Origens e História O Centro como Local de Projeto

Como Diretrizes Proposta Apartamentos Flexíveis

5 6 9 10 12 14 21 22 26 28 39 40 44 62



Porquê


A Inquietação e a Questão As cidades do século XXI se encontram em um momento de evolução no qual os conflitos urbanos se tornam cada vez mais evidentes. Tais conflitos se apresentam em uma gama vasta de patologias, desde questões práticas como problemas ambientais e segregação socioespacial até questões subjetivas como identidade e sociabilidade. Esse panorama desperta no aluno de arquitetura diversas inquietações durante toda a graduação. No caso deste trabalho de conclusão de curso, busca-se nortear o projeto a partir dos incômodos listados abaixo: •O zoneamento segregatório que implica em longas distâncias entre infraestruturas e comunidades.

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humana, na qual os habitantes queiram frequentar e sejam estimulados a isso. Parece claro, logo de início, que para atingir os objetivos propostos será necessário aproximar fisicamente os habitantes das infraestruturas. Além disso, será necessário implementar equipamentos que contribuam para uma dinâmica urbana viva, e que também possibilitem a interação de usos diversos do espaço por pessoas diversas – diferentes idades e renda – de modo que tal interação possa contribuir para a criação de vínculos identitários.

•O rodoviarismo resultante da cultura do carro e das próprias políticas de zoneamento.

A partir das inquietações apresentadas, surge a questão central deste TGI, que poderá nortear o trabalho de maneira mais clara: como trazer os habitantes de volta para a cidade e assim criar vínculos de identidade entre a população e o local onde habita?

•O alto uso de energia para deslocamento humano, efeito dos tópicos anteriores e que contribui para os principais problemas ambientais enfrentados hoje.

Assim apresenta-se o campo de atuação deste trabalho, sendo que os elementos apresentados serão o fundamento das resoluções tomadas a partir daqui.

•O empobrecimento das relações humanas, resultante principalmente da segregação espacial e do zoneamento, que levam à perda do contato dos habitantes com a cidade e assim da formação de relações de identidade. Assim, o que se busca com o trabalho aqui apresentado é construir elementos que contribuam para uma cidade mais acolhedora e


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Saul Leiter: Abstração Com Reflexos E Sombras Fonte: http://lounge.obviousmag.org/ar xvis/2012/03/saul-leiter.html



O Que


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Habitar ou Morar? Há uma diferença sutil, porém muito importante, entre os termos “habitar” e “morar”, e é pensando nela que este trabalho definirá estratégias e diretrizes para o projeto. Quando se busca a origem dos termos, as raízes em latim são claramente distintas, como também são os significados das palavras derivadas delas. O termo habitat se refere claramente ao “local habitado” no sentido de “ambiente”, sendo inclusive empregado na linguagem científica para descrever o ambiente natural de espécies. Enquanto isso, a palavra morales, origem do termo “moral”, se refere a “costumes”, ou “tradição”. Há diversas variações dessa raiz fazem alusão ao tempo, traduzidas como ficar, demorar, pausa, espera etc, como é o caso de morari, morare e mora. Há ainda a palavra mors, em português: morte. E o termo mos, que tem significados como personalizar, desejo, hábito ou humor. A partir dessa comparação tão simples e rápida já se percebe a diferença entre os dois termos: enquanto o habitat descreve um ambiente geral onde a vida se desenrola, morar traz a ideia de uma atmosfera pessoal e introspectiva. Pode-se concluir com isso que o habitat é público, diz respeito às relações humanas, às trocas de saberes e experiência, à interação, à vida civil etc. Enquanto isso, a moradia é privada, separada da rua, reservada à domesticidade, ao repouso e à meditação, além de carregar em si a própria personalidade daquele que ocupa seu espaço, ao contrário do habitat, que deve ser um ambiente “correto e bom” para todos.

LATIM MORALES MORARI MORARE HABITAT MORA MOS MORS

vida civil relações humanas troca de experiências

vida privada relações pessoais meditação


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Dessa forma, o projeto apresentará as esferas do habitar e do morar tanto separadas quando mescladas. Há o espaço público, onde o “habitar” predomina, e há o espaço privado mais íntimo, da reclusão e da meditação, que, mais do que a casa, é o quarto, onde o indivíduo pode se separar até mesmo das pessoas que vivem com ele. Mas há ainda o espaço em que público e privado se misturam, como as áreas de convívio da casa, a sala, a mesa de jantar e até mesmo a cozinha. O ponto norteador deste trabalho será explorar essas três esferas. A partir delas pretende-se resgatar a sociabilidade e a identidade na cidade. O resgate da sociabilidade será feito a partir do habitat e dos espaços que mesclam habitat e moradia, enquanto o resgate da identidade será feito em diferentes níveis nas três esferas. Na esfera do habitat será explorada a identidade da população da cidade com o local da intervenção, enquanto as esferas que mesclam habitat e moradia, como também a da moradia pura, afirmarão a identidade do morador com a residência. Para fins de facilitar o entendimento, podese denominar essas três esferas, do habitar, habitar-morar e morar, respectivamente como público, comum e privado.

Privado

Comum

Coletivo


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Alguns Autores Jane Jacobs | Vida e Morte das Grandes Cidades A autora critica o urbanismo rodoviarista dos anos 1960 e propõe uma cidade mais humana, menos agressiva e com usos diversos, de maneira que o carro fique em segundo plano, o acesso dos habitantes aos serviços seja facilitado pela proximidade e que a segurança das ruas seja garantida pelo movimento, que mantém sempre olhos vigilantes sobre ela. “A city street equipped to handle strangers, and to make a safety asset, in itself, our of the presence of strangers, as the streets of successful city neighborhoods always do, must have three main qualities: First, there must be a clear demarcation between what is public space and what is private space. (…). Second, there must be eyes upon the street, eyes belonging to those we might call the natural proprietors of the street. The buildings on a street equipped to handle strangers and to insure the safety of both residents and strangers, must be oriented to the street. They cannot turn their backs or blank sides on it and leave it blind. And third, the sidewalk must have users on it fairly continuously, both to add to the number of effective eyes on the street and to induce the people in buildings along the street to watch the sidewalks in sufficient numbers. (…)” (p.35)

Allan Jacobs | Great Streets O objetivo de Jacobs nesse livro é pesquisar ruas de sucesso e identificar nelas os aspectos que funcionam, ou seja, fatores de design, de usos, de ligação e outros. Também busca entender porque algumas ruas que eram bem sucedidas e movimentadas no passado perderam sua dinâmica e hoje são abandonadas e por vezes até perigosas. “Great streets require physical characteristics that help the eyes do what they want to do, must do: move. […] Generally, it is many different surfaces over which light constantly moves that keeps the eyes engaged: separate buildings, many separate windows or doors, or surface changes” (p.282) “The different buildings can […] be designed for a mix of uses and destinations that attract mixes of people from all over a city or neighborhood, which therefore helps build community: movies, differentsized stores, libraries” (p.298)


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William White| The Social Life of Small Urban Spaces Por meio de um estudo documentado a partir de câmeras, White estuda os espaços públicos e o comportamento de pedestres de maneira objetiva e mensurável. O autor acredita na vitalidade de espaços públicos onde pedestres e automóveis coexistam de maneira harmônica e onde o movimento constante e o entra e sai das pessoas dos lugares atraiam mis movimento. “What attracts people most, it would appear, is other people. If I belabor the point, it is because many urban spaces are being designed as though the opposite were true, and that what people liked best were the places that they stay away from” (p.19) “Another key feature of the street is retailing stores, windows with displays, signs to attract your attention, doorways, people going in and out of them” (p.57)

Marilice Costi | A cidade e a alcova: o coletivo na intimidade O texto explora a mistura e a separação das esferas íntima e coletiva na vida urbana dos dias de hoje. Há indagações presentes a todo momento: o que é público e o que é privado? Ainda há essa separação tão delimitada nos dias de hoje? O homem ainda possui uma alcova onde se abrigar e ser ele mesmo? “O ser humano precisa ter seu próprio território e este é indispensável para sua saúde física e mental.” “O indivíduo não existe sem a coletividade e vice-versa. O coletivo é impresso na intimidade e a intimidade é expressa no coletivo. Como o ser humano é o motor da cidade, ele é aquilo que mais deve importar ao se fazer arquitetura.”


Principais Estratégias Os autores citados representam questionamentos comuns feitos sobre o modelo de cidade atual, e dialogam com as inquietações apresentadas no início desse trabalho. Diante das ideias por eles apresentadas, nas inquietações iniciais e nos conceitos de habitar e morar, surgem algumas estratégias que serão os fundamentos do projeto. As diretrizes apresentadas a seguir pretendem responder à questão inicial do trabalho, ou pelo menos a parte das inquietações que a geraram.

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Uso Misto Mesclar em um mesmo edifício comércio e/ou serviços com habitação é uma estratégia comum observada em ruas consideradas “seguras”. Nesses espaços, a presença dos moradores que olham a rua traz segurança, e essa segurança traz mais pessoas, e com elas mais olhos vigilantes, de maneira que esse espaço é constantemente observado/vigiado tanto por moradores quanto por transeuntes, o que passa a sensação de segurança. O uso misto proposto nesse trabalho busca instalar equipamentos que contribuam com a dinâmica urbana e consequentemente, gerem um espaço de sociabilidade. Os equipamentos podem ser escolhidos de modo a tornar o projeto um ponto de referência, de modo a resgatar a identidade da população com o ponto da cidade em que for instalado. Essa estratégia garante a criação da esfera privado em conjunto com a esfera pública, mas deverá haver cuidado ao separá-la das esferas comum e privada.


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Fachada ativa Fonte: http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/novo-pde-fachada-ativa/


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Cohousing O conceito de cohousing surge na década de 1960 na Dinamarca como uma alternativa de moradia para o pós guerra. Ele se baseia em uma vizinhança forte, que forme uma verdadeira comunidade. Tal conceito traz consigo a ideia de compartilhamento de bens e decisões. Tal compartilhamento é feito a partir de escolha em conjunto dos habitantes, responsáveis por escolher como querem viver, onde querem viver e o que querem compartilhar. Assim, as primeiras cohousings se formaram como pequenas vilas construídas por um grupo de pessoas que se une com o objetivo de viver em comunidade. Tradicionalmente, essas vilas se localizam longe de centros urbanos e são formadas por casas particulares cercadas de áreas comuns, que podem incluir uma sede central e jardins. Ao longo das últimas 5 décadas esse estilo de vida foi gradualmente se popularizando. Enquanto isso, o conceito de cohousing também foi evoluindo e se adaptando às necessidades de cada comunidade que o adotava. Hoje esse conceito não descreve mais a ideia bucólica de vida no campo tão associada a suas origens, seu significado é seu próprio nome: co-morada, moradia conjunta, viver em comunidade. É essa essência simples que atrai as pessoas. A cidade atual, resultado das inquietações apresentadas, afasta as pessoas umas das outras, mas a verdade é que a companhia humana conforta as pessoas. Além da companhia em si e da troca de experiências proporcionada pelo cohousing, um outro aspecto que faz esse jeito de morar atrativo é a divisão de custos. Essa divisão possibilita que a comunidade sustente serviços que seriam caros para um indivíduo ou uma família custear sozinho. Como exemplos podemos citar instalações de reuso de água ou de geração de energia solar; contratação de cozinheiros, jardineiros, faxineiros e de outros funcionários, como ocorre em condomínios comuns. Mas além

dos custos de manutenção, a divisão possibilita a construção de espaços e aquisição de bens comuns que seriam considerados luxos caso estivessem em uma casa. O compartilhamento, na verdade, vai até onde os moradores desejarem. Podem se limitar aos custos de condomínio, mas podem se estender até as compras de mercado, o uso comum de ferramentas, o revezamento do uso de carros ou um esquema de caronas. Ao longo das décadas, observa-se uma tendência das cohousings em diminuir as áreas privadas e aumentar as áreas comuns. Também surgem cohousings verticalizadas, com edifícios de apartamento de dois ou três andares, mas que ainda mantém a configuração de vila. Uma reinvenção importante do conceito é o surgimento de cohousings efetivamente urbanas, instaladas em casas alugadas, geralmente com um aluguel muito caro para uma família comum. Dessa forma, é possível manter uma qualidade de vida elevada sem gastar tanto. É possível, portanto, trazer a cohousing para a cidade. E ela pode ter diversas escalas, de 6 a 600 habitantes, tudo depende de como será feita sua gestão, as tomadas de decisão etc. Um exemplo em maior escala de coliving é o chamado “The Collective” em Londres, um grande edifício de apartamentos alugáveis que fornece aos usuários diversas opções de lazer e serviços. Pretende-se no trabalho proposto equilibrar as vantagens da cohousing com uma alta densidade populacional em uma versão menos especulativa que o “The Collective”. Espera-se com isso fortificar os vínculos de identidade dos moradores com o local onde habitam.


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Organização tradicional de uma cohousing Fonte: http://www.cohabitare.es/apostamos-por-el-cohousing/


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Flexibilização da Habitação A flexibilização tem como objetivo dar a opção de escolha aos moradores de maneira a poder abrigar diferentes perfis (de idades, estilos de vida e formação familiar) no mesmo edifício. Desse modo, o edifício pode apresentar uma população de jovens solteiros ao lado de casais com três ou quatro filhos. Pretende-se por meio dessa estratégia trazer uma diversidade populacional ao projeto, enriquecendo a dinâmica urbana da área. Outra vantagem da flexibilização da habitação que consistirá na modulação dos apartamentos em “células”, que poderão ser agrupadas em diferentes plantas de acordo com as necessidades dos moradores.


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Apartamento com divisรณrias mรณveis Fonte: http://www.metalocus.es/en/news/openarch



Onde


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Campinas - SP No momento de escolher o local para o projeto, foi levado em consideração que a cidade precisava sofrer das patologias citadas no início deste trabalho, além de ter uma extensão suficiente para que tais patologias se apresentassem claramente. Além disso, também era importante que a cidade tivesse influência sobre outras cidades da região, já que poderia servir como exemplo e modelo ao implementar um projeto de cohousing moderna. Outro fator levado em conta foi a facilidade de estudo do local escolhido pela aluna, devido à proximidade física e ao conhecimento prévio sobre a cidade. Assim, a cidade de Campinas foi escolhida como alvo deste trabalho. Essa metrópole no interior de São Paulo é relativamente próxima da capital (98km), e é um importante polo regional de desenvolvimento, concentrando pesquisas em tecnologia de empresas privadas e da própria Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). O polo tecnológico em desenvolvimento junto às últimas ampliações do aeroporto de Viracopos são acompanhados pelo aumento de investimentos e na instalação de novas empresas na cidade de Campinas. A cidade hoje é a capital regional com maior poder de atração do interior do estado. Ao analisar a cidade hoje, é fácil perceber seu espraiamento e a segregação física provocada pelas rodovias Dom Pedro I, Anhanguera e Magalhães Teixeira (anel viário), que juntas formam um triângulo que envolve a região central e seus bairros adjacentes e deixa de fora bairros periféricos tanto de classes abastadas quanto

menos favorecidas.

Às margens e ao norte da Rodovia D. Pedro, localizam-se condomínios de classe alta, shoppings centers importantes (sendo o Iguatemi e o Galeria destinados a consumidores de maior poder aquisitivo); o distrito de Barão Geraldo (abrigando a UNICAMP e a cidade universitária) e os distritos de Sousas e Joaquim Egídio. Esses três distritos, junto à grande porção de área rural ao norte dessa rodovia é destinada, segundo o Plano Diretor, ao ecoturismo e à preservação da história rural da cidade, papel que vem se consolidando por meio de festivais gastronômicos, eventos e incentivos ao turismo nos últimos anos. Enquanto isso, a rodovia Anhanguera tange a área industrial da cidade, além de separar do centro bairros mais pobres completamente isolados do restante da cidade e de seus equipamentos. A região sudeste da cidade abriga o aeroporto de Viracopos, shoppings centers populares e um modo de vida precário em grande parte de seus bairros. Outra via importante que corta a cidade é a rodovia dos Bandeirantes, que demarca mais uma camada de divisão a sudeste da cidade e fornece ligação direta e rápida da região ao aeroporto de Viracopos.


Região Metropolitana de Campinas Engenheiro Coelho Arthur Nogueira Santo Antônio Holambra de Posse Cosmópolis Santa Bárbara d’Oeste

Americana Nova Odessa

Paulínia

Jaguariúna Pedreira

Sumaré Hortolândia

Campinas

Monte Mor

Morungaba

Valinhos Vinhedo

Itatiba

Indaiatuba

Itupeva

FONTE: Google Earth com intervenção da autora


Pontos de Referência na Cidade 0

Região Central: concentra a administração municipal, instituições equipamentos culturais e patrimônio tombado Shoppings e Centros Comerciais

5 KM

Aeroporto de Viracopos Parques e Reservas Ambientais Polo Tecnológico Universidades

Prefeitura Esporte

Rodovias Perímetro Urbano Limite do Município FONTE: Seplam com intervenções da autora


Renda domiciliar e principais rodovias 0

5 KM

Anhanguera

Bandeirantes

D. Pedro I Magalhães Teixeira

FONTE: Prefeitura Municipal de campinas com intervenções da autora


Origens e História A cidade de Campinas tem sua história similar à de diversas cidades brasileiras. Com pouco mais de 260 anos, a cidade tem sua origem em um pouso de tropeiros às margens da “Estrada dos Goiases”. Localizava-se em uma área descampada, uma campina, em meio a uma região densamente vegetada, e foi esse descampado o que facilitou o adensamento e do aumento de atividades de abastecimento desse “pouso”, já que tornava fácil a ocupação da área. Tal característica era tão marcante que o pouso logo ficou conhecido como “Campinas do Mato Grosso”. Assim, em 1767, a ocupação chega a 185 habitantes, e se torna o “Bairro Rural do Mato Grosso”, pertencente à Vila de Jundiaí. É nessa época que se vê a busca de fazendeiros por novas terras onde possam instalar lavouras de cana e engenhos de açúcar. A região nos entornos do Bairro Rural do Mato Grosso é propícia para tal atividade, e por força dos interesses dos fazendeiros e do Governo da Capitania de São Paulo, o local é promovido a freguesia em 1774, ganhando novo nome: Freguesia de Nossa Senhora da Conceição das Campinas do Mato Grosso de Jundiaí. Mas logo em 1797 se torna Vila de São Carlos, até que em fim se torna Cidade de Campinas em 1842. Quando se torna cidade, as paisagens de Campinas já estão tomadas pelos cafezais, que suplantaram as plantações de cana e deixam clara a mudança de ciclo econômico que todo o Brasil sofria. A economia agrária da cidade fez com que ela concentrasse uma grande população de

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trabalhadores, primeiro escravos, e em seguida livres, incluindo estrangeiros. Em 1867, o capital privado derivado do café fundou a Ferrovia Paulista, que entrou em operação em 1872, ligando Campinas a Jundiaí, a partir de onde continuava até o porto de Santos. A ferrovia será essencial para eliminar a distância de quase duas semanas que existia até o porto, e dar o primeiro passo para a modernização da cidade. A segunda metade do século XIX assiste então à vinda de indústrias e, com elas, o surgimento de padrões de consumo requintados, com restaurantes franceses e produtos caros. Havia na cidade um clima festivo de inaugurações celebradas com fogos de artifício e música de bandas locais, e acompanhada, claro, do forte discurso progressista, tudo registrado calorosamente pela imprensa da época. A crise da economia cafeeira de 1930 traz consequências à cidade, que assume caráter mais industrializado e de serviços. Em 1938 a cidade recebe o “Plano Prestes Maia”, com objetivo de fazer uma reordenação urbana que transformasse a cidade em um polo tecnológico. Assim, na primeira metade do século XX, a cidade conheceu um crescimento significativo de sua população, composta de migrantes e imigrantes que vinham atraídos pelo grande parque produtivo (composto de fábricas e indústrias diversas) que também crescia.


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Como consequência do aumento populacional, a mancha urbana de Campinas se espraiou em forma de bairros próximos às fábricas entre as décadas de 1930 e 1940. Tais bairros foram fundados quase sem nenhuma infraestrutura, e só vieram e conhecer melhorias entre 1950 e 1990, período em que o território da

cidade já era 15 vezes o original e a população 5 vezes maior. Interessante notar que a maior onda de crescimento se deu no mesmo período que em grande parte das metrópoles brasileiras, entre 1970 e 1980, quando a população duplicou. Hoje a cidade conta com aproximadamente 1 milhão de habitantes e ocupa 801 km².

Estação Ferroviária da Cia. Paulista e Av. Andrade Neves – década de 1920. Fonte: Plano Diretor de Campinas, Caderno de Subsídios, Capítulo I (http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/planodiretor2006/pdfinal/cap1.pdf)


O Centro como Local de Projeto Usuário e Infraestrutura Como já dito, uma das principais estratégias deste trabalho é trazer o usurário, ou habitante para perto das infraestruturas urbanas. Essa ação tem como objetivo diminuir o gasto de tempo e energia com a locomoção, de maneira trazer mais conforto à população e apresentar um modelo alternativo de ocupação da cidade que polua menos. A região central de Campinas foi escolhida justamente pensando nessa estratégia. Trata-se de uma área que concentra equipamentos de saúde, educação e cultura, além de instituições da administração municipal e uma variedade imensa de comércio e serviços.

Valor Histórico e Abandono O centro de Campinas é onde se encontram as primeiras edificações importantes da cidade, tais como o Mercado Municipal, a Estação Ferroviária, a Igreja Matriz e uma variedade de casarões e fábricas. A importância histórica da região é perceptível na quantidade de bens tombados ou em processo de tombamento na região, apesar disso, a experiência que se tem ali é de abandono. Há uma quantidade significativa de edifícios históricos que já foram transformados em museu (temos como exemplo o Museu de Imagem e Som, a Estação Cultura e o Museu da Cidade), mas a preservação do edifício em si e seu reconhecimento pela população campinense como patrimônio e parte de sua própria história não existe. Há diversos prédios históricos vazios, sem qualquer tipo de uso, o que prejudica sua manutenção e deixa seus arredores com fama de “inseguros”. O próprio Museu da Cidade de

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Campinas, instalado no edifício fabril da Companhia Lidgerwood, bem na frente da antiga ferroviária, mantém suas portas fechadas há anos. A região central de Campinas (assim como na maioria das cidades de São Paulo) sofreu um processo de esvaziamento da população residente, principalmente por conta da valorização da terra, mas também pela especialização da região em abrigar comércio e serviços.

Identidade e Sociabilidade O resultado do abandono do centro é a perda da identidade da população campineira com a região. Os habitantes não reconhecem no centro uma parte da sua história, quase nem reconhecem-no como parte da história da cidade. A falta de residências e de equipamentos de lazer faz com que as atividades ali desenvolvidas se resumam às do comércio durante o dia e a ruas desertas à noite. Posto tudo isso, a intervenção aqui proposta tem como objetivo o resgate da identidade e da sociabilidade no centro de Campinas. Para tanto, serão contempladas as estratégias já apresentadas levando em consideração as características particulares da região. É necessário valorizar o patrimônio da região e implementar equipamentos que funcionem à noite, além de configurar o projeto como um local que atraia o uso e estimule a sociabilidade. Ao resgatar o uso do centro para o lazer, espera-se que os vínculos de identidade se construam novamente.


Área de Intervenção Dom Pedro I


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Região Central e Zoneamento

O terreno do projeto se encontra na Z17, que segundo Lei de Uso e Ocupação do Solo é “destinada basicamente à área central da sede do Município”, sem que seja definido um uso certo. As áreas ao redor têm uso misto ou residencial. As áreas verdes são áreas públicas ou Z18, uma zona de proteção de espaços de interesse ambiental ou sócio-cultural. Chama atenção especial a grande área da ferrovia, logo ao sul do terreno de intervenção, onde se localizam a rodoviária e a antiga ferroviária. A demarcação desse local como área de interesse sugere que poderá ser alvo de projetos de impacto que poderão transformar profundamente a região.


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Região Central e Infraestruturas 0

500 M

1000m

Os pontos destacados são infraestruturas e equipamentos de impacto na região. Dentro do raio de 1000m demarcado pelo círculo em torno da área de intervenção, vemos diversos equipamentos culturais e históricos, além de pontos fundamentais do transporte municipal, como a rodoviária municipal e dois terminais de ônibus. Fora do círculo, mas ainda relativamente próximos, há outras estruturas importantes, em especial a prefeitura e o Bosque dos Jequitibás (área verde de porte mais próxima).


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Área de Projeto e Principais Vias 0

250 M

500m 100m

O terro alvo do projeto é cercado por vias importantes, sendo que várias delas se tornam subterrâneas para passar pela linha férrea e se encontrar, ainda debaixo da terra, com a Av. Prefeito Faria Lima, que desemboca ao sul da estrada de ferro. Todas as vias em destaque são importantes ou para ligar de maneira rápida a área com a rodovia Anhanguera (Av. João Jorge e Lix da Cunha) ou para configurar corredores diretos para outros bairros da cidade.


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Área de Projeto e Infraestruturas 0

250 M

500m

Dentro de um raio de 500m e próximo a ele, estão marcados os equipamentos mais importantes para a região. É interessante destacar os dois hospitais de porte que aparecem dentro do raio, as duas escolas estaduais, os diversos equipamentos culturais e outros equipamentos de educação e de administração municipal. É, portanto, uma área muito bem estruturada com equipamentos de saúde, educação e cultura, mesmo que essa última categoria não esteja em suas melhores condições de uso e preservação.


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O uso é majoritariamente comercial, mas a existência de residências não é nula. O projeto poderá instalar um polo habitacional denso que será beneficiado pelo comércio, serviços e instituições da área, além de estimular novas iniciativas que ocupem os vazios existentes e aumentem o uso habitacional da região.

Área de Intervenção e Uso do Solo 0

comércio e serviços estacionamento (comércio)

religioso

misto

educacional

habitacional

institucional

edifício abandonado

áreas verdes

cultural

saúde

50 M


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O levantamento engloba apenas as quadras mais próximas ao terreno de intervenção, pois são as que terão verdadeiro impacto no resultado do projeto. Nota-se gabaritos muito heterogêneos, com contrastes entre casas térreas e torres comerciais com mais de 20 andares. O projeto deverá observar tais contrastes buscar o equilíbrio entre a verticalização dos prédios novos e os gabarito baixo de casas, comércios e do patrimônio tombado ao redor.

Área de Intervenção e Gabaritos do Entorno

1 a 2 pavimentos

7 a 9 pavimentos

15 a 20 pavimentos

3 a 6 pavimentos

10 a 15 pavimentos

mais de 20 pavimentos


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Bens Tombados ou em Processo de Tombamento Próximos à Área de Intervenção 10 13

9 8 12 5 3

11 4

1 2

6 7


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Bens tombados

Bens em processo de tombamento 1 – Áreas adjacentes da ferrovia 2 – Estação Cultura (antiga ferroviária) 3 – Túnel de pedestres sob a linha férrea 4 – Praça Marechal Floriano Peixoto 5 – Antiga sede da Cia Lidgerwood 6 e 7 – Casarões no calçadão 13 de maio 8 – Chaminé 9 – Fachada de antiga fábrica 10 – Escola Estadual Orosimbo Maia 11, 12 e 13 – Casas O entorno imediato da área de intervenção concentra grande número de edifícios tombados e ainda alguns em processo de tombamento. Além te toda a área da ferrovia, podemos destacar as quadras adjacentes à quadra de intervenção, que possuem testemunhos da arquitetura fabril da época em que as atividades industriais de Campinas se concentravam ali. É essencial perceber que o terreno é cercado por três lados de áreas patrimoniais, às quais deverá ser dada a devida atenção no momento do projeto.



Como


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Diretrizes

Camadas Dar maior importância espaços de sociabilidade.

aos


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Programa Habitação Comércio Restaurantes / Bares / Cafés Cinema

Vincular atividades que tragam uso diversos à área, e garantam o movimento em vários momentos do dia.


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Circulação Funcional

RODOVIÁRIA E TERMINAL MUNICIPAL CENTRO

TERMINAL CENTRAL


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Circulação Cultural Edifício Tombado Abandonado Proposta de novo uso relacionado ao projeto

CENTRO

Museu da Cidade Proposta de nova entrada lateral

Estação Cultura e Área Abandonada da Ferrovia Patrimônio tombado com alto potencial de se tornar área pública de lazer


Proposta

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Volumetria e Entorno


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Implantação

0

20 M


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Gabaritos e Entorno Elevação Oeste

Elevação Sul


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Distribuição do Programa Privado Comum Coletivo


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Equipamentos Culturais


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Gabaritos ReferĂŞncia

Da lâmina - 7 andares

Da torre - 13 andares


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Circulações Previstas Edifício Tombado Abandonado Proposta de novo uso relacionado ao projeto

RODOVIÁRIA E TERMINAL MUNICIPAL

CENTRO

A

Museu da Cidade Proposta de nova entrada lateral

ESTAÇÃO CULTURA

TERMINAL CENTRAL


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Áreas Livres e Vegetação

1 1 2 4

2

3

3 4 0

ÁREAS LIVRES 1. Praça do Cinema 2. Praça Cultural _ integração entre os equipamentos culturais e passível de apropriação 3. Átrio _ ligação dos térreos sob laje perfurada, local recluso passível de apropriação 4. Área apropriável pelo Comércio 5. Área de circulação

0

VEGETAÇÃ0 1. Pré-existente _ composição com a entrada do cinema 2. Controlada em canteiros _ composição da praça e da laje de cobertura 3. Densa _ transição para a rua


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COLETIVO Subsolo – Garagem e Cinema

0

20 M


Cinema 2

3 7

1

4

8

5 6

9 9

10 11 10

1. Escada de acesso 2. Desnível vencido com blocos de concreto de 0,5m a 5m de altura 3. Praça do Cinema 4. Elevador de acesso a partir da praça do térreo 5. Recepção e Espera 6. Bilheteria e Bomboniére 7. Banheiros 8. Adninistração 9. Salas de Projeção 10. Salas de cinema (capacidade de 272 pessoas por sala) 11. Garagem




58

COLETIVO Térreo – Praça Cultural e Átrio

0

20 M


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1. 2. 3.

4.

Acesso ao cinema por escada 5. Acesso ao cinema por elevador 6. Entrada ocasional de automóveis para 7. atender ao restaurante do edifício e aos8. comércios do térreo 9. Acesso de abastecimento ao 10. restaurante com escada de incêndio 11.

Café Livraria Mercado Bar / Restaurante / Lanchonete Núcleos de circulação vertical do edifício Zeladoria e recebimento de correio Entrada para a garagem

1 2 7

9

6

9

3

8 5 11

4

9 10

9





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COMUM Primeiro Pavimento – Laje Jardim e Convívio

0

20 M


65

1. 2. 3. 4.

Laje Jardim – ligações, percursos e lazer ao ar livre Restaurante Comunitário Cozinha Jogos, TV e Estar

5. 6. 7. 8.

Lavanderia Trabalho e concentração Núcleo de Circulação Vertical Acesso de abastecimento ao restaurante com escada de incêndio

4 7 2

7 5

1 3

8

7 6 7





69


70

PRIVADO Pavimento Tipo - Apartamentos

0

20 M


71

1. 2. 3.

Apartamento de 2 mรณdulos Apartamento de 3 mรณdulos Espaรงo comum do andar, poderรก ter usos diversos 1 1 1 2

2 1

1 2 1

3

1 2

1

2



Corte A-A’ Relação entre os monólitos, os desníveis e o espaço de espera do cinema

A’

C’

A


Corte B-B’ Relação entre o piso térreo da Praça Cultural com as salas de cinema, a bilheteria e o conjunto habitacional ao fundo.

B C’

B’


Corte C-C’ Relação entre o átrio e a laje jardim no piso comum. C’

C

C’


Corte D-D’ Relação entre o cinema, a garagem, a praça cultural, o átrio e a laje jardim.

D’

D


Corte E-E’ Relação entre o cinema, a garagem e sua rampa de entrada, a praça cultural, o átrio e a laje jardim.

E’

E


Apartamentos Flexíveis Propõe-se que apenas a área molhada seja fixa, enquanto o restante da planta pode ser configurada de acordo com as necessidades dos moradores. Além disso, as medidas são mínimas, já que se espera que os habitantes passem mais tempo nas áreas comuns do edifício. Assim, os apartamentos se baseiam no módulo de 2,5m x 5,5 de eixo a eixo. O andar tipo é composto por apartamentos de 2 e de 3 módulos, de maneira a possibilitar uma maior variedade de habitações e com ela, de perfis familiares. A seguir apresentam-se algumas sugestões de plantas para os apartamentos de 2 e 3 módulos.

+

=

+

+

=

78


79

1_ até 3 moradores (perfil familiar)

Tipo 1 dois módulos 1:75

2_ até 2 moradores (perfil solteiro ou casal)

3_ até 2 moradores (perfil solteiro)


4_ até 4 moradores (perfil familiar)

80

Tipo 2 três módulos 1:75

5_ até 4 moradores (perfil familiar)


81

6_ atĂŠ 3 moradores (perfil familiar, atende a cadeira de rodas)

d=1,5m

d=1,5m

d=1,5m

d=1,5m

d=1,5m


Bibliografia

82

Teoria e Projetos: • Jane Jacobs

• The City at Eye Level Editors: Hans Karssenberg, Jeroen Laven, Meredith Glaser & Mattijs van ‘t Hoff • Questões e propostas para as cidades hoje: • The Walkable City - Jeff Speck • Brilliant designs to fit more people in every city - Kent Larson • Marilice Costi (a cidade e a alcova) Cohousing: • http://wikihaus.com.br/blog/coliving-uma-tendencia-urbanaem-compartilhamento-de-moradias/ • http://cohousing.ca/history-of-cohousing/ • http://www.karavans.com/cohousing.html • http://www.cohousing.org/node/1537 • http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/02763893.2015.989770 Prefeitura de Campinas: • http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/planodiretor2006/ • http://www.campinas.sp.gov.br/governo/seplama/publicacoes/planodiretor2006/pd2006mapas.php • http://campinas.sp.gov.br/governo/cultura/patrimonio/index.php


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