MESTRES DA ARQUITETURA MODERNA PAULISTANA:
ABRAHÃO SANOVICZ E PAULO BASTOS UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS RESIDÊNCIAS DOS ARQUITETOS EM SÃO PAULO Parte 1
ELIS JORDÃO STROPA 2017 1
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MESTRES DA ARQUITETURA MODERNA PAULISTANA:
ABRAHÃO SANOVICZ E PAULO BASTOS UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS RESIDÊNCIAS DOS ARQUITETOS EM SÃO PAULO
Processo: 2015/23726-2. Iniciação Científica Beneficiário: Elis Jordão Stropa Universidade de São Paulo. Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo do IAU – USP São Carlos. Orientador: Prof. Dr. Paulo Yassuhide Fujioka
Elis Jordão Stropa Bolsista de Iniciação Científica São Carlos 08/03/2017
Paulo Yassuhide Fujioka Orientador São Carlos 08/03/2017
Instituto de Arquitetura e Urbanismo - USP São Carlos Relatório Final referente ao segundo semestre de pesquisa de bolsa de Iniciação Científica concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.
São Carlos, 08 de março de 20
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MESTRES DA ARQUITETURA MODERNA PAULISTANA: ABRAHÃO SANOVICZ E PAULO BASTOS UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS RESIDÊNCIAS DOS ARQUITETOS EM SÃO PAULO
Processo: 2015/23726-2. Iniciação Científica Beneficiário: Elis Jordão Stropa Universidade de São Paulo. Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo do IAU – USP São Carlos. Orientador: Prof. Dr. Paulo Yassuhide Fujioka Instituto de Arquitetura e Urbanismo – USP São Carlos
Relatório Parcial referente ao primeiro semestre de pesquisa de bolsa de Iniciação Científica concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP.
São Carlos, 10 de agosdo de 2016 1
Sumário 1. Introdução .................................................................................................................... 6 2. Objetivos..................................................................................................................... 11 3. Metodologia ............................................................................................................... 12 4. Atividades Realizadas ................................................................................................. 13 5. Resultados Parciais ..................................................................................................... 14 5.1. Contexto .............................................................................................................. 14 5.1.1. O pós-guerra e a predominância do Moderno............................................. 15 5.1.2. O crescimento urbano de São Paulo ............................................................ 16 5.1.3. São Paulo como novo polo cultural .............................................................. 20 5.1.4. A polêmica de Brasília .................................................................................. 23 5.1.5. O surgimento do brutalismo paulista ........................................................... 27 5.2. Os Arquitetos ....................................................................................................... 36 5.2.1. Abrahão Sanovicz ......................................................................................... 38 5.2.2. Paulo Bastos ................................................................................................. 59 6. Considerações Parciais ............................................................................................... 69 7. Plano de trabalho para o segundo semestre ............................................................. 71 8. Bibliografia do relatório parcial .................................................................................. 72
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Lista de figuras Figura 1: Croqui de Artigas da casa Olga Baeta .............................................................. 31 Figura 2: A "Casa", autoria de Abrahão Sanovicz ........................................................... 43 Figura 3: Centro Comunal............................................................................................... 45 Figura 4: Clube Náutico .................................................................................................. 45 Figura 5: Iate Clube Londrina ......................................................................................... 47 Figura 6: Sede do Banespa Recife................................................................................... 49 Figura 7: Fórum de Bragança Paulista. ........................................................................... 49 Figura 8: Detalhe: pingadeira CECAP Serra Negra.......................................................... 50 Figura 9: Edifício Abaté - elevação frontal e foto correspondente. ............................... 51 Figura 10: Casa de Praia J. C. Pellegrino ......................................................................... 60 Figura 11: Quarteis Generais de São Paulo .................................................................... 61 Figura 12: Grupo Escolar Vila Brasília ............................................................................. 62 Figura 13: Fluidez de espaços na residência Paulo Bastos ............................................. 63 Figura 14: Reidência Paulo Bastos.................................................................................. 64 Figura 15: Escola Augusto Laranja .................................................................................. 65 Figura 16: Plano para o Espaço Criança.......................................................................... 66
Lista de tabelas Tabela 1: Cronograma de atividades. ............................................................................. 13
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Resumo A produção dos arquitetos Paulo Bastos e Abrahão Sanovicz é consagrada no quadro da Arquitetura Moderna Brasileira, mas muito pouco lembrada atualmente – talvez porque ainda existe pouca pesquisa produzida acerca das obras destes arquitetos eminentes da chamada Escola Paulista, e que já ameaçam cair no esquecimento. Neste sentido, o projeto de pesquisa objetiva fazer uma análise comparativa das residências projetadas pelos arquitetos para eles mesmos, construídas na década de 1970 na cidade de São Paulo. As comparações devem: 1) considerar o contexto histórico da evolução da cidade de São Paulo no século XX na região em que as casas foram construídas (City Butantã e City Alto de Pinheiros); 2) analisar os projetos como expressão do partido da Escola Paulista, especialmente em relação aos aspectos do detalhamento dos projetos; 3) investigar os projetos através de análise gráfico-espacial sistemática das obras. Os procedimentos incluirão revisão bibliográfica do contexto histórico, da biografia dos arquitetos, da obra arquitetônica e dos processos de trabalho de cada um. O levantamento de campo de casos de estudo inclui visitas técnicas a cada casa. Espera-se, com os resultados obtidos, contribuir para o debate sobre a Escola Paulista, seus arquitetos e suas práticas de projeto; prover subsídios para o resgate da prática projetual do detalhe arquitetônico por parte de arquitetos e das escolas de arquitetura; e lançar novas luzes sobre as obras de Sanovicz e Bastos.
Abstract The design work of Brazilian architects Paulo Bastos and Abrahão Sanovicz, representatives of the so-called Escola Paulista, is respectfully celebrated in the realm of Modern Brazilian Architecture, but their works do not come to mind within the current architectural debate in Brazil – maybe because there is no major scholarship on the subjects so far, apart a few fine, pioneering research work. There is still risk of the architectural oeuvre of both architects falling into oblivion. In this sense, this research project aims to produce a comparative analysis of the houses designed by each architect for themselves in São Paulo during the 1970s. This comparative analysis takes into account 1) the historical context of the urban growth of São Paulo in the 20th Century, particularly the garden neighbourhoods of City Butantã and City Alto de Pinheiros; 2) the study of both houses as expressions of the Escola Paulista’s architectural partii, particularly on the issue of architectural detail design; 3) investigating the house designs through graphic and spatial analysis. These aims will be achieved by means of bibliography and 4
scholarship review of the historical context, the biography and careers of both Sanovicz and Bastos, and the design methods of each architect. The fieldwork for the graphic and spatial analysis will include technical visits to each house. The resulting research will, hopefully, contribute to the ongoing debate regarding the Escola Paulista, its members and their design practices; contribute to a renewed approach to architectural detail design for architects and schools of architecture, and shed new lights to the design works of Sanovicz and Bastos.
Apresentação O relatório aqui apresentado é referente ao primeiro semestre de pesquisa feita pela aluna Elis Jordão Stropa, graduanda do curso de Arquitetura e Urbanismo do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos (IAU-USP). Intitulada “MESTRES DA ARQUITETURA
MODERNA PAULISTANA: ABRAHÃO SANOVICZ E PAULO BASTOS – UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS RESIDÊNCIAS DOS ARQUITETOS EM SÃO PAULO”, a pesquisa foi outorgada com bolsa de iniciação científica da FAPESP e é orientada pelo Prof. Dr. Paulo Yassuhide Fujioka, integrando o conjunto de trabalhos do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Estudos de Linguagem em Arquitetura e Cidade do IAU-USP(N.ELAC). O presente documento tem por objetivo apresentar e publicar os resultados das atividades realizadas nos primeiros cinco meses de bolsa (de março de 2016 a agosto de 2016). Como parte preliminar da pesquisa, o estudo do contexto histórico e das biografias dos arquitetos Abrahão Velvu Sanovicz e Paulo de Mello Bastos tem como finalidade compreender as forças que influenciaram os dois arquitetos no momento histórico do projeto de suas próprias residências em São Paulo. Os acontecimentos e dinâmicas sociais, culturais econômicas e tecnológicas da época em que ambos se formaram na FAU e começaram a trabalhar, contribuíram para o processo projetual e a obra arquitetônica destes arquitetos. Pretende-se com esse estudo, agregar bases para a realização, no segundo semestre da pesquisa, de uma análise projetual comparativa entre os dois projetos a partir de leituras visuais e gráficas dos projetos das duas residências, levando-se conta o estado do debate político, cultural e social, além do estado da tecnologia da construção civil, da época. O levantamento bibliográfico documental e histórico aqui apresentado consistiu na primeira etapa dessa pesquisa. Este trabalho também pretende contribuir para o conjunto de pesquisas do grupo N.ELAC do IAU-USP no sentido de aprofundar as pesquisas no campo dos métodos projetuais dos arquitetos – a partir da análise comparativa arquitetônico-construtiva mencionada acima – 5
levando-se em conta não apenas a análise gráfico-visual, mas a obra e ideias de dois profissionais extremamente competentes e que executaram obras de alta qualidade plástica e de funcional. A análise dos casos de estudo também leva em consideração a importância do detalhamento projetual da construção e a análise de elementos sutis do contexto da obra a serem levados em consideração.
1. Introdução Na história da Arquitetura Moderna Brasileira, a obra de alguns profissionais destacase pela importância do detalhamento técnico para a qualidade do projeto arquitetônico, aspecto que vem sendo relativamente pouco valorizado no ensino de arquitetura atualmente. Da mesma forma, trajetórias de arquitetos consagrados de um passado ainda recente, como os arquitetos da Arquitetura Moderna Paulista, também chamada de Escola Paulista, passam ao largo da maior parte das salas de aula devido à pouca pesquisa e/ou divulgação realizada. Para efeito desta pesquisa, considera-se que a “Escola Paulista” seja formada pelos arquitetos cujas obras são listadas no compêndio Arquitetura Moderna Paulistana, de Eduardo Corona, Carlos A.C. Lemos e Alberto Xavier (1983), sejam aqueles influenciados pela obra dos arquitetos influenciados pelas ideias e projetos de João Batista Vilanova Artigas e Carlos Milan como Eduardo de Almeida, Paulo Mendes da Rocha, Miguel Juliano, Décio Tozzi, João Walter Toscano, Abrahão Sanovicz, Joaquim Guedes Sobrinho, Jon Maitrejean, Eduardo Corona, Jorge Wilheim, Pedro Paulo de Melo Saraiva, Paulo Bastos, Oswaldo Correa Gonçalves, Eduardo Kneese de Mello, Paulo de Camargo e Almeida, Ruy Ohtake (em sua fase inicial), Siegbert Zanettini (idem), Israel Sancovski e Jerônimo Bonilha Esteves, Ubyrajara Gilioli (sem contar Arthur Fajardo Netto, Armando Paoliello, não mencionados especificamente, mas com obras de características similares); bem como Oswaldo Arthur Bratke, Gregori Warchavchik, Rino Levi, Jacques Pilon, Lucjan Korngold, Giancarlo Palanti, Franz Heep, Salvador Candia, David Libeskind, Rodolpho Ortenblad (além de Hélio Duarte, Ernest Mange, Alberto Botti, Miguel Forte e Giancarlo Ciampaglia, Jacob Ruchti, não mencionados especificamente, mas com obras de características similares). Desta forma, a pesquisa dos projetos arquitetônicos de alguns membros da Escola Paulista ainda é um vasto campo de pesquisa a ser explorado, tanto para a História da Arquitetura e do Urbanismo como o do estudo e análise do Projeto, inclusive do detalhe arquitetônico. Neste sentido, chamam atenção a obra dos arquitetos paulistanos Paulo Bastos e Abrahão Sanovicz, caracterizada pela síntese formal programa/espaço definida pelo partido 6
arquitetônico, com materiais e estruturas aparentes; pelas aberturas generosas que buscavam romper os limites entre interior e exterior; e pelo detalhe bem resolvido integrado ao projeto, que não é somente pensado a posteriori. Abrahão Velvu Sanovicz (1933-1999) é lembrado, em alguns artigos e pesquisas, por projetos como o Iate Clube de Londrina (1959), escolas para o IPESP-Instituto de Previdência do Estado de São Paulo, vários conjuntos habitacionais de interesse social (incluindo o Pascoal Melantonio e o Celso dos Santos em Guarapiranga), os edifícios de apartamentos para a construtora FormaEspaço, o edifício residencial Abaeté, escolas para a FDE, a agência do BANESPA em Recife, o SENAC-Jundiaí e o SESC-Araraquara. Paulo de Mello Bastos (1936-2012) destacou-se não apenas como profissional de projeto, como também pela atuação em cargos públicos, incluindo passagens como conselheiro e presidente do CONDEPHAAT. Sempre lembrado pela produção prolífica de edifícios para fins escolares, casas unifamiliares, agências bancárias; e pelos projetos do Clube Paineiras do Morumbi e da antiga sede do II Exército (atual Comando Militar do Sudeste) no Ibirapuera; também coordenou o restauro da Catedral Metropolitana da Sé, entre outras obras de preservação do patrimônio histórico arquitetônico. Aprofundar a pesquisa sobre estes dois arquitetos é de grande relevância para o quadro da história da Arquitetura Moderna Paulista. Esta pesquisa de Iniciação Científica procura conjugar a linha de pesquisa do orientador sobre a Escola Paulista / Arquitetura Moderna Paulista com outra linha de investigação do orientador – como membro do N.ELac Núcleo de Apoio a Pesquisa para os Estudos de Linguagem em Arquitetura e Cidade da Universidade de São Paulo, baseado no IAU-USP São Carlos – de investigação dos processos de criação da arquitetura através da análise gráfica do projeto arquitetônico. Assim sendo, esta pesquisa de Iniciação Científica abordará de forma comparativa a obra dos arquitetos Abrahão Sanovicz e Paulo Bastos através da análise de caso de estudo de projeto de cada arquiteto. O orientador já tem em andamento com bolsa FAPESP outra pesquisa de Iniciação Científica com análise comparativa de dois casos de estudo de projetos de arquitetura residencial unifamiliar. Para tanto, optou-se para os casos de estudo as próprias residências dos arquitetos, projetadas por eles mesmos. Muito se fala sobre a liberdade que o arquiteto adquire ao projetar sua própria residência, e isso porque nesse momento não precisa lidar com certas “barreiras”, que surgem quando projeta para um cliente. Ao fazer o projeto de sua própria casa, o arquiteto tem a
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oportunidade (muitas vezes única) de experimentar suas ideias sem empecilhos que não as normas de construção civil do município. O resultado dessa liberdade é uma experimentação formal, de programa, de partido e de soluções que pode ser considerada uma síntese das ideias do arquiteto. Embora tal solução de projeto se molde pelos determinantes históricos e urbanos de cada município (como a legislação de obra e uso do solo, o sítio disponível e seu entorno), a situação apresentada é a que mais se aproxima daquilo que se pode chamar de “ideal” para que o arquiteto possa pôr em prática suas reflexões sobre a habitação unifamiliar como tipologia. Esta pesquisa parte do geral para o particular, ou seja, da evolução da cidade, do contexto histórico urbano que envolve as residências de ambos os arquitetos, localizadas em dois bairros jardins da Companhia City: City Alto de Pinheiros (1925/1937 em diante) e City Butantã (1930 em diante). O partido arquitetônico da Escola Paulista considerava o projeto do geral para o particular, da cidade para o sítio, a leitura da paisagem urbana do entorno era essencial para as decisões de projeto. Neste sentido, é necessário situar a construção das duas obras no momento de expansão urbana de São Paulo no sentido oeste após a II Guerra Mundial, com a retificação do Rio Pinheiros, a construção da Cidade Universitária da USP e do Estádio do São Paulo Futebol Clube no Morumbi com projeto de Vilanova Artigas. Os terrenos disponíveis eram de dimensões generosas para um custo relativamente modesto na época, o que levou à compra feita por diversos jovens arquitetos de lotes nessa região nas décadas de 1950 e 1960, principalmente aqueles vinculados à USP. Dessa forma, os dois bairros adjacentes contêm vários exemplos relevantes da arquitetura residencial da Escola Paulista, incluindo exemplos de diversos arquitetos que construíram suas próprias casas no período 1970-76. Assim sendo, esta pesquisa propõe reunir e estudar os dados essenciais para efetuar uma leitura gráfico-espacial dos projetos das residências dos arquitetos Abrahão Sanovicz e Paulo Bastos, além de analisá-las de acordo com seu contexto histórico e urbano. O entendimento do processo de projeto desses arquitetos e o papel do “pensar o detalhe” em cada projeto será também um objeto de estudo, buscando-se entender como desenhar e redesenhar o detalhamento pode ser um fator decisivo para a forma final do projeto arquitetônico. Com o entendimento do processo de projeto junto à leitura gráfico-espacial e
à análise histórica, pretende-se chegar a uma compreensão do processo de projeto destas casas, e verificar como a prática de projeto destes arquitetos consagrados, mas ainda tão 8
pouco abordados na historiografia da arquitetura brasileira ainda tem a contribuir para o ensino de Projeto.
Justificativa Muito da produção arquitetônica brasileira atual parece ser pensada como uma resolução puramente formal, que não se preocupa com o detalhamento, comumente considerado um aspecto unicamente técnico, que não contribui com a arquitetura. Isto contrasta totalmente com a visão dos arquitetos pioneiros do Movimento Moderno, particularmente no Brasil, que detalhavam até itens de esquadrias, marcenaria e serralheria (isso também devido à ausência de componentes adequados no mercado, na primeira metade do século XX), conforme mostram as pranchas de projeto executivo de profissionais como Rino Levi e Oswaldo Bratke no acervo de projetos da Biblioteca da FAUUSP. Entretanto, desde os anos 60 o ensino de arquitetura já não se empenha tanto em formar um profissional atento aos detalhes construtivos, parcialmente devido à supressão do debate acadêmico nos anos do Regime Militar, que também afastou muitos professores da universidade, como João Batista Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha e Jon Maitrejean. Graças aos depoimentos de ex-alunos ou colaboradores de Levi e Bratke, sabe-se como estes arquitetos e professores enfatizavam que o detalhamento exaustivo, claro e legível do projeto garantia ao arquiteto a execução da obra sem mal-entendidos ou interpretações equivocadas no canteiro, além de ser um documento das intenções da proposta. O descuido com esta prática pode ocasionar sérias dificuldades na execução das obras. Tanto Sanovicz como Bastos foram profissionais que não descuidavam do detalhamento do projeto. Nas casas que projetaram para suas famílias, entre os anos de 1970 e 1976, não foi diferente. O cuidado com o detalhe arquitetônico mostra esses arquitetos como portadores de um conhecimento técnico/executivo e uma capacidade de criação do detalhe que hoje é cada vez mais raro de ser encontrado. O projeto e construção de uma habitação unifamiliar sempre foi um campo muito rico de possibilidades para o arquiteto, ao envolver um leque de questões que vão dos anseios do cliente o partido, a funcionalidade e o genius loci. Desse modo, quando um arquiteto projeta sua própria casa, tem o mínimo de influências externas a seus próprios ideais, o que torna o projeto uma oportunidade única, assegurada uma liberdade inusitada de expressão e experimentação de programa, partido, estrutura, conforto ambiental, paisagismo, etc. Objeto de publicação em revistas, livros e trabalhos acadêmicos, as residências dos arquitetos Abrahão Sanovicz e Paulo Bastos são referência também na carreira de ambos, e na História da 9
Arquitetura Moderna Paulistana, justamente por constituir casos exemplares das considerações acima. Desta forma, enquanto pesquisa de Iniciação Científica, estas obras apresentam enorme potencial para o estudo de um momento muito rico do Movimento Moderno no Brasil (ZEIN, 2006, 2007, WOLF, 2003) – como exemplos impecáveis da Escola Paulista de vertente influenciada por Artigas e Millan, também definida como “brutalista” por pesquisadores como Ruth Verde Zein (ZEIN, 2006, 2007). Assim, também constituem ricos casos de estudo para a leitura e análise sistemática de projetos de arquitetura e da representação arquitetônica, dentro das questões expostas nos parágrafos acima. Por fim, esta pesquisa traz uma contribuição para campos ainda pouco estudados na historiografia da Arquitetura Moderna no Brasil: o da Residência do Arquiteto e das obras dos arquitetos Abrahão Sanovicz e Paulo Bastos, ainda relativamente pouco abordados academicamente. Esta pesquisa de Iniciação Científica faz parte de uma linha de IC desenvolvida pelo docente orientador de pesquisa no campo da Residência do Arquiteto no Movimento Moderno, baseado na rica tradição dos projetos de casas de arquitetos como os de Le Corbusier, Frank Lloyd Wright, Walter Gropius, Marcel Breuer, Mies van de Rohe, Alvar Aalto, até os contemporâneos Tadao Ando e Frank Gehry, passando por Gregori Warchavchik, Rino Levi, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, João Batista Vilanova Artigas, Oswaldo Bratke, Lina Bo Bardi, Joaquim Guedes, Eduardo de Almeida, Marcos Acayaba, etc. O objetivo é não apenas levantar os casos de estudo dentro do domínio da Teoria e História da Arquitetura, como também analisar os projetos no sentido de entender como eles podem contribuir para a formação atual do arquiteto e para o debate e a prática da produção contemporânea – através das inovações técnicas e do rigor projetual. Outro ponto importante é a localização das casas nos bairros-jardim do Alto de Pinheiros e Butantã em São Paulo e a época de construção, na década de 1970, parte do processo de expansão urbana da cidade em direção oeste no pós-guerra. Tal contexto possibilita a aplicação de uma metodologia que permite inserir os dois casos de estudo no quadro urbanístico maior da história da metropolização de São Paulo no século XX. Esta pesquisa constitui parte e aplicação de pesquisa do docente orientador no sentido de apresentar e discutir formas, métodos, critérios de leitura e análise dos desenhos de projetos de arquitetura, objetivando mostrar como o desenho técnico do projeto arquitetônico pode atuar como instrumento de percepção e interpretação da obra de arquitetura e das ideias do arquiteto.
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Desta forma, o objetivo da pesquisa também é investigar práticas e métodos de leitura e análise gráfica do projeto de arquitetura, não somente no sentido de entender o artefato arquitetônico, como profissional de projeto e canteiro, como também fazer desta sistemática de leitura do projeto e da obra um subsídio para a prática de projeto, na escola e na prática do ofício – na medida em que tal análise permite entender a espacialidade tectônica e o processo criativo de projeto, inclusive enquanto detalhe arquitetônico. O projeto de IC também está vinculado, através do orientador ao grupo de pesquisa N.ELac-USP Núcleo de Apoio a Pesquisa para os Estudos de Linguagem em Arquitetura e Cidade da Universidade de São Paulo, baseado no IAU-USP São Carlos, e deverá complementar as demais pesquisas que ocorrem nessa área. O estudo se revela importante para mostrar o desenho técnico do projeto arquitetônico como ferramenta de percepção e interpretação da obra de arquitetura e das ideias do arquiteto, contribuindo para o entendimento da espacialidade material e do desenvolvimento do projeto e da construção de modo. Tal contribuição é essencial para como subsídio e reflexão das decisões tanto do aspirante a arquiteto como do profissional de projeto.
2. Objetivos Objetivos Gerais Efetuar a análise comparativa das residências dos arquitetos Abrahão Sanovicz e Paulo Bastos a partir do resgate de aspectos históricos, estudo gráficos dos projetos e identificação dos processos projetar e da importância do detalhe para o resultado final das obras. A análise comparativa das casas poderá ser o primeiro passo de uma pesquisa projetual mais ampla sobre a Escola Paulista, demonstrando uma riqueza e variedade inusitada de soluções de projeto por parte de seus arquitetos, que ultrapassaria os cânones estabelecidos pelos seus mestres fundadores como Artigas e Milan.
Objetivos Específicos 1) De modo a contribuir para o estudo da obra de Abrahão Sanovicz e Paulo Bastos e de identificar o método projetual de ambos, pretende-se compreender o contexto histórico da cidade de São Paulo na época em que ambas as residências foram projetadas e construídas e de como as condicionantes históricas possam ter influenciado (de modo similar ou diferente), os processos de trabalho e de criação desses arquitetos.
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2) O projeto busca entender os fatores externos e internos que influenciaram as soluções de projeto de cada arquiteto para sua respectiva residência. Para tanto, deverá ser feito um estudo de cada uma das casas tendo em vista: seu contexto histórico e urbano; as estratégias de projeto características da Escola Paulista; e o papel do detalhamento em ambas as obras. Com o estudo de tais fatores será possível compreender os motivos de determinadas escolhas dos arquitetos e das qualidades espaciais e formais apresentadas por cada casa. 3) Deverá ser realizada uma leitura e análise gráfica de cada projeto de arquitetura, não somente no sentido de entender o artefato arquitetônico, mas também da atuação de seu autor como profissional de projeto e no próprio canteiro de obras. Na medida em que essa análise permite entender a espacialidade tectônica e o processo criativo de projeto (inclusive enquanto detalhe arquitetônico), a sistemática de leitura do projeto e da obra aqui desenvolvida poderá se tornar um subsídio para a prática de projeto, na escola e na prática do ofício, de modo a contribuir para a melhoria da qualidade da arquitetura contemporânea.
3. Metodologia Neste relatório descreve-se as atividades de levantamento bibliográfico sobre a carreira dos arquitetos Abrahão Sanovicz e Paulo Bastos bem como do contexto histórico das suas obras para melhor compreensão de suas soluções arquitetônicas. Fez-se ainda a leitura do espaço e do contexto urbano histórico do entorno, reconhecendo condicionantes do planejamento urbano de seu tempo, bem como do desenvolvimento dos bairros onde as residências foram construídas. As obras lidas e analisadas abordam história da arquitetura e da cidade de São Paulo (Bastos e Zein 2010, Segawa 1998, Bruand 1997, Fujioka 1996, Ottoni e Szmrecsanyi 1997), mais especificamente sobre os aspectos e a formação da Escola Paulista (Cunha e Guerra 2012, Vázquez Ramos 2013, Bardi, Casas de Vilanova Artigas 1950, Bastos e Zein 2010, Segawa 1998). Também foram feitas leituras de textos escritos na época dos debates e críticas sobre a arquitetura moderna (Artigas 1952, Bardi, Bela Criança 1951), complementados por uma leitura aprofundada sobre o concurso e a construção de Brasília (Braga 2010), que traz uma discussão dos contrapontos sobre a cidade, levando em conta não só os insucessos, mas as qualidades da cidade. Foram também analisadas as biografias dos arquitetos estudados.
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4. Atividades Realizadas O trabalho compreende seis atividades principais, desenvolvidas conforme o cronograma apresentado na tabela 1.
Fev/17
Jan/17
Dez/16
Nov/16
Out/16
Set/16
Ago/166
Jul/16
Jun/16
Mai/16
Abr/16
Atividades
Mar/16
Tabela 1: Cronograma de atividades.
Levantamento bibliográfico (histórico e documental) Levantamento bibliográfico (analítico) Análise preliminar dos projetos Leitura gráfica dos projetos Elaboração do relatório parcial Visitas técnicas e entrevistas Elaboração do relatório final
Em cinza escuro, atividades cumpridas; em cinza claro, atividades a serem realizadas. Este relatório foi, assim, elaborado com base no levantamento bibliográfico e documental, que considerou o contexto histórico e da biografia dos arquitetos estudados. A maior parte da bibliografia lida foi definida por indicação do orientador Paulo Yassuhide Fujioka. Coube à pesquisadora a leitura e análise dos textos indicados, bem como a escolha dos conteúdos pertinentes à presente pesquisa, apresentados neste relatório. Para fins didáticos, os conteúdos foram abordados em três blocos: contexto, arquitetos e levantamento preliminar dos projetos das residências. O primeiro teve o objetivo de esclarecer o contexto em que se deu tanto a formação dos arquitetos quanto o surgimento da Escola Paulista, em âmbito nacional e internacional, atentando para a proeminência da arquitetura moderna no Brasil e as críticas que começaram a surgir sobre ela após a segunda guerra mundial. Também foi necessário estudar a formação da cidade de São Paulo, seu crescimento e transformação e polo cultural, e especialmente a atuação da Companhia City na urbanização da cidade com os empreendimentos dos bairros jardins, nos quais se localizam as residências a serem estudadas. Ainda com a intenção de melhor compreender as críticas à arquitetura moderna da Escola Carioca, houve um estudo específico sobre a construção de 13
Brasília, que se deu em paralelo à formação dos arquitetos aqui estudados. As justificativas sobre a escolha do plano de Lúcio Costa e as críticas posteriores à construção da cidade ajudam a entender os feitos da fase ditas “heroica” da Arquitetura Moderna Brasileira e os pontos nos quais tal movimento expõe suas fraquezas e idiossincrasias. Enfim, busca-se as origens da Escola Paulista, que não surge como um movimento unificado e de trajetória uniforme, mas sim como a convergência de diversos trabalhos de diferentes arquitetos que passam a questionar o modernismo tradicional na mesma época, e buscam uma outra arquitetura que não tenha as mesmas falhas. Nessa última parte, fica mais claro o momento onde se inserem Bastos e Sanovicz, como pertencentes a essa geração pós Brasília e que são bastantes influenciados por Vilanova Artigas e Carlos Milan. O segundo bloco, que aborda os casos de estudo, trata principalmente da biografia dos arquitetos estudados. Os materiais encontrados sobre cada um dos arquitetos possuíam enfoques bastantes diferentes, sendo que para Abrahão obtiveram-se informações completas obre sua vida, com depoimentos pessoais, enquanto que para Paulo Bastos as informações biográficas consistiram mais em uma compilação e análise de suas obras, e apenas breves comentários sobre sua vida. O conteúdo sobre o primeiro arquiteto foi de fato maior, mas ainda assim as informações obtidas foram suficientes para levantar, para ambos os arquitetos, os elementos essenciais ao presente estudo. Denota-se assim, na historiografia do Movimento Moderno no Brasil, escassez de informações e dados sobre a vida e carreira de Paulo Bastos, apontando para a necessidade de se ampliar a pesquisa sobre o arquiteto e sua obra. Através de entrevistas desta pesquisa, será possível conhecer mais sobre a obra e ideias do arquiteto.
5. Resultados Parciais 5.1. Contexto Para compreender o surgimento daquilo que convencionou-se chamar de Escola Paulista, é necessário antes de mais nada olhar para a historiografia da arquitetura brasileira de maneira a buscar nela suas primeiras manifestações. É necessário lembrar que a Escola Paulista não surge como um movimento homogêneo com pautas claras, ao contrário, foi composta por diferentes manifestações de diferentes arquitetos que tinham como ponto comum a causa de sua arquitetura, mesmo que as respostas para ele possam ser as mais diversas.
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Desse modo, estudar o contexto do surgimento da Escola Paulista, bem como o contexto do Movimento Moderno e do cenário político brasileiro é essencial para poder então estudar os arquitetos Abrahão Sanovicz e Paulo Bastos, bem como as respectivas residências dentro do contexto em que foram concebidas, projetadas e construídas.
5.1.1. O pós-guerra e a predominância do Moderno Após a Segunda Guerra Mundial, a destruição dos países europeus abre espaço e urgência para que se reflita como as cidades devem ser reerguidas. Nesse momento, a arquitetura moderna já deixava de ser vanguarda para se tornar uma espécie de linguagem “oficial” dos países recém-saídos do conflito mundial como solução para a reconstrução de suas cidades, graças ao discurso progressista, engajado, racionalista e tecnológico. Entretanto, mesmo que o ideário dessa arquitetura tivesse um viés de reforma social, seus métodos construtivos e de projeto muitas vezes levavam a uma construção formalista. Desse modo, ocorre uma adoção generalizada do “estilo” moderno que não necessariamente estava vinculado ao ideário reformista que o originou. A “escolha” do Moderno e do International Style como arquitetura do progresso se deu por diversos motivos, entre eles, a necessidade de reconstrução dos países e de implantação de estruturas para fornecimento dos direitos básicos da população, ou seja, construção de moradias, hospitais, escolas e outros equipamentos necessários. O retorno de milhões de soldados que se encontravam agora desempregados e o crescimento das famílias a partir dos casais formados ou reunidos, com filhos recém-nascidos, contribuíram para que os governos entendessem a necessidade da rapidez com que a reconstrução deveria se dar. Desse modo, fábricas e indústrias que durante a guerra fabricavam armamentos, aviões ou outros equipamentos bélicos, passam agora a se empenhar na fabricação de elementos para a construção civil, contribuindo assim para sua otimização, aprimoramento e rapidez. Os Estados Unidos, em especial, que já era na época o país com a mais avançada indústria da construção civil, abriga arquitetos europeus refugiados da guerra, tais como Mies van der Rohe, Walter Gropius e Marcel Breuer, arquitetos modernos que encontraram no avanço tecnológico daquele país a ferramenta que necessitavam para executar sua Arquitetura Moderna. Diante de tudo isso, a arquitetura moderna se afirma no panorama mundial do pósguerra. No Brasil, desde a guerra, o fim do Estado Novo até o mandato de Juscelino Kubitschek de Oliveira, passando pela Carta de 1946, o forte idealismo que pretende mudar o país fez com que o Movimento Moderno fosse adotado como parte integral de uma nova identidade 15
nacional progressista, que daria início a uma era de desenvolvimento, democracia e prosperidade. Os arquitetos formados nas décadas de 1950 e começo de 1960 se engajaram de forma ativa neste processo. Depois do Estado Novo, os mandatos de Dutra e de Getúlio foram sucedidos pelo de Juscelino Kubitschek e seu lema “cinquenta anos de progresso em cinco anos de governo”, junto à promessa de que o Brasil se modernizaria definitivamente a partir daquela década. O concurso e construção de Brasília seriam abraçados com grande entusiasmo pela população, e reafirmaria a arquitetura moderna da Escola Carioca e do como a “arquitetura nacional”. Segundo Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein, a Escola Carioca foi precocemente consagrada como representante do Movimento Moderno no Brasil. As autoras afirmam que a historiografia sobre arquitetura brasileira que começa a ser produzida a partir da década de 1930 – na qual foi construído o Ministério da Educação e Saúde – terá papel essencial da formação dos arquitetos entre 1935 e 1950, reafirmando o triunfo crítico internacional da arquitetura da Escola Carioca e apresentando-a como exemplo a ser seguido. Ainda segundo Bastos e Zein, é apenas entre 1945 e 1950 que começam a ocorrer críticas geracionais com relação às inconsistências internas da Escola Carioca, mas é a partir de 1950 que essas críticas começam a ser mais evidentes.
5.1.2. O crescimento urbano de São Paulo São Paulo cresceu, primeiramente, segundo um espraiamento ao longo das cumeeiras, seguindo antigas vias de comunicação favorecidas pela topografia. Tal espraiamento se dá de maneira desordenada e caótica, e conforma a malha urbana como uma série de tabuleiros de xadrez, praticamente independentes entre si e postos lado a lado de maneira arbitraria ou separados por vales ou encostas muito inclinadas e difíceis de ocupar. A técnica construtiva do período, a taipa de pilão, não era propícia para a construção nesses terrenos de ocupação mais complicada, vê-se assim que São Paulo cresceu seguindo as curvas de nível também por conta da adoção de técnicas disponíveis na Colônia. Em linhas gerais, a transformação de São Paulo de cidade de taipa em cidade de tijolo e pedra começa a acontecer com a chegada da ferrovia, segundo Yves Bruand, a partir da década de 1870, ao mesmo tempo em que a cidade deixa de ser simples posto de passagem para os tropeiros. O trem marca a facilidade de conexão entre as cidades, desde a produção do café no interior até o porto de Santos, e possibilita que a elite cafeicultora se mude para a capital paulista sem prejudicar seu controle sobre a produção. A ferrovia traz para a cidade o vislumbre da construção civil europeia, que havia avançado muito com a Revolução Industrial, e veio acompanhada da importação de diversas peças pré-fabricadas, tijolos, telhas, estruturas 16
de madeira, casas prontas para as vilas inglesas que se instalavam ao longo da linha férrea, os próprios trilhos do trem e até mesmo a Estação da Luz, a primeira obra de alvenaria de grande porte da cidade de São Paulo. A grandeza da Estação da Luz – tanto em termos de arquitetura quanto em termos da construção metálica e de alvenaria pré-fabricada – deixou evidente para os paulistas o atraso construtivo em que se encontravam. Nesse contexto, surge um personagem de extrema importância para o início da industrialização e racionalização da construção brasileira, o engenheiro arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928), nascido e Campinas e formado em Ghent, Bélgica, e com escritório de engenharia e arquitetura estabelecido em Campinas e São Paulo. Integrante de uma elite paulistana republicana, Ramos de Azevedo foi majoritariamente apoiado por seus colegas defensores da modernização do país, que reconheciam sua formação avançada e alto grau de conhecimento. Mas a construção civil só avançaria se o país começasse a produzir os insumos mínimos necessários, tais como tijolos, telhas, esquadrias e outros, além de prover formação adequada que capacitasse profissionais arquitetos, engenheiros, mão de obra e outros. Desse modo, Ramos de Azevedo e colegas desta elite progressista, fundaram a Escola Politécnica em 1893. Era o primeiro passo para a transformação da cidade de taipa em cidade de tijolo e pedra. A atuação de Ramos de Azevedo no processo de modernização da construção civil também se dá de outras formas, incluindo os convites que fazia para que técnicos, arquitetos, engenheiros, topógrafos e outros profissionais europeus viessem trabalhar em São Paulo, tanto para trabalhar em seu escritório quanto para reforçar o corpo docente da Politécnica. A vinda desses técnicos foi muito importante também para a formação das primeiras fábricas da cidade. Os incentivos do engenheiro para que os imigrantes italianos do final do século XIX – muitas vezes até semianalfabetos – trabalhassem na construção civil – aproveitando a familiaridade que tinham com a construção italiana – levava à profissionalização desses profissionais, que tornavam-se mestres de obras e professores, e podiam assim passar adiante seus conhecimentos. O final do século assistiu ainda ao surgimento do loteamento dos Campos Elíseos, voltado principalmente para a elite cafeeira, ponto de ação para a especulação imobiliária da cidade, a qual se intensifica no início do século XX com os empreendimentos dos bairros jardins. A inauguração da Avenida Paulista em 1891 é um marco da arquitetura e poder da elite paulistana, ostentando as residências que melhor representavam a Belle Époque na cidade. Desse modo, o século XX começa com um impulso de urbanização tanto pela demanda
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da elite cafeeira quanto dos novos industriários que também preferiam se instalar nas proximidades da ferrovia e do bairro industrial. Logo na segunda década do século XX, o primeiro empreendimento urbanístico de um bairro jardim é realizado em São Paulo: o Jardim América. A partir de então, esse modelo de loteamento se torna bastante popular entre as classes altas, além de rentável aos empreendedores, o que faz com que se torne uma característica forte do urbanismo paulistano na primeira metade do século. No livro “Cidades Jardim: a busca pelo equilíbrio social e ambiental 1898-1998”, (1997) tendo como principais autores Dácio Ottoni e Maria Irene Szmrecsanyi, encontramos a reflexão sobre a maneira como a influência das Cidades Jardim se dá sobre o Brasil: “No país, a influência da ideia de Cidade Jardim ocorre com maior clareza, embora de maneira fragmentada, em São Paulo. Sob a égide da cafeicultura protegida pelo Estado, desenvolve-se um complexo empresarial ativando diferentes setores econômico, inclusive o mercado imobiliário. A primeira realização urbanística do tipo, de 1919, é fruto da iniciativa privada. Seu sucesso entre as elites a torna imitada em muitos outros parcelamentos, também destinados às camadas residenciais mais ricas da metrópole paulista e se reproduz em vários outros exemplos, contendo adaptações, deturpações ou somente carregando a carga simbólica do nome. É notória a forma puramente nominal, mas por isto mesmo significativa, com que o modelo é imitado nos incontáveis ‘jardins’ periféricos populares”. (Ottoni e Szmrecsanyi 1997, p. 15) Mesmo que feitos a partir de uma lógica mercadológica, e sem levar em conta as propostas de convivência e de diversidade de classes sociais previstas por Howard, o idealismo bucólico de trazer a natureza para dentro da cidade, para o dia a dia das pessoas, e assim amenizar o caos urbano foi o que tornou a imagem da cidade jardim tão almejada. A possibilidade de vender esse “modo de vida”, fez com que diversas incorporadoras a partir da década de 1920 começassem a adotar esse modelo, mesmo que por vezes apenas no nome. Mas Segundo Ottoni e Szmrecsanyi, ao contrário da proposta urbana de Howard, os bairros jardins de São Paulo não visam possibilitar que seus moradores e trabalhadores habitem a cidade plenamente, pelo contrário, são isolados do centro e até mesmo dos bairros adjacentes. Mesmo assim, são projetos de alta qualidade: no panorama geral da grande metrópole, “tornam-se experiências preciosas por constituir um remanso dentro do caos urbano ao seu redor” (Ottoni e Szmrecsanyi 1997, p. 15). 18
Tendo em vista esse contexto, é fácil entender como o mercado imobiliário se aproveita do crescimento urbano que ocorre em São Paulo a partir de 1870. De acordo com Ottoni e Szmrecsanyi, em 1911, é fundada a City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company, principal incorporadora que atuará na implantação dos bairros jardins da cidade. Os autores afirmam ainda que o loteamento do Jardim América começou a ser projetado em 1915 pelos arquitetos Raymond Unwin e Barry Parker, os mesmos arquitetos da primeira cidade jardim e de Hampstead Garden Suburb. Entretanto, mesmo sendo projetado por arquitetos tão renomados, sua implantação deixou de lado diversas premissas da concepção original, o que inclui a praça central circundada de edifícios públicos, tais como escolas, teatros e uma área de esportes, além de alterações feitas posteriormente, como o reloteamento de jardins internos às quadras, que previam uso coletivo, mas que não alcançaram o papel esperado entre os moradores do bairro (Ottoni e Szmrecsanyi 1997, p. 17). Em 1928, foram iniciadas as obras de retificação do Rio Pinheiros, segundo Fujioka as obras tornaram urbanizáveis uma área de várzea com cerca de 25000000m2. Observando a localização dos bairros jardins em São Paulo, é possível perceber a importância desse novo solo disponibilizado para a expansão dos empreendimentos. Em 1929, o Plano de Avenidas de Prestes Maia trouxe a preocupação com a demarcação das áreas verdes e o modelo de traçado radioconcêntrico para a circulação da cidade, mesmo tipo de traçado proposto por Howard nas Cidades Jardins, e usado também de modo geral, nos empreendimentos dos bairros jardins e mesmo em outros bairros em São Paulo. Segundo Ottoni e Szmrecsanyi, o sucesso de vendas do Jardim América fez com que a City utilizasse o mesmo padrão de loteamento para novos bairros, tais como o Alto de Pinheiros, Boaçava, Alto da Lapa, City Butantã, Jardim Europa e Jardim Guedala. Sobre quase todos eles pode-se fazer a mesma afirmação feita sobre o Jardim América: “A semelhança com as cidades jardins estaca sobretudo na organicidade das ruas pretendida com traçado sinuoso e massa vegetal” (Ottoni e Szmrecsanyi 1997, p. 17). Os bairros jardins tiveram grande contribuição para a configuração urbana de São Paulo, Ottoni e Szmrecsanyi sugerem que a padronização imposta pela Companhia City fez surgir uma espécie de senso comum sobre qualidade urbana, de modo que seus bairros se tornaram modelos e influenciaram inclusive a lei de zoneamento da cidade. Justamente por serem empreendimentos voltados exclusivamente ao padrão aquisitivo das elites paulistanas, os bairros jardins puderam frear a especulação imobiliária e a verticalização que se alastrou por diversas partes da cidade, possibilitando com isso a criação de “ilhas” verdejadas, como que configurando respiros urbanos (Ottoni e Szmrecsanyi 1997, p. 15). O título jardim ganhou tanto peso que até hoje o 19
vemos sendo utilizado em empreendimentos que não possuem a qualidade desses bairros, unicamente pelo status que o nome possui.
5.1.3. São Paulo como novo polo cultural A partir de 1870 a cidade de São Paulo começa a concentrar riquezas da burguesia cafeeira brasileira e do início das atividades industriais no Brasil. Até esse momento, a capital paulista ficava em segundo plano no cenário nacional, tanto do quesito econômico quanto cultural. Com o aumento da movimentação de capital econômico e da intensa migração e imigração de mão de obra, a cidade amplia gradativamente sua importância. O aumento populacional, e principalmente a diversidade cultural dessa nova população – composta também de imigrantes estrangeiros e origem italiana, espanhola, alemã, portuguesa – são essenciais para o fortalecimento das dinâmicas culturais e do movimento artístico da cidade. Em 1922, a Semana de Arte Moderna de São Paulo inaugurava a chamada Belle Époque Paulistana. A partir de então, a capital passa a fazer parte, mesmo que discretamente, do cenário moderno brasileiro, comportando agora uma “pequena, mas cosmopolita elite intelectualizada, semelhante, em gênero e grau, à carioca do início do século XX” (Bastos e Zein 2010, p. 37). Os movimentos artísticos impulsionados pelo sucesso da arte moderna aconteciam pontualmente no Brasil, mas “foi somente em São Paulo que se formaram movimentos coletivos organizados” (Silva 2004, p. 18), que não se restringiam a grandes museus e grandes exposições. São exemplo desses movimentos a Sociedade Pró-Arte Moderna (1933-1935), responsável pela mais importante exposição de arte moderna da época no país; o Clube dos Artistas Modernos (1932-1933), fundado como uma alternativa informal à SPAM e obtendo sucesso quase que instantâneo, contribuindo para a intensidade e continuidade dos debates artísticos em São Paulo; o Salão de Maio (1937-1939), composto por três exposições em três anos, antecipou em menor escala o que seriam as Bienais do MAM, expondo obras de brasileiros e estrangeiros, desde pintores até arquitetos; e por fim, a Família Artística Paulista (1937-1940), formada também por três exposições que reuniam tradição e modernidade e que trouxe o reconhecimento a diversos nomes das artes plásticas. A presença de São Paulo no cenário cultural passa a ser mais marcante a partir da década de 1940, com a sequência de inauguração do MASP (Museu da Arte de São Paulo) em 1940; MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo) em 1947 e da Bienal de Arte de São Paulo em 1951. Desse momento em diante, vê-se a migração dos debates sobre arte para a cidade, e com eles, o reconhecimento da importância de São Paulo nesse cenário. Além das exposições propriamente ditas, o MASP e o MAM também desenvolveram e aplicaram cursos de arte e design, o que mostra a intensão de levar a arte até a população da maneira mais 20
próxima que fosse possível. Sobre essas dinâmicas artísticas na cidade à época em que Abrahão Sanovicz se muda para lá, Helena Aparecida Ayoub Silva afirma o seguinte: “Os acontecimentos aqui relatados salientam a ‘efervescência cultural’ em que se vivia na capital paulista (...). De igual modo esses fatos revelam o compromisso de muitos arquitetos na constituição de instituições que transformaram de maneira radical a vida cultural da cidade e do país, assim como a importante contribuição que tanto MAM, através da Escola de Artesanato, quanto o MASP com o Instituto de Arte Contemporânea, tiveram na formação de grandes artistas”. (Silva 2004, p. 37) No ano de 1946, o casal Bardi desembarca no porto do Rio de Janeiro e se muda definitivamente para o Brasil, escolhendo a cidade de São Paulo para sua instalação. Não foram só Pietro Maria Bardi (1900-1999) e Lina Bo Bardi (1914-1992) que escolheram a capital paulista como cidade de moradia, diversos arquitetos estrangeiros viriam a se instalar na metrópole, desse modo “a cidade, diferente da então capital Rio de Janeiro, era palco de uma arquitetura era palco de uma arquitetura de estrangeiros, distante de definições de caráter nacional e busca de brasilidade – em suma, era puro negócio e mercado” (Rubino 2009, p. 3132). Instalado em São Paulo, Pietro Maria Bardi logo é chamado por Assis Chateaubriand (1892-1968), para contribuir com a criação de um museu de arte. Com o local já escolhido por Chateaubriand e a contribuição do jornalista Frederico Barata, o Museu da Arte de São Paulo foi inaugurado em 10 de março de 1947, com 30 membros de maioria pertencente à "sociedade paulistana", ou seja, a elite de fazendeiros, industriários e banqueiros. Três anos depois da fundação, em 1950, o MASP já ocupava mais três andares do prédio, e no mesmo ano Lina e Bardi inauguram a revista Habitat, periódico do museu conduzido por eles durante os primeiros quinze números. É necessário lembrar aqui que o cenário de debates do final dos anos 1940 e começo de 1950 era internacionalmente alimentado por questionamentos sobre a arquitetura moderna, e também no Brasil diversos arquitetos já buscavam apontar suas falhas. Dessa maneira, qualquer revista comprometida com o meio artístico estaria inscrita, nas palavras de Silvana Rubino, nesse “campo minado”, no qual manter a neutralidade era quase impossível. Lina busca no vernáculo da arquitetura popular a genuinidade que originou a arquitetura moderna brasileira, e nessa busca, parece preparar o terreno para o surgimento da Escola Paulista. Trata-se de uma visão sobre os valores populares brasileiros que competem lado a lado com a modernização que o país lutava em concretizar. Em paralelo a isso, a italiana 21
já procurava por arquitetos brasileiros que trabalhassem em outra vertente que não a da “tradição moderna” que se instaurara a partir dos anos 1930. É assim que vemos, logo no primeiro número da Habitat, um artigo de elogio às casas projetadas e construídas por João Batista Vilanova Artigas (1915-1985). O número seguinte da revista traz o editorial intitulado “Bela Criança”, e trata da arquitetura “nacional” brasileira dentro do contexto das críticas mundiais à arquitetura moderna. Além dos diálogos que nele ela trava com seus colegas estrangeiros e com Lúcio Costa, ponderando de maneira equilibrada as qualidades e falhas do modernismo brasileiro. A italiana não partilha da opinião de seus colegas europeus de que a arquitetura moderna brasileira já é um estilismo, um academismo, mas mostra preocupação com essa possibilidade nas primeiras linhas do editorial, que é explicada, em seguida, pelo fato da rápida consolidação e consagração da arquitetura moderna brasileira: “A nova arquitetura brasileira tem muitos defeitos: é jovem, não teve muito tempo para se deter e pensar” (Bardi, Bela Criança 1951). Lina afirma que a arquitetura nacional nasceu de um impulso e fúria poéticos que precisavam encontrar uma forma, nasceu de uma ação humana e brasileira. Mesmo com uma “forma modelo escolhidos” – corbusiana – a autora crê que ainda não seja um estilismo, mas a vê como uma potência latente que precisa ser desenvolvida. É explicando essa força intrínseca e essa necessidade de reflexão da arquitetura moderna, que Lina conclui o editorial: “A arquitetura brasileira nasceu como uma bela criança, que não sabemos por que nasceu bonita, mas que devemos em seguida educá-la, curá-la, encaminhá-la, seguir sua evolução”. (Bardi, Bela Criança 1951) Enquanto isso, em meio a todo o burburinho cultural de São Paulo, os museus e bienais continuavam com suas exposições e discussões com a intensão de formar o grande público e fornecer espaços para debates eruditos sobre arte. Mesmo assim, as críticas à arquitetura moderna brasileira da Escola Carioca só encontravam repercussão no periódico da arquiteta italiana, cenário que se altera no ano de 1952, com a entrevista ácida de Max Bill à revista Manchete (1953). Em ocasião da exposição de seus trabalhos em São Paulo, o arquiteto suíço é convidado pela revista a falar sobre sua experiência e sua opinião sobre a arquitetura moderna brasileira. A crítica dura de Bill poderia facilmente ter sido superada como tantas outras que já haviam sido feitas, entretanto, talvez devido à sua consistência e à personalidade internacional que a assinava, o eco dado pela Habitat e até mesmo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo fez com que ela ganhasse peso no cenário artístico nacional. 22
Max Bill criticou o “amor ao inútil”, ao “simplesmente decorativo” como eram os murais azulejados tão valorizados pela Escola Carioca. Diz que os pilotis e os brise-solei são empregados de forma exagerada na arquitetura brasileira. Também denunciou a falta de preocupação de Oscar Niemeyer com as questões sociais em seu conjunto da Pampulha, ou de Lúcio Costa em seus projetos para o Parque Guinle. Max Bill afirma na entrevista que o arquiteto mais importante, de acordo com sua visão, é Affonso Eduardo Reidy devido a seu projeto para o conjunto habitacional do Pedregulho, entretanto, não opina nem a favor nem contra sua arquitetura. No final das contas, apesar de preconceituosa, a crítica diz respeito a duas contradições: primeiro, à adoção de “padrões” pela Escola Carioca, que escolhe técnicas a priori, sem estudar soluções alternativas ou melhores para seu próprio país, apenas importando um modelo europeu pronto; e segundo, ao fato de que a arquitetura não é arte, devendo estar a serviço da sociedade, ao contrário do que se via na arquitetura brasileira da época. A partir deste episódio, fica mais evidente o descontentamento das novas gerações com a postura esteticista da Escola Carioca. É fácil entender como o funcionalismo de caráter social, que tinha o ensino paulistano da arquitetura, faz com que a FAU apoie e divulgue a crítica de Max Bill. Sem desassociar essa postura das publicações da Habitat, das dinâmicas culturais da cidade de São Paulo e da visão de Vilanova Artigas sobre a necessidade da crítica para a evolução da arquitetura, conclui-se que em 1950 já se encontram as bases para o desenvolvimento de uma nova arquitetura, dessa vez paulistana, de cunho social, funcionalista e que busca soluções para necessidades brasileiras e com base em características exclusivamente brasileiras.
5.1.4. A polêmica de Brasília O concurso para o a nova capital do país trazia a oportunidade de se construir o sonho da arquitetura moderna. Era a chance de concretizar os ideais do novo mundo para o novo homem, o homem da vida comunitária. A área quase plana e sem peso histórico forte fazia do território uma “tábula rasa” sobre a qual o projeto de um bom urbanismo poderia ser a contraposição ao caos das cidades de sua época. Percebe-se em todos os projetos para o Plano Piloto, mesmo que diferentes quando à forma, a crença dos arquitetos no poder de transformação do urbanismo moderno e na possibilidade de ditar a vida dos habitantes de uma cidade através dele. Apesar do esforço dos diversos projetos do concurso, Brasília sempre aparecia pensada como uma cidade qualquer, e não como a capital federal. Segundo Bastos e Zein (2010 p. 65), todos os trabalhos pareciam tomar como base o Plano Voisin de Le Corbusier para Paris (1925), projeto que alterava as características da capital da França de “centro 23
cultural mundial” para um modelo genérico de cidade funcional. É justamente esse hábito da arquitetura moderna de generalizar planos e soluções que acabaria sendo um dos maiores alvos das críticas de seus questionadores e da Escola Paulista. No caso do concurso para Brasília, era isso que o júri viu de diferente no plano piloto apresentado de última hora por Lúcio Costa. Segundo Bastos e Zein, Lúcio Costa subverteu o estigma moderno da ruptura com a história e da negação da monumentalidade, apresentando em seu projeto uma síntese entre tradição e ruptura, preservando com isso a monumentalidade essencial para a cidade que se propunha a ser a capital do país (p. 65-66). Percebe-se também no projeto de Costa, a força do sonho moderno de concretizar a utopia de uma cidade sem contradições sociais ou econômicas que, como já dito, é comum aos arquitetos do período e está presente em todos os sete primeiros colocados do concurso. Milton Braga explica em seu livro, O concurso de Brasília: sete projetos para uma capital, como o projeto vencedor se diferencia dos demais por seu desenho e funcionamento, que são o que melhor corresponderam às expectativas do júri, e inclusive apresenta e traduz os comentários do júri, escritos por Sir William Holford. Sobre tais comentários, a primeira das vantagens enumeradas dizia tratar-se do “único plano para uma capital administrativa do Brasil” (Braga 2010, p. 176-177). Mas a simplicidade do plano apresentado, consistindo apenas de uma implantação e um relatório de menos de 20 páginas provocou questionamentos e acusações sobre a escolha. Guilherme Wisnik comenta sobre esse momento, na apresentação do livro de Braga: “Na imprensa, após a divulgação do resultado, um clima geral de descontentamento espelhava a sensação de que as piores suspeitas tinham se confirmado: o favorecimento à vitória de Lucio Costa. Contudo, com a abertura da exposição dos projetos no edifício do Ministério da Educação e Cultura, no dia 19 do mesmo mês, um entusiasmo crescente com a proposta vencedora foi aparecendo, deslocando assim o tom da discussão pública do plano da desconfiança ética para o plano do debate de ideias. Sir William Holford, a figura que nitidamente liderou as decisões do júri, defendeu enfaticamente o plano de Costa por considera-lo um projeto muito bem organizado e legível, como um ‘animal vertebrado’, e não feito por uma ‘mera multiplicação das partes’. Segundo o urbanista britânico, diferentemente de Canberra, por exemplo, a Brasília de Lúcio Costa ‘não começa por um elemento isolado; a cidade toda é que surge como um objeto completo e único, a erguer-se na
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paisagem, visível de todas as direções, como uma Capital’”. (Wisnik 2010, p. 19) Percebe-se com essa passagem, além da justificativa da escolha, o tamanho da polêmica sobre o julgamento rápido do júri e os muitos questionamentos sobre o porquê da escolha do projeto de Lúcio Costa. Muitos afirmavam que se tratava de uma predileção, e que diversos outros competidores haviam apresentados projetos muito mais elaborados e mais aprofundados. Jornais publicaram acusações sobre o favoritismo do júri e até mesmo a afirmação de que Costa era vencedor do concurso antes mesmo de apresentar seu plano. Na seção do livro de Braga referente às atas do concurso, há a transcrição da declaração de cada membro do júri sobre o concurso e o projeto vencedor, dentre elas, as opiniões de Sir William Holford, que começam pela justificativa sobre a escolha do plano vencedor. O que afirma o arquiteto é que “se tratava de uma competição de ideias e não de detalhes” (Braga 2010, p. 186). “É a melhor “ideia” para uma cidade-capital unificada, e uma das contribuições mais interessantes e mais importantes feitas em nosso século à teoria do urbanismo moderno. É verdade que foi apresentada sob a forma de esboço (...); mas mostra o que é necessário saber, e o relatório não contém uma só palavra destituída de propósito. É uma obra-prima de concepção imaginativa, podendo ser desenvolvida, sistematicamente, enquanto são elaborados os programas social e estrutural. É o núcleo que pode desencadear toda a obra a ser executada em Brasília”. (Braga 2010, p. 187-188) Sobre a polêmica da escolha do plano de Costa, Braga faz suas próprias afirmações: “Lúcio Costa, ao contrário do que as primeiras evidências pareciam mostrar, não ganhou o concurso com uma proposta menos consistente do que as dos demais concorrentes. Sua apresentação certamente era a mais modesta, mas seu plano piloto, por outro lado, era dos mais definidos, no sentido da configuração da cidade”. (Braga 2010, p. 197) Apesar do clima de otimismo com relação ao progresso do país, a concretização da cidade demonstrou a incapacidade da arquitetura e do urbanismo de solucionarem sozinhos os problemas sociais, políticos e econômicos. Brasília, ao contrário do que sonhava toda uma geração que acreditava no projeto moderno, se tornou local da especulação imobiliária e da segregação sócio espacial, e sofre até hoje severas críticas. Suas cidades satélites são 25
consideradas fruto ironicamente da falta de planejamento, fato que denuncia a ambiguidade do sonho moderno, que ao atingir um objetivo traz consigo efeitos colaterais imprevistos no início. No fim das contas, a especulação imobiliária e a ação do mercado são os principais fatores que impedem a cidade de abrigar em seu seio a diversidade tão almejada pelos planejadores. A incapacidade de Brasília de ser a cidade ideal é devida, no fim das contas às ações do homem comum, o homem real da sociedade existente que age de acordo com as ferramentas de que dispõe e não é tão comportado e generoso quanto o homem moderno que as cidades planejadas pretendiam abrigar. Mas mesmo com o crescimento caótico das cidades satélites e da visível elitização de diversas áreas de Brasília, não se pode deixar de lado a grandeza que foi a construção da capital. A insistência de levar até o fim a concretização de um projeto repleto de significado e esperanças faz dela uma das cidades mais marcantes do mundo, além de representativa de um projeto de sociedade que por várias décadas foi condutor do trabalho de diversos artistas e das expectativas de toda uma geração. “Tombada como Patrimônio da Humanidade pela Unesco em 1987, Brasília tem sido reconhecida recentemente como um lugar único no mundo: o maior experimento moderno da história. Com isso, as apressadas acusações de ‘fracasso’, de que foi vítima até pouco tempo têm cedido espaço a leituras mais abertas e propensas a enxergar a dialética contraditória dessa particularíssima encruzilhada histórica. Nas palavras de Adrián Gorelik, ‘um dos momentos mais densos da cultura moderna’” (Wisnik 2010, p. 14). Dessa forma, Brasília foi em seu tempo um importante marco do desenvolvimentismo dos anos 1950. Era a promessa de um país que cresceria e tornaria melhor a vida de sua população. É inquietante pensar que logo em 1964 o golpe entregou a capital aos militares, e a cidade da liberdade e do desenvolvimento se tornou a sede de um governo de exceção repressivo e retrógrado. É nessa época, entretanto, que a Escola Paulista terá grande parte de sua produção, que além de se apresentar como soluções às questões sociais da época, ainda trará forte carga simbólica de uma arquitetura de resistência que insiste em crer no homem como agente transformador da sociedade. Talvez seja esse o ponto de principal diferença entre a arquitetura moderna “tradicional” e a arquitetura da Escola Paulista: enquanto a primeira crê em si mesma como agente de transformação da sociedade, a segunda crê no homem em si, e na arquitetura como uma ferramenta que pode auxiliá-lo, mas jamais tomar seu lugar.
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5.1.5. O surgimento do brutalismo paulista A gênese do brutalismo paulista se encontra bem antes da construção da primeira casa que reunia as características fundamentais que viriam a definir esse movimento. Ela começa com a crítica à Escola Carioca e vai tomando forma primeiro pela afirmação sobre aquilo que é equivocado ou insuficiente em relação à arquitetura. Além das críticas de Lina Bo Bardi por meio de seus escritos, outros arquitetos viriam a se posicionar com voz questionadora a respeito do que se vinha fazendo em termos de arquitetura no Brasil. É essa a postura que Vilanova Artigas defende em diversos artigos, apontando, inclusive, para uma postura passiva do arquiteto, à espera de uma sociedade mais igualitária e justa se instalasse para que aí sim uma nova arquitetura “para todos” pudesse surgir. Desse modo, percebe-se como a crítica à sociedade e à “arquitetura moderna brasileira” então consagrada é uma das mais fortes características da obra de Artigas, de modo que seus princípios de projeto conseguem ser melhor interpretados a partir do momento em que se conhece algo sobre a obra escrita do arquiteto. Entretanto, alguns anos de impasse e dúvidas caracterizam a trajetória do arquiteto paulista. “O próprio Artigas reconhece que o que pensava e escrevia ‘levou alguns companheiros [seus] a considerar o artigo [Caminhos da Arquitetura] ‘sem saída’’, porque se tratava só de uma ‘atitude crítica em face da realidade’”. (Vázquez Ramos 2013, p. 14) Em seu livro “Arquitetura Contemporânea no Brasil”, que pode ser considerado com facilidade o primeiro documento historiográfico a fornecer um panorama geral completo – desde o colonialismo até a época em que foi escrito – sobre a arquitetura brasileira, Yves Bruand se refere a Vilanova Artigas como “pai” do movimento brutalista. Seria injustiça criticar Bruand por tal simplismo, afinal, sua pesquisa foi a primeira com a abrangência que tem, e feita sem uma base historiográfica muito menos completa que a que temos hoje. O que é pertinente extrair dessa afirmação do autor é que, por mais que a seja demasiado restritiva sobre a origem da Escola Paulista, ela revela o peso do papel desse arquiteto na consolidação das bases da Escola Paulista, primeiro por conta de sua postura crítica para com a “arquitetura nacional” da Escola Carioca e mais tarde por conta de suas pesquisas arquitetônicas. Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein mostram como o início do Brutalismo – melhor dizendo, das construções que se enquadram no movimento – ocorre em paralelo ao concurso e à construção de Brasília, quase como sendo a reação de uma geração formada após a consolidação da Escola Carioca, e que começa a atuar no mercado entre os anos 1950 e 27
1960. Dentro do contexto das discussões internacionais dos CIAM, essa geração acaba adotando soluções “brutalistas” que coincidem entre si. Bastos e Zein afirmam que se trata, portanto, do movimento de uma época, de uma geração, e que está conformado no cenário dos debates internacionais. As autoras lembram ainda a peculiaridade sobre alguns arquitetos como Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi, que são de uma geração anterior a essa dos anos 1950 e 1960, mas mesmo assim se inserem na produção dessa Escola e estão ainda entre os nomes de maior destaque dela. É interessante ressaltar que esses dois arquitetos tiveram uma importante produção escrita, com conteúdo muito crítico voltado à “arquitetura nacional”, o que leva à percepção sobre como a obra bibliográfica do arquiteto é muitas vezes tão importante quanto a obra construída ou projetada. São arquitetos mais velhos que tiveram a capacidade de enxergar as falhas da Escola Carioca em uma época cujo espírito moderno cegava muitos de seus colegas arquitetos. Com todo esse repertório e consciência crítica, é natural que Artigas tenha sido um dos primeiros “brutalistas” com obras que até certo ponto podem ser consideradas experimentais por não seguirem o padrão da arquitetura moderna em voga. Isso, junto com a proeminência e importância de seu trabalho, torna bastante compreensível o fato de que por muito tempo ele foi enxergado pela historiografia como uma espécie de fundador de uma “Escola Paulista”. Uma das acusações feitas por Artigas sobre a Escola Carioca é a de que ela é formada por muita “importação” e pouca originalidade. Artigas considera que os princípios de Le Corbusier que serviram de base para a arquitetura moderna brasileira são colonialistas, e que impõe uma cultura externa sobre a brasileira. Por tal motivo, a arquitetura da Escola Carioca não poderia representar uma arquitetura brasileira original, independente ou genuína. Em “Os Caminhos da Arquitetura Moderna”, texto editado originalmente pela revista Fundamentos em 1952, Artigas faz uma reflexão sobre o fato de a arquitetura moderna estar a serviço das classes dominantes. Após se debruar sobre as diferentes características do organicismo de Frank Lloyd Wright e do racionalismo de Le Corbusier, o arquiteto paulista não hesita em afirmar que estão ambos igualmente a serviço da burguesia, mesmo que com arquitetura baseadas em princípios quase opostos: “Os exemplos aqui citados são suficientes, entretanto, para ilustrar o objetivo deste artigo, que é fundamentalmente o de mostrar que a obra dos arquitetos exprime ideologicamente o pensamento da classe dominante – a burguesia. E ainda mais, que nas circunstâncias atuais da luta entre as duas classes – a burguesia e o proletariado – a Arquitetura Moderna tal como a
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conhecemos, é uma arma de opressão, arma da classe dominante, uma arma de opressores, contra oprimidos”. (Artigas 1952) As discussões sobre as contradições e ineficiências da arquitetura moderna ocorrem no mundo todo após a segunda guerra mundial. É dentro dessas discussões que a Universidade de São Paulo e a Universidade do Rio Grande do Sul fazem uma reformulação do currículo de seus cursos de arquitetura. O novo currículo das escolas é implantado em 1962, tendo como líderes de sua nova composição, no sul, Demétrio Ribeiro e Edgar Graeff e no sudesde Vilanova Artigas (Segawa 1998, p. 170). Segundo Hugo Segawa, as reformas curriculares dessas universidades são possíveis graças a uma série de fatores do contexto brasileiro da época, tais como: um pensamento articulado de esquerda que é forte até 1964; as discussões sobre arquitetura ocorrem até mesmo nas camadas populares graças ao concurso e construção de Brasília; a crença de que o progresso consiste também em deter o domínio de novas técnicas; a publicação da auto-crítica de Oscar Niemeyer sobre a busca de uma estética independente, que era uma forte característica da Escola Carioca. Segawa afirma que se buscava uma reelaboração do significado dos termos “projeto” e “desenho”, e também sobre à associação ideológica associadas a eles. Há uma diferença dos objetivos dessa arquitetura para com a tradicional arquitetura moderna: ela não buscava mais mudar o mundo e transformar a sociedade em si, era apenas uma síntese das ações estatais, uma ferramenta auxiliar ao plano de governo desenvolvimentista em vigor na época. Segundo Artigas, o papel da arquitetura naquele momento seria o de formar o cidadão para a sociedade do futuro que estava sendo construída pelo Estado. Apesar de não ser o agente de transformação, nota-se que a arquitetura ainda tem papel social, fato que deixa claro como essa ideia de que o arquiteto não pode se furtar dessas questões, surgida entre os modernos, é forte o suficiente para continuar até os brutalistas. Segundo Segawa, o mercado de estruturas metálicas não era tão desenvolvido no Brasil quanto na Europa e nos Estados Unidos, mas o concreto armado, por outro lado, já vinha sendo amplamente usado desde os anos 1930 pelos arquitetos da Escola Carioca, de modo que já havia no Brasil uma mão de obra especializada e competente na realização dessa técnica. O autor explica que foi essa abundância de material e mão de obra existentes no mercado da construção civil, além da falta de competição com outras técnicas, fez do concreto a técnica construtiva de escolha da Escola Paulista. Mas Segawa aponta a que a Escola Paulista trouxe uma novidade no uso desse material, e que ela veio no sentido de emprega-lo em conjunto com técnicas construtivas arcaicas tradicionais do vernáculo brasileiro, e também,
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com o tempo, na preferência pela utilização do material sem revestimentos, em sua cor e textura naturais. Apesar da preferência, os paulistas não foram os primeiros a empregar o material dessa maneira. O emprego do material em seu estado bruto apareceu no Brasil pela primeira vez em 1951 por meio da primeira bienal de São Paulo e da premiação de Le Corbusier pela Unité d'Habitation de Marseille. Depois disso, Affonso Eduardo Reidy foi o primeiro arquiteto a empregá-lo em uma construção inteira, o MAM-Rio, obra que estimulou o uso do material por outros arquitetos, tais como Rino Levi, que levando a técnica para prédios de apartamento em São Paulo, contribuiu para que essa estética fosse amplamente aceita (Segawa 1998, p. 174). Tendo um trabalho anterior muito influenciado pela obra de Frank Lloyd Wright, o arquiteto brasileiro entra para o Partido Comunista no ano de 1945 e se vê obrigado a recuar na adoção dos princípios do americano sob o perigo de estar contribuindo para a colonização da arquitetura brasileira e para a prosperidade da burguesia, coisas que, como já dito, abominava. Entre as décadas de 1940 e 1950, buscando respostas sobre o que poderia ser uma arquitetura genuinamente nacional, escreve críticas, questionamentos e diminui muito sua produção, experimentando diferentes soluções de técnica, forma e estilo. Nessa fase, o arquiteto experimenta um sentimento de impasse e dúvida, sem conseguir determinar se haveria um “estilo” correto para uma arquitetura popular, principalmente por acreditar que essa arquitetura só poderia ser realizada junto ao povo, às classes baixas, aos trabalhadores, operários etc. “Surge afinal a questão: onde ficamos? Ou: que fazer? Esperar por uma nova sociedade e continuar fazendo o que fazemos, ou abandonar os misteres de arquiteto, já que eles se orientam numa direção hostil ao povo, e nos lançarmos na luta revolucionária completamente? Nenhum dos dois, unicamente. É claro que precisamos lutar pelo futuro de nosso povo, pelo progresso e pela nova sociedade dando a esta missão o melhor dos esforços, pois é à medida que, pela participação na luta ao lado do povo, compreendermos seus anseios, fizermos parte dele, que iremos criando espírito crítico para afastar o bom do inútil na arquitetura, que atingiremos a ‘espontaneidade nova’, que criará como interpretação direta dos verdadeiros anseios populares. Mas é claro também que enquanto a ligação entre os arquitetos e as massas populares não se estabelecer, não se organizar, enquanto a obra dos
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arquitetos não tiver a suma glória de ser discutida nas fábricas e nas fazendas, não haverá ‘arquitetura popular’. Até lá... uma atitude crítica em face da realidade”. (Artigas 1952) Mas como já comentado anteriormente, o primeiro número da revista Habitat já trazia a opinião de Lina Bo Bardi a respeito da arquitetura das casas de Artigas. Quando fala sobre suas características, a italiana não hesita em afirmar que existe nelas um caráter moral que se impõe sobre seus habitantes. Ela apresenta seu apoio à arquitetura de Vilanova Artigas e mostra compreender seus objetivos de criticar a sociedade burguesa da época, e até parece incentivá-lo nesse percurso: “As casas de Artigas são espaços abrigados contra as intempéries, o vento e a chuva, mas não o são contra o homem, tornando-se o mais distante possível da casa fortaleza, a casa fechada, a casa com interior e exterior, denúncia de uma época de ódios mortais (...) é a mensagem paciente e corajosa de quem vê os primeiros clarões de uma nova época: a época da solidariedade humana” (Bardi, Casas de Vilanova Artigas 1950).
Figura 1: Croqui de Artigas da casa Olga Baeta Fonte: (Gallani 2015)
Em 1956, com a construção da casa “Olga Baeta”, Artigas dá o primeiro passo na direção da consolidação da Escola Brutalista Paulista. O croqui do arquiteto deixa ambígua a questão da materialidade da fachada, dando a primeira impressão de que se trata de um fechamento tradicional de madeira. A casa construída, entretanto, tem a fachada dada por uma empena de concreto, mas que ainda assim traz a referência vernacular do telhado e de uma sucessão de linhas que gravam a memória das tábuas utilizadas na forma para o concreto. O termo “brutalista” passa a ser empregado então com relação à Escola Paulista por conta dessa característica utilização do material em estado “bruto”. É uma adaptação do 31
termo “brutalist” empregado na nova arquitetura inglesa e à nova “fase” de Le Corbusier, inaugurada com a Unité d’Habitation de Marseille. Guardadas as devidas diferenças, esses dois brutalismos europeus eram assim chamados por conta do uso dos materiais “tais como eram”, sendo que na Inglaterra, Alison e Peter Smithson (1928-1993 e 1923-2003)deixava aparentes até mesmo as instalações elétricas e hídricas de seus prédios, no intuito de expor todo o seu funcionamento aos usuários, de modo que o brutalismo, nesse caso, ia muito mais longe do que simplesmente apresentar ao público a real aparência dos materiais utilizados. Uma diferença marcante segundo Segawa, é que, enquanto na Inglaterra o contexto do pós-guerra obrigava à economia de recursos, no Brasil, o concreto armado era o que havia de mais tecnológico. Mas de um modo ou de outro, tanto os brutalismos europeus – e principalmente o inglês – quanto o brasileiro tinham dois pontos fortes em comum: o uso do concreto aparente e a obra com pensamento social, de modo que o uso do termo para a “vertente brasileira” acabou se justificando. A partir da construção da casa Olga Baeta, Villanova Artigas passa ainda por diversas experimentações até chegar no que é hoje considerada a primeira residência representativa da Escola Paulista: a casa Taques Bittencourt, de 1959. Esse é também o ano de início do plano de ação do governo de Carvalho Pinto no estado de São Paulo (1959-63). Conhecido como PAGE, tratava-se de um plano desenvolvimentista de políticas públicas que com o objetivo de realizar um planejamento territorial levava equipamentos públicos e infraestruturas urbanas até as cidades do interior do Estado de São Paulo. Tal programa seguia o ideário já consagrado de progresso da indústria, agricultura e infraestrutura nacional era objetivo de campanha e governo de Juscelino Kubitschek (1956-61), com seu Plano de Metas e a construção de Brasília (1956-60). A confiança no desenvolvimento do Brasil e de seu futuro próspero e justo para todos era forte em todo o país. O PAGE em São Paulo foi responsável por diversas obras públicas e deu a Artigas a oportunidade de projetar duas escolas emblemáticas: a Escola Estadual Ginásio de Itanhaém e a Escola Estadual Ginásio de Guarulhos, ambos construídos no início da década de 1960. Esses prédios, compostos por meio de uma sequência de pórticos e organizadas de modo a garantir amplos pátios de convivência, aparecem entre as principais obras de Vilanova Artigas segundo diversos autores, até mesmo em Yves Bruand, o primeiro a tratar do assunto da Escola Paulista. Além dos colégios não é possível não comentar o prédio da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, talvez a obra que mais trouxe reconhecimento ao arquiteto e que carrega em si todos os princípios de convivência que Artigas queria proporcionar aos seres sociais que aquele edifício se propunha formar. O jogo interno dos espaços livres e rampas sob a 32
iluminação zenital proporciona ao visitante a noção do espaço como um todo, bem como a fácil locomoção. A própria proposta de que os ateliês de trabalho não fossem divididos denunciava o desejo de que os alunos e professores pudessem trocar experiências livremente, conhecer os trabalhos em progresso uns dos outros, discuti-los e contribuir para seu desenvolvimento. A FAU também é exemplo do caráter escultórico do concreto armado, explorado por Artigas nos emblemáticos pilares que dão ritmo à fachada. A
partir
de
1964,
entretanto, o
Golpe
Militar
interrompe
as políticas
desenvolvimentistas que estavam sendo implantadas. O Estado passa a se voltar para as necessidades da economia nacional sem mais se preocupar com as questões sociais. Desse modo, como comentado anteriormente, ocorre uma mudança na crença dos arquitetos brutalistas, e também de Artigas, com relação ao papel social da arquitetura. Nesse novo contexto ela passaria a ser uma ferramenta política forte com o papel de possibilitar o debate e a formação de um cidadão que não só estivesse preparado para a sociedade do futuro, mas que estivesse disposto a lutar por ela. É o homem, portanto, o protagonista das mudanças, a arquitetura é instrumento. Mas existe ainda uma contradição no que diz respeito a quais recursos seriam usados para a implantação dessa arquitetura que pretendia principalmente atingir as massas populares, as mais necessitadas, maior em número e que a esquerda pretendia ajudar. Pedro Henrique de Carvalho Rodrigues afirma que: “Artigas propunha a ligação com as massas populares, embora ‘mesmo que o arquiteto tente, ou queira, se articular com as necessidades populares, sendo a sua arte, um fazer utilitário, como conseguir sua concretização, senão apoiados pelo capital ou pelos meios governamentais que financiam esse tipo de projetos, a menos que eles possam interessá‐los?’”. (Rodrigues 2008, p. 51) Dessa forma, percebe-se como era inevitável que mesmo os arquitetos de esquerda trabalhassem em conjunto com o capital financeiro e com o governo da ditadura, mesmo que para isso precisassem por vezes separar sua ação profissional de sua ação política. Segawa afirma que a identidade do Estilo Paulista não reside apenas na similaridade entre os projetos, mas também, e principalmente, nos pressupostos iniciais em comum, que muitas vezes geram diferentes soluções. Um exemplo que pode ser citado é a “falta de fachada”, o que significa que as residências a partir do golpe militar poucas vezes abriam suas frentes para a rua, tendo poucas janelas, fachadas cegas etc. Na realidade, essa introspecção é interpretada por muitos autores como uma tentativa de separar o interior da casa do exterior, lendo de outra maneira, tratava-se de separar a dura realidade da ditadura da liberdade 33
contida do lar. Essas casas muitas vezes tinham sua volumetria formada a partir de monoblocos simples, sendo planejadas a partir de um plano de massas, o que, segundo Segawa, de certo modo reafirma sua postura rígida e defensiva com relação à realidade. Nessas casas, entre as quais se incluem os casos de estudo dessa pesquisa, as janelas dos quartos e das áreas de convívio se abrem para o jardim dos fundos e para pátios internos que fazem do interior um ambiente calmo e em contato com a natureza, além de isolado da rua. “As casas ‘introspectivas’ que o arquiteto Vilanova Artigas projetou entre 1966 e 1969 – Berquó (1966), Porto (1968) e Martirani (1969) – se furtam ao cotidiano urbano e à relação com a cidade para exprimir sua “imensa poesia” entre quatro paredes: são, assim, arquitetonicamente, antiurbanas”. (Vázquez Ramos 2013, p. 2) Fernando Guillermo Vázquez Ramos diz que entre os anos de 1966 e 1969, Artigas realiza suas casas introspectivas como uma espécie de reflexão do arquiteto sobre o “ponto de partida” de uma casa, de onde deveria começar o projeto, já que esse início não pode mais ser a relação desta com a rua. Segundo o autor, essa reflexão interna sobre a própria arquitetura é o que aproxima essas casas das obras do brutalismo inglês. Esse novo tratamento da casa com relação à rua resulta na necessidade de as aberturas precisarem se dar para o quintal dos fundos da residência, e estimula a configuração dos pátios. Segundo Ramos o elemento pátio – tanto residencial quanto urbano –, já era alvo das discussões internacionais, inclusive no âmbito dos CIAM, que buscava discutir o tema do “coração da cidade”, promovendo um debate sobre se este ocorreria necessariamente em um local físico ou se caracterizaria mais como um momento. A possibilidade de que esse centro poderia se dar a partir de pátios, bem como a possibilidade de toda a cidade ser constituída por eles, foi colocada por Sert no CIAM de 1951. “(...) a abordagem de Sert se inspirava numa nova forma de entender a cidade entrelaçada por diferentes escalas de pátios, desde os domésticos até as grandes praças urbanas, onde se pretendia instalar os monumentos que exaltavam a sociedade. A suposição partia da ideia de que, em espaços enclausurados como os das praças, as pessoas se relacionariam de uma forma mais livre. Assim, na perspectiva da ortodoxia do CIAM, que Sert representava, o pátio estava ligado a um sentimento de liberdade e de relacionamento comunitário”. (Vázquez Ramos 2013, p. 9)
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Em suma, o que mais caracterizava a Escola Paulista era a postura social a partir da interpretação e mesmo do questionamento em face da realidade. Não é à toa que Ramos escreve o artigo intitulado “Ética Brutalista na Arquitetura Introspectiva”, afinal, a introspecção da arquitetura não se dá somente por capricho, mas se trata novamente de uma postura crítica. E por mais que se fale muito das obras de Artigas, como se fez nessa contextualização, é essencial lembrar que do grande montante dos arquitetos paulista dessa geração que atua no mercado entre as décadas de 1950 e 1970, poucos são os nomes conhecidos, e menos ainda os lembrados. É por esse motivo que o estudo de cada arquiteto desse período se faz tão necessário. Maria Alice Junqueira Bastos e Ruth Verde Zein afirmam que a arquitetura da Escola Paulista, apesar de sua inegável qualidade formal e de seus fundamentos ideológicos, não conheceu tanta repercussão quanto a arquitetura da Escola Carioca. Quando se busca entender o porquê desse fato, esbarra-se na questão da própria ditadura e da falta de veiculação de revistas e outros meios de divulgação da arquitetura. A Acrópole, principal revista de divulgação de arquitetura brutalista da época foi extinta em 1971 (Segawa 1998, p. 177). Esses provavelmente não foram os únicos fatores que contribuíram para o pouco conhecimento que se tem sobre a Escola Paulista até hoje, mas podem ser considerados bastante importantes para explicar o fato. A partir de 1968, a tentativa da arquitetura da Escola Paulista de se tornar fator de mudança social sofre duras críticas de Sérgio Ferro. Segundo Segawa, Ferro acusa a Escola Paulista de ter se tornado um “maneirismo” de arquitetos frustrados que não conseguiram usar a arquitetura como meio de mudar a sociedade. Também afirma que o concreto deixou de ser a técnica para se tornar exclusivamente a causa das obras e sua motivação, ou seja, a tecnologia usada foi “cristalizada” e não parecia haver nenhuma iniciativa para que voltasse a se desenvolver. Ferro ainda declara que a Escola Paulista deixa de ser ouvida por se tornar demasiado complexa, além do fato de ter sido adotada pela própria ditadura como um estilo de construção para obras públicas. Em suma, o que o arquiteto critica é o fato de que a Escola Paulista parou de se renovar e chegou a um ponto em que passa a reproduzir-se a si mesma de maneira infundada. A generalização do modelo vulgarizou suas dimensões de inovação e ruptura.
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5.2. Os Arquitetos O curso superior de Arquitetura no Brasil surge com suas práticas e programas inspirados pela École de Beaux Arts de Paris e à Escola Politécnica francesa. Essa origem já denuncia os dois polos que orientam a arquitetura: a técnica e a arte. A história da arquitetura gira sempre em torno desse jogo, do equilíbrio e da complementação entre esses dois polos. Como fazer a técnica não subjugar a expressão plástica e como fazer a expressão plástica ser exequível pela técnica? Assim, os dois principais cursos de arquitetura no Brasil caminhavam paralelamente e afastados um do outro. Se em São Paulo a politécnica não havia o exercício prático e o desenvolvimento da expressão arquitetônica, no Rio de Janeiro os conhecimentos técnico-científicos eram completamente deixados de lado. Nesse contexto, vemos o papel de Lúcio Costa, no pouco tempo em que dirigiu a Escola de Belas Artes da Universidade do Brasil no Rio de Janeiro. Suas tentativas de reformulação do currículo da ENBA e de trazer a arte moderna para dentro daquela instituição tradicional e, porque não, engessada, resultaram em seu afastamento do cargo. Mas a breve passagem do carioca pela direção daquela escola foi suficiente para fortalecer a questão que já a algum tempo se discutia: a urgente necessidade de os cursos de arquitetura serem autônimos. Em 1943, a exposição Brazil Builds, no MoMA Museu de Arte Moderna de Nova York, além da publicação do livro homônimo de Philip Goodwin apresentaram a arquitetura moderna brasileira para o mundo. E é claro, a profissão do arquiteto passou a ser mais respeitada dentro do próprio país. Os arquitetos podiam agora ser reconhecidos por obras originais. Desse modo, impulsionados por essa nova força, os arquitetos brasileiros começavam a emancipar a profissão, e passavam agora a discutir e planejar sua educação e formação. Para fortalecer ainda mais esse processo, o 1º Congresso de Arquitetos, realizado em São Paulo em 1945 foi concluído reafirmando a urgente necessidade de autonomia dos cursos em relação às escolas Politécnica e de Belas Artes. “O ensino da arquitetura deveria ser reformulado de maneira a garantir aos novos arquitetos uma formação compatível com o processo de modernização da sociedade brasileira, absorvendo questões relativas à industrialização e aos novos campos de trabalho que se abririam para esses profissionais”. (Silva 2004, p. 43) E assim nasceu a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, tendo o professor Luiz Ignácio Romeiro de Anhaia Mello como fundador e os irmãos Armando 36
e Sílvio Álvares Penteado como doadores da Vila Penteado, o casarão Art-Nouveau da Rua Maranhão que serviria de primeira sede da escola. O currículo foi formulado mantendo as disciplinas técnicas e de urbanismo vindas da politécnica e incorporando outras da Escola de Belas Artes, como plástica, modelagem, arquitetura de interiores, pequenas e grandes composições, entre outras. A criação da FAU foi um grande passo para a profissão no Brasil, mas, segundo Silva, o curso não atingiu as expectativas. Assim, a Graduação foi sendo continuamente desenvolvida. Talvez por conta da amplitude de conhecimentos que se espera de um arquiteto, a demanda por disciplinas acaba sendo tamanha que há dificuldade em se conseguir formular um currículo em que as disciplinas estejam todas associadas, mas também sejam completas. “O currículo composto foi, inevitavelmente, uma somatória de disciplinas. O modelo de arquiteto que pretendíamos não podia ser compreendido. O amadurecimento deste modelo ainda precisava e talvez precise ainda algum esforço”. (Artigas, 1993, apud Silva 2004, p. 44) Nas décadas de 1950 e 1960, período em que Abrahão Sanovicz e Paulo Bastos se formaram e começaram a atuar no mercado, a profissão do arquiteto havia acabado de passar por um grande reconhecimento por conta da construção recente de Brasília. Desse modo, o otimismo com relação à profissão era grande, e não só o otimismo, mas a demanda real do mercado, fosse por clientes particulares que movimentavam o capital financeiro do país, fosse por cliente públicos, como prefeituras ou o governo estadual, que governavam de acordo com as políticas desenvolvimentistas do resto do país. “A construção de Brasília marcou um momento importante porque representou o anseio por uma melhoria qualitativa na vida do país. Juscelino Kubitschek apresentara e estava colocando em prática um plano amplo de desenvolvimento que contava com significativo apoio da sociedade. No campo da arquitetura, representou a atualização concreta em escala ampla dos ideais da arquitetura moderna que vinham sendo gestados no Brasil. Representou também um ponto alto da pesquisa formal e tecnológica desenvolvida na procura por uma arquitetura ao mesmo tempo moderna e brasileira. Paulo Bastos, em seu discurso na formatura da FAU apontava aos colegas formandos que ‘Nosso trabalho profissional começará no ano que surge como o decisivo para a definitiva ratificação dos anseios de desenvolvimento do país’” (Rodrigues 2008, p. 15). 37
Em paralelo à construção de Brasília, que consolidou no Brasil a “arquitetura moderna nacional”, surgiam sua contestação. Trata-se de um momento em que os debates arquitetônicos estavam muito vivos tanto por conta do concurso e construção da nova capital quanto por influência de debates de mesma consistência que se davam no exterior. Um aluno de arquitetura que se formasse durante esse período inevitavelmente absorveria algo desses debates, e teria que ponderar o que se devia extrair da arquitetura da Escola Carioca e o que deveria mudar, o que deveria ser feito de novo, de melhor. Mas esse grande momento de avanço social e de debates foi bruscamente interrompido com o golpe militar de 1964, ou seja, quando ambos os arquitetos aqui estudavam estavam no início de suas carreiras. Dessa forma, mesmo que a demanda por novas obras ainda fosse grande, a liberdade dos arquitetos para discutirem e contestarem os padrões tradicionais não existia mais, de modo que, mesmo que um edifício tivesse uma arquitetura que por si só discutisse e contestasse o regime, a reflexão e o debate sobre ela e sobre quais relações causava não poderia ser feita. Segundo Rodrigues, “muito foi construído sem que houvesse uma estrutura que possibilitasse e oferecesse suporte ao debate arquitetônico” (Rodrigues 2008, p. 16), o que fez com que os sucessos de uma obra ou outra e os avanços nesse campo passassem a ser fruto “do trabalho individual de arquitetos que não abriram mão da sua responsabilidade para com a construção de um ideal de sociedade” (Rodrigues 2008, p. 16), ou seja, não se podia mais atribuir o avanço da arquitetura a uma coletividade de profissionais. Mesmo com necessitando olhar cada obra e arquiteto individualmente para entender os avanços dos anos da ditadura, tanto a obra de Abrahão quanto a de Paulo ainda parecem estarem encobertas por uma visão “cristalizada” do período, bem como a arquitetura da Escola Paulista de modo geral. Não foram arquitetos que passaram despercebidos naquelas décadas, tiveram até obras reconhecidas e publicadas em revistas da época. A questão aqui é resgatar a memória recente desses dois profissionais e da Escola Paulista como movimento, que mesmo desarticulado por conta do regime, possui forte unidade em termos de discurso e qualidade.
5.2.1. Abrahão Sanovicz Abrahão Velvu Sanovicz nasceu na cidade litorânea de Santos, SP no ano de 1933, onde viveu até os 17 anos. Em seus últimos anos em Santos, Sanovicz frequentou o ginásio e trabalhou como desenhista em um escritório de arquitetura, onde teve seu primeiro contato com a profissão. Encarregado pela aprovação dos projetos, ia com frequência à capital do estado para a fim de acompanhar o andamento das aprovações no Departamento de 38
Engenharia Sanitária da Secretaria de Saúde do Estado. Segundo Helena Aparecida Ayoub Silva, o jovem aspirante a arquiteto não perdia a oportunidade de frequentar as exposições de arte e arquitetura do MASP durante essas viagens a São Paulo. Percebe-se, diante disso, o interesse sobre arte e arquitetura despertado logo na adolescência. Em uma de suas entrevistas a Catherine Gati entre 1987 e 1988, o arquiteto comenta o contato que teve com a arquitetura em sua juventude, o interesse que lhe causou na época e a influência, desde o início, em sua carreira. “Em Santos, já conhecia as revistas "Acrópole" e "Habitat", e também a obra de Niemeyer, que já naquela época (final dos anos 40), trazia todo esse carisma próprio dele (talvez, não fosse bem compreendido, mas já despertava a sensação de ser alguém que apresentava uma qualidade muito especial). Ele havia projetado a Pampulha, o Pavilhão da Feira de Nova York, além de outros projetos. Foi, enfim, quando eu conheci as primeiras obras modernas. Santos contava com alguma coisa moderna sendo construída. Assim, o que me chamou mais a atenção foram duas casas do Artigas, uma na ilha Porchat e outra na rua Castro Alves (isso, talvez, me tenha influenciado até hoje, a casa que projetei para mim, por exemplo, é justamente uma casa-caixote). Na ilha Porchat, havia também duas casas projetadas por Oswaldo Bratke. Como jovem, tinha toda essa inquietação e acompanhava tudo isso com muito interesse, as publicações, o que se construía etc. Essa aproximação com a arquitetura se deu quase naturalmente”. (DPCA, 1987 – 1988 apud Silva, 2004, p. 17) Assim que completa o ginásio em 1950, Abrahão Sanovicz se muda para São Paulo, onde passa a frequentar o curso de técnico em edificações na Escola Técnica Federal, no intuito de prestar vestibular para o curso de arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (Silva 2004, p. 17). Em 1952, ainda cursando a Escola Técnica, Abrahão se matricula – como bolsista – na Escola de Artesanato do MAM, que apesar te fundada em 1950 só começava a ofertar cursos a partir daquele ano. O principal objetivo da escola era “despertar nos jovens o amor pelo ofício e constituir-se como um centro de pesquisa em arte, sem se ligar a princípios rígidos ou doutrinas estéticas exclusivistas” (Silva 2004, p. 30). Desse modo, os cursos ali ministrados tinham o caráter de formar profissionais em seus ofícios, mas eram também voltados à pesquisa artística, mesmo o curso de artesanato, sempre voltado às artes plásticas. Por meio de uma parceria com a prefeitura da cidade, a Escola de
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Artesanato disponibilizava 25 bolsas de estudos a alunos que tivessem o perfil financeiro necessário combinado ao talento e à dedicação. Abrahão foi um dos beneficiários dessa bolsa. Em sua tese de doutorado, Helena Silva fala sobre a inquietação e a constante dúvida de Sanovicz entre seguir a carreira de arquiteto ou de artista. Novamente em entrevista a Catherine Gati, transcrita na tese de Silva, o arquiteto comenta o assunto, além de resumir seus três anos de estudos antes do ingresso para a FAU. “Pensei [em seguir a carreira artística], tanto que, enquanto cursava a Escola Técnica, matriculei-me no curso de gravura da Escola de Artesanato do MAM, como bolsista, mas sempre ficava a dúvida: arte ou arquitetura. Cheguei até a pensar em fazer Belas Artes para aprender pintura. Mesmo não sendo o melhor aluno, tanto o curso primário como o ginasial foram muito bons, o que se refletiu no meu aproveitamento na Escola Técnica, onde demonstrava uma grande curiosidade em relação à arquitetura e à arte, fiz o curso com certa facilidade. Era período integral e ainda conseguia me dedicar às noites ao curso de gravura no primeiro e segundo ano, e, no terceiro ano ao cursinho pré-vestibular”. (Silva 2004, p. 40) No período em que estudou na escola técnica, entre os anos de 1951 e 1953, Abrahão Sanovicz participou de um grupo socialista e kibuzitano de jovens chamado Dror. Tratava-se de um movimento que carregava em si diversas influências. Os kibutzim eram comunidades autônomas agrícolas pautadas em um modo de vida democrático e livre. Esse modo de vida era uma das mais fortes ideias do Dror, que também era influenciado pelo Wandervogel, movimento da juventude alemã que pregava a volta à natureza, combate ao desmatamento, proteção das populações nativas, crítica às aglomerações urbanas, enfim, um modo de vida de harmonia, respeito, saúde, éticas comportamentais e valores sociais. Em suma, o movimento preconizava a liberdade que se deveria ter em uma fase da vida única e passageira, caracterizando os jovens como uma classe independente e autônima. Em determinado momento, o Dror foi adotado por jovens judaicos e associado às questões desse povo, de maneira que na realidade é a associação aos judeus que dá força ao Dror, inicialmente nascido na Polônia em 1910, mas que ganha importância na colonização moderna da Palestina. No Brasil, muito do movimento consistia em um método pedagógico que visava ensinar a cultura judaica a jovens descendentes que nunca a haviam experenciado em sua plenitude. A associação do Dror com o judaísmo era tão forte que muitos dos jovens desse movimento mudavam-se para Israel. Mas Abrahão não foi. Permaneceu no Brasil carregando 40
os ideais revolucionários que o atraíram para “pássaro da liberdade”, importantíssimos para sua formação, de modo que dali em diante a militância e o idealismo estariam sempre presentes em sua trajetória. Desse modo, em 1953, Abrahão prestou vestibular e passou, em 29º lugar de 30 vagas, sendo que acabaram sendo aprovados 37 alunos. Ingressando na FAU, Abrahão diz tem entrado em contato com “aristocracia e com todo o tipo de conhecimento de que ela pode lançar mão”. Falando a Catherine Gati, considerou a FAU em si uma “escola aristocrática”, não em um sentido pejorativo, mas simplesmente por conta da estrutura – a grande biblioteca – quanto por conta das pessoas que ali se encontravam. Além disso, Abrahão também começava, nessa época, a notar “uma diferença de diretrizes” no que dizia respeito ao desenho de arquitetos e artistas. Tendo cursado o curso de gravura da Escola de Artesanato da MAM, Sanovicz fez seu vestibular pautado em uma visão artística que o levou, em uma prova de desenho, a fazer “alguma coisa que preenchia todo o plano da folha, como um gravador que estivesse gravando a madeira”. Ao estranhar a nota de 6,5 que havia conseguido nessa prova, o jovem estudante de arquitetura foi compará-la com os desenhos que haviam conseguido as maiores notas, e notou como suas soluções eram simples. Tratavam-se de alunos que tinham feito o cursinho da FAU, lecionado pelos próprios estudantes da faculdade, ou o curso do MASP (Instituto de Arte Contemporânea), que, sendo baseado na Bauhaus tinha muita afinidade de orientação conceitual com a faculdade de arquitetura. Sanovicz ingressa na faculdade em 1954, em meio a um clima de descontentamento após dois anos da chamada “greve Niemeyer”, com a qual os alunos protestaram conta o veto do Conselho Universitário sobre a nomeação de Oscar Niemeyer para lecionar na FAU. Além desse ressentimento entre os alunos, as complicações internas da própria faculdade de da conjuntura política do país fizeram parte de um primeiro ano conturbado. “Esse primeiro ano de escola foi bastante conturbado: os professores de projeto só tiveram suas recontratações efetivadas no meio do ano. Não puderam contar com a participação do professor Artigas, o qual, em 1953, tinha sido obrigado a voltar a dar aulas na Politécnica, retornando à FAU somente em 1956. Portanto, no primeiro semestre de 1954, só foram cursadas as cadeiras técnicas. Iniciado o segundo semestre, morre, em agosto, o Presidente da República Getúlio Vargas. Uma greve geral da Universidade, contra o propósito de haver
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uma intervenção que prejudicasse a autonomia universitária, fez com que poucas atividades tivessem acontecido naquele ano”. (Silva 2004, p. 47) A partir de 1955, o Grêmio Estudantil (GFAU) passa a reorganizar os alunos, promovendo atividades extracurriculares e estimulando os alunos a produzirem cartazes para a divulgação de eventos culturais da cidade. A atividade contínua e intensa do GFAU possibilitava o surgimento de grupos de estudos e de diversas publicações dos próprios alunos. Foi criado por iniciativa dos alunos o Centro de Estudos Folclóricos (CEF), que mais tarde se tornaria o Centro de Estudos Brasileiros, cujo principal interesse era sobre o folclore e cultura brasileiros. Abrahão Sanovicz fez parte deste grupo de estudos, junto a com seu colega Júlio Katinsky, ambos sentindo a necessidade de se conhecer a história para só então conseguir compreender corretamente a arquitetura. O que desejavam com esse grupo de estudos era entender o processo que culminara na arquitetura moderna, a qual Abrahão queria estudar mais profundamente. Com esse grupo de estudos, Abrahão começou a se envolver com a produção de publicações, junto aos colegas Benedito Lima de Toledo, Gustavo Neves da Rocha Filho, João Walter Toscano, João Xavier, Júlio Roberto Katinsky e Nestor Goulart Reis Filho. Nessas produções, logo se nota o cuidado com o projeto gráfico, que, segundo Sanovicz, era estimulado pelas referências às quais tinham acesso na biblioteca da escola, como diversas revistas internacionais. Segundo Silva, as publicações do CEF inauguraram uma tradição que permanece até hoje, como, por exemplo: a revista Estudos; Coleção Depoimentos CEB; Publicação 1, 2, 3 ...; Tema; Boletins do CPEU (Centro de Projetos e Estudos Urbanos); Desenho; Ou; Caramelo; Cogumelo; Jornal do GFAU; 1:1.000; e muitas outras publicações”. Em 1955, o CEF, por meio do GFAU, publica o “Curso de Filosofia e História da Arte”, que havia sido ministrado na Universidade do Distrito Federal em 1938, e que ganhava, naquele ano, uma edição com capa de Abrahão Sanovicz e Júlio Katinsky, que levava a fotografia de Mário de Andrade e sua assinatura. A contribuição do GFAU com suas publicações diversas leva a uma discussão que não estava prevista para o encontro sobre a imprensa universitária, organizado pela União Nacional dos Estudantes e que ocorria nessa época. O encontro havia sido organizado na premissa de que os cursos publicavam um jornal com certa periodicidade programada, desse modo, seriam discutidos apenas os conteúdos destes. Mas com a variedade que o GFAU
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reunia, passou a ser pauta do encontro também os meios e formato da imprensa universitária. Segundo Silva, “Veio daí o que posteriormente se convencionou chamar ‘estilo GFAU’”. Ainda na faculdade, Abrahão Sanovicz produziu projetos memoráveis, alguns dos quais ele mesmo se referia como projetos dos quais se orgulhava muito. Segundo Helena Silva em sua tese, apenas alguns dois deles puderam ser localizados: a “Casa” e o “Núcleo Residencial para a Refinaria Presidente Bernardes”, ambos os quais já apresentam traços marcantes do arquiteto. A “Casa”, trabalho para a disciplina de Técnicas das Construções, foi considerada pelo próprio arquiteto – em entrevista a Catherine Gati – o melhor trabalho individual que fez durante a faculdade. A disciplina era ministrada em dois anos, e o projeto da “Casa” foi realizado pelo arquiteto santista no 3º ano da escola, primeiro módulo da disciplina, que pretendia fornecer ao aluno todas as ferramentas e conhecimentos necessários para que este pudesse executar um projeto arquitetônico completo. “Seu projeto era assim delineado: um jogo de volumes, justapostos em ângulo; linhas que marcam a integração do espaço interno com o externo; um pequeno desnível; o recurso de paredes e muros que desenham os espaços desejados. Os desenhos, muito bonitos, fazem registrar a importância da Escola de Artesanato na sua formação”. (Silva 2004, p. 55)
Figura 2: A "Casa", autoria de Abrahão Sanovicz Fonte: Silva, H. A., Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. FAU-USP, 2004
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Dessa forma, já se pode ver nesse projeto a liberdade que tinha o estudante de arquitetura em lançar mão de ferramentas de composição pouco “ortodoxas”. Não havia na “Casa” uma rígida diretriz corbusiana, conformando uma fachada de ângulos retos. Ao contrário, a maneira como Sanovicz compõe paredes anguladas e trabalha o desnível do terreno já demonstra que ele tinha liberdade para criar de acordo com a situação que se apresenta, além de se dedicar ao estudo de formas e volumes de modo a trazer para a obra a expressão plástica da arquitetura. Helena Silva encontrou os desenhos aqui presentes no arquivo pessoal do arquiteto, o que mostra o quanto Sanovicz realmente gostava desse trabalho de faculdade. No caso do projeto para o “Núcleo Residencial para a Refinaria Presidente Bernardes”, o trabalho foi feito para o III Concurso Internacional para Escolas de Arquitetura da IV Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, cujo tema era: o projeto para um núcleo residencial para os trabalhadores de um centro industrial, que empregasse de mil a duas mil pessoas. No início, eram duas equipes concorrendo pela FAU, mas mesmo antes do início dos trabalhos elas decidiram se unir, de modo que o trabalho contou com os nomes de Abrahão Sanovicz, Herberto Lira, Hélio Penteado, Israel Sancovski, Jaguanhara Toledo Ramos, Jerônimo Bonilha Esteves, João Carlos Rodolfo Stroeter, José Caetano Mello Filho, Julio Roberto Katinsky e Lúcio Grinover. Formada a equipe, era necessário escolher o local, que, por sugestão do professor Artigas, foi a cidade de Cubatão, onde se encontrava a Refinaria Presidente Bernardes, do Conselho Nacional do Petróleo. A escolha entre esse local e o Bairro da Penha, proposto por Luis Saia, se deu principalmente por conta do clima desenvolvimentista que o país vivia na década de 50, em que o petróleo tinha grande importância. Para a execução do projeto, foram levadas em conta algumas diretrizes importantes: 1) Posicionamento do núcleo A escolha do local levava também uma reflexão da equipe sobre para onde a cidade deveria crescer, optando-se pelas áreas de manguezais ao invés da área de morros da Serra do Mar. O posicionamento do núcleo entre o centro do município e a zona industrial, a oeste da Via Anchieta, e deveria ser ligado a ambos por transporte coletivo, considerando que seus residentes não teriam automóveis. Assim, o núcleo teria uma densidade bruta de 65 habitantes por hectare, considerando que haveria 1,4 funcionários por família, e ocuparia um total de 144 hectares entre o Morro Marzagão e o Morro Piassaguera. 2) Distribuição dos habitantes em “unidades de residência” 44
Nota-se aqui a influência do plano piloto de Brasília e de suas superquadras e unidades de vizinhança. No projeto da equipe, haveria 8 dessas “unidades de residência”, cada uma das quais formada por 13 edifícios de apartamentos, agrupados em conjuntos de 3, 4 ou 5, e seriam ainda equipadas com jardim de infância, lavanderia, comércio diário, sala de reuniões, podendo em alguns casos haver também um restaurante. As unidades seriam separadas por bosques de eucalipto, cujo objetivo era criar zonas de sombra e assim contribuir para um microclima ameno na região de projeto. Sobre os prédios de apartamento, Katinsky comenta, em entrevista a Helena Silva, a importância que teve a contribuição de Sanovicz para a “sistematização das fachadas”, de modo que todos os prédios seriam lâminas iguais, com três andares e térreo em pilotis. 3) Sistema Viário Hierarquizado Haveria vias expressas principais que ligariam o núcleo ao setor industrial. Essas vias contornariam o perímetro do núcleo e dela sairiam vias secundárias que distribuiriam o fluxo dentro do núcleo residencial, mas que se limitariam ao exterior das unidades de residência. Para o fluxo dentro das unidades de residência, haveria vias pequenas, terminando em cul-desac. 4) A conformação de um Centro Comunal Deveria abrigar os serviços que caracterizavam um centro cívico, proposta que estava muito de acordo com os debates de arquitetura que ocorriam nos CIAMs daquele período. Assim, o centro comunal, localizado em uma península no centro do projeto e composto por três praças elevadas em diferentes níveis e interligadas por escadarias, deveria conter: lojas,
Figura 4: Clube Náutico Figura 3: Centro Comunal Fonte: Silva, H. A., Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. FAU- Fonte: Silva, H. A., Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. FAU-USP, 2004 USP, 2004
mercado, cinema, igreja, biblioteca pública, centro 45
de saúde, edifício de administração, clube náutico, teatro de arena ao ar livre, terminal de ônibus e escola primária. O desenvolvimento do projeto do Clube Náutico foi delegado a Abrahão Sanovicz e Júlio Katinsky, na mesma entrevista a Helena Silva, este explica o trabalho da dupla: “Abrahão e eu ficamos responsáveis pelo projeto do clube náutico: todo mundo ficou impressionado, porque em vez de ser um retângulo, como todos os outros, resolvemos com uma articulação de quadrados, ficou muito bonito”. (Katinsky, apud Silva 2004, p. 61) Mais uma vez é possível ver a liberdade com que Sanovicz estuda a composição de formas e volumes, de modo a chegar com seu colega a uma solução simples, mas ao mesmo tempo expressiva. Junto a outras três universidades internacionais, a FAU ganhou, com esse projeto, o Primeiro Prêmio "Ex-Aequo" do III Concurso Internacional para Escolas de Arquitetura da IV Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1957. Abrahão pode, com esse prêmio, concorrer a uma bolsa para trabalhar por 6 meses em um escritório de desenho industrial em Milão, concedida pelo Circolo Italiano de São Paulo. Desse modo, pouco depois de se formar, em 1958, Abrahão Sanovicz vai para a Itália trabalhar no escritório de Marcello Nizolli. Antes, entretanto, de ir para Milão, Abrahão ainda participou do concurso para o Iate Clube de Londrina, trabalhando em equipe junto a João Walter Toscano e Julio Roberto Katinsky. Os três jovens recém-formados venceram o concurso e impressionaram o júri, que muito provavelmente esperava que os vencedores fossem arquitetos bem mais experientes. O projeto não foi totalmente construído, mesmo assim segundo Toscano (2003 apud. Silva 2004, p. 68) obteve grande repercussão na época, e é até hoje uma obra pela qual o próprio Abrahão é lembrado. Entende-se muito do projeto a partir de suas referências, entre elas o Iate Clube de Pampulha e a Igreja Nossa Senhora de Fátima em Brasília. A implantação, foi feita segundo o acesso natural pela Avenida Higienópolis, paralela ao lago, de maneira que o bloco principal foi colocado perpendicular ao lago. As atividades principais seriam ali centralizadas, enquanto equipamentos auxiliares como vestiários e salas de fisioterapia estavam previstos em um bloco pequeno e semienterrado próximo às piscinas e às quadras. O acesso ao bloco principal se daria por rampas a partir de uma praça de recepção a meia altura entre o térreo e o primeiro pavimento. O bloco principal ainda configurava uma 46
esplanada para a qual se voltava seu térreo, com o bar e o restaurante. O desenho do bloco, segundo Toscano, parecia um barco, a mesma ideia do Iate Clube da Pampulha. Esse caráter imagético é reforçado pela conformação da cobertura metálica, cujos tirantes de contraventamento podem ser facilmente associados às cordas que tracionam as velas dos navios. Segundo Toscano: “A cobertura foi resolvida como um lençol atirantado, sustentado por sete cabos de aço engastados nas duas grandes vigas metálicas, que transferem os esforços para quatro cabos, dois ancorados na terra e outros dois ancorados no balanço da laje do salão de baile. Assim as quatro colunas de concreto da cobertura são solicitadas Figura 5: Iate Clube Londrina Fonte: Silva, H. A., Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. FAU-USP, 2004
somente por esforços verticais”. (Toscano, 2002, apud Silva 2004, p. 69)
Mas o projeto de Londrina ainda tem grande influência da arquitetura da Escola Carioca, o que é evidente quando se volta às referências já citadas. Como visto anteriormente, Sanovicz entrou para o Grupo de Estudos Folclóricos justamente para melhor compreender essa “arquitetura moderna brasileira” que tinha levado nomes do país a serem reconhecido no exterior. Assim sendo, é natural que os primeiros trabalhos dos arquitetos formados na década de 1950 ainda trouxessem a influência dessa “arquitetura nacional” que era inclusive ensinada na faculdade. Em 1959, Abrahão Sanovicz viaja, enfim, para a Itália a fim de usufruir da bolsa oferecida pelo Circolo Italiano, para estagiar em um escritório de design em Milão. Já foi comentado anteriormente o interesse desse arquiteto pelas artes plásticas desde antes de sua entrada na faculdade de arquitetura, e, como é natural, Sanovicz traz para a profissão muito de seu amor pelo desenho. O desenho do objeto era mais que simples arte, era uma tentativa de conquista mercadológica, segundo comentou o próprio Abrahão em entrevista a Marcos Cartum (1997), onde conta como essa ideia surge na FAU entre os alunos em sua época de estudante, com um ar de romantismo também, sobre a gratificação de ter produtos bem estudados produzidos pela indústria, vendidos nas lojas e usados nas casas das pessoas. Nessa entrevista, Abrahão fala ainda sobre como as revistas reproduziam os designs italianos que chamavam a atenção dos estudantes, e como a Olivetti tinha destaque nesse meio.
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Ao escolher para trabalhar o escritório de Marcelo Nizolli, Sanovicz demonstra mais uma vez seu interesse pelo design e pelo desenho industrial. A escolha foi orientada por sugestão do artista gráfico Bramante Buffoni, italiano radicado no Brasil. Importante lembrar que, na época, Nizolli trabalhava para a Olivetti, de modo que Abrahão conviveu de perto com o que havia de mais sofisticado em desenho industrial na época. Além da bagagem profissional acumulada por sua participação em diversos projetos com Nizolli, Sanovicz também entra em contato com muitos outros profissionais do design italiano, e sofre influências que carregará por toda a carreira. O arquiteto recém-formado tem ainda a experiência de como a sociedade italiana lida de maneira tão diferente com seus artistas e arquitetos, acolhendo-os como membros produtores do mercado, tratamento muito diferente daquele que ocorria e ocorre ainda hoje no Brasil. “Enfim, senti um choque muito grande, quando fui à Itália e percebi a diferença de tratamento num contexto social do que é ser um arquiteto e um artista lá, do que é ser um arquiteto e artista aqui. Completamente diferente. Lá, é algo normal, existe um espaço para ele. Quando se trabalha lá fora, sentindo o tipo de encomenda que lhe fazem, o tipo de relacionamento profissional e social que se estabelece, quando você volta, sente um imenso degrau. Sei lá... país novo, capitalismo selvagem, economia predatória, falta de critérios culturais, coisas desse gênero”. (Sanovicz, 1997, apud Silva, 2004, p. 78) A questão do primeiro traço, do esboço e do croqui é fundamental tanto para o desenvolvimento de projetos de desenho industrial quanto para os de arquitetura. Abrahão Sanovicz se apoiou muito do processo de desenho para desenvolver seus projetos ao longo de sua carreira, é, na realidade, o meio pelo qual o arquiteto desenvolve seu pensamento. Segundo as palavras do próprio Abrahão, registradas para a exposição “A linguagem do Arquiteto: o Croquis”, de 1984 no Museu Lasar Segal: “O primeiro risco é sempre fruto da intuição. Pode demorar bastante tempo para aparecer. Pode ser rápida gestação. Projetado este primeiro esboço num papel, me torno observador do que está desenhado. É menos penoso do que observá-lo dentro de minha cabeça. Como analista atento, passo a reconhecer o que propus. Faço perguntas a este tosco croquis.
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Quanto mais completas são as respostas mais me convenço da exatidão da proposta. É um processo de indagações e solução emergentes, até um ponto no qual o projeto adquire vida própria. Ele como que ordena as soluções necessárias para seu aperfeiçoamento. A partir de então, sobra tempo para identificar quais projetos e situações anteriores me induziram a determinada solução. O fato artístico / intuitivo é reconhecido e então explicitado”. (Sanovicz, 1984, apud Silva, 2004, p. 79) Em sua dissertação de mestrado, Helena Aparecida Ayoub Silva traz um capítulo que copila os projetos mais relevantes, segundo sua pesquisa, de Abrahão Sanovicz. São elas: o já citado Iate Clube de Londrina (1959); o Centro Cultural e Teatro Municipal de Santos (1960/1968); uma série de equipamentos públicos e sinalização realizadas para os Jardins de São Paulo (1967/1969); duas estações de piscicultura, uma em Promissão e outra em Salto Grande (1972); a residência do arquiteto (1976/1977); o Fórum de Bragança Paulista (1985); a Sede do Banespa Recife (1986). Agrupadas como edifícios escolares, a autora aponta ainda quatro obras – o Grupo Escolar Embaúba (1959); um Ginásio Estadual em Santos (1961); a Escola Professor Caetano de Campos (1976) e a Escola Estadual de Primeiro Grau Bairro 120 (1991) –, depois, mais quatro edifícios de apartamentos – o Edifício Abaeté (1963/1968); os Edifícios residenciais, modulados e repetitíveis (1970/1972); o Edifício Fiandeiras (1972) e o Edifício Teixeira da Silva (1974) –, bem como quatro conjuntos habitacionais – o Conjunto Residencial Nova Cidade (1970); Parque Habitacional CECAP Serra Negra (1975); Parque Habitacional CECAP Sumaré (1976); Vila Residencial da CESP Porto Primavera
(1979);
Conjunto
Habitacional Pascoal Melantônio Figura 6: Sede do Banespa Recife. Fonte: Silva, H. A., Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. FAUUSP, 2004
(1995) e Conjunto Habitacional Celso dos Santos (1995) – e duas casas Bi-Nucleares – Residência André Mehes (1973) e Residência Maia Rosenthal (1980). Trata-se claramente de uma
Figura 7: Fórum de Bragança Paulista. Fonte: Silva, H. A., Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. FAUUSP, 2004
extensa produção ao longo de uma
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vida inteira, e com obras distribuídas em todos os seus momentos. Sanovicz foi, portanto, um arquiteto que não parou de projetar enquanto ainda recebia encomendas e ainda podia realizar seus croquis e pensar com eles. Junto ao nome das obras, Silva traz uma descrição de cada projeto, fotos, quando construído, plantas, cortes e croquis, quando existentes, além das referências, quando conhecidas. A análise desse material possibilita compreender a liberdade que o arquiteto tinha de criar formas, principalmente quando o programa ou o cliente lhe permitiam, como é o caso dos equipamentos públicos realizados em parceria com Miranda Magnoli e Rosa Kliass, além da residência André Mehes, onde todo um corpo da casa, como volume independente, possui planta em forma livre, que resulta numa elevação curvada. Há uso de ondulação também na fachada do Fórum de Bragança Paulista e da Sede do Banespa em Recife, onde tem, além do caráter plástico, uma função térmica de refletir os raios solares. A tentativa de Sanovicz de trazer o design para a edificação se dá em todas as obras, mesmo que em algumas pareça mais explícita que em outras. Gestos simples como os desenhos das pingadeiras do Conjunto Habitacional de Serra Negra ou a implantação triangular do Conjunto Habitacional Celso dos Santos demonstram o cuidado do arquiteto com a percepção do usuário e com o funcionamento do edifício desde os pequenos detalhes até a criação de pontos de fuga significativos para a ambiência do local.
Figura 8: Detalhe: CECAP Serra Negra. Fonte: Autora
pingadeira
Figura 14:: Implantação do Conjunto Habitacional Celso dos Santos. Fonte: Silva, H. A., Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. FAUUSP, 2004
Outros detalhes na obra de Sanovicz já São mais complexos, como é o caso dos brisesolei no Edifício Abaté, cuja ideia inicial de movimentação de fachade parte de um princípio simples, mas sua execução exige um desenho cuidadoso e preciso. Com relação a essa precisão, é interessante notar como Abrahão tinha conhecimento quanto às limitações das técnicas construtivas no Brasil. Sobre isso afirmou a respeito do edifício Abaté:
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“[...] não é uma fachada do Mies, porque os caixilhos ficam entre os pilares e vigas, já que a margem de erro nas nossas construções é muito grande, e, assim poderíamos fazer desaparecer possíveis desalinhamentos. Um desenho que se classificaria como feio, porque na arquitetura devemos ter grandes linhas” (DPCA, 1987 e 1988 apud. Silva, 2004, p. 168) Fica clara a sensibilidade do arquiteto com relação ao que era e ao que não era possível realizar em sua época. Além disso, principalmente quando vemos suas soluções para os conjuntos habitacionais, sua preocupação com os custos da obra também é objeto de trabalho. Conciliar todos esses fatores e conseguir, mesmo com seus limites, um resultado de qualidade é o que faz de um arquiteto um profissional de referência. Para tanto, muitas vezes é necessário que o arquiteto encontre algumas diretrizes das quais possa se apoiar para tornar possível essa conciliação. Segundo Silva: “O projeto para o Edifício Abaeté coloca as premissas iniciais para a futura elaboração dos projetos posteriores. São elas: o cuidado com a modulação da estrutura, a redução e padronização dos caixilhos – detalhados e fabricados pelo escultor Luiz Sacilotto – e o uso do quebra-sol, produzido industrialmente”. (Silva 2004, p. 168) Desse modo, a produção industrializada se
mostra
presente
como
forma
de
racionalização e economia na obra de Abrahão. O veio do design de se projetar o objeto para a produção em massa é transposta para a escala do edifício, inclusive na proposição de edifícios modulares repetíveis, ou mesmo na insistência em
projetos
modulares
que
reduzem
a
necessidade de variações nas dimensões das esquadrias e de outros elementos. Outro aspecto importante da produção de Sanovicz é a relação que estabelece com suas referências,
que
desempenham
papel
de
Figura 9: Edifício Abaté - elevação frontal e foto correspondente. Fonte: Silva, H. A., Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. FAU-USP, 2004.
orientadoras do projeto, mas sem prender o projeto a determinado formato. As referências em muito têm a ver com o partido da obra, seu propósito e sua essência. O partido, para Abrahão, era de extrema importância, de modo que o arquiteto ficava muito satisfeito quando 51
percebia que seu projeto tinha um partido forte, como foi o caso da escola que projetou junto com Paulo Mendes da Rocha, onde a proposta da dupla para o novo Caetano de Campos consistia em uma escola que fosse quase uma praça. Segundo Sanovicz, “Chegamos a uma proposta. Foi quando entusiasmado exclamei: “faz tanto tempo que não faço um projeto com partido! ” (DPCA, 1987 e 1988, apud. Silva, 2004, p. 152). Em 1962, Abrahão Sanovicz se torna professor na FAU. É contratado para ocupar a cadeira de número 22 "Composição Decorativa". O ano de ingresso do arquiteto na escola é marcado por uma profunda revolução na estrutura de seu currículo. Como comentado anteriormente, os cursos de arquitetura tinham dificuldades em equilibrar em seu currículo as disciplinas da Politécnica e da Belas Artes de maneira que fosse adequada à formação de seus alunos. Não bastava apenas uma somatória de conteúdos das duas escolas, era necessária uma síntese direcionada. O processo de atualização do currículo havia começado cinco anos antes, com uma comissão formada pelos professores João Batista Vilanova Artigas, Rino Levi, Helio Duarte e Abelardo de Souza. Entretanto, o trabalho do grupo causou fortes reações por parte de professores da politécnica, de modo que poucas mudanças foram implantadas, longe de satisfazer o anseio de alunos e de professores arquitetos. Portanto, quando retomadas em 1962, a necessidade de mudanças se fazia mais perceptível. Com o professor Lourival Gomes Machado assumindo a posição de diretor naquele ano, foi possível criar as condições para a realização da reforma no ensino, que, guiada pelo professor João Batista Vilanova Artigas, ficou conhecida como “Reforma de 62”. O ensino da faculdade foi então organizado em três departamentos: Projeto, História e Tecnologia. O departamento de Projeto, por sua vez, foi subdividido em quatro sequências de disciplinas: comunicação visual, desenho industrial, edifício e urbanismo. Luiz Carlos Daher resume essa reforma de maneira completa, revelando sua essência: “Duas tradições vicejavam no país: a oriunda da Escola Politécnica de São Paulo e a da Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. A Reforma de 62, singelamente, ultrapassava essa dupla tradição, depois de décadas de batalhas acadêmicas e profissionais. Além disso, estabelecia, em definitivo, a noção do fazer, do projetar, como eixo, em torno do qual se organizam os diversos conhecimentos”. (DAHER, 1993, apud. Silva 2004, p. 274) As profundas mudanças no ensino da FAU em 1962 serviram de exemplo para a constituição dos currículos de diversas novas escolas de arquitetura no Brasil. Durante todo o 52
processo de transformação, Abrahão Sanovicz sempre participou ativamente da luta pela adequação do ensino com a profissão, desde quando estudante até 1962, ano em que ingressa na instituição e durante todo o resto de sua vida como professor. Como professor da FAU, Sanovicz atuou na sequência de Desenho Industrial, sendo um dos professores responsáveis pela disciplina do 3º ano, em companhia de José Maria da Silva Neves e Luiz Gastão de Castro Lima. As disciplinas de Desenho Industrial têm seu objetivo esclarecido pela publicação Desenho Industrial 1962, cuja introdução aponta: “D.I. é o estudo do objeto e do seu uso. O raciocínio empregado na solução dos problemas de ‘Design’ não é em absoluto estranho ao arquiteto, mas sim paralelo ao pensamento empregado: nos problemas de edificação e planejamento. O arquiteto na sociedade de hoje atua numa gama muito ampla de processos, abrangendo a produção industrial, identificando-se com ela e contendo em si o ‘Designer’. Este por sua vez, não deve ser confundido com o inventor, mas sim deve ser encarado e preparado como criador cujo espírito de análise e de síntese oriente com segurança as linhas de desenvolvimento do nosso D.I. O resultado dessa intervenção deverá ser um "Design" caracteristicamente brasileiro, ligado nitidamente ao nosso patrimônio artístico popular e erudito” (FAUUSP, 1963, apud Silva 2004, p. 275) Percebe-se, portanto, que a disciplina estava muito de acordo com a percepção do próprio Abrahão sobre o papel do desenho e da atuação do arquiteto em diversos campos do mercado. Principalmente depois de sua experiência com o design na Itália, Sanovicz pôde contribuir para o ensino da FAU com uma perspectiva ampliada sobre o que pode ser a arquitetura quando trabalhando em conjunto com o design. Ficou, desse modo, na sequência de Desenho Industrial até o ano de 1969, quando o presidente da república General Artur da Costa e Silva, respaldado pelo Ato Institucional nº 5 de 1968, determinou a aposentadoria compulsória do professor Artigas, junto a Jon Maitrejean, Paulo Mendes da Rocha e tantos outros funcionários públicos. Segundo Silva, “As cassações aliadas às prisões dos também professores Sérgio Ferro e Rodrigo Lefèvre no início da década de 1970 fragilizaram muito a Escola” (Silva 2004, p. 278). Em 1970, Sanovicz sai da sequência de Desenho Industrial e passa a fazer parte dos professores do conjunto de disciplinas que dariam origem mais tarde ao Grupo de Disciplinas de Projeto de Edificações do Departamento de Projeto. A mudança se deu por conta de 53
diversos fatores, entre eles as mudanças nos objetivos das disciplinas de Desenho Industrial e a ideia de que Sanovicz poderia contribuir mais se lecionasse projeto. 1970 também foi o ano em que Sanovicz e Katinsky contribuíram para a formulação do curso da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos, estruturando os cursos de Desenho Industrial e Programação Visual, experiência que ainda rendeu à dupla o chamado da Universidade de Brasília (UnB) em 1976 para que conceituassem cursos equivalentes. Derivado dessa conceituação, foi escrito pela dupla o documento Desenho Industrial e Programação Visual para Escolas de Arquitetura, publicado em 1977 pela Associação Brasileira de Escolas de Arquitetura ABEA e reconhecido pela Comissão de Ensino de Arquitetura e Urbanismo – órgão do Ministério da Educação – como um documento referência para as escolas de arquitetura. No texto, Abrahão expõe os objetivos gerais: “O nosso desejo é formar um profissional mais completo, atento às indagações do meio social e apto a decifrá-las quando estuda a organização dos espaços, sua configuração e os meios do inter-relacionamento humano”. (Sanovicz, 1977 apud Silva 2004, p. 279) 1972 é o ano em que Abrahão Sanovicz apresenta sua tese de doutorado. O tema, Projeto e Produção - Por Uma Aproximação Metodológica, é abordado pelo autor por meio do estudo de suas próprias obras, apresentando doze projetos seus que “melhor definiam suas preocupações fundamentais” (Silva 2004, p. 279). Segundo Silva, é possível reconhecer no trabalho de Sanovicz uma espécie de linha guia que é comum a todos eles, mesmo com os diferentes graus de acúmulo de experiências, o próprio arquiteto assim a caracteriza: “Seja pelo valor social da arquitetura, dos modos de produzi-la; Seja pelas preocupações com o relacionamento dos valores plásticos; Seja pelo sentido que assume, entre nós, a industrialização da moradia; Seja, mesmo, o fenômeno da construção ligado ao pleno reconhecimento dos valores na paisagem”. (Sanovicz, 1972 apud Silva 2004, p. 279) Segundo Silva: “Os projetos comentados na tese, pela sua diversidade, pelos seus processos construtivos, pela sua possibilidade de realização, encerram um objetivo: a intervenção do arquiteto como elemento indispensável, que reúne e sintetiza todos os dados que se apresentam para uma correta solução, que atenda desde os mínimos atos individuais, até as complexas atividades comunitárias” (Silva 2004, p.279). 54
Na conclusão dessa tese, Sanovicz faz uma reflexão sobre a atividade do arquiteto, no que consiste, como se desenvolve e evolui, as possibilidades que abre, as soluções que pode alcançar e a importância da liberdade para o ato de projetar: “A atividade do arquiteto não é rotineira. A atividade do arquiteto não é especializada. Esta atividade, que assume experiências anteriores, se renova a cada projeto. A elaboração do projeto considera fatores reais de programa, analisados e constantemente reelaborados. A elaboração do projeto considera fatores econômicos, de possibilidades técnicas e tecnológicas de produção, instrumental humano e pelo homem dominado. A elaboração do projeto considera fatores sociais. As sínteses dos fatores acima considerados são formalizadas num produto final, onde se processam as atividades humanas. Sendo estas atividades infinitas, as formas das experiências estéticas são também infinitas, donde a riqueza das possibilidades é interminável. O ideal é que possibilite a todo ser humano uma livre movimentação no espaço (configurando pela sociedade no seu atuar-se), onde pode e deve desenvolver sua atividade criadora, ou seja, libertar-se". (Sanovicz 1972 apud Silva 2004, p. 280) Com o título de doutor em mão, Sanovicz continua a lecionar as disciplinas do departamento de projeto na FAU, principalmente para o 3º ano, ministrando tanto matérias obrigatórias quanto optativas, além de muitas vezes coordenar também o Trabalho de Graduação Interdisciplinar – TGI. Mas sua atuação na escola não se limitava à de professor pacífico. Segundo Silva, Sanovicz nunca deixou de participar das discussões sobre o ensino de arquitetura que continuavam a acontecer. O arquiteto atuava também como professor da pósgraduação, orientando diversos alunos. Em 1990, Sanovicz volta a Milão, desta vez a convite da professora Bianca Bottero, para acompanhas os trabalhos desenvolvidos pelos alunos nos ateliês de projeto em um período entre abril e junho daquele ano. A viagem foi financiada pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e graças a ela Abrahão pôde propor uma relação mais estreita entre a FAU e o Politecnico di Milano por meio do estabelecimento de um
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intercâmbio de professores entre as duas instituições. Segundo Silva, Abrahão via nesse intercâmbio, além da oportunidade da troca de experiência entre docentes de diferentes países e consequente aperfeiçoamento do ensino, também um espaço para a crítica arquitetônica em relação à universidade, e que também proporcionaria sua independência com relação à produção do mercado. Dois anos antes de sua morte, em 1997, Sanovicz inscreveu-se no concurso para Livre Docência do Departamento de Projetos. O trabalho que elaborou para apresentação foi intitulado Sistematização Crítica da Obra de Arquitetura, e consistia na reunião de uma série de projetos e textos em ordem cronológica, o que só foi possível graças a uma cuidadosa organização de arquivos e escolha dos documentos, que em sua maioria faziam parte do processo de elaboração dos projetos. Segundo Silva, essa coletânea montada pelo arquiteto deixa clara a sua opinião sobre o fato de que ensinar e projetar são a mesma coisa, o que pode ser melhor entendido pela leitura do item Explicação Necessária do trabalho em questão. “A simplicidade procurada no projeto e no texto, como uma postura didática é ato normal para um professor, a fim de que o aluno possa avaliar o dito em sala de aula e a correspondente produção que informa e lastreia a atividade de ensinar. Sobre os projetos, sempre os fiz com referências. Ato difícil de explicar quando nos bancos da escola, porém, com o caminhar da vida profissional, na maturidade, este processo torna-se claro. Os graus de liberdade se ampliam, o programa se enriquece a partir da "lista de necessidades", guardando do mesmo uma distância enorme. O material construtivo cada vez mais torna-se um meio, não um fim, o que me dá liberdade para interpretar cada programa com a linguagem específica necessária, sem sacrificar a coerência do conjunto dos projetos e textos elaborados ao longo desse percurso. O desenho como forma de linguagem. Sempre desenhei e continuo desenhando, somente passo o projeto para o papel quando já o tenho claro na minha cabeça. Não fico procurando a solução na folha branca. Projetando-o, consigo fazer todas as leituras que necessito para compreender a solução. E por que não, compreender-me também”. (Sanovicz 1977, apud Silva 2004, p. 281-282) Também no ano de 1997, a FAU comemorou seus cinquenta anos, e dentro do ciclo de comemorações dessa faculdade, a exposição de inauguração celebrou a obra do professor Sanovicz, escolhido pelos alunos devido à diversidade de sua atuação como arquiteto, que
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representava o “espírito da FAU”. Abrahão também participou dos eventos como curador da exposição que encerraria as comemorações. A convite do então diretor Julio Katinsky, Abrahão coordenou a escolha de trabalhos de arquitetos formados pela FAU, reunindo para isso uma equipe que deveria encontrar os trabalhos mais significativos para cada década da de existência da escola. Desse modo, segundo Silva, tanto a primeira quanto a última exposição das comemorações do cinquentenário da FAU foram uma aula do professor Abrahão Sanovicz. Em 1999, aos 65 anos de idade, Abrahão Sanovicz falece devido a um câncer. Em sua tese de doutorado, Helena Silva conclui com uma análise geral sobre a vida desse arquiteto, em seus últimos parágrafos, faz uma síntese que esclarece o método de Sanovicz e o desenvolvimento de seus projetos, além de esclarecer o papel das referências e das etapas percorridas como parte da pesquisa. “Em todos os registros de seus projetos, constantemente buscou esclarecer o trajeto percorrido até a proposta final. De igual modo, procurou identificar aquilo que de um trabalho anterior está presente na obra seguinte, declarando sempre as obras referenciais que ilustraram a solução. Tal atitude não foi pontual. Acompanhou-o durante toda a sua trajetória, caracterizando, portanto, um comportamento que sempre mereceu a admiração de todos. Essa maneira de trabalhar e de registrar o caminho do projeto, tão característica de Abrahão Sanovicz, nos permite afirmar que, sem dúvida, projeto é pesquisa. Entretanto, esta postura não é generalizada. Ela pressupõe um método, uma atitude consciente e deliberada anterior ao próprio projeto. Abrahão construiu, ao longo de seu trabalho como arquiteto e professor de projeto, os mecanismos para registrar o fazer de sua obra de arquitetura, de modo a tornar, tanto sua postura como seus projetos, referências para muitos outros arquitetos” (Silva 2004, p. 293). É enfim perceptível a importância do desenho para o desenvolvimento do pensamento e do raciocínio projetual do arquiteto. Para Abrahão Sanovicz, mais que uma ferramenta de trabalho, o desenho era um prazer. Vê-se em seu traço uma leveza e liberdade que só podem pertencer a um profissional confiante e seguro de suas decisões e experimentações, que não tem medo de errar e refazer seu pensamento, mas que sabe da importância de registrar no papel aquela primeira impressão que guiará o projeto até o fim.
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Na ocasião da exposição proposta pelo GFAU para dar início às comemorações do cinquentenário da FAU, os professores Odiléa Toscano e Eduardo de Almeida escreveram sobre a atuação de Sanovicz para o catálogo de apresentação da exposição. Neles, os professores relatam sua percepção sobre o modo de projetar do professor Abrahão. Odiléa escreve sobre o hábito de desenhar – ou talvez a melhor expressão seja “rabiscar” – que apesar de ser característica de alunos de arquitetura em geral, destacava-se mais em alguns deles. Segundo ela, Sanovicz “seguiu quase que sistematizando esse saudável hábito e, em conseqüência, temos aí os ‘desenhos de reunião, nenhum tempo perdido’” (Toscano 1997 apud Silva 2004, p. 9), referindo-se a uma das divisões da exposição. Eduardo de Almeida, por sua vez, fala principalmente sobre o caráter questionador de Abrahão, que não deixava de analisar com cuidado suas referências e predecessores para poder fazer sua própria arquitetura de acordo com seu próprio papel em seu momento histórico. Para Almeida, Sanovicz foi representativo de seus colegas formados nos anos 1950, e não poderia ser de outro modo devido a toda a atmosfera de questionamentos sobre arquitetura que ocorria em todo o mundo naqueles tempos. Nas palavrar de Eduardo de Almeida, colocadas as seguir, explica o caráter da obra de seu colega de profissão: “A obra de Abrahão Sanovicz fala de todos nós, colegas da FAU e arquitetos formados nos anos 50 em São Paulo, embora talvez nenhum outro arquiteto daquela geração tenha manifestado com seus projetos um compromisso tão forte com a cultura brasileira (presença de Mário de Andrade...) e uma disciplina tão rigorosa no exercício do ‘ato de projetar’ (...) Alimentando esse universo com sua sensibilidade e seu conhecimento teórico e técnico, Abrahão Sanovicz realiza uma arquitetura forte, coerente, precisa e admirável, não apenas pela sua obstinação em evitar os “efeitos especiais”, a grandiloqüência, o discurso vazio mas, principalmente pelo rigoroso cuidado em trabalhar com o desenho da construção do espaço, elevando-o a nível da verdadeira obra de Arte”. (Almeida 1997 apud Silva 2004, p. 10) De acordo com tudo o que aqui já foi colocado, fica evidente a importância desse arquiteto no cenário da arquitetura paulista e mesmo de sua atuação entre seus contemporâneos, que mais do que um arquiteto da escola paulista, sua preocupação com o ensino e com a pesquisa sobre os próprios projetos fazem de Abrahão Sanovicz um profissional que atuava em diferentes frentes e não dava a uma mais importância dos que às outras, mesmo porque não as dissociava uma da outra. Era mesmo o “arquiteto que a FAU quer formar”, fato reconhecido pelos alunos ao escolherem sua obra como objeto de 58
exposição e reafirmado em outras palavras pelo já citado Eduardo de Almeida e na própria tese de Helena Silva. Nas palavras da pesquisadora, o resumo sobre a importância do estudo da obra de Sanovicz deixa ainda mais claras as qualidades do arquiteto: “Com efeito, a importância de sua contribuição profissional pode ser aquilatada pelos seguintes valores: o seu intenso comprometimento com formação de gerações de arquitetos; o volume de produção e inovação nos campos da arquitetura e do desenho industrial; e a preocupação no registro de suas certezas e convicções. Aquilatada também, pela conduta atuante nos órgãos representativos dos arquitetos, principalmente o Instituto de Arquitetos do Brasil” (Silva 2004, p. 3).
5.2.2. Paulo Bastos O arquiteto Paulo de Mello Bastos nasceu em 1936, em São Paulo, no bairro do Brás, onde passou a infância. Decide prestar vestibular na FAU-USP, onde inicia seus estudos para se tornar arquiteto, mas também sua atuação em um campo que continuaria a ser de seu interesse por toda a vida: a educação. Ainda durante a graduação, começa a estagiar, durante a noite, no escritório de Joaquim Guedes, onde conhece Carlos Milan, com quem começará a trabalhar pouco depois de sua formatura em 1959. Antes de trabalhar no escritório de Milan, Bastos passou por outros dois trabalhos, o primeiro, recém-formado, teve duração de cerca de um mês, e foi na construtora Alfredo Mathias. Em seguida, o arquiteto trabalhou com Jorge Zalszupin, que realizava muitos projetos de interiores, possibilitando que Bastos aprendesse sobre o detalhamento de soluções com materiais variados nesse período. Para Rodrigues, a geração de arquitetos formados no início dos anos 1960 se destaca, movidos pela vontade de contribuir com o projeto de desenvolvimento do país que se colocava na época. Mesmo que o panorama desenvolvimentista tenha sido interrompido pela ditadura, Paulo Bastos foi um arquiteto que continuou firme em sua luta por seus ideais e, segundo Rodrigues: “(...) não se deixou arrefecer pela repressão do regime militar e trabalhou muitas vezes em projetos de obras públicas que governo militar implantou. Desenvolveu seus projetos com um espírito crítico e sensível ao caráter humano da arquitetura, na procura por possibilidades de resistência e atuação, fosse junto ao partido comunista ou no Instituto de Arquitetos do Brasil”. (Rodrigues 2008, p. 16)
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É em 1962 que vai para o escritório de Milan, onde executou os detalhamentos do Clube Paineiras do Morumby, com o qual obteve grande familiaridade, a ponto de mais tarde, após a morte do de Milan, ser chamado para executar alterações e ampliações de modo a seguir a linguagem original. Em 1961, torna-se suplente eleito da assembleia nacional pelo IAB. Em 1963, ainda trabalhando com Milan, Paulo Bastos projeta aquele que pode ser considerado seu primeiro projeto individual: a Casa de Praia J. C. Pellegrino, em Itanhaém. O projeto da casa de praia já revela uma Figura 10: Casa de Praia J. C. Pellegrino
constância do arquiteto em optar por algumas soluções, Fonte: Rodrigues, P. H. de C. A obra do arquiteto Paulo Bastos. FAU-USP, São
além de revelar, segundo Rodrigues, uma espécie de Paulo: FAU-USP, 2008. Pg 55 “modo de fazer da época”. Nesse sentido, a criação de espaços ricos com base em empenas cegas e a negação da paisagem externa em detrimento de uma paisagem criada por jardins internos ou pelo jardim dos fundos fazem parte do raciocínio projetual do arquiteto desde o primeiro projeto, propondo uma relação diferente entre interior e exterior. A questão de proporcionar uma visão fluida entre os espaços também está presente nesse projeto, de modo que mobiliários e peças de arte poderiam ser apreciadas de diferentes pontos da casa. Antes da finalização do projeto da casa de praia, Bastos decide abrir seu próprio escritório, e ainda no ano de 1963 instala-se em uma casa da Rua Major Sertório, contando por hora com apenas aquele projeto para J. C. Pelegrino. A carreira de Paulo Bastos é uma sucessão de projetos majoritariamente institucionais e de nomeações para cargos do IAB, além de seu recorrente empenho da área educacional da arquitetura. A arquitetura residencial de Paulo Bastos consiste, segundo Pedro Henrique de Carvalho Rodrigues, em 16 projetos ao todo. Citando um depoimento do próprio arquiteto, Rodrigues explica que foram poucos os clientes particulares de Paulo Bastos, que acabavam sendo, em sua maioria, colegas ou amigos. Esse fato, segundo o próprio arquiteto, parece ter se dado devido ao concurso para o Quartel General do II Exército em São Paulo, logo no início da carreira, o qual venceu e construiu. O projeto gerou grande reconhecimento dos autores, rendendo a Paulo Bastos uma maioria de convites para obras públicas ou para instituições.
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O ano do golpe militar corresponde ao convite de Alfredo Pisani para Paulo Bastos ser seu assistente e lecionar Composição I na Universidade Mackenzie. Contratado em março, o arquiteto é demitido em abril devido a sua orientação política. Entretanto, é readmitido no segundo semestre como assistente de Ubijara Ribeiro na cadeira de Comunicação Visual, junto com Israel Sancovski e Maurício Nogueira Lima. Bastos explica que as aulas eram frequentemente interrompidas por militares que entravam no Mackenzie para pegar metralhadoras, que eram guardadas ali por conta da proximidade da faculdade com a USP. No ano seguinte, formando uma equipe com Leo Bomfim Junior e Oscar Arine, vence o concurso para os quartéis generais de São Paulo. A competência da jovem equipe de arquitetos comunistas não deixou de causar estranhamento, de acordo com Paulo Bastos comenta em entrevista a Rodrigues: “A gente ganhou o concurso e soubemos depois que um dos concorrentes foi ao Amaury Kruel, o comandante do então II Exército, e disse que não podiam dar o projeto para uma equipe de comunistas. Aí o Kruel perguntou, eles são arquitetos? São. Eles ganharam o concurso de arquitetura? Ganharam. Então eles vão fazer o projeto”. (Rodrigues 2008, p. 136) De um modo ou de outro, o sucesso
do
prédio
reconhecimento Paulo
Bastos
encomendas
da e
a
resultou
no
arquitetura
de
rendeu seu
diversas
recém-aberto
escritório. A tensão entre o fazer arquitetônico e a orientação política do arquiteto serão fundamentais para entender os projetos que Paulo Bastos Figura 11: Quarteis Generais de São Paulo
Fonte: Rodrigues, P. H. de C. A obra do arquiteto Paulo Bastos.
executa ao
longo
da carreira. É FAU-USP, São Paulo: FAU-USP, 2008. Pg 138
interessante notar que mesmo que parte do ideário comunista se projete nos desenhos, Bastos não deixa de receber encomendas públicas, que na realidade serão a maioria em sua carreira. Mesmo assim, seu sucesso como arquiteto não o impedirá de ser preso na década de 1970. Sobre essa relação tensa da época entre arquitetos e militares, Rodrigues afirma: “A relação entre os arquitetos, os comunistas em especial, e o governo militar não deixa de ser contraditória. Porém, se por um lado para os arquitetos havia a necessidade de trabalho, por outro havia a necessidade do
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governo de construir bons projetos, até por uma questão de visibilidade e afirmação política”. (Rodrigues 2008, p. 136) No ano de 1966, Paulo Bastos projeta diversas escolas, entre elas o Grupo Escolar Vila Brasília e Centro Educacional de Corumbá, edifícios que, segundo Rodrigues, foram concebidos com
grande
liberdade
projetual,
inclusive de programa arquitetônico, além de serem “as escolas onde foram lançados os conceitos principais da Figura 12: Grupo Escolar Vila Brasília
Fonte: Rodrigues, P. H. de C. A obra do arquiteto Paulo Bastos.
produção subsequente de Paulo Bastos FAU-USP, São Paulo: FAU-USP, 2008. Pg 80 nesta área” (Rodrigues 2008, p. 79). Também nesse ano o arquiteto projetou o Grupo Escolar de Rubiácea e Centro Educacional de Macedônia para o Fundo Estadual de Construções Escolares, FECE, órgão criado em 1959 com a função de unificar o planejamento e custeio da construção de escolas no estado, principalmente por conta da necessidade de aumentar as vagas devido ao crescimento demográfico das cidades. Em contrapartida à sistematização da construção, o FECE fez com que licitações e construções de escolas pudessem ser realizadas em grande quantidade e em pouco tempo, tornando a tipologia um campo explorado por muitos arquitetos desse período, entre eles Paulo Bastos. Entretanto, o FECE restringia a diversidade de programas, que, mesmo elaborados individualmente, acabavam seguindo certo padrão. Mas mesmo que os programas padronizados tenham sido respeitados em cada projeto, Paulo Bastos foi capaz de conferir a eles alto grau de qualidade. Um ano depois, o clube Paineiras do Morumby convoca Paulo Bastos para projetar sua sede. Com a morte de Carlos Milan, Bastos era o arquiteto com maior familiaridade com o projeto, talvez o único que poderia dar continuidade às obras sem descaracterizá-la. Em 1968, a instituição do AI-5 faz aumentar a pressão sobre o diretor da faculdade do Mackenzie, Salvador Candia, e torna inevitável a demissão definitiva de Paulo Bastos. Mesmo assim, o arquiteto continua trabalhando, é nomeado membro efetivo da assembleia nacional do IAB e realiza o projeto da Residência Aécio Arouche. Em 1969, seu projeto para o Centro Educacional de Corumbá é premiado na categoria “Projetos de Edifícios para fins Educacionais” da Premiação Bienal do IAB.
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Em 1970 inicia a construção de sua casa no bairro Alto de Pinheiros, que será concluída em 1972m com área útil de 253,06m2. Segundo a descrição de Rodrigues, o programa é distribuído e caracterizado da seguinte maneira: “O terreno em que está implantada a residência projetada para sua família, construída em 1970, era originalmente plano. O pavimento de acesso, elevado em relação à rua, foi criado como parte do projeto, por aterramento. Aí está o volume das dependências de serviço, delimitando o espaço da sala de jantar e do jardim interno. Meio piso abaixo estão a sala de estar e o escritório, que visualmente prolongam‐se até a varanda, separados pelo volume curvo do lavabo e ordenados pelos sofás, mesas e estantes de concreto. Meio piso acima, estão os quartos. Observam‐se, nesse caso, algumas soluções já empregadas anteriormente em outros projetos residenciais. De projeção quadrada, a cobertura encerra espaço mais compacto, onde a ligação visual entre os ambientes acontece de maneira mais imediata”. (Rodrigues 2008, p. 65) Em entrevista a Rodrigues, Paulo Bastos comenta que sua casa tinha algo que não seria aceito por clientes: ao entrar, o olhar pode enxergar todos os ambientes, transpassar quase toda a casa – com exceção da cozinha e área de serviços. Essa lucidez do arquiteto sobre uma característica que apenas ele aceitaria em sua casa demonstra como uma residência projetada por um arquiteto para si mesmo é o campo de experimentação no qual ela tem maior liberdade. Como pode-se esperar de qualquer experimento, nem todos os aspectos foram bem-sucedidos, segundo o arquiteto, sua crença de que o jardim interno poderia ficar aberto se mostrou inválida logo no dia da mudança, quando um vendaval encheu a casa de pó e provou ao arquiteto a impossibilidade de manter o pergolado descoberto (Rodrigues 2008, p. 66). Nesse mesmo ano, Paulo Bastos ainda projeta três escolas para a Comissão de Construções Escolares da Prefeitura de São Paulo – a Escola Municipal Jardim Robru, a Escola Municipal de Americanópolis
e
a
Escola
Municipal de Vila Espanhola. As
Figura 13: Fluidez de espaços na residência Paulo Bastos Fonte: Rodrigues, P. H. de C. A obra do arquiteto Paulo Bastos. FAUUSP, São Paulo: FAU-USP, 2008. Pg 66
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três escolas foram solicitadas a Paulo Bastos de uma só vez, segundo o arquiteto, em entrevista a Rodrigues, havia urgência na realização dos projetos e solicitava-se o mínimo de programa: o número de salas de aula e um pátio. Os projetos realizados por Bastos foram completos, seguiram direto para licitação e as escolas foram construídas. As três escolas dificilmente ser muito diferentes entre si, feitas ao mesmo tempo, possuem semelhanças significativas quanto ao partido adotado e a estratégia de projeto, segundo Rodrigues “as três escolas são marcadas pelo lançamento de uma grande cobertura sob a qual desenvolvem‐se os ambientes em volumes mais ou menos independentes” (Rodrigues 2008, p. 96). É ainda no ano de 1970 que o arquiteto projeta outras duas residências – uma para Arthur Afonso de Souza e outra para Walter Ricchetti. Nota-se nessas duas casas, e também em diversas outras projetadas por Paulo Bastos, alguns pontos de semelhança com a casa do próprio arquiteto, como o pergolado para a iluminação sobre o jardim interno e o uso de meios níveis.
Figura 14: Reidência Paulo Bastos Fonte: APBA – Arquiteto Paulo Bastos & Associados, acesso em 04/08/2016
Nesse mesmo ano, torna-se membro titular do Conselho Superior de São Paulo e vice‐ presidente da Diretoria Executiva até 1971 e também contribui com a montagem do curso de arquitetura e urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São José dos Campos, da qual se torna professor até 1973, passando por chefe do departamento de projetos e decidindo deixar a faculdade por conta de desentendimentos com a coordenação e a mantenedora da instituição. É na década de 70 que o Brasil se torna palco de uma intensa proliferação de agências bancárias, que passam a ter clientes de diferentes rendas e necessitam assim de novos pontos de atendimento. Diversos arquitetos puderam experimentar essa nova tipologia que surgia com as novas necessidades do capital financeiro no país e com a “disseminação de uma arquitetura de vanguarda pelo estado, procurando‐se a fixação, através da imagem, de conceitos de austeridade e solidez e a força do capital financeiro” (Rodrigues 2008, p. 156). Paulo Bastos foi um desses arquitetos, encarando essa nova tipologia como um desafio: se por 64
um lado as agências tinham essa carga simbólica e precisavam se destacar, por outro lado ela não deveria ter impacto danoso no tecido urbano onde se implantava, em especial quando se tratava de cidades menores no interior do estado. No ano de 1976, Paulo Bastos fica preso durante o primeiro semestre, mas consegue licença para continuar trabalhando. Nesse período, o arquiteto projeta algumas agências bancárias para a Caixa Econômica Federal, que fechava os contratos com o escritório mesmo sabendo da situação do arquiteto. Nesse período de confinamento, também executou projetos para o Cube Paineiras, um dos poucos clientes particulares do arquiteto. Em 1978, é contratado pela faculdade de santos como professor da cadeira de Edificações III e IV, onde lecionará até 2006. Nesse mesmo ano, projeta o berçário e a escola maternal do Clube Paineiras do Morumbi, mais uma ampliação do clube. Participa ainda do concurso para a Reurbanização do vale do Anhangabaú, no qual fica em 3º lugar, e se torna o primeiro vice‐presidente do Departamento de São Paulo. No ano seguinte, vence o projeto para o Hospital Municipal de São José dos Campos, junto com Rosendo Mourão, Romeu Simi Jr. e Fábio Goldman, o que lhe rendeu convite para elaboração do projeto executivo. De 1980 a 1990, Paulo Bastos continua a projetar diversos tipos de Figura 15: Escola Augusto Laranja Fonte: Rodrigues, P. H. de C. A obra do arquiteto Paulo Bastos.
edifícios, casas, escolas e outros. Entre FAU-USP, São Paulo: FAU-USP, 2008. Pg 107
eles, merecem destaque a Escola Augusto Laranja (1984), realizada com grande liberdade para um cliente particular; as escolas projetadas para a CONESP (Companhia de Construções Escolares de São Paulo); e o Anteprojeto para o Espaço Criança. As escolas projetadas para a CONESP esbarravam nas limitações impostas pelo órgão. Em 1971, o governo do estado de São Paulo cria a companhia para substituir o FECE. Com esse novo órgão, a padronização das construções escolares torna-se mais rígida e abarca mais
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aspectos: desde o programa até a estrutura. Pretendia-se assim aumentar a rapidez e o controle sobre a construção das escolas, mas, em contrapartida, a criatividade dos arquitetos passou a ser limitada pelos parâmetros colocados. Entre essas escolas, podemos citar a EEPG Jardim Alpino, a EEPG Jardim Leonor e a EEPG Jardim da Represa. O próprio Paulo Bastos relata essa experiência a Rodrigues em entrevista: “As escolas são elementos importantes para a comunidade pelos locais em que elas estão, especialmente quando não existiam e passam a existir. Daí se via de longe e reconhecia aquele padrão ruim. Isso para mim acabou sendo interessante porque fiz essas escolas como uma espécie de desafio, o de realizar um trabalho que procurou superar as rígidas limitações modulares e construtivas a que esteve submetido o plano de construções escolares em São Paulo. Quis fazer uma escola diferenciada do ponto de vista da volumetria. Quer dizer, essa decomposição volumétrica que se tem é a intenção de ensaiar uma forma de usar aquela coisa tão amarrada. Aí resultaram essas escolas”. (Rodrigues 2008, p. 109) O Espaço Criança foi um projeto de 1989 voltado à educação informal. Tratava-se de um centro voltado a oferecer diversas atividades educacionais e recreativas, como cultivo de plantas, montagem de brinquedos e outras, todas dirigidas por coordenadores. A proposta desse projeto pela prefeitura de São Paulo se deu após uma tragédia que matou 14 crianças no local do projeto, que antes era ocupado irregularmente por habitações precárias. A prefeita Luíza Erundina convoca Júlio Neves, Eduardo Longo, Paulo Montoro e Paulo Bastos para elaborarem a proposta em homenagem às crianças. A ideia de Paulo Bastos de realizar ali um centro de educação informal foi aceita, e, segundo Rodrigues “cada arquiteto fez uma proposta que seria exposta e depois todos trabalhariam no desenvolvimento da melhor delas. A proposta apresentada por Paulo Bastos foi a escolhida” (2088, p. 114). Infelizmente, o projeto não foi executado, segundo o arquiteto, em entrevista a Rodrigues, “Ficou perdida no
Figura 16: Plano para o Espaço Criança Fonte: Rodrigues, P. H. de C. A obra do arquiteto Paulo Bastos. FAU-USP, São Paulo: FAU-USP, 2008. Pg 115
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tempo em função do pragmatismo muito mais estreito do que a gente imaginava” (Rodrigues 2008, p. 115). Ainda com relação aos espaços de educação informal, podem ser citados como exemplos o projeto para a Praça Observatório de Araras – anexa à EEPG Profª Judith Legaspe – e Museu Municipal de Peruíbe, que incluía instrumentos de observação astronômica e da paisagem. É em 1986 que Paulo Bastos inicia sua aproximação com a questão do patrimônio e da preservação com sua nomeação como conselheiro do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, Condephaat, representando o Instituto de Arquitetos do Brasil, IAB. Ainda no CONDEPHAAT, o arquiteto foi convidado para dirigir o órgão e aceitou o convite embora não quisesse, a princípio, trabalhar para o setor público. Devido a seu interesse e à importância que dava para o patrimônio, Bastos levou a sério seu cargo, sendo rígido com relação as diretrizes de legislação da preservação, tanto que gerou conflitos internos que levaram a sua demissão antes do final do mandato. O primeiro projeto de restauro de Paulo Bastos que foi executado, seria a Igreja de São Cristóvão, que se apresentava como uma oportunidade de agir mais diretamente sobre a questão. Rodrigues explica os as diretrizes dos trabalhos de Bastos da seguinte maneira: “Os trabalhos, de modo geral, partem da idéia inicial de que há o desenvolvimento de um processo de constante transformação do objeto, desde o início da concepção arquitetônica até sua materialização em obra construída e, depois, durante sua utilização. Não há um objeto material a ser reconstituído tal como era antes, pois a idéia inicial é modificada pela interferência do processo de construção, pelo envelhecimento e por particularidades de sua utilização. Assim, o que se pode preservar são as características fundamentais como as relações espaciais interiores e o diálogo com o exterior, a volumetria, as proporções e as peculiaridades dos elementos constitutivos de um edifício. Partindo do respeito a essas características, o restauro e, por extensão, a reciclagem ou adaptação do edifício às novas necessidades de uso constituem intervenção no processo de vida do edifício, passando a fazer parte deste mesmo processo”. (Rodrigues 2008, p. 166) Desse modo, o trabalho do restauro consiste também em uma análise da história do edifício e a escolha cuidadosa daquilo que faz parte da sua história – estando ou não na concepção original – e que, portanto, deve ser preservado. Outra questão diz respeito à adequação do edifício ao uso, ou seja, o prédio não pode oferecer riscos ao usuário e deve 67
cumprir espacialmente a função ao qual será destinado, de modo que há a necessidade de compatibilizar o novo uso às características a serem preservada, por vezes priorizando um em detrimento do outro. Uma característica interessante sobre os restauros feitos pelo arquiteto, é sua atenção para a dimensão educacional da preservação do patrimônio. As tentativas do arquiteto de sempre implantar um museu em sua intervenção também vêm no sentido de promover a memória também com sentido educacional. A importância que atribui a essa dimensão muitas vezes leva o arquiteto a propor museus ou espaços de visitação em seus projetos de restauro. “Eu acho muito importante um bem restaurado poder ser usado e talvez o mais importante seja, através do trabalho de restauro, socializar o conhecimento que se obteve sobre aquilo que se restaurou. Tudo o que tenho feito, especialmente nesta área, eu vejo com uma postura museológica e arqueológica”. (Rodrigues 2008, p. 167) Talvez o projeto de restauro mais conhecido do arquiteto seja o da Catedral Metropolitana de São Paulo, iniciado em 2000 e que na realidade consistiu na continuação da construção da igreja, cujo projeto original não havia sido completamente executado. A proposta inicial era de realizar os torreões e agulhas que faltavam em uma materialidade diferente, pois não se tinha conhecimento sobre os detalhes do estilo no qual deveriam ser executados. Entretanto, a Cúria exigia que as partes faltantes fossem feitas como o resto da Catedral. Paulo Bastos é vencedor, em 1995, do certame realizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. O arquiteto vence com uma proposta técnica apresentada para a urbanização de favelas paulistanas. Propunha-se dotar as favelas das condições sanitárias, mas também de convívio social necessárias para sua habitação. Sobre a atuação no campo do urbanismo, Pedro Henrique de Carvalho Rodrigues afirma que: “Para Paulo Bastos, os projetos de urbanismo foram oportunidades surgidas, já na maturidade, para a implantação das idéias latentes que anteriormente eram trabalhadas em programas de edificações. Nestes pôde‐ se, finalmente, propor na escala urbana os ideais democráticos e comunitários de reaver a cidade para as pessoas, através de um desenho urbano que considera a escala humana como ponto de partida”. (Rodrigues 2008, p. 211).
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Outros trabalhos de urbanismo do arquieto consistem em planos como o feito para o concurso da reurbanização do Carandiru em 1998, com o qual ficou em 2º lugar. Após o ano de 2000, Paulo Bastos trabalha em importantes projetos urbanas, como o da Avenida Água Espraiada, além de executar estudos para revitalizações urbanas, tais como seu estudo para revitalização da Cracolândia e o projeto de Revitalização da Rua do Gasômetro. Paulo Bastos faleceu em 2012, vítima de complicações após um AVC que sofreu enquanto trabalhava em seu escritório. A perda desse profissional tão competente revela novamente a necessidade de se resgatar no ensino da arquitetura o olhar para os detalhes e os partidos de cada projeto, que não só precisam ser redescobertos como praticados pelos novos profissionais a serem formados. Sobre o método projetual do arquiteto, percebe-se a atenção com relação ao tipo de espaço que se pretende criar, tanto interno quanto externo à edificação. As linhas são estruturadas tendo por base um partido claro, que pode não ser identificado à primeira vista, mas que é percebido quando se vê as relações que o objeto arquitetônico cria. “Talvez a característica mais importante na obra de Paulo Bastos seja a consideração urbanística presente em cada objeto arquitetônico. De modo geral, todos os trabalhos partem de uma leitura do ambiente urbano, de onde extraem, decididamente, condicionantes do partido a ser adotado. Os projetos para casas serviram como referência para outros desenhos. Nestes, Paulo Bastos demonstra a busca por uma relação com o arranjo da paisagem urbana através da composição de seus edifícios. Nesse caso, negando a paisagem existente em detrimento de outra recriada internamente, propondo uma nova articulação do interior com o exterior, uma nova relação com a cidade”. (Rodrigues 2008, p. 210)
6. Considerações Parciais A presente pesquisa tem como principal objetivo estabelecer uma análise e leitura gráficas das residências dos arquitetos Paulo Bastos e Abrahão Sanovicz, entretanto, antes que esta possa ser feita, é necessário consolidar as bases teóricas para sua realização, o que consiste em conhecer o contexto histórico da formação e produção dos arquitetos, bem como identificar características de suas respectivas maneiras de projetar. Tendo esse arcabouço teórico em mão, a análise e comparação das residências poderá ser realizada de maneira mais completa e precisa. 69
Os resultados aqui apresentados consistem, portanto, nessa base teórica necessária para correto entendimento sobre o trabalho de cada arquiteto. Pode-se a partir dela, entender os fatores internos e externos que influenciaram o trabalho tanto de Sanovicz quanto de Bastos, desde os debates internacionais de arquitetura que ocorriam na época até os acontecimentos pessoais da vida de cada um. Como ambos os arquitetos são formados na mesma faculdade com apenas um ano de diferença, receberam em grande parte a influência dos mesmos professores, mesmas atividades, leituras e debates de época. Por conta de toda essa similaridade, a análise individual de cada biografia é importante no sentido de buscar as distinções entre eles. Da mesma forma, a posterior comparação entre as casas apontará semelhanças e diferenças, de modo que poderá ser interessante conhecer seus motivos. Sobre Abrahão Sanovicz, entendeu-se principalmente a proximidade do arquiteto com a disciplina do design e do próprio desenho. Desse modo, os traços do arquiteto são fluidos e livres, atribuindo a seus projetos uma plasticidade única que resulta em espaços ricos. Para o arquiteto, o projeto consiste na própria pesquisa, de modo que cada objeto arquitetônico consiste em uma busca pelo resultado formal almejado, sendo até, de certo modo, um experimento. Quanto a Paulo Bastos, a principal característica de seus projetos era a relação que o arquiteto busca estabelecer. As relações se dão tanto entre os ambientes internos do projeto quando entre o interior e exterior deles. O constante trabalho do arquiteto com desníveis e pés direitos mais altos resulta em experiências variadas dentro de uma mesma obra. Além disso, a fluidez entre os espaços, muito valorizada por ele, leva a um sentido de unidade da obra para aquele que está dentro, mesmo que a fluidez também ocorra em alguns momentos entre o interior e o exterior, estabelecendo também essa relação, mesmo que às vezes indireta, como por meio de iluminação zenital. Isso posto, a etapa seguinte da pesquisa focará no objetivo principal de comparar as duas residências por meio principalmente de ferramentas gráficas. Desse modo, a base teórica será
importante
para
complementação
dessa
comparação
que,
apesar
de
ser
predominantemente baseada no livro Arquitectura: Temas de Composición, contará também com o embasamento aqui realizado e com a leitura das obras de Unwin e Chung, visto que a subjetividade da obra é essencial para a compreensão do resultado final da forma. Também há a possibilidade de se complementar a análise gráfica com textos ou outros documentos se tais se mostrarem úteis para enriquecer o trabalho.
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7. Plano de trabalho para o segundo semestre Conforme proposto pelo projeto de pesquisa, no segundo semestre serão continuadas as atividades de levantamento bibliográfico e serão desenvolvidas e concluídas as demais partes do trabalho, incluindo leitura gráfica dos projeto e visitas técnicas e entrevistas. Essas atividades são descritas a seguir. Levantamento bibliográfico Enquanto neste relatório apresentou-se o levantamento bibliográfico histórico e documental, a próxima etapa da pesquisa focará mais no levantamento de estudos metodológicos para análise das obras. Para tanto, serão estudados livros que auxiliem na realização das análises gráficas e leituras propostas. Leitura gráfica e análise dos projetos As análises gráficas serão realizadas principalmente com base na leitura de Pause e Clark. Assim, pretende-se desenvolver as análises a partir das plantas, cortes e volumetria dos projetos estudados. Os produtos gráficos serão elaborados pela própria pesquisadora. Entretanto, para completa apreensão da obra, não basta a leitura gráfica, desse modo, será feita uma análise subjetiva com base nos trabalhos de outros autores, como Unwin e Chung, visando assim um resultado mais abrangente com relação a aspectos objetivos e subjetivos que serão também apreendidos a partir das visitas. Visitas e entrevistas Serão solicitadas aos atuais proprietários das obras estudadas autorização para visita. Mediante autorização, pretende-se observar nas casas aspectos de ambiência e detalhes que só podem ser compreendidos presencialmente. Considerando a negação das autorizações, o estudo prosseguirá a partir de croquis, desenhos técnicos e fotos. Pretende-se também entrevistar o Arqto. Leo Tomchinsky, amigo e colaborador de Abrahão Sanovicz; o Arqt. e Prof.Tit. Julio Roberto Katinsky, o Arqto. Prof. Edson Elito, amigo e associado de Abrahão Sanovicz (e também de Lina Bo Bardi no projeto do Teatro Oficina); Sr. Eduardo Sanovicz, filho de Abrahão Sanovicz e atual morador da casa; os Arqtos. Nelson Xavier e Luciane Shoyama, atuais sócios do escritório Arquiteto Paulo Bastos e Associados. Essas pessoas foram escolhidas visto que tiveram contato pessoal com os arquitetos estudados e, portanto, podem fornecer informações para o aprofundamento dos estudos. As entrevistas serão direcionadas para o melhor entendimento dos métodos projetuais dos arquitetos.
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Conclusão do trabalho com o relatório final Pretende-se no relatório final complementar as informações apresentadas no presente relatório e trazer ainda a análise gráfica das obras e sua comparação. O propósito final será apresentar uma contribuição para que se possa, a partir das obras estudas, dar subsídios para outros pesquisadores e profissionais enriquecerem seus trabalhos com elementos ressaltados nas obras estudas.
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Paulo
Bastos
&
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