E&M – 2018.07 – Viver, morrer e sobreviver na terra das coisas mortas — Elmano Madail

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Casamento a união entre o sonho e o negócio de milhões hulene Viver, morrer e sobreviver na terra das coisas mortas lá fora Os robôs estão a chegar a África. E vêm para ficar

a banca no bolso

JuLhO 2018 • ano 01 • no 04 Preço 200 MZN

como o sistema financeiro quer chegar a cada vez mais moçambicanos

moçambique

PME+ Regressar às bases, para construir o futuro


Sumário 6

Observação

50 figura do mÊS

Mandela A celebração dos 100 anos do nascimento do humanista sul-africano

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Radar

Panorama Economia, Banca, Finanças, Infra-estruturas, Investimento, País, Agenda

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Macro

ENQUADRAMENTO 14 MPME Elas regressam às bases para fazer crescer os seus negócios 18 Casamento Como uma instituição antiga se tornou um (grande) negócio novo

26 nação Banca Digital 26 A banca no bolso Como o sistema financeiro está a tentar encontrar soluções inovadoras para chegar a toda a população 34 Na voz de... Teotónio Comiche, o presidente da Associação Moçambicana de Bancos

CPLP Murade Murargy, traça um retrato do país, à luz de quem andou pelo mundo

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sociedade

Hulene Seis meses depois da tragédia, na maior lixeira do país continua tudo na mesma

58 lÁ fora Tendências A 4ª revolução industrial dá a vez aos robôs. Como vão ‘ocupar’ o nosso lugar na sociedade?

65 ócio 66 Escape Jardim dos Aloés, um B&B de charme e aconchego 68 Gourmet Em viagem pelo Botânica, o jardim das delícias 69 Adega um novo olhar sobre velhos whiskies 70 Agenda Música,livros, filmes 71 Arte Europa e África, o passado e o presente 72 Ao volante A Audi aposta nos ‘autónomos’

38 provÍncia Gaza O que tem e o que falta à província que vive na ‘sombra’ da capital

42 mercado e FinanÇas Outlook Como o fim da tempestade económica não anuncia ainda a chegada do bom tempo

46 empresas PME Moz Good Trade A história de uma empresa que quer fazer o bem. Porque o que é nacional, pode e deve mesmo ser o melhor

48 Megafone Marketing O que está a acontecer no mundo das marcas em Moçambique e lá por fora Julho 2018

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Editorial

Da banca digital às plataformas móveis; uma via aberta à inclusão Iacumba Ali Aiuba

a necessidade da bancarização do país até às zonas mais recônditas do território nacional coloca ao Banco de Moçambique, entidade responsável pela preservação do valor da moeda nacional e promoção de um sector financeiro sólido e inclusivo, a necessidade premente de estimular o mercado para que os serviços financeiros se estendam ao Moçambique real. E combinando assim a evolução e modernização da banca com as plataformas móveis, que começam a ganhar dinâmica no mercado rural. A este nível, as estratégias desenvolvidas em África traduzem-se em resultados encorajadores que vão levando cada vez mais a população rural a sentir-se parte do sistema financeiro quebrando, desta feita, o tabu de que o banco é para as elites. Nao obstante este dinamismo que se assinala nas zonas rurais, é necessário não perder de vista que o programa de inclusão financeira só terá sucesso se houver esforços conjugados de outros sectores que concorrem para a extensão e desenvolvimento destes serviços, apostando em formas alternativas, inovadoras e económicas de circulação monetária e de pagamento de contas. As políticas do Banco de Moçambique não serão, de per si, suficientes para os vários operadores efectivos e potenciais se sentirem estimulados a desenvolver ou implementar sistemas ou projectos quando encontram entraves de vária ordem para a sua materialização. É necessário que, por exemplo, os sectores das Tecnologias e Sistemas de Informação, das Comunicações, o órgão legislador, a Justiça, a Educação e o Desenvolvimento Rural façam parte de um programa nacional verdadeiramente global. O desenvolmento de plataformas informáticas que tornam o serviço financeiro fácil, cómodo e célere, acarreta riscos associados a tentativas de fraudes, pelo que a legislação e o sistema de justiça devem acautelar medidas e penalizações para desencorajar tais actos. É perspectivando o presente à luz do futuro, que a E&M disponibiliza informação relevante como esta, aos estimados leitores, todos os meses, como um instrumento de tomada de decisão pois ‘quem lê sabe mais’.

JulhO 2018 • Nº 04 PROPRIEDADE Executive Moçambique DIRECTOR Iacumba Ali Aiuba conselho EDITORIAL Alda Salomão; António Souto; Narciso Matos; Rogério Samo Gudo DIRECTORA EDITORIAL GRUPO EXECUTIVE Ana Filipa Amaro EDITOR EXECUTIVO Pedro Cativelos JORNALISTAS Celso Chambisso; Hermenegildo Langa; Cristina Freire, Elmano Madaíl; Rui Trindade PAGINAÇÃO José Mundundo FOTOGRAFIA Jay Garrido; Vasco Célio PRODUÇÃO Iona - Comunicação e Marketing, Lda (Grupo Executive) PUBLICIDADE Departamento Comercial Ana Antunes (Moçambique) ana.antunes@executive-mozambique. com; iona@iona.pt/contacto@iona.pt (Portugal) ADMINISTRAÇÃO, REDACÇÃO E PUBLICIDADE Executive Moçambique; Rua do Telégrafo, nº 109 – Sala 6, Bairro Polana Cimento, Maputo – Moçambique; Tel.: +258 21 485 652; Tlm.: +258 84 311 9150; geral@executive-mozambique.com DELEGAÇÃO EM LISBOA Rua Filipe Folque, nº 10 J – 2º drtº,1050-113 Lisboa; Tel.:+351 213 813 566; Fax: +351 213 813 569; iona@iona.pt IMPRESSÃO E ACABAMENTO Minerva Print - Maputo - Moçambique Tiragem 4 500 exemplares Número de Registo 01/GABINFO-DEPC/2018

Director da revista Economia & Mercado

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Viver, morrer e sobreviver na terra das coisas mortas Seis meses depois da tragédia em que morreram 17 pessoas, soterradas numa montanha de lixo, a E&M regressou ao Hulene para ver o que mudou. E lançar um olhar sobre o lixo, questionando o que fazer com ele. Da reciclagem ainda residual, aos novos aterros sanitários projectados para a capital do país o desperdício de muitos garante a sobrevivência de alguns. Na lixeira de Hulene, que acolhe as sobras geradas pelos bairros da Cidade de Maputo, mais de mil pessoas dedicam-se, todos os dias, a recolher o que houver de aproveitável – papel, plástico e metal – para reciclar. O lixo garante-lhes renda. Embora demasiado escassa, talvez, para os riscos que correm. E escassa é também a parte do lixo que resgatam. Mais escasso ainda é o lixo que Moçambique consegue reciclar. Apesar do potencial do negócio, falta-lhe uma indústria capaz de o fazer Maputo é uma cidade suja, maculada pela incúria dos que ali habitam e trabalham, deixando nas ruas o lixo da sua passagem. No Verão, com os canais de escoamento entulhados pelo cúmulo dos dias, a Baixa, por exemplo, fica inundada pelas águas impedidas de correr para o mar. E já foi muito pior. No início deste milénio, por exemplo, havia pirâmides de lixo, com altura apreciável e cheiro proporcional, instaladas nos separadores centrais de algumas das avenidas da cidade. Julho 2018

Hoje, já não. O Município implantou, entretanto, um sistema de recolha que articula duas soluções, cada qual adaptada à natureza da vizinhança a que respeita. “A Cidade de Maputo tem um sistema de gestão de resíduos que consiste na divisão em duas grandes áreas – a área urbana (Maputo Cimento) e a suburbana (Maputo Caniço)”, diz João Mucavele. O Director Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos e Salubridade explica como é que se procurou resolver o problema: “Tal como em qualquer cidade da Europa, a recolha do lixo na área de Maputo Cimento foi adjudicada a uma empresa de capitais moçambicanos e portugueses, a Ecolife”, cuja logística e processo envolve “700 contentores de 1100 litros espalhados pela cidade, com a recolha a fazer-se até duas vezes por dia, embora a principal seja feita no horário nocturno”. Mas este sistema não tem condições para se desenvolver em outras áreas, muito mais vastas e densas do que a cimentada, de Maputo. Condicionantes

estruturais que obrigaram a encontrar soluções mais criativas. E inclusivas. “Na zona suburbana (Caniço) há, muitas vezes, o problema do acesso de camiões”, reconhece Mucavele. Por isso, “a estratégia é diferente: sendo composta por 44 bairros, cada um tem uma micro-empresa que faz a recolha do lixo”. Tais micro-empresas, contratadas pelo Conselho Municipal após concurso público e pagas pela taxa inclusa na factura do consumo de energia emitida pela Electricidade de Moçambique (EDM), “são formadas por elementos do próprio bairro”, diz Mucavele. Trata-se de um expediente que, para lá de resolver o problema do acesso, também “é uma maneira de o Conselho Municipal estar mais perto dos munícipes, da população.” Gente activa que, na impossibilidade do recurso a veículos motorizados no rendilhado anárquico das ruas estreitas, “usa os txovas – carros de mão –, que vão de casa em casa tirar o lixo para depositá-lo num dos 180 contentores, de 12 metros cúbicos, espalhados pela zona suburbana”.

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sociedade

O fim... do fim da linha: dentro de meses, esta será apenas uma (má) imagem do passado, quando abrir o novo aterro da cidade de Maputo

Depois, os camiões de uma outra empresa, a Enviro Service, levam-nos para o Hulene, a lixeira a céu aberto nas proximidades do Aeroporto Internacional de Maputo, que acolhe desde 1972 todos os desperdícios produzidos pela capital do país e pelos seus pouco mais de 1,1 milhões de habitantes. Gente que, segundo a contabilidade da Direcção Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos e Salubridade de Maputo, produz diariamente entre 1200 a 1400 toneladas de carga fétida que, depois de descarregada na lixeira, acrescentará altura à montanha de desperdícios. Preciosos, no entanto, para milhares de pessoas que deles dependem. Fazer vida das coisas mortas Bairro do Hulene. Por entre o fedor azedo da mixórdia em fermentação, escalando a montanha de lixo que recobre uma área de 20 hectares, uma pequena multidão coberta de andrajos e fuligem, tão incrustada que é já segunda pele, evolui entre máquinas pesadas e os fumos permanentes da combustão. Gente que garimpa o sustento no que os outros rejeitaram. Vistos à distância, os recolectores de Hulene, que o Conselho Municipal de Maputo estima em cerca de um

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“Moçambique não tem fábricas de vidro, papel ou metal para reciclar em quantidade, pelo que sai mais barato comprar as embalagens fora do país e trazê-las para cá” Produção de lixo não pára de subir Aumento da população e do consumo alimentam o crescimento da produção de resíduos em milhares de toneladas

400 300 200 100 2009

2013

2017

1 200 toneladas por dia É a quantidade de lixo que diariamente aterra na lixeira do Hulene fonte Município de Maputo

milhar, evocam um exército de espectros garantindo a vida difícil num campo cheio de coisas mortas. E, por vezes, também mortais. “Tem ferro com ferrugem, tem garrafa partida, tem ratazana, tem mosquito, tem fumo, tem doença...”, enumera Luís Adriano. São os perigos que espreitam o quotidiano de todos os recolectores de Hulene. Não obstante, como ele, regressam todos e todos os dias, porque “não tem como ficar em casa. Há filhos para criar – três, mais a mulher – e não posso dar-lhes fome”, refere o pragmático Adriano, catador de 32 anos, natural e residente ali mesmo, no sopé do monte repelente. Como ele, são pelo menos 550 famílias em convivência estreita com a precaridade do lixo empilhado, cuja armadilha se revelou fatal para 17 pessoas quando as chuvadas de Fevereiro provocaram uma derrocada sobre as casas rudimentares. Adriano voltou. Os vizinhos também. Porque “não há como”. Foi, precisamente, a falta de alternativa que levou Ernesto Carlos Nbila a Hulene, Julho 2018


onde cata o lixo há meia década, depois de um emprego fugaz. “A vida trouxe-me aqui. E a fome”, confessa o homem, tão seco de carnes que o colete reflector lhe resvala pelo corpo. “Faço dois turnos, dia e noite. Por isso, uso o colete”, justifica, referindo o período nocturno em que é aconselhável assinalar a presença aos maquinistas de camiões e retroescavadoras em manobras. Aos 29 anos, Ernesto, provindo da Manhiça, não vislumbra outra ocupação: “Dependendo da sorte, posso ganhar até 500 meticais num dia”, assegura, orgulhoso do seu esforço. O apuro laboral vê-se ali, nos ajuntamentos de mulheres que têm o lixo à sua guarda, acondicionado em grandes sacos e dividido por categorias: latas, papelão, plástico e o que houver que seja transaccionável. Quando cheios, são elas que os transportam à cabeça até à empresa de reciclagem que fica ao lado, a Recicla, e que lhes compra os materiais. Para triturar, fundir e dar nova vida aos dejectos. Perto dali, Milagrosa de baptismo, mulher de Hulene e mãe precoce de sete crianças cujo marido se limitou a engendrar, após refoçilar nos despojos alheios que uma retroescavadora trouxe à superfície, descansa as costas antes de partir com a carga imensa. A safra do dia não deu sustento: “Tenho muitas garrafas de plástico, mas só pagam 5 meticais por quilo”, diz algo desalentada, sacudin-

do uma barata da perna fina. “O plástico dá pouco: se for de embalagem (película transparente, de boa espessura e densidade), pagam 7 meticais por quilo; se for de bacia, já pagam 10”. No saco transbordante, Milagrosa não tem de um nem de outro. Há-de dar para o pão, todavia. Para algo mais, chegará a carga deixada por Raimundo aos cuidados da irmã. A primeira saca do dia, que mais haverá até que a noite sobrevenha porque Ricardo, vestindo uma camisola encardida do Barcelona, com 13 anos é já o campeão dos recolectores de Hulene. Em treino quotidiano desde os 10. “De manhã, vou à Escola do Povo”, garante – embora ninguém acredite, dado o tempo que por ali passa a remexer na porcaria –, explicando como a matemática o tornou selectivo: “Só apanho latas, que são mais pesadas e dão mais por quilo: 40 meticais se vender aqui mas, se for lá (à Recicla) pagam 50”. Reciclagem de vidas Para a Recicla, converge a maioria dos resgates da lixeira; mas, não raro, vêm compradores que fazem as transacções ali mesmo, no recinto. “Alguns são artistas, que vêm comprar ferro para fazer máscaras, mas a maioria são chineses. Esses, compram tudo, mas pagam pouco”, queixa-se Maria, mãe solteira de olhos irrequietos, varrendo o chão em busca de algo que lhe aumente

Sombras pesadas: são pouco mais de mil as pessoas que se alimentam do campo de coisas mortas. E, até mortais Julho 2018

o pecúlio. Onde nada vê, descobre Adriano uma mina: computadores. Exultante, retira-lhes a placa verde de circuitos integrados, incrédulo ainda por terem escapado à cobiça da concorrência. Não só a local, mas outra pior, desleal: “Os próprios condutores dos camiões já põem para o lado o que tem valor”, alega Adriano. Não obstante os ganhos potenciais – não só ambientais, mas também financeiros –, a reciclagem é ainda insignificante em Moçambique, como admite João Mucavele. “Temos 20 ecopontos e estimamos em 50 toneladas por dia o material que vai para reciclagem”, afirma. “Está muito longe do desejável, mas Moçambique não tem fábricas de vidro, papel ou metal para reciclar em quantidade, pelo que sai mais barato comprar as embalagens fora do país e trazê-las para cá”, lamenta o Director Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos Urbanos. No entanto, há alguns mecanismos para inverter a situação. Começou com o Decreto n.º 16/2015, no qual o saco de plástico deixou de ser gratuito para o consumidor, levando à sua diminuição nas ruas da cidade; e, mais recente, a publicação do Decreto nº 79/2017, que aprova o Regulamento sobre a Responsabilidade Alargada do Produtor e Importador de Embalagens (RAP). “Com a introdução do RAP, que diz que quem produz e compra embalagens é responsável pelo seu tratamento, a pessoa já pondera nas consequências”, diz Mucavele. E há outras medidas já em curso. E que implicam o encerramento da lixeira de Hulene. “Está em construção um aterro intermunicipal de Mathlemele, no município da Matola”, indica Mucavele, explicando que terá cerca de 100 hectares para acolher os resíduos da grande Maputo, “prevendo-se que possa reciclar, por dia, cerca de 200 toneladas de resíduos”. O projecto está orçado em mais de 60 milhões de dólares, e, segundo Mucavele, fica concluído em 2019. Nessa altura, as lixeiras de Hulene e de Malhampsene, ambas em estado de saturação, fecham portas. Deixando os catadores que por ali andam aos milhares, sem meio de sustento. Mas eles são gente pragmática. “Se o lixo sair daqui, vamos atrás”, garante Adriano. “Não sabemos fazer mais nada e ninguém nos quer em lado nenhum. Mas temos de comer”. Nem que seja lixo. Reciclado. texto Elmano Madaíl fotografia Ricardo Franco

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