moçambique
GNL COmo a galp está a investir na área 4 do Rovuma TV DIGItAL Depois do impasse... o apagão de 2019 Economia Próximo ano será de forte crescimento. Será mesmo? SOCIEDADE Moçambique ainda não tem ‘pedalada’ para as bicicletas
Ideias que brilham
As startup nacionais que estão a inovar no mercado financeiro novemBRo 2018 • ano 01 • no 08 Preço 200 MZN
Sumário 6
Observação
Estados Unidos As eleições intercalares para o Congresso têm Trump no centro das decisões
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Radar
Panorama Economia, Banca, Finanças, Investimento, Recursos minerais, Lá Fora
14
Macro
ENQUADRAMENTO 14 GNL Com o início da exploração da Área 4 no horizonte, a Galp investe cada vez mais no país 18 TV Digital A migração do sinal analógico tem-se arrastado mas estará concluída até 2020
26 nação Ideias que brilham 26 Fintech A E&M mergulha no mercado das startup nacionais que desenvolvem tecnologias inovadoras para o mercado financeiro 34 Na voz de... Mulweli Rebelo, CEO da Ologa, uma tecnológica nacional considerada uma das PME com maior potencial de expansão mundial
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figura do mÊS
OCAM Mário Sitoe, bastonário da Ordem dos Contabilistas, e um olhar sobre o estado das artes da profissão
54 sociedade Bicicletas A pedalada (ou a falta dela) de Moçambique para uma nova geração de transportes urbanos
60 lÁ fora Turismo Como o continente africano pode aproveitar melhor os seus recursos para crescer num sector fundamental
67 ócio 68 Escape Uma viagem pela Beira 70 Gourmet O Vietname no prato, em Maputo 71 Adega O melhor dos espumantes portugueses 72 Agenda Música, livros, filmes 73 Arte Sunday NOOD, ‘new object of desire’ 74 Ao volante A nova (ou nem tanto assim) moda das caravanas
38 provÍncia Zambézia Os novos caminhos de desenvolvimento na terra das bicicletas, em que a hora é a do chá
44 mercado e FinanÇas Plano Económico e Social Governo prevê que a economia volte a crescer perto dos 5% em 2019. Será mesmo assim?
48 empresas PME VIP A história e os planos de crescimento da maior cadeia de hotéis em Moçambique
50 Megafone Marketing O que está a acontecer no mundo das marcas em Moçambique e lá por fora Novembro 2018
3
sociedade
54
Novembro 2018
CALÇÃO
3850
40 000
30 000
30 000
20 000
GUIADOR QUADRO 3000 200 000
LUVAS 1000
SELIM
2500
750
CAPACETES
2500
8500
3500
30 000
ÓCULOS
SAPATOS
CAMISOLA
5500
MANETE
1350
750
4 850
3 850
GARFO
1 000
1000 30 000 PNEUS 750 6 000
CORRENTE 450 5 000
TRAVÃO DE DISCO CARRETO
450
CREMALHEIRA
250
850
5 500
10 000
PEDAIS 550
2 500
11 000
MOÇAMBIQUE SEM PEDAL PARA ACOMPANHAR CICLISTAS São cada vez mais os praticantes do ciclismo recreativo em Maputo. Um crescimento num contexto onde falta quase tudo – equipamentos acessíveis, vias decentes e, talvez mais importante, o civismo dos que andam na estrada suados, cansados, mas satisfeitos no termo da jornada de 75 quilómetros que os levou para lá de Marracuene, despedem-se os ciclistas de fatos coleantes e cores berrantes com a promessa de novo encontro dali a uma semana. Entre tantos – serão quase 30, todos homens, todos maduros – ninguém falha aos fins-de-semana. Porque pedalar tornou-se um vício. “Isto é pelo convívio. Primeiro, vimos por desafio dos amigos em passeios de recreio”, diz Nuno Batista, imigrante português na capital do país há meia dúzia de anos. “Depois, a continuidade dá-se pelos benefícios que traz à saúde”, explica o empresário ligado à construção civil. Como a saúde não tem preço, justifica-se o investimento que a modalidade exige. Porque há bicicletas para quase todos os gostos e bolsas (ver infográfico). “A minha vale 200 mil meticais. E está estimadinha”, garante Batista. Não obstante o primor com que a trata, não há como eludir a manutenção periódica, cuja verba anual ronda “cerca de 50 mil meNovembro 2018
ticais”. E a bicicleta de Batista, sendo boa, não é um luxo, porque há máquinas cujo quadro pode chegar ao meio milhão de meticais. São raras, essas. Apesar de uma ou outra extravagância, em Moçambique o mercado ainda não tem pedalada para acompanhar as exigências dos praticantes do ciclismo recreativo. Lamenta Batista que “as opções são escassas e, por isso, os preços também não são competitivos”. E é no preço que assenta o domínio das marcas indianas e chinesas nas ciclovias moçambicanas. As europeias, de qualidade superior, são demasiado caras. E nacionais não existem. Betinho, uma referência acidental Ora, foi na escassez da oferta e na dádiva providencial de ferramentas que João António Cuambe, conhecido por Betinho pelos clientes, encontrou o nicho de mercado que lhe deu a independência financeira. Hoje, é o mecânico de bicicletas mais especializado – e requisitado – da capital, empregando sete colaboradores
distribuídos por duas lojas da Betinho Bikes, uma em Maputo, na Avenida Kwame Nkuruma, e outra na Matola. “Aprendi mecânica na loja de bicicletas onde comecei, em 2001. Em 2008, com o projecto BikeTown Africa (que oferece bicicletas a prestadores de saúde na região sub-Saariana) fui a Chokwé montar 250 bicicletas para doar. Quando o projecto acabou”, recorda Betinho, “a BikeTown deu-me todas as ferramentas”. Como na loja onde trabalhava não se vendiam peças nem acessórios, Betinho procurou capitalizar a experiência e o material ofertado. “Decidi ter o meu negócio”. “Vendi o meu carro por 40 mil meticais e, com esse dinheiro, abri uma oficina. Depois comecei a ir à África do Sul, de chapa, buscar acessórios para os clientes”. Nesses excursos, aprendeu muito: “Fui vendo como funcionavam as lojas de lá e tentei implementar cá”, confessa. Correu bem: com a organização regular de passeatas desde 2014 às quais Betinho garante assistência, os praticantes da modalidade aumentaram e, logo, a clien-
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sociedade com a portuguesa Miralago para revitalizar as linhas de produção, sob patrocínio do Banco Mundial, nos anos 1980, o encerramento tornar-se-ia inevitável. Sobraram as instalações, monumento histórico ocupado entretanto pela Mozambikes.
João António Cuambe, da Betinho Bikes, em Maputo, é ‘o homem’ quando o assunto são bicicletas
tela. “Fixos, tenho 600 clientes. Muitos expatriados, mas a maioria é classe média moçambicana”, diz. “Num ano bom, vendo 60 bicicletas. Podiam ser mais, mas não há apoios”, lamenta Betinho. Nem à modalidade nem à mobilidade. Memórias da indústria falida O que será bizarro num país onde, apesar do salto na motorização com a abertura do mercado à importação de veículos usados – o parque automóvel, segundo o INATTER, inflacionou em 832% o número de viaturas registadas entre 1990 e 2012 – a mobilidade está ainda muito dependente da bicicleta. Um estudo, também de 2012, por exemplo, concluía que, na Área Metropolitana de Maputo, 45,9% das deslocações diárias eram realizadas a pé ou de bicicleta. Apesar de hoje ninguém a fabricar... Ao tempo colonial, a Fábrica de Bicicletas de Moçambique (FBM), do Grupo João Ferreira dos Santos, produzia “gingas” que distribuía pelo país e que apoiavam a mobilidade nos meios rurais. Mas, com a independência, sobreveio o declínio da FBM, e, apesar da parceria
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A capital das duas rodas Quelimane é duplamente capital: por via administrativa, ao presidir à província da Zambézia, e por via popular, por ser a urbe do país com mais bicicletas em circulação. Segundo estimativas recentes, 35% das deslocações são por bicicletas-táxi, e só 17% por automóveis, calculando-se que, para cada carro, haja 20 “gingas” a pedalar em Quelimane. A sua importância é tal para a economia local que, na última campanha das eleições autárquicas, os candidatos principais – o edil Manuel Araújo (Renamo) e Carlos Carneiro (Frelimo) – disputaram o eleitorado de forma inusitada: à oferta do primeiro de pelo menos um pneu a cada um dos milhares de operadores de “táxi bicicleta” da cidade, Carneiro respondeu prometendo “não uma roda, mas financiamento para quem quiser adquirir a sua própria bicicleta”. Ganhou Araújo.
O meio é a mensagem É, hoje, a única firma a construir bicicletas em Moçambique. Na fábrica da Matola trabalham cerca de 30 pessoas, divididas por equipas de pintura, montagem de quadros e de rodas. São todas formadas pela Mozambikes, a qual tem um perfil particular – trata-se de uma empresa social, cujo objectivo não é o lucro, mas sim facilitar a mobilidade das pessoas de baixa renda nas zonas rurais através da distribuição gratuita de bicicletas. Um conceito diferente do das ONG: “Essas vivem de fundos que, quando acabam, levam à extinção dos projectos. A Mozambikes tinha de ser sustentável, para poder funcionar mesmo que os fundadores não estejam cá”, diz Rui Mesquita, o homem que consolidou a ideia em 2011 com uma voluntária norte-americana, Lauren Thomas, a qual se tornaria, nesse compasso, esposa e mãe dos seus dois filhos. Para a doação de bicicletas, a Mozambikes trabalha com ONG implantadas no terreno, como a HELPO, as quais identificam os receptores elegíveis: “Pessoas que vivam com menos de um euro por dia ou escolas, orfanatos, entidades religiosas, etc”, diz Mesquita, gestor por formação. E a Mozambikes é sustentável porque, no fundo, as bicicletas oferecidas pagam-se a elas próprias ao converterem-se em veículo publicitário. “São as branding bikes, que as empresas privadas adquirem para fazerem publicidade, premiarem os trabalhadores, promoverem produtos ou usarem nos projectos de responsabilidade social”, conta. A própria UNICEF usou o quadro das bicicletas para fazer campanha contra o casamento precoce das raparigas. “Nas bicicletas customizadas, as mensagens chegam a sítios onde não há televisão, jornais, internet ou outdoors”, sublinha Mesquita. Bicicletas marginalizadas Uma “ginga” Mozambikes fica por 7 700 meticais, descendo para 6 825 se a encomenda for grande. Baratas, “porque o modelo de negócio foi concebido para não ultrapassar certo preço”. O baixo Novembro 2018
custo também se explica pela selecção de fornecedores: “Cada bicicleta tem cerca de 70 componentes importados da China, e os pneus vêm de Taiwan”. Apesar do custo controlado, “no início, não chegava às 100 bicicletas e quase fechamos as portas”, recorda Mesquita. Sobreviveram, mas ainda falta pedalar muito para chegar à meta prevista: “Até agora, entre comercialização e distribuição, dadas ou compradas em projectos de responsabilidade social, já processamos acima de 20 mil bicicletas, mas a nossa estimativa era cerca de 20 mil por ano”, confessa Mesquita. Com 2017 a bater as 500 bicicletas ofertadas, o melhor ano de sempre, o volume de negócios pode chegar aos 350 mil dólares. Mais escassas ainda são as condições para a prática do ciclismo em Moçambique, tanto recreativa como utilitária. Na capital há só uma faixa exclusiva para as duas rodas, no passeio da Avenida Marginal que debrua a baía. Assinalada a vermelho, é sistematicamente ignorada pela voragem dos automobilistas,
Na fábrica da Matola trabalham cerca de 30 pessoas, divididas por equipas de pintura, montagem de quadros e de rodas. São todas formadas pela Mozambikes, uma empresa social, cujo objectivo não é o lucro, mas sim facilitar a mobilidade das pessoas de baixa renda nas zonas rurais
com os famigerados “chapa 100” à cabeça. Essa atitude, de uma displicência que, por vezes, resulta assassina, conjugada com a falta de infra-estruturas, é a grande preocupação dos ciclistas de Maputo. Em 2013, ainda houve esperança, com o Plano Director de Mobilidade para a Área Metropolitana de Maputo a cogitar uma ciclovia na esteira do BRT (Bus Rapid Transit, corredor exclusivo para autocarros). Mas o BRT morreu entretanto e, com ele, as ciclofaixas imaginadas. Isto quando a tendência global das cidades, dada a saturação automóvel e correlativa poluição ambiental, é fomentar o uso da bicicleta, proporcionando condições de uso. Mesquita tem ideias: “No dia em que a cidade estiver preparada, poderíamos implantar o sistema de bicicletas partilhadas. Temos o know-how, mas falta a infra-estrutura. E o civismo”, diz. Não será fácil. Nem uma nem outro. texto Elmano madaíl FotoGRAFiA Vasco célio & Jay Garrido