Muito

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A corajosa Maria Bonita e a história feminina do cangaço

SALVADOR DOMINGO

DOMINGO, 7 DE MARÇO DE 2010 #101 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE

MULHER DE LAMPIÃO

44 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010 7/3/2010 45


2

SALVADOR DOMINGO

SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

CARTUM AZ I Z aziz@grupoatarde.com.br

SÁBADO, 13 DE MARÇO, A PARTIR DAS 12H, PORTO DA BARRA BRUNO NUNES RUMPILEZZ GERÔNIMO

Barbarito Torres, estrela do BUENA VISTA SOCIAL CLUB ORQUESTRA FRED DANTAS

Foto: Elcio Carriço

Tem mais diversão e arte para Salvador, Mangue Seco, Arembepe, Itacaré, Maraú e Lençóis. Aproveite o Espicha Verão e espiche também a sua diversão.

Programação sujeita a alteração.

JOHN ROBERT BANDA ESPELHARTE PALMIRA E LEVITA KEKO E LUISINHO ASSIS LULA GAZINEU E MANDAIA WALTINHO QUEIROZ FAU MIRANDA

A

manhã, Maria Bonita faria 99 anos. E as comemorações do seu centenário, em 2011, já começaram. Conhecida como insurgente e voluptuosa, foi decapitada viva aos 27 anos. Andava com um punhal na cintura e uma arma no coldre, mas só atirava para cima. Nunca matou ninguém, dizem os historiadores. A repórter Emanuella Sombra e o fotógrafo Marco Aurélio Martins percorreram o vilarejo Malhada da Caiçara (BA), onde Maria Bonita nasceu e conheceu Lampião. Depois, foram até Aracaju e encontraram a única filha do casal, Expedita, e a neta, Vera. Nesta reportagem, recontam o trajeto dessa figura de humor afiado, que, em 1930, partiu com o bando de cangaceiros para traçar uma nova história da mulher nordestina. Nadja Vladi, editora-coordenadora

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SALVADOR DOMINGO

SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

CARTUM AZ I Z aziz@grupoatarde.com.br

SÁBADO, 13 DE MARÇO, A PARTIR DAS 12H, PORTO DA BARRA BRUNO NUNES RUMPILEZZ GERÔNIMO

Barbarito Torres, estrela do BUENA VISTA SOCIAL CLUB ORQUESTRA FRED DANTAS

Foto: Elcio Carriço

Tem mais diversão e arte para Salvador, Mangue Seco, Arembepe, Itacaré, Maraú e Lençóis. Aproveite o Espicha Verão e espiche também a sua diversão.

Programação sujeita a alteração.

JOHN ROBERT BANDA ESPELHARTE PALMIRA E LEVITA KEKO E LUISINHO ASSIS LULA GAZINEU E MANDAIA WALTINHO QUEIROZ FAU MIRANDA

A

manhã, Maria Bonita faria 99 anos. E as comemorações do seu centenário, em 2011, já começaram. Conhecida como insurgente e voluptuosa, foi decapitada viva aos 27 anos. Andava com um punhal na cintura e uma arma no coldre, mas só atirava para cima. Nunca matou ninguém, dizem os historiadores. A repórter Emanuella Sombra e o fotógrafo Marco Aurélio Martins percorreram o vilarejo Malhada da Caiçara (BA), onde Maria Bonita nasceu e conheceu Lampião. Depois, foram até Aracaju e encontraram a única filha do casal, Expedita, e a neta, Vera. Nesta reportagem, recontam o trajeto dessa figura de humor afiado, que, em 1930, partiu com o bando de cangaceiros para traçar uma nova história da mulher nordestina. Nadja Vladi, editora-coordenadora

7/3/2010 3


7.3.2010

MUITO INDICA TELEVISÃO

ASPAS Antropóloga Cecília Sardenberg

CAPA Expedita, filha de Lampião e Maria

GASTRÔ As panelas estão na base

reflete sobre empoderamento da mulher

Bonita, ajuda a contar a história da mãe

das boas receitas. Aprenda a cuidar delas

08

Múltiplas personalidades Decidido a fugir da caretice da TV aberta e dos Marcelo Dourado da vida? Aposte em United States of Tara, em exibição no Brasil no canal Fox, toda segunda, 22h. Algumas referências reforçam o convite. O projeto é de Steven Spielberg. O roteiro, de Diablo Cody, de Juno. A produção, do Showtime, leia-se Dexter (Fox), The L Word (Warner) e Weeds (Multishow). Mas o melhor motivo para ver The US of Tara é mesmo Toni Collete (O Sexto Sentido, Pequena Miss Sunshine), que acaba de ganhar o Globo de Ouro pela interpretação da artista plástica com transtorno dissociativo de identidade. O nome identifica uma doença em que a pessoa manifesta características de duas ou mais identidades. E é assim que a quarentona Tara, ao menor sinal de estresse, pode virar T, uma adolescente maconheira, ou Alice, uma dona de casa caretona, ou Buck, um militar machista e violento, capaz de brigar com o namorado da filha aos socos. Junte a isso um marido paciente que dói e um filho meio gay. Só uma curiosidade: em Portugal, o título virou “As taras de Tara”. KÁTIA BORGES «

36

ATALHO Roupas da marca Amapô, toy art, livros ousados e peças retrôs. A loja chama-se Jezebel

14

20

MODA Maria Bonita inspira editorial que mostra contraste do brilho do sol com a terra e a seca

MARCO AURÉLIO MARTINS / AG. A TARDE

19

SATÉLITE De clima frio e aspecto colonial, Villa de Leyva é um encontro com o passado da Colômbia

FUNDADO EM 15/10/1912 FUNDADOR ERNESTO SIMÕES FILHO PRESIDENTE REGINA SIMÕES DE MELLO LEITÃO SUPERINTENDENTE RENATO SIMÕES DIRETOR-GERAL EDIVALDO M. BOAVENTURA EDITOR-CHEFE FLORISVALDO MATTOS EDITORA-COORDENADORA NADJA VLADI EDITORA KÁTIA BORGES EDITORES DE ARTE PIERRE THEMOTHEO E IANSÃ NEGRÃO EDITOR DE FOTOGRAFIA CARLOS CASAES DESIGNER ANA CLÉLIA REBOUÇAS. TRATAMENTO DE IMAGEM ADENOR PRIMO. FALE COM A REDAÇÃO WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO E-MAIL: REVISTAMUITO@GRUPOATARDE.COM.BR, 71 3340-8800 (CENTRAL) / 71 3340-8990 (ALÔ REDAÇÃO) CLASSIFICADOS POPULARES 71 3533-0855 / ATARDE@ATARDE.COM.BR / WWW.ATARDE.COM.BR VENDAS DE ASSINATURAS BAHIA E SERGIPE (71) 3533-0850 REPRESENTANTE PARA TODO O PAÍS PEREIRA DE SOUZA E CIA. LTDA. / RIO DE JANEIRO 21 2544 3070 / SÃO PAULO 11 3259 6111 PROPRIEDADE DA EMPRESA EDITORA A TARDE / SEDE: RUA PROF. MILTON CAYRES DE BRITO, Nº 204 - CAMINHO DAS ÁRVORES, CEP 41822-900 - SALVADOR - BA. REDAÇÃO: (71) 3340-8800, PABX: (71) 3340-8500. FAX: (71) 3340-8712/8713. PUBLICIDADE: (71) 3340-8757/8731. FAX 3340-8710. CIRCULAÇÃO: (71) 3340-8612. FAX 3340-8732. REPRESENTANTES COMERCIAIS / SÃO PAULO (SP) RUA ARAÚJO, 70, 7º ANDAR, CEP 01200-020. (11) 3259-6111/6532. FAX (11) 3237-2079 SERGIPE E ALAGOAS GABINETE DE MÍDIA & COMUNICAÇÃO LTDA. RUA ÁLVARO BRITO, 455, SALA 35, BAIRRO 13 DE JULHO, CEP 49.020-400 - ARACAJU - SE - TELEFONE: (79)3246-4139 / (79)9978-8962 BRASÍLIA(DF) SCS, QD. 1, ED. CENTRAL, SALAS 1001 E 1008 CEP 70304-900. (61) 3226-0543/1343 A TARDE É ASSOCIADA À SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA (SIP), AO INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO (IVC) E É MEMBRO FUNDADOR DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS (ANJ) IMPRESSÃO QUEBECOR WORLD RECIFE LTDA

IRACEMA CHEQUER / AG. A TARDE

42

PAREDE A baiana Lita Cerqueira estreia nesta seção, publicando fotografias de anônimos

Fé e guerra junto à imagem de Maria Bonita, em foto de Marco Aurélio Martins

» MAKING OF, VÍDEOS E FOTOS EM REVISTAMUITO.ATARDE.COM.BR. SUGESTÕES, CRÍTICAS: REVISTAMUITO@GRUPOATARDE.COM.BR SIGA A MUITO EM: TWITER.COM/REVISTAMUITO.

THIAGO TEIXEIRA / AG. ATARDE

13

FOX / DIVULGAÇÃO

ÍNDICE

Toni Collette em cena: Globo de Ouro de melhor atriz de comédia

UNITED STATES OF TARA 1ª TEMPORADA Segundas, às 22 horas, no canal Fox, com reprises nas terças-feiras, às 4h


7.3.2010

MUITO INDICA TELEVISÃO

ASPAS Antropóloga Cecília Sardenberg

CAPA Expedita, filha de Lampião e Maria

GASTRÔ As panelas estão na base

reflete sobre empoderamento da mulher

Bonita, ajuda a contar a história da mãe

das boas receitas. Aprenda a cuidar delas

08

Múltiplas personalidades Decidido a fugir da caretice da TV aberta e dos Marcelo Dourado da vida? Aposte em United States of Tara, em exibição no Brasil no canal Fox, toda segunda, 22h. Algumas referências reforçam o convite. O projeto é de Steven Spielberg. O roteiro, de Diablo Cody, de Juno. A produção, do Showtime, leia-se Dexter (Fox), The L Word (Warner) e Weeds (Multishow). Mas o melhor motivo para ver The US of Tara é mesmo Toni Collete (O Sexto Sentido, Pequena Miss Sunshine), que acaba de ganhar o Globo de Ouro pela interpretação da artista plástica com transtorno dissociativo de identidade. O nome identifica uma doença em que a pessoa manifesta características de duas ou mais identidades. E é assim que a quarentona Tara, ao menor sinal de estresse, pode virar T, uma adolescente maconheira, ou Alice, uma dona de casa caretona, ou Buck, um militar machista e violento, capaz de brigar com o namorado da filha aos socos. Junte a isso um marido paciente que dói e um filho meio gay. Só uma curiosidade: em Portugal, o título virou “As taras de Tara”. KÁTIA BORGES «

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ATALHO Roupas da marca Amapô, toy art, livros ousados e peças retrôs. A loja chama-se Jezebel

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MODA Maria Bonita inspira editorial que mostra contraste do brilho do sol com a terra e a seca

MARCO AURÉLIO MARTINS / AG. A TARDE

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SATÉLITE De clima frio e aspecto colonial, Villa de Leyva é um encontro com o passado da Colômbia

FUNDADO EM 15/10/1912 FUNDADOR ERNESTO SIMÕES FILHO PRESIDENTE REGINA SIMÕES DE MELLO LEITÃO SUPERINTENDENTE RENATO SIMÕES DIRETOR-GERAL EDIVALDO M. BOAVENTURA EDITOR-CHEFE FLORISVALDO MATTOS EDITORA-COORDENADORA NADJA VLADI EDITORA KÁTIA BORGES EDITORES DE ARTE PIERRE THEMOTHEO E IANSÃ NEGRÃO EDITOR DE FOTOGRAFIA CARLOS CASAES DESIGNER ANA CLÉLIA REBOUÇAS. TRATAMENTO DE IMAGEM ADENOR PRIMO. FALE COM A REDAÇÃO WWW.ATARDE.COM.BR/MUITO E-MAIL: REVISTAMUITO@GRUPOATARDE.COM.BR, 71 3340-8800 (CENTRAL) / 71 3340-8990 (ALÔ REDAÇÃO) CLASSIFICADOS POPULARES 71 3533-0855 / ATARDE@ATARDE.COM.BR / WWW.ATARDE.COM.BR VENDAS DE ASSINATURAS BAHIA E SERGIPE (71) 3533-0850 REPRESENTANTE PARA TODO O PAÍS PEREIRA DE SOUZA E CIA. LTDA. / RIO DE JANEIRO 21 2544 3070 / SÃO PAULO 11 3259 6111 PROPRIEDADE DA EMPRESA EDITORA A TARDE / SEDE: RUA PROF. MILTON CAYRES DE BRITO, Nº 204 - CAMINHO DAS ÁRVORES, CEP 41822-900 - SALVADOR - BA. REDAÇÃO: (71) 3340-8800, PABX: (71) 3340-8500. FAX: (71) 3340-8712/8713. PUBLICIDADE: (71) 3340-8757/8731. FAX 3340-8710. CIRCULAÇÃO: (71) 3340-8612. FAX 3340-8732. REPRESENTANTES COMERCIAIS / SÃO PAULO (SP) RUA ARAÚJO, 70, 7º ANDAR, CEP 01200-020. (11) 3259-6111/6532. FAX (11) 3237-2079 SERGIPE E ALAGOAS GABINETE DE MÍDIA & COMUNICAÇÃO LTDA. RUA ÁLVARO BRITO, 455, SALA 35, BAIRRO 13 DE JULHO, CEP 49.020-400 - ARACAJU - SE - TELEFONE: (79)3246-4139 / (79)9978-8962 BRASÍLIA(DF) SCS, QD. 1, ED. CENTRAL, SALAS 1001 E 1008 CEP 70304-900. (61) 3226-0543/1343 A TARDE É ASSOCIADA À SOCIEDADE INTERAMERICANA DE IMPRENSA (SIP), AO INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO (IVC) E É MEMBRO FUNDADOR DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS (ANJ) IMPRESSÃO QUEBECOR WORLD RECIFE LTDA

IRACEMA CHEQUER / AG. A TARDE

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PAREDE A baiana Lita Cerqueira estreia nesta seção, publicando fotografias de anônimos

Fé e guerra junto à imagem de Maria Bonita, em foto de Marco Aurélio Martins

» MAKING OF, VÍDEOS E FOTOS EM REVISTAMUITO.ATARDE.COM.BR. SUGESTÕES, CRÍTICAS: REVISTAMUITO@GRUPOATARDE.COM.BR SIGA A MUITO EM: TWITER.COM/REVISTAMUITO.

THIAGO TEIXEIRA / AG. ATARDE

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FOX / DIVULGAÇÃO

ÍNDICE

Toni Collette em cena: Globo de Ouro de melhor atriz de comédia

UNITED STATES OF TARA 1ª TEMPORADA Segundas, às 22 horas, no canal Fox, com reprises nas terças-feiras, às 4h


SALVADOR DOMINGO

SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

CAPA Getúlio Vargas mandou queimar, mas parte do filme O Rei do Cangaço, de Benjamin Abrahão, resistiu. Assista

CO M E N T Á R I OS

PERFIL Assista à performance do

MUITO INDICA Veja trechos da série

percussionista Gabi Guedes e escute trechos do disco com Ramiro Musotto

americana United States of Tara, exibida no Brasil pelo canal fechado Fox

GENTIL

_Muito 2

Em um mundo onde recebemos todos os dias, através dos meios de comunicação, toneladas de mediocridades, temos o prazer de ter esta revista. Nela, tudo é feito com qualidade e sem medo de errar, com respeito aos seus leitores. Parabéns. José Albino de Castro

_Muito 3

Chegar ao número 100 faz o leitor de Muito comemorar! Muitas reportagens nos contaram ou lembraram de coisas da Bahia e dos baianos. Que a Muito continue nos apresentando o que há de melhor. Carlos Lacerda Netto

A edição de 7/2 está sensacional ! Parabéns pela entrevista com Nelson Mota. Nem sabia que ele

_Durval Lelys

Não concordo com a ideia de ter mais um lugar particular no Carnaval. Precisamos de mais conhecimento sobre nossa história, sobre os valores que temos. Temos esse grande problema que é a perda de identidade. Tudo ficou muito descartável, as pessoas, as coisas, os motivos. Consequência: memória curta. O Carnaval surgiu no Centro, foi para Barra/Ondina, e agora vai para onde? A cidade cresce desordenadamente, tudo mal feito. Já não basta o Carnaval ser excludente social e racialmente? Hilvaldo Patriarca

Há 100 domingos, ganhamos muito mais charme, muito mais cultura e muito mais diversão. Que venham mais 100! Luis Rogério Souza

_Trilhas tinha tantas afinidades com a Bahia, pois o conheço de longas datas. A reportagem sobre Trancoso é de uma sabedoria incrível. Os textos de Aninha Franco também. A entrevista com os músicos da Dois em Um, uma grata surpresa. Vocês se superam. William da Paz

Como frequentador de Itaparica desde a década de 1970 devo dizer que a bucólica ilha de João Ubaldo não existe há muito tempo. Esse saudosismo condenaria Niterói ao atraso. Desculpem-me Aninha Franco e João Ubaldo Ribeiro, mas eu acho que ser contra essa ponte que liga a Ilha a Salvador é retrógrado. Castro Meira

Urbanoide brejeira Hiperativa – diagnosticada na infância –, ex-militante do movimento estudantil, a apresentadora Liliane Reis, 34, já ganhou alguns prêmios, inclusive o Ayrton Senna de mídia jovem. Recém-chegada de Berlim, onde morou por um ano, ela, o retrato da moça cosmopolita, foi desafiada. "Sérgio Siqueira (gerente de criação da Rede Bahia) me disse: ‘Duvido que você faça um programa pé no chão’. A primeira gravação foi na Ilha de Maré, onde passei a infância. Conhecia todo mundo. Quando voltei, ele viu e disse 'é isso que eu quero'". Isso rendeu cinco anos de Na Carona. "No primeiro mês, me desnudei. A vaidade não existia, nem me maquiava para gravar. Encontrei uma conexão com a Bahia profunda". Depois veio o Decola (TV Cultura), um Na Carona ampliado. Oito Estados, 55 programas, todos gravados por sua produtora, a Toca de Reis, e dois anos no ar. "Foram sete anos no recôndito. Sete é um número cabalístico. Era hora de mudar". De programa, de cidade. Para comandar o Atitude.Com (TV Brasil), foi para o Rio de Janeiro. Dois anos se passaram e, agora, ela estará no Estúdio Móvel (TV Brasil). O programa de música e comportamento estreia em abril. “Gravo como se fosse ao vivo, com uma pitada de reality”. Ainda esse ano, quer concluir, com o namorado, o cineasta Daniel Zarvos, o documentário Amor da Vida. O "projeto de casal" procura entre amores reais aquele ’clique‘ visto nas comédias românticas.

Mande suas sugestões e comentários para revistamuito@grupoatarde.com.br «

_Muito 1

_Muito 4

BIO LILIANE REIS FOX / DIVULGAÇÃO

SOCIEDADE DO CANGAÇO / ABA FILMES / FAMÍLIA ATHALA

MARGARIDA NEIDE / AG. A TARDE

MUITO MAIS NO PORTAL A TARDE ON LINE REVISTAMUITO.ATARDE.COM .BR

7/3/2010 7

Texto MARIA SANTOSSA maria.isis@grupoatarde.com.br

Foto MARGARIDA NEIDE margarida.neide@grupoatarde.com.br

» MUITO MAIS SOBRE LILIANE REIS EM REVISTAMUITO.ATARDE.COM.BR

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SALVADOR DOMINGO

SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

CAPA Getúlio Vargas mandou queimar, mas parte do filme O Rei do Cangaço, de Benjamin Abrahão, resistiu. Assista

CO M E N T Á R I OS

PERFIL Assista à performance do

MUITO INDICA Veja trechos da série

percussionista Gabi Guedes e escute trechos do disco com Ramiro Musotto

americana United States of Tara, exibida no Brasil pelo canal fechado Fox

GENTIL

_Muito 2

Em um mundo onde recebemos todos os dias, através dos meios de comunicação, toneladas de mediocridades, temos o prazer de ter esta revista. Nela, tudo é feito com qualidade e sem medo de errar, com respeito aos seus leitores. Parabéns. José Albino de Castro

_Muito 3

Chegar ao número 100 faz o leitor de Muito comemorar! Muitas reportagens nos contaram ou lembraram de coisas da Bahia e dos baianos. Que a Muito continue nos apresentando o que há de melhor. Carlos Lacerda Netto

A edição de 7/2 está sensacional ! Parabéns pela entrevista com Nelson Mota. Nem sabia que ele

_Durval Lelys

Não concordo com a ideia de ter mais um lugar particular no Carnaval. Precisamos de mais conhecimento sobre nossa história, sobre os valores que temos. Temos esse grande problema que é a perda de identidade. Tudo ficou muito descartável, as pessoas, as coisas, os motivos. Consequência: memória curta. O Carnaval surgiu no Centro, foi para Barra/Ondina, e agora vai para onde? A cidade cresce desordenadamente, tudo mal feito. Já não basta o Carnaval ser excludente social e racialmente? Hilvaldo Patriarca

Há 100 domingos, ganhamos muito mais charme, muito mais cultura e muito mais diversão. Que venham mais 100! Luis Rogério Souza

_Trilhas tinha tantas afinidades com a Bahia, pois o conheço de longas datas. A reportagem sobre Trancoso é de uma sabedoria incrível. Os textos de Aninha Franco também. A entrevista com os músicos da Dois em Um, uma grata surpresa. Vocês se superam. William da Paz

Como frequentador de Itaparica desde a década de 1970 devo dizer que a bucólica ilha de João Ubaldo não existe há muito tempo. Esse saudosismo condenaria Niterói ao atraso. Desculpem-me Aninha Franco e João Ubaldo Ribeiro, mas eu acho que ser contra essa ponte que liga a Ilha a Salvador é retrógrado. Castro Meira

Urbanoide brejeira Hiperativa – diagnosticada na infância –, ex-militante do movimento estudantil, a apresentadora Liliane Reis, 34, já ganhou alguns prêmios, inclusive o Ayrton Senna de mídia jovem. Recém-chegada de Berlim, onde morou por um ano, ela, o retrato da moça cosmopolita, foi desafiada. "Sérgio Siqueira (gerente de criação da Rede Bahia) me disse: ‘Duvido que você faça um programa pé no chão’. A primeira gravação foi na Ilha de Maré, onde passei a infância. Conhecia todo mundo. Quando voltei, ele viu e disse 'é isso que eu quero'". Isso rendeu cinco anos de Na Carona. "No primeiro mês, me desnudei. A vaidade não existia, nem me maquiava para gravar. Encontrei uma conexão com a Bahia profunda". Depois veio o Decola (TV Cultura), um Na Carona ampliado. Oito Estados, 55 programas, todos gravados por sua produtora, a Toca de Reis, e dois anos no ar. "Foram sete anos no recôndito. Sete é um número cabalístico. Era hora de mudar". De programa, de cidade. Para comandar o Atitude.Com (TV Brasil), foi para o Rio de Janeiro. Dois anos se passaram e, agora, ela estará no Estúdio Móvel (TV Brasil). O programa de música e comportamento estreia em abril. “Gravo como se fosse ao vivo, com uma pitada de reality”. Ainda esse ano, quer concluir, com o namorado, o cineasta Daniel Zarvos, o documentário Amor da Vida. O "projeto de casal" procura entre amores reais aquele ’clique‘ visto nas comédias românticas.

Mande suas sugestões e comentários para revistamuito@grupoatarde.com.br «

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BIO LILIANE REIS FOX / DIVULGAÇÃO

SOCIEDADE DO CANGAÇO / ABA FILMES / FAMÍLIA ATHALA

MARGARIDA NEIDE / AG. A TARDE

MUITO MAIS NO PORTAL A TARDE ON LINE REVISTAMUITO.ATARDE.COM .BR

7/3/2010 7

Texto MARIA SANTOSSA maria.isis@grupoatarde.com.br

Foto MARGARIDA NEIDE margarida.neide@grupoatarde.com.br

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SALVADOR DOMINGO

SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

7/3/2010 9

ABRE ASPAS CECILIA SARDENBERG ANTROPÓLOGA E ATIVISTA FEMINISTA

Machismo não é questão de sexo»

«

Texto MARCOS DIAS mdias@grupoatarde.com.br Fotos THIAGO TEIXEIRA ttxphoto@gmail.com.br

Cecilia Sardenberg, 61, é uma ativista feminista que já viu muita coisa: estava em Atlanta no dia do assassinato de Martin Luther King, fez parte do início dos chamados Women Studies em universidades americanas, conheceu pessoalmente Margareth Mead e voltou para o Brasil na época da Anistia e da fundação do PT, em 1980, quando se filiou ao partido. Professora da Ufba e pesquisadora do NEIM (Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher), ela é coordenadora nacional do Observe, Observatório da Lei Maria da Penha (www.observe.ufba.br), e do Projeto Tempo, Trilhas do Empoderamento da Mulher. “Ninguém pode lhe empoderar, é algo individual, de reconhecer que você tem capacidade, se libertar e tomar consciência das desigualdades e das coisas que lhe discriminam”. Casada duas vezes, mãe de um casal e avó de duas crianças, ela está participando, desde o dia 1º, até o dia 13, da 54ª Comissão da Situação da Mulher (CSW), na ONU, a Beijing + 15. Embora considere a Lei Maria da Penha como um marco do feminismo, sabe que hoje a legalização do aborto é a principal luta do movimento.


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SALVADOR DOMINGO

SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

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ABRE ASPAS CECILIA SARDENBERG ANTROPÓLOGA E ATIVISTA FEMINISTA

Machismo não é questão de sexo»

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Texto MARCOS DIAS mdias@grupoatarde.com.br Fotos THIAGO TEIXEIRA ttxphoto@gmail.com.br

Cecilia Sardenberg, 61, é uma ativista feminista que já viu muita coisa: estava em Atlanta no dia do assassinato de Martin Luther King, fez parte do início dos chamados Women Studies em universidades americanas, conheceu pessoalmente Margareth Mead e voltou para o Brasil na época da Anistia e da fundação do PT, em 1980, quando se filiou ao partido. Professora da Ufba e pesquisadora do NEIM (Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher), ela é coordenadora nacional do Observe, Observatório da Lei Maria da Penha (www.observe.ufba.br), e do Projeto Tempo, Trilhas do Empoderamento da Mulher. “Ninguém pode lhe empoderar, é algo individual, de reconhecer que você tem capacidade, se libertar e tomar consciência das desigualdades e das coisas que lhe discriminam”. Casada duas vezes, mãe de um casal e avó de duas crianças, ela está participando, desde o dia 1º, até o dia 13, da 54ª Comissão da Situação da Mulher (CSW), na ONU, a Beijing + 15. Embora considere a Lei Maria da Penha como um marco do feminismo, sabe que hoje a legalização do aborto é a principal luta do movimento.


SALVADOR DOMINGO

10 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

Como está a implementação da Lei Maria da Penha? Não está sendo implementada como deveria. Fizemos uma pesquisa em cinco capitais, Salvador, Belém, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Brasília, que mostra milhões de dificuldades para que a Lei seja implementada, porque as delegacias não têm estrutura para dar conta do serviço, não têm pessoal treinado, não registram estatísticas, quase não têm informação e o sistema jurídico não tem interesse em criar os juizados. Mas existem iniciativas fabulosas e é importante incentivá-las. Mesmo com a Lei, que é de 2006, a gente ainda vê muita violência. A gente vive sob uma ordem de gênero patriarcal, não é uma sociedade patriarcal, mas a mentalidade ainda é patriarcal, e nossas instituições ainda são sexistas, regidas por lógica patriarcal. Veja as músicas que se canta no Carnaval. Fiquei impressionada em ver as mulheres dançando ao som de ‘me dá a patinha’. Então, não são só os homens, as mulheres introjetaram também essa perspectiva da dominação, da mulher-objeto, de lixo, porque essas letras acabam traduzindo uma coisa muito forte na sociedade. Acha que o pagode é antagonista da luta das mulheres? Veja só, ele reflete o pensamento da juventude e incentiva. Uma pesquisa feita no Rio de Janeiro mostrou que 50% de jovens de 18 a 25 acreditavam que as mulheres fazem por merecer ser espancadas. E 25% desses jovens confessaram que já es-

«Muitas mulheres ainda vivem da aparência porque no mercado matrimonial isso conta» pancaram a namorada ou companheira. Acho isso assustador. Então temos grandes avanços em termos de direitos, mas a violência continua. A nossa mentalidade vem lá de trás, a ideia da legítima defesa da honra, então o movimento feminista lutou para tornar isso visível. Para criminalizar a violência doméstica, a gente levou 30 anos. Mas os jovens ficam alheios? As mulheres hoje estão questionando, e o enfrentamento pode levar a mais violência. Não é porque existe a legislação que há mais violência, necessariamente, mas as mulheres estão tomando consciência. A gente não tem ponto zero para saber se aumentou ou não a violência, mas o registro de casos aumentou, aumentou o nível de conscientização. O que era um mal transgeracional, a avó apanhou, a mãe apanhou, a jovem apanhou e, agora, ela está questionando, “tenho meus direitos, quero o meu espaço”, porque ela não aceita mais e tem certa independência econômica. A independência econômica não necessariamente lhe empodera, mas, sem ela, é difícil ser dona da sua vida e ter autonomia.

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Na Bahia, as mulheres são conscientes? Essa consciência está crescendo, como o movimento das mulheres, mas não é uma coisa que aconteça da noite para o dia. E também não é porque eu tenho carteirinha há 30 anos que eu me livro de fato dos valores que estão dentro da gente. Às vezes, a gente se pega repetindo certas coisas politicamente incorretas. Por exemplo? No dia que sua filha resolve trazer o namorado para dormir em casa. É diferente como se age com um filho. Você começa a questionar as coisas e, quando elas vêm para a sua vida, você vê que ainda há valores que se tem que trabalhar. As meninas ainda são ensinadas a, quando crescer, encontrar um príncipe encantado, casar e cuidar da família? Talvez não seja tanto isso que mais me preocupe, mas a banalização do erótico e do sexo, em que as meninas estão mais preocupadas em ser objeto de cama, mais do que de mesa, hoje em dia. A objetificação das mulheres, que querem ser capa da Playboy ou a professorinha do Todo enfiado, persiste e a cultura ainda é um mecanismo de desempoderamento das mulheres. E não só na música... Nas novelas também. Manoel Carlos é um cara tão machista, não sei como a gente aguenta aquele cara. Em Viver a vida, Helena é aquela mulher linda que se ajoelha no chão para baterem. O movimento negro protestou. A gente tem que estar sempre alerta à banalização da vio-

lência. A Globo tem um problema, porque ela pega uma coisinha e toca muito superficialmente. Ao invés de melhorar, piora. A indústria da beleza atravanca as conquistas das mulheres? Isso é complicado. Se por um lado é importante trabalhar a sua autoestima, numa sociedade em que a mentalidade é a que tem que ser jovem e bonita, mostra como os discursos sobre a estética feminina nos interpelam, nos pegam lá dentro. Sem querer, a gente começa a se sentir diminuída se não estiver de acordo com os padrões. Por que eu tenho que ter vergonha das minhas rugas? Mas muitas mulheres ainda vivem da aparência, e precisam, porque no mercado matrimonial, ou da azaração, ou da ficação, isso conta. Existem muitos casos de anorexia nervosa em países industrializados.

Na Inglaterra, 70% das meninas de 9 anos se acham gordas e feias. Hoje o discurso da beleza e da estética se mistura com o discurso médico, e é legitimado pelo discurso médico. E como é possível sair dessa esfera do consumo para a politização? Para a gente, que é feminista, é complicado, quando vemos amigas fazendo plástica, se submetendo a tudo isso, eu também passo meus cremezinhos, mas a gente fica pensando: como podemos politizar isso? Há uma crítica feminista à mercantilização do corpo, sabendo que essa sociedade de consumo e seus modelos são inatingíveis. Nem que faça quinhentas plásticas. É preciso um novo discurso que faça a gente se sentir bem com nosso corpo. Há feminização da pobreza na Bahia? Não sei se eu diria feminização da

pobreza, porque na pobreza as mulheres são mais vulneráveis, recebem em media só 60% do que os homens, e a mulher negra só 25% do que recebe o homem branco, em média. Na Bahia, a maior parte das mulheres pobres são negras, e a desigualdade é institucionalizada, uma longa história. As mulheres chefes de família com filhos pequenos estão na pior situação. O Bolsa Família atinge essas mulheres, o que é superimportante, o povo fala ‘30 reais?‘, mas para quem não tem nada começa a contar. Mas o Bolsa Família, assim, não reforça um papel doméstico para a mulher? É contraditório. Porque se, por um lado, a gente está lutando para ter outras oportunidades para as mulheres, por outro as mulheres têm necessidades práticas de gênero e interesses estratégicos, práticas que


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10 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

Como está a implementação da Lei Maria da Penha? Não está sendo implementada como deveria. Fizemos uma pesquisa em cinco capitais, Salvador, Belém, Porto Alegre, Rio de Janeiro e Brasília, que mostra milhões de dificuldades para que a Lei seja implementada, porque as delegacias não têm estrutura para dar conta do serviço, não têm pessoal treinado, não registram estatísticas, quase não têm informação e o sistema jurídico não tem interesse em criar os juizados. Mas existem iniciativas fabulosas e é importante incentivá-las. Mesmo com a Lei, que é de 2006, a gente ainda vê muita violência. A gente vive sob uma ordem de gênero patriarcal, não é uma sociedade patriarcal, mas a mentalidade ainda é patriarcal, e nossas instituições ainda são sexistas, regidas por lógica patriarcal. Veja as músicas que se canta no Carnaval. Fiquei impressionada em ver as mulheres dançando ao som de ‘me dá a patinha’. Então, não são só os homens, as mulheres introjetaram também essa perspectiva da dominação, da mulher-objeto, de lixo, porque essas letras acabam traduzindo uma coisa muito forte na sociedade. Acha que o pagode é antagonista da luta das mulheres? Veja só, ele reflete o pensamento da juventude e incentiva. Uma pesquisa feita no Rio de Janeiro mostrou que 50% de jovens de 18 a 25 acreditavam que as mulheres fazem por merecer ser espancadas. E 25% desses jovens confessaram que já es-

«Muitas mulheres ainda vivem da aparência porque no mercado matrimonial isso conta» pancaram a namorada ou companheira. Acho isso assustador. Então temos grandes avanços em termos de direitos, mas a violência continua. A nossa mentalidade vem lá de trás, a ideia da legítima defesa da honra, então o movimento feminista lutou para tornar isso visível. Para criminalizar a violência doméstica, a gente levou 30 anos. Mas os jovens ficam alheios? As mulheres hoje estão questionando, e o enfrentamento pode levar a mais violência. Não é porque existe a legislação que há mais violência, necessariamente, mas as mulheres estão tomando consciência. A gente não tem ponto zero para saber se aumentou ou não a violência, mas o registro de casos aumentou, aumentou o nível de conscientização. O que era um mal transgeracional, a avó apanhou, a mãe apanhou, a jovem apanhou e, agora, ela está questionando, “tenho meus direitos, quero o meu espaço”, porque ela não aceita mais e tem certa independência econômica. A independência econômica não necessariamente lhe empodera, mas, sem ela, é difícil ser dona da sua vida e ter autonomia.

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Na Bahia, as mulheres são conscientes? Essa consciência está crescendo, como o movimento das mulheres, mas não é uma coisa que aconteça da noite para o dia. E também não é porque eu tenho carteirinha há 30 anos que eu me livro de fato dos valores que estão dentro da gente. Às vezes, a gente se pega repetindo certas coisas politicamente incorretas. Por exemplo? No dia que sua filha resolve trazer o namorado para dormir em casa. É diferente como se age com um filho. Você começa a questionar as coisas e, quando elas vêm para a sua vida, você vê que ainda há valores que se tem que trabalhar. As meninas ainda são ensinadas a, quando crescer, encontrar um príncipe encantado, casar e cuidar da família? Talvez não seja tanto isso que mais me preocupe, mas a banalização do erótico e do sexo, em que as meninas estão mais preocupadas em ser objeto de cama, mais do que de mesa, hoje em dia. A objetificação das mulheres, que querem ser capa da Playboy ou a professorinha do Todo enfiado, persiste e a cultura ainda é um mecanismo de desempoderamento das mulheres. E não só na música... Nas novelas também. Manoel Carlos é um cara tão machista, não sei como a gente aguenta aquele cara. Em Viver a vida, Helena é aquela mulher linda que se ajoelha no chão para baterem. O movimento negro protestou. A gente tem que estar sempre alerta à banalização da vio-

lência. A Globo tem um problema, porque ela pega uma coisinha e toca muito superficialmente. Ao invés de melhorar, piora. A indústria da beleza atravanca as conquistas das mulheres? Isso é complicado. Se por um lado é importante trabalhar a sua autoestima, numa sociedade em que a mentalidade é a que tem que ser jovem e bonita, mostra como os discursos sobre a estética feminina nos interpelam, nos pegam lá dentro. Sem querer, a gente começa a se sentir diminuída se não estiver de acordo com os padrões. Por que eu tenho que ter vergonha das minhas rugas? Mas muitas mulheres ainda vivem da aparência, e precisam, porque no mercado matrimonial, ou da azaração, ou da ficação, isso conta. Existem muitos casos de anorexia nervosa em países industrializados.

Na Inglaterra, 70% das meninas de 9 anos se acham gordas e feias. Hoje o discurso da beleza e da estética se mistura com o discurso médico, e é legitimado pelo discurso médico. E como é possível sair dessa esfera do consumo para a politização? Para a gente, que é feminista, é complicado, quando vemos amigas fazendo plástica, se submetendo a tudo isso, eu também passo meus cremezinhos, mas a gente fica pensando: como podemos politizar isso? Há uma crítica feminista à mercantilização do corpo, sabendo que essa sociedade de consumo e seus modelos são inatingíveis. Nem que faça quinhentas plásticas. É preciso um novo discurso que faça a gente se sentir bem com nosso corpo. Há feminização da pobreza na Bahia? Não sei se eu diria feminização da

pobreza, porque na pobreza as mulheres são mais vulneráveis, recebem em media só 60% do que os homens, e a mulher negra só 25% do que recebe o homem branco, em média. Na Bahia, a maior parte das mulheres pobres são negras, e a desigualdade é institucionalizada, uma longa história. As mulheres chefes de família com filhos pequenos estão na pior situação. O Bolsa Família atinge essas mulheres, o que é superimportante, o povo fala ‘30 reais?‘, mas para quem não tem nada começa a contar. Mas o Bolsa Família, assim, não reforça um papel doméstico para a mulher? É contraditório. Porque se, por um lado, a gente está lutando para ter outras oportunidades para as mulheres, por outro as mulheres têm necessidades práticas de gênero e interesses estratégicos, práticas que


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vêm da questão que existe uma divisão sexual do trabalho e ideologias de gênero, e para poder viver nessa sociedade elas têm necessidades que nascem da divisão sexual do trabalho. Por exemplo, creches são fundamentais para as mulheres trabalhadoras, e o Bolsa Família é fundamental na nossa sociedade quando a gente não tem creches suficientes. A mulher pobre não tem onde deixar os filhos para ir trabalhar. Então não é contraditório assim, está de acordo com a divisão sexual do trabalho vigente na sociedade e as necessidades que surgem disso. Que atingem a todos. Os homens também têm necessidades práticas de gênero. A nossa sociedade não diz que ele tem que ser o provedor? Então, o emprego é uma necessidade básica de gênero para os homens, e a nossa sociedade também não dá isso, a taxa de desemprego é alta. A sociedade tem que prover, porque a maternidade não é função social, a gente não cria os filhos para a gente, mas para a sociedade. Outra coisa são as relações estratégicas de gênero que têm a ver com relações de poder, daí transformar essas relações, daí vem o empoderamento das mulheres. A possibilidade do Brasil eleger uma mulher para a presidência faz diferença? Acho que é muito importante ter uma mulher no poder, mas não basta ser mulher, tem a ver com o programa. O programa dela está voltado para as mulheres? Uma coisa que ficou engasgada na minha garganta é que no programa do PT a questão

«O machismo é questão de gênero. Homens podem ser feministas e mulheres, machistas» da legalização do aborto não entrou e essa é uma demanda. O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres já votou duas vezes pela legalização do aborto. Então, depende. Que mulher é essa? Que programa está levando à frente? Eu gosto muito de Dilma, ela foi uma mulher que de fato levou a questão do empoderamento das mulheres a sério. Apesar de termos um movimento muito articulado e influente, infelizmente no Congresso não estamos representadas, as mulheres são menos de 10%. Mas o fato de eu ser mulher não quer dizer que eu vá lutar por causas feministas. O machismo não é uma questão de sexo, é uma questão de gênero. Homens podem ser feministas e mulheres, machistas. É cultural, não natural. Temos homens que lutam mais por causas feministas do que as mulheres. Heloísa Helena e Marina Silva são contra. Esse conservadorismo, de fundo religioso, atrasa o mundo? É muito forte. A maior luta das mulheres hoje é pela legalização do aborto. Legalizando o aborto, ninguém vai ser obrigado a fazer se não quiser, mas aquelas que optarem

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não vão morrer. Não é uma questão apenas de direito sobre o próprio corpo, mas de saúde pública também. É uma questão de autonomia, de empoderamento, porque quem é que mais sofre com o fato de o aborto ser ilegal? Quem morre são as jovens pobres e negras. E, se você fizer uma pesquisa, verá que as camadas menos instruídas é que são contra a legalização. Esses mecanismos internacionais não influem na posição da Igreja? O Vaticano é um observador na ONU e se mete em tudo. Eu sou contra a posição da Igreja. Eu queria rasgar minha certidão de batismo em frente à Basílica de São Pedro. A posição da Igreja sempre foi contra as mulheres, e deu mil passos para trás com esse papa, totalmente retrógrado. A Igreja está voltando à Idade Média, daqui a pouco vão começar a queimar as bruxas e tenho medo dela me queimar, porque agora sou apóstata, estou dizendo que estou recusando – não sou só excomungada –, eu é que não quero a Igreja. Estudei no Sacre Coeur, em São Paulo. Queria ser freira quando era menina, imagine! Missionária no Congo, pode? O aborto não é dogma, é coisa dos últimos séculos, de controle da sexualidade feminina. Qual é o mundo em que você espera que seus netos vivam? Um mundo sem racismo, sem sexismo, sem homofobia e onde as desigualdades sociais e de classe tenham sido dissipadas. Sou socialista e feminista. Quero isso para os meus netos. «

AT A L H O JEZEBEL

Charme retrô exclusivo A Jezebel de Sara não é malvada como a rainha do Antigo Testamento, mas também pertence a outro tempo. Nas araras da loja que abriu em dezembro do ano passado, a recém-estilista e recém-empresária Sara Sampaio exibe sua primeira coleção. São vestidos, boleros, blusas e saias de cintura alta, tudo com aura retrô – ou vintage, como ache mais encantador. Em algumas peças, os botões dourados que enfeitam as roupas são mesmo dos anos 1950 e 1960, que ela encontrou em uma fábrica de São Paulo. Sara é formada em publicidade e decidiu abrir a loja depois de estudar moda em Londres e Barcelona e trabalhar como gerente de marketing das marcas paulistas Billabong e Fábia Berseck. “Queria muito ter um espaço para vender roupas que não encontro no mercado e, principalmente, que não sejam muito caras”. As peças custam entre R$ 90 e R$ 200. A loja também vende, com exclusividade em Salvador, as hypadas marcas Amapô e Mulher do Padre, além de objetos fofos que Sara recolhe das viagens por São Paulo e Nova York, como os toys da Sonny Angels, cadernos, moleskines e papéis de carta. Pelas prateleiras também é possível encontrar produtos da Granado Pharmácias e livros da editora O Bispo, que aposta em sexo, drogas, rock´n´roll e religião. Esses, Jezebel gostaria de ler. « Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br

JEZEBEL: Rua do Barro Vermelho, 32, loja 101 – Espaço Maria Alice, Rio Vermelho. Tel: 71 3013-3018. De segunda a sexta, das 9 às 19h, e sábado, das 10 às 18h. DESTAQUE: a loja é pequena, mas a decoração com móveis retrô – tem até relógio de parede que lembra um cuco – a torna acolhedora

Fotos MARGARIDA NEIDE margarida.neide@grupoatarde.com.br


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12 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

vêm da questão que existe uma divisão sexual do trabalho e ideologias de gênero, e para poder viver nessa sociedade elas têm necessidades que nascem da divisão sexual do trabalho. Por exemplo, creches são fundamentais para as mulheres trabalhadoras, e o Bolsa Família é fundamental na nossa sociedade quando a gente não tem creches suficientes. A mulher pobre não tem onde deixar os filhos para ir trabalhar. Então não é contraditório assim, está de acordo com a divisão sexual do trabalho vigente na sociedade e as necessidades que surgem disso. Que atingem a todos. Os homens também têm necessidades práticas de gênero. A nossa sociedade não diz que ele tem que ser o provedor? Então, o emprego é uma necessidade básica de gênero para os homens, e a nossa sociedade também não dá isso, a taxa de desemprego é alta. A sociedade tem que prover, porque a maternidade não é função social, a gente não cria os filhos para a gente, mas para a sociedade. Outra coisa são as relações estratégicas de gênero que têm a ver com relações de poder, daí transformar essas relações, daí vem o empoderamento das mulheres. A possibilidade do Brasil eleger uma mulher para a presidência faz diferença? Acho que é muito importante ter uma mulher no poder, mas não basta ser mulher, tem a ver com o programa. O programa dela está voltado para as mulheres? Uma coisa que ficou engasgada na minha garganta é que no programa do PT a questão

«O machismo é questão de gênero. Homens podem ser feministas e mulheres, machistas» da legalização do aborto não entrou e essa é uma demanda. O Plano Nacional de Políticas para as Mulheres já votou duas vezes pela legalização do aborto. Então, depende. Que mulher é essa? Que programa está levando à frente? Eu gosto muito de Dilma, ela foi uma mulher que de fato levou a questão do empoderamento das mulheres a sério. Apesar de termos um movimento muito articulado e influente, infelizmente no Congresso não estamos representadas, as mulheres são menos de 10%. Mas o fato de eu ser mulher não quer dizer que eu vá lutar por causas feministas. O machismo não é uma questão de sexo, é uma questão de gênero. Homens podem ser feministas e mulheres, machistas. É cultural, não natural. Temos homens que lutam mais por causas feministas do que as mulheres. Heloísa Helena e Marina Silva são contra. Esse conservadorismo, de fundo religioso, atrasa o mundo? É muito forte. A maior luta das mulheres hoje é pela legalização do aborto. Legalizando o aborto, ninguém vai ser obrigado a fazer se não quiser, mas aquelas que optarem

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não vão morrer. Não é uma questão apenas de direito sobre o próprio corpo, mas de saúde pública também. É uma questão de autonomia, de empoderamento, porque quem é que mais sofre com o fato de o aborto ser ilegal? Quem morre são as jovens pobres e negras. E, se você fizer uma pesquisa, verá que as camadas menos instruídas é que são contra a legalização. Esses mecanismos internacionais não influem na posição da Igreja? O Vaticano é um observador na ONU e se mete em tudo. Eu sou contra a posição da Igreja. Eu queria rasgar minha certidão de batismo em frente à Basílica de São Pedro. A posição da Igreja sempre foi contra as mulheres, e deu mil passos para trás com esse papa, totalmente retrógrado. A Igreja está voltando à Idade Média, daqui a pouco vão começar a queimar as bruxas e tenho medo dela me queimar, porque agora sou apóstata, estou dizendo que estou recusando – não sou só excomungada –, eu é que não quero a Igreja. Estudei no Sacre Coeur, em São Paulo. Queria ser freira quando era menina, imagine! Missionária no Congo, pode? O aborto não é dogma, é coisa dos últimos séculos, de controle da sexualidade feminina. Qual é o mundo em que você espera que seus netos vivam? Um mundo sem racismo, sem sexismo, sem homofobia e onde as desigualdades sociais e de classe tenham sido dissipadas. Sou socialista e feminista. Quero isso para os meus netos. «

AT A L H O JEZEBEL

Charme retrô exclusivo A Jezebel de Sara não é malvada como a rainha do Antigo Testamento, mas também pertence a outro tempo. Nas araras da loja que abriu em dezembro do ano passado, a recém-estilista e recém-empresária Sara Sampaio exibe sua primeira coleção. São vestidos, boleros, blusas e saias de cintura alta, tudo com aura retrô – ou vintage, como ache mais encantador. Em algumas peças, os botões dourados que enfeitam as roupas são mesmo dos anos 1950 e 1960, que ela encontrou em uma fábrica de São Paulo. Sara é formada em publicidade e decidiu abrir a loja depois de estudar moda em Londres e Barcelona e trabalhar como gerente de marketing das marcas paulistas Billabong e Fábia Berseck. “Queria muito ter um espaço para vender roupas que não encontro no mercado e, principalmente, que não sejam muito caras”. As peças custam entre R$ 90 e R$ 200. A loja também vende, com exclusividade em Salvador, as hypadas marcas Amapô e Mulher do Padre, além de objetos fofos que Sara recolhe das viagens por São Paulo e Nova York, como os toys da Sonny Angels, cadernos, moleskines e papéis de carta. Pelas prateleiras também é possível encontrar produtos da Granado Pharmácias e livros da editora O Bispo, que aposta em sexo, drogas, rock´n´roll e religião. Esses, Jezebel gostaria de ler. « Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br

JEZEBEL: Rua do Barro Vermelho, 32, loja 101 – Espaço Maria Alice, Rio Vermelho. Tel: 71 3013-3018. De segunda a sexta, das 9 às 19h, e sábado, das 10 às 18h. DESTAQUE: a loja é pequena, mas a decoração com móveis retrô – tem até relógio de parede que lembra um cuco – a torna acolhedora

Fotos MARGARIDA NEIDE margarida.neide@grupoatarde.com.br


As roupas do bando de Maria Bonita impressionavam pelo brilho dos metais ao sol, em contraste com as matizes terrosas e opacas do couro e da seca. Foi na vida de batalhas que ela descobriu seu lugar e fez a história lembrar seu nome

SALVADOR DOMINGO

Fotos CA R O L I N E PAT E R N OS T R O www.flickr.com/photos/ carolinepaternostro Texto, estilo, produção e manipulação de imagens MAYRA LINS mayralins@gmail.com Vestido Animale R$ 498; pulseira acervo

M O DA MARIA BONITA

Macacão Maria Bonita Preço sob consulta; cinto usado como adorno de cabeça Animale R$ 259,50; cintos Le Lis Blanc R$ 645,50 (cobra); sandália Le Lis Blanc R$ 439

RAINHA

14 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010 7/3/2010 15


As roupas do bando de Maria Bonita impressionavam pelo brilho dos metais ao sol, em contraste com as matizes terrosas e opacas do couro e da seca. Foi na vida de batalhas que ela descobriu seu lugar e fez a história lembrar seu nome

SALVADOR DOMINGO

Fotos CA R O L I N E PAT E R N OS T R O www.flickr.com/photos/ carolinepaternostro Texto, estilo, produção e manipulação de imagens MAYRA LINS mayralins@gmail.com Vestido Animale R$ 498; pulseira acervo

M O DA MARIA BONITA

Macacão Maria Bonita Preço sob consulta; cinto usado como adorno de cabeça Animale R$ 259,50; cintos Le Lis Blanc R$ 645,50 (cobra); sandália Le Lis Blanc R$ 439

RAINHA

14 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010 7/3/2010 15


SALVADOR DOMINGO

Vestido Animale R$ 198; cinto Le Lis Blanc R$ 359,50

16 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

Jaqueta Animale R$ 498; blusa Maria Bonita Pre莽o sob consulta; cinto Le Lis Blanc R$ 279,50; bermuda Brech贸 R$ 10

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Vestido Animale R$ 198; cinto Le Lis Blanc R$ 359,50

16 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

Jaqueta Animale R$ 498; blusa Maria Bonita Pre莽o sob consulta; cinto Le Lis Blanc R$ 279,50; bermuda Brech贸 R$ 10

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18 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

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Texto e fotos MAURICIO LÓPEZ maolopez@gmail.com

Villa de Leyva: a cidade suspensa no tempo

AGRADECIMENTOS Iara Villanueva (Maria Bonita), Caroline Paternostro, Cristianne Fernandes (estilo/produção), Roberto Rosa (cabelo/maquiagem, 71 9977-9226) e Salão Vogue (Shopping Itaigara, 3353-6174)

ONDE COMPRAR Animale: Salvador Shopping, L2, 71 3878-2198. Maria Bonita: Salvador Shopping, L2, 71 3342-2872/2173. Le Lis Blanc Deux: Salvador Shopping, L2, 71 3878-2036

Villa de Leyva (Boyacá) está localizada a 25 minutos da capital do Departamento de Boyacá, Tunja, cercada por vastas áreas, que vão de desertos a páramos – ecossistemas de montanhas andinas. É um lugar de encontro com o passado do país, porque conserva intacto o estilo arquitetônico colonial pelo qual passaram grandes personagens da Colômbia. Atualmente se configura como um centro cultural no qual existem desde museus paleontológicos até manifestações próprias da cozinha indígena do altiplano cundiboyacense. A Villa de Leyva é uma cidade que fascina com as suas ruas de calçada em estilo colonial e onde você pode encontrar locais

diferentes para atividades recreativas como expedições ecológicas por trilhas que levam a mirantes, rios e cachoeiras. Apesar do clima frio, é um lugar aconchegante graças à hospitalidade dos seus habitantes. Tem uma ampla oferta de hotéis para visitantes em qualquer época do ano e, principalmente, em agosto, quando acontece o festival de pipa, e, em dezembro, com o festival das luzes – os dois eventos reconhecidos nacionalmente. São momentos muito especiais e bonitos de ver. Vila de Leyva é um encontro de memórias com as emoções do presente e parece estar sempre pronta a receber e acolher bem a todos. «

VÁ LÁ Villa de Leyva fica 177 km ao norte de Bogotá. Para chegar lá, de carro, leva-se duas horas, aproximadamente

Mauricio López é colombiano e leitor de Muito

» MANDE SUA DICA DE UM LUGAR NO MUNDO PARA REVISTAMUITO.ATARDE.COM.BR

Blusa Animale R$ 198; saia Maria Bonita R$ sob consulta; cintos Le Lis Blanc R$ 299,50 (peito) R$ 259,50 (cintura); bota Le Lis Blanc R$ 649,50

S AT É L I T E VILLA DE LEYVA – BOYACÁ CO LÔ M B I A


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7/3/2010 19

Texto e fotos MAURICIO LÓPEZ maolopez@gmail.com

Villa de Leyva: a cidade suspensa no tempo

AGRADECIMENTOS Iara Villanueva (Maria Bonita), Caroline Paternostro, Cristianne Fernandes (estilo/produção), Roberto Rosa (cabelo/maquiagem, 71 9977-9226) e Salão Vogue (Shopping Itaigara, 3353-6174)

ONDE COMPRAR Animale: Salvador Shopping, L2, 71 3878-2198. Maria Bonita: Salvador Shopping, L2, 71 3342-2872/2173. Le Lis Blanc Deux: Salvador Shopping, L2, 71 3878-2036

Villa de Leyva (Boyacá) está localizada a 25 minutos da capital do Departamento de Boyacá, Tunja, cercada por vastas áreas, que vão de desertos a páramos – ecossistemas de montanhas andinas. É um lugar de encontro com o passado do país, porque conserva intacto o estilo arquitetônico colonial pelo qual passaram grandes personagens da Colômbia. Atualmente se configura como um centro cultural no qual existem desde museus paleontológicos até manifestações próprias da cozinha indígena do altiplano cundiboyacense. A Villa de Leyva é uma cidade que fascina com as suas ruas de calçada em estilo colonial e onde você pode encontrar locais

diferentes para atividades recreativas como expedições ecológicas por trilhas que levam a mirantes, rios e cachoeiras. Apesar do clima frio, é um lugar aconchegante graças à hospitalidade dos seus habitantes. Tem uma ampla oferta de hotéis para visitantes em qualquer época do ano e, principalmente, em agosto, quando acontece o festival de pipa, e, em dezembro, com o festival das luzes – os dois eventos reconhecidos nacionalmente. São momentos muito especiais e bonitos de ver. Vila de Leyva é um encontro de memórias com as emoções do presente e parece estar sempre pronta a receber e acolher bem a todos. «

VÁ LÁ Villa de Leyva fica 177 km ao norte de Bogotá. Para chegar lá, de carro, leva-se duas horas, aproximadamente

Mauricio López é colombiano e leitor de Muito

» MANDE SUA DICA DE UM LUGAR NO MUNDO PARA REVISTAMUITO.ATARDE.COM.BR

Blusa Animale R$ 198; saia Maria Bonita R$ sob consulta; cintos Le Lis Blanc R$ 299,50 (peito) R$ 259,50 (cintura); bota Le Lis Blanc R$ 649,50

S AT É L I T E VILLA DE LEYVA – BOYACÁ CO LÔ M B I A


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A outra

Maria Maria Bonita faria 99 anos amanhã e a data será marcada por vários eventos. Sua vida e sua morte, em 1938, criaram um mito controverso e sedutor

Casa em que Maria Bonita nasceu, em Malhada da Caiçara

Texto EMANUELLA SOMBRA esombra@grupoatarde.com.br Fotos MARCO AURÉLIO MARTINS mmartins@grupoatarde.com.br


SALVADOR DOMINGO

20 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

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A outra

Maria Maria Bonita faria 99 anos amanhã e a data será marcada por vários eventos. Sua vida e sua morte, em 1938, criaram um mito controverso e sedutor

Casa em que Maria Bonita nasceu, em Malhada da Caiçara

Texto EMANUELLA SOMBRA esombra@grupoatarde.com.br Fotos MARCO AURÉLIO MARTINS mmartins@grupoatarde.com.br


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C

olada à parede, com os calcanhares levitando sobre o chão batido, a cangaceira Aristéia observa a rua pelo vão desenhado nas grades de ferro. Cadeia de Santana de Ipanema, sertão de Alagoas, julho de 1938. Da janela, vê a algazarra provocada pela chegada da volante do Tenente Bezerra. A imagem seguinte lhe atormentaria a memória por décadas: de dentro de uma lata de querosene, os soldados erguem, seguradas pelo cabelo, duas cabeças em estado inicial de decomposição. Chacoalhados em sua direção, os troféus humanos diziam, silenciosamente, que a morte lhe espreitava. Encontro que o tempo se encarregou de protelar. Paulo Afonso, sertão da Bahia, fevereiro de 2010. Rodeada de filhos, noras, netos, Aristéia se ajeita numa cadeira de plástico trançado. Aos 96 anos, as fortes dores na cervical permitem algumas poucas palavras, intercaladas com o silêncio. “Eu vi as cabeças, mas não sabia de quem eram”. Horas mais tarde daquele 30 de julho, viria entender. Tratavam-se de Lampião e Maria Bonita, emboscados dois dias antes na Fazenda Angico, interior de Sergipe. Outros nove crânios serviam à curiosidade popular, todos de cangaceiros mortos na ocasião. Pertencente ao bando de Moreno, subordinado a Lampião, que perambulava distante, Aristéia havia se entregado à polícia. Sem jamais ter conhecido o Rei do Cangaço muito menos a mulher, tratada por Maria do Capitão. Maria Bonita foi alcunha inventada – já no final dos anos 1930 – pelas volantes, nome dados às tropas ligeiras que percorriam léguas no encalço de assaltantes e pistoleiros. Entre os seus, a amante do bandido mais temido da época era chamada de D. Maria, Maria do Capitão, Maria de

«A Globo botou ela cortando orelha. As únicas que pegaram em arma para matar foram Dadá e a Moça» João de Sousa Lima, historiador

Lampião. Se lhe perguntarem como era a mulher que se tornaria ícone de insurgência e volúpia, Aristéia certamente responderá: “Dizem que era meio fresquinha”. Maria Gomes de Oliveira, decapitada viva aos 27 anos, provavelmente nunca atirou em alguém. Andava com um punhal amarrado à cintura e uma Luger no coldre (mesma arma usada pelos nazistas) mais para o caso de precisão: se fosse surpreendida, disparava para o alto e avisava os demais. “A Globo botou ela até cortando a orelha de uma mulher, isso nunca aconteceu. As únicas que pegaram em arma para matar foram Dadá e a Moça”, corrige o historiador João de Sousa Lima. Autor de A trajetória guerreira de Maria Bonita e mais três títulos sobre o cangaço, Lima é daqueles que, de tanto fuçar um tema, acabou sendo tragado por ele. Passa horas conversando com os matutos de Paulo Afonso. Perdeu a conta de quantos ex-volantes e cangaceiros entrevistou ao longo de quinze anos de pesquisa. Recentemente vendeu os direitos da biografia por R$ 35 mil a um famoso diretor de cinema, sobre quem não revela nem a primeira letra do RG. A julgar pelas pouco mais de cem páginas, germinará dali um filme condizente

com a história. Retratada em cordéis como guerreira destemida, em filmes como a Bonnie Parker brasileira (do casal de bandidos Bonnie e Clyde), e imortalizada pela brejeirice sensual de Tânia Alves, cujo sotaque seria capaz de entornar o juízo de qualquer sertanejo, a verdadeira Maria anda escondida. “Se ela visse a minissérie (Lampião e Maria Bonita, que em 1982 inaugurou o gênero no Brasil), era capaz de dizer: 'aquilo é uma depravada”. “Das cangaceiras que eu entrevistei, nenhuma chegou a dar um beijo na boca. Aquela Maria que fazia amor na beira do rio com o Nelson Xavier nunca existiu”, acrescenta. Trechos do inédito Maria Bonita, mulher de Lampião, do escritor Antônio Amaury Corrêa de Araújo (com lançamento pela Assembleia Legislativa da Bahia previsto para abril), supõem uma mulher que, apesar de galhofeira e de humor afiado, era recatada como as de sua época.

MARIDO ARRANJADO Virgulino Ferreira da Silva já despontava a adolescência em Serra Talhada, Pernambuco, quando Maria Déa foi aparada pela parteira. Malhada da Caiçara, hoje distrito de Paulo Afonso, 1911. Por deferência ao apelido da mãe, assim era chamada na região onde também viria a conhecer o marido. Por conveniência, casou-se aos 15 anos com um primo sapateiro. As constantes brigas faziam-na, sazonalmente, pedir abrigo na velha casa dos pais. Da estrutura original restou um banco talhado em madeira. As telhas, vigas e a parede de taipa foram trocados em 2007, numa tentativa da prefeitura local de transformar a casa onde Maria Bonita nasceu em memorial. Vigiados pela Serra do Umbuzeiro, ainda moram ali remanescentes da família Gomes de Oliveira. Basicamente sobrinhos e primos de terceiro e quarto

Vera e Expedita Ferreira, neta e filha de Maria e Lampião

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SALVADOR DOMINGO

22 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

C

olada à parede, com os calcanhares levitando sobre o chão batido, a cangaceira Aristéia observa a rua pelo vão desenhado nas grades de ferro. Cadeia de Santana de Ipanema, sertão de Alagoas, julho de 1938. Da janela, vê a algazarra provocada pela chegada da volante do Tenente Bezerra. A imagem seguinte lhe atormentaria a memória por décadas: de dentro de uma lata de querosene, os soldados erguem, seguradas pelo cabelo, duas cabeças em estado inicial de decomposição. Chacoalhados em sua direção, os troféus humanos diziam, silenciosamente, que a morte lhe espreitava. Encontro que o tempo se encarregou de protelar. Paulo Afonso, sertão da Bahia, fevereiro de 2010. Rodeada de filhos, noras, netos, Aristéia se ajeita numa cadeira de plástico trançado. Aos 96 anos, as fortes dores na cervical permitem algumas poucas palavras, intercaladas com o silêncio. “Eu vi as cabeças, mas não sabia de quem eram”. Horas mais tarde daquele 30 de julho, viria entender. Tratavam-se de Lampião e Maria Bonita, emboscados dois dias antes na Fazenda Angico, interior de Sergipe. Outros nove crânios serviam à curiosidade popular, todos de cangaceiros mortos na ocasião. Pertencente ao bando de Moreno, subordinado a Lampião, que perambulava distante, Aristéia havia se entregado à polícia. Sem jamais ter conhecido o Rei do Cangaço muito menos a mulher, tratada por Maria do Capitão. Maria Bonita foi alcunha inventada – já no final dos anos 1930 – pelas volantes, nome dados às tropas ligeiras que percorriam léguas no encalço de assaltantes e pistoleiros. Entre os seus, a amante do bandido mais temido da época era chamada de D. Maria, Maria do Capitão, Maria de

«A Globo botou ela cortando orelha. As únicas que pegaram em arma para matar foram Dadá e a Moça» João de Sousa Lima, historiador

Lampião. Se lhe perguntarem como era a mulher que se tornaria ícone de insurgência e volúpia, Aristéia certamente responderá: “Dizem que era meio fresquinha”. Maria Gomes de Oliveira, decapitada viva aos 27 anos, provavelmente nunca atirou em alguém. Andava com um punhal amarrado à cintura e uma Luger no coldre (mesma arma usada pelos nazistas) mais para o caso de precisão: se fosse surpreendida, disparava para o alto e avisava os demais. “A Globo botou ela até cortando a orelha de uma mulher, isso nunca aconteceu. As únicas que pegaram em arma para matar foram Dadá e a Moça”, corrige o historiador João de Sousa Lima. Autor de A trajetória guerreira de Maria Bonita e mais três títulos sobre o cangaço, Lima é daqueles que, de tanto fuçar um tema, acabou sendo tragado por ele. Passa horas conversando com os matutos de Paulo Afonso. Perdeu a conta de quantos ex-volantes e cangaceiros entrevistou ao longo de quinze anos de pesquisa. Recentemente vendeu os direitos da biografia por R$ 35 mil a um famoso diretor de cinema, sobre quem não revela nem a primeira letra do RG. A julgar pelas pouco mais de cem páginas, germinará dali um filme condizente

com a história. Retratada em cordéis como guerreira destemida, em filmes como a Bonnie Parker brasileira (do casal de bandidos Bonnie e Clyde), e imortalizada pela brejeirice sensual de Tânia Alves, cujo sotaque seria capaz de entornar o juízo de qualquer sertanejo, a verdadeira Maria anda escondida. “Se ela visse a minissérie (Lampião e Maria Bonita, que em 1982 inaugurou o gênero no Brasil), era capaz de dizer: 'aquilo é uma depravada”. “Das cangaceiras que eu entrevistei, nenhuma chegou a dar um beijo na boca. Aquela Maria que fazia amor na beira do rio com o Nelson Xavier nunca existiu”, acrescenta. Trechos do inédito Maria Bonita, mulher de Lampião, do escritor Antônio Amaury Corrêa de Araújo (com lançamento pela Assembleia Legislativa da Bahia previsto para abril), supõem uma mulher que, apesar de galhofeira e de humor afiado, era recatada como as de sua época.

MARIDO ARRANJADO Virgulino Ferreira da Silva já despontava a adolescência em Serra Talhada, Pernambuco, quando Maria Déa foi aparada pela parteira. Malhada da Caiçara, hoje distrito de Paulo Afonso, 1911. Por deferência ao apelido da mãe, assim era chamada na região onde também viria a conhecer o marido. Por conveniência, casou-se aos 15 anos com um primo sapateiro. As constantes brigas faziam-na, sazonalmente, pedir abrigo na velha casa dos pais. Da estrutura original restou um banco talhado em madeira. As telhas, vigas e a parede de taipa foram trocados em 2007, numa tentativa da prefeitura local de transformar a casa onde Maria Bonita nasceu em memorial. Vigiados pela Serra do Umbuzeiro, ainda moram ali remanescentes da família Gomes de Oliveira. Basicamente sobrinhos e primos de terceiro e quarto

Vera e Expedita Ferreira, neta e filha de Maria e Lampião

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SOCIEDADE DO CANGAÇO / ACERVO ABA FILMES (CEARÁ) / FAMÍLIA ATHALA

SOCIEDADE DO CANGAÇO / ACERVO ABA FILMES (CEARÁ) / FAMÍLIA ATHALA

«As pessoas não queriam sentar do meu lado. Falavam que raça de Lampião não prestava» Vera Ferreira, neta de Maria Bonita

Maria Bonita com Lampião (centro) e mais oito cangaceiros, em foto feita por Benjamin Abrahão, em 1936

graus, vexados em lembrar da própria árvore genealógica. “Criei meus oito filhos nessa mesma casa depois que os pais dela morreram. Tudo trabalhador, não quero que briguem com ninguém”, desconversa outra Maria, de 62 anos. Casada com um sobrinho da cangaceira, de quem também é prima em terceiro grau, mudou-se para uma residência ao lado, que tem antena parabólica e geladeira. Água às vezes falta. O carro-pipa, responsável pelo abastecimento do vilarejo, nem sempre chega. O fenótipo da família comprova o que as fotos em preto e branco já sugeriam. Maria Bonita era troncuda, aproximadamente um metro e sessenta, pernas grossas, ca-

belos escorridos e feição cabocla. A ascendência holandesa e os inúmeros parentes de olho azul ajudaram a disseminar a teoria de que trazia na íris a cor do céu. A beleza emprestada ao nome, entretanto, nunca foi unanimidade. O cangaceiro Balão dizia que tinha a bunda batida. Sila achava Lídia mais formosa. “Dadá falava que ela era 'bonitinha”, lembra o cineasta Zé Umberto, autor de biografia e de um curta-metragem sobre a mulher de Corisco, de quem se tornou amigo em Salvador até sua morte, em 1994. Ao contrário de Dadá, a Rainha do Cangaço não chegou a ter o rosto tomado por rugas. Estivesse viva, completaria 99 anos amanhã.

MULHER RENDEIRA Considerada a longevidade dos que povoam a região, é provável que passasse dos cem. Mas aquele agosto de 1928 lhe desenharia outro destino. Após descobrir um pente feminino nas coisas do marido, com quem travou peleja violenta, Maria se refugiou novamente na Caiçara. Por aquela época Lampião já rondava a casa dos Gomes, de quem recebera apoio depois de várias baixas sofridas num ataque a Mossoró, Rio Grande do Norte. O primeiro encontro, narrado no livro de Corrêa Araújo, teve uma simpatia mútua. – Você sabe bordar? – Sei. – Então vô deixá uns lenços de seda pra

7/3/2010 25

você bordá e daqui uns 15 ou 20 dias eu venho apanhá. Lampião não foi pontual, mas voltou. Os meses seguintes foram de um namoro entusiasmado, que durou mais de um ano. “Relatos das irmãs mostram que eles se apaixonaram desde o primeiro encontro”, afirma o escritor. Residente em São Paulo, Corrêa Araújo coleciona mais de sete mil entrevistas ao longo de seis décadas de estudo. Ao todo, publicou 13 livros. As visitas esporádicas de Lampião à Caiçara começaram a se tornar uma preocupação. Quando ia embora, não raro as volantes apareciam exalando ameaça. O recado mais intimidador foi quando, após uma investida durante a noite, soldados

Historiadores garantem que Maria Bonita, apesar da fama, nunca matou


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SOCIEDADE DO CANGAÇO / ACERVO ABA FILMES (CEARÁ) / FAMÍLIA ATHALA

SOCIEDADE DO CANGAÇO / ACERVO ABA FILMES (CEARÁ) / FAMÍLIA ATHALA

«As pessoas não queriam sentar do meu lado. Falavam que raça de Lampião não prestava» Vera Ferreira, neta de Maria Bonita

Maria Bonita com Lampião (centro) e mais oito cangaceiros, em foto feita por Benjamin Abrahão, em 1936

graus, vexados em lembrar da própria árvore genealógica. “Criei meus oito filhos nessa mesma casa depois que os pais dela morreram. Tudo trabalhador, não quero que briguem com ninguém”, desconversa outra Maria, de 62 anos. Casada com um sobrinho da cangaceira, de quem também é prima em terceiro grau, mudou-se para uma residência ao lado, que tem antena parabólica e geladeira. Água às vezes falta. O carro-pipa, responsável pelo abastecimento do vilarejo, nem sempre chega. O fenótipo da família comprova o que as fotos em preto e branco já sugeriam. Maria Bonita era troncuda, aproximadamente um metro e sessenta, pernas grossas, ca-

belos escorridos e feição cabocla. A ascendência holandesa e os inúmeros parentes de olho azul ajudaram a disseminar a teoria de que trazia na íris a cor do céu. A beleza emprestada ao nome, entretanto, nunca foi unanimidade. O cangaceiro Balão dizia que tinha a bunda batida. Sila achava Lídia mais formosa. “Dadá falava que ela era 'bonitinha”, lembra o cineasta Zé Umberto, autor de biografia e de um curta-metragem sobre a mulher de Corisco, de quem se tornou amigo em Salvador até sua morte, em 1994. Ao contrário de Dadá, a Rainha do Cangaço não chegou a ter o rosto tomado por rugas. Estivesse viva, completaria 99 anos amanhã.

MULHER RENDEIRA Considerada a longevidade dos que povoam a região, é provável que passasse dos cem. Mas aquele agosto de 1928 lhe desenharia outro destino. Após descobrir um pente feminino nas coisas do marido, com quem travou peleja violenta, Maria se refugiou novamente na Caiçara. Por aquela época Lampião já rondava a casa dos Gomes, de quem recebera apoio depois de várias baixas sofridas num ataque a Mossoró, Rio Grande do Norte. O primeiro encontro, narrado no livro de Corrêa Araújo, teve uma simpatia mútua. – Você sabe bordar? – Sei. – Então vô deixá uns lenços de seda pra

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você bordá e daqui uns 15 ou 20 dias eu venho apanhá. Lampião não foi pontual, mas voltou. Os meses seguintes foram de um namoro entusiasmado, que durou mais de um ano. “Relatos das irmãs mostram que eles se apaixonaram desde o primeiro encontro”, afirma o escritor. Residente em São Paulo, Corrêa Araújo coleciona mais de sete mil entrevistas ao longo de seis décadas de estudo. Ao todo, publicou 13 livros. As visitas esporádicas de Lampião à Caiçara começaram a se tornar uma preocupação. Quando ia embora, não raro as volantes apareciam exalando ameaça. O recado mais intimidador foi quando, após uma investida durante a noite, soldados

Historiadores garantem que Maria Bonita, apesar da fama, nunca matou


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quebraram o telhado de seu Zé de Felipe e dona Déa com pedaços de pau. Maria percebeu que acompanhar Virgulino seria uma forma de devolver paz à família.

DONDOCAS Em 1930, arrumou as trouxas e partiu com o bando, deixando uma brecha para que outras o fizessem. Atiçar a coragem de moças de família presas à barra da saia do patriarcalismo foi mérito da Maria do Capitão – segundo o americano Billy Jaynes Chandler, autor de Lampião, o rei dos cangaceiros, Padre Cícero teria oferecido a patente caso Virgulino enfrentasse a Coluna Prestes, título que nunca lhe foi entregue. “Algumas foram raptadas, como Dadá foi por Corisco, mas para a maioria um cangaceiro exercia o mesmo poder de fascínio que um jogador de futebol, um artista”, diz Corrêa Araújo. Fácil entender: em meio à poeira da caatinga, avistar um homem coberto de ouro e prata, trajando tecido fino de mescla azul – o chapéu com aba dobrada era adornado com signos-de-salomão e cruzes-de-malta – era como ter diante de si o John Wayne do Velho Chico. Acampadas no mato ou nos coitos – nome dado a esconderijos providenciados pela gente simpática aos bandoleiros – as mulheres tinham uma vida de dondocas. “Não cozinhavam, não lavavam, eram uma espécie de objeto sexual. E cada cangaceiro queria ter a mulher mais bonita, mais enfeitada”, explica João de Sousa Lima. As tarefas “domésticas” continuavam sob obrigação dos cabras ou de senhoras contratadas durante as viagens. O excesso de mimos por vezes beirava a frescura. “O Zé Baiano dava comidinha na boca de Lídia e depois limpava com um lencinho de seda”. Contam os registros históricos que o mesmo Baiano, ao saber que Lídia havia dormido com outro cangaceiro,

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matou-lhe a pauladas. Reza a lenda que depois disso só mantinha relações sexuais a força e depois ferrava a face das vítimas com suas iniciais. “Elas mudaram de espaço, mas continuaram no papel de companheiras subordinadas. Diferente de uma Maria Moura, que foi líder”. Para a antropóloga Cecília Sardenberg, manifestações feministas só se por descuido. Certa feita o grupo de Moreno saqueou um caminhão e Aristéia, Durvalina e mais três foram conferir a mercadoria: sutiãs, que elas não sabiam como usar. Puseram na cabeça, amarraram no braço. Com raiva, tocaram fogo na carga e foram embora.

GÊNIO FORTE Biógrafos de Maria Gomes de Oliveira são incontestes em afirmar que Lampião nunca lhe ergueu a mão. Pelo contrário. Gozavam de uma cumplicidade que permitia, inclusive, as brincadeiras em público. Quando Virgulino fazia raiva, uma das vinganças de Maria era chamá-lo de canela de viado, cego véio. O segundo apelido, referência à visão de um olho açoitada por um espinho de quipá (pequeno cacto), desagradava bem mais o consorte. Em 1932, dias após o nascimento da filha Expedita – existe a teoria de que houve um segundo filho, criado por dona Déa – trilhavam pela caatinga de Sergipe rumo à casa do vaqueiro Severo Mamede, designado a cuidar da menina em segurança. Fazia calor. Expedita chorava e as duas, mãe e filha, iam ficando para trás. Os cangaceiros andavam duzentos metros adiante quando Maria perdeu a paciência: – Cambada de fi’da peste, mundiça miserave. Ocêis num tão veno issu não? Depois de muito xingar, o silêncio de Virgulino. Em seguida, a provocação: – Mate isso.

Fachada da casa de Maria Bonita, que se transformou em um memorial em homenagem ao cangaço

Dizem que, possessa, arrebentou uma cabaça d'água na cabeça do homem, que desaguou a rir. Seguiram viagem. O temperamento genioso de dona Maria rendeu-lhe fama de enjoada, pirracenta. Quando não gostava de alguém, fazia troça pelas costas. Com Dadá a antipatia era recíproca. De Virgulino, o excesso de mimo: dele recebia jóias, vestidos. A amizade com alguns coronéis permitia ao Go-

vernador do Sertão acesso a tudo, de uísque White Horse a perfume francês. O preferido era Fleur D'amour. “Eu vejo Maria Bonita como uma mulher imatura, talvez pela idade”, divaga Zé Umberto. Por aquela data tinha seus 21 anos e já dormia com o bandido mais temidos da América do Sul. Mesmo sem participar dos confrontos, ora com as volantes, ora com assassinos rivais, as mulheres vi-

viam o dilema de ter que dar seus filhos para alguém. “E não podiam voltar para a família caso o companheiro morresse”. Seriam pegas pela polícia. Aos 77 anos, Expedita diz ter visto a mãe no máximo três vezes. A memória é menos turva quando recorda do pai. “Lembro de um dia Lampião chegar, eu morria de vergonha. Me escondi debaixo da cama e ele veio, sentou na cabeceira e me puxou, me


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quebraram o telhado de seu Zé de Felipe e dona Déa com pedaços de pau. Maria percebeu que acompanhar Virgulino seria uma forma de devolver paz à família.

DONDOCAS Em 1930, arrumou as trouxas e partiu com o bando, deixando uma brecha para que outras o fizessem. Atiçar a coragem de moças de família presas à barra da saia do patriarcalismo foi mérito da Maria do Capitão – segundo o americano Billy Jaynes Chandler, autor de Lampião, o rei dos cangaceiros, Padre Cícero teria oferecido a patente caso Virgulino enfrentasse a Coluna Prestes, título que nunca lhe foi entregue. “Algumas foram raptadas, como Dadá foi por Corisco, mas para a maioria um cangaceiro exercia o mesmo poder de fascínio que um jogador de futebol, um artista”, diz Corrêa Araújo. Fácil entender: em meio à poeira da caatinga, avistar um homem coberto de ouro e prata, trajando tecido fino de mescla azul – o chapéu com aba dobrada era adornado com signos-de-salomão e cruzes-de-malta – era como ter diante de si o John Wayne do Velho Chico. Acampadas no mato ou nos coitos – nome dado a esconderijos providenciados pela gente simpática aos bandoleiros – as mulheres tinham uma vida de dondocas. “Não cozinhavam, não lavavam, eram uma espécie de objeto sexual. E cada cangaceiro queria ter a mulher mais bonita, mais enfeitada”, explica João de Sousa Lima. As tarefas “domésticas” continuavam sob obrigação dos cabras ou de senhoras contratadas durante as viagens. O excesso de mimos por vezes beirava a frescura. “O Zé Baiano dava comidinha na boca de Lídia e depois limpava com um lencinho de seda”. Contam os registros históricos que o mesmo Baiano, ao saber que Lídia havia dormido com outro cangaceiro,

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matou-lhe a pauladas. Reza a lenda que depois disso só mantinha relações sexuais a força e depois ferrava a face das vítimas com suas iniciais. “Elas mudaram de espaço, mas continuaram no papel de companheiras subordinadas. Diferente de uma Maria Moura, que foi líder”. Para a antropóloga Cecília Sardenberg, manifestações feministas só se por descuido. Certa feita o grupo de Moreno saqueou um caminhão e Aristéia, Durvalina e mais três foram conferir a mercadoria: sutiãs, que elas não sabiam como usar. Puseram na cabeça, amarraram no braço. Com raiva, tocaram fogo na carga e foram embora.

GÊNIO FORTE Biógrafos de Maria Gomes de Oliveira são incontestes em afirmar que Lampião nunca lhe ergueu a mão. Pelo contrário. Gozavam de uma cumplicidade que permitia, inclusive, as brincadeiras em público. Quando Virgulino fazia raiva, uma das vinganças de Maria era chamá-lo de canela de viado, cego véio. O segundo apelido, referência à visão de um olho açoitada por um espinho de quipá (pequeno cacto), desagradava bem mais o consorte. Em 1932, dias após o nascimento da filha Expedita – existe a teoria de que houve um segundo filho, criado por dona Déa – trilhavam pela caatinga de Sergipe rumo à casa do vaqueiro Severo Mamede, designado a cuidar da menina em segurança. Fazia calor. Expedita chorava e as duas, mãe e filha, iam ficando para trás. Os cangaceiros andavam duzentos metros adiante quando Maria perdeu a paciência: – Cambada de fi’da peste, mundiça miserave. Ocêis num tão veno issu não? Depois de muito xingar, o silêncio de Virgulino. Em seguida, a provocação: – Mate isso.

Fachada da casa de Maria Bonita, que se transformou em um memorial em homenagem ao cangaço

Dizem que, possessa, arrebentou uma cabaça d'água na cabeça do homem, que desaguou a rir. Seguiram viagem. O temperamento genioso de dona Maria rendeu-lhe fama de enjoada, pirracenta. Quando não gostava de alguém, fazia troça pelas costas. Com Dadá a antipatia era recíproca. De Virgulino, o excesso de mimo: dele recebia jóias, vestidos. A amizade com alguns coronéis permitia ao Go-

vernador do Sertão acesso a tudo, de uísque White Horse a perfume francês. O preferido era Fleur D'amour. “Eu vejo Maria Bonita como uma mulher imatura, talvez pela idade”, divaga Zé Umberto. Por aquela data tinha seus 21 anos e já dormia com o bandido mais temidos da América do Sul. Mesmo sem participar dos confrontos, ora com as volantes, ora com assassinos rivais, as mulheres vi-

viam o dilema de ter que dar seus filhos para alguém. “E não podiam voltar para a família caso o companheiro morresse”. Seriam pegas pela polícia. Aos 77 anos, Expedita diz ter visto a mãe no máximo três vezes. A memória é menos turva quando recorda do pai. “Lembro de um dia Lampião chegar, eu morria de vergonha. Me escondi debaixo da cama e ele veio, sentou na cabeceira e me puxou, me


SALVADOR DOMINGO

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colocou no colo, me abraçou”. Não tinha mais que cinco anos. Hoje casada, mãe de quatro filhos, lembra de uma infância alegre, tratada como filha legítima pelo vaqueiro Mamede. O que os livros de história reservariam à infância dos netos seria menos nostálgico. “As pessoas não queriam sentar do meu lado, falavam que raça de Lampião não prestava”, lembra uma das filhas de Expedita. A cara do avô – jura que os óculos de aro redondo não foram de propósito –, Vera Ferreira se divide entre a rotina de jornalista e a organização do Centenário Maria Bonita, série de mostras e palestras que começam este mês e terminam em março de 2011.

RASTRO DE SANGUE Em 1938, Maria Bonita já era conhecida nacionalmente pelas as lentes do libanês Benjamin Abrahão, que dois anos antes obteve o consentimento de Virgulino (adorava ser fotografado) para fazer um documentário sobre o cangaço. As imagens revelam um homem religioso, exímio costureiro e que se deixava pentear pela amante. Singelo para alguém tido como facínora, cuja cabeça era pedida pelo governo em troca de cinquenta mil contos de réis. Fazenda Angico, noite de 27 de julho daquele ano. Sentadas no alto de um barranco, acima da grota onde acampavam, Sila e Maria tragam um cigarro. À beira do choro, a mulher de Lampião reclama da vida e faz queixas do amante. Dias antes, este lhe havia pregado um sermão depois que ela, vaidosa, cortara o cabelo à la garçonne, moda na época. Duas luzes piscam ao longe, Sila desconfia se tratarem de lanternas. “É vagalume”, teria dito a outra. Em seguida, as duas vão dormir. Um dos que estava na madrugada seguinte foi o ex-volante Antônio Vieira. Não levou os cinquenta mil contos, mas rece-

beu da corporação um ano de salário. A um ano de completar seu próprio centenário, lembra dos últimos segundos da Mulher do Capitão. “Vinha com uma bacia de queijo do reino cheia d'água quando recebeu o primeiro balaço, morreu perto dele”. Exames de necropsia revelaram que o coração ainda pulsava quando foi degolada. Após os corpos serem despejados numa cova rasa em Angico, a romaria das onze cabeças (26 cançaceiros escaparam) percorreria dezenas de cidades até Salvador. A partir de 1944, as duas famosas foram expostas à curiosidade geral no museu do Nina Rodrigues. “De alguma forma, aquilo mostrou as barbaridades que a polícia da época cometia”, lembra Vera. Em 1969 os crânios foram enterrados na Quinta dos Lázaros e, em 2002, transferidos para um cemitério de Aracaju, que a família não revela o endereço por temer vandalismo. Na capital sergipana, um memorial deverá finalmente sepultar os reis do cangaço. Na opinião de alguns, a presença feminina suavizou a truculência de cangaceiros que, por onde passavam, deixavam máculas de sangue no vestido das virgens. Para outros, era uma sentença de morte: com uma mulher a tiracolo, as incursões pelas veredas se tornavam mais lentas e vulneráveis. O fato é que o movimento estava fadado à extinção. O Estado Novo de Getúlio não suportava mais ver Lampião estampado nas capas de jornal. A neta de Virgulino não tem mágoa dos livros de história, mas desdenha o bê-a-bá das antigas professoras. “Antônio Conselheiro, lunático. Lampião, assassino”. Brinca que, se pessoas conhecessem a Maria real, acabariam preferindo a da ficção. “Na época eu conversei com o Aguinaldo (Silva, co-autor da minissérie) e ele respondeu: “Vera, isso é comercial”. No imaginário popular, sobreviveu Tânia Alves. «

Serra do Umbuzeiro, região onde Maria nasceu

CENTENÁRIO MARIA BONITA de 8 a 10 de março na Biblioteca Pública do Estado da Bahia (Rua General Labatut, Barris, Salvador) II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO CENTENÁRIO DE MARIA BONITA de 8 a 10 de março no Campus VIII da Universidade do Estado da Bahia- Uneb (Paulo Afonso)

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colocou no colo, me abraçou”. Não tinha mais que cinco anos. Hoje casada, mãe de quatro filhos, lembra de uma infância alegre, tratada como filha legítima pelo vaqueiro Mamede. O que os livros de história reservariam à infância dos netos seria menos nostálgico. “As pessoas não queriam sentar do meu lado, falavam que raça de Lampião não prestava”, lembra uma das filhas de Expedita. A cara do avô – jura que os óculos de aro redondo não foram de propósito –, Vera Ferreira se divide entre a rotina de jornalista e a organização do Centenário Maria Bonita, série de mostras e palestras que começam este mês e terminam em março de 2011.

RASTRO DE SANGUE Em 1938, Maria Bonita já era conhecida nacionalmente pelas as lentes do libanês Benjamin Abrahão, que dois anos antes obteve o consentimento de Virgulino (adorava ser fotografado) para fazer um documentário sobre o cangaço. As imagens revelam um homem religioso, exímio costureiro e que se deixava pentear pela amante. Singelo para alguém tido como facínora, cuja cabeça era pedida pelo governo em troca de cinquenta mil contos de réis. Fazenda Angico, noite de 27 de julho daquele ano. Sentadas no alto de um barranco, acima da grota onde acampavam, Sila e Maria tragam um cigarro. À beira do choro, a mulher de Lampião reclama da vida e faz queixas do amante. Dias antes, este lhe havia pregado um sermão depois que ela, vaidosa, cortara o cabelo à la garçonne, moda na época. Duas luzes piscam ao longe, Sila desconfia se tratarem de lanternas. “É vagalume”, teria dito a outra. Em seguida, as duas vão dormir. Um dos que estava na madrugada seguinte foi o ex-volante Antônio Vieira. Não levou os cinquenta mil contos, mas rece-

beu da corporação um ano de salário. A um ano de completar seu próprio centenário, lembra dos últimos segundos da Mulher do Capitão. “Vinha com uma bacia de queijo do reino cheia d'água quando recebeu o primeiro balaço, morreu perto dele”. Exames de necropsia revelaram que o coração ainda pulsava quando foi degolada. Após os corpos serem despejados numa cova rasa em Angico, a romaria das onze cabeças (26 cançaceiros escaparam) percorreria dezenas de cidades até Salvador. A partir de 1944, as duas famosas foram expostas à curiosidade geral no museu do Nina Rodrigues. “De alguma forma, aquilo mostrou as barbaridades que a polícia da época cometia”, lembra Vera. Em 1969 os crânios foram enterrados na Quinta dos Lázaros e, em 2002, transferidos para um cemitério de Aracaju, que a família não revela o endereço por temer vandalismo. Na capital sergipana, um memorial deverá finalmente sepultar os reis do cangaço. Na opinião de alguns, a presença feminina suavizou a truculência de cangaceiros que, por onde passavam, deixavam máculas de sangue no vestido das virgens. Para outros, era uma sentença de morte: com uma mulher a tiracolo, as incursões pelas veredas se tornavam mais lentas e vulneráveis. O fato é que o movimento estava fadado à extinção. O Estado Novo de Getúlio não suportava mais ver Lampião estampado nas capas de jornal. A neta de Virgulino não tem mágoa dos livros de história, mas desdenha o bê-a-bá das antigas professoras. “Antônio Conselheiro, lunático. Lampião, assassino”. Brinca que, se pessoas conhecessem a Maria real, acabariam preferindo a da ficção. “Na época eu conversei com o Aguinaldo (Silva, co-autor da minissérie) e ele respondeu: “Vera, isso é comercial”. No imaginário popular, sobreviveu Tânia Alves. «

Serra do Umbuzeiro, região onde Maria nasceu

CENTENÁRIO MARIA BONITA de 8 a 10 de março na Biblioteca Pública do Estado da Bahia (Rua General Labatut, Barris, Salvador) II SEMINÁRIO INTERNACIONAL DO CENTENÁRIO DE MARIA BONITA de 8 a 10 de março no Campus VIII da Universidade do Estado da Bahia- Uneb (Paulo Afonso)

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Água N É C ES S A I R E

Aeróbica de baixo impacto e um dos melhores lugares para pensar. Nade

Melhor do que a de isopor, para apoiar o corpo e bater perna

PUBOL E.V.A. AQUÁTICA R$ 25,90

Treine braçadas confortavelmente

PRANCHA AQUÁTICA R$ 25,90

1 6

2

Quando chegar a hora de aumentar o ritmo

Mais relax do que isso, só com iPod à prova d´água

PALMAR SPEEDO R$ 49,90

PÉ DE PATO POWERFIN R$ 119,90

3

Essa é de beber. Acesso fácil na borda da piscina

Porque nem Michael Phelps começou de macacão SUNGA (LYCRA) ADIDAS R$ 54,90

7

4

Leve também a roupa para depois da aula SACOLA ADIDAS (BODY BASICS) R$ 99,90

Fotos MARCO AURÉLIO MARTINS mmartins@grupoatarde.com.br Produção CARLA BITTENCOURT cbittencourt@grupoatarde.com.br

GARRAFA DE ALUMÍNIO ALPEN PASS R$ 49,90

Meninas, nadem à 8 vontade. Cabelo quase sem cloro e óculos para dias de sol MAIÔ MACAQUINHO POLIÉSTER / TOUCA DE SILICONE SPEEDO / ÓCULOS SPEEDO / R$ 99,90 / R$ 19,90 / R$ 52,90

ONDE ENCONTRAR 1, 2 e 5 Casa Esportiva (Rua do Corpo Santo, 16 tel.: 71 3241-6935 www.casaesportiva.com.br) 3, 4, 6, 7 e 8 Centauro (Shoppings Barra, Salvador e Iguatemi www.centauro.com.br)

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Água N É C ES S A I R E

Aeróbica de baixo impacto e um dos melhores lugares para pensar. Nade

Melhor do que a de isopor, para apoiar o corpo e bater perna

PUBOL E.V.A. AQUÁTICA R$ 25,90

Treine braçadas confortavelmente

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Quando chegar a hora de aumentar o ritmo

Mais relax do que isso, só com iPod à prova d´água

PALMAR SPEEDO R$ 49,90

PÉ DE PATO POWERFIN R$ 119,90

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Essa é de beber. Acesso fácil na borda da piscina

Porque nem Michael Phelps começou de macacão SUNGA (LYCRA) ADIDAS R$ 54,90

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Leve também a roupa para depois da aula SACOLA ADIDAS (BODY BASICS) R$ 99,90

Fotos MARCO AURÉLIO MARTINS mmartins@grupoatarde.com.br Produção CARLA BITTENCOURT cbittencourt@grupoatarde.com.br

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Meninas, nadem à 8 vontade. Cabelo quase sem cloro e óculos para dias de sol MAIÔ MACAQUINHO POLIÉSTER / TOUCA DE SILICONE SPEEDO / ÓCULOS SPEEDO / R$ 99,90 / R$ 19,90 / R$ 52,90

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Toca, GABI, toca Aos 48 anos, percussionista Gabi Guedes, da Orkestra Rumpilezz, vai lançar disco em que registrou, com Ramiro Musotto, os toques sagrados do candomblé Texto KATHERINE FUNKE kfunke@grupoatarde.com.br Foto MARGARIDA NEIDE margarida.neide@grupoatarde.com.br

V

enha, que estão precisando de você lá no terreiro“, avisou Maria Felipa ao pequeno Gabi. Então, o menino de seis anos largou os tambores feitos de latinhas — que eram seus brinquedos de batucar no quintal, com as primas e a mãe, debaixo do pé de jenipapo — pegou a mão da avó e foi caminhando até o terreiro do Gantois. Até então, tudo o que Gabi Guedes conhecia da música eram os toques da percussão que chegavam pelo vento, do Alto do Gantois até sua casa, ali perto, na Federação. Só bem depois, saberia a glória de subir em grandes palcos, pelo Brasil e o mundo, com bandas, como a de Jimmy Cliff, com quem tocou durante nove anos. Ao chegar no salão do terreiro, Mãe Menininha estava só, à espera de um alabê (percussionista do candomblé) para come-

«

çar a obrigação. Gabi, então, pegou um atabaque pela primeira vez na vida e, sem ser orientado por ninguém, mandou logo um agueré, ritmo tocado para saudar Oxóssi, o padroeiro da casa. “Toca mais, Gaba, toca“, dizia dona Maria Felipa no ouvido do neto, que chamava desse jeito carinhoso. O menino segurou o agueré por 15 minutos, mesmo meio assustado com os ilás (sons) e icás (gestos) dos orixás. “Apenas toquei aquilo que eu lembrava ou sentia”, conta o percussionista, hoje com 48 anos, prestes a lançar o disco Pradarrum (Cana Brava Records), em que registra os toques sagrados do candomblé das três nações – ketu, jeje e angola. Gravado em uma madrugada no estúdio de Botcha Cavallera com o amigo Ramiro Musotto (morto no ano passado), o disco deve ser lançado de forma independente ainda este ano. “Ele (Ramiro) era um pesquisa-

dor. Não era ogã, não tocava em terreiro, mas era um grande músico. Eu mostrava como tocar os atabaques e ele me ensinou como passar para a partitura”.

TOQUE ANCESTRAL A proposta da gravação é ser um registro dos toques sagrados “como devem ser”, isto é, como eram tocados pelos ancestrais africanos que passaram o conhecimento até os alabês que ensinaram o menino Gabi a dominar os três atabaques (rum, rumpi e lé) e o agogô (ou gã). Ele aprendeu a base do que sabe com ogãs antigos do Gantois, como Loló, que já tinha 60 anos quando o menino tocou para Oxóssi pela primeira vez. E tinha Edinho, e os irmãos Vadinho Boca de Ferramenta, Hélio e Dudu. Dedicado e curioso sobre a dança das mãos sobre os atabaques, em terreiros da nação ketu aprendeu com

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Gabi Guedes tocou para Mãe Menininha aos 6 anos


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Toca, GABI, toca Aos 48 anos, percussionista Gabi Guedes, da Orkestra Rumpilezz, vai lançar disco em que registrou, com Ramiro Musotto, os toques sagrados do candomblé Texto KATHERINE FUNKE kfunke@grupoatarde.com.br Foto MARGARIDA NEIDE margarida.neide@grupoatarde.com.br

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enha, que estão precisando de você lá no terreiro“, avisou Maria Felipa ao pequeno Gabi. Então, o menino de seis anos largou os tambores feitos de latinhas — que eram seus brinquedos de batucar no quintal, com as primas e a mãe, debaixo do pé de jenipapo — pegou a mão da avó e foi caminhando até o terreiro do Gantois. Até então, tudo o que Gabi Guedes conhecia da música eram os toques da percussão que chegavam pelo vento, do Alto do Gantois até sua casa, ali perto, na Federação. Só bem depois, saberia a glória de subir em grandes palcos, pelo Brasil e o mundo, com bandas, como a de Jimmy Cliff, com quem tocou durante nove anos. Ao chegar no salão do terreiro, Mãe Menininha estava só, à espera de um alabê (percussionista do candomblé) para come-

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çar a obrigação. Gabi, então, pegou um atabaque pela primeira vez na vida e, sem ser orientado por ninguém, mandou logo um agueré, ritmo tocado para saudar Oxóssi, o padroeiro da casa. “Toca mais, Gaba, toca“, dizia dona Maria Felipa no ouvido do neto, que chamava desse jeito carinhoso. O menino segurou o agueré por 15 minutos, mesmo meio assustado com os ilás (sons) e icás (gestos) dos orixás. “Apenas toquei aquilo que eu lembrava ou sentia”, conta o percussionista, hoje com 48 anos, prestes a lançar o disco Pradarrum (Cana Brava Records), em que registra os toques sagrados do candomblé das três nações – ketu, jeje e angola. Gravado em uma madrugada no estúdio de Botcha Cavallera com o amigo Ramiro Musotto (morto no ano passado), o disco deve ser lançado de forma independente ainda este ano. “Ele (Ramiro) era um pesquisa-

dor. Não era ogã, não tocava em terreiro, mas era um grande músico. Eu mostrava como tocar os atabaques e ele me ensinou como passar para a partitura”.

TOQUE ANCESTRAL A proposta da gravação é ser um registro dos toques sagrados “como devem ser”, isto é, como eram tocados pelos ancestrais africanos que passaram o conhecimento até os alabês que ensinaram o menino Gabi a dominar os três atabaques (rum, rumpi e lé) e o agogô (ou gã). Ele aprendeu a base do que sabe com ogãs antigos do Gantois, como Loló, que já tinha 60 anos quando o menino tocou para Oxóssi pela primeira vez. E tinha Edinho, e os irmãos Vadinho Boca de Ferramenta, Hélio e Dudu. Dedicado e curioso sobre a dança das mãos sobre os atabaques, em terreiros da nação ketu aprendeu com

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viajou o planeta por uma intensa e rica década de reggae roots. De novo na Bahia, gravou um disco com Paulinho Moura e Armandinho em homenagem a Tom Jobim. Participou do projeto Terreiro Africantar, que homenageia o trabalho de Mateus Aleluia, do extinto grupo Os Ticõas. E foi o mestre de percussão do grupo de afro-jazz baiano Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz. "Tenho tido muito trabalho e não pude tocar o projeto Pradarrum depois da gravação, que foi feita há uns três anos". ROBERT SPARROW /DIVULGAÇÃO

mestres da Casa Branca, do Axé Opô Afonjá, do Cobre e do Ilê Axé Omi Euá. “Todos tocavam os mesmos ritmos para cada orixá, as mesmas variações para cada dança. Só na nação ketu, há cerca de 15 ritmos”. No disco, o alabê apresenta os toques na mesma ordem com que aparecem em uma função do terreiro. “No xirê, que é o início da festa, primeiro saúda-se Exu, que é o orixá da rua, de tudo, para abrir os caminhos, para que tudo aconteça feliz. Aí vem Omolu, vem Oxóssi, vem outros, até chegar em Xangô. São três cantigas para cada orixá, e depois, dá-se início à festa”. Cada orixá tem uma dança e um toque. ”Oxalá é um orixá velho, não pode dançar rápido, tem um ritmo muito manso. Já Ogum, Oxóssi e Xangô têm toques mais ligeiros”, completa a ialorixá Elza Bahia de Araújo, 87, a Mãe Senhora de Euá, do Ilê Axé Omi Euá, em Praia Grande. Ela conhece Gabi desde pequeno.

ELEGÂNCIA "Gabi é o agdavi de ouro da Bahia", elogia Monica Millet, percussionista e neta de Mãe Menininha do Gantois. Ela viu o menino dar os primeiros batuques. "Ele ainda tem a elegância do agueré, que está se per-

Para Guedes, a mistura profana e religiosa exige sabedoria

dendo e, ao mesmo tempo, tem facilidade de trazer o tradicional para o contemporâneo. Tenho certeza que é dos poucos que possui essa permissão e esse conhecimento". Para Monica, que já integrou as bandas de Maria Bethânia e Caetano Veloso, Gabi tem talento e expressão única, na percussão afro e na música popular. "Ele é genial, mas não poderia ser diferente, porque vem do Gantois, terreiro da nação ketu, em que os ritmos são complicados". A complicação estaria na variação da quebrada dos compassos e no uso dos graves – os atabaques maiores (rum e rumpi) atuam como solistas. "É uma espécie de inversão de frequências para os ouvidos ocidentais, pois na música pop ocidental, principalmente, os solos são bem agudos, feitos por guitarras", explica. A vida de Gabi nunca mais foi a mesma depois daquela obrigação no terreiro de Mãe Menininha. Daí por diante, a música virou profissão. Hoje em dia, pai de quatro filhos, continua a morar na Federação, sozinho, na rua dos Orixás, pertinho do terreiro do Gantois, em um sobrado sem vaidades onde armazena 700 discos, seus instrumentos e uma guitarra, presente de um aluno, tocada pelo sobrinho Felipe. Na parede, Gabi exibe alguns símbolos da sua história. O mais importante deles é um machado que encontrou em 1987, quando estava desempregado, na Alemanha. “Depois dele, trabalhei com as bandas Die Elephant, Latinha em Pó, viajei por toda a Alemanha dando cursos e nunca mais parei“, diz. Compôs trilhas para o Balé Teatro Castro Alves, época em que conheceu Margareth Menezes. Uma coisa leva à outra. Passou a integrar a banda de Margareth, com quem ficou uns seis anos e, depois, trabalhou com Lazzo Matumbi. Fundou a banda de reggae Zeed Resolution (“A Força da Mente“), que gravou um disco ainda não lançado. Com Jimmy Cliff,

SABEDORIA O tempo teve seu papel no amadurecimento de Pradarrum. O projeto cresceu. Ganhou apoiadores: o produtor americano Pardal Roberts, dono do selo Cana Bra-

va Records, que já lançou Raimundo Sodré, e tem uma loja de discos no Pelourinho; o produtor pernambucano Roberto Torres, biógrafo de Hermeto Pascoal, Gordurinha e Bule-Bule; o fotógrafo egípcio Alain Zamrini e o designer coreano Burt Sun, que assina o encarte. O lançamento do disco, segundo Guedes, pode ser o início de um projeto maior, que registrará também os cânticos do candomblé em formato instrumental. As ideias estão em processo de definição, pois, como sabe bem esse filho de Oxalá e de Oxum, tudo tem seu tempo, que flui leve, calmo, profundo. Mas alguém pode se perguntar: que sentido faz um projeto assim no século 21, época das colagens e recriações? "Eu não sou contra misturas", diz Gabi, explicando

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que sua meta é registrar o que aprendeu quando criança para que as próximas gerações possam ter uma referência correta das origens dos ritmos, da forma como são usados no contexto religioso. “A mistura do profano com o religioso é bonita, mas ficaria muito mais bela se as pessoas soubessem executar essas coisas com sabedoria. Não é tudo que se canta para um orixá, não é tudo que se fala para um orixá”. Este ano, Gabi deve passar um tempo na Europa, viajar com Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz, da qual é o mestre de percussão. “Mas a Europa não é mais novidade para mim”, diz ele, ar blasé, a confessar que quer mesmo é ir (ou voltar) para a África um dia. Só falta alguém dizer: “Estão precisando de você lá, menino!”. «


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viajou o planeta por uma intensa e rica década de reggae roots. De novo na Bahia, gravou um disco com Paulinho Moura e Armandinho em homenagem a Tom Jobim. Participou do projeto Terreiro Africantar, que homenageia o trabalho de Mateus Aleluia, do extinto grupo Os Ticõas. E foi o mestre de percussão do grupo de afro-jazz baiano Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz. "Tenho tido muito trabalho e não pude tocar o projeto Pradarrum depois da gravação, que foi feita há uns três anos". ROBERT SPARROW /DIVULGAÇÃO

mestres da Casa Branca, do Axé Opô Afonjá, do Cobre e do Ilê Axé Omi Euá. “Todos tocavam os mesmos ritmos para cada orixá, as mesmas variações para cada dança. Só na nação ketu, há cerca de 15 ritmos”. No disco, o alabê apresenta os toques na mesma ordem com que aparecem em uma função do terreiro. “No xirê, que é o início da festa, primeiro saúda-se Exu, que é o orixá da rua, de tudo, para abrir os caminhos, para que tudo aconteça feliz. Aí vem Omolu, vem Oxóssi, vem outros, até chegar em Xangô. São três cantigas para cada orixá, e depois, dá-se início à festa”. Cada orixá tem uma dança e um toque. ”Oxalá é um orixá velho, não pode dançar rápido, tem um ritmo muito manso. Já Ogum, Oxóssi e Xangô têm toques mais ligeiros”, completa a ialorixá Elza Bahia de Araújo, 87, a Mãe Senhora de Euá, do Ilê Axé Omi Euá, em Praia Grande. Ela conhece Gabi desde pequeno.

ELEGÂNCIA "Gabi é o agdavi de ouro da Bahia", elogia Monica Millet, percussionista e neta de Mãe Menininha do Gantois. Ela viu o menino dar os primeiros batuques. "Ele ainda tem a elegância do agueré, que está se per-

Para Guedes, a mistura profana e religiosa exige sabedoria

dendo e, ao mesmo tempo, tem facilidade de trazer o tradicional para o contemporâneo. Tenho certeza que é dos poucos que possui essa permissão e esse conhecimento". Para Monica, que já integrou as bandas de Maria Bethânia e Caetano Veloso, Gabi tem talento e expressão única, na percussão afro e na música popular. "Ele é genial, mas não poderia ser diferente, porque vem do Gantois, terreiro da nação ketu, em que os ritmos são complicados". A complicação estaria na variação da quebrada dos compassos e no uso dos graves – os atabaques maiores (rum e rumpi) atuam como solistas. "É uma espécie de inversão de frequências para os ouvidos ocidentais, pois na música pop ocidental, principalmente, os solos são bem agudos, feitos por guitarras", explica. A vida de Gabi nunca mais foi a mesma depois daquela obrigação no terreiro de Mãe Menininha. Daí por diante, a música virou profissão. Hoje em dia, pai de quatro filhos, continua a morar na Federação, sozinho, na rua dos Orixás, pertinho do terreiro do Gantois, em um sobrado sem vaidades onde armazena 700 discos, seus instrumentos e uma guitarra, presente de um aluno, tocada pelo sobrinho Felipe. Na parede, Gabi exibe alguns símbolos da sua história. O mais importante deles é um machado que encontrou em 1987, quando estava desempregado, na Alemanha. “Depois dele, trabalhei com as bandas Die Elephant, Latinha em Pó, viajei por toda a Alemanha dando cursos e nunca mais parei“, diz. Compôs trilhas para o Balé Teatro Castro Alves, época em que conheceu Margareth Menezes. Uma coisa leva à outra. Passou a integrar a banda de Margareth, com quem ficou uns seis anos e, depois, trabalhou com Lazzo Matumbi. Fundou a banda de reggae Zeed Resolution (“A Força da Mente“), que gravou um disco ainda não lançado. Com Jimmy Cliff,

SABEDORIA O tempo teve seu papel no amadurecimento de Pradarrum. O projeto cresceu. Ganhou apoiadores: o produtor americano Pardal Roberts, dono do selo Cana Bra-

va Records, que já lançou Raimundo Sodré, e tem uma loja de discos no Pelourinho; o produtor pernambucano Roberto Torres, biógrafo de Hermeto Pascoal, Gordurinha e Bule-Bule; o fotógrafo egípcio Alain Zamrini e o designer coreano Burt Sun, que assina o encarte. O lançamento do disco, segundo Guedes, pode ser o início de um projeto maior, que registrará também os cânticos do candomblé em formato instrumental. As ideias estão em processo de definição, pois, como sabe bem esse filho de Oxalá e de Oxum, tudo tem seu tempo, que flui leve, calmo, profundo. Mas alguém pode se perguntar: que sentido faz um projeto assim no século 21, época das colagens e recriações? "Eu não sou contra misturas", diz Gabi, explicando

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que sua meta é registrar o que aprendeu quando criança para que as próximas gerações possam ter uma referência correta das origens dos ritmos, da forma como são usados no contexto religioso. “A mistura do profano com o religioso é bonita, mas ficaria muito mais bela se as pessoas soubessem executar essas coisas com sabedoria. Não é tudo que se canta para um orixá, não é tudo que se fala para um orixá”. Este ano, Gabi deve passar um tempo na Europa, viajar com Letieres Leite & Orkestra Rumpilezz, da qual é o mestre de percussão. “Mas a Europa não é mais novidade para mim”, diz ele, ar blasé, a confessar que quer mesmo é ir (ou voltar) para a África um dia. Só falta alguém dizer: “Estão precisando de você lá, menino!”. «


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GASTRÔ PANEL AS

Pra fazer

mo elas mantêm o calor, são próprias para um cozimento mais demorado. Tenho uma redondinha que é uma das minhas preferidas. Em Minas Gerais, fazia muita galinhada nela”. Se em casa dá para ceder às razões do coração, na cozinha do Amado a palavra de ordem é precisão. “Uma panela errada pode arruinar um prato“, decreta Edinho. Não que isso aconteça no Amado, onde cada uma tem sua função: caldeirões para fazer caldos base, suportes para cozinhar várias porções de massa de uma vez só, panelas para delicadas cocções a vapor, e mais tantas outras que nunca dão o ar de sua graça nos fogões comezinhos. Tanto preciosismo tem sua razão de ser. “Um peixe, se for salteado, se faz em frigideira. Mas não pode ser muito fina, senão, ele gruda. A espessura mantém a temperatura”, explica o chef. O mesmo vale para que aquele bifinho feito em casa não pareça uma sola de sapato: frigideira de fundo grosso.

COMIDA

BOA

Caríssimas ou baratinhas. De ferro, barro, pedra ou alumínio, elas são tão importantes quanto os ingredientes na hora de ir para a cozinha Texto LIANA ROCHA lrocha@grupoatarde.com.br Fotos IRACEMA CHEQUER ichequer@grupoatarde.com.br

A

sabedoria é popular, a toada é sertaneja, e os versos do grandalhão Sérgio Reis não mentem: panela velha é que faz comida boa. Quem cozinha, sabe bem a diferença que uma “coroa“ pode fazer. Afinal, se a perfeição só se atinge com o tempo, que dirá nas grandes alquimias do sabor. “As panelas de ferro, por exemplo, depois de várias vezes sendo higienizadas, recebendo uma solução de limão ou vinagre e sendo aquecidas com óleo, vão curando sua superfície, o que acaba funcionando como um antiaderente”, ensina o chef Edinho Engel, do Amado, que, como todo bom mineiro, entende como ninguém das virtudes da paciência. Soberanas na tradicional culinária mineira, as panelas de ferro têm lugar garantido no coração e na cozinha da casa do chef: “Co-

CURINGA

Paella é a panela e o prato, que sai caprichado no Mini Cacique

Encorpadas ou mais fininhas, as frigideiras são um curinga para Alexandre Vicki, chef corporativo da rede hoteleira Pestana, que comanda os restaurantes A Catarineta e Conventual. “Algumas panelas já têm o serrilhado, se pode grelhar e marcar a carne. Frigideiras também são práticas para salteados rápidos. Você segura pelo cabo e vai salteando, nem precisa usar uma colher”, exemplifica Alexandre, que sabe que cada panela não só tem sua tampa como a sua especialidade.


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GASTRÔ PANEL AS

Pra fazer

mo elas mantêm o calor, são próprias para um cozimento mais demorado. Tenho uma redondinha que é uma das minhas preferidas. Em Minas Gerais, fazia muita galinhada nela”. Se em casa dá para ceder às razões do coração, na cozinha do Amado a palavra de ordem é precisão. “Uma panela errada pode arruinar um prato“, decreta Edinho. Não que isso aconteça no Amado, onde cada uma tem sua função: caldeirões para fazer caldos base, suportes para cozinhar várias porções de massa de uma vez só, panelas para delicadas cocções a vapor, e mais tantas outras que nunca dão o ar de sua graça nos fogões comezinhos. Tanto preciosismo tem sua razão de ser. “Um peixe, se for salteado, se faz em frigideira. Mas não pode ser muito fina, senão, ele gruda. A espessura mantém a temperatura”, explica o chef. O mesmo vale para que aquele bifinho feito em casa não pareça uma sola de sapato: frigideira de fundo grosso.

COMIDA

BOA

Caríssimas ou baratinhas. De ferro, barro, pedra ou alumínio, elas são tão importantes quanto os ingredientes na hora de ir para a cozinha Texto LIANA ROCHA lrocha@grupoatarde.com.br Fotos IRACEMA CHEQUER ichequer@grupoatarde.com.br

A

sabedoria é popular, a toada é sertaneja, e os versos do grandalhão Sérgio Reis não mentem: panela velha é que faz comida boa. Quem cozinha, sabe bem a diferença que uma “coroa“ pode fazer. Afinal, se a perfeição só se atinge com o tempo, que dirá nas grandes alquimias do sabor. “As panelas de ferro, por exemplo, depois de várias vezes sendo higienizadas, recebendo uma solução de limão ou vinagre e sendo aquecidas com óleo, vão curando sua superfície, o que acaba funcionando como um antiaderente”, ensina o chef Edinho Engel, do Amado, que, como todo bom mineiro, entende como ninguém das virtudes da paciência. Soberanas na tradicional culinária mineira, as panelas de ferro têm lugar garantido no coração e na cozinha da casa do chef: “Co-

CURINGA

Paella é a panela e o prato, que sai caprichado no Mini Cacique

Encorpadas ou mais fininhas, as frigideiras são um curinga para Alexandre Vicki, chef corporativo da rede hoteleira Pestana, que comanda os restaurantes A Catarineta e Conventual. “Algumas panelas já têm o serrilhado, se pode grelhar e marcar a carne. Frigideiras também são práticas para salteados rápidos. Você segura pelo cabo e vai salteando, nem precisa usar uma colher”, exemplifica Alexandre, que sabe que cada panela não só tem sua tampa como a sua especialidade.


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Numa panela de ferro, o cassoulet de Edinho Engel fica mais gostoso

IRACEMA CHEQUER / AG. A TARDE

“Dependendo da confecção de cada prato, a panela interfere bastante”, confirma. Ele dá o exemplo do risoto, que para sair bem feito não precisa só do arroz adequado. “Tem que ser feito em panela de fundo grosso, e baixa, tipo caçarola, para que a maior quantidade de arroz esteja em contato com o fogo”, explica. Já para molhos que exijam longo tempo de cozimento, o ideal é uma panela grande e alta, enquanto as de tipo wok (típicas da cozinha oriental) são para salteados rápidos e que estejam praticamente em porções individuais. “São finas, pegam calor muito rápido. Mas não se deve colocar grandes quantidades de ingredientes nelas, porque também perdem temperatura muito rápido”, avisa o chef. O que não chega a ser complicado para quem já se revelaram os mistérios do Oriente, como o chef Vinícius Figueira, do Bistrot du Vin. “Em casa e no restaurante tenho woks, adoro usar. Para mim, são essenciais. Elas são fundas, não deixam o alimento agarrar, são ideais para salteados”, lista ele.

BATUQUE NA COZINHA Para não sair do ritmo, modelos e preparos devem estar afinados

FRIGIDEIRA ANTIADERENTE Com fundo fino, são boas para dourar, fritar e aquecer rapidinho

CAÇAROLA Cozidos que não exijam muito tempo, como moquecas, devem ser feitos aqui

GRELHA O fundo grosso mantém a temperatura alta e deixa a carne macia e suculenta

Dentro da linha de sonho de consumo, nenhuma suscita mais suspiros que a marca francesa Le Creuset. Para se ter uma ideia, aficcionados por curvas sinuosas juram de pé junto que as belas gaulesas estão para os equipamentos de cozinha assim como as ferraris estão para os automóveis. Sentiu a pressão? “É uma marca que não tem igual. Quando você cozinha em qualquer panela comum a temperatura varia no fundo, nas laterais. Nela não, fica tudo por igual. O sabor da comida fica diferente”, alardeia Maria do Socorro Soares, proprietária da Ativa Home, que – adivinhe? -– vende as famosas panelas. Parte do glamour que envolve a Le Creuset é o processo de fabricação, semelhante ao das casas de alta costura. Seu site garante que cada peça passa pelas mãos de cerca de trinta artesãos. Os preços destes verdadeiros objetos de desejo, apesar de tabelados em todo o Brasil, nem de longe são tão gostosos quanto as comidinhas feitas nelas. São, aliás, bem salgadinhos. Algumas chegam a custar mais de mil reais.

posto de duas partes: a base, que é rasa e de forma circular, e uma tampa cônica que se encaixa na base e deve ficar fechada durante o cozimento. Assim, todo o vapor retorna para o fundo, engrossando o molho e concentrando suas especiarias nas carnes e legumes. Já a paella faz seu trabalho à vista de quem queira apreciar. Com pouca profundidade, sem tampa e com duas alças, seu design favorece a evaporação do caldo e permite um cozimento perfeito do arroz. “D. Quixote, o flamenco e a paella são os maiores ícones da cultura espanhola”, se entusiasma o chef Benjamin Martinez, do Mini Cacique. O símbolo mais gostoso da hispanidad ele faz todas as sextas-feiras, no restauran-

ONDE ENCONTRAR Ativa Home Av. Paulo VI, 1.597, Pituba. Tel: 71 3351-5051. * Os modelos de Batuque na cozinha são da loja da marca Le Creuset. Spicy Shopping Iguatemi, 3º piso. Tel: 3450-3190. Salvador Shopping, L1. Tel: 71 3341-0555. Tok & Stock Av. Tancredo Neves, 1.801, Caminho das Árvores. Tel: 71 3444-3000

7/3/2010 39

te, com direito a muitos frutos do mar (até lagosta). “Não pense que está assim bonita porque vocês estão aqui, a nossa paella é caprichada mesmo”, garantia ele no dia em que a reportagem esteve no local. Apaixonado pela cultura espanhola, Benjamin conta a lenda que diz que quando foi criada a primeira paella, o recipiente usado foi pedido emprestado pelos camponeses (os paellos) a uns ciganos que acampavam por perto. Por isso que, até hoje, garante, dá para comprar boas paellas fabricadas por ciganos.

CUIDA BEM DE MIM Nas mãos de ciganos ou em lojas chiques, mais baratas ou bem caras, todas as panelas têm suas manhas. E cada chef tem seu jeitinho. Enquanto Vinicius Figueira automaticamente “queima“ toda wok nova, Alexandre Vicki só usa colher de polipropileno nas de teflon e Edinho usa óleo para não enferrujar suas panelas de ferro. Numa coisa, todos concordam. Como a musa de Sérgio Reis, elas gostam de cuidado. «

a todas as Mulheres avós

mães

filhas

amantes

tias

netas ...

FORMA E CONTEÚDO FRISSON CALDEIRÃO Dá de comer a um batalhão e é ótimo para cozimentos mais lentos FOTOS MARGARIDA NEIDE / AG. A TARDE

Com tantas particularidades e técnicas, as panelas são capazes de provocar o maior frisson entre os que mergulham de cabeça na onda gastronômica. Nas vitrines das lojas especializadas (veja onde encontrar na página ao lado) não é difícil avistar nobres exemplares, daqueles que tentam até o mais comedido dos gourmets.

WOK COM ACESSÓRIOS Perfeito para pequenas porções, salteadas rapidamente

Se alguém ainda duvida do poder da panelada, pode engolir o ceticismo em mais duas garfadas: uma num aromático tagine e outra numa dourada paella. Os dois pratos típicos de tão diferentes, mas tão próximos países (Marrocos e Espanha), ganham seus nomes dos recipientes muito especiais em que são feitos. O tagine é feito em barro e sempre com-

nascemos em sua homenagem CONHEÇA O ORÁCULO DAS ERVAS E CONCORRA A PRÊMIOS CHEIROSOS acesse: cosmeticosharimar.blogspot.com - sharimar.com.br - bastianacosmeticosnativos.blogspot.com

diferente é ser feliz


SALVADOR DOMINGO

38 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

Numa panela de ferro, o cassoulet de Edinho Engel fica mais gostoso

IRACEMA CHEQUER / AG. A TARDE

“Dependendo da confecção de cada prato, a panela interfere bastante”, confirma. Ele dá o exemplo do risoto, que para sair bem feito não precisa só do arroz adequado. “Tem que ser feito em panela de fundo grosso, e baixa, tipo caçarola, para que a maior quantidade de arroz esteja em contato com o fogo”, explica. Já para molhos que exijam longo tempo de cozimento, o ideal é uma panela grande e alta, enquanto as de tipo wok (típicas da cozinha oriental) são para salteados rápidos e que estejam praticamente em porções individuais. “São finas, pegam calor muito rápido. Mas não se deve colocar grandes quantidades de ingredientes nelas, porque também perdem temperatura muito rápido”, avisa o chef. O que não chega a ser complicado para quem já se revelaram os mistérios do Oriente, como o chef Vinícius Figueira, do Bistrot du Vin. “Em casa e no restaurante tenho woks, adoro usar. Para mim, são essenciais. Elas são fundas, não deixam o alimento agarrar, são ideais para salteados”, lista ele.

BATUQUE NA COZINHA Para não sair do ritmo, modelos e preparos devem estar afinados

FRIGIDEIRA ANTIADERENTE Com fundo fino, são boas para dourar, fritar e aquecer rapidinho

CAÇAROLA Cozidos que não exijam muito tempo, como moquecas, devem ser feitos aqui

GRELHA O fundo grosso mantém a temperatura alta e deixa a carne macia e suculenta

Dentro da linha de sonho de consumo, nenhuma suscita mais suspiros que a marca francesa Le Creuset. Para se ter uma ideia, aficcionados por curvas sinuosas juram de pé junto que as belas gaulesas estão para os equipamentos de cozinha assim como as ferraris estão para os automóveis. Sentiu a pressão? “É uma marca que não tem igual. Quando você cozinha em qualquer panela comum a temperatura varia no fundo, nas laterais. Nela não, fica tudo por igual. O sabor da comida fica diferente”, alardeia Maria do Socorro Soares, proprietária da Ativa Home, que – adivinhe? -– vende as famosas panelas. Parte do glamour que envolve a Le Creuset é o processo de fabricação, semelhante ao das casas de alta costura. Seu site garante que cada peça passa pelas mãos de cerca de trinta artesãos. Os preços destes verdadeiros objetos de desejo, apesar de tabelados em todo o Brasil, nem de longe são tão gostosos quanto as comidinhas feitas nelas. São, aliás, bem salgadinhos. Algumas chegam a custar mais de mil reais.

posto de duas partes: a base, que é rasa e de forma circular, e uma tampa cônica que se encaixa na base e deve ficar fechada durante o cozimento. Assim, todo o vapor retorna para o fundo, engrossando o molho e concentrando suas especiarias nas carnes e legumes. Já a paella faz seu trabalho à vista de quem queira apreciar. Com pouca profundidade, sem tampa e com duas alças, seu design favorece a evaporação do caldo e permite um cozimento perfeito do arroz. “D. Quixote, o flamenco e a paella são os maiores ícones da cultura espanhola”, se entusiasma o chef Benjamin Martinez, do Mini Cacique. O símbolo mais gostoso da hispanidad ele faz todas as sextas-feiras, no restauran-

ONDE ENCONTRAR Ativa Home Av. Paulo VI, 1.597, Pituba. Tel: 71 3351-5051. * Os modelos de Batuque na cozinha são da loja da marca Le Creuset. Spicy Shopping Iguatemi, 3º piso. Tel: 3450-3190. Salvador Shopping, L1. Tel: 71 3341-0555. Tok & Stock Av. Tancredo Neves, 1.801, Caminho das Árvores. Tel: 71 3444-3000

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te, com direito a muitos frutos do mar (até lagosta). “Não pense que está assim bonita porque vocês estão aqui, a nossa paella é caprichada mesmo”, garantia ele no dia em que a reportagem esteve no local. Apaixonado pela cultura espanhola, Benjamin conta a lenda que diz que quando foi criada a primeira paella, o recipiente usado foi pedido emprestado pelos camponeses (os paellos) a uns ciganos que acampavam por perto. Por isso que, até hoje, garante, dá para comprar boas paellas fabricadas por ciganos.

CUIDA BEM DE MIM Nas mãos de ciganos ou em lojas chiques, mais baratas ou bem caras, todas as panelas têm suas manhas. E cada chef tem seu jeitinho. Enquanto Vinicius Figueira automaticamente “queima“ toda wok nova, Alexandre Vicki só usa colher de polipropileno nas de teflon e Edinho usa óleo para não enferrujar suas panelas de ferro. Numa coisa, todos concordam. Como a musa de Sérgio Reis, elas gostam de cuidado. «

a todas as Mulheres avós

mães

filhas

amantes

tias

netas ...

FORMA E CONTEÚDO FRISSON CALDEIRÃO Dá de comer a um batalhão e é ótimo para cozimentos mais lentos FOTOS MARGARIDA NEIDE / AG. A TARDE

Com tantas particularidades e técnicas, as panelas são capazes de provocar o maior frisson entre os que mergulham de cabeça na onda gastronômica. Nas vitrines das lojas especializadas (veja onde encontrar na página ao lado) não é difícil avistar nobres exemplares, daqueles que tentam até o mais comedido dos gourmets.

WOK COM ACESSÓRIOS Perfeito para pequenas porções, salteadas rapidamente

Se alguém ainda duvida do poder da panelada, pode engolir o ceticismo em mais duas garfadas: uma num aromático tagine e outra numa dourada paella. Os dois pratos típicos de tão diferentes, mas tão próximos países (Marrocos e Espanha), ganham seus nomes dos recipientes muito especiais em que são feitos. O tagine é feito em barro e sempre com-

nascemos em sua homenagem CONHEÇA O ORÁCULO DAS ERVAS E CONCORRA A PRÊMIOS CHEIROSOS acesse: cosmeticosharimar.blogspot.com - sharimar.com.br - bastianacosmeticosnativos.blogspot.com

diferente é ser feliz


SALVADOR DOMINGO

40 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

EDUARDO BARCELLOS / DIVULGAÇÃO

Aquele tipo engraçadinho Cronista da cultura urbana, o escritor Gustavo Piqueira faz de São Paulo – sobretudo dos seus bairros mais nobres – o cenário de histórias que satirizam os jovens adultos e a sua desvairada busca por status e inserção social Texto BRENO FERNANDES bfernandes@grupoatarde.com.br

ALGUNS LIVROS PUBLICADOS: Coadjuvantes (2006), Manual do paulistano moderno e descolado (2007), São Paulo cidade limpa (2007), Marlon Brando – Vida e obra (2008), Lobisomem reflete sobre as confissões de Santo Agostinho numa festa insuportável nos Jardins (2009)

TRILHAS ANINHA FRANCO aninha.franco@atarde.com.br

O desenho do Dalai Lama

C

hegamos a março achando que fevereiro foi somente Carnaval. Não foi. Neste mês, Brasília festejou seu cinquentenário em cadência ninja, cuspindo governadores pra dentro do xilindró, Arruda, pras terras do sem fim, Paulo Octávio e, como parece tomada por um anseio de ejeção compulsivo, pode ser que o terceiro já tenha sido arremessado no fundo de um isopor de picolé e o quarto esteja na governança. Que fique em guarda. Governar Brasília está punk. Huguinho Chávez de Cadeia atravessou o mês brigando com imprensa, artistas, aliados, estudantes e empresários.

R

aul Castro, o irmão de Fidel, responsabilizou o preso político Zapata Tamayo, que morreu após 85 dias de greve de fome, por sua própria morte. O presidente do Brasil, Lula, líder do partido que tem invocado, incessantemente, os direitos humanos, apoiou os Irmãos Castro. O lobista José Dirceu voltou ao noticiário colado numa consultoria de 620 mil reais para a empresa que quer de-

» TEXTOS DO AUTOR EM REVISTAMUITO.ATARDE.COM.BR

ORELHA GUSTAVO PIQUEIRA

Descobriu primeiro o design ou a literatura? Como prática, o design. Mas sempre achei curioso o fato de preferir conversar sobre literatura. Concorda com Guy Debord, quando ele diz que não há mais tempo para ler, só para ver? As pessoas adoram dizer que são ocupadíssimas, quando não é bem assim. Ocupam-se de coisas desnecessárias, pois “não ter tempo para nada” é um belo indicador de status e inserção social (por mais idiota que pareça). Ler ou ver — cada um a seu modo — podem equivaler-se como atos de reflexão. Mas hoje em dia as pessoas nem veem, preferem apenas olhar, o que é uma experiência superficial e passiva, ainda que confortável. O humor às vezes não é apenas um caminho fácil? “Sério” e “profundo” não são, necessariamente, adjetivos opostos a “engraçado”. “Quem impede de dizer, rindo, a verdade?” – se perguntava Flaccus. O que me diz da pegadinha do romance Marlon Brando, que tem foto de James Dean na capa? O Marlon Brando da história é um homônimo do ator, nascido no interior paulista. Achei que todos reconheceriam imediatamente a brincadeira. Infelizmente não foi o que aconteceu. A editora recebeu reclamações sobre a capa “errada”. Alguns chegaram a devolvê-lo, sentindo-se enganados. Ainda não decidi se me orgulho ou me arrependo. Já sentiu vontade de roubar a autoria de um livro? Todo livro que elabora, de forma infinitamente superior a nós mesmos, algo que existe em nós, dá vontade de ser roubado. Qual sua máxima preferida? “Creio que minhas ideias são boas e corretas. Mas quem não crê o mesmo das suas?”, de Montaigne, de quem já senti vontade de roubar mais da metade dos Ensaios. «

mocratizar(i)á a banda larga no País. José Mindlin, brasileiro de fina estampa, bibliófilo, protetor incansável da nossa memória, encantou-se.

O

Brasil não participou da mostra oficial do Festival de Berlim. E os musicais estadunidenses entraram, de vez, no território verde e amarelo via casas de espetáculo paulistas, aumentando o espaço que o cinema usa desde o início do século 20 para formatar brasileiros com vontade de ser estadunidenses, blocos de índios baianos Apaches (do Tororó), lojas de nomes anglófilos ou, até, afro-anglófilos como Yansã Fashion.

A

natureza, mãe pagã, aporrinhada pelo homem incomodus, egoísta, porcalhão, que faz de conta que nada do que está acontecendo tem a ver com suas qualidades, choveu, tremeu, derrubou e matou sem compaixão. Mas nem tudo foram embustes à direita, aleivosias à esquerda, chuva e terremotos. Num dia do mês, o Dalai Lama foi fotografado desenhando na neve acumulada à porta da Casa Branca, onde foi discutir direitos humanos com Obama, e a doçura e ingenuidade do seu ato certamente abrandaram a ira das energias ocultas com a incoerência humana. «

«Nem tudo foram embustes, aleivosias, chuva e terremoto neste fevereiro»

7/3/2010 41


SALVADOR DOMINGO

40 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

EDUARDO BARCELLOS / DIVULGAÇÃO

Aquele tipo engraçadinho Cronista da cultura urbana, o escritor Gustavo Piqueira faz de São Paulo – sobretudo dos seus bairros mais nobres – o cenário de histórias que satirizam os jovens adultos e a sua desvairada busca por status e inserção social Texto BRENO FERNANDES bfernandes@grupoatarde.com.br

ALGUNS LIVROS PUBLICADOS: Coadjuvantes (2006), Manual do paulistano moderno e descolado (2007), São Paulo cidade limpa (2007), Marlon Brando – Vida e obra (2008), Lobisomem reflete sobre as confissões de Santo Agostinho numa festa insuportável nos Jardins (2009)

TRILHAS ANINHA FRANCO aninha.franco@atarde.com.br

O desenho do Dalai Lama

C

hegamos a março achando que fevereiro foi somente Carnaval. Não foi. Neste mês, Brasília festejou seu cinquentenário em cadência ninja, cuspindo governadores pra dentro do xilindró, Arruda, pras terras do sem fim, Paulo Octávio e, como parece tomada por um anseio de ejeção compulsivo, pode ser que o terceiro já tenha sido arremessado no fundo de um isopor de picolé e o quarto esteja na governança. Que fique em guarda. Governar Brasília está punk. Huguinho Chávez de Cadeia atravessou o mês brigando com imprensa, artistas, aliados, estudantes e empresários.

R

aul Castro, o irmão de Fidel, responsabilizou o preso político Zapata Tamayo, que morreu após 85 dias de greve de fome, por sua própria morte. O presidente do Brasil, Lula, líder do partido que tem invocado, incessantemente, os direitos humanos, apoiou os Irmãos Castro. O lobista José Dirceu voltou ao noticiário colado numa consultoria de 620 mil reais para a empresa que quer de-

» TEXTOS DO AUTOR EM REVISTAMUITO.ATARDE.COM.BR

ORELHA GUSTAVO PIQUEIRA

Descobriu primeiro o design ou a literatura? Como prática, o design. Mas sempre achei curioso o fato de preferir conversar sobre literatura. Concorda com Guy Debord, quando ele diz que não há mais tempo para ler, só para ver? As pessoas adoram dizer que são ocupadíssimas, quando não é bem assim. Ocupam-se de coisas desnecessárias, pois “não ter tempo para nada” é um belo indicador de status e inserção social (por mais idiota que pareça). Ler ou ver — cada um a seu modo — podem equivaler-se como atos de reflexão. Mas hoje em dia as pessoas nem veem, preferem apenas olhar, o que é uma experiência superficial e passiva, ainda que confortável. O humor às vezes não é apenas um caminho fácil? “Sério” e “profundo” não são, necessariamente, adjetivos opostos a “engraçado”. “Quem impede de dizer, rindo, a verdade?” – se perguntava Flaccus. O que me diz da pegadinha do romance Marlon Brando, que tem foto de James Dean na capa? O Marlon Brando da história é um homônimo do ator, nascido no interior paulista. Achei que todos reconheceriam imediatamente a brincadeira. Infelizmente não foi o que aconteceu. A editora recebeu reclamações sobre a capa “errada”. Alguns chegaram a devolvê-lo, sentindo-se enganados. Ainda não decidi se me orgulho ou me arrependo. Já sentiu vontade de roubar a autoria de um livro? Todo livro que elabora, de forma infinitamente superior a nós mesmos, algo que existe em nós, dá vontade de ser roubado. Qual sua máxima preferida? “Creio que minhas ideias são boas e corretas. Mas quem não crê o mesmo das suas?”, de Montaigne, de quem já senti vontade de roubar mais da metade dos Ensaios. «

mocratizar(i)á a banda larga no País. José Mindlin, brasileiro de fina estampa, bibliófilo, protetor incansável da nossa memória, encantou-se.

O

Brasil não participou da mostra oficial do Festival de Berlim. E os musicais estadunidenses entraram, de vez, no território verde e amarelo via casas de espetáculo paulistas, aumentando o espaço que o cinema usa desde o início do século 20 para formatar brasileiros com vontade de ser estadunidenses, blocos de índios baianos Apaches (do Tororó), lojas de nomes anglófilos ou, até, afro-anglófilos como Yansã Fashion.

A

natureza, mãe pagã, aporrinhada pelo homem incomodus, egoísta, porcalhão, que faz de conta que nada do que está acontecendo tem a ver com suas qualidades, choveu, tremeu, derrubou e matou sem compaixão. Mas nem tudo foram embustes à direita, aleivosias à esquerda, chuva e terremotos. Num dia do mês, o Dalai Lama foi fotografado desenhando na neve acumulada à porta da Casa Branca, onde foi discutir direitos humanos com Obama, e a doçura e ingenuidade do seu ato certamente abrandaram a ira das energias ocultas com a incoerência humana. «

«Nem tudo foram embustes, aleivosias, chuva e terremoto neste fevereiro»

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42 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

PAREDE LITA CERQUEIRA litacerqueira@hotmail.com A fotógrafa baiana Lita Cerqueira sempre conseguiu ângulos privilegiados de celebridades. Mas o seu olhar dos anônimos consegue trazer à tona a criação mais autoral. A imagem “Fotógrafo Camelô”, feita no Terreiro de Jesus, em 1976, mostra suas formas de ver o outro. Em março, mês da mulher, Lita é a convidada da seção Parede.

» MANDE SUAS IMAGENS PARA REVISTAMUITO@GRUPOATARDE.COM.BR

SALVADOR DOMINGO

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42 SALVADOR DOMINGO 7/3/2010

PAREDE LITA CERQUEIRA litacerqueira@hotmail.com A fotógrafa baiana Lita Cerqueira sempre conseguiu ângulos privilegiados de celebridades. Mas o seu olhar dos anônimos consegue trazer à tona a criação mais autoral. A imagem “Fotógrafo Camelô”, feita no Terreiro de Jesus, em 1976, mostra suas formas de ver o outro. Em março, mês da mulher, Lita é a convidada da seção Parede.

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SALVADOR DOMINGO

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A corajosa Maria Bonita e a história feminina do cangaço

SALVADOR DOMINGO

DOMINGO, 7 DE MARÇO DE 2010 #101 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE

MULHER DE LAMPIÃO

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