UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
BILHETES REAIS E/OU VIRTUAIS: UMA ANÁLISE CONSTRUTIVISTA DA COMUNICAÇÃO ENTRE ESCOLA E FAMÍLIA
AUTORA: SANDRA CRISTINA DE CARVALHO DEDESCHI ORIENTADORA: TELMA PILEGGI VINHA
Dissertação de Mestrado apresentada à Comissão de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Educação, na área de concentração de Psicologia Educacional.
Campinas 2011
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DEDICATÓRIA
A vocês, meus pais, a perpétua gratidão e o amor eterno.
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AGRADECIMENTOS
Neste momento, em que finalizo mais uma fase de minha jornada, gostaria de emitir vibrações de amor e gratidão...
... a Deus pela oportunidade da vida. Por ter a chance de evoluir e contribuir com o desenvolvimento de tantas crianças que passaram por minha vida. ... aos amados: Toninho, meu pai e Marisa, minha mãe. Por mais que agradeça, jamais farei jus a tudo que fizeram e ainda fazem por mim. ... à Angela, minha irmã querida. Que bom que as divergências naturais da adolescência se transformaram em laços de amor e amizade. Obrigada por tudo! ... à querida Telma, que me orientou na realização deste trabalho. Obrigada pela convivência e por ter contribuído em minha busca por ser uma pessoa melhor. ... à doce Luciene, pela acolhida nos momentos de fraqueza e desânimo. Com você aprendi lições de afeto e generosidade. ... à Ana Aragão e à Jussara Tortella, não só pela participação e contribuições, mas um agradecimento especial por nossos caminhos se cruzarem. ... às queridas Adriana e Lívia. Um dos grandes presentes que ganhei nesse período foram os laços de amizade que construímos. Que eles apenas se fortaleçam! ... às estimadas Mari, Lara, Carol e Flávia, obrigada pelo companheirismo. Vocês também deixaram marcas nesse meu caminho. ... a todos que direta ou indiretamente fizeram parte de minha formação profissional, desde o magistério até a pós-graduação. Foram tantos que marcaram minha vida que seria preciso uma página somente para listar seus nomes. ... às crianças, aos adolescentes, aos profissionais e aos familiares que participaram como sujeitos de minha pesquisa. A vocês, o meu respeitoso e carinhoso „obrigada‟! ... enfim, à Capes pelo apoio e financiamento desta pesquisa.
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“Ontem um menino que brincava me falou Que hoje é semente do amanhã Para não ter medo que esse tempo vai passar Não se desespere não, nem pare de sonhar. Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs Deixe a luz do Sol brilhar no céu do teu olhar. Fé na vida, fé no homem, fé no que virá Nós podemos tudo, nós podemos mais Vamos lá fazer o que será.” (Sementes do amanhã, Gonzaguinha) ix
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RESUMO Trata-se de uma pesquisa de caráter misto em que foram utilizados os métodos quantitativo e qualitativo, tendo como objetivo geral: analisar, à luz da teoria construtivista, os conteúdos e as implicações dos bilhetes que a escola envia para a família. Quanto aos objetivos específicos, a intenção foi: caracterizar a estrutura dos enviados aos pais para informar as ocorrências no espaço escolar; verificar as semelhanças e as diferenças dos conteúdos e da estrutura presentes nos „bilhetes‟ enviados aos pais de alunos do 2º, 5º e 8º anos do Ensino Fundamental; comparar mecanismos de comunicação escrita na escola particular e na pública. A amostra foi formada por seis turmas, sendo três da escola pública e três da particular. Os dados foram coletados a partir de duas estratégias principais: recolhimento dos documentos enviados pelas escolas para a comunicação com os familiares e realização de entrevistas semiestruturadas, baseadas no método clínico. Para as entrevistas, foram selecionados aproximadamente 25% dos estudantes de cada classe, sendo uma metade daqueles considerados “disciplinados” e outra dos “indisciplinados”. Foram entrevistados os demais sujeitos envolvidos no processo de comunicação: pais ou responsáveis, professores e equipe pedagógica. Após a coleta, foi realizada a análise de conteúdo, que foi organizada em três partes. Na primeira, foram categorizados os conteúdos presentes nos bilhetes e outras formas de notificação; na segunda, analisou-se a estrutura das mensagens redigidas pelos professores de Ensino Fundamental I, tendo seus dados tratados de forma quantitativa e qualitativa e, na terceira parte, as informações disponíveis nas entrevistas foram analisadas qualitativamente. Os resultados apontaram que os conteúdos enviados aos familiares tratam, na maioria das vezes, de “regras convencionais”, seguidos pelos que abordam “conflitos”, remetidos quase sempre pela escola particular. Raramente informam a respeito dos problemas relacionados à “aprendizagem”. Quanto à estrutura, constatou-se que os bilhetes enviados pela instituição privada apresentavam uma linguagem mais descritiva, respeitosa, objetiva e clara, do que os da pública. Em relação às implicações que podem gerar nas relações familiares, foi possível observar que, quando recebem uma notificação, compreendem que os professores esperam alguma providência. Os pais, na maioria das vezes, utilizam de sanções expiatórias como: retirada de algo que o filho goste, agressão física ou verbal, conversas ou sermões. Identificou-se que algumas crianças e adolescentes mudam seu comportamento por medo de receberem novos bilhetes ou outras punições aplicadas em casa. Acredita-se que a escola pode ser considerada como corresponsável por essas implicações, uma vez que reconhece que podem acontecer e mesmo assim envia bilhetes indiscriminadamente. Baseando-nos na teoria de Piaget e seus seguidores para a análise dos dados, inferimos que tal estratégia é usada como mecanismo de coerção, não validando o discurso de que servem para manter a parceria com os pais. Além disso, esse procedimento normalmente exclui o sujeito da busca por soluções para seus conflitos, sendo retirada a oportunidade de reflexão, de troca de perspectivas e de reconhecer os sentimentos, fatores estes indispensáveis para que alcance sua autonomia moral.
Palavras-chave: FAMÍLIA, ESCOLA, COMUNICAÇÃO, BILHETES ESCOLARES, CONFLITOS INTERPESSOAIS, AUTONOMIA MORAL.
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xii
ABSTRACT This is a joint research that used quantitative and qualitative methods, with the general aim: to analyze in the light of constructivist theory, the contents and implications of the school notes that the school sends to the family. As for specific goals, the intention was to characterize the structure of those sent to parents to inform the occurrences at school; see the similarities and differences between the content and structure present in the 'tickets' sent to parents of students in the 2nd, 5th and 8th year of elementary school, to compare mechanisms of written communication in public and private school. The sample consisted of six groups, three public schools and three private. Data were collected from two main strategies: collection of documents sent by schools to communicate with family members and conducting interviews, based on the clinical method. In interviews, we selected about 25% of students in each class, half of those being considered a "disciplined" and one of the "undisciplined." We interviewed other individuals involved in the communication process: parents or guardians, teachers and pedagogical staff. After collection, we performed a content analysis, which was organized into three parts. At first, they were categorized content present on school notes and other forms of notification, in the latter, we analyzed the structure of messages written by teachers of elementary school, having their data processed quantitatively and qualitatively, and the third part, the information available in the interviews were analyzed qualitatively. The results showed that the content sent to members of the family, dealing mostly in "conventional rules", followed by addressing "conflict", almost always sent by the private school. Rarely inform about the problems related to "learning." In structure, it was found out that the school notes sent by the private institution had more descriptive language, respectful, objective and clear than those of the public. Regarding the implications that can generate on family relationships, it was observed that, when they receive a notification, they understand that teachers expect some action. Parents, in most cases, use of expiatory punishments such as removal of something the child likes, physical aggression or verbal, conversations or sermons. It was identified that some children and adolescents change their behavior for fear of receiving new school notes or other punishments at home. It is believed that the school can be considered co-responsible for these implications, as it recognizes what can happen and even then sends school notes indiscriminately. Based on the theory of Piaget and his followers for the analysis of the data, we infer that such a strategy is used as a means of coercion, not validating the discourse that serve to maintain the partnership with parents. Moreover, this procedure usually excludes the subject of the search for solutions to their conflicts, and withdraws the opportunity for reflection, exchange of perspectives and recognizing the feelings, which are factors essential to reach their moral autonomy. Key-words: FAMILY, SCHOOL, COMMUNICATION, INTERPERSONAL CONFLICT, MORAL AUTONOMY.
xiii
SCHOOL
NOTES,
xiv
LISTA DE QUADROS Quadro 1
Planilha de ocorrências no Fundamental II da escola particular.....................................
85
Quadro 2
Trecho de registro na internet.........................................................................................
87
Quadro 3 Quadro 4
Termo de suspensão enviado aos pais e respectivo registro de um aluno do 8º ano particular......................................................................................................................... Ficha individual de avaliação periódica – Parte I .........................................................
89 92
Quadro 5
Ficha individual de avaliação periódica – Parte II ........................................................
93
Quadro 6
Descrição das categorias dos bilhetes............................................................................
114
Quadro 7
Descrição das subcategorias dos bilhetes de aprendizagem..........................................
132
Quadro 8
Descrição das subcategorias dos bilhetes de conflitos..................................................
145
Quadro 9
Descrição das classes da subcategoria “Conflitos com autoridade”..............................
160
Quadro 10
Descrição das classes da subcategoria “Conflitos envolvendo pares”...........................
171
Quadro 11
Descrição das subcategorias dos bilhetes sobre regras convencionais...........................
177
Quadro 12
Critérios de observação da estrutura dos bilhetes...........................................................
184
xv
xvi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Exemplo de bilhete fotografado na coleta de dados.......................................................
84
Figura 2
Total de bilhetes por série...............................................................................................
106
Figura 3
Total de bilhetes por instituição......................................................................................
108
Figura 4
Total de bilhetes por instituição e série..........................................................................
110
Figura 5
Total geral de bilhetes por categoria..............................................................................
115
Figura 6
Quantificação das categorias de bilhetes do 2º ano......................................................
117
Figura 7
Quantificação das categorias de bilhetes do 5º ano......................................................
118
Figura 8
Quantificação das categorias de bilhetes do 8º ano......................................................
119
Figura 9
Quantificação das categorias de bilhetes por instituição................................................
122
Figura 10
Quantificação das categorias de bilhetes por instituição e turmas do 2º ano.................
123
Figura 11
Quantificação das categorias de bilhetes por instituição e turmas do 5º ano.................
125
Figura 12
Quantificação das categorias de bilhetes por instituição e turmas do 8º ano.................
127
Figura 13
Total de bilhetes sobre conflitos por série......................................................................
140
Figura 14
Total de bilhetes sobre conflitos por instituição.............................................................
141
Figura 15
Total de bilhetes sobre conflitos por instituição e série..................................................
143
Figura 16
Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos.........................................
146
Figura 17
Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 2º ano.......................
148
Figura 18
Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 5º ano.......................
149
Figura 19
Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 8º ano.......................
150
Figura 20
Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição.................
153
Figura 21
Figura 24
Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição e turmas do 2º ano....................................................................................................................... Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição e turmas do 5º ano........................................................................................................................ Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição e turmas do 8º ano........................................................................................................................ Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade..............................................
Figura 25
Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade no 2º ano............................
162
Figura 26
Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade no 5º ano............................
163
Figura 27
Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade no 8º ano............................
164
Figura 28
Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade por instituição......................
167
Figura 29
Quantificação de bilhetes sobre regras convencionais por série.....................................
174
Figura 30
Quantificação de bilhetes sobre regras convencionais por instituição............................
175
Figura 31
Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre regras convencionais.....................
178
Figura 32 Figura 33
Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre regras convencionais no 5º e no 8º ano.................................................................................................................................... Principais características da estrutura dos bilhetes..........................................................
179 200
Figura 34
Comparativo das principais características da estrutura dos bilhetes de 2º e 5º anos
202
Figura 35
Comparativo das principais características da estrutura dos bilhetes da escola particular e pública..........................................................................................................
204
Figura 22 Figura 23
xvii
155 156
157 161
xviii
Figura 36 Figura 37
Comparativo das principais características da estrutura dos bilhetes nas turmas de 2º ano............................................................................................................................... Comparativo das principais características da estrutura dos bilhetes nas turmas de 5º ano...............................................................................................................................
xix
206 208
xx
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Resumo do levantamento bibliográfico..........................................................................
06
Tabela 2
Turmas que compõem a amostra....................................................................................
79
Tabela 3
Número de alunos selecionados para entrevista..............................................................
98
Tabela 4
Quantidade e porcentagem geral dos bilhetes por série..................................................
105
Tabela 5
Quantidade e porcentagem geral dos bilhetes por instituição.........................................
108
Tabela 6
Quantidade e porcentagem geral dos bilhetes por instituição e série.............................
110
Tabela 7
Quantidade e porcentagem das categorias dos bilhetes..................................................
115
Tabela 8
Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria no 2º ano.................................
117
Tabela 9
Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria no 5º ano.................................
118
Tabela 10
Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria no 8º ano.................................
119
Tabela 11
Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria nas instituições..........................
121
Tabela 12
Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria nas turmas de 2º ano...............
123
Tabela 13
Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria nas turmas de 5º ano...............
124
Tabela 14
Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria nas turmas de 8º ano...............
126
Tabela 15
Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre conflitos por série..................................
140
Tabela 16
Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre conflitos por instituição.........................
141
Tabela 17
Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre conflitos por instituição e série.............
143
Tabela 18
Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos....................
145
Tabela 19
Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 2º ano..
148
Tabela 20
Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 5º ano..
149
Tabela 21
Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 8º ano..
150
Tabela 22
Tabela 26
Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição........................................................................................................................ Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos nas turmas de 2º ano....................................................................................................................... Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos nas turmas de 5º ano....................................................................................................................... Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos nas turmas de 8º ano....................................................................................................................... Quantidade e porcentagem das classes de conflitos com autoridade..............................
Tabela 27
Quantidade e porcentagem das classes de conflitos com autoridade no 2º ano............
162
Tabela 28
Quantidade e porcentagem das classes de conflitos com autoridade no 5º ano............
163
Tabela 29
Quantidade e porcentagem das classes de conflitos com autoridade no 8º ano............
163
Tabela 30
Quantidade e porcentagem das classes sobre conflitos com autoridade por instituição
166
Tabela 31
Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre regras convencionais por série...............
173
Tabela 32
Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre regras convencionais por instituição......
175
Tabela 33
Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre regras convencionais
177
Tabela 34
Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre regras convencionais no 5º e no 8º ano.............................................................................................................. Quantidade de sujeitos entrevistados..............................................................................
178 210
Tabela 23 Tabela 24 Tabela 25
Tabela 35
xxi
153 154 155 156 161
xxii
Tabela 36
Sançþes aplicadas citadas por alunos e pais com porcentagem......................................
216
Tabela 37
Comparativo da porcentagem das estratĂŠgias citadas pelos pais e pelos alunos................................................................................................................
225
xxiii
xxiv
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA - Comunicação por meio de bilhetes: parceria ou terceirização?..............................................................................................................
01
1. QUADRO TEÓRICO - Os saberes que nortearam nossas discussões......................
06
1.1 A família e a escola na contemporaneidade............................................................
07
1.1.1 A pós-modernidade.................................................................................................
07
1.1.2 A família pós-moderna............................................................................................ 09 1.1.3 A escola pós-moderna............................................................................................. 16 1.2 Escola-família: discutindo alguns fatores dessa relação...........................................
19
1.3 A construção de um ambiente sociomoral cooperativo e o desenvolvimento na visão construtivista .......................................................................................................... 34 1.3.1 O desenvolvimento moral numa perspectiva construtivista..................................
34
1.3.2 A construção do ambiente sociomoral cooperativo................................................
39
1.3.3 O trabalho com o conhecimento num ambiente cooperativo.................................
45
1.3.4 A relação entre a cognição e a afetividade.............................................................. 57 1.3.5 Os conflitos interpessoais na escola ....................................................................... 60 1.3.6 O trabalho com as regras escolares numa perspectiva construtivista ....................
67
2. MÉTODO - Os caminhos trilhados no estudo............................................................ 75 2.1 A pesquisa e seu percurso..........................................................................................
75
2.2 Objetivos....................................................................................................................
76
2.3 Objetivos específicos.................................................................................................
76
2.4 Delineamento da pesquisa.........................................................................................
76
2.5 Amostra e coleta de dados.........................................................................................
77
2.5.1 Escola particular ....................................................................................................
79
2.5.2 Escola pública de 1º ao 5º ano ...............................................................................
80
2.5.3 Escola pública de 6º ao 9º ano................................................................................
81
2.6 Análise de material e documento...............................................................................
82
2.6.1 Nível II na escola particular....................................................................................
85
2.6.2 Nível II na escola pública.......................................................................................
89
2.7 As entrevistas.............................................................................................................
95
2.8 As observações........................................................................................................... 99 xxv
xxvi
2.9 A análise dos dados.................................................................................................... 101 3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS - Comunicação: Parceira ou adversária? O que mostram os bilhetes e as entrevistas.................................................
103
3.1 Os bilhetes nas diferentes séries do ensino fundamental...........................................
105
3.1.1 Os bilhetes por instituição de ensino....................................................................... 107 3.1.2 Os bilhetes por instituição e série ..........................................................................
109
3.2 As categorias dos bilhetes..........................................................................................
112
3.2.1 Os bilhetes e suas categorias nas diferentes séries do ensino fundamental............
117
3.2.2 Os bilhetes e suas categorias nas instituições de ensino........................................
121
3.2.3 Os bilhetes e suas categorias por instituição e série................................................ 122 3.3 Os bilhetes sobre aprendizagem................................................................................. 129 3.4 Os bilhetes sobre conflitos.........................................................................................
139
3.4.1 Os bilhetes sobre conflitos por série.......................................................................
139
3.4.2 Os bilhetes sobre conflitos por instituição..............................................................
141
3.4.3 Os bilhetes sobre conflitos por instituição e série..................................................
142
3.5 Classificação dos bilhetes sobre conflitos.................................................................. 144 3.5.1 Os tipos de bilhetes sobre conflitos por série.......................................................... 148 3.5.2 Os tipos de bilhetes sobre conflitos por instituição................................................
153
3.5.3 Os tipos de bilhetes sobre conflitos por instituição e série...................................
154
3.5.4 Os bilhetes sobre conflitos com autoridade............................................................
157
3.5.4.1 Os bilhetes sobre conflitos com autoridade por série..........................................
161
3.5.4.2 Os bilhetes sobre conflitos com autoridade por instituição................................
166
3.5.4.3 Os bilhetes sobre conflitos com autoridade por instituição e série......................
167
3.5.5 Bilhetes sobre conflitos envolvendo pares.............................................................
169
3.6 Bilhetes sobre regras convencionais..........................................................................
173
3.6.1 Bilhetes sobre regras convencionais por série.......................................................
173
3.6.2 Bilhetes sobre regras convencionais por instituição..............................................
175
3.6.3 Classificação dos bilhetes sobre regras convencionais..........................................
176
3.7 A estrutura dos bilhetes do ensino fundamental I......................................................
184
3.7.1 Responsabilização................................................................................................... 185 3.7.2 Redação................................................................................................................... 189 3.7.3 Informação..............................................................................................................
192
3.7.4 Enfoque...................................................................................................................
195
xxvii
xxviii
3.7.5 Providência.............................................................................................................. 196 3.7.6 Destinatário.............................................................................................................
198
3.7.7 A estrutura dos bilhetes por série............................................................................ 201 3.7.8 A estrutura dos bilhetes por instituição................................................................... 202 3.7.9 A estrutura dos bilhetes por instituição e série.......................................................
205
3.8 A comunicação nas relações familiares....................................................................
210
3.8.1 As atitudes dos pais................................................................................................. 211 3.8.2 As atitudes dos alunos: mudança de comportamento...........................................
226
3.8.3 A utilidade dos bilhetes........................................................................................... 235 3.8.4 Parceria na visão dos educadores............................................................................ 240 CONSIDERAÇÕES FINAIS - O que encontramos e aonde se pode chegar................ 245 Parceria família-escola ou busca por culpados? Para compreender sua interatuação...... 250 Buscando uma nova realidade: O que fazer? .................................................................
252
REFERÊNCIAS.............................................................................................................
256
ANEXOS E APÊNDICES.............................................................................................
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1
INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA Comunicação por meio de bilhetes: parceria ou terceirização? Questões referentes à relação que a escola estabelece com as famílias dos alunos fazem parte do contexto educativo. Castro e Regattieri (2009) destacam que a interação entre essas duas instituições está inserida no trabalho escolar “uma vez que as condições familiares estão presentes de forma latente ou manifesta na relação professor-aluno e constituem chaves de compreensão importantes para o planejamento da ação pedagógica” (p. 16). Tal preocupação também é evidenciada nas Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996), que propõem aos estabelecimentos de ensino a incumbência de se articularem com as famílias e a comunidade, criando processos de integração com a sociedade (artigo 12, parágrafo VI). Entretanto, é fato que a escola se queixa constantemente da família, julgando-a “desestruturada” e “desinteressada”, enquanto que, por sua vez, muitos pais reclamam do trabalho desempenhado pelos professores, corroborando o pressuposto insucesso em suas tentativas de parceria. Tendo como uma das justificativas a necessidade de a escola manter uma relação aberta com as famílias, diferentes recursos são utilizados para que estas fiquem cientes do processo educativo de seus filhos. Uma prática bastante comum empregada pelas instituições de ensino para manter a comunicação com os pais é o envio de bilhetes 1, por meio das agendas ou dos cadernos escolares usados pelos estudantes para fazer as atividades em sala, conforme exemplo a seguir: Mamãe, preciso que vocês conversem com o B a respeito de disciplina pois na escola ele não está participando da roda da conversa e nem cumprindo o que se pede. Além disso, hoje estava o B passando o seu carrinho de plástico no papel em que havia acabado de pintar. Eu pedi três vezes para que parasse, não parou e tirei o carrinho e sua resposta foi me dar um soco nas costas. Obrigada pela compreensão e tomara que após o feriado ele melhore cada vez mais. A professora2 1
O termo „bilhetes‟ será utilizado para conceituar as formas de comunicação escrita entre a escola e a família que, em geral, ocorrem por meio de textos curtos e objetivos. Referem-se a qualquer comunicação escrita com esse propósito em cadernos, agendas, papéis ou por meios de comunicação eletrônica. 2 VINHA, T. P.; MANTOVANI DE ASSIS, O. Z. Compartilhar ou transferir as responsabilidades: considerações sobre a relação entre a escola e a família. In: Anais do XXII Encontro Nacional de Professores do Proepre: Educação e Cidadania. Campinas: Gráfica da Faculdade de Educação da Unicamp, 2005.
2
Sabendo-se que vivemos num mundo onde o avanço tecnológico invade constantemente nossas vidas, resolvemos considerar, além das mensagens “reais” redigidas (ou manuscritas) pelos educadores, aquelas que chamamos aqui de “virtuais”, uma vez que posteriormente se materializam no meio digital, como diversas informações inseridas nos sites à disposição na internet mundial. Mas, por que a escolha do tema? Quando desempenhava o papel de coordenadora pedagógica, numa instituição particular, vivenciei momentos que me fizeram refletir a respeito da utilização desse instrumento de comunicação. Tínhamos uma aluna no 3º ano considerada indisciplinada, apresentando um bom rendimento cognitivo, mas comportamentos extremamente agressivos e uma considerável falta de limites. A diretora da escola encontrou uma solução que, segundo suas crenças, era bastante eficaz para conter a garota de apenas oito anos. Orientou a professora a registrar diariamente na agenda da aluna tudo o que ela fizesse de “errado” enquanto permanecesse na escola, pois isso encorajaria a mãe a tomar alguma atitude em casa para mudar aquelas posturas. Tal situação me inquietava (além de causar certa indignação) e fazia com que me questionasse: Que tipo de relação vai estabelecer com sua professora, que diariamente delata tudo o que faz? Qual a chance de ela compreender que deve comportar-se de outra maneira? Será que sua agressividade não pode piorar? Minhas questões continuavam. Frequentemente, outra queixa muito comum entre os educadores das escolas em que atuei era a de que não adiantava mandar bilhetes para certos pais, que apesar de assinarem a agenda, não faziam nada para resolver os problemas comunicados. Outros afirmavam que, às vezes, era preciso a secretária telefonar aos pais pedindo que a agenda do aluno fosse verificada, pois uma mensagem enviada havia dias ainda não fora respondida, nem assinada. Num outro extremo, também havia aqueles profissionais que consideravam que escrever esses bilhetes era perda de tempo uma vez que quase nunca resolvia. A forma como essa comunicação acontece realmente promove uma parceria em prol do estudante ou somente transfere os problemas vivenciados no espaço escolar para que os pais os resolvam em casa? Será que o conteúdo encontrado em mensagens, reais ou virtuais, favorece a interação entre essas instituições educativas ou trata de terceirizar para a família conflitos de responsabilidade da própria escola? Estariam os responsáveis preparados para esse auxílio? Será que, ao não se implicar nos problemas que poderiam ser trabalhados na instituição escolar, terceirizando-os à família, a escola não está perdendo oportunidades de se preparar melhor para
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lidar com essas situações? Será que decorrente dessa forma de lidar com conflitos que deveriam fazer parte do trabalho pedagógico da escola, esta não acaba por promover a reincidência desses embates, gerando sentimentos de impotência e desânimo nos próprios professores? Parece-nos que os bilhetes não são utilizados somente para informar os familiares, uma vez que por meio deles a responsabilidade pela solução dos problemas é transferida aos pais. Tal estratégia acaba por reforçar a heteronomia do aluno, impossibilitando seu envolvimento na troca de perspectivas e na busca por soluções justas para seus conflitos. Por essa razão, a presente pesquisa foi idealizada tendo como objetivo geral: analisar, à luz do construtivismo, os conteúdos e as implicações dos bilhetes enviados pela escola para a família. Quanto aos objetivos específicos pretendeu-se: caracterizar a estrutura das notificações remetidas aos familiares, verificar as semelhanças e as diferenças dos conteúdos e da estrutura presentes nos bilhetes enviados aos pais dos alunos de 2º, 5º e 8º anos do Ensino Fundamental, bem como comparar os mecanismos de comunicação escrita na escola particular e pública. As situações relatadas anteriormente nos levam a pensar que os educadores pautam suas atitudes e crenças numa concepção tradicional, que considera os conflitos como algo a ser resolvido rapidamente pela autoridade e, de preferência, a serem evitados. No entanto, numa perspectiva construtivista, são vistos como ocorrências naturais em qualquer relação, sendo considerados necessários ao desenvolvimento do sujeito. Acredita-se que os problemas que surgem na rotina escolar podem tornar-se grandes oportunidades para o professor trabalhar as regras e os valores inerentes a essas questões. Assim, tais conflitos podem estar num contexto construtivo ou destrutivo, e a diferença ficará por conta da postura adotada pelo professor (TOGNETTA e VINHA, 2008b). Geralmente, o modo de conduzir situações de conflito pode favorecer, ou não, o desenvolvimento moral de seus alunos. Para tanto, é preciso que não se preocupe apenas em sanar o problema ou impedir que ocorra, e sim, que tenha consciência de que pode propiciar momentos de reflexão. Dessa forma, auxiliarão seus alunos na tomada de consciência de seus pontos de vista, assim como no reconhecimento e respeito aos dos outros. Para tal, faz-se necessário que o sujeito se desenvolva tanto no aspecto cognitivo como no moral. Apesar de, no discurso dos educadores, estar presente a meta de formar pessoas assertivas, que resolvam seus conflitos por meio de diálogo, na prática, esse tema não faz parte do seu currículo. Observa-se que, diante da dificuldade do conteúdo, na maioria das vezes, o professor realiza
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intervenções para o aluno superá-la, o que não acontece quando se envolve em situações conflituosas, sendo a responsabilidade transferida aos pais. Como favorecer a um aluno o desenvolvimento de estratégias mais assertivas para lidar com seus conflitos se estes não são trabalhados na instituição escolar, mas simplesmente terceirizados para as famílias? Acreditamos que o sujeito envolvido no conflito deve ter participação ativa no processo de resolução. Não estamos dizendo que os responsáveis não devem ser informados de aspectos relevantes da vida escolar dos alunos. Longe disso, concordamos com Piaget que, há bastante tempo já afirmava ser a família a mola essencial da vida social do indivíduo, defendendo a ideia que os pais possuem “o direito de serem senão educados, ao menos informados e mesmo formados no tocante à melhor educação a ser proporcionada a seus filhos” (1948-1973, p. 50). Torna-se imprescindível rever a concepção de parceria e as estratégias utilizadas nos procedimentos realizados pelas escolas, de maneira que esta possa ser realmente alcançada. De acordo com nossos objetivos, organizamos um quadro teórico visando conhecer o tema pesquisado bem como contribuir com a análise dos dados coletados. Primeiramente, caracterizaremos a sociedade, a família e a escola pós-moderna. Em seguida, apresentaremos pesquisas relativas a essas duas instituições educativas, sendo discutidos alguns fatores de sua relação. Foram consideradas questões referentes ao papel que cabe a cada uma, a culpabilização dos pais pelo fracasso escolar, as representações feitas por seus agentes educacionais, as diferenças promovidas pela instituição pública, a comunicação entre escola e família e a participação dessa última nas atividades enviadas para o lar. Na terceira parte do quadro teórico, apontaremos alguns dos princípios construtivistas que compõem um ambiente sociomoral cooperativo. Tal abordagem se faz necessária para a realização de uma análise construtiva da comunicação entre escola e família. Destacaremos assuntos como: a gênese do desenvolvimento moral e cognitivo, a relação entre a afetividade e a cooperação, o papel dos conflitos e o trabalho com as regras escolares. Após o quadro teórico, apresentaremos os aspectos metodológicos da presente pesquisa. Optou-se por um estudo exploratório de caráter qualitativo e quantitativo, sendo considerado o fato de que se complementariam a fim de ampliar nossas possibilidades de interpretação e compreensão dos dados. Para tanto, a coleta foi realizada por meio de dois métodos distintos: análise de materiais e documentos enviados pela escola para se comunicar com a família (bilhetes
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e outras formas de registro) e entrevistas clínicas (com alunos, professores, pais, coordenadores pedagógicos e orientadores educacionais). Ao visitarmos as escolas para a coleta dos documentos e também por ocasião das entrevistas, foram realizadas inúmeras observações assistemáticas da rotina escolar (aulas, recreio, reunião de pais), que também contribuíram para melhor análise. Na sequência, apresentamos os dados coletados e algumas discussões, organizando-as em três partes. Na primeira, destacaremos os conteúdos verificados nas notificações enviadas aos pais, procurando destacar as semelhanças e diferenças de acordo com a série e o tipo de instituição a que pertenciam. Na segunda, trataremos a respeito da estrutura apresentada nos bilhetes coletados no Ensino Fundamental I. Por último, serão discutidas qualitativamente as implicações da comunicação nas relações estabelecidas entre pais e filhos, por meio da análise das entrevistas realizadas com os principais sujeitos envolvidos no processo. Para finalizar, apontamos nossas considerações finais destacando algumas das limitações encontradas no percurso da pesquisa, sugerindo a relevância de novos estudos que busquem aprofundar o tema. Além disso, serão apresentadas sugestões que possam contribuir com os desafios existentes na tarefa de educadores que almejam que seus alunos possam realmente tornar-se pessoas mais autônomas e favorecer uma parceria com a família baseada na cooperação e no respeito. Esperamos com este trabalho apontar aos educadores aspectos de sua prática e o favorecimento da autorregulação dos estudantes. Acreditamos na possibilidade de novas relações serem construídas nos espaços escolares, tanto com os alunos como com suas famílias. Eis nosso desejo! Eis um grande desafio...
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1. QUADRO TEÓRICO Os saberes que nortearam nossas discussões. O estudo teve início com o levantamento bibliográfico a respeito do tema família-escola. Posteriormente, a busca estendeu-se para aspectos da sociedade pós-moderna com o objetivo de compreender o contexto em que essas duas instituições estão inseridas. Foram encontrados livros, artigos, teses, dissertações ou monografias, cadernos pedagógicos ou manuais produzidos pelo Ministério da Educação e pela Unesco. Estes foram pesquisados nos bancos de dados do Scielo e no Portal de Periódicos da Capes, utilizando-se as seguintes palavras-chave: família, escola, relação família-escola, família-escola, bilhetes, bilhetes escolares, comunicação família-escola, sociedade pós-moderna, família ou escola pós-moderna. A busca contou também com obras de autores citados nos textos. Na tabela a seguir apresenta-se o resumo do material bibliográfico utilizado para o estudo do tema. Tabela 1 – Resumo do levantamento bibliográfico
Livros ou capítulos Artigos teóricos Artigos sobre pesquisas Teses Dissertações Monografias Manuais/ Cadernos pedagógicos Total
Pósmodernidade 6 7 -
Família Escola 15 10 13 2 2 1 3
Subtotal
Excluídos
Total
21 17 13 2 2 1 3
-2 -
21 15 13 2 2 1 3
13
46
59
-2
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Mediante a leitura do material selecionado, realizou-se o fichamento dos textos para o levantamento de informações pertinentes ao estudo. Houve a necessidade de excluir dois artigos que enfocavam distúrbios psicológicos específicos, não sendo relevantes para os objetivos da presente pesquisa. Em relação à comunicação família-escola, foram encontrados cinco textos de gêneros diversos a respeito das reuniões de pais. A respeito do uso de bilhetes como instrumento
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para informar os responsáveis, encontrou-se somente uma tese e um artigo científico de mesma autoria. Na primeira parte deste capítulo teórico, faremos a descrição de aspectos da sociedade pós-moderna e como podemos compreender família e escola inseridas nesse contexto. Em seguida, enfocaremos o papel de cada uma dessas instituições e sua inter-relação. Num terceiro momento, trataremos de princípios do construtivismo, teoria adotada como norteadora deste estudo.
1.1 A FAMÍLIA E A ESCOLA NA CONTEMPORANEIDADE
1.1.1 A Pós-modernidade
Tendo a presente pesquisa a intenção de investigar determinados aspectos da relação entre a escola e a família, tornou-se indispensável contextualizar o momento histórico em que essas duas instituições sociais estão inseridas: a pós-modernidade, período que teve início por volta da segunda metade do século XX. Sendo marcado pelo amplo desenvolvimento e pelas transformações na área tecnológica, na produção econômica, na vida política e cultural, fora definido por Lipovetsky (2004, p. 51) como um período que “indicava o advento de uma temporalidade social inédita, marcada pela primazia do aqui-agora”. As necessidades que surgiram da economia capitalista promoveram mudanças significativas transformando a lógica na qual se organiza e funciona a sociedade contemporânea. O capitalismo moderno, que anteriormente necessitava do acúmulo e da concentração de riquezas materiais e de mão-de-obra, perde sua força dando lugar a outros interesses. Entre esses podem ser destacados: o fortalecimento da produção bem como do consumo e a ampliação da circulação de capital, o que levou ao alargamento das fronteiras, proporcionando maior velocidade no transporte de mercadorias, de capital e de trabalhadores. A sociedade passa a funcionar “sob uma lógica de desconfinamento, de dispersão, de retirada de espaços fechados e de sua colocação em espaços abertos” (JUSTO, 2005, p. 30). Algumas implicações podem ser identificadas devido a essa crescente alteração em nossa sociedade. Uma vez que o sujeito contemporâneo encontra-se em constante transformação, passa a viver numa condição em que tudo é provisório, pois não há garantia de longa permanência no
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espaço em que se encontra. Para Bauman (1998, p. 112) “as identidades podem ser adotadas e descartadas como uma troca de roupas”. Tal fato acaba contribuindo para o enfraquecimento dos vínculos estabelecidos e a diminuição de todo tipo de assentamento por parte das pessoas. Hoje em dia, por exemplo, é possível acrescentar água quente em um preparado e rapidamente tomar uma sopa. E o que dizer do cozimento acelerado de muitos alimentos com o uso de microondas. A mesma velocidade também pode ser verificada nos relacionamentos, cada vez mais intensos e pouco duradouros. Assim, é possível afirmar que vivemos na era das coisas instantâneas e imediatas, do superficial e do consumo desenfreado em busca do bem-estar. Segundo Justo:
A solidez social e subjetiva dada pela modernidade está se transformando em líquido ou vapor, diluindo fronteiras e limites, acelerando o tempo e ampliando cada vez mais as possibilidades de circulação e trânsito por espaços abertos (JUSTO, 2005, p. 31).
Ao empregarmos um ritmo de vida em que o tempo parece não ser suficiente para a realização de tudo o que pretendemos, acabamos constantemente envolvidos em atividades justapostas que perdem seu sentido. Pode-se dizer que vivemos na época da segmentação e do efêmero, levados por uma busca alucinante, imposta pelo mundo moderno. Ao nosso redor, assim como nós, as pessoas parecem perdidas, pois é pressuposto que o tempo não será suficiente para a realização das atividades necessárias. Conforme La Taille (2009) um dos aspectos de maior relevância na contemporaneidade é justamente o fato de que o presente torna-se somente um fragmento do tempo. Por essa razão, o passado deixa de ser considerado, e o futuro? Não há preocupação com o amanhã, as energias se voltam para o agora, portanto:
Não há projeto, não há domínio do tempo. Andamos na cerração, tentando enxergar meio palmo diante do nariz. O futuro advém, não é construído. O futuro deixa de ser referência. É simples sucessão de dias e anos a virem. Como o passado já tampouco é referência, fica-se no „eterno presente‟ (LA TAILLE, 2009, p. 33).
Bauman (1998) alerta para uma mudança nas circunstâncias da vida que chama de “destemporalização do espaço social”, uma vez que as distâncias podem ser ultrapassadas em grande velocidade, principalmente com o avanço indiscriminado dos meios eletrônicos. Podemos nos comunicar perfeitamente e em tempo real com alguém que está em outro continente assim como tomarmos ciência de tudo o que acontece no mundo, por exemplo. A vida pós-moderna é
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comparada a um jogo cujas regras não param de mudar, sendo necessário cuidado para não serem assumidos compromissos a longo prazo. Para tanto é preciso que cada partida jogada não se estenda a ponto de levar o sujeito a se fixar. Conforme o autor, este deverá
Cortar o presente nas duas extremidades, separar o presente da história. Abolir o tempo em qualquer outra forma que não a de um ajuntamento solto, ou uma sequência arbitrária, de momentos presentes: aplanar o fluxo do tempo num presente contínuo (BAUMAN, 1998, p. 113).
Ao tomarmos consciência de certas peculiaridades do mundo contemporâneo, faz-se necessário refletir a respeito das interferências sofridas pela família e pela escola. Buscando a compreensão das mudanças que sofreram em sua estrutura será possível legitimar a relevância de revermos as ações de seus principais agentes – pais e professores. Assim sendo, nos próximos tópicos serão destacados alguns aspectos de cada uma dessas instituições e a relação que estabelecem.
1.1.2 A família pós-moderna
O conceito de família vem sendo abordado em diversos estudos que procuram enfatizar a necessidade de serem consideradas suas transformações deixando de legitimar somente uma única estrutura como ideal. Para Xavier Filha (2007) essa instituição precisa ser compreendida como parte da construção social e histórica, sendo descartada a ideia de que deve seguir um modelo atribuído como correto. Em concordância com tal informação, Oliveira (2002) afirma que esta não pode ser considerada como imutável e inflexível. Ainda em relação às modificações sofridas ao longo dos tempos, Hintz (2001) defende que a instituição familiar vem passando por inúmeras alterações em função das mudanças que acontecem em seu contexto sócio-cultural e, por ser flexível, “tem se adaptado às mais diversas formas de influências, tanto sociais e culturais como psicológicas e biológicas, em diferentes épocas e lugares” (p.9). No mesmo sentido, Roudinesco (2003) adverte que não basta definir a família somente do ponto de vista antropológico, sendo necessário compreender sua história e como ocorreram “as mudanças que caracterizam a desordem de que parece atingida na atualidade” (p. 17). Para a autora três períodos distintos podem ser reconhecidos na evolução da estrutura familiar: o “tradicional”, o “moderno” e o “contemporâneo”. No primeiro, sendo o mais tradicional, a
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família assumia a função de transmitir o patrimônio, sendo caracterizada pelos casamentos arranjados e pela submissão a uma autoridade patriarcal. Na modernidade, essa instituição sofre grandes transformações, passando a se fundamentar no amor romântico havendo a divisão de trabalho entre os cônjuges. Nessa fase, a responsabilidade pela educação é dividida com o Estado. Por último, por volta dos anos 60, o período da família contemporânea ou pós-moderna, em que os casais estabelecem relações mais íntimas em busca de realização sexual cuja duração é relativa. A autoridade torna-se problemática devido ao crescente número de divórcios e recomposições conjugais. Por essa razão, não é possível legitimar a família nuclear burguesa (pai, mãe e filhos) como correta, pois as modificações sociais e culturais que sofreram eram constantes. Atualmente, o que se encontra é uma diversidade de configurações, como as famílias monoparentais, as reconstituídas ou recompostas, aquelas com filhos adotivos, as produzidas artificialmente, as homossexuais, as intergeracionais (pai, mãe, avós e bisavós) entre outras. Como poderíamos, portanto, caracterizar a família contemporânea? Como é essa instituição? Por quem é composta e qual a origem de seus integrantes? Nas palavras de Sayão e Aquino (2006), a família pode ser definida como
o grupo de pessoas associadas por relações de consanguinidade ou aliança, as quais podem viver sob o mesmo teto, ou não. Trata-se tanto da sucessão de indivíduos vivos num determinado momento que mantêm entre si tais relações, quanto do conjunto de entes que têm uma ancestralidade comum, incluindo aqueles que a ela se agregaram, seja de modo perpétuo ou temporário. Mais recentemente, tem designado o grupo de parentes – sobretudo pai, mãe e filhos – constituído por laços de casamento ou filiação ou, excepcionalmente, adoção. Em sentido genérico, refere-se à soma de pessoas unidas por características, convicções ou interesses semelhantes, o que acaba gerando, em cada um de seus integrantes, o sentimento de pertença àquele grupo exclusivo (p.9).
Partindo da definição anterior, parece ficar clara a relevância de compreendermos que a sociedade contemporânea é composta por diferentes configurações familiares, não podendo persistir a crença de que a família nuclear é a adequada. Sua estrutura diversificada e o fato de estar inserida em outros tempos, não anulam seu lugar de proteção, de socialização e do estabelecimento de vínculos (HINTZ, 2001). Considera-se que, em primeiro lugar, se torna necessário legitimar essa diversidade diagnosticada na estrutura das famílias e, em segundo,
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reconhecer as características desses vários grupos e a interferência produzida na educação contemporânea. Perez (2009) afirma que com frequência é evidenciado que o grupo familiar está em crise e que há o risco da extinção dessa instituição social. Todavia, discorda dessas suposições e defende que tratam de mudanças na estrutura e nos papéis dos membros de seu grupo em decorrência das alterações sociais, o que acaba favorecendo a existência de diversas modalidades de educação familiar, negando a construção de um modelo único e correto. Conforme a autora, “a idealização de um modelo ideal de família fortalece o discurso preconceituoso que desqualifica os grupos que não apresentam a constituição familiar nuclear” (p. 2). Mesmo passando por transformações, a família permanece desempenhando o papel de instituição socializadora, motivo pelo qual estudos (TURIEL, 1989; MORENO e CUBERO, 1995; REPPOLD, PACHECO e HUTZ, 2005; VICENTIN, 2009) esclarecem que o tipo de educação oferecida tem influência no desenvolvimento das crianças e dos adolescentes, como descreveremos a seguir. Segundo Moreno e Cubero (1995) existem pais que apresentam uma postura bastante rígida e controladora, procurando sempre exigir o máximo possível de seus filhos. Considerada uma educação “autoritária” provém de adultos geralmente pouco afetuosos ou comunicativos, que utilizam de ações rígidas. A obediência às regras estabelecidas pela autoridade é valorizada ao extremo sem qualquer preocupação em explicar as normas para que os filhos compreendam sua necessidade. Diante da transgressão de alguma regra imposta, esses pais se valem de ameaças e castigos para restabelecer a ordem. Um ambiente familiar que se caracterize pelo excesso do autoritarismo pode levar os educandos a se tornarem indivíduos obedientes e organizados, porém com alto grau de timidez, de conformismo e de baixa auto-estima. Podem ser pessoas com dificuldades para emitir opiniões, argumentar, tomar decisões, resolver seus conflitos de forma satisfatória para todos, expor e discutir seus sentimentos, demonstrando baixo índice de habilidade social. Levados a obedecer sem entender as justificativas para as normas que lhes são impostas, tendem a orientar suas ações de modo a receberem gratificações ou evitarem castigos. Outro tipo de educação constatado por essas duas autoras é a “permissiva”, em que se valorizam as demonstrações de afeto, o diálogo, porém o estabelecimento de regras e limites é bem restrito. Com receio de desagradar e entristecer os filhos, os pais acabam por ceder aos seus
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apelos e pedidos. Dessa maneira, as crianças e os adolescentes têm liberdade para fazer o que querem, o que dificulta que os adultos exerçam o controle sobre eles. Com frequência, participam das decisões que envolvem a família não sendo cobrados para assumir qualquer responsabilidade. A permissividade pode levar a resultados tão preocupantes quantos os citados anteriormente. É fato que os filhos são mais alegres e dispostos devido à falta de limites; entretanto, tendem a apresentar comportamentos impulsivos, a ser mais imaturos com baixos níveis de auto-estima. Existem ainda as famílias consideradas “negligentes”. Segundo Reppold, Pacheco e Hutz (2005) são constituídas por pais pouco afetuosos, mais centrados em seus próprios interesses e necessidades, geralmente com adultos pouco exigentes, que quase não impõem regras ou limites, além de ter um convívio familiar restrito. Tal forma de educação pode levar os filhos a se tornarem vulneráveis ao uso de drogas, a realizarem atos infracionais e a comportamento sexual promíscuo. Tendem a ser indivíduos com dificuldades escolares e sociais, apresentando altos níveis de agressividade. O quarto tipo de educação a que se referem é a “elucidativa” em que os adultos não deixam de ser a autoridade, porém são participativos, mantendo relações mais equilibradas e respeitosas com seus filhos, procurando compreender suas necessidades e opiniões. Quando ocorrem situações conflituosas, dão oportunidade para pensarem no problema e incentivam a busca por condutas melhores que não acarretem prejuízos a si mesmos nem aos outros. Sendo necessário impor uma regra ou limite, procuram deixar claro qual a necessidade para o bem-estar de todos. Comparada às anteriores, essa forma de educar promove resultados bem mais positivos, pois favorece que o indivíduo desenvolva a autoestima e o autocontrole, além de construir os valores sociais necessários para guiar suas ações. Os limites e as regras são respeitados, pois têm os filhos a oportunidade de validar a necessidade desses parâmetros, não sendo obedecidos somente por serem imposições feitas por autoridades (TURIEL, 1989). Vale ressaltar que nas relações familiares pode haver a predominância de uma ou outra maneira de educar, sendo possível em determinadas ocasiões a presença de variadas posturas por parte dos responsáveis, assim como é possível que um agente adote comportamentos de modelos diversos, podendo haver divergências de conduta, por exemplo, quando a mãe é mais permissiva e o pai é mais autoritário. Para Vicentin (2009):
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A família, como agente inicial de interação afetiva e social infantil, seguida posteriormente pelo espaço escolar, tem influência fundamental no desenvolvimento psicológico da pessoa. Tal influência não ficará restrita à infância, mas, como espaço inicial de formação de estruturas emocionais, repercutirá na adolescência e durante a vida adulta, dependendo da oportunidade de reestruturação das estruturas iniciais. Dessa forma, parece incontestável que comportamentos saudáveis dos pais, da mesma forma que os não saudáveis, repercutirão de alguma forma no desenvolvimento psicológico dos filhos (p. 82)
Em estudo realizado a respeito da obediência, Caetano (2005) constatou que se trata de um conceito que não é explícito na relação entre pais e filhos. Verificou que nem sempre os pais têm clareza quanto aos objetivos de educar, apresentando insegurança na escolha das atitudes. Acabam por usar de intervenções mesmo sem lhes conferir credibilidade e reconhecer sua eficácia. Sayão e Aquino (2006) consideram que o “Aquiles da contemporaneidade 3” é que os pais querem ser “amigos” dos filhos comprometendo o papel de autoridade. Segundo esses autores, os adultos querem evitar qualquer tipo de sofrimento ou frustração dos filhos e acabam confundindo sofrimentos naturais que fazem parte da vida com traumas psicológicos, o que tem provocado a dependência extrema. Anseiam a autonomia de seus filhos, porém desconhecem a necessidade de que é preciso passar primeiro pela heteronomia, que exige inicialmente a presença da autoridade do adulto, assunto que aprofundaremos no próximo capítulo quando será abordado o desenvolvimento da moralidade infantil. Ideia análoga é encontrada em Savater (2005) ao se referir à antipatia e à desconfiança por parte dos pais em exercerem sua autoridade na relação familiar, o que chamou de “eclipse da família”. O autor acredita que os adultos das famílias contemporâneas deixam de realizar intervenções necessárias para a promoção da conscientização moral e social dos filhos. Com a intenção de não se tornarem autoritários e conquistarem “amizade” e “confiança” das crianças, acabam por deixar a tarefa de educar para outras instituições públicas, como a escola. Todavia, a autoridade na família serve para auxiliar seus membros mais jovens a crescer e se preparar para a
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A expressão “calcanhar de Aquiles” indica a principal fraqueza de alguém, teve origem na história de um heroi da mitologia grega que participou da Guerra de Troia, sendo o melhor e o mais belo guerreiro de Ilíade. Aquiles era considerado invulnerável em todo o seu corpo, exceto em seu calcanhar. Segundo o mito, sua morte teria sido causada por uma flechada envenenada que o atingira exatamente nesta parte do corpo. http://pt.wikipedia.org/wiki/Aquiles Acesso em 30 de set. de 2010.
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vida. Torna-se, pois, indispensável que os pais assumam o papel de “adultos”, ou seja, a pessoa madura da relação. Nas palavras do autor:
É preciso compreender que o desaparecimento de toda forma de autoridade na família não predispõe à liberdade responsável, mas a uma forma de frágil insegurança que com os anos se refugia em formas coletivas de autoritarismo (SAVATER, 2005, p. 69)
Martins Filho (2007) destaca que um dos aspectos característicos dos tempos atuais é a “terceirização” das crianças, fator que poder estar intimamente atrelado aos problemas vividos pelas autoridades familiares. Pode ser compreendida como a transferência das funções paternas e maternas para outras pessoas. Seja nas classes sociais mais favorecidas ou nas de nível econômico mais baixo, pode-se constatar tal acontecimento, uma vez que, em ambas, as mães saem para trabalhar a fim de complementar a renda familiar, sendo muitas vezes a única fonte de sustento da casa. A princípio, geralmente os cuidados são delegados às avós ou às babás, sendo posteriormente transferidos para as escolas, como discutiremos mais adiante. O autor afirma ainda que “ser mãe ou pai hoje é uma tarefa igual à do passado, acrescida dos problemas que a modernidade trouxe” (idem, p. 98). Mas, quais seriam essas dificuldades? É preciso considerar que a terceirização dos filhos pode estar associada a certos aspectos socioeconômicos ou psicológicos presentes no mundo moderno. Entre esses, pode-se constatar a baixa renda familiar que leva ao aumento de trabalho para compensar as despesas e a falta de preparo e de conhecimento a respeito de desenvolvimento infantil. Outro problema relevante da sociedade contemporânea a que se refere é a falta de tempo dos familiares. Cita como exemplo uma pesquisa realizada na Inglaterra mostrando que os pais desfrutam, em média, apenas seis minutos com seus filhos de forma proveitosa, oportunizando a troca de estímulos e a verdadeira interação. Martins Filho conclui que:
O mundo moderno leva muitas pessoas a sonhos tão altos, a exigências tão grandes de crescimento econômico, de conhecimento, de estudos que, parece não estar sobrando tempo para viver, criar filhos, ser feliz com as coisas simples da existência (MARTINS FILHO, 2007, p. 56).
A crise vivida pela autoridade promove uma série de dificuldades por parte dos pais que, geralmente não sabem como lidar com seus filhos diante das inúmeras situações conflituosas que
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surgem diariamente. Vinha, Basseto, Vicentin e Ferrari (2009) realizaram um estudo a fim de investigar os procedimentos mais utilizados nos programas S.O.S. Babá e Supernanny4 para favorecer a melhoria das relações familiares e as possíveis implicações para o desenvolvimento das crianças. A partir da observação e da análise de 12 episódios dos programas citados anteriormente, destacaram os cinco procedimentos mais utilizados pelas babás, que são: a introdução de regras para a família, o ensino de estratégias para expressarem seus sentimentos, a implantação de novas rotinas das atividades familiares, o uso de sanções quando as crianças desobedecem e de recompensas quando apresentam bom comportamento. Constataram que muitos pais, sentindo-se despreparados e desorientados para desempenhar o papel de educadores, recorrem ao auxílio desses programas para lidar com as dificuldades encontradas na tarefa de educar. Por outro lado, é preciso considerar algumas questões importantes. Esses programas selecionam famílias com extrema dificuldade, razão pela qual não podemos generalizar como a realidade de todos os lares. Outro fator é que essa instituição passa por um momento de transição, assim como a sociedade em que está inserida. La Taille (1998) afirma que os pais de hoje em dia, por não terem certeza de que caminhos podem levar à felicidade dos filhos, colocam menos limites. No entanto, tal fato pode ser visto por duas perspectivas: prova de humildade, uma vez que não sabem o melhor caminho, ou como descompromisso. Para o autor:
O dilema está justamente em: Como dar liberdade aos filhos, aos alunos, sem ser ausente? Como poupá-los de incessantes limitações sem abandonar o papel de adulto, de guia? Como colocar limites sem ser castrador e injusto? Tais são as traduções de uma das grandes perguntas educacionais de nossos tempos; e as hesitações a respeito das respostas podem ser mais uma prova de seriedade do que fraqueza; ou então mais uma demonstração de deserção do que de liberalidade. É tão fácil nutrir-se de velhas ou novas certezas e decidir, sem nuanças, colocar severamente inúmeros limites ou, pelo contrário, abdicar de vez desse papel (LA TAILLE, 1998, p. 65).
Reconhecidos aspectos sobre a família contemporânea, no próximo tópico abordaremos a outra instituição responsável pela educação das crianças e dos adolescentes: a escola.
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“Programas que tendem a ensinar aos pais e a outros telespectadores formas de agir diante de situações que fazem parte do cotidiano familiar. Os pais são orientados a exercer sua autoridade, de forma a conseguir a obediência dos filhos e a melhoria nas relações familiares.” (VINHA, BASSETO, VICENTIN e FERRARI, 2009, p. 164)
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1.1.3 A escola pós-moderna
Diante do cenário apresentado a respeito das famílias contemporâneas, faz-se necessário reconhecermos também como se encontra a atual situação da instituição escolar que, assim como a família, vem sofrendo transformações no decorrer do tempo. Alguns autores (ALVES, 2008; CRUZ, 2007; SANTOS, 2007; CARVALHO, MARTIN e PAULA, 2007) enfatizam a relevância de se considerar que o modelo familiar nuclear burguês idealizado como único e correto pela escola não é mais predominante, havendo a necessidade de lidar com a realidade das demais configurações existentes no mundo pós-moderno. “Faz-se importante que a escola encare e perceba as transformações da realidade social e replaneje as suas ações a partir dessa constatação, readaptando suas ações às novas formações familiares” (CARVALHO, MARTIN e PAULA, 2007, p. 1076). Um dos aspectos presente nos discursos dominantes daqueles que se preocupavam com a infância no final do século XIV era o de que a criança deveria ser educada em outro espaço que não fosse o familiar, sendo delegada à instituição escolar parte da tarefa de educar (XAVIER FILHA, 2007). É fato que as escolas fazem parte do contexto social passando por transformações constantes em relação ao papel que assumem na educação das crianças e jovens. Para alguns autores (JUSTO, 2006; GOMES e CASAGRANDE, 2002), atualmente essa instituição está inserida numa crise devido às mudanças originadas na sociedade pós-moderna, passando a absorver as funções de diversas outras instituições, inclusive da família. Conforme Justo:
Quando olhamos para o cenário mais geral do funcionamento da sociedade contemporânea e focamos o perfil das instituições existentes ou daquelas novas que estão nascendo, verificamos que a escola, na verdade, está no epicentro de uma crise institucional provocada por uma mudança profunda na lógica do capitalismo atual e da cultura que o acompanha. (JUSTO, 2006, p. 29)
Gomes e Casagrande (2002) afirmam que a pós-modernidade pode ser entendida como uma crise que vem desencadeando uma alteração nos paradigmas de compreensão do ser humano em seus diversos aspectos. Tal realidade corrobora a que vive a educação, pois se constata o predomínio da racionalidade técnica na maioria das escolas, não atendendo às necessidades para a formação dos jovens da cultura pós-moderna. Segundo as autoras, estudos têm procurado mostrar a origem dos conflitos vividos pela instituição escolar. De um lado, encontram-se os
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alunos reclamando que são desrespeitados e as escolas são muito autoritárias, do outro, os professores dizendo que os estudantes não têm limites e vêm para as aulas somente com a intenção de encontrar os amigos. Concluem ser possível perceber que “os jovens têm uma experiência escolar limitada, sentem que não pertencem àquele ambiente e, por isso, a escola deixa de ser um local onde eles podem se expressar e ser o que são” (p.699). Acreditam que esses desencontros entre professores e alunos são decorrentes de dois aspectos: o primeiro diz respeito a questões relacionadas à influência da sociedade atual em que as relações sociais se fragmentam; e o segundo, é fruto da própria escola que, por ser hierarquizada e rígida, apresenta sua estrutura pautada em mecanismos que favorecem a exclusão. Mas, quais as características dos jovens atualmente? Em estudo realizado com mais de cinco mil alunos entre 14 e 18 anos de escolas particulares e públicas da Grande São Paulo, La Taille (2006) buscou comprovar a existência de um mal-estar nos jovens e compreender as possíveis causas. Segundo o perfil traçado, o jovem pode ser considerado otimista em relação tanto ao seu progresso pessoal como o da sociedade em que está inserido. Atribui mais confiança a seus pais e amigos, considerando seus valores mais influenciados por aqueles que fazem parte de seu âmbito privado. Vê o espaço público como ameaçador, desconfiando das instituições públicas e de seus representantes. Entretanto, sendo a escola responsável pela transição entre o privado e o público, os jovens confiam nos professores e na relevância de seu papel social, uma vez que é na escola que podem aprender conteúdos importantes para enfrentar os problemas sociais. Entre outros aspectos, constata o desejo que têm de serem tratados com justiça e ter uma boa vida. Segundo o autor, tanto o progresso social quanto a realização de uma boa vida dependem das esferas públicas e dos membros da sociedade em geral, o que permite constatar certo mal-estar em nossos jovens (LA TAILLE, 2006). Parece-nos que em vez de transformar-se para atender à necessidade dos jovens da atualidade, a escola atribui ao novo perfil de sua clientela, como uma das causas de suas dificuldades em realizar seu papel. Todavia, mesmo vivendo muitas dificuldades e sofrendo com certa falta de recursos, a escola ainda é preservada e valorizada, sendo vista como indispensável para a transmissão cultural e para o crescimento intelectual. Por pior que possa parecer sua situação, é considerada fundamental para o desenvolvimento dos indivíduos e da sociedade como um todo. Para Santos (2007) as mudanças vividas pela sociedade trouxeram momentos de grande instabilidade para a instituição escolar. No entanto, concorda que a nova organização do mundo
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contemporâneo promove a necessidade de repensar o papel que a instituição assume nesse novo contexto. Além disso, a escola pós-moderna encontra obstáculos para lidar com as exigências do sujeito contemporâneo que se organiza num tempo ampliado pelos inúmeros recursos, enquanto que a escola permanece com sua constituição fincada num tempo e num espaço fechados. Conforme Justo (2006) o fato de estarmos numa era do instantâneo e do superficial, o plano intelectual também é influenciado não dando abertura para uma formação rígida, profunda, sólida e consistente.
Além de operar num tempo constituído por uma lógica de segmentação e cadenciamento da velocidade – totalmente defasados do tempo contínuo e veloz da contemporaneidade -, a escola ainda opera em espaços fechados também destoando da lógica de ruptura de fronteiras e da colocação do sujeito em espaços abertos, típica da sociedade globalizada (p. 40).
É fato que a escola precisa urgentemente rever sua organização e o trabalho que desenvolve considerando também as características, a complexidade e as necessidades da sociedade contemporânea. Reconhecendo o momento histórico em que se inserem a família e a escola, assim como as transformações que vêm sofrendo, torna-se necessário ressignificar a relação que estabelecem. Para Oliveira (2002) não se pode desconsiderar que por serem produções humanas que se articulam e (re)articulam numa complexa teia de formações sociais, a educação e todas as instituições a ela ligadas são sempre foco de conflito, ambiguidade, contradição e equívocos. Sendo assim, a escola e a família constituem-se como duas instituições de socialização em que sua interdependência e a de seus agentes socializadores podem ser vistas como uma relação entre aliados ou adversários (SETTON, 2002). O papel de seus representantes será fundamental para que um confie no outro buscando ações conjuntas que favoreçam verdadeiramente o ideal de parceria. Entretanto, é preciso cautela para que não transformem sua relação em trocas de queixas em que se buscam culpados em vez de soluções. Considerando que cada uma desempenha um papel importante no desenvolvimento dos educandos, apresentaremos a seguir algumas pesquisas visando refletir a respeito do papel que desempenham, dos laços que estabelecem e da importância da comunicação realizada entre ambas.
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1.2 ESCOLA-FAMÍLIA: DISCUTINDO ALGUNS FATORES DESTA RELAÇÃO
Nos primeiros anos da década de 70, surgiram discussões que atribuíram como uma das causas do fracasso escolar o grupo cultural ao qual a criança pertencia, mais especificamente às dificuldades de um acompanhamento de qualidade por parte de seus familiares (PATTO, 19931997; PEREZ, 2000; SAYÃO e AQUINO, 2006). Para muitos professores e diretores, a não participação das famílias de forma propícia na vida de seus filhos se deve ao fato de serem “desestruturadas” e “desinteressadas”. A “falta de organização” em seus lares passou a ser compreendida como um dos fatores que levam ao baixo rendimento dos alunos. No entanto, outros estudos destacam que problemas como a repetência e a evasão são fruto de um sistema educacional que vem falhando em atender às verdadeiras necessidades dos estudantes (CAVALCANTE, 1998; CHECHIA e ANDRADE, 2005). A ineficácia do trabalho acadêmico acaba sendo em parte transferida para os responsáveis em casa, desviando o olhar das causas principais que necessitam de melhoria para a qualidade do ensino. Acredita-se, portanto, que a escola deverá ter definido de maneira muito clara qual o seu papel e, sem dúvida, reconhecer o da família, pois somente assim haverá a possibilidade de que se estabeleça uma verdadeira parceria no lugar da transferência de responsabilidades. Não há como a primeira sustentar seu trabalho pedagógico em crenças como a constante crítica de que os pais dos alunos que fracassam, ou seja, aqueles que não atingem o mínimo dos resultados esperados são os que têm seus familiares ausentes. Tal ideia é questionada, pois alguns estudos sobre as representações dos pais (RIBEIRO e ANDRADE, 2006; CARVALHO, MARTIN e PAULA, 2007) apontam que estes valorizam a instituição escolar, muitas vezes sentindo dificuldade em se posicionar de forma crítica. A queixa a respeito da não participação dos responsáveis é constante devido à dificuldade que a escola vem encontrando na realização de seu papel. Parece não ser realizada uma reflexão mais ampla e isenta no sentido de identificar o que efetivamente afugenta os pais e sobre a relevância de revisar as expectativas em relação à atuação da família, revendo o que cabe a cada instituição. São frequentes também as reclamações dos professores de que a falta de limites e a desorganização nos lares dos alunos contribuem para os inúmeros problemas de indisciplina que invadem a rotina escolar. Rego (1996) esclarece que a escola não pode eximir-se, entre outras coisas, de sua tarefa educativa no que diz respeito à disciplina. Para a autora:
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Podemos inferir que mesmo as crianças provenientes de „lares comprometidos‟, cujo ambiente familiar é desprovido de adequados estímulos e orientação, terão condições de superar estas adversidades caso tenham a oportunidade de vivenciar, em outros contextos educativos, um modelo diferente de educação (p. 98-99).
É fato que quando a escola propicia um ambiente diferente do familiar, com outros tipos de interações sociais e com o conhecimento, além disso, tem um papel relevante na formação do estudante, o que não envolve a compensação de suas carências domésticas. Muito pelo contrário, a instituição de ensino precisa oferecer oportunidades para que ele tenha acesso a informações e experiências diferenciadas. As vivências num ambiente estimulador devem ser capazes de provocar desequilíbrios e desencadear o desenvolvimento global e, como um dos resultados, promovendo o comportamento. Dessa forma, Rego (1996) conclui que
mais do que esperar a transformação das famílias ou de lamentar os traços comportamentais que cada aluno apresenta ao ingressar na escola, é necessário que os educadores concebam estes antecedentes como ponto de partida e, principalmente, façam uma análise profunda e consequente dos fatores responsáveis pela ocorrência da indisciplina na sala de aula (p. 100).
Ribeiro e Andrade (2006), com o intuito de levantar as percepções dos pais sobre a escola, os professores e o significado da educação formal, procuraram verificar as semelhanças e diferenças entre as representações destes e suas vivências no espaço escolar. A coleta de dados se deu por meio de observação participante e entrevistas semiestruturadas com 22 pais de alunos da 3ª e 4ª séries do Ensino Fundamental de uma escola pública do interior paulista. O roteiro para esses encontros organizou-se em duas partes: na primeira, abordaram-se temas a fim de contextualizar a família do aluno, e na segunda, apresentaram-se três cartões temáticos para que os sujeitos falassem livremente sobre o tema, enquanto palavras-chave eram anotadas pelo entrevistador. Em seguida, solicitou-se que verbalizassem detalhadamente sobre esses vocábulos. Eles foram submetidos à análise de seu conteúdo, sendo classificados em três categorias: a primeira sobre a escola, a segunda sobre a família e a terceira sobre a relação entre as duas instituições. Os dados encontrados nessa última foram organizados em cinco subcategorias: o valor da aquisição do conhecimento, reunião de pais, auxílio nas tarefas, disciplina e participação dos familiares na escola.
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Os resultados encontrados demonstraram que os pais consideram o conhecimento propagado pela escola como superior ao que possuem, o que os leva, na maioria das vezes, a se colocarem de forma submissa e não questionadora. Muitos acabam legitimando a crença dos professores de que o fracasso escolar é consequência da dificuldade de seus filhos e deles mesmos, uma vez que se sentem despreparados para ajudar. A escola acaba por assumir uma relação de poder, demonstrando certa dificuldade em conseguir estabelecer uma aliança eficaz com a família. A partir da análise realizada, as autoras concluíram que:
A fórmula família-escola, da maneira como vem sendo vivida na realidade, acaba perpetuando a dinâmica de exclusão por parte das camadas populares da escola pública, ainda que este mecanismo ocorra, atualmente, de forma mais sutil. Além disso, a assimetria na relação família-escola é ao mesmo tempo negada, mas também utilizada na manutenção das relações tais como estão acontecendo na realidade institucional (RIBEIRO e ANDRADE, 2006, p. 393).
Pode-se afirmar que, com o passar do tempo, houve a veiculação de um padrão de exigências escolares oriundas das instituições privadas, que ampliadas ao ensino público deixaram de considerar as diferenças econômicas, sociais e culturais que os alunos trazem ao ingressar na escola. Parece não haver reflexões acerca de se outro contexto familiar poderia atender às mesmas solicitações. Os resultados podem ser traduzidos em vantagens ou desvantagens entre os variados grupos sociais. Como consequência, essa política poderá:
acentuar as desigualdades de aprendizagem e resultados escolares, culpando perversamente os pais e as mães pelo fracasso escolar. Ao mesmo tempo, ao sobrepor o currículo escolar às práticas educativas domésticas e ao privilegiar um estilo particular de exercício da paternidade e da maternidade, poderá enfraquecer a autonomia da família e a liberdade dos pais e mães (CARVALHO, 2000, p. 150).
Dessa forma, não raro os educadores transferem em suas práticas pedagógicas uma visão idealizada a partir dos padrões sociais das classes mais privilegiadas, dificultando e até mesmo impossibilitando o sucesso escolar dos sujeitos de outras menos favorecidas. Segundo Perez (2009), essa é uma questão que demonstra a inabilidade dos agentes escolares em enfrentar a diversidade sociocultural dos alunos, utilizando como mecanismo de defesa a justificativa de o fracasso escolar ser ocasionado pelo próprio estudante ou por seus familiares. Segundo a autora, essa é uma posição ingênua e limitada uma vez que não leva à análise crítica e abrangente do
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contexto, desconsiderando outros fatores que constituem a educação num dado momento social e cultural de uma determinada sociedade. Tal preocupação com a imposição dos costumes e de cobranças sociais pautadas nos hábitos e costumes das classes vigentes em relação às demais foi alvo dos estudos de Bourdieu (1996) e Bourdieu e Passeron (1975), cujas reflexões se voltaram ao papel da escola nesse processo de reprodução social. A ideia da escolarização gratuita foi vista durante bastante tempo como meio de todo cidadão ter acesso à educação garantindo a igualdade de oportunidades. No entanto, enfrentou uma crise nos anos 60 devido a dois fatores: primeiro, porque pesquisas da época divulgaram o peso da origem social do sujeito em seu destino escolar e segundo que a massificação do ensino originou a desvalorização dos títulos escolares, frustrando as expectativas de mobilidade social daqueles que pertenciam aos grupos sociais menos privilegiados. Nesse sentido, a educação
Perde o papel que lhe fora atribuído de instância transformadora e democratizadora das sociedades e passa a ser vista como uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam os privilégios sociais. Trata-se, portanto, de uma inversão total de perspectiva (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002, p. 17).
Apesar de seu papel ser visto como neutro na divisão de classes sociais, constata-se que a escola trata a todos com certa igualdade, sem respeitar suas diferenças econômicas e culturais. Por meio de seu trabalho pedagógico, acaba reforçando essas divergências, ou seja, favorece mais os que já eram favorecidos e desfavorece aqueles que procedem de meios desfavorecidos. Desse modo, acaba promovendo as desigualdades sociais uma vez que “Tratando formalmente de modo igual, em direitos e deveres, quem é diferente, a escola privilegiaria, dissimuladamente, quem por sua bagagem familiar, já é privilegiado” (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2002, p. 29). É possível constatar o exercício dessa diferenciação na própria prática dos professores, uma vez que esses reproduzem e cobram dos alunos em suas aulas o que julgam ideal. Tendo como parâmetro sua realidade de vida, acentuam as dificuldades daqueles alunos e famílias que, na maioria das vezes, provêm de realidades muito diferentes da que estão inseridos. Sendo assim, os valores e os hábitos que caracterizam o grupo social dos professores geralmente acabam sendo considerados como padrão. No cotidiano escolar, esses passam a ser exigidos das crianças e dos adolescentes, o que demonstra a desconsideração e a desvalorização da realidade dos estudantes e
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de seus familiares em relação às expectativas dos educadores. Portanto, a escola legitima e promove os interesses das classes privilegiadas uma vez que
Numa formação social determinada, o TP (trabalho pedagógico) pelo qual se realiza a AP (ação pedagógica) dominante tem sempre uma função de manter a ordem, isto é, de reprodução da estrutura das relações de força entre os grupos ou as classes, na medida em que tende, seja pela inculcação, seja pela exclusão, a impor aos membros dos grupos ou classes dominados o reconhecimento da legitimidade da cultura dominante (BOURDIEU e PASSERON, 1975, p. 52).
É notória a relevância de uma verdadeira interdependência entre essas duas instituições que fazem parte do sistema educativo e dividem a responsabilidade pelas crianças e adolescentes. Entretanto, como discutido, há que se considerar o meio social de origem do estudante e de seus familiares. Independentemente desse fator, pode-se afirmar que tão importante quanto reconhecer a relação entre a escola e a família, é necessária a compreensão do papel que cada uma assume na educação de um indivíduo, para que com isso seja possível diminuir as confusões que vêm sendo geradas devido à dificuldade em delimitar suas tarefas. Além disso, não se pode deixar de considerar as mudanças que elas sofreram e vêm sofrendo com o passar do tempo. Conforme explica Justo (2006) “apesar de terem funções e tarefas diferentes e específicas, todas essas instituições foram criadas e remodeladas na modernidade sob uma mesma lógica ou sob um mesmo princípio de organização da sociedade” (p. 28). Para tanto, antes de pensarmos a respeito da parceria entre ambas, trataremos de especificar o papel que cada uma desempenha. Para Savater (2005), é por meio da família, ou pelo menos deveria ser, que a criança aprende atitudes fundamentais que pouco a pouco a fazem diferenciar o que é bom ou ruim, de acordo com a comunidade em que está inserida. Pode-se dizer que essa socialização primária transforma o indivíduo em um integrante de acordo com o padrão exigido pela sociedade. É no âmbito familiar que será vivenciado o espaço privado, em que as relações são assimétricas e os papéis se conservam, ou seja, a mãe nunca deixará de ser a mãe, o pai idem e assim por diante. A educação informal, portanto, começa desde que o indivíduo nasce e aos poucos se relaciona com aqueles com os quais convive em casa. De fato, as ações familiares são indispensáveis no início da vida, mas não suficientes, pois se torna imprescindível a interação com outras instituições, principalmente a escola, para promover o envolvimento neste novo mundo – o público. Essa outra instituição, formalmente
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responsável pela educação em nossa sociedade, vai contribuir para a passagem do espaço privado para o público (no sentido de coletivo), favorecendo o desenvolvimento da vivência de grupo, de que as atitudes de uns interferem nas relações, podendo causar rupturas e reorganizações, da cooperação. Por meio dessa socialização secundária, que consiste no ensino dos conhecimentos e dos valores culturais, as crianças e os jovens têm a oportunidade de aprender a democracia, de estabelecer relações com seus pares, de perceberem a necessidade das regras, de se preocuparem com o bem comum. Dessa forma, nota-se que, apesar de complementares, os papéis dessas instituições diferem e nem sempre os profissionais da escola refletem sobre esta questão, havendo com frequência terceirizações de problemas que ocorrem em seu espaço e que, mesmo tendo causas múltiplas, necessitariam ser também compreendidos como fenômenos pedagógicos a serem trabalhados pela própria instituição. Entretanto, há que se considerar que “se a socialização primária tiver se realizado de modo satisfatório, a socialização secundária será muito mais frutífera, pois terá uma base sólida sobre a qual assentar seus ensinamentos” (SAVATER, 2005, p. 58). Isso não quer dizer que se houver falha na primeira socialização, a segunda não terá êxito, argumento constantemente proferido por muitos educadores. Mesmo que a família não desempenhe esse papel, a escola precisa assumir as responsabilidades cabíveis ao seu trabalho, a fim de promover a educação das crianças e dos adolescentes em desenvolvimento. É necessário que cada um compreenda suas funções para que a relação seja saudável e produtiva, ao invés de despender energias com queixas e lamentos que visam somente identificar os culpados pelos fracassos na tarefa de educar, seja em casa ou na escola. Mas, o que se entende por parceria? Segundo Foerste (2005) discussões a respeito de sua origem levam à compreensão de que sua ideia foi retirada do processo produtivo rural, passando por adaptações significativas até ser posteriormente utilizada no campo da formação humana. Suas primeiras experiências na história da humanidade foram vivenciadas ainda no período feudal, servindo como meio de resolução de problemas sociais e econômicos que necessitavam da união de esforços de diferentes setores da sociedade. No Brasil, surge na segunda metade do século XIX durante a crise dos latifúndios. E na área educacional? Em 1993, na França, foi realizado um colóquio no qual era o tema central; porém, desconhece-se o fato de, se naquele tempo, já se usava o termo “parceria”. No entanto, apesar de ser uma prática de certa forma antiga, encontra-se dificuldade para chegar à conclusão de sua definição. Conforme o autor
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A parceria como é desenvolvida mais recentemente, num sentido bastante genérico, sempre envolve instituições e/ou indivíduos que se agregam de forma voluntária para desenvolver objetivos comuns, estabelecendo negociações coletivas com partilha de compromissos e responsabilidades entre si (FOERSTE, 2005, p. 70).
Tal ideia parece coerente com o ideal de parceria entre família e escola uma vez que devem almejar um mesmo objetivo: promover a educação e a socialização dos educandos. É necessário compreender a interdependência de seus agentes institucionais que devem integrar seus interesses em comum bem como respeitar o que é diferenciado ou específico a cada uma das partes envolvidas, pressupondo um exercício de reflexão constante. Todavia, a presença de uma parceria eficaz pode ser encontrada nos discursos e propostas das instituições de ensino de um modo geral, mas, na prática, tanto a família como a escola demonstram certa insatisfação de uma com relação à outra. Para Sayão e Aquino (2006), historicamente, essa ideia de parceria surge na década de 60, de forma construtiva, pois a escola convidava os pais a conhecer seu trabalho e a incentivar seus filhos a enfrentar os desafios da vida estudantil. Desse modo, havia uma aproximação por meio da convocação feita pela própria instituição de ensino e também pelo interesse dos familiares em participar ativamente. Nos anos 70, recebe o nome de parceria, pois devido à crise no conceito de autoridade, em que se constata a dificuldade de pais e professores na relação com os educandos, buscam unir-se com o objetivo de levar os mais novos à obediência das regras. Na década seguinte, houve uma considerável mudança nessa relação, uma vez que surgiram estudos que legitimavam o envolvimento dos pais na promoção da aprendizagem, o que gerava uma cobrança por parte da escola de que eles, em casa, contribuíssem com o trabalho escolar, passando a delegar-lhes parte de suas funções. Para os autores, essa ideia de parceria é definitivamente rompida nos anos 90, quando a família passa a ser responsabilizada pela indisciplina e pelo fracasso escolar dos estudantes. Constata-se que, com o passar do tempo, os familiares foram sendo envolvidos no processo de educação formal, ou pelo menos foram cobrados para que o fizessem. Atualmente, essa parceria, quando acontece, ainda é pautada nesses modelos de controle do aluno ou de responsabilização e terceirização dos problemas escolares para serem resolvidos em casa. Estudos registram a preocupação com o tema, mas para Cavalcante
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Mesmo com evidências positivas sobre os benefícios da colaboração entre escolas e pais, pouco se tem feito no meio educacional para que os familiares dos alunos se sintam como parte do processo educacional dos filhos (1998, p. 154).
Polonia e Dessen (2005) discutem o envolvimento dos familiares para que realmente se estabeleça uma relação entre as duas instituições em questão e alertam para o fato de que não há uma receita única que possa ser válida para qualquer realidade ou situação. Para as autoras, cada escola deve encontrar sua própria maneira de se relacionar, respeitando a realidade em que se inserem pais, alunos, professores e direção, para assim promover um espaço físico e psicológico que favoreça o envolvimento e o crescimento de todos os participantes desse processo. Acreditase, no entanto, que a escola precisa esclarecer, o máximo possível, quais os espaços legitimados para que possam estabelecer diálogos com as famílias a respeito do desenvolvimento de seus filhos. É fato que, apesar de serem instituições distintas, tendo cada uma seu papel específico, têm certas responsabilidades e objetivos em comum, como propiciar condições adequadas ao desenvolvimento infantil. Para tanto, devido à necessidade de serem vistas como forças complementares, considera-se que a comunicação estabelecida entre elas torna-se elemento básico para suprir suas necessidades satisfatoriamente (BHERING e BLATCHFORD, 1999). Em pesquisa realizada com mães de alunos da 4ª série de escolas estaduais de Belo Horizonte, verificaram o envolvimento dos pais e a relevância da comunicação como um instrumento que promove e facilita a relação entre essas duas instituições. As pesquisadoras constataram que, nos momentos de reunião ou nas mensagens escritas, na opinião das genitoras, dificilmente abordavase o desenvolvimento da criança e seu processo de aprendizagem, direcionando os temas a aspectos da rotina diária, ao uso de uniforme e materiais adequados ou ao cumprimento das regras. Além disso, destacou-se que o tempo destinado aos encontros individuais era restrito, não possibilitando que cada situação fosse discutida satisfatoriamente. Mesmo sabendo que as estratégias de comunicação, sejam as mensagens redigidas ou as formas de abordagem pessoal, alertam para a relevância de planejar como e quais informações serão transmitidas, principalmente compreendendo que deve ser usada uma linguagem acessível a fim de promover o envolvimento da família.
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A partir dos resultados encontrados por essas autoras, é possível questionarmos as constantes queixas dos professores de que os pais não se interessam pela vida escolar dos filhos. Quando as mães apontam para a falta de informações sobre o desenvolvimento ou fazem referência ao curto tempo de duração dos encontros com os professores, não parecem demonstrar desinteresse. É possível supor que realmente uma das causas que contribuem para seu afastamento da escola é a dificuldade que têm em conseguir estabelecer uma comunicação adequada. Em pesquisa realizada, Carvalho, Martin e Paula (2007) investigaram as concepções e as representações da família sobre o professor e a escola e vice-versa. Procuraram também identificar as implicações dessa representação mútua para o trabalho pedagógico. O estudo estava pautado nas ideias a respeito da relevância do envolvimento dos pais para o bom desempenho escolar e na necessidade de que os professores reconheçam as novas realidades sociais a fim de replanejar suas ações. Esse foi desenvolvido por meio de observação participante e entrevistas semiestruturadas com professores e pais/responsáveis por alunos de uma escola municipal localizada numa cidade do Vale do Paraíba. Os dados analisados apontaram que a relação entre seus agentes não vem facilitando o processo de ensino. Destacaram que um dos fatores que necessita melhorar para a promoção de uma relação mais eficiente entre ambas as instituições é a maneira de os professores se comunicarem com os pais. Durante algumas observações, constataram que a linguagem utilizada era de difícil compreensão. Muitos familiares demonstravam o desejo de participar mais de perto do cotidiano escolar, mas pareciam ficar desmotivados e sentindo-se incapazes. De alguma forma, muitos demonstraram disposição em auxiliar no trabalho escolar, porém, conforme alertam Bhering e Blatchford:
Sabemos que a grande maioria dos pais precisa de instruções sobre como, quando e o que fazer para colaborar nesse processo. Para isso, é preciso que a escola também faça a sua parte de maneira que a „divisão das responsabilidades‟ seja balanceada e justa, sem a negação das responsabilidades de cada um (1999, p. 197-198).
Paro (2007) discute a relevância de que para a escola funcionar de forma satisfatória é necessária a adesão de seus usuários, incluindo os familiares. Para o autor, ela tem falhado não só em seu papel pedagógico, mas também em não dar a devida importância ao que acontece com os estudantes no período em que se encontram fora de seu espaço. Defende o ideal de que essa questão, a respeito da participação, será alcançada a partir do momento em que a instituição de
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ensino adotar uma postura positiva em relação àqueles que usufruem de seus serviços, o que não acontece de uma hora para outra. “É um valor cultural que precisa ser permanentemente cultivado” (p. 16). Assim, quando demonstra preocupar-se com o fato de o aluno „querer aprender‟ deverá também estar atenta à continuidade entre a educação familiar e escolar. Em pesquisa-ação realizada em uma escola pública da rede municipal da periferia da grande São Paulo, Paro (2007) procurou estudar o papel dos pais ou responsáveis no desempenho escolar dos alunos do Ensino Fundamental, bem como as atribuições da escola na promoção de sua participação para a melhoria dos resultados alcançados pelos estudantes. Mesmo tendo considerado o tipo de ambiente escolar oferecido, o foco principal estava no papel desempenhado pelo professor. Buscou identificar suas representações sociais a respeito dos educandos e de suas famílias e a possível influência que causavam na prática pedagógica. Nesse sentido, um dos objetivos era estudar as formas organizacionais mais adequadas para a integração dos pais, de modo que promovesse a melhoria do ensino oferecido pela escola. Os dados revelaram a presença de uma crença unânime por parte dos professores, que julgavam indiscriminadamente que o sucesso escolar de seus alunos dependia antes de tudo da ajuda em casa. Além disso, esses acreditavam que a “desagregação” das famílias dificultava sua participação na vida escolar, o que parecia não ter comprovação, pois a própria pesquisa demonstrava uma realidade bem diferente, uma vez que contou com a presença e o envolvimento dos familiares. O estudo realizado destacou a importância de os educadores repensarem sobre o conceito de participação para favorecer o desempenho. Dito de outra maneira, é preciso refletir sobre o que se espera dos responsáveis, e principalmente retomar o papel de cada personagem nessa relação. Outra questão foi a de que muitos professores declararam não haver uma valorização do estudo por parte dos pais e que estes pouco faziam pelo desenvolvimento de seus filhos, principalmente pela vida atribulada que levavam. No entanto, constatou-se que grande parte se fazia presente para acompanhar as atividades e o aproveitamento em casa, mesmo quando não sabiam o que e como fazer. Conforme o autor, não adianta apenas solicitar a intervenção dos familiares, cabendo aos educadores orientá-los da melhor maneira possível a respeito do que pode ser feito em seus lares para contribuir com o desenvolvimento escolar dos filhos. Um aspecto preocupante apontado é que muitos professores consideram que manter a comunicação com os pais não faz parte de suas obrigações, pois deveriam preocupar-se com o
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preparo e desenvolvimento de suas aulas, não tendo que usar do tempo destinado à sua prática pedagógica para a realização de atividades como escrever bilhetes, por exemplo. No entanto, há profissionais que alegam redigir mensagens aos pais, pois somente desta forma os alunos passam a ficar mais atentos. Esses demonstram ter consciência de que tal mudança de postura acontece porque após a leitura dos bilhetes algumas providências são tomadas em casa, fazendo com que o aluno tente se comportar melhor ao retornar para a sala de aula. Entretanto, não reconhecem as possíveis implicações desse procedimento para o desenvolvimento do aluno. A preocupação a respeito da comunicação entre a escola e a família pode ser percebida em discussões presentes em diversas pesquisas educacionais (CAVALCANTE, 1998; TRANCREDI e REALI, 2001; GARCIA, 2005; PEREZ, 2009; SILVEIRA e WAGNER, 2009). Considerando que ela pode acontecer em momentos informais, como na hora da entrada ou da saída, e em outros organizados com antecedência, é necessário refletir sobre seus objetivos a fim de que se realize um planejamento propício para esses encontros. É fato que pode ser vista como um instrumento que viabiliza o relacionamento entre essas duas instituições, podendo facilitar e promover seu envolvimento. Entretanto, para Silveira e Wagner (2009), a troca de informações entre ambas parece ser objeto de controvérsias, podendo ser avaliada de maneira positiva por realmente ter a possibilidade de favorecer tal relação e contribuir para o desenvolvimento infantil. Porém, apontam que pode ser negativa quando utilizada para a intromissão na vida das famílias, favorecendo a circulação de conceitos, métodos e ideais que podem gerar uma confusão, levando à modificação e ao afastamento de seus objetivos. Em acordo com o fato da relevância dos momentos de comunicação com os responsáveis pelos alunos, Garcia (2005) realizou uma pesquisa com o intuito de analisar como eram constituídas as relações em escolas de Educação Infantil durante as reuniões de pais. Para a coleta de dados foram escolhidos os momentos dos encontros programados: aqueles destinados para reunião coletiva no início do ano letivo e outros oferecidos para encontros individuais com os responsáveis pelos alunos, o que acontecia no final de cada bimestre. Além dessa observação, foram realizadas entrevistas com pais e professores para identificar sua opinião a respeito do tema. Os resultados encontrados foram interpretados a partir de três modelos de reunião: o primeiro quanto ao conteúdo, o segundo em relação a sua forma ou estrutura e, o terceiro, quanto à dinâmica das relações estabelecidas. O estudo centralizou-se na seguinte questão: “Reuniões de pais: que espaço é esse?”. A análise dos dados permitiu concluir que elas ainda se constituem
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como espaços pouco explorados no projeto de formação do professor e que concretizam preconceitos que distanciam o discurso sobre a importância desses momentos e o que realmente acontece na prática. Apontam também para o fato de que, durante seu desenvolvimento, a escola centraliza o poder, cabendo aos representantes da outra instituição somente ouvir as colocações feitas, o que pode levar ao seu desinteresse. Segundo a autora, esse espaço poderia promover momentos de troca, pautando-se no respeito às diferenças e conquistando a cooperação entre escola e família. Dessa forma, considera ser
necessária a inclusão das reuniões de pais dentre as práticas necessárias e indissociáveis da ação docente, complementares ao seu trabalho pedagógico com os alunos, e, assim, merecedoras de uma postura que a valorize não apenas através do discurso mas viabilizando espaços institucionais de reflexãodiscussão sobre elas (GARCIA e MACEDO, 2005, p. 105).
Outra prática utilizada para estabelecer tal comunicação é o envio de bilhetes escritos aos familiares. Santos e Souza (2005) realizaram um estudo a fim de conhecer os significados que os alunos de 1ª série atribuíam a seus cadernos escolares. O interesse não estava nas mensagens enviadas aos responsáveis, até porque, segundo a pesquisadora, no início do ano, a professora não costumava mandar bilhetes. No entanto, os pais observavam os cadernos de seus filhos para acompanhar o conteúdo, a quantidade de registros feitos pela criança e os procedimentos utilizados em aula, fazendo posteriores reclamações a respeito do trabalho da professora. Mesmo não considerando justas algumas das considerações feitas a respeito de sua prática pedagógica, a docente optou por indicar o que estava certo ou errado nas atividades por meio de comunicações escritas que chamava de bilhetes. Indicava no próprio caderno quando uma atividade não havia sido realizada ou estava incompleta. Ao conversar com os alunos, as pesquisadoras constataram de forma unânime que todos consideravam o bilhete como algo negativo, pois indicava que algo não estava bem. Verificaram também que a maioria dos bilhetes geralmente informava a falta de tarefa ou problemas de indisciplina. Para as autoras, esses bilhetes podem ser aliados na relação família-escola uma vez que possibilitam a troca rápida e prática de informações, todavia, o fato de notificar sobre problemas com tarefas ou comportamento denota a concepção da escola de que os pais devem ser responsabilizados pelas atitudes de seus filhos no que diz respeito à escolarização.
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Sayão (2003) faz referência ao uso dos bilhetes como uma estratégia da escola para que os pais possam acompanhar de perto a vida escolar de seus filhos, mas ressalta que o efeito desse tipo de procedimento não é nada positivo. Sentindo-se pressionados a tomar alguma atitude em relação às dificuldades informadas, sejam estas cognitivas ou comportamentais, muitos assumem a responsabilização pelo que os alunos fazem ou deixam de fazer na escola. Para a autora, essa maneira de estabelecer uma parceria entre escola e família é um „duplo engano‟ promovido pelo fato de que a primeira julga ter a obrigação de comunicar tudo que acontece aos familiares e estes validam tal postura como se fosse benéfica aos estudantes. Enfatiza, no entanto, que isso prejudica a educação desses sujeitos e afirma que estes são capazes de se comunicar e assumir seus compromissos. Isso não quer dizer que a intenção é de excluir a família do processo educativo, mas o interesse deve ser de modo concreto. De que maneira? Auxiliando na organização para o estudo, conversando sobre o que estão aprendendo, encorajando que os desafios sejam enfrentados e, principalmente, confiando no trabalho e na responsabilidade da escola que escolheram. Apesar de concordar que essa prática de comunicação não mudará de uma hora para outra, explicita a necessidade de se iniciarem algumas tentativas.
O aluno pode aprender a ter responsabilidade com sua vida escolar. Aliás, ele deve aprender isso na escola. Tornar-se responsável por sua vida escolar é uma atitude que o aluno desenvolve como consequência da atuação da escola, apesar de muitos professores acreditarem que isso seja um pré-requisito que o aluno deve trazer de casa (SAYÃO, 2003, p. 224).
Um dos assuntos geralmente informados à família é a não realização das tarefas de casa. Os professores, de um modo geral, culpam os pais por acreditarem que eles são responsáveis pelo fato de essas obrigações não serem cumpridas. Isso acontece porque a escola legitima que, por meio dessa estratégia, promove a fixação e o reforço dos conteúdos trabalhados em aula, favorecendo a qualidade do ensino. Os aspectos psicológicos são justificados por acreditarem que haverá a construção da responsabilidade e da independência uma vez que o estudante desenvolverá o hábito de estudo. Acredita-se que a prática de enviar lição ainda é vista por muitos educadores de acordo com uma concepção tradicional de aprendizagem, que valoriza o treino, o exercício e o reforço para que os alunos aprendam os conteúdos ensinados em classe. Dessa forma, os professores creem que, realizando atividades repetitivas em casa haverá a fixação do que foi trabalhado em sala; porém, acaba se tornando muitas vezes uma atividade
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burocrática. No entanto, na perspectiva construtivista, em que o conhecimento precisa ser construído ativamente pelo próprio sujeito, considera-se que as lições necessitam ser coerentes com os objetivos a que se propõem, sendo planejadas de acordo com o estágio cognitivo em que os estudantes se encontram, para que se possa despertar o interesse por sua realização. Para que isso ocorra, uma das ideias que apresentamos é que aquilo que se pede para fazer no lar seja utilizado posteriormente em aula, como fazer um levantamento de informações sobre um determinado tema discutido na classe. Os alunos usarão a pesquisa realizada para desenvolver certa atividade. É compreensível que o envolvimento do estudante aumenta quando percebe a utilidade do que lhe foi proposto. Carvalho (2004) investigou com suas alunas de uma turma do curso de Pedagogia da Universidade Federal da Paraíba, que já atuavam no Ensino Fundamental, como definiam aqueles estudantes que realizavam suas lições frequentemente. Constatou que a maioria apoiava essa prática pedagógica, julgando os que cumpriam suas tarefas como: participativos, atentos, com pais mais presentes, escolarizados e com boas condições financeiras. Tal ideia corrobora com a concepção de que a família deve ser responsabilizada pelas atividades enviadas para o lar, garantindo que sejam entregues no prazo determinado. Das 23 alunas-professoras que participaram do estudo, somente uma informou não mandar esse tipo de atividade por ter consciência de que atuava num bairro carente e os familiares trabalhavam fora o dia todo, não apresentando condições culturais para ajudar seus filhos. Assim, destacaram a relevância de três condições para que pudessem acompanhar ativamente as lições enviadas para casa: disponibilidade de tempo, conhecimento sobre as matérias escolares e pedagogia, além de ter gosto e vontade. Segundo a autora, os deveres de casa afetam não só o processo de aprendizagem como a rotina familiar do estudante. É possível constatar que vários aspectos interessantes dessa prática pedagógica acabam sendo vistos como dependentes da contribuição dos pais. No entanto, destaca-se que podem ser utilizados como mecanismo de defesa da escola para evitar a cobrança de sua responsabilidade enquanto promotora da educação formal, principalmente a instituição privada. Mais uma questão que merece atenção é o fato de que algumas famílias podem legitimar a necessidade dessas tarefas para casa; no entanto, outras talvez possam considerá-las uma imposição que se transforma em verdadeiros fardos. Reconhecem que, para alguns, essa prática deveria ser abolida, pois compromete o tempo livre entre os membros da família. Em
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contrapartida, há quem veja nessas atividades uma forma de acompanhamento do trabalho realizado em sala de aula. Em estudo realizado, Silveira e Wagner (2009) investigaram a respeito das práticas educacionais utilizadas pelos professores e pelos pais de alunos que apresentavam problemas de comportamento na escola. Buscaram identificar também a existência de atividades conjuntas que demonstrassem os aspectos positivos e negativos na interação família-escola. Segundo as autoras, “o conhecimento dos agentes educativos a respeito das práticas utilizadas no outro sistema pode sinalizar o nível de interação das instituições e características dessa relação” (p. 284). Tomaram como base para a análise do conteúdo dos dados o modelo proposto por Hoffman (1994, apud SILVEIRA e WAGNER, 2009), que classifica as práticas educativas como coercitivas (punitivas), quando apresentam caráter punitivo, diminuindo a possibilidade de o sujeito refletir sobre seus atos e a necessidade de mudar seu comportamento, e indutivas (não punitivas), que privilegiam explicações a respeito das implicações de seus atos para si e para os demais. Os resultados mostraram que ambas as instituições se valiam do uso combinado dessas práticas, podendo confirmar sua crença de que o uso exclusivo de uma ou de outra não é eficaz. Sua aplicação depende de variáveis como o contexto em que se inserem e a quem as aplica. Os dados revelaram a existência de importantes lacunas a respeito de como os professores e as famílias têm se comunicado e buscado agir de forma conjunta frente às dificuldades comportamentais das crianças. Constataram importantes diferenças entre os sistemas (escolar e familiar), entretanto, é legitimada a interdependência entre esses dois contextos, o que supõe a necessidade de uma intersecção onde se criem possibilidades de que se complementem. Em concordância com Santos (2007), é possível concluir que:
Organizar o trabalho na escola, abrindo espaços para a participação das famílias, não é apenas uma reestruturação da forma de trabalho, mas uma mudança de paradigma na vigência da escola, das relações de poder e distribuição de tarefas, trata-se realmente de reinventar a escola, numa perspectiva de coresponsabilidade, de participação efetiva, não apenas no fazer, mas no processo de refletir e decidir, o quê e como fazer (p. 37).
Após a apresentação de dados relevantes à parceria entre escola e família, faz-se necessário compreender os aspectos teóricos adotados como embasamento para a discussão dos dados coletados na presente pesquisa. Por essa razão, no próximo item serão abordados alguns
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princípios construtivistas apoiados nos estudos da epistemologia genética de Piaget e de seus seguidores.
1.3 A construção de um ambiente sociomoral cooperativo e o desenvolvimento na visão construtivista
O objetivo da presente pesquisa não se restringe a analisar, à luz da teoria construtivista, os conteúdos e as implicações dos bilhetes que a escola envia para a família. Visa também, compreender seu papel no desenvolvimento dos estudantes do Ensino Fundamental I e II. Para tanto, faz-se necessário retomar na literatura aspectos apontados pela Psicologia Moral como essenciais para o desenvolvimento cognitivo, moral e afetivo das crianças e dos jovens. O que é necessário para construir um ambiente sociomoral cooperativo? Quais posturas devem assumir os professores? Que concepções epistemológicas e pedagógicas permearão o trabalho com o conhecimento? Como devem ser as atividades propostas e o processo avaliativo? E o erro, qual seu papel na aprendizagem? Será que as famílias, assim como a escola, também podem construir ambientes mais cooperativos em seus lares? O que fazer com os conflitos que surgem entre os sujeitos? Será falta de regras e de limites? Neste tópico, apresentaremos algumas considerações importantes sobre a perspectiva construtivista. Iniciaremos refletindo a respeito da construção da moral e da importância de um ambiente sociomoral cooperativo para favorecer seu desenvolvimento. Para tanto, é necessário reconhecer o papel da inteligência, bem como de que maneira ela se desenvolve e qual a relação entre a cognição e a afetividade. Por último, trataremos de dois temas bastante pertinentes num ambiente interacionista: os conflitos e as regras escolares.
1.3.1 O desenvolvimento moral numa perspectiva construtivista
Segundo Piaget (1932-1994), um indivíduo passa por tendências afetivas no percurso de seu desenvolvimento moral. Defendeu a ideia de que a moralidade não pode ser ensinada diretamente, por transmissão, havendo um processo de construção pelo sujeito. La Taille (1994) se refere a esse caminho como “um processo de construção que passa por várias etapas sucessivas
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e hierarquizadas (no sentido em que a última é superior à anterior)” (p. 78). No início da vida, ainda não há consciência moral. O sujeito poderá desenvolver-se moralmente num processo de construção no qual há a necessidade de interações favoráveis com o meio social. Dessa maneira, terá condições de se desenvolver passando pelas tendências que descreveremos a seguir. Ao nascer, o bebê não tem a noção de regra, encontra-se num estado de anomia, ou seja, há a ausência de regulação. À medida que é inserida em seu primeiro grupo social – a família – é que a criança começa a tomar contato com as normas sociais que lhe são impostas. Aos poucos, percebe que há coisas que são permitidas e outras não, evoluindo, por volta dos 4 anos, para a primeira tendência moral, denominada heteronomia. Nessa fase, as regras são percebidas e obedecidas, pois têm sua origem nos adultos, vistos como autoridade, e não por compreenderem sua real necessidade. Em consequência disso, uma vez que a moral heterônoma depende do adulto e da pressão que ele exerce sobre a consciência da criança, as obrigações serão determinadas pelas regras, independentemente do contexto em que estão imersas ou das intenções de quem as ordena (DELVAL e ENESCO, 1994). Quando uma alteração acontece com algum dos controladores externos, há uma mudança na maneira de agir do indivíduo que é motivada pelas novas circunstâncias. Uma vez que seus valores são poucos conservados, há baixa autorregulação, sendo necessário o auxílio desses reguladores externos para que se submetam às normas. Devido à convivência social com os adultos, surgem na criança três sentimentos que dão origem ao sentimento de obrigatoriedade. O primeiro deles é o amor que trata do seu apego natural pelos pais ou outros adultos significativos, como os professores. O segundo, que surge em relação às interações com os maiores e mais fortes, é o medo. Os pequenos acreditam que podem sofrer a retirada de amor, ou seja, que não serão mais queridos por essas pessoas, que podem ser castigados e punidos, deixar de receber cuidados dos adultos. O terceiro, fruto dos dois anteriores, é o respeito que, de acordo com Piaget (1948-1973), “é antes de mais nada, como os outros dois, um sentimento de indivíduo para indivíduo, e começa com a mistura de afeição e do temor que a criança experimenta em relação aos pais e em relação aos adultos em geral” (p. 65). É esse sentimento misto que os leva a obedecer e que favorece a entrada no mundo social regrado, o respeito unilateral. Ele recebe tal nome pelo fato de os adultos naturalmente deterem o poder, estabelecendo relações assimétricas com os mais novos. Assim, o sujeito egocêntrico é governado, acatando as regras por causa da fonte de que provêm, mesmo sem compreender sua
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necessidade para o convívio social. Surge o sentimento de obrigação, que faz com que a criança considere seus deveres, começando a obedecer aos pais ou a outros adultos que tenha como significativos por medo de perder o amor dessas pessoas ou de que lhes apliquem algum castigo, de que os censurem, de que percam o cuidado ou de que fiquem submetidos à autoridade. La Taille (2006) se refere ao período em que esses sentimentos surgem como o despertar do senso moral na criança, ou seja, quando tem início a consciência de que existem deveres morais e provam o sentimento de obrigação citado acima. No entanto, segundo o psicólogo, não podemos nos restringir à existência deles nessa fase da infância. Por isso, acrescenta outros sentimentos para explicar o complexo universo moral infantil. O primeiro é a confiança, que se refere à credibilidade depositada nas pessoas que são autoridade, isto é, faz-se a análise de hipóteses sobre suas qualidades morais. A influência de adultos significativos no despertar dessa consciência moral pode ser prejudicada se a criança pequena não confia naqueles que pretendem ser referência para ela. Assim, quando percebe que essas pessoas não são confiáveis, pois falam uma coisa e agem de forma diferente, demonstrando incoerência, tendem a ver enfraquecida a autoridade delas. Por esse motivo, a moralidade também é influenciada pela confiança que deposita nesses adultos. A simpatia, que pode ser compreendida como uma sensibilidade para perceber e ser influenciado pelos sentimentos alheios leva a criança em direção ao outro, promovendo a capacidade de comover-se com as outras pessoas. Esse sentimento desempenha importante papel no despertar do senso moral uma vez que atribui que a criança se esforce para compreender outros pontos de vista que não os próprios. Apesar de não ser um sentimento, diz respeito à afetividade, por ter na compaixão uma das formas de sua manifestação, o que ocorre quando desde muito cedo os pequenos se sensibilizam com a dor alheia. Sendo assim, é preciso considerar que:
A simpatia não nasce de relações de autoridade, não cabe evidentemente aos educadores despertá-la, mas sim acolhê-la, valorizá-la e, portanto promover um convívio escolar no qual ela tenha lugar para desabrochar (LA TAILLE, 2009, p. 301-302).
Sendo assim, à medida que ocorrer o fortalecimento dos sentimentos morais, a simpatia vai sofisticando-se até tornar-se a virtude da generosidade. Quando uma criança é capaz de se comover com o outro é motivada para ações justas e generosas.
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Outro comportamento essencial à justiça e, portanto, tem relação com a moral é a noção de direito. Desde muito cedo, os pequenos tendem a se manifestar quando se sentem injustiçados ou prejudicados, pois julgam que algum de seus direitos foi desrespeitado. Quando notam que estão sendo desvalorizados, expressam seu descontentamento traduzido em forma de indignação. Num primeiro momento, se indignam com atitudes que classificam como injustas com ele mesmo, só depois se tornando capazes de identificar as sofridas pelos outros. Em função disso, pode-se dizer que demonstram ter a capacidade necessária para o desenvolvimento da noção de justiça, um dos sentimentos indispensáveis para o agir moral. Não menos importante que os sentimentos anteriores, a culpa tem seu papel reconhecido nesse início de raciocínio moral, em que suas primeiras manifestações estão vinculadas ao sentimento de obrigação (a criança tende a se culpar quando não cumpre um dever). Outra questão é que a criança pode sentir-se culpada quando constata que atingiu o outro e quer reparar seu erro. Sendo assim, considera-se que esse sentimento pode ser visto como um regulador, sendo indispensável ao desenvolvimento de sua moralidade. Vale destacar que todas as crianças têm a capacidade de despertar-se para a vida moral. No entanto, esse fato não depende somente da maturidade de seu organismo, sendo indispensável estabelecer relações sociais propícias para tal. Sabendo da existência desses sentimentos desde cedo, é preciso reconsiderar o papel da autoridade para que sejam levados a sério. Como afirma La Taille:
se os educadores não abdicarem de seu lugar de figuras adultas, se não sufocarem a simpatia e nem desprezarem a culpa e a indignação de seus alunos, e se também os tratarem de forma generosa, justa e respeitosa, a escola será um lugar no qual eles sentirão confiança (grifo do autor), sentimento essencial ao despertar da vida moral, e também ao percurso posterior (2009, p. 305).
A criança mergulha nesse “mundo moral” por meio da heteronomia, necessária para o surgimento do sentimento de dever, conforme explicação anterior. Entretanto, o caminho não se encerra, sendo possível que ela avance em direção a uma tendência afetiva mais evoluída, denominada autonomia. Nessa fase, o sujeito deixa de legitimar as regras pelo simples fato de virem das autoridades e passam a compreender que são acordos realizados entre os iguais. Desenvolve a capacidade de seguir as regras por vontade própria e a obediência passa a se originar na compreensão da necessidade dessas, o que só acontece devido às noções de equidade
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e reciprocidade que conquista a partir desse período. Vale ressaltar que não ser autônomo não se refere a ser individualista e realizar tudo de acordo com seus desejos pessoais, muito pelo contrário, implica coordenar diferentes perspectivas e decidir-se por ações respeitosas e justas para todos os envolvidos. Para a conquista da autonomia moral é indispensável o desenvolvimento dos aspectos cognitivos. Somente por meio do pensamento reversível é que um sujeito consegue conservar os valores e operar com o outro, possibilitando a cooperação e a reciprocidade formal. De acordo com La Taille (2006), é por volta dos 8 ou 9 anos que começa a apresentar seus primeiros sinais, isto é, surgem os indícios, pois ainda não pode ser considerada uma pessoa autônoma, o que será possível somente na vida adulta, sendo favorecido por meio de interações sociais favoráveis e pelas estruturas formais. No entanto, essas duas tendências, heteronomia e autonomia, existem concomitantemente na vida adulta havendo a predominância de uma ou de outra para determinar os julgamentos e as ações de uma pessoa nas diversas situações vividas. Outra conquista indispensável para o alcance da autonomia também inicia sua manifestação nesse período. Isso acontece porque, aos poucos, o egocentrismo5 presente nas relações de coação vai gradualmente cedendo lugar a processos mais amplos de socialização que favorecem a cooperação, em que o indivíduo passa a confrontar seus pontos de vista com os dos outros com quem se relaciona. Na perspectiva piagetiana, é considerada a capacidade de estabelecer trocas mais equilibradas com outros sujeitos, em que haja mais igualdade de poder de ação. Ela favorece que possam „operar com‟ o outro, o que não quer dizer que sempre se deva chegar a um acordo. Menin (1996) aponta que
Muitas vezes a cooperação quer dizer discussão e não acordo. Mas numa discussão equilibrada de forma que cada pessoa possa colocar seus argumentos, rebater o dos outros, examinar suas posições e as dos outros, conhecer, considerar, negar ou afirmar outros pontos de vista que não só os próprios (p. 52).
É a cooperação que leva à descentração, sendo por meio das trocas entre os indivíduos que o egocentrismo vai declinando aos poucos. À medida que um indivíduo estabelece relações com mais igualdade, tende a descobrir que algumas opiniões são diferentes das suas, que as 5
Entende-se por egocentrismo a incapacidade emocional, intelectual e social da criança em considerar outros pontos de vista diferentes do seu próprio, estando centrada em si mesma (MENIN, 1996).
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pessoas não pensam sempre do mesmo jeito, que todos têm suas preferências que devem ser respeitadas. É devido a essas progressivas descentrações que a criança consegue integrar o outro às suas ações e pensamentos. Esse tipo de relação se baseia numa outra forma de respeito, que também se vale de obrigações, mas não mais impostas por uma autoridade, conhecida por respeito mútuo. Estabelecendo relações de reciprocidade, o sujeito passa a ser capaz de coordenar diferentes pontos de vista e elaborar suas próprias normas. As relações continuam sendo compostas pelos sentimentos de amor e de medo; porém, o receio da perda do amor ou da punição vai sendo substituído pelo temor de decair ao olhar dos indivíduos respeitados e aos seus próprios olhos. Com o respeito mútuo, há agora uma nova obrigação, não apenas o respeito ao outro, mas a exigência de ser respeitado, ou seja, de também ser visto como alguém de valor. Assim, se o objetivo da educação é o de auxiliar o desenvolvimento da autonomia moral das crianças, deverá pautar-se em relações de cooperação e respeito mútuo. Para Piaget (19481973), não é possível o desenvolvimento dessa tendência mais evoluída numa atmosfera de autoridade e de opressão, seja intelectual ou moral. Por esse motivo, as escolas precisam substituir as práticas coercitivas por mecanismos que levem à construção de ambientes mais democráticos, em que o aluno tenha espaço para estabelecer essas relações cooperativas. A convivência deve basear-se nos princípios de equidade e dignidade, ou seja, em que todos têm seus direitos e suas particularidades respeitadas. Mas, como se constrói um ambiente pautado nesse tipo de relações? O que pode ser considerado um ambiente cooperativo?
1.3.2 A construção do ambiente sociomoral cooperativo
Como apresentado anteriormente, para alcançar a autonomia moral é necessário percorrer um longo caminho cercado por inúmeros fatores que favoreçam o seu desenvolvimento. Certas pesquisas nacionais e internacionais (DEVRIES e ZAN, 1998; VINHA, 2000; ARAÚJO, 2002; TOGNETTA, 2003) apontam para a importância da qualidade das relações, estabelecidas na família ou na escola, para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral. Segundo Tortella (2001):
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Se tivermos uma visão ampla do tempo em que a criança passa na escola, desde a idade pré-escolar até a vida adulta, poderíamos dizer que a criança e o adolescente passam, aproximadamente, metade de sua vida no âmbito escolar. Assim sendo, o ambiente social tem revelada importância no desenvolvimento do indivíduo e, consequentemente, tem demonstrado como a escola prioriza as relações sociais. A maior parte dos estudos que se refere às interações sociais e afetivas são realizados neste espaço educacional (p. 108).
A construção de um ambiente sociomoral cooperativo dependerá, inicialmente, das crenças do educador, uma vez que este será responsável por favorecer ou não os diversos fatores que, de forma integrada, possibilitarão as práticas construtivistas. Vale ressaltar que não é uma tarefa simples, e que só será possível se ele realmente conhecer como seus alunos se desenvolvem moral, cognitiva e afetivamente, e que o processo de construção do conhecimento se reflete nas implicações educacionais. A importância desse alerta se faz devido ao fato de encontrarmos, em inúmeras escolas, que se julgam construtivistas, uma realidade bem distante dos princípios que deveriam ser seguidos. Apesar de o discurso e os projetos pedagógicos enfatizarem objetivos que visam à autonomia, à criticidade, à cidadania, entre tantos outros, nas salas de aula o que em geral se encontra é o exercício de atividades e relações autoritárias, principalmente pautadas no respeito unilateral, que levam à obediência por meio da coação, reforçando a heteronomia. Num ambiente cooperativo, o professor deixa de centralizar o poder e todos os envolvidos passam a fazer parte do processo educativo. As ações dos alunos são valorizadas, sendo constantemente incentivados a compartilhar com os colegas o direito de tomar decisões bem como de fazer escolhas e se responsabilizar por elas, fazer por si mesmo tudo o que forem capazes, manifestar seus desejos e sentimentos e participar ativamente do planejamento da rotina e do trabalho com o conhecimento escolar. Para Tognetta (2001), “planejar significa antecipar ações, e, na medida em que o próprio sujeito planeja suas ações, mais próximo se chega à exigência de seu cumprimento” (p. 168). Dessa forma, havendo a participação ativa dos envolvidos, favorecerá que despertem a consciência de seu papel e seu comprometimento uma vez que oferecer liberdade sem dar responsabilidade não tem valor pedagógico (LA TAILLE, 1998). Entretanto, para que isso seja possível, faz-se necessário rever a postura do professor, de forma que este diminua sua autoridade, procurando estabelecer relações pautadas em respeito mútuo. Piaget (1932-1994) constatou que, quando pequenas, as crianças confundem a justiça com
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tudo o que a autoridade ordena, ou seja, “os menores estimam que a ordem adulta é justa, pois provém de um adulto e deve ser obedecida” (LA TAILLE, 1992, p. 54). Sendo assim, cabe ao professor estabelecer relações equilibradas com seus alunos sem fazer uso do autoritarismo. É necessário compreender que não deixará de ser considerado autoridade e que deve encorajar constantemente as relações entre os pares a fim de favorecer a cooperação. Acredita-se que, dessa maneira, os papéis estabelecidos continuem a ser desempenhados no contexto educativo, porém de modo mais equilibrado. Sentimentos como o respeito e a admiração devem ser despertados para que a obediência não se baseie somente no medo de punição. Araújo (2002) alerta que “o sujeito poderá até obedecer ao superior hierárquico, mas não o legitimará como uma autoridade que deve ser respeitada” (p. 64). Por isso, o educador também precisa cooperar estabelecendo relações de reciprocidade com os estudantes, respeitando a cada um como pessoa e sujeito cognoscente que tem a capacidade de adquirir conhecimento. Alguns autores (BROOKS e BROOKS, 1997; KAMII, 2003; DELVAL, 2003) apresentam princípios e descritores6 para auxiliar aqueles educadores que buscam desenvolver um ambiente construtivista em sua sala de aula. Não é tarefa fácil bem se sabe. Para muitos profissionais, requer renegar uma antiga concepção de que o conhecimento é transmitido verbalmente e acreditar que se trata de um processo inconsciente e progressivo cujo tempo de realização nem sempre está de acordo com as expectativas da escola. Um professor construtivista reconhece que as contradições que o sujeito encontra entre suas ideias e o que é apresentado pela realidade tornam-se um dos principais fatores para o desequilíbrio e o progresso intelectual. Ele compreende que faz parte de seu papel conduzir o aluno a entrar em contradição quanto aquilo que acredita e o que o ambiente lhe informa, levando à exploração de novos conhecimentos. Deve usar de contraexemplos e contra-argumentos que despertem a necessidade de o indivíduo revisar essas ideias uma vez que se vê diante de um novo problema a ser resolvido. O professor deve guiar o aluno e deve ser um gerador de contradições e de dificuldades que o façam progredir e, em nenhuma situação, deve deixá-lo completamente abandonado, pois isso representaria um consumo de tempo e de energia absolutamente inútil (DELVAL, 1998, p. 183).
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Termo utilizado por Brooks e Brooks (1997) quando se referem à um conjunto de atitudes esperadas de um educador construtivista.
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Sabendo-se que o conhecimento depende da construção de estruturas mentais, Kamii (2003) aponta como princípios construtivistas que a aprendizagem seja um processo ativo e que as interações sociais sejam favorecidas pelos professores, que devem minimizar sua autoridade procurando estabelecer relações pautadas no respeito mútuo. Para complementar, acrescenta a necessidade de priorizar a ação intelectual baseada nas experiências em vez de buscar transmitir ideias prontas por meio da linguagem oral. Nesta mesma direção, Delval (2003) destaca a relevância de o professor assumir o papel de um facilitador que auxiliará os estudantes a „descobrirem‟ os conhecimentos. Torna-se indispensável que ele promova conflitos cognitivos que levem o sujeito a buscar novas respostas. Assim, em vez de fornecer soluções prontas, contra-argumentará por meio de indagações cujas respostas devem ser pensadas pelo próprio aluno. Para isso, refere-se à importância de que os conhecimentos prévios sejam valorizados e que se promovam situações em que o aluno confronte suas ideias com o conteúdo que deve aprender. Conforme o autor:
O professor deve apresentar situações problemáticas para suscitar a atividade da criança. O problema é deslocar o centro de atenção do processo para a atividade da criança, concebida como alguém que enfrenta um problema, formula hipóteses, compara, exclui, ordena, constrasta, reformula suas hipóteses, busca regularidades, põe à prova suas previsões, reorganiza os dados segundo seu nível e, muitas vezes, estabelece ligações entre as coisas (DELVAL, 2003, p. 117).
O que se espera não é que o adulto abra mão de sua autoridade, mas que quando for necessário, tome as providências abordando os sujeitos de maneira consciente. Para isso, destacam-se outros dois fatores que são indispensáveis para as relações estabelecidas num ambiente construtivo: a linguagem do educador e o uso de sanções por reciprocidade. Ao discutirmos a relação professor-aluno, torna-se importante considerarmos a linguagem presente em nosso dia a dia. Nem sempre as palavras usadas favorecem uma comunicação verdadeira, na qual as mensagens proferidas possam ser compreendidas. Faz-se necessário reconhecer que, em um diálogo, há a presença de um emissor que fala e um receptor que ouvirá as palavras do primeiro. Assim sendo, é preciso ter consciência de que elas não são inofensivas e podem deixar marcas, afetando a vida dos alunos para melhor ou para pior. Mas, como é possível estabelecer um diálogo mais eficaz?
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Para alguns autores (GINOTT,1979; FABER e MAZLISH, 2003), a comunicação pode ser mais coerente por meio do uso de uma linguagem que não avalie a capacidade das pessoas e nem julgue sua personalidade. Para isso, considera-se a utilização da linguagem descritiva, em que o emissor deve descrever os fatos, falar do que vê, do que sente, sem emitir julgamentos. Tendo como princípio básico falar sobre a situação e não sobre seu caráter, torna-se útil, em todos os tipos de relações estabelecidas pelos educadores, podendo apresentar os fatos como realmente são, sempre procurando interpretar os sentimentos dos envolvidos. Conforme orienta Ginott (1973, p. 59), a essência da verdadeira comunicação é saber aplicar esse princípio nas mais diversas situações. É importante destacar que o tipo de mensagem transmitida nessa forma de usar as palavras reduz a resistência, diminuindo o gasto de tempo e de energia do sujeito com justificativas ou defesas. Outro aspecto a que nos referimos diz respeito ao uso de sanções nos espaços cooperativos. Quando somente as palavras não forem suficientes para que o aluno reveja sua postura e se fizer necessário o uso de algum mecanismo de controle, Piaget (1932-1994) sugere a aplicação de sanções que não se limitem a punir os atos condenáveis. Para isso, ele as divide em duas formas: as expiatórias e as por reciprocidade. A primeira, chamada expiatória, consiste somente em fazer com que o indivíduo “pague por seus erros”, que expie, ou seja, sofra, não havendo relação entre o ato cometido e o castigo recebido, como quando um pai deixa uma criança sem sobremesa por ter trazido um bilhete da escola ou quando um professor proíbe uma criança de brincar no parque porque não trouxe a lição de casa. Ela está ligada à moral heterônoma por privilegiar a obediência e o controle do sujeito, que passará a cumprir determinadas regras por medo de novos castigos. Algumas implicações podem ser constatadas diante de seu uso prolongado. Quando uma pessoa é castigada com frequência não há a garantia de que mude seu comportamento. Longe disso, o uso prolongado desse tipo de punição acarretará em prováveis consequências como quando um sujeito, ao repetir a infração, busca estratégias tentando evitar que seja descoberto, o que é chamado de “cálculo de risco”. Pode favorecer também o raciocínio de “custo-benefício”, isto é, mesmo sabendo das possíveis punições para seus atos, a criança ou o adolescente decidem que o prazer de realizar a ação é maior do que o “preço que poderão pagar”. Outra questão é que aqueles com maior sensibilidade podem se tornar conformistas. Além disso, quem é obediente durante muito tempo pode se cansar de obedecer indistintamente aos adultos, sendo levado à
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revolta em oposição a essa conformidade. Uma outra consequência é a de que o indivíduo pode ser levado à aprendizagem da mentira como um mecanismo para evitar que seja castigado novamente se a verdade dos fatos for revelada aos adultos. O segundo tipo se refere às sanções por reciprocidade, que recebem esse nome por manter uma relação lógica com o ato sancionado, como quando uma criança ajuda a consertar o brinquedo do colega que ela quebrou, secar o suco que derramou na mesa do colega ou pedir desculpas espontaneamente quando num momento de raiva ofende o outro. Uma vez que a atitude do infrator levou-o a romper um elo social, coloca-o diante das implicações de seus atos. Por essa razão, permite a coordenação de diferentes perspectivas, favorecendo sua descentração. Entre as estratégias para sua aplicação em que haverá censura, mas sem a necessidade de aplicar uma punição, destacam-se os seguintes exemplos: encorajar a criança a fazer a reparação de algo concreto ou subjetivo (como ter magoado alguém), privá-la de alguma coisa que usou de maneira inapropriada ou excluí-la temporariamente do grupo social ou da atividade que realiza quando não está obedecendo às normas discutidas pertinentes ao momento (KAMII, 1984-1989). Sendo assim, ela faz parte de um ambiente cooperativo por apresentar um objetivo pedagógico e não punitivo, podendo favorecer a conscientização das ações inadequadas bem como incentivando as possíveis mudanças de atitude. Considerando que a autonomia somente poderá ser alcançada diante de pelo menos a vivência da cooperação e do respeito mútuo, não se pode limitar o olhar às relações estabelecidas com a autoridade. Em ambientes construtivos, a ênfase encontra-se na qualidade da interação entre os pares. As relações de reciprocidade só acontecer entre os que se consideram iguais, porque mesmo que o professor minimize seu autoritarismo, relacionando-se de forma mais respeitosa e justa com seus alunos, estes ainda o considerarão como aquele que sabe mais e que detém o poder. Desse modo, haverá a oportunidade de troca de pontos de vista para coordenar diferentes perspectivas, sendo possível a cooperação. Essa vivência exige um exercício constante dos sujeitos para conhecerem suas próprias perspectivas, porém buscando ações equilibradas a fim de respeitar os outros. Esse constante processo de descentração favorecerá o desenvolvimento da autonomia. Tal tema será aprofundado ao discutirmos sua relevância na construção do conhecimento. Tendo discutido, no percurso da moralidade, o papel de um ambiente sociomoral cooperativo que possibilite as condições favoráveis para sua construção, é necessário considerar
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que uma das condições básicas para o sujeito ser moral é o uso da razão. Ao desenvolver-se cognitivamente, esse indivíduo atinge o pensamento reversível no período operatório concreto e, posteriormente, no formal, o hipotético-dedutivo, necessários para compreender e coordenar diferentes pontos de vista, indispensáveis para estabelecer tal cooperação e alcançar a autonomia. Portanto, é preciso compreender como ocorre o desenvolvimento mental do sujeito e como deve ser o trabalho com o conhecimento numa abordagem construtivista.
1.3.3 O trabalho com o conhecimento num ambiente cooperativo
Durante muito tempo, a escola vem se preocupando demasiadamente com a aprendizagem. Mesmo quando disponibiliza recursos e espaços modernos, como aulas em laboratórios bem equipados ou o uso de computadores e lousas digitais, constata-se, na postura da maioria dos professores e das propostas desenvolvidas, que se baseiam na concepção tradicional de ensino, isto é, acreditam que seus alunos aprendem por meio da transmissão direta do conhecimento. Dessa forma, ensinam utilizando-se principalmente de linguagem escrita e oral para ensinar os conteúdos, cabendo ao estudante ouvir atentamente e fazer as cópias e os exercícios para aprender de “maneira passiva” o que lhe está sendo transmitido. As mesmas condições que favorecem o desenvolvimento moral contribuem para o intelectual. É de fundamental importância saber que conhecer não se trata de copiar o real e sim de agir sobre este, transformando-o para que sua compreensão seja possível (PIAGET, 1959-1973). É muito comum ouvirmos queixas de que os assuntos trabalhados numa série foram esquecidos no ano seguinte. Houve realmente a aprendizagem? O que acontece que o conhecimento é rapidamente esquecido? Como foi visto, a preocupação da escola é a de “ensinar” os conteúdos, mas para responder a essas questões precisamos compreender como os alunos aprendem, o que somente será viável se refletirmos primeiro a respeito de como se dá a construção da inteligência. Segundo Delval (1998)
Os indivíduos não somente formam conhecimentos concretos, mas adquirem sistemas para receber informação e transformá-la. Mais do que os conhecimentos concretos que um indivíduo possui, o que o capacita a aprender são as formas de abordagem dos problemas de que dispõe (p. 56).
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Para esse autor, o objetivo da educação não é apenas a transmissão de conhecimento e o ensino de habilidades, sendo responsabilidade da escola a contribuição para o desenvolvimento mental, moral e afetivo dos sujeitos além de propiciar a construção do conhecimento. Mas, como se desenvolve a inteligência? Será que esta já está programada no momento do nascimento? Um bebê nasce inteligente? Para seguirmos nossa reflexão, apresentaremos como um sujeito se torna inteligente, pois dessa maneira poderemos compreender a relevância de repensarmos o trabalho cognitivo em nossas instituições de ensino. Em primeiro lugar, diferentemente do que muitos educadores acreditam, o conhecimento não é transmitido oralmente para que o aluno aprenda memorizando a informação. Piaget (1970; 1964-2001), em alguns de seus estudos a respeito da epistemologia genética, comprovou que a inteligência é a adaptação de um organismo a situações novas. Nesse processo, as estruturas mentais são construídas, por meio de sua própria ação, a partir da interação com o meio físico e social. Desde que nasce até a idade adulta, o indivíduo se desenvolve mentalmente por um processo no qual as estruturas de sua inteligência se constroem progressivamente. Dessa forma, não existem estruturas inatas, existe uma capacidade biológica para que se desenvolvam, supondo sempre uma construção. É um processo em que estão constantemente ligadas em cadeia a outras elaboradas anteriormente, sendo, portanto, indissociáveis (PIAGET, 1964-2001). A adaptação de um sujeito consiste na capacidade de transformar a realidade na qual está inserido, além de modificar a si mesmo para atender às solicitações do meio. Essa, entendida como um processo, depende da integração e do equilíbrio entre dois mecanismos que propiciam que as estruturas se transformem dando origem a outras novas. O primeiro desses mecanismos é a assimilação, que consiste em o sujeito atribuir significado a um objeto incorporando-o às estruturas já construídas, sendo capaz de integrar os significados que abstraiu, possibilitando sua compreensão. O segundo, é a acomodação que, conjuntamente ao anterior, supõe que o organismo sofra uma modificação em função da influência do meio, ou seja, uma estrutura será alterada devido a algumas peculiaridades do novo objeto que está sendo assimilado. Para Mantovani de Assis e Assis (1999):
Ao adaptar-se a um objeto novo, a criança aplica sobre ele seus esquemas de ação (olhar, sugar, pegar, balançar, etc...) e assimila este objeto a um ou vários destes esquemas. Muitas vezes, entretanto, o objeto, ao ser assimilado, impõe resistência ao sujeito, de maneira que os esquemas de que ele dispõe não são suficientes para assimilá-lo. Ocorre, então, a acomodação, ou seja, a
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modificação do esquema, em decorrência da resistência que o objeto oferece ao ser assimilado (p. 45).
A resistência gerada pelo fato de o sujeito ainda não possuir as estruturas necessárias para realizar sua assimilação leva a um desequilíbrio. A construção de novos esquemas, por meio da interação, possibilitará que este organismo recobre o equilíbrio, porém este não será idêntico ao anterior. Isso acontece porque ocorrem modificações em que estruturas mais simples passam a outras mais complexas por meio desse processo adaptativo. Para tanto, para que o desenvolvimento intelectual seja produzido de maneira harmoniosa, é indispensável um meio social e físico favorável e que o mecanismo autorregulador possa funcionar em condições satisfatórias (DELVAL, 1998). Embora esse processo de equilibração seja idêntico durante todo o desenvolvimento, existem divergências entre as condutas do sujeito em suas diferentes idades. Conforme se desenvolve, ele amplia seu repertório de esquemas e constrói novas estruturas que oportunizam o progresso da inteligência à medida que ficam mais velhos. Por essa razão, para compreender e caracterizar as transformações das estruturas intelectuais ao longo da vida é necessário diferenciar os quatro estágios do desenvolvimento cognitivo elaborados por Piaget. Conforme Seber (2002), “as constantes ultrapassagens dos limites das aquisições, por causa das sucessivas conquistas, dão a esse desenvolvimento um caráter sequencial e integrativo” (p. 15). Isso quer dizer que obedecem a uma sequência, pois apresentam determinadas particularidades em cada momento da evolução do pensamento, não podendo um se adiantar em relação aos demais. Além disso, o avanço para um período mais evoluído implica que ele englobe os anteriores. Portanto, cada estágio constitui uma forma particular de equilíbrio, de acordo com as estruturas pelas quais é definido, sendo a evolução mental resultante de uma equilibração sempre mais completa (PIAGET, 1964-2001, p. 15). Apesar de seguirem sempre a mesma sequência, não foram definidas idades rígidas para seu desenvolvimento, pois dependem da interação do sujeito com o meio. O primeiro estágio, denominado sensório-motor, começa no nascimento e transcorre até aproximadamente os 2 anos de idade. Nesse período, há o domínio de atividades sensoriais e motoras, não existindo formas de representação mental. Por essa razão, a inteligência é considerada como prática, que se refere à manipulação dos objetos utilizando-se de suas percepções e movimentos.
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No segundo, chamado de pré-operatório, que começa por volta dos 2 indo até 7 anos, tem seu início marcado pelo surgimento da linguagem, demonstrando sua capacidade de representação, ou seja, de fazer no plano mental o que antes só era possível por meio das ações práticas. Segundo Piaget
Além de todas as ações reais ou materiais que é capaz de efetuar, como no curso do período precedente, a criança torna-se, graças à linguagem, capaz de reconstituir suas ações passadas sob forma de narrativas, e de antecipar suas ações futuras pela representação verbal (1964-2001, p. 24).
Com a capacidade de representação, surge o pensamento propriamente dito, porém a criança ainda não consegue pensar com lógica. Dessa forma, seu pensamento é pré-lógico ou intuitivo, pois sendo estático e rígido não possibilita que esta se prenda aos aspectos externos das situações, sem conseguir ver as informações como um todo. O terceiro estágio, operatório concreto, que vai aproximadamente dos 7/8 aos 11/12 anos, é marcado pela conquista do pensamento lógico em que o sujeito consegue estabelecer relações entre as transformações. Essa capacidade só é possível devido à reversibilidade, que consiste na “capacidade de representar uma ação no sentido inverso de uma ação anterior, anulando a transformação observada” (MANTOVANI DE ASSIS e ASSIS, 1999, p. 50). Nesse período, as ações passam a ser móveis e reversíveis, transformando-se em operações de pensamento, isto é, o sujeito passa a operar sobre situações conhecidas ou sobre objetos do conhecimento manipuláveis. Por volta dos 12 anos, se inicia o último estágio, sendo que neste ocorrem amplas mudanças no comportamento da criança. A passagem para o estágio operatório formal registra sua entrada no mundo adulto por meio da adolescência. Uma característica fundamental dessa fase é o pensamento hipotético-dedutivo, pois, se antes operava de forma concreta, agora tem a possibilidade de formular hipóteses e raciocinar sobre proposições verbais. Segundo Piaget, ele consiste na capacidade de:
deduzir as conclusões de puras hipóteses e não somente através de uma observação real. Suas conclusões são válidas, mesmo independente da realidade de fato, sendo por isto que esta forma de pensamento envolve uma dificuldade e um trabalho mental muito maiores que o pensamento concreto (PIAGET, 19642001, p. 59).
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A epistemologia genética piagetiana sustenta a ideia de que o conhecimento não está no sujeito (organismo) nem no meio (objeto), mas na interação entre eles. Dessa forma, entende-se por aprendizagem “uma mudança na disposição ou na conduta de um organismo, relativamente permanente e que não se deve a um processo simples de crescimento” (DELVAL, 1998, p. 54). Essas mudanças acontecem em períodos definidos de tempo, sendo o resultado de determinada situação, como por exemplo, aprender os nomes de frutas e cores. Em relação ao desenvolvimento, as alterações ocorrem em períodos mais longos, influenciando mais aspectos da conduta, sendo consequência da inter-relação de vários fatores, entre eles a influência do ambiente, como quando os pequenos desenvolvem a fala. É possível dizer que a aprendizagem ocorre como parte do desenvolvimento intelectual, ou seja, é considerada um de seus fatores, sendo vista como condição necessária, mas incapaz de construir novas estruturas de inteligência. Assim, não há como existir sem ser considerada como parte desse processo mais amplo que é o desenvolvimento mental que, além da influência do meio físico e social, necessita do papel ativo do próprio sujeito. Para isso, não se pode deixar de validar que o desenvolvimento dependerá de sua maturação biológica, associada às experiências vividas e à ação do meio social, organizadas pelo processo de equilibração. Portanto, a primeira depende do segundo, sendo que o inverso não acontece. Dessa forma, para que um sujeito possa adquirir conhecimento dependerá desses dois elementos: a aprendizagem e o desenvolvimento. Portanto, parece-nos ficar claro que se queremos em nossas escolas promover a aquisição do conhecimento, será preciso considerar como se procede o desenvolvimento intelectual dos alunos, considerando os estágios de evolução de sua inteligência. Não será possível limitar o trabalho à simples transmissão verbal do conteúdo tornando-se necessário buscar por estratégias que apresentem problematizações geradoras de desequilíbrio a fim de possibilitar, de forma ativa, que os estudantes busquem por formas de equilibração construir novas estruturas cognitivas. Certamente, há a possibilidade de o professor auxiliar induzindo as soluções para os desafios com os quais vão se deparar, fornecendo instruções verbais prontas, como geralmente é feito nas escolas. No entanto, apesar de facilitar a busca por uma resposta correta, não supõe que novos esquemas possam ser formados e posteriormente generalizados para outras situações. Por essa razão, o educador deve encorajar seus alunos a refletir sobre suas próprias soluções, a confrontálas com as ideias de seus colegas, propor questões que os ajudem a repensar suas perspectivas favorecendo a descentração de seu ponto de vista para a compreensão de outros divergentes. Esse
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processo leva tempo; porém, o diferencial reside no fato de que o estudante terá a oportunidade de entender o que está realizando em vez de cumprir com listas extensas de atividades muitas vezes sem sentido. Sendo assim, quando nos referimos à aprendizagem, a partir dessa teoria, requer pensá-la como algo que estruturalmente depende do desenvolvimento, mas que ao mesmo tempo contribui para que este ocorra. É claro que nem tudo pode ser „redescoberto‟ pelo próprio sujeito como no caso dos vocábulos escolhidos para nomear os objetos. Por exemplo, para saber que a bola tem esse nome, foi necessária a interação com outras pessoas que lhe deram tal informação uma vez que não tinha como ser descoberta por meio da experiência sobre o objeto. Trata-se de um conhecimento social, como fora denominado por Piaget (Kamii, 1989), e tem origem principalmente nas convenções estabelecidas pelas pessoas e precisa ser informado. No entanto, uma vez que o conhecimento deve ser inventado, reinventado ou descoberto pelo próprio sujeito por meio da ação sobre o objeto, a transmissão verbal não será eficaz para que o conhecimento seja estruturado. Todavia, existem outros dois tipos de conhecimento vivenciados pelo próprio sujeito e que favorecem o desenvolvimento: o físico e o lógico-matemático. O conhecimento físico se origina da ação do indivíduo sobre os objetos possibilitando que extraia suas características observáveis, como o peso, a cor, a textura, o gosto, entre outras de suas propriedades. É por meio de seus sentidos que a criança estrutura esse conhecimento tendo a possibilidade de apalpar, quebrar, dobrar, cheirar, apertar, esticar o objeto que está conhecendo por meio da abstração empírica. Conforme Mantovani de Assis e Assis (1999) A “abstração empírica” é a abstração das propriedades observáveis que são inerentes aos objetos. [...] Essas propriedades são extraídas quando a criança age sobre os objetos e observa como eles reagem às suas ações (p.37).
O conhecimento lógico-matemático, entretanto, tem origem na “abstração reflexiva” uma vez que surge das relações mentais estabelecidas pelo próprio sujeito entre dois ou mais objetos. Sendo assim, este não pode ser ensinado, precisa ser construído internamente por aquele que age sobre o objeto de conhecimento. Posteriormente a essa construção não mais será esquecido. Quando professores questionam o fato de que os alunos aprenderam determinado assunto que lhes foi “ensinado” e depois esqueceram, comprova a ideia de que tais conteúdos foram
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“treinados” por um tempo e esquecidos por não ter ocorrido reflexão e a construção mental do próprio sujeito. Frequentemente o que acontece é que a escola trabalha os conteúdos como se fossem conhecimento social, desconhecendo a existência daqueles que surgem num processo ativo do aprendiz. Um ensino ativo requer indiscutivelmente a ação do próprio sujeito. Reconhecendo que o conhecimento é um processo interno e que não pode ser implantado de fora para dentro, cabe ao professor criar condições favoráveis para a aprendizagem de seus alunos. Dessa forma, os estudantes devem participar das decisões e da organização das atividades que serão realizadas. Não estamos dizendo que fazem somente o que desejarem, supondo a ausência de limites, o que, aliás, é um dos equívocos em relação ao construtivismo. Ao contrário, todos do grupo podem discutir, opinar, trocar ideias, levantar soluções, entre outras práticas que podem promover o desenvolvimento da autorregulação necessária para o exercício da autonomia. O contraste das próprias opiniões com as de outras pessoas é uma das vias fundamentais do progresso do conhecimento, portanto a interação também favorece que desenvolvam essa capacidade de se autorregular. Cabe ao educador proporcionar condições para que façam suas escolhas e assumam os resultados por seus atos. Outra questão relevante, ao repensarmos a aprendizagem em nossas escolas, é o papel do erro diante da ideia de construção do conhecimento. A educação tradicional sempre nos mostrou que errar era algo que deveria ser evitado, valorizando somente as respostas corretas, tornando-se um juízo indissociável das práticas avaliativas que comumente são vivenciadas pelos estudantes. Entretanto, o erro na visão construtivista é considerado como parte do processo. Ao acreditarmos que as construções se realizam por meio da autorregulação, tem-se a compreensão de que os aspectos do erro podem ser corrigidos ou mantidos, tendo em vista o que se quer alcançar. Dessa forma, o erro e o acerto são intrínsecos no desenvolvimento, não sendo predeterminados ou dados externamente (MACEDO, 1994). Muitos educadores, quando se referem à aprendizagem, se queixam constantemente de que um dos problemas que enfrentam é a falta de interesse, que aumenta significativamente nas séries mais avançadas. No entanto, Piaget (1954-1994) aponta que a necessidade de conhecer, ou seja, a curiosidade manifesta-se desde muito cedo. Uma questão pode surgir: como sujeitos que entram ainda tão pequenos na escola perdem o interesse por adquirir conhecimento? Podemos dar indícios de uma resposta para tal questão por meio da definição de uma educação construtivista
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que destaca a atividade do próprio sujeito, apresentando três requisitos básicos: envolver seu interesse, inspirar experiências com direito a tentativas e erros, e apoiar a cooperação entre adultos e crianças e entre os iguais (DEVRIES e ZAN, 1998). Para Claparède (apud PIAGET, 1954-1994) o interesse funciona como um regulador interno, pois controla a energia destinada para a satisfação de suas necessidades, que poderá levar ao reequilíbrio do sujeito. Porém, nem o objeto, nem essa necessidade são suficientes para levar à ação, pois será necessário que se estabeleça uma relação entre esses dois aspectos da motivação intrínseca. É possível compreender que estar motivado não depende somente do próprio aluno, uma vez que sofrerá as influências do ambiente em que está inserido. Torna-se necessário atentar para as dimensões em sala de aula que podem repercutir nesse aspecto, como rever a postura da autoridade, as interações entre alunoprofessor e entre os pares, o tipo de atividades propostas, os conteúdos ensinados e os procedimentos de avaliação. Para tanto, a sala de aula deve ser um ambiente acolhedor em que o aluno se sinta pertencente, reconhecido no seu esforço em aprender, legitimado e nunca desmerecido quanto a sua dúvida ou dificuldade. Com certeza, aulas muito expositivas, atividades mecanicistas, cópias e exercícios repetitivos prejudicam a motivação. Vale a pena também que os alunos façam parte do projeto das disciplinas podendo selecionar conteúdos que tenham sentido para eles. A atividade proposta deve envolver os alunos, desafiá-los, mas é relevante que seja um desafio passível de ser realizado, sendo para isso necessário esforço e engajamento do sujeito. O educador precisa estar atento, ainda, ao nível de dificuldade da tarefa, cuidando para que não seja fácil demais nem muito difícil. O esforço, principal indicador da motivação, só é utilizado pelo estudante para ultrapassar suas próprias dificuldades ou para se engajar em situações novas ou desafiantes caso este acredite na sua própria capacidade de obter êxito (BORUCHOVITCH e BZUNECK, 2009). Guimarães (2001) esclarece ainda que a motivação extrínseca presente na prática escolar pode ser entendida como “resposta a algo externo à tarefa ou atividade, como para a obtenção de recompensas materiais ou sociais” (p. 46) uma vez que o estudante reconhece que seu envolvimento com as atividades propostas promoverá os resultados desejados. Para a autora, esse tipo de motivação geralmente é visto como controle externo e heterônomo; no entanto, afirma a existência de um continuun desenvolvimento de forma que o indivíduo extrinsecamente motivado possa integrar e internalizar seus comportamentos. Inicialmente, a regulação é externa
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justificando o envolvimento do estudante somente por pressões e incentivos do meio. Num segundo nível, não há mais a necessidade de esses controladores estarem presentes. Chamada regulação introjetada, ainda não faz parte dos projetos e dos desejos do próprio sujeito. Passando para a regulação identificada, o aluno aceita o comportamento que lhe é apontado como parte de seus projetos pessoais. No último e mais elevado desses níveis, a regulação é integrada, sendo visto como o mais autônomo, pois as pressões e os incentivos externos buscam informar ações que devem ser cumpridas, não sendo considerados mecanismos de coerção. O meio mostra o caminho, mas o sujeito faz a escolha por segui-lo. Gallego e Becker (2008), em pesquisa realizada a respeito de como seria um professor significativo na opinião de alunos do Ensino Médio, confirmam a importância do ambiente promovido pelo educador para a motivação e o desenvolvimento dos estudantes. Segundo as autoras, três aspectos essenciais podem definir um educador significativo e respeitado para os adolescentes. Os resultados apontaram que um professor respeitado e significativo é aquele que estabelece com os estudantes relações e trocas afetivas que se baseiam em respeito mútuo, promovendo a livre expressão e a cooperação. Além disso, domina o conteúdo com que trabalha e sabe ajudar os discentes no processo de construção de seus conhecimentos. Divergindo da possível crença do senso comum, de que os jovens dariam preferência aos docentes considerados mais amigos por “darem nota” ou “facilitarem a avaliação”, ficou evidenciado que, para os sujeitos da pesquisa, o bom professor é “aquele que se preocupa verdadeiramente com o aprendizado” (p. 129) e cuja relação é respeitosa com os alunos. Reconhecendo a importância da interação nessa perspectiva, há que se considerar que a aprendizagem também pode ocorrer mediante a realização de trabalhos em grupo, que pode potencializar a atividade do sujeito. Considerando que uma das melhores maneiras de aprender é por meio da resistência oferecida pelo objeto e pelas outras pessoas, esse método é favorável uma vez que gera a discussão das ideias de cada um e a coordenação com as dos outros integrantes. Segundo Delval (1998), mesmo quando um aluno está convicto de determinada opinião, será levado a analisar seu ponto de vista para demonstrar ao outro sujeito que tem uma perspectiva divergente. Nesses momentos, a troca é favorecida, além da diversidade de opiniões. Tal prática incrementa o processo de aprendizagem, dando oportunidade à aquisição do conhecimento pelo fato de que numa mesma equipe há integrantes de diferentes ritmos e habilidades variadas. Piaget (1998) refere-se à evolução da postura do sujeito diante das interações no grupo, enfatizando que
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apenas por volta dos 11 anos haverá a cooperação e o pensamento se tornará reversível, possibilitando um verdadeiro trabalho em equipe. Todavia, a realidade encontrada parece não considerar questões sobre o desenvolvimento. Afirma que as propostas em grupo serão frutíferas aos 10 anos, o que não quer dizer que não devam ser propostas desde cedo nas escolas. Quantas vezes presenciamos crianças sentadas em duplas ou trios, mas realizando propostas individuais em que cada uma escreve na sua “folha”? Isso quando a conversa não é permitida, mas compreendida como prejudicial para a atividade da turma. É fato também que à medida que ficam mais velhas menos oportunidades têm de trabalhar em grupo, sendo incentivadas ao individualismo. Geralmente, os professores evitam a realização desse tipo de atividade por estarem sujeitos ao barulho gerado pela classe, à necessidade de um tempo maior para ser concluída, “a falta de controle” sobre o que cada aluno está fazendo ou aprendendo, o surgimento de conflitos interpessoais e o desequilíbrio entre o esforço empenhado por cada integrante. Acrescentaria a esses aspectos o seu despreparo para lidar com esses problemas naturais diante das propostas em grupo. Porém, uma observação merece destaque. Não basta unir os alunos e dar atividades que seriam feitas individualmente para o grupo para que realmente aconteça um trabalho coletivo. É preciso considerar que mais do que sentar um perto do outro, esse tipo de atividade exige do professor atenção para agrupar os sujeitos, preparar propostas adequadas e interessantes, possibilitando que eles participem das escolhas dos temas, das formas de apresentação, da seleção de materiais de apoio. Outro cuidado se faz indispensável: Um trabalho coletivo deve chegar a um resultado alcançado por todos os componentes, o que não quer dizer que para sua realização basta dividir tarefas para cada um cumprir e depois juntar como um produto final. É preciso que sejam elaboradas propostas de atividades que levem seus participantes a se unir para trocar ideias, visando o encontro de soluções para a situação-problema apresentada, envolvendo-os num exercício de legítima cooperação. Ao abordar tais questões sobre o desenvolvimento intelectual e a aprendizagem, não é possível deixar de pensar em outro tema, intimamente relacionado a esses, que precisará ser revisto nessa perspectiva. Estamos nos referindo à avaliação. Como avaliar os conhecimentos em construção? Qual o papel das provas realizadas pelas escolas? Seria coerente atribuir nota ao desenvolvimento do pensamento?
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Em estudos sobre o tema Hoffmann (2007; 2010) relata que, de um modo geral, os professores, nos vários níveis de ensino, questionam-se sobre a coerência do processo avaliativo, sendo que cada um lhe atribui significados divergentes. Destaca que, muitas vezes, mesmo quando declaram sua insatisfação, é possível conferir que reproduzem suas vivências como estudantes, usando de práticas semelhantes às que sofreram na escola. Nesse sentido, sua concepção de avaliação parece limitar-se ao julgamento de valor dos resultados, ou seja, considerando somente as mudanças que acontecem com o aluno. Segundo a educadora:
Exercendo-se a avaliação como uma função classificatória e burocrática, persegue-se um princípio claro de descontinuidade, de segmentação, de parcelarização do conhecimento. Registros e resultados bimestrais, trimestrais ou semestrais estabelecem uma rotina de tarefas e provas periódicas desvinculadas de sua razão de ser no processo de construção do conhecimento. [...] Essas sentenças periódicas, terminais, obstaculizam na escola a compreensão do erro construtivo e de sua dimensão na busca de verdades. Impedem que os professores e alunos estabeleçam uma relação de interação a partir de reflexão conjunta, do questionamento, sobre hipóteses formuladas pelo educando em sua descoberta do mundo (HOFFMANN, 2010, p. 17).
Uma nova perspectiva de avaliação exigirá que o educador conceba os educandos, independente do nível de ensino, como sujeitos do seu próprio desenvolvimento. Para isso, tornar-se-á importante que se aprofunde numa teoria do conhecimento, pois somente dessa forma se apropriará de fundamentos teóricos para compreender como seu aluno pensa e que tipo de proposta seria condizente para lhe causar algum desequilíbrio. Parece-nos ficar claro que, no construtivismo, esse tema abrange a compreensão do processo de cognição e da construção do conhecimento, sobrepondo-se a uma visão reducionista em que somente é feita uma apreciação final do desempenho do aluno para fins classificatórios. No entanto, o que se vê frequentemente é uma avaliação realizada por meio de provas com o objetivo de mensurar o desempenho acadêmico, distanciando-se da ideia de avaliar durante o processo de desenvolvimento e aprendizagem do aluno. O processo avaliativo de um aluno é bem mais complexo do que a aplicação de exercícios e questões para que possa ser atribuído um conceito pelo professor. Mas, como avaliar esse processo? Que instrumentos usar para auxiliar na tomada de consciência da aprendizagem? Uma outra estratégia de avaliação processual, em que há a participação ativa do aluno favorecendo o comprometimento com sua própria aprendizagem, é a elaboração de portfólios.
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Durante determinado período, o estudante organiza uma coletânea de seus trabalhos e produções com a finalidade de dialogar com os demais sujeitos envolvidos nesse processo avaliativo de desenvolvimento e de aprendizagem. Segundo Smole e Diniz (2011):
Um portfólio pode incluir textos, projetos, produções individuais ou de grupos, reflexões pessoais do aluno. Na discussão sobre como organizar um portfólio e o que incluir nele, é preciso considerar que não são todas as informações e registros dos alunos que irão compor a pasta, pois, se assim for, perde-se a possibilidade de uma análise mais minuciosa, seletiva e organizada dos registros e do que é essencial para o processo de avaliação (p. 19).
O estudante é responsável pela elaboração de seu portfólio, o que não exclui o papel do professor, que deve auxiliar na organização e na escolha das informações que comporão a coletânea, bem como no planejamento dos trabalhos a serem realizados e quais serão documentados. Além disso, o docente compreende a riqueza do uso desse material no processo de avaliação e autoavaliação do aluno. Em acordo com Mantovani de Assis e Vinha (2005), acreditamos que:
A educação construtivista requer que o professor compreenda, profundamente, como a criança constrói o conhecimento e como se desenvolve em todos os seus aspectos; perceba os caminhos do raciocínio dela; o que já é capaz de assimilar e o que ainda não consegue compreender; saiba apresentar questões que a desequilibre, que gere conflitos cognitivos e propicie estímulos adequados para a criança agir na busca do equilíbrio. [...] É necessário que o professor procure investigar o que a criança está pensando, compreenda como ela é e lhe proponha situações que favoreçam seu desenvolvimento e aprendizagem (p. 90).
Assim sendo, consideramos que, à medida que conhecemos como se processa o desenvolvimento da inteligência humana, faz-se necessário repensar o trabalho com o conhecimento na escola, bem como as práticas utilizadas para sua avaliação. Não se pode desconsiderar uma nova concepção de erro, levando-nos a pensar que o conhecimento que o educando produz faz parte de um processo de superação pessoal. Abordamos aspectos importantes para o desenvolvimento moral, intelectual e para a construção de um ambiente sociomoral cooperativo. No próximo tópico, abordaremos o papel da afetividade para o agir moral na perspectiva adotada neste estudo.
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1.3.4 A relação entre cognição e afetividade
No convívio escolar como no familiar, frequentemente os educadores se deparam com situações em que é possível constatar que as crianças e os adolescentes sabem o que deveria ser feito, mas algumas de suas ações são contrárias ao considerado certo por eles mesmos. Surge a questão: se tinham conhecimento de que era “correto”, por que não o fizeram? Há algum tempo a Psicologia Moral7 vem tentando sanar essa dúvida por meio da discussão sobre a ação moral e a relação entre as dimensões cognitiva e a afetiva. Piaget (1954-1994) reconheceu em seus estudos que as ações humanas eram motivadas por uma afetividade, em que destacou que esta caminha paralelamente ao desenvolvimento cognitivo. Para ele, não existem atos de inteligência sem o interesse do sujeito como seu disparador. Verificou que, apesar de a afetividade não ter poder para desenvolver as estruturas, influencia no funcionamento destas, sendo considerada como a energética da ação. Mas, qual a origem dessa energética? La Taille (2006; 2009) destacou a importância dessa energia afetiva para o agir moral, uma vez que saber o que deve ser feito não é garantia de que a ação desejável será realizada. Para a compreensão dessa relação, torna-se necessário esclarecer a definição dos termos moral e ética, uma vez que são usados por muitos autores como sinônimos. Em seus estudos, mostrou que à moral cabem as regras que devemos cumprir se relacionadas ao bem estar de si e dos outros. São elas quem determinam os deveres, isto é, que indicam o que deve ou não ser feito. Portanto, a moral faz parte da dimensão da obrigatoriedade, podendo ser traduzida na forma de uma questão: “Como devo agir?” Assim, o papel da razão torna-se indispensável para que o indivíduo conheça quais são os deveres e as regras a serem seguidos, sendo capaz de tomar decisões, de se descentrar, coordenar perspectivas, pensar por meio de hipóteses. Entretanto, só o conhecimento não é suficiente para uma realização. Saber o que é certo fazer não garante que seja feito, é necessário um „querer agir‟, uma força que comande nossas ações e esta somente será encontrada no plano ético quando se busca responder: “Que vida quero viver?”.
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Entende-se por Psicologia Moral a “ciência preocupada em desvendar por quais processos mentais uma pessoa chega a intimamente legitimar, ou não, as regras, princípios e valores morais” (LA TAILLE, 2006).
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Para justificar o que leva um sujeito a agir moralmente, é preciso que o conhecimento esteja revestido de afetividade, ou seja, que se torne valor. Foi visto que todo indivíduo, desde que nasce, tem como objetivo a busca pela expansão de si, que pode ser entendida como a intenção constante de ser visto como valor (positivo, sem dúvida), tornando-se a motivação básica para atribuir sentido a sua existência. Entende-se por valor o investimento afetivo que é depositado num objeto; por exemplo, valorizar ações honestas e justas ou ter uma roupa da moda. Assim sendo, é preciso considerar que existem valores morais (honestidade, generosidade, justiça etc.) e não morais (beleza, riqueza, poder etc.). Segundo Adler (1935), todo ser humano, naturalmente, apresenta um sentimento de inferioridade, o que o leva a uma constante busca por sua própria expansão, promovendo a construção das imagens de si, isto é, de busca sempre por se ver como alguém de valor positivo. Devido à capacidade humana de representação, desde muito cedo, por volta dos 12 meses, a criança conquista a tomada de consciência de si. A partir desse momento consegue perceber-se como um sujeito que faz parte do meio, reconhecendo que pode ver a si mesmo e ser visto pelos outros. Dessa maneira, começa a construir suas imagens de si, sendo que ao seu conjunto é dado o nome de representações de si, que são sempre investimentos afetivos. À medida que uma imagem for representada de forma positiva, haverá a possibilidade de o indivíduo desenvolver o autorrespeito, favorecendo posteriormente o respeito ao outro, aspecto necessário para a vida moral. Isso acontece uma vez que só é possível respeitarmos nossos semelhantes quando primeiro respeitamos a nós mesmos. Além de as representações serem constituídas pelas imagens originadas no juízo que o próprio indivíduo faz dele mesmo, não se pode desconsiderar o papel do julgamento alheio. Uma vez que busca incessantemente ser visto como valor positivo, o olhar do outro também influenciará na construção da maneira como se vê. Com frequência, encontram-se pessoas que se atribuem determinadas características, muitas vezes negativas, pois estas faziam parte (ou ainda fazem) do julgamento de adultos que lhes são significativos. Essa informação pode levar a uma situação muito presente na rotina das escolas em que um aluno, depois de ser repreendido, frequentemente na frente dos demais, considera que se sua imagem já está decaída e não adianta mais mudar seus atos. O que normalmente acontece é que como não tem mais nada a perder, repete os comportamentos pelos quais foi repreendido muitas vezes, chegando a piorá-los. Faz-se necessário o alerta aos educadores de um modo geral que, o conteúdo das críticas e dos elogios,
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ou seja, dos seus valores transmitidos por suas ações, palavras e até mesmo por um olhar, podem influenciar nessa construção das representações de si. Além do juízo a respeito de sua pessoa, outros aspectos que também influenciam o conjunto dessas imagens são: a interpretação que faz de seus próprios fracassos e sucessos, a auto-expectativa que se transforma numa espécie de parâmetro a partir do qual o sujeito irá se cobrar e a inspiração nos modelos pelos quais sente admiração. Sendo assim, enquanto o plano moral é responsável pela conscientização das regras, ao ético cabe o controle dessa energia que leva à ação. Sua relação pode ser entendida pelo fato de que esse último engloba o primeiro uma vez que para compreender o agir moral será necessário conhecer a perspectiva ética pela qual o sujeito optou. Dito de outra forma,é possível procurar no plano ético a motivação que levou a determinadas ações no moral, como parte da busca incessante de ter uma vida boa. Tal relação pode ser conferida nas palavras de Tognetta (2009):
É a busca por um sentido que nos faz sermos melhores. Expliquemos: se tomar consciência de um dever moral não é suficiente para que nossas ações sejam justas, generosas, é porque para assim serem é preciso que queiramos fazer o bem ao outro, mas se isso for o que nos fizer, também, sentirmos bem. Por isso a vida boa. Agora vejamos: se a moral, como um conjunto de deveres, é inspirada pela tomada de consciência, a Ética é inspirada por uma energia ou o que chamamos de afetividade (TOGNETTA, 2009, p. 23).
O olhar da escola, portanto, deverá contemplar essas duas dimensões, a cognitiva e a afetiva, compreendendo que o valor moral não está simplesmente na obediência às regras determinadas socialmente, e sim, no motivo da obediência, isto é, no princípio compreendido em cada ação (PIAGET, 1932-1994). Além dos fatores apresentados anteriormente como indispensáveis à construção de um ambiente cooperativo em que se favoreça o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral, destacamos outros dois temas pertinentes ao espaço escolar numa perspectiva construtivista: os conflitos interpessoais e o trabalho com as regras. A seguir, são apresentadas as principais ideias a respeito desses temas.
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1.3.5 Os conflitos interpessoais na escola
A interação entre os sujeitos, inevitavelmente, gera conflitos, uma vez que se deparam com as diferenças entre suas perspectivas. Essas divergências podem ser consideradas interações em desequilíbrio causadas por comportamentos externos de oposição ou por manifestações sutis da afetividade, tais como expressões, tom de voz, mesmo gestos quando não são tão evidentes. Assim, a resistência que uns colocam em relação aos desejos e ao ponto de vista dos demais podem dar origem à situações conflituosas. Para tanto, sua resolução será possível à medida que os envolvidos consigam se descentrar para considerar outras perspectivas além das suas próprias e regular seus afetos, o que dificilmente acontece de forma natural ou espontânea. Piaget (19321994) os julga elementos indispensáveis para desencadear o processo de equilibração e consequentemente a autorregulação. Pesquisas na área da educação (FANTE, 2003; SOARES, 2007) constataram a queixa constante dos educadores sobre a presença dos conflitos nas escolas e sua inabilidade para lidar com situações de indisciplina e problemas de comportamento. Em estudo realizado com 4000 alunos de 6º ao 3º ano do Ensino Médio de instituições públicas e privadas, Leme (2006) verificou que segundo 52% dos estudantes de 6ª série e 46,9% de 8ª série, reconhecem que nos últimos anos houve um aumento dos conflitos na instituição em que estudam. Sendo assim, não se pode desconsiderar que as situações conflituosas fazem parte do contexto escolar, despertando certa urgência de que medidas sejam providenciadas para que esses dados não se repitam, e de preferência, não cresçam, justificando assim o aumento da quantidade de regras e punições nos espaços escolares. Numa perspectiva construtivista, as situações conflituosas são vistas como ocorrências naturais em qualquer relação e consideradas necessárias ao desenvolvimento do indivíduo. Os problemas que surgem na rotina escolar podem tornar-se oportunidades para o professor trabalhar as regras e os valores inerentes a eles. No entanto, é preciso que ele não se preocupe apenas em sanar o problema ou impedir que ocorra, e sim, tenha consciência de que pode propiciar produtivos momentos de reflexão, auxiliando no processo de seus alunos na tomada de consciência de seus pontos de vista assim como no reconhecimento e respeito aos dos outros. Geralmente, o modo de conduzirem situações de conflito podem favorecer, ou não, o desenvolvimento moral dos educandos.
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Para que um sujeito possa lidar com os conflitos em que se envolve de maneira assertiva, é preciso que consiga considerar, além de suas próprias perspectivas, as dos demais envolvidos na situação, buscando soluções justas, que incidam sobre as causas, procurando agir de forma respeitosa e cooperativa. Entretanto, o que geralmente se encontra nas escolas é o uso de práticas autoritárias, que buscam a pura obediência às regras construídas pelas fontes de autoridade, ou seja, professores, coordenadores e diretores. Em geral, há a predominância de ambientes autocráticos, em que diversos mecanismos disciplinares são usados para fazer com que as crianças e jovens se comportem de acordo com o esperado e para que não haja problemas. O estudo realizado por Vinha (2003) voltou seu olhar para a influência do ambiente sociomoral escolar na maneira de as crianças se relacionarem e resolverem seus conflitos interpessoais. A amostra era composta por duas salas de 3ª série (4º ano) do Ensino Fundamental, sendo uma turma caracterizada como um ambiente autocrático, onde prevaleciam as ações coercitivas baseadas no respeito unilateral e na autoridade do professor, e a outra apresentava um ambiente mais democrático, em que as relações eram mais cooperativas, favorecendo o respeito mútuo e a participação dos alunos nas escolhas e nas tomadas de decisão. Após serem observadas e analisadas as relações interpessoais identificadas em ambas, algumas conclusões foram possíveis. Entre elas, confirmou-se a hipótese de que as crianças inseridas no ambiente mais democrático utilizavam estratégias mais evoluídas para a resolução de seus conflitos, o que não acontecia na outra turma. Os resultados indicados mostraram que o ambiente escolar influencia na formação das crianças tanto individualmente quanto na forma como se relacionam e lidam com seus conflitos interpessoais. Ao considerar o papel do professor, evidenciou-se que para favorecer o desenvolvimento de seus alunos, deve compreender que os conflitos pertencem às crianças e que a ele cabe a mediação construtiva para a resolução. Na perspectiva tradicional, que difere da concepção construtivista, os educadores compreendem harmonia como ausência de conflitos, uma vez que estes são considerados como antinaturais. Geralmente, as escolas autocráticas utilizam três tipos de mecanismos para lidar com os problemas que surgem em seus espaços. O primeiro deles é por meio de contenção, medida usada após o conflito acontecer. Acredita-se que ao receber uma punição, o aluno não voltará a repetir os mesmos comportamentos, por isso recorrem com muita frequência à „terceirização‟ dos conflitos para a família ou para especialistas. Em vez de o aluno ter a oportunidade de refletir sobre seus atos e as possíveis soluções, tem seus problemas entregues aos pais para que estes
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tomem as providências que julgarem cabíveis, diferente do que se espera numa visão construtivista, em que os envolvidos devem participar ativamente da busca de alternativas para resolver as situações conflituosas em que se envolvem. Para Vinha e Mantovani de Assis (2005, p. 21) “os problemas que ocorrem no espaço escolar precisam ser considerados como parte do processo educativo, planejados e trabalhados como as outras matérias.” Ao terceirizar o conflito para os familiares, o professor está sobrepujando o principal responsável pelo mesmo – o aluno. O segundo se refere a mecanismos para evitar os conflitos. A escola, por exemplo, elabora inúmeras regras, mantém a vigilância dos adultos visando às condutas adequadas. Constata-se que frequentemente as instituições educativas criam extensos regimentos a fim de coibir os comportamentos indesejados, muitas vezes não sendo conhecidos por completo pelos próprios educadores. Assim, quando algum tipo de problema é recorrente entre os alunos, são elaboradas normas e sanções para que seja evitado, retirando a oportunidade de aprendizagem que este pode promover. Muitas regras e princípios aparecem misturados nesses documentos escolares, como se falar de maneira desrespeitosa com uma pessoa pudesse ser classificado da mesma forma que o fato de não comparecer a uma aula com o uniforme adequado. Deveriam ser elaboradas de modo a favorecer o desenvolvimento da autonomia moral dos estudantes e não apenas servir como instrumento de controle. É preciso refletir se são justas e necessárias, sobre a razão delas e qual o comportamento esperado, se impostas pelas autoridades ou estabelecidas por meio de mecanismos democráticos. Não se discute sua relevância na organização do espaço escolar; no entanto, parece-nos que muitos educadores cobram insistentemente que sejam obedecidas, mas na maioria das vezes nunca refletiram sobre sua real necessidade ou a respeito dos princípios que as regem. O terceiro aspecto se refere ao fato de que muitas vezes o professor ignora o conflito. Alguns estudos (LEME, 2006; MALTA CAMPOS, 2008) indicam que o conflito entre o aluno e a autoridade (professor, funcionário, especialista) é visto como sendo de maior gravidade do que o ocorrido entre pares, o que pode acarretar na conivência com situações de bullying e maus tratos entre os iguais. Muitos educadores chegam a declarar que não passa de brincadeira ou de desentendimentos naturais típicos da idade, deixando que os envolvidos resolvam entre si. Uma intervenção é feita somente quando esse tipo de ocorrência leva a desfechos como o uso de agressão física, por exemplo, não sendo possível ignorar o fato. A escola acaba despendendo de
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bastante energia para lidar com os conflitos que atingem diretamente as ordens estabelecidas pela autoridade (indisciplina); entretanto, as relações entre os iguais ficam em segundo plano. Fazemos um parêntese para abordarmos a questão do bullying. Trata-se de um fenômeno que se caracteriza por ações agressivas, intencionais e repetidas praticadas por um ou mais alunos contra outro. Nem sempre há um motivo aparente que leve a tais atitudes, no entanto, sua prática acontece dentro de relações desiguais de poder. Muitos chegam a questionar o fato de que esse tipo de violência sempre aconteceu nas escolas. É verdade, porém, atualmente deve ser visto como objeto de investigação e de intervenção, a fim de compreendermos suas particularidades bem como a necessidade de um trabalho efetivo com os personagens que participam direta ou indiretamente das ações violentas. Esses são: os agressores ou autores, que buscam entre os pares aqueles que aparentem vulnerabilidade; as vítimas ou alvos, que geralmente têm dificuldade de se impor ao grupo e os espectadores, que são alunos que não participam das intimidações tomando alguma iniciativa, mas participam zombando ou rindo das agressões. Em síntese, as estratégias utilizadas podem ser: conter, evitar ou ignorar as situações conflituosas no espaço escolar. Verifica-se que, apesar de no discurso dos educadores estar presente a meta de formar pessoas assertivas, que usem o diálogo como instrumento de resolução, na prática, os conflitos não fazem parte do seu “currículo”. Diante da dificuldade de um conteúdo científico, na maioria das vezes são realizadas intervenções para o aluno superá-la. Todavia, ao deparar-se com problemas entre os alunos em suas aulas, não têm a mesma preocupação, pois não consideram como sua a responsabilidade de resolver. Todavia, os mecanismos de controle citados podem resolver as situações conflituosas a curto prazo, porém, por serem reguladores exteriores acabam por reforçar a heteronomia. Os conflitos podem ser evitados ou resolvidos temporariamente, mas não favorecem a construção da moral autônoma como almejam muitos educadores. Para Licciardi (2010):
As estratégias de vigilância, contenção e de ignorar o conflito são as mais comumente utilizadas na escola, entretanto elas não constituem as mais adequadas para se lidar com os conflitos, uma vez que evitam o problema por meio do temor, podendo também gerar posturas conformistas, mas não colaboram para desenvolver nos alunos formas mais respeitosas, justas e cooperativas de resolução das desavenças (p. 17).
Numa visão construtivista, os conflitos são considerados como desencadeadores do desenvolvimento e da aprendizagem num processo ativo que envolve os sujeitos na discussão dos
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fatos, levando-os a pensar nos sentimentos gerados por suas atitudes, a considerar outras perspectivas além das suas e buscar soluções justas e equilibradas para si e para o grupo no qual se insere. Por exemplo, quando duas crianças disputam um livro puxando-o cada uma para si; o professor, em vez de retirar o material e guardá-lo, reconhece o desejo de ambas e as encoraja a buscar um modo de decidir quem lerá o livro primeiro, ou quem sabe, a ler juntas. É claro que uma única intervenção não basta para que isso não mais aconteça. Depois de viver experiências como essa, aos poucos pode começar a resolver de maneira mais independente conflitos semelhantes sem que seja necessária a constante interferência do adulto. Para Delval (2003) além de os conflitos fazerem parte de um processo construtivo, é preciso considerar que tipo de atividades e intervenções serão realizadas para sua superação e para que realmente ocorra alguma aprendizagem. Tognetta e Vinha (2008a) propõem dois tipos de estratégias que podem ser realizadas nas escolas para favorecer o pensar e o sentir, qualidades exclusivamente humanas. Para isso, reconhecem que as intervenções precisam estimular a coordenação mental das ações e trabalhar com os sentimentos de todos os personagens envolvidos. Sugerem algumas propostas que, a longo prazo, interferem indiretamente no problema, tornando-se ações preventivas e outras que podem ser utilizadas nos momentos de crise. No primeiro grupo, destacam atividades e jogos para falar de sentimentos (TOGNETTA, 2003; 2009); a realização de assembleias de classe para a discussão de problemas incentivando a busca coletiva por soluções justas e a resolução de conflitos por meio de discussão de dilemas, histórias ou filmes. Em relação às que contribuem como intervenções, quando o educador presencia o ato, apontam para a importância do uso de uma linguagem descritiva, do reconhecimento e da permissão de manifestar os sentimentos e encorajar que os sujeitos busquem rever seus atos e compreender quando houver a necessidade de agir de outra forma. Considerando-se que a moral é um objeto de conhecimento que se aprende pelo uso da razão e não por transmissão verbal, as escolas precisam abrir espaços de reflexão sobre os valores morais. Sendo assim, devem propor atividades sistematizadas para trabalhar com procedimentos de educação moral que
Favoreçam a apropriação racional das normas e dos valores, o autoconhecimento e o conhecimento do outro, a identificação e a expressão dos sentimentos, a aprendizagem de formas mais justas e mais eficazes de resolver conflitos e,
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consequentemente, o desenvolvimento da autonomia (TOGNETTA e VINHA, 2009, p. 39)
Constatadas as divergências entre a concepção de conflitos num ambiente autoritário e num democrático, apresentaremos algumas pesquisas que corroboram com a preocupação de que a escola possa contribuir com um trabalho que propicie a capacidade necessária para o sujeito utilizar estratégias mais evoluídas ao resolver seus conflitos inter e intrapessoais. Marimon e Vilarrasa (2005) apontam em seus estudos a relevância de um trabalho com as emoções e os sentimentos para as situações conflituosas. As autoras evidenciam que a educação formal se preocupa com o conhecimento científico que pertence ao domínio público, mas considera que as emoções não são de sua responsabilidade por se tratar de assunto privado (pessoal). Questionam se a razão do crescente índice de suicídios pode estar vinculada à incapacidade de administrar emoções para resolver conflitos que ocorrem no cotidiano. Estendem tal hipótese, também, ao aumento dos casos de violência no mundo inteiro. Considerando as atuais circunstâncias, discutem a necessidade de introduzir nas escolas um trabalho que leve os indivíduos a conhecerem seus sentimentos, bem como aprenderem a manejá-los. Terão a oportunidade de reconhecer os dos outros com os quais convivem, compreendendo que devem ser respeitados, além de desenvolverem a habilidade de analisarem e resolverem seus problemas de formas equilibradas e justas. Para isso, uma vez que possuem sempre uma carga de emoções a ser considerada, propõem que a aprendizagem de resolução de conflitos venha acompanhada por outra não menos importante, a emocional, que deve proporcionar os instrumentos para detectar as emoções, sua origem e consequências. Nesse mesmo sentido, Tognetta (2003; 2009) ressalta a urgência de uma educação para os sentimentos na escola que favoreça o desenvolvimento da personalidade ética. Aponta que para um indivíduo respeitar o próximo há a necessidade de que, primeiro, construa seu autorrespeito, ou seja, precisa ver a si mesmo como valor para depois ser capaz de respeitar o próximo. Para favorecer o autoconhecimento das crianças e dos adolescentes, elaborou propostas de jogos e atividades para falar de si abordando três dimensões presentes concomitantemente em nossas relações intra e interpessoais. A primeira trata da relação com a autoridade, a segunda diz respeito à interação entre os pares e a terceira, ainda pouco considerada pela escola, é a relação que o sujeito estabelece consigo mesmo. Autoconhecer-se é tomar conhecimento de suas preferências e de seus próprios sentimentos. “Quem se conhece tem condições de dominar suas emoções, de se
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controlar e de se dar valor”, afirma a pesquisadora (p. 93). Dessa forma, a crianças e os jovens terão a oportunidade de reconhecer e expressar o que sentem diante dos conflitos em que estão inseridos e, portanto, desenvolverem a capacidade de controlar as ações e buscar por soluções mais justas e equilibradas para todos. Vinyamata (2005) se refere ao fato de que os conflitos têm diversas origens necessitando, portanto, de métodos variados de intervenção, que possam levar o sujeito a agir na sua causa e no seu efeito, oportunizando assim, o auxílio efetivo para a resolução. Propõe que as pessoas e as sociedades a que pertencem sejam vistas de forma integral, o que facilitaria um trabalho mais prático e não se restringiria ao uso de punições de forma isolada. Para o autor, é indispensável a presença dos “conflitólogos” (também conhecidos como facilitadores), que têm como função auxiliar na busca de soluções por parte daqueles que por algum motivo perderam sua capacidade para administrar os próprios problemas. Atuando na conflitologia, realizam o trabalho de três formas distintas. Na primeira, como prevenção, que consiste em ações educativas para reduzir ou acabar com as causas que geralmente lhe dão origem. Na segunda, durante as ocorrências, trata de desenvolver procedimentos pedagógicos no momento em que os conflitos acontecem, ajudando no seu gerenciamento. E, por último, a atividade posterior, que pode ser resumida como o desenvolvimento de tarefas para recuperar as pessoas que foram afetadas pela situação conflituosa, contribuindo para que voltem à normalidade. As soluções dos conflitos não podem ser realizadas de maneira teórica, sendo indispensável a ação dos envolvidos. Tal fato merece a atenção de quem será o mediador, pois este deverá contribuir com iniciativas a fim de que elas sejam favorecidas. Para o autor, é possível dizer que se trata de aprender a viver, ou melhor, de educar para a vida. Devries e Zan (1998) confirmam que os conflitos são inevitáveis em ambientes que favorecem a interação social e ressaltam seu aspecto positivo no contexto da cooperação. Em seus estudos, constataram que as crianças inseridas em um ambiente sociomoral cooperativo demonstravam maior habilidade para resolvê-los em relação a outras pertencentes a atmosferas coercitivas ou liberais. Verificaram que as que conviviam num meio construtivista buscavam considerar as diferenças entre as perspectivas e usavam estratégias mais evoluídas, procurando preservar seus relacionamentos. Assim, concluíram a influência de um ambiente propício para o desenvolvimento sociomoral das crianças.
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No entanto, o que temos encontrado são jovens com pouca ou quase nenhuma capacidade para resolver seus conflitos, uma vez que provavelmente não tiveram oportunidades de participar ativamente da busca das soluções de seus problemas, da reflexão acerca das consequências de suas atitudes e nos sentimentos ou coordenar perspectivas. Além disso, cada vez mais se utilizam dos meios de comunicação eletrônica para lidar com seus problemas, por meio da prática do cyberbullying. Usam celulares, páginas de relacionamento na internet para realizar vingança, insultos e agressões, visando intimidar seus adversários. Os jovens vêm demonstrando pouca habilidade social usando mecanismos pouco evoluídos para resolver seus conflitos, agindo de maneira impulsiva, agressiva ou submissa. Segundo Vinha, Tognetta e Ramos (2009): Como são privados de entender as justificativas para os valores e normas nas relações, esses jovens tendem a orientar suas ações para receber gratificações, evitar castigos ou por mero conformismo, demonstrando que os valores morais foram pobremente interiorizados (p.910)
Vimos que, com o objetivo de evitar que os conflitos aconteçam, a escola se vale de inúmeras regras para favorecer o controle e a obediência dos alunos, sendo necessário reconhecer que esses podem ser considerados construtivos ou destrutivos, dependendo das atitudes e das intervenções dos adultos no processo. Acredita-se que tais parâmetros podem tornar-se aliados no desenvolvimento da autonomia uma vez que promovem, diante de um trabalho apropriado na escola, que o sujeito aos poucos construa as habilidades necessárias para resolver os conflitos que surgem em suas relações. Discutiremos, a seguir, o papel das regras no contexto escolar, o que caracteriza seus diversos tipos e como deve ser o trabalho num ambiente mais democrático.
1.3.6 O trabalho com as regras escolares numa perspectiva construtivista
Para que um trabalho diferenciado seja construído em relação às regras, torna-se imprescindível a reflexão dos educadores sobre algumas particularidades a respeito desse tema. Um primeiro aspecto diz respeito à definição de seu significado. As regras são fatos sociais presentes nas relações interpessoais e precisam ser compreendidas como normas que determinam claramente o que deve ou não ser feito, expondo o que é permitido ou proibido, supondo sempre
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o sentimento de respeito entre as pessoas. Para Piaget (1998, p.62) “há regra quando a vontade de um indivíduo é respeitada pelos outros ou quando a vontade comum é respeitada por todos”. No entanto, devido à infinidade de situações que vivemos em nossas relações, não seria possível a criação de regras específicas para cada uma delas, além de nem sempre poderem ser generalizadas. Por essa razão, os princípios elucidam em nome do que agir sendo usados para nortear a criação e a vivência das regras. Segundo La Taille (2009), para se compreender a razão de ser das normas e para tomarmos uma decisão sobre qual ação realizar quando essas regras não existem, recorremos aos princípios, considerados como suas matrizes. Explica ainda que a função das normas é deixar claro “como agir”, entretanto são seus princípios que defendem em nome “do que agir”. Atualmente, muitos dos ambientes escolares podem ser considerados autocráticos, pois, normalmente, em nome do controle e da disciplina, além de possuírem um excesso de regras, contam com a presença de algumas consideradas abusivas. Nesse contexto, há a exigência de que sejam obedecidas, não sendo considerado importante que os estudantes as compreendam. Em conseqüência disso, sua necessidade não é justificada, havendo o uso de sanções expiatórias e ameaças para garantir que sejam cumpridas pelos estudantes. Sendo impostas pelas autoridades, o não cumprimento delas é visto como desobediência. É possível perceber que constantemente são colocadas num mesmo nível como se tivessem o mesmo valor, como nos diferentes exemplos de situações cotidianas: o não fazer lição de casa e o conversar ou brincar demais na aula, são tão cobrados quanto o não agredir física ou verbalmente uma pessoa. Pautado na moral da obediência, esse meio social reforça a heteronomia uma vez que mantém somente relações baseadas no respeito unilateral às regras impostas pela autoridade. Não estamos dizendo com isso que as escolas não deveriam ter regras. La Taille (1998) argumenta que colocar limites, adotando o sentido de restrição a algo, faz parte do processo educativo e que a sua ausência pode gerar uma crise de valores. Destaca, também, que para serem legitimados precisam seguir dois fatores. Em primeiro lugar, devem ser pensados em função do bem-estar e do desenvolvimento dos próprios indivíduos, e em segundo, considerando os outros membros da sociedade. Como vimos, quando pequenas, as crianças legitimam as regras como referência a uma instância superior, pois provêm de uma autoridade, sendo incapazes de perceber certas arbitrariedades por causa de sua heteronomia e do sentimento de obrigação. Entretanto, o adolescente não as aceita facilmente quando não compreende sua real necessidade e elas não têm
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boas justificativas. Isso resulta no aumento de sua resistência em cumpri-las, tendo a escola que investir na cobrança e no uso dos mecanismos de controle. Desse modo, a imposição de regras prontas e sem sentido deve ser substituída pela argumentação a respeito de sua validade, o que parece estar longe da realidade, comprovando a relevância de revermos como vem sendo feito o trabalho com tal questão em sala de aula. Nesse mesmo sentido, Devries e Zan (1998) destacam que uma das características do ambiente cooperativo é a responsabilidade pelas tomadas de decisão, que estimula a prática da autorregulação e da cooperação, favorecendo o desenvolvimento da autonomia moral. As autoras apontam três objetivos que podem ser trabalhados por meio do exercício de tomar decisões. Primeiramente, possibilitam que os alunos percebam a real necessidade das regras e das ações pautadas em princípios, inclusive os de justiça. Em segundo, porque se apropriam delas, bem como dos procedimentos e das escolhas da turma, sendo possível se considerarem pertencentes ao grupo. E por último, incentivam que todos compartilhem da responsabilidade de tudo o que ocorre na classe e pelas relações estabelecidas pelo grupo. Apontam ainda para a importância da atuação do professor que, em vez de impor normas sem refletir se realmente são necessárias, exercitará sua liderança à medida que orienta o processo de estabelecimento dessas regras e o desenvolvimento das atitudes de seus alunos (DEVRIES e ZAN, 1998). Sendo as regras impostas de maneira autoritária, desde pequenos ensinamos aos alunos que devem ser obedecidas, não demonstrando a necessidade de serem compreendidas. Basta pensarmos quando muitos adultos usam de imperativos como: “Porque eu estou mandando”. Tal expressão geralmente é dita quando eles são questionados diante de alguma ordem proferida. Entretanto, quando é realizado um trabalho construtivista em relação às regras, aos poucos, os estudantes percebem que podem participar ativamente de sua elaboração, bem como discutir a necessidade de rever e reestruturar alguma norma quando percebido que não está atingindo a finalidade para qual foi planejada. Assim, constatando-se que são acordos estabelecidos pelo grupo, não são vistos como rígidos ou preestabelecidos pelas autoridades e sim, pertencentes a todos os seus participantes. A princípio, as regras podem ser classificadas de duas formas distintas. A primeira delas são as “negociáveis”, que, como o nome diz, podem ser negociadas com os estudantes gerando contratos, normalmente também nomeadas pelos professores de “combinados”. Torna-se importante refletir que “combinar” não é sinônimo de impor a regra de acordo com o desejo do
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educador, não é induzir para que o grupo decida por aquilo que ele considera indispensável para normatizar suas aulas. Ao contrário, negociar é discutir a necessidade da regra e qual o princípio que a sustenta, é coordenar os diferentes pontos de vista durante a discussão, refletir sobre as possíveis implicações que as atitudes podem ocasionar. Enfim, oferecer as condições para que os educandos participem ativamente de sua elaboração e de sua vivência. A segunda forma de classificarmos as regras surge do fato que, se os princípios são básicos e servem para norteá-las, seria um equívoco achar que qualquer assunto relacionado ao comportamento poderia ser combinado. Por exemplo, norteando-se pelo princípio de uma boa saúde, nenhum pai vai combinar se a criança quer ou não escovar os dentes e tomar banho diariamente. Compreende-se que os princípios podem ser explicados e trabalhados, mas a validade dessas normas e sua pertinência não serão discutidas. Nem tudo será combinado com filhos e alunos, pois há regras que não são explicáveis, entretanto torna-se importante refletir sobre sua necessidade. Elas devem existir em pequena quantidade, sendo criadas quando realmente for importante colocar alguma norma que limite ações que possam causar danos ao próprio sujeito ou aos outros com os quais convive. Não são criadas pelo grupo, mas podem ser realizadas reflexões para que compreendam sua existência. É possível oferecer uma margem de escolha, garantindo que sejam cumpridas, como quando um pai combina com seu filho se este tomará banho antes ou depois do jantar. De uma forma ou de outra, fará sua higiene corporal, porém nada impede de que participe da tomada de decisão a respeito do momento em que isso vai acontecer. Além de classificadas como negociáveis e não-negociáveis, podemos observar as regras quanto ao teor de seu conteúdo. Como dito anteriormente, não se discute a relevância da normatização dos espaços sociais, não somente o escolar. A essas normas elaboradas por uma convenção social com o objetivo de organização dos grupos nos quais as pessoas convivem chamamos de “convencionais”, como determinar um uniforme comum a todos os seus integrantes e o horário para o início e término de suas atividades. Elas são consideradas por todos como obrigatórias, mas não são universalizáveis, uma vez que outros grupos podem convencionar leis diferenciadas para seu convívio. Podemos dizer que também existem as regras “morais”, ligadas diretamente a questões referentes às relações interpessoais. Elas têm como função colocar os limites e ditar algumas diretrizes para o convívio equilibrado entre os indivíduos, como por exemplo, tratar as pessoas com respeito e de maneira justa. Por essa razão, muitas vezes vamos
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demonstrar sua existência aos nossos alunos, por meio de afirmações como: “Não se bate nas pessoas” ou “compreendendo que você não o considera seu amigo, mas ele deve ser tratado com respeito”. Dessa forma, desde muito cedo, terão a oportunidade de perceber que também existem normas que regulam a convivência, contribuindo para o despertar de sentimentos que farão parte de seu desenvolvimento moral, como discutimos anteriormente. Nos últimos anos, todavia, se pode dizer que houve relativa mudança em relação ao trabalho com as regras em algumas escolas. Passou a ser comum ouvirmos dos professores que „combinam‟ as regras com seus alunos, fazendo cartazes para serem expostos nas salas de aula a fim de que todos saibam o que devem ou não fazer. No entanto, tais educadores parecem realizar essas ações sem o conhecimento e sem ter refletido sobre o papel das normas, seus princípios, inclusive, desconhecendo o desenvolvimento da criança em relação ao assunto. Quantas vezes ouvimos relatos de que logo na primeira semana de aula as regras são “combinadas” com os alunos e cartazes são confeccionados para serem expostos na classe. Não raro, alguns deles são plastificados para que sejam aproveitados no ano seguinte, o que confirma a ideia de que elas não surgiram de acordos com os alunos e nem de uma necessidade percebida no convívio diário, e sim, impostas pela autoridade. Mesmo quando abrem um espaço para conversar com as crianças a respeito dessas regras, os professores já têm em mente aquelas que desejam discutir com os alunos. Uma vez constatada a existência de regras convencionais e morais, se fazem necessários momentos de reflexão com os educadores, em que os aspectos apresentados sejam discutidos para que as normas não sejam tratadas da mesma forma na escola, como se tivessem a mesma relevância. É preciso despertar o olhar dos envolvidos no processo educativo para que não privilegiem a primeira em detrimento da segunda, como constantemente pode ser visto nos espaços escolares. Muitas vezes despende-se um tempo enorme cobrando dos estudantes que obedeçam às convenções determinadas pela escola, como o uso do boné. Por outro lado, não é dada a devida importância a situações em que ocorre a falta de respeito ou a prática de ações injustas, como quando um colega agride verbalmente o outro. Para que realmente se promova um trabalho construtivo em relação às regras, deve-se ter claro que algumas vão surgir no decorrer da vivência entre os sujeitos na busca por favorecer sua convivência. À medida que surge a necessidade, juntos, pensam e organizam as normas que deverão ser seguidas por todos. Diferentemente disso, o que as escolas têm feito é que, por
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conhecerem os tipos de problemas mais comuns que ocorrem em seus espaços, elaboram uma série de regras às quais o aluno deve obedecer sem perceber sua utilidade. Pode-se supor que essa seja uma das razões para a grande dificuldade que os educadores encontram para conseguir a obediência, tornando-se alvo de constantes queixas. Conforme Vinha e Tognetta (2009) para que os alunos legitimem as regras
é importante que o educador faça corresponder o cumprimento das normas a uma sensação de bem estar, de satisfação interna, de orgulho ao respeitá-las e também que promova a reflexão sobre as consequências naturais decorrentes do não cumprimento das mesmas, favorecendo o desenvolvimento do autorrespeito (VINHA e TOGNETTA, 2009, p. 530).
Após diferenciarmos os tipos de regras e seus conteúdos e de reconhecermos a importância de serem pautadas em princípios que favoreçam o desenvolvimento dos alunos em vez de serem usadas como simples instrumento de coação, gostaríamos de apresentar uma estratégia de trabalho com regras em salas de aula cooperativas a fim de promover o exercício da democracia: as assembleias de classe. García e Puig (2010) definem a assembleia de classe como um momento institucional em que alunos e professores têm um espaço para falar a respeito de temas que considerem relevantes para favorecer um bom convívio entre os indivíduos do grupo. É considerada como uma reunião periódica coletiva em que eles discutem sobre questões que pertençam à turma e tomam decisões que possam afetar a convivência entre seus integrantes. Para os autores, essa prática apresenta três momentos distintos: o primeiro diz respeito à preparação da pauta a partir de queixas e felicitações dos sujeitos feitas durante determinado período; no segundo, é realizado o debate, ou seja, as discussões para a troca de pontos de vista e para combinar algumas medidas; e, por último, praticar as ações combinadas, tendo o professor o importante papel de disponibilizar os recursos necessários para que isso aconteça. Desse modo, a realização das assembleias promove a atuação democrática nos espaços escolares, uma vez que o próprio grupo elabora regras diante da necessidade percebida por seus participantes, pautando-as em princípios como os de justiça e equidade, além de oportunizar a descentração indispensável para compreender o ponto de vista alheio. Portanto, possibilitando o desenvolvimento de tendências mais autônomas por inserir a todos num ambiente sociomoral cooperativo, faz-se relevante esclarecer que:
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As assembleias não são „mágicas‟ ou panacéias que resolverão todos os problemas. É preciso cautela com falsas expectativas de que o objetivo destas seja a eliminação dos problemas. São, na verdade, mais uma possibilidade de resolução de conflitos e uma oportunidade para que crianças e adolescentes se sintam pertencentes ao grupo e responsáveis por este. É verdade, portanto, que, se são uma das possibilidades, haverá outras estratégias a serem realizadas decorrentes de um ambiente cooperativo (TOGNETTA e VINHA, 2007, p. 100).
Apresentada a relevância de um trabalho que favoreça o comprometimento dos alunos com as regras para o bom convívio dos indivíduos que integram um grupo comum, constitui-se um dos elementos indispensáveis em um ambiente sociomoral cooperativo. Para sua construção, vimos outros aspectos que precisam ser considerados, como o papel do professor, o uso de uma linguagem descritiva, a aplicação de sanções por reciprocidade, a intervenção nas situações de conflito e a prática de assembleias de classe. No entanto, para favorecer o desenvolvimento cognitivo, moral e afetivo, não basta contemplar ações isoladas e esporádicas, sendo indispensável uma articulação constante dos fatores que possibilitam a tomada de consciência e a autorregulação dos diversos integrantes da escola. Para tanto, indiscutivelmente faz-se necessário que os educadores adotem uma postura reflexiva a fim de conhecer os aspectos que permeiam a concepção pedagógica e psicológica que sustentará suas ações em sala de aula. Sadalla (2010) enfatiza a relevância da reflexão na vida desse profissional e afirma que:
Refletir sobre a prática não é apenas pensar sobre ela, mas buscar, na teoria, os seus fundamentos. Ser um profissional reflexivo significa, nessa perspectiva, apropriar-se de teorias (nesse caso, psicológicas e educacionais) que analisem o fenômeno em estudo, tomar consciência delas e debruçar- se sobre o conjunto de sua ação, refletindo sobre seu ensino e sobre as condições sociais nas quais está inserido (p. 149).
No entanto, mais do que o papel desempenhado pelo professor em sala de aula, é necessário rever o ambiente como um todo, considerando que o desenvolvimento da autonomia não será alcançado por meio de ações isoladas e pontuais dos educadores. Muito além disso, a construção de um ambiente mais democrático, que se paute na cooperação e no respeito mútuo, deverá ser a meta de toda a escola. No próximo capítulo, evidenciaremos o percurso da presente pesquisa apresentando o método como foi realizada. Abordaremos o problema gerador deste estudo, bem como nossos
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objetivos e os procedimentos utilizados para a coleta de dados a respeito da comunicação enviada pela escola às famílias de alunos matriculados no Ensino Fundamental.
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2. MÉTODO Os caminhos trilhados no estudo
De acordo com o exposto anteriormente a respeito das famílias e das escolas na sociedade contemporânea, bem como da dificuldade de estabelecerem uma parceria congruente, o problema que norteia esta pesquisa é: Quais os conteúdos e as implicações dos bilhetes que a escola envia para a família?
2.1 A pesquisa e seu percurso
Trata-se de uma pesquisa de campo na qual foram utilizados métodos: quantitativo e qualitativo. A amostra contou com seis turmas, uma de 2º, 5º e 8º anos do Ensino Fundamental de escola particular e uma de cada nas escolas públicas. A coleta se deu por meio de três procedimentos: a análise de documentos, por entrevistas e observações assistemáticas. Foram coletados 1177 bilhetes, sendo analisados 895 e realizadas 70 entrevistas com sujeitos envolvidos no processo de comunicação. A análise do conteúdo foi realizada utilizando-se a triangulação de métodos. Neste capítulo apresentaremos detalhadamente cada um desses aspectos da metodologia deste estudo. A pesquisa teve início com a definição da amostragem, por compreendermos a importância da seleção da amostra favorecendo o encontro dos dados que possam, a partir de sua análise, responder ao problema de pesquisa apresentado anteriormente. De acordo com Flick (2009b, p. 52):
A amostragem é um passo crucial no desenho da pesquisa qualitativa, dado que é aquele em que se reduz o horizonte potencialmente infinito de materiais e casos possíveis para seu estudo a uma seleção administrável e, ao mesmo tempo, justificável.
O presente estudo foi realizado com seis turmas pertencentes ao Ensino Fundamental, sendo três de cada tipo de instituição, pública e particular, escolhidas por amostragem de conveniência, que consiste na seleção de indivíduos disponíveis para o estudo (LANKSHEAR e KNOBEL, 2008).
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2.2 Objetivo Analisar, à luz da teoria construtivista, os conteúdos e as implicações dos bilhetes que a escola envia para a família.
2.3 Objetivos específicos Caracterizar a estrutura dos bilhetes enviados aos pais para informar as ocorrências no espaço escolar; Verificar as semelhanças e as diferenças dos conteúdos e da estrutura presentes nos bilhetes enviados aos pais de alunos do 2º, 5º e 8º anos do Ensino Fundamental; Comparar mecanismos de comunicação escrita na escola particular e na pública.
2.4 Delineamento da pesquisa
Trata-se de um estudo em que os métodos qualitativo e quantitativo foram utilizados de forma complementar para auxiliar a análise dos dados na investigação a respeito da comunicação entre a escola e a família. Por incluir elementos de ambas as metodologias, esta passou a ser denominada como uma pesquisa de caráter misto. Mesmo considerando que algumas questões favoreçam uma forma ao invés da outra, nem todas impossibilitam o uso de uma abordagem mista (LANKSHEAR e KNOBEL, 2008, p. 70). A escolha por trabalhar com os dois métodos se deu por considerarmos que a qualitativa capta aspectos que não são possíveis de acordo com o olhar da quantitativa e que a combinação entre elas se baseia em sua capacidade de diferenciação (FLICK, 2009a, p. 121). Ao delinear o caminho pelo qual o presente estudo se encaminhou, tornou-se necessária a compreensão do que interessava a cada uma dessas metodologias. Ao compará-las, percebeu-se que a qualitativa não se preocupava em mensurar dados numéricos ou em focalizar a coleta de dados em instrumentos padronizados. No entanto, o que as difere é que a quantitativa está centrada nas quantidades das informações coletadas a fim de que as inferências feitas em uma
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amostra pudessem ser generalizadas a outras mais amplas. Segundo Lankshear e Knobel (2008) a diferenciação está no fato de que
Enquanto a pesquisa quantitativa está fortemente interessada na identificação de associações (grifo do autor) causais, correlativas ou de outros tipos, entre os eventos, processos e conseqüências que ocorrem nas vidas mentais e sociais dos seres humanos; a pesquisa qualitativa está principalmente interessada em como as pessoas experimentam, entendem, interpretam e participam de seus mundos social e cultural (p. 66).
É fundamental esclarecer o delineamento de uma pesquisa para que se compreenda a opção metodológica adotada, a fim de conhecer os caminhos de investigação pelos quais o trabalho foi desenvolvido, tornando-se questão central na construção da pesquisa científica (ZECHI, 2008, p. 33). Sendo assim, para a coleta de dados, optou-se pela análise dos documentos que a escola utilizava para comunicar-se com os pais, por meio de entrevistas com os envolvidos neste processo e pela realização de observações assistemáticas. Teve-se com isso a intenção de caracterizar melhor essa interlocução e suas possíveis implicações ao desenvolvimento dos alunos bem como em suas relações familiares. Foi adotada a triangulação de métodos, uma vez que a pesquisa foi constituída a partir de dois pontos (FLICK, 2009a, p. 61). Segundo o autor:
A triangulação de pesquisas é uma estratégia metodológica válida por aumentar o potencial de conhecimento em relação aos estudos que se baseiam em um único método, apresentando vantagens como a produção de resultados mais profundos, detalhados e abrangentes e a contribuição com a qualidade das pesquisas por mostrar os limites dos métodos únicos, favorecendo sua superação (p. 153).
Isso posto, o presente estudo teve como opção uma metodologia mista de pesquisa, baseando-se na teoria construtivista para sua realização.
2.5 Amostra e coleta de dados
Durante o 2º bimestre de 2009, foram contatadas algumas escolas que permitissem a realização da pesquisa. A seleção da amostra contou com a escolha de duas instituições estaduais e uma particular que oferecessem todas as séries do Ensino Fundamental. Tornou-se necessário
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selecionar dois estabelecimentos públicos, pois, geralmente, o nível I é oferecido em um prédio e o II em outro, o que não acontece na privada, que disponibilizava num mesmo local os ensinos de Educação Infantil ao Médio. Por esse motivo, foram selecionadas duas escolas estaduais que se encontram no mesmo bairro, sendo uma de 1º ao 5º ano e outra que oferece do 6º ao 9º ano e uma escola privada, todas localizadas numa cidade do interior paulista. As públicas encontram-se num conjunto habitacional, sendo separadas por alguns quarteirões. Geralmente, os alunos que concluem o Fundamental I numa delas, cursam o nível II e o Médio na outra instituição. A amostra das turmas foi composta por uma de 2º ano, uma de 5º e uma de 8º, de cada tipo de escola, selecionadas com o auxílio dos coordenadores ou orientadores educacionais, que apontaram as classes em que a prática de comunicação com os pais era frequente. Ela foi caracterizada como amostragem intencional, uma vez que os participantes foram selecionados pessoalmente pela pesquisadora (LANKSHEAR e KNOBEL, 2008, p. 128). Na particular, denominada aqui como EPA, a pesquisa realizou-se com as três turmas, enquanto que na escola pública houve a seguinte divisão: uma turma de 2º ano (1ª série)8 e uma de 5º ano (4ª série), na escola pública chamada como EPU_1 e uma turma de 8º ano (7ª série) na escola EPU_2. A opção por tais séries sustentou-se no interesse em identificar possíveis diferenças e semelhanças a respeito da comunicação com as famílias de alunos nas diversas fases do Ensino Fundamental. Ao iniciar a coleta de dados, houve a necessidade de substituir a escola EPU_2. O motivo foi a ausência da diretora, que tirou férias e foi substituída pela vice-diretora que não poderia nos ajudar sem a autorização da responsável ausente. A segunda instituição escolhida oferece desde as séries inicias do Fundamental, mas optou-se por selecionar apenas o 8º ano nesse estabelecimento, pois a coleta dos bilhetes já tinha sido iniciada na que oferecia apenas o Fundamental I. Na tabela 2, apresenta-se a quantidade de alunos de acordo com a turma e a instituição de ensino a que pertencem.
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A nova legislação (Lei nº 10.172/2001) que organiza o Ensino Fundamental em 9 anos, já foi adaptada na maioria das escolas particulares, que passaram a oferecer do 1º ao 9º ano deste nível de ensino. Quando realizada a presente pesquisa, na escola pública era oferecido o ensino em 8 anos, ou seja, de 1ª a 4ª série, que correspondia ao Fundamental I e de 5ª a 8ª série, ao nível II, tendo o ano de 2010 como prazo final para se adequarem à nova lei.
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Tabela 2 – Turmas que compõem a amostra. Turma
Número de alunos EPA
2º ano 5º ano 8º ano
23 20 28 EPU_1
2º ano (1ª série) 5º ano (4ª série)
35 32 EPU_2
8º ano (7ª série)
32
Selecionadas as escolas, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP), contendo as autorizações assinadas por cada diretor. Posteriormente à aprovação do CEP (Anexo 1), o contato com as escolas foi retomado para que os pais das turmas selecionadas pudessem tomar ciência da pesquisa a ser realizada nestas instituições. A abordagem com as famílias se deu de duas formas distintas, de acordo com a solicitação de cada direção. Na privada, foi elaborada uma carta-convite (Apêndice 1) aos pais convidando-os para uma palestra intitulada “A contribuição da Psicologia para a educação de nossos filhos”, momento em que aconteceu a apresentação do projeto, bem como da pesquisadora e a entrega do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em duas vias, uma dos pais e uma a ser assinada e devolvida (Apêndice 2). Devido ao pequeno número de responsáveis presentes na data agendada pelo colégio, os termos também foram enviados em envelopes por meio dos próprios alunos. Nos dois estabelecimentos estaduais, por ser período de reunião de pais, participamos dos encontros de cada turma, apresentando-nos e informando sobre a pesquisa. Os termos foram entregues, sendo alguns assinados na hora, enquanto outros foram levados para casa para entrega posterior. A seguir, será apresentado o perfil das escolas selecionadas.
2.5.1 Escola particular (EPA)
A instituição privada localizava-se em um bairro de classe de nível socioeconômico alto, de uma cidade do interior paulista, oferecendo os cursos de Educação Infantil, Ensino Fundamental I, II e Médio, nos períodos: matutino e vespertino, variando quanto aos horários de
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entrada e de saída, para facilitar a movimentação dentro do espaço escolar devido ao elevado número de alunos. Além disso, atividades extracurriculares, como esportes, música e línguas, eram oferecidas no período contrário ao de estudo. A escola contava com, em média, 1000 alunos distribuídos em 34 turmas, com números diferentes de pessoas por sala, dependendo da idade. O quadro de funcionários era composto por 66 professores (titulares de turma, especialistas ou auxiliares de classe) e 8 monitores, sendo 2 em cada setor. A equipe pedagógica contava, ainda, com um orientador educacional para cada nível do Ensino Fundamental e um para o Médio, totalizando três profissionais nesta função. Dispunha também de um coordenador pedagógico responsável pelo trabalho realizado do Infantil ao 5º ano e outro para acompanhar do nível II ao 3º ano do Médio, sendo todos orientados por um diretor geral vinculado à instituição mantenedora do colégio. Para desenvolver seus trabalhos, eram disponibilizados aos professores: boa infraestrutura e acesso a materiais variados e atuais como datashow, lousa digital e computadores. Além disso, as salas de aula eram limpas, bem cuidadas, arejadas e devidamente organizadas com armários, estantes, cortinas, ventiladores e lousa quadriculada. Os alunos frequentavam outros espaços que lhes eram oferecidos, como: laboratórios de Ciência/Biologia, de Informática, salas de Artes, de Música e de multimídia, biblioteca, quadras de esporte, campo de futebol, ginásio poliesportivo, parques e bosque. A instituição ainda contava com uma cantina com restaurante, que além de lanche, oferecia refeições.
2.5.2 Escola pública de 1º ao 5º ano (EPU_1)
A escola estadual oferecia somente o nível I do Ensino Fundamental e ficava localizada num Conjunto Habitacional na mesma cidade do interior paulista, disponibilizando, no período matutino, as turmas de 4º e 5º anos e no vespertino, as de 1º ao 3º anos. Na instituição havia, em média, 500 alunos distribuídos em 16 turmas nos dois períodos. A equipe pedagógica era formada por uma diretora, uma vice-diretora e uma coordenadora pedagógica, sendo que possui 20 professores (16 titulares, 1 de reforço, 2 de Artes e 1 de Educação Física). No prédio, além das salas de aula, equipadas com armários, lousa, cortinas e ventiladores, havia uma biblioteca (espaço também utilizado para reunião com professores), uma sala de vídeo,
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uma de apoio, usada para aulas de reforço para os alunos convocados a comparecerem em outro horário diferente do que estudavam, cozinha, quadra e pátio cobertos. Notou-se a preocupação em manter o espaço limpo e agradável. Nos corredores sempre havia trabalhos das crianças. No final do ano, foram pintados painéis temáticos com imagens de obras de pintores famosos e personagens de histórias infantis para enfeitar os andares onde os pequenos transitavam diariamente. No ano de 2009, atingiram nota 5,39 no IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica10, aumentando três décimos em relação ao índice de 2007.
2.5.3 Escola pública de 6º ao 9º ano (EPU_2)
Localizada num bairro da periferia da mesma cidade do interior paulista, a instituição atendia a cerca de 1200 alunos, divididos em 26 turmas pertencentes ao Ensino Fundamental I, II, Médio e EJA (Ensino de Jovens e Adultos), organizadas da seguinte maneira: 1ª a 8ª série nos períodos matutino e vespertino, Ensino Médio e EJA no noturno. Quando realizada a coleta de dados, em 2009, a equipe de gestão e pedagógica era formada pela vice-diretora que dirigia a escola com o auxílio da coordenadora pedagógica do EF I (1º ao 5º ano), pois o diretor estava afastado por motivo de saúde e também aguardavam a contratação de um responsável pela coordenação do nível II (6º ao 9º ano), o que veio a ocorrer somente no início do ano seguinte. O quadro de funcionários era composto por 25 professores e 3 inspetores. O número de docentes era menor que o de salas, pois estes trabalhavam em mais do que um período, o que ocorria, por exemplo, com todos os responsáveis pelas aulas noturnas do Ensino Médio e do EJA, que eram os mesmos que lecionavam no Fundamental II, vespertino. Eram oferecidas aos alunos
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As notas apresentadas foram consultadas no site http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/, acessado em 8 de dezembro de 2010. 10 “O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) foi criado em 2007 para medir a qualidade de cada escola e de cada rede de ensino. O indicador, que vai de zero a dez, é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) e em taxas de aprovação. Assim, para que o Ideb de uma escola ou rede cresça é preciso que o aluno aprenda, não repita o ano e frequente a sala de aula." Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=180&Itemid=336. Acesso:8 de dez. de 2010.
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de 1ª a 8ª série aulas de reforço no contra período, ministradas por professores da própria escola ou outro designado pelo Estado para a função. O prédio térreo contava com salas de aula sem cortinas, com armários, lousa, carteiras e ventiladores, sendo que várias necessitavam de reparos. Possuía uma biblioteca que estava trancada e a chave era emprestada quando algum professor pedia a um aluno para buscar determinado material. O laboratório de informática, contendo vários computadores, estava desativado. Segundo a coordenadora, iniciaram um projeto em parceria com uma faculdade particular da cidade, por meio do qual os universitários iriam consertar e programar as máquinas para ativar o funcionamento desse espaço. A escola contava ainda com cozinha, cantina, pátio e quadra cobertos. Em 2009, foram avaliados pelo IDEB com nota 5,9 para o nível I e 4,9 para o nível II, apresentando melhora em relação à nota de 2007, que foi 4,4 para ambos os níveis de ensino. Diante da autorização das famílias, por meio da assinatura do termo de consentimento, deu-se início à coleta de dados no mês de novembro de 2009. A opção por iniciarmos no final do ano se deu pelo fato de acreditarmos que teríamos acesso aos bilhetes acumulados, já que no começo do ano seguinte o número seria bem menor. A seguir serão descritos os procedimentos por meio dos quais foi realizada a coleta de dados.
2.6 Análises de material e documento
A partir da definição do problema de pesquisa, optou-se pela investigação dos bilhetes utilizados pela escola para manter a comunicação com as famílias dos alunos. Considerando-se que a realização de estudos qualitativos pode ocorrer por meio da análise de materiais e documentos, sendo necessário o cuidado em definir posteriormente o problema que se pretende investigar, tal opção visou auxiliar na descoberta de aspectos relacionados ao questionamento feito ou complementar as informações observadas por meio das entrevistas. Segundo Flick (2009b, p. 52), “em documentos, você tem que amostrar as passagens relevantes para responder suas perguntas de pesquisa ou para fazer qualquer comparação entre documentos diferentes”. O universo de documentos pode ser determinado a priori uma vez que o objetivo é estabelecido, sendo necessário escolher um conjunto de documentos para fornecer as informações
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necessárias para responder o problema levantado (BARDIN, 1994, p. 90). Portanto, o universo do material foi composto pelos bilhetes que os professores enviaram às famílias dos alunos de 2º e 5º anos e de registros do 8º ano com os objetivos de investigar o conteúdo deles e caracterizar sua estrutura. A coleta de dados desse estudo teve início com o levantamento dos documentos, ou seja, dos bilhetes enviados às famílias dos alunos das turmas em questão. Constatou-se a utilização de outras formas de comunicação escrita para informar os pais a respeito da vida escolar do filho. Sendo assim, foram coletados alguns materiais além das mensagens redigidas pelo próprio professor, que serão descritos nos próximos tópicos, tais como: registros disponibilizados aos responsáveis na internet; circulares como termos de advertência oral, escrita ou de suspensão; informativos sobre regras convencionais não cumpridas e fichas individuais de avaliação periódica. Na escola particular, a orientação educacional nos autorizou a observarmos os prontuários11 dos alunos bem como a fotocopiarmos os registros dos alunos mais indisciplinados. Em seguida, providenciou-nos a impressão dos registros da internet referentes aos sujeitos selecionados. Na pública, fomos autorizados a observar e fotocopiar as fichas individuais de avaliação de todos os alunos do 8º ano. Antes de iniciarmos o recolhimento dos bilhetes redigidos na agenda ou no caderno dos alunos do nível I, fez-se um levantamento das aulas vagas de cada turma para conhecer quais os momentos em que eles estavam sem o professor polivalente, mas com um especialista12. Para que tais materiais não fossem retirados da escola, optou-se por registrar os bilhetes por meio de fotos digitais de cada um, impressas posteriormente. Para a realização deste trabalho foram necessárias, em média, três visitas a cada turma, sendo que, na 4ª série (5º ano) da escola estadual, foi preciso voltar mais vezes, pois como os bilhetes ficavam no próprio caderno, foi solicitado aos estudantes que trouxessem também o utilizado no semestre anterior. Somente algumas crianças atenderam ao pedido, sendo que alguns comunicaram que se desfizeram do mesmo e outros se esqueceram de trazer. A figura a seguir apresenta um dos bilhetes fotografados durante a coleta de dados.
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O Serviço de Orientação Educacional possui um armário com espaço destinado aos „prontuários‟ de cada turma do Ensino Fundamental II. Cada aluno possui uma „pasta suspensa‟ onde são arquivados os registros de providências tomadas na escola e os comunicados enviados aos pais para informá-las, como por exemplo, um informativo a respeito de advertência oral ou escrita. 12 No Ensino Fundamental I, das classes pesquisadas, as turmas tinham um professor polivalente (mensalista) responsável pela sala e outros, os chamados “especialistas”, que ministravam as aulas de Educação Física, Artes e Inglês, sendo esta última disciplina oferecida somente na escola privada.
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Figura 1 - Exemplo de bilhete fotografado na coleta de dados. ―Senhora mãe13 Por favor converse com sua filha, ela não fica sentada, anda pela sala e conversa o tempo todo. Eu peço para ela sentar ou parar de conversar e ela não quer nem saber. Não está prestando atenção e não consegue fazer sozinha algumas atividades. Desde já, professora.‖
No Ensino Fundamental II, como citado anteriormente, a comunicação com a família diferia da utilizada com as crianças menores, pois segundo os diretores e coordenadores, os adolescentes não mostravam os bilhetes aos pais e os professores especialistas, por ficarem pouco tempo em sala14, alegavam não poder perdê-lo escrevendo essas mensagens. Por esses motivos, surgiu a necessidade da criação de outros instrumentos de registro e maneiras para enviar avisos, que divergem nas duas escolas. Esses procedimentos serão descritos a seguir.
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Durante a transcrição dos bilhetes e das entrevistas não foram realizadas correções das marcas orais dos entrevistados e da ortografia das mensagens redigidas pelos professores. 14 Cada professor ministra aulas sobre sua especialidade nas diversas salas, ficando, assim, pouco tempo com cada turma, diferentemente do nível I do Ensino Fundamental, em que os professores polivalentes são responsáveis por uma turma, permanecendo o período completo de aula com a mesma.
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2.6.1 Nível II na escola particular (8º ano_PA)
Diariamente, era colocada na mesa do professor uma ficha xerocada para suas anotações em cada aula. Nela havia uma legenda com siglas das ocorrências mais frequentes e um espaço para observações onde o docente poderia acrescentar alguns detalhes sobre os fatos assinalados. Dessa forma, o preenchimento pelo professor era facilitado, minimizando o tempo gasto. Ao final do dia, a monitoria recolhia esta planilha e as informações eram lançadas na internet no período seguinte ao das aulas para que a família que desejasse pudesse fazer uma consulta. Entrando na página do colégio na Web, cada pai acessava apenas as informações sobre seu filho fazendo uso de login e senha pessoais. Ao acessar a série e o nome do estudante, encontrava o registro completo de ocorrências desde o início do ano até a presente data. Tal planilha era composta pela data, turma, período, uma coluna para presença, uma para ocorrências gerais e um espaço para as disciplinares em cada matéria, referentes ao dia da semana15, como representado no quadro 1. Quadro 1 – Planilha de ocorrências no Fundamental II da escola particular. Data: ___/___/____ 1ª. aula N
Alu no
Fre quên cia
Ocor rên cia
2ª. feira 8ºano __ Período: Manhã 2ª. aula Fre quên cia
3ª. aula
Ocor rên cia
Fre quên cia
Ocor rên cia
4ª. aula Fre quên cia
1 2 3 4 5 6 7 8 9 Legenda:
15
Ocor rên cia
Ocorrências disciplinares 1ª aula – Nome do professor e da disciplina (espaço utilizado para detalhar alguma anotação) 2ª aula – Nome do professor e da disciplina 3ª aula – Nome do professor e da disciplina
T: TAREFA
M: MATERIAL
A: ATRASO
TR: TRABALHO
O: OUTROS (ESPECIFICAR)
B: BANHEIRO
Há um modelo de ficha por dia da semana para que nesta já conste o nome dos professores e as disciplinas de cada dia de aula, sendo necessário apenas o preenchimento da presença e das ocorrências por meio de siglas.
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De acordo com a legenda, podem-se identificar os tipos de ocorrências mais comuns no trabalho diário dos professores dessa instituição. Trata-se de itens referentes às regras convencionais, como será discutido posteriormente, tais como falta de tarefa, de trabalho ou de materiais, uso do banheiro ou atraso. A falta de tarefa (T) se referia ao fato de o aluno não apresentar a lição que deveria ser feita em casa. A não entrega de um trabalho (TR) na data agendada também deveria ser assinalada na planilha, sendo diferenciada do item anterior, pois geralmente, as tarefas eram dadas num espaço menor de tempo enquanto estes necessitavam de um período maior por sua realização ser de maior complexidade. Outro aspecto também destacado nas siglas era sobre quando um aluno não trazia o material (M) necessário para determinada aula, por exemplo, não trazer o compasso e os esquadros numa aula de desenho geométrico ou comparecer à aula sem os livros adotados para a disciplina. Quando um aluno chegava depois do início da aula, era marcado na tabela o seu atraso (A). Os atrasos no início do período, quando reincidentes, também eram informados à família por meio de um comunicado fotocopiado, no qual a monitoria preenchia as datas em que estes ocorreram, pois os pais podiam não acessar a internet. No item „outros‟ (O) podia ser informado algum fato que não se encaixasse nos aspectos anteriores, mas para isto era preciso especificar qual foi o ocorrido, havendo um espaço destinado para a anotação de detalhes sobre o fato assinalado. Por último, encontrava-se o item banheiro (B), que de acordo com a explicação da orientadora educacional, foi colocado na planilha para que o professor soubesse se um aluno já pediu para sair nas aulas anteriores, evitando assim as saídas desnecessárias. Isso se devia ao fato de que havia alunos que poderiam pedir para ir ao banheiro em todas as aulas “colocando em dúvida sua real necessidade”. Foram coletados os registros de 16 alunos selecionados, a partir da análise de todos os prontuários da turma, arquivados no Serviço de Orientação Educacional (SOE). O critério foi selecionar os estudantes que mais possuíam registros de advertências enviados para seus familiares. Posteriormente, foram impressos os resumos da internet desses sujeitos, referentes ao período de fevereiro, quando as aulas iniciaram, até a data da coleta de dados. As informações inseridas na Web eram o resumo das anotações feitas diariamente nessa planilha preenchida pelos professores. Tal opção se deu pelo fato de que aqueles cujo comportamento era disciplinado dificilmente tinham algum registro em seu prontuário e na página da internet somente havia
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informações a respeito de falta no dia letivo. No quadro 2 destacaram-se alguns exemplos desses registros de um aluno. Quadro 2- Trecho de registro na internet. Anotações para acompanhamento escolar Aluno: DAN – (número da matrícula) Curso: Ensino Fundamental Série: 8º ano Turma: (letra que identifica a turma) Data 22/04/2009
Matéria Matemática
Tipo de Anotação Envolvimento na aula
03/04/2009 01/04/2009
Inglês Língua Portuguesa
Falta de tarefa Falta de tarefa
26/02/2009
Matemática
Falta no dia
Descrição Não trouxe atividade de recuperação de conteúdo, última chance amanhã dia 23/04/2009. Tarefa incompleta. A tarefa era atividade de recuperação processual.
Diferentemente do outro nível do Ensino Fundamental, observou-se que os registros seguiam sempre a mesma estrutura por se tratar de um software padrão no qual apenas se preenchiam as informações. É importante destacar que os pais ou responsáveis pelo aluno só tinham acesso a eles se entrassem no site da instituição. Alguns acompanhavam constantemente, enquanto outros nem sempre. Sobre a forma como os pais lidavam com esse novo sistema, o professor do 8º ano_PA colocou as seguintes considerações: “As informações não chegam aos pais”, acrescentando que “estão disponíveis num ambiente virtual” e que estes “precisam se deslocar de uma forma ou outra para ter acesso. Existem famílias que acessam e existem as que não acessam. Então algumas fazem forte controle sobre os filhos.” Percebeu-se que a preocupação da escola parecia estar em mantê-las informadas sobre tudo o que acontecia na vida escolar dos alunos para que não houvesse cobranças futuras caso não houvesse bons resultados, tanto com relação ao rendimento escolar quanto ao comportamento. Quando havia alguma ocorrência mais grave ou mesmo quando depois de receber advertências orais tais comportamentos reincidissem, os pais eram informados via comunicado impresso. Um modelo padrão era preenchido e enviado pelo próprio aluno para ser devolvido, assinado, por um dos responsáveis, no dia seguinte. Segundo a orientadora, a escola possuía normas internas que orientavam a condução dos conflitos. Existia uma série de medidas disciplinares que iniciavam com uma advertência por meio de uma conversa que, posteriormente era registrada na internet, além de enviado um comunicado escrito. Assim, apesar de a escola
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“lidar com o conflito”, o pai era informado por que motivo o filho tinha sido encaminhado para a orientação educacional. Tais providências poderiam ser mais severas em caso de reincidência, sendo aplicada uma “suspensão”, que era quando o aluno ficava proibido de frequentar as aulas num determinado período. Ressalta-se que tais procedimentos eram de pleno conhecimento dos estudantes. No excerto abaixo, extraído do protocolo de entrevista com um aluno do 8º ano_PA, é possível constatar tal ideia:
PES: E quando as regras que você mencionou não são cumpridas, o que acontece? ALUNO 1: Ah, tem uma punição. Tem um comunicado, uma advertência. PES: Como são essas punições, esses comunicados? ALUNO 1: Ah, depende. Se foi a primeira vez sua você toma um comunicado, ou uma advertência oral [...] você não leva nada pra casa. Aí a segunda vez é uma escrita, e depois começa a vir suspensão. PES: Então da primeira vez você é só alertado, [...] é conversado sobre o problema. ALUNO 1: É dependendo do que você fez, se você fez uma coisa muito grave. PES: [...] Você está me dizendo que é conversado com você e na segunda vez... ALUNO 1: Você toma um comunicado. PES: Leva por escrito, é isso? [...] ALUNO 1: É, e depois toma uma advertência, ai já começa a tomar suspensão depois. Como exemplo de comunicados enviados aos pais do nível II da escola particular, apresentaremos a seguir um termo de suspensão e sua respectiva anotação disponibilizada na internet (quadro 3). O que está sublinhado na circular corresponde às informações que foram preenchidas pela orientadora no documento padrão.
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Quadro 3 – Termo de suspensão enviado aos pais e respectivo registro de um aluno do 8º ano particular. Termo de suspensão Senhores pais ou responsáveis, Com base nas normas gerais do Regimento Escolar do Colégio, recebidas no ato da matrícula, seu(a) filho(a) RAF, n◦.__, do 8º ano __, está suspenso no(s) dia(s) ______, motivado por reincidência disciplinar: excluído da aula de Inglês em 28/08 por motivo de comportamento inadequado. O
Serviço
de
Orientação
Educacional
está
à
disposição
para
maiores
esclarecimentos. Solicito que V.Sa. dê ciência à nossa decisão. Assinatura da Orientadora Educacional Ciente: ____/____/_________ ______________________ Assinatura do responsável
Anotações para acompanhamento escolar - Internet Tipo de anotação Exclusão da classe
Descrição Reunião com orientadora e suspensão de um dia (29/08). Termo enviado à família via aluno em 28/08.
2.6.2 Nível II na escola pública (8º ano_PU)
Na escola estadual assim como na particular, o professor também tinha na mesa uma planilha para anotar a presença. Cada um devia fazer a chamada ao iniciar sua aula e ter o controle dos presentes e ausentes, sabendo se um aluno que compareceu antes não mais se encontrava em sua aula, evitando problema com “cabulação”16. Diferentemente da estrutura
16
Termo popularmente usado para se referir às ausências voluntárias em aula, isto é, quando um aluno não entra na sala por vontade própria, dirigindo-se a outros lugares ou mantendo-se escondido em algum espaço da própria escola.
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apresentada no documento da outra escola, o espaço em branco restante dessa folha poderia ser usado para anotar quaisquer ocorrências durante o tempo que estivesse com a turma. O último professor a dar aula no dia levava a pasta para a sala dos professores para que as folhas fossem arquivadas, por turma, para consulta posterior quando necessário e para serem repostas por outras em branco. Apesar de inúmeras tentativas, não foi possível ter acesso a esses arquivos, tendo como argumento para a negativa que eles estavam misturados com os de outras turmas. Segundo a monitora, a falta de organização e mesmo de orientação e acompanhamento do material era devido ao fato de estarem sem coordenador pedagógico nesse nível. Na pública, geralmente era o diretor quem cuidava de questões disciplinares, mas em sua ausência17, cabia ao próprio coordenador do nível I lidar com estes problemas. Um aluno, quando colocado para fora da sala, era encaminhado para a diretoria ou para o coordenador, que, quando considerava necessário, registrava o fato num livro que ficava na secretaria da escola. Em casos mais graves, além desse registro, o pai recebia uma circular convocando-o para que comparecesse na escola no dia posterior à ocorrência, sendo sua presença condição para o aluno entrar para a aula. No entanto, constatou-se que, na maioria dos casos considerados de maior gravidade, a família era contatada por telefone para ser informada dos acontecimentos e solicitar o comparecimento na escola. O motivo encontrava-se no argumento de que o comunicado escrito não era entregue aos responsáveis, optando-se pelo telefonema. Ao observar este livro de registros, foram identificadas apenas quatro ocorrências referentes à turma do 8º ano. Perguntado sobre os problemas envolvendo os alunos desse grupo, a inspetora informou que em algumas situações era conversado com a pessoa sem necessidade de anotar ou chamar os pais. As anotações eram feitas em casos mais graves, como por exemplo, quando havia agressão física. A coordenadora do nível I, que auxiliava os alunos das demais séries devido à ausência da vice-diretora, explicou durante a entrevista que precisavam ter registros para serem retomados se um professor, um profissional da escola ou um pai viesse questionar sobre algum fato ou procedimento, como mostra o trecho a seguir:
COORDENADORA: [...] a gente anota, faz as nossas anotações só pra caso assim, se vier um pai ou alguém queira saber o que ocorreu e eu 17
Conforme explicado, ao descrevermos as escolas selecionadas, lembramos que com o afastamento do diretor e com a ausência de um coordenador, a vice-diretora assumiu. Todavia, por trabalhar na rede municipal no período da tarde, período ao qual pertencia o 8º ano, quem assumia essa tarefa temporariamente era a coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental I, somando duas funções.
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não esteja aqui, ou alguém da direção, ou às vezes o professor não está [...] porque às vezes tem situações que o pai vem até a escola pra saber como é que foi, né... Então tem que ter algum registro, então esse é o nosso registro. Porém, devido ao pequeno número de anotações, pareceu-nos que nem sempre essa prática ocorria, supondo que a causa era a ausência de funcionários. Assim sendo, os professores estavam cientes do período de dificuldade da escola, talvez buscando assumir uma postura mais leniente, evitando colocar alunos para fora da sala demasiadamente. Nos exemplos que seguem, serão apresentados dois casos distintos em que não houve violência física, no entanto, em ambas as situações os envolvidos já haviam sido “advertidos oralmente” e por manterem as condutas inadequadas, estas foram registradas.
(data) O aluno JON, 7ª B (8º ano), foi convidado a comparecer na diretoria por estar causando desordem no ambiente escolar, na hora da entrada, foi comunicado e orientado sobre as implicações e comprometeu-se à comportar-se adequadamente. O mesmo conversou com a diretora V. (data) A aluna KEL, da 7ª B (8º ano) após bater o sinal fica dentro do carro com seu ―primo‖ e após fechar o portão, diz que quer entrar e mostra-se muito agressiva. A aluna entrou pela secretaria, ligamos para sua mãe que disse que irá tomar as providências. Outro documento utilizado para informar as famílias, nos momentos de reunião, a respeito da situação escolar de seus filhos era a „Ficha Individual de Avaliação Periódica‟, organizada em cinco partes, que seguiam a seguinte divisão: a primeira tratava de um quadro para o registro das médias e das faltas em cada disciplina. As outras partes se referiam a itens sobre possíveis dificuldades do aluno, recomendações feitas pelos professores ao estudante, outras aos pais e, por último, um quadro para registro de frequência e conceito (nota) referente ao encaminhamento para o projeto de recuperação e reforço. No final, preenchia-se a data e havia um local para assinatura dos responsáveis em cada bimestre, como pode ser observado nos quadros 4 e 5.
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Quadro 4 - Ficha Individual de Avaliação Periódica – Parte I. SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO Nome da Escola Ficha Individual de Avaliação Periódica – Ensino Fundamental – CICLO II Nome do aluno: _______________________________ n⁰.____ série ________ Disciplinas
Língua Portuguesa Língua Inglesa Arte Educação Física Geografia História Ciências Matemática Leitura/Prod. Textos
1º bimestre Nota Faltas
2º bimestre Nota Faltas
3º bimestre Nota Faltas
4º bimestre Nota Faltas
5º conceito Nota Faltas
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Quadro 5 - Ficha Individual de Avaliação Periódica – Parte II.
Principais causas das dificuldades do aluno
1º bimestre
2º bimestre
3º bimestre
4º bimestre
1.Falta de levantamento de dúvidas com o professor. 2.Falta de estudo. 3.Não realiza atividades em sala e em casa. 4.Não tem concentração. 5.Dificuldade em compreender e interpretar texto. 6.Assiduidade. 7.Indisciplina.
1.Falta de levantamento de dúvidas com o professor. 2.Falta de estudo. 3.Não realiza atividades em sala e em casa. 4.Não tem concentração. 5.Dificuldade em compreender e interpretar texto. 6.Assiduidade. 7.Indisciplina.
1.Falta de levantamento de dúvidas com o professor. 2.Falta de estudo. 3.Não realiza atividades em sala e em casa. 4.Não tem concentração. 5.Dificuldade em compreender e interpretar texto. 6.Assiduidade. 7.Indisciplina.
1.Falta de levantamento de dúvidas com o professor. 2.Falta de estudo. 3.Não realiza atividades em sala e em casa. 4.Não tem concentração. 5.Dificuldade em compreender e interpretar texto. 6.Assiduidade. 7.Indisciplina.
1º bimestre
2º bimestre
3º bimestre
4º bimestre
1.Realizar atividades solicitadas. 2.Participação nas atividades escolares. 3. Maior organização nos cadernos e materiais. 4. Registrar todo o conteúdo trabalhado. 5. Pontualidade na entrega das atividades solicitadas. 6. Maior empenho nos estudos.
1.Realizar atividades solicitadas. 2.Participação nas atividades escolares. 3. Maior organização nos cadernos e materiais. 4. Registrar todo o conteúdo trabalhado. 5. Pontualidade na entrega das atividades solicitadas. 6. Maior empenho nos estudos.
1.Realizar atividades solicitadas. 2.Participação nas atividades escolares. 3. Maior organização nos cadernos e materiais. 4. Registrar todo o conteúdo trabalhado. 5. Pontualidade na entrega das atividades solicitadas. 6. Maior empenho nos estudos.
1.Realizar atividades solicitadas. 2.Participação nas atividades escolares. 3. Maior organização nos cadernos e materiais. 4. Registrar todo o conteúdo trabalhado. 5. Pontualidade na entrega das atividades solicitadas. 6. Maior empenho nos estudos.
1º bimestre
2º bimestre
3º bimestre
4º bimestre
1.Participar efetivamente da vida escolar dos filhos. 2.Diálogo com o filho. 3. Propiciar hábitos de estudos diários. 4. Verificação das obrigações escolares do filho. 5.Estabelecer noções de limites ao filho. 6.Verificar frequências e justificar ausências. 7.Comparecer à escola quando convocado.
1.Participar efetivamente da vida escolar dos filhos. 2.Diálogo com o filho. 3. Propiciar hábitos de estudos diários. 4. Verificação das obrigações escolares do filho. 5.Estabelecer noções de limites ao filho. 6.Verificar frequências e justificar ausências. 7.Comparecer à escola quando convocado.
1.Participar efetivamente da vida escolar dos filhos. 2.Diálogo com o filho. 3. Propiciar hábitos de estudos diários. 4. Verificação das obrigações escolares do filho. 5.Estabelecer noções de limites ao filho. 6.Verificar frequências e justificar ausências. 7.Comparecer à escola quando convocado.
1.Participar efetivamente da vida escolar dos filhos. 2.Diálogo com o filho. 3. Propiciar hábitos de estudos diários. 4. Verificação das obrigações escolares do filho. 5.Estabelecer noções de limites ao filho. 6.Verificar frequências e justificar ausências. 7.Comparecer à escola quando convocado.
Recomendações dos professores ao aluno
Recomendações dos professores aos pais
Encaminhamento para o projeto de recuperação e reforço 1º bimestre Frequência Conceito Assinatura do responsável: 1º bimestre _______________________________ 2º bimestre _______________________________ 3º bimestre _______________________________ 4º bimestre _______________________________
2º bimestre
3º bimestre
4º bimestre
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Segundo o professor-tutor18 da classe, a organização da ficha foi um trabalho da coordenadora pedagógica anterior, que elaborou este instrumento para facilitar o registro das ocorrências e orientação ao aluno e aos pais pelos educadores. Foi feito um levantamento das queixas mais comuns percebidas na rotina de sala de aula e das que eram citadas nos momentos de conselho de classe (reunião que acontece no final de cada bimestre, antecedendo o encontro com os pais). Durante esse momento, em que todos os professores da turma deveriam estar presentes, era falado sobre a nota do aluno, sobre seu aproveitamento e comportamento. À medida que conversavam sobre determinado estudante, o professor-tutor, isto é, o responsável pela sala em que este estudava, assinalava um “X” nos tópicos correspondentes. O entrevistado, que era o tutor da turma do 8º ano_PU, esclareceu como as anotações eram feitas e o fato de que marcavam os itens comentados por dois ou mais professores, como pode ser conferido no trecho abaixo.
PROFESSOR: o professor-tutor da sala fica com essa folha e vai colocando ―X‖ automaticamente assim, vamos dizer assim no mesmo ‗time‘19 da reunião, já se coloca. Claro sempre com o consenso de mais de dois ou três professores que vai estar alterando. Por meio da observação desta ficha individual, pudemos identificar as ocorrências mais constantes, porém, notou-se um fato importante. Os documentos foram coletados após a reunião de pais do 3º bimestre, no entanto só havia as anotações referentes ao 1º bimestre, tendo o restante da ficha em branco, apesar de conter a assinatura dos familiares que compareceram ao último encontro. Esse mesmo educador explicou-nos que devido ao fato de estarem sem coordenação naquele momento, não houve o conselho de classe nem a reunião com os pais no período anterior, acontecendo somente a única que presenciamos. Nesse encontro, as fichas foram apresentadas aos familiares que compareceram apenas com os registros realizados no final do 1º bimestre. Somente eram informados sobre o rendimento e comportamento dos filhos os poucos familiares ou responsáveis que compareciam a essa reunião na escola. Entretanto, ao presenciar um momento desses, observou-se que o pai assinava sem ler as anotações e o
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Cada turma do Ensino Fundamental II tem um professor-tutor que é responsável pelas anotações na ficha individual dos alunos durante o conselho de classe e por conduzir a reunião com os pais dos respectivos alunos. 19 Time – expressão em inglês que significa hora. O professor usa tal palavra para dizer que ao mesmo tempo em que estão falando sobre o aluno, o tutor da classe vai assinalando em sua ficha individual.
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professor também conversava com ele sem ater-se às informações registradas. Tal fato ficou evidente em um dos momentos observados na reunião de pais:
Reunião individual de pais do 8º ano_PU: Os responsáveis que compareceram foram atendidos pelo professor-tutor da turma. Este geralmente informava aos pais alguns aspectos do dia a dia do aluno, principalmente chamando a atenção para os que apresentaram nota vermelha. Encontra-se sobre a mesa uma pasta com a ―Ficha Individual de Avaliação Periódica‖ de cada aluno. Aos pais era solicitado que assinassem no local referente ao bimestre. Percebe-se que este documento não é lido pelos pais e que somente as notas são comentadas sem fazer referência aos itens assinalados durante o conselho de classe. Como dito anteriormente, esse instrumento era preenchido durante o conselho de classe mediante os registros realizados diariamente na ficha que ficava sobre a mesa da sala de aula e de anotações pessoais dos próprios professores, sendo colocadas em discussão oralmente durante a reunião. No entanto, dificilmente eles têm informações anotadas a respeito dos alunos a não ser notas, médias bimestrais e número de faltas, o que nos sugere que a discussão se limitará a estes dados numéricos, bem como a fatos lembrados pelo educador por meio de sua memória. Em ambas as escolas, quando havia alguma ocorrência mais séria em sala, principalmente quando envolvia agressões verbais ou físicas, os alunos eram colocados para fora, cabendo à direção resolver o conflito. A instituição particular contava com o serviço de orientação educacional, cuja responsabilidade era o trabalho com o estudante no que dizia respeito às suas relações, aos conflitos - à coordenação cabia o trabalho pedagógico. Tal organização não foi encontrada na instituição pública. Acredita-se que era devido à falta de funcionários especialistas para tanto, como explicado anteriormente.
2.7 As entrevistas
Visando identificar e analisar algumas das principais implicações da utilização dos bilhetes ou outras formas de comunicação escrita nas relações estabelecidas entre pais e filhos, na segunda parte da pesquisa, a coleta de dados se deu por meio de entrevistas. Elas se basearam no método clínico piagetiano, cuja essência consiste em um procedimento para investigar como os entrevistados “pensam, percebem, agem e sentem, que procura descobrir o que não é evidente no
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que os sujeitos fazem ou dizem, o que está por trás da aparência de sua conduta, seja em ações ou palavras” (DELVAL, 2002, p. 67). Para o autor, o que diferencia esse método dos demais é a possibilidade da intervenção do experimentador diante da atuação do sujeito. Isso acontece porque conta com o uso de roteiros semiestruturados que favorecem a expressão dos pontos de vista de quem se está entrevistando, por possuir um planejamento relativamente aberto, o que diverge de questionários e entrevistas padronizados que, por este motivo, tem atraído o interesse para sua utilização em pesquisas qualitativas (FLICK, 2004, p. 89). A entrevista clínica piagetiana tem a característica de ser semiestruturada, contendo dois tipos de perguntas: as básicas, pertencentes ao roteiro elaborado a partir dos objetivos da pesquisa e as complementares, que são elaboradas no decorrer da conversa para esclarecer o raciocínio do sujeito. Contudo, nem todas as respostas têm o mesmo valor, porque podem ser fruto de situações diferentes e não retratar o real pensamento da criança. Dois tipos são considerados válidos para o pesquisador. As primeiras são as respostas de crença espontânea, dadas espontaneamente pelo entrevistado sem a influência do pesquisador, decorrentes de sua elaboração pessoal a respeito do tema proposto. As segundas, intituladas como crenças desencadeadas, surgem no decorrer da conversa, a partir das questões feitas pelo experimentador, também são elaboradas pelo próprio sujeito, relacionando-se com o conjunto de seu pensamento, de seu nível de desenvolvimento e sua capacidade de reflexão (DELVAL, 2002). Todavia o pesquisador deve evitar e desconsiderar três formas de respostas indesejáveis. É necessária atenção para não favorecer a crença sugerida, que ocorre como resultado da própria entrevista, pois as respostas sofrem a influência do pesquisador. Quando a criança diz qualquer coisa parecendo não se envolver com o problema em questão, considera-se que o caráter de sua resposta é ―não-importista‖. Uma vez que o sujeito não está envolvido com a situação, responde algo que não esclarece o que realmente pensa, tornando-se necessário descartar as informações do conjunto dos dados que serão analisados. Além disso, a indução pode ser resultante de postura do experimentador que, ao insistir numa mesma pergunta, leva o sujeito a responder qualquer coisa para satisfazê-lo. Outro tipo de resposta que não apresenta valor para o estudo é a fabulação, que consiste na criação de histórias durante a entrevista de maneira imprevisível e de pouca relação com o tema abordado. Para realizar as entrevistas individuais com os envolvidos no processo de comunicação entre a escola e a família: alunos, professores, coordenadores/orientadores e pais/responsáveis,
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foram elaborados diferentes roteiros (Apêndice 3). Procurou-se formular as questões de forma que fossem abordadas as ideias dos sujeitos que assumem diferentes papeis na relação educativa. No planejamento das perguntas, houve a preocupação de não se iniciar abordando de imediato o uso dos bilhetes enviados pelos educadores em geral. Optou-se por contextualizar a conversa, iniciando por indagações que abordavam a existência de regras ou conflitos na escola e sobre as ações dos professores diante destas ocorrências, favorecendo que fosse citado este instrumento de comunicação como uma das estratégias de solução. Posteriormente, abordavam-se questões relacionadas aos procedimentos utilizados para as instituições se comunicarem. Em todas as turmas foram selecionados por volta de 25% dos participantes, sendo aproximadamente uma metade formada pelos alunos considerados “indisciplinados” e a outra pelos “disciplinados”. Para tanto, a amostra dos sujeitos para a entrevista clínica realizou-se por meio de amostragem por tipicidade ou intencional que “consiste em selecionar um subgrupo da população que, com base nas informações disponíveis, possa ser considerado representativo de toda a população” (GIL, 1997/2009, p. 94). Sendo assim, a escolha dos alunos do nível I se deu a partir da observação dos bilhetes, selecionando os que tinham a maior quantidade de recados sobre indisciplina escritos na agenda ou no caderno. Quanto ao nível II, foram selecionados, na escola pública, os estudantes com maior número de registros sobre problemas com comportamento na ficha individual do aluno. Na particular, os que tinham mais relatórios na orientação educacional, e que consequentemente eram disponibilizados na internet, foram os escolhidos. Além desses, em todas as classes escolheram-se estudantes que não tivessem ocorrências registradas, selecionados aleatoriamente entre os sujeitos que tinham sua participação autorizada pelos responsáveis por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e que não recebiam bilhetes “por apresentarem bom comportamento”, considerados como “bons alunos”, disciplinados. Ao todo foram entrevistados 46 alunos, sendo 24 considerados “indisciplinados” e 22 “disciplinados”, como pode ser constatado na tabela 3:
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Tabela 3 – Número de alunos selecionados para a entrevista.
Alunos indisciplinados Alunos disciplinados Total
2º ano 3
Particular 5º ano 8º ano 4 4
2º ano 4
Pública 5º ano 5
8º ano 4
Total 24
4
3
4
3
4
4
22
7
7
8
7
9
8
46
As entrevistas com os alunos da escola pública foram realizadas individualmente na sala de vídeo (EPU_1) e na biblioteca (EPU_2). Para os encontros com os educandos do colégio particular, utilizou-se uma das salas de orientação educacional e algumas classes vazias (dependendo do dia e do horário em que eram agendados). Tal coleta aconteceu entre o final do mês de novembro e o início de dezembro, antes do encerramento do ano letivo, tendo sempre a preocupação em não atrapalhar o andamento da rotina e haver agendamento prévio com os professores ou coordenadores das turmas selecionadas. Em relação às entrevistas com os professores, foram selecionados os polivalentes, ou seja, aqueles responsáveis pelas salas de Fundamental I em ambas as instituições. Na escola pública de nível II (EPU_2), foi escolhido o professor-tutor da classe e, na particular, um dos que tinha várias anotações nos registros retirados da internet. No total, foram selecionados seis professores, que assim como com os alunos foram entrevistados antes do final das aulas do ano vigente. Após as entrevistas com estudantes e educadores, foi elaborada uma agenda com os contatos telefônicos dos respectivos pais, que foram contatados no primeiro semestre do ano seguinte (2010), após as férias escolares. Foi dada a oportunidade para o sujeito definir o local para o encontro, podendo optar entre a própria escola, sua residência, ou se fosse de sua preferência, sugerir outro espaço. Devido à dificuldade de conseguir o agendamento com alguns familiares, foram entrevistados quinze responsáveis, o que corresponde a aproximadamente 33% da amostra de alunos. Os demais não foram entrevistados por motivos como: insucesso no contato, não comparecimento ao horário marcado, falta de retorno à ligação da pesquisadora ou porque o filho não estudava mais na escola. Durante a realização das entrevistas com os alunos, constatou-se que, na maioria das vezes, principalmente no Fundamental II, estes eram encaminhados aos especialistas citados anteriormente, cabendo-lhes a solução dos problemas e o posterior contato com os pais e responsáveis. Por essa razão, foram entrevistadas três dessas profissionais: as duas coordenadoras
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pedagógicas de 1º ao 5º ano de ambas as escolas estaduais (uma delas, auxiliava os alunos de nível II por causa da falta de funcionários) e a orientadora educacional do nível I da instituição particular. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas a fim de não se perder nenhum detalhe na fala dos entrevistados. Em média, as realizadas com os alunos e com os pais duraram dez minutos, enquanto que, com a equipe pedagógica, o tempo aumentou para uma faixa de vinte minutos cada gravação. O áudio foi transcrito por um profissional qualificado, sendo feita a revisão pela própria pesquisadora para a correção de possíveis erros. Entre os mais frequentes estavam os de digitação e algumas frases ou expressões não digitadas na íntegra devido à dificuldade de compreensão da fala dos sujeitos. Para Gibbs (2009, p. 34), não depende da pessoa escolhida para essa tarefa, sendo “necessário conferir o documento produzido em relação à gravação ou texto original para eliminar erros”. No entanto, o conteúdo não foi alterado, mantendo-se na íntegra as ideias sem que fosse feita qualquer correção gramatical ou alteração quanto ao uso de gírias e vícios de linguagem. Em síntese, foram realizadas 70 entrevistas, sendo 46 com alunos, 15 com pais, 6 com professores, 2 com coordenadoras e 1 com a orientadora educacional, a fim de que os dados fornecidos por todos os envolvidos na comunicação pudessem auxiliar na análise das implicações nas relações familiares.
2.8 As observações
Considerando-se a complexidade da pesquisa qualitativa, que admite o uso de observações para contribuir com a contextualização do ambiente e para a compreensão dos demais dados coletados, durante nossa permanência nas escolas utilizamos desse recurso metodológico, sem a necessidade de serem planejadas com antecedência (RAMPAZZO, 1998). Para tanto, observamos a rotina desses espaços quando entrávamos ou saíamos das instituições, ao fotografarmos os bilhetes em sala, ao assistirmos algumas aulas, na participação das reuniões de pais e enquanto aguardávamos alguns dos entrevistados. Os dados observados foram registrados em protocolos cujas informações foram posteriormente analisadas e relacionadas com os outros coletados por meio dos documentos e das entrevistas, totalizando aproximadamente 20 horas de observação.
100
Na EPA, a pesquisadora esteve presente numa reunião com os pais dos alunos do Ensino Fundamental II e Médio. Antecedendo a data agendada pela instituição, contatamos os familiares do 8º ano, solicitando um encontro para a realização da entrevista uma vez que já estariam presentes na escola. Não foi possível observar diretamente a abordagem dos educadores aos responsáveis, como feito nas demais, devido à forma como estes momentos foram organizados. Isso aconteceu porque em cada sala de aula encontrava-se um professor designado por realizar os atendimentos com os responsáveis por cada aluno. Diferentemente da estadual, eram recepcionados individualmente na sala, de acordo com o horário pré-agendado, garantindo assim a privacidade das informações discutidas sobre os estudantes. Dessa forma, realizaram-se observações sobre a organização do encontro e a preocupação ao receberem os pais na escola. No início do estudo, houve também a participação na reunião de pais e mestres do nível I na EPU_1. Acompanhamos duas reuniões coletivas em que os temas de uma pauta eram abordados com todos os responsáveis pelos alunos ao mesmo tempo. Em ambos os encontros a pesquisa foi apresentada e os termos de consentimento foram entregues. No 2º ano, a apresentação e a entrega dos TCLE foram feitas no início da reunião com todos os presentes. Na turma de 5º ano, muitos compareceram depois do horário marcado para o início do encontro, não havendo o momento para discutir a pauta com todos ao mesmo tempo, sendo necessário abordálos individualmente à medida que procuravam a professora em sala de aula. Na reunião bimestral da EPU_2, com o objetivo de abordarmos os responsáveis que comparecessem ao encontro, houve a participação no momento de atendimento individual do 8º ano. Apesar de atender um pai por vez, não havia um horário definido, possibilitando que outros entrassem na sala enquanto se conversava a respeito dos demais alunos. Durante nossa presença na sala, foram registradas observações sobre a postura do professor neste momento destinado à comunicação com as famílias: sua linguagem, as orientações dadas, a abordagem que fazia em relação ao desenvolvimento do aluno. Após o início da coleta de documentos nesta última instituição, foi possível perceber a escassez de registros sobre os conflitos pertencentes ao grupo selecionado com a coordenação, o que não correspondia à fala da direção no momento em que sugeriu essa sala para a realização da pesquisa. A fim de identificar os tipos de conflitos que ocorriam com tais alunos e conhecer a maneira para sua resolução, realizou-se a observação de dois dias letivos (incluindo o recreio), em que a pesquisadora foi autorizada a permanecer em sala de aula. Com isso, a rotina da turma
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em questão foi observada durante 8 horas, sendo possível constatar os tipos de problemas mais frequentes, como estes eram resolvidos, bem como a postura dos estudantes e dos respectivos professores.
2.9 Análise dos dados
A análise dos dados coletados realizou-se por meio da triangulação de métodos entre a pesquisa qualitativa e quantitativa, pelo fato de uma abordagem contribuir com a outra, o que as torna estratégias complementares. Segundo Flick (2009a, p. 120), “o foco está mais na utilidade e contribuição de uma abordagem à outra”. Os dados foram analisados em três partes, tendo como base o método de análise do conteúdo, que pode ser utilizado tanto na pesquisa qualitativa quanto nas investigações quantitativas, sendo aplicados de maneiras diferentes. Esse consiste numa técnica que trabalha com dados textuais escritos, que podem ser classificados em dois tipos. Podem utilizar-se de textos construídos durante o processo da pesquisa como as transcrições de entrevistas e os protocolos de observação, procedimentos realizados neste estudo. Além disso, permite o uso de mensagens escritas que foram anteriormente produzidas para qualquer outra finalidade, como no caso dos instrumentos usados pela escola para a comunicação escrita com as famílias dos alunos. Tal método trata de uma forma de investigação cuja finalidade volta-se para a descrição objetiva e sistemática do conteúdo presente na comunicação. Bardin (1994, p. 37) define a análise de conteúdo como:
Um conjunto de técnicas de análise de comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.
Inicialmente, os dados referentes aos documentos coletados foram organizados e analisados quanto ao conteúdo das mensagens que apresentavam e, na segunda parte, a estrutura destes bilhetes foi observada. Para esta mesma autora, “classificar elementos em categorias impõe a investigação do que cada um deles têm em comum com outros. O que vai permitir o seu agrupamento é a parte comum entre eles” (p. 112). Em ambas as situações, as categorias e os
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critérios foram definidos a posteriori, por meio da definição de categorias analíticas, seguindo o modelo aberto, em que estas não são fixadas no início da coleta, mas tomam forma à medida que se realiza a análise (LAVILLE e DIONNE apud SILVA, GOBBI e SIMÃO, 2005). Os dados deste estudo foram tratados qualitativa e quantitativamente, a fim de favorecer o reconhecimento de sua caracterização, bem como quantificar a frequência em que ocorriam, justificando a necessidade do uso de métodos de pesquisa e de análise complementares. Assim, após a investigação do conteúdo dos instrumentos de comunicação escrita enviados pela escola e da estrutura dos bilhetes do Ensino Fundamental I, submetemos 10% deste material a um juiz independente, especialista na área, com o intuito de comprovar a legitimidade do exame realizado pelo pesquisador. Num primeiro momento, foi fornecida uma tabela descrevendo as categorias e as subcategorias referentes ao conteúdo dos bilhetes, havendo a concordância em 95% dos casos apresentados. Na segunda etapa, foi utilizado o mesmo procedimento, mediante a definição e a descrição dos aspectos nos quais a estrutura das mensagens foi analisada. Nesse item, 96% dos textos estavam de acordo com a análise inicial. Na terceira e última parte deste estudo, realizou-se a análise qualitativa do conteúdo das entrevistas realizadas com os envolvidos no processo de comunicação, a fim de reconhecer as implicações nas relações estabelecidas entre os alunos e seus familiares. Esse conteúdo foi observado seguindo quatro critérios: o primeiro era a respeito das atitudes tomadas pelos pais quando recebiam um bilhete ou outro instrumento para informar fatos vivenciados na escola; no segundo, investigou-se se houve a mudança no comportamento dos alunos depois das intervenções realizadas em casa e seus motivos. Procurou-se também identificar a utilidade dos bilhetes e, por último, discutir a visão dos professores a respeito da parceria com a família de seus alunos. Ao ser concluída a análise de cada uma dessas partes serão apresentadas algumas considerações sobre os resultados encontrados, sendo realizada uma discussão final que pretende responder os problemas desta pesquisa assim como apresentar algumas limitações do estudo e sugestões de trabalho para os educadores.
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3. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS Comunicação: Parceira ou adversária? O que mostram os bilhetes e as entrevistas.
Considerando-se a importância de uma parceria entre as duas instituições responsáveis formalmente pela educação das crianças em nossa sociedade, a escola e a família, esta pesquisa buscou compreender como está sendo a comunicação escrita da instituição escolar para a familiar. Com o objetivo de investigar os conteúdos dos bilhetes utilizados na comunicação com os responsáveis pelas crianças e adolescentes, a apresentação dos dados se dará de duas formas: a primeira será sobre a classificação dos conteúdos do material coletado e a segunda sobre a estrutura utilizada para redigir suas mensagens. Foi coletado um total de 1177 bilhetes, destes, 895 analisados, pertencentes a seis classes das turmas de 2º, 5º e 8º anos, sendo uma de cada série, em duas escolas públicas e uma privada, conforme descrito no delineamento da pesquisa. Os dados coletados passaram por uma primeira análise para a classificação de seu conteúdo, sendo excluídos 7,1% da amostra inicial, o que corresponde a 84 bilhetes, por tratarem de mensagens que foram enviadas pela família para os professores. Foram descartados porque o foco desta pesquisa era a comunicação estabelecida pela escola e o conteúdo desses não era relevante para os objetivos deste estudo. Tratavam de: justificativa de falta ou saída antecipada do filho da aula; informações sobre saúde ou uso de medicamentos pelo filho; autorização para a realização de atividades extracurriculares como a participação em treinos de futebol e aulas de ginástica; envio de dinheiro referente a algum pagamento; ou, ainda, algum esclarecimento quanto ao não uso de uniforme. A seguir, são expostos três exemplos dos que foram retirados da amostra por serem remetidos pelos pais: (5º ano_PU)20 Bom dia, Professora! A JES estava com conjuntivite todos esses dias que não foi à escola, mas eu levei o atestado do médico na secretaria. Obrigada (Nome da mãe)
20
Os bilhetes utilizados como exemplo serão antecedidos sempre pela série a que pertencem e a sigla referente ao tipo de escola.
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(2º ano_PA) Oi (nome da professora), tudo bem? Eu encaminhei o pagamento das fotos do MAT junto com as do MAR, para fazer um pagamento só. Muito obrigada! Boa semana!Beijos (Nome da mãe) (5º ano_PA) Olá (nome da professora), Hoje a BRU caiu da rede e está com dor nas costas. Acho que seria melhor ela não fazer educação física e nem correr no parque. Você dá uma olhada nela?? Obrigada (Nome da mãe)
Do total inicial, também foram excluídos 198 bilhetes dos professores dirigidos aos pais, que correspondem a 16,8% da amostra, pois se referiam a assuntos impessoais, ou seja, comunicados ou informativos coletivos em que todos os estudantes recebiam uma mesma cópia e ainda aqueles que tratavam de assuntos como: saúde e uso de medicamentos, machucados acidentais, agendamento de reunião com os pais e troca dos horários propostos para estes encontros com as famílias, solicitação de envio de algum material para a escola, informações sobre objetos perdidos e esclarecimento sobre atividades organizadas pela instituição. Os três bilhetes apresentados a seguir exemplificam o descrito anteriormente.
(2º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! Favor enviar a ficha informativa do EDU. Obrigada. Professora (2º ano_PU) Senhora mãe Favor providenciar um caderno para ISA pois o dela acabou hoje. Grata. Professora (5º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! No dia 24 tenho os seguintes horários: 14:40 e 17:20. Veja qual poderá. Aguardo sua resposta. Um abraço. Professora
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Além disso, nesses bilhetes excluídos incluímos os que tratavam de uma resposta do professor a algum recado da família e aqueles cujo conteúdo não estava claro, impossibilitando sua análise. Um exemplo disso é quando o bilhete apresenta uma ideia que está „solta‟ porque se trata de uma resposta a algum assunto abordado pelos pais ou professores por telefone ou nos encontros na hora da entrada ou saída, como em casos que a mãe faz uma pergunta para a professora pessoalmente e a dúvida é esclarecida por meio de mensagem na agenda, dificultando nossa compreensão do motivo pelo qual determinada explicação é enviada por escrito. Portanto, dos 1177 bilhetes coletados foram excluídos 282, o que corresponde a 23,9%. Serão utilizados para a análise os conteúdos dos 895 restantes, que passam a ser considerados como a totalidade da amostra desta pesquisa. Os bilhetes foram analisados de duas formas distintas a fim de responder ao problema deste estudo. A investigação se deu por meio da análise dos conteúdos e da estrutura apresentada em sua mensagem. A primeira parte da pesquisa trata de uma análise quantitativa e qualitativa do conteúdo presente nos que são enviados aos pais dos alunos de Ensino Fundamental. Em determinados momentos, devido à quantidade expressiva de certos dados, optamos por apresentálos por meio de gráfico e tabelas para favorecer a compreensão. Os resultados serão apresentados e discutidos a seguir.
3.1 Os bilhetes nas diferentes séries do Ensino Fundamental
Os 895 bilhetes pertenciam a três turmas do Ensino Fundamental, sendo que apenas 2,6% foram enviados aos pais de 2º ano, 4,5% aos de 5º ano e a maior parte deles, 92,9%, pertenciam ao 8º ano, como pode ser conferido na tabela 4 e figura 2:
Tabela 4 - Quantidade e porcentagem geral dos bilhetes por série. Série 2º ano 5º ano 8º ano Total
Quantidade 24 41 830 895
% 2,6 4,5 92,9 100
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Figura 2 – Total de bilhetes por série. Observou-se que a grande maioria dos bilhetes coletados na amostra pertencia às turmas do nível II - 8º ano (92,9%), enquanto que menos de um décimo (8,1%) eram das outras duas. Por meio da análise de seu conteúdo, constatou-se maior inflexibilidade com os alunos dessa série no que se refere à cobrança de uma postura apropriada e ao cumprimento às normas estabelecidas, isto é, problemas de comportamento. No espaço virtual que podia ser acessado pelos pais, eram inseridas, diariamente, informações a respeito de infrações que aconteciam no período em que os filhos estavam na escola, o que aumentava consideravelmente a quantidade de registros enviados às famílias dos alunos da série. Uma queixa constante dos professores é a de que os alunos desse nível não entregam os bilhetes enviados e não aceitam mais o uso das agendas, dificultando que as informações cheguem até os pais. Por esse motivo, há constante busca por mecanismos que garantam a realização da comunicação, geralmente excluindo os alunos deste processo. Utiliza-se de instrumentos antigos dando-lhes apenas uma nova “roupagem”, como no caso dos bilhetes redigidos pelo professor em sala de aula que passaram a registros na internet, demonstrando mais agilidade e eficiência na comunicação. Como foi visto, no caso da escola privada pertencente a esta pesquisa, havia a utilização de meios eletrônicos (internet) para informar sobre a vida escolar do aluno. A escrita dos bilhetes demanda certo tempo que os professores alegam não dispor, pois têm somente uma ou duas aulas em cada classe. Sendo assim, a comunicação com as famílias era “terceirizada”, uma vez que o
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professor fazia suas anotações ou assinalava uma alternativa em uma planilha, muitas vezes sem que o aluno soubesse e, no final do período, um monitor lançava os dados anotados na página da Web para os pais que quisessem, entrassem no site do colégio e se informassem sobre o desempenho do filho. Portanto, tal estratégia diminuía a “perda de tempo” do educador, agilizando seu trabalho. Esse recurso não se fazia tão necessário na rotina das turmas de alunos menores, pelo fato de que o mesmo profissional os acompanhava durante todo o período de aula, por haver menos alunos e mais tempo com os estudantes, o que facilitava que a redação dos bilhetes fosse feita por ele próprio. Outro aspecto que nos auxiliava a compreender essa diferença é que os familiares dos pequenos geralmente entravam na escola para levar e buscar as crianças, o que favorecia o contato pessoal com o responsável pela turma em que o filho estudava, diminuindo a necessidade de escrever sobre determinados assuntos. Podemos inferir que geralmente a escola procura informar sobre as atitudes dos alunos em seus domínios, no entanto, quais são as reflexões feitas a respeito de suas próprias ações? Acreditamos na importância de ser revisto o tipo de relação que os educadores mantêm com os estudantes, sua concepção de regras e conflitos, ou ainda, a maneira como lidam com a indisciplina para, desta forma ser construído um ambiente sociomoral que favoreça o desenvolvimento intelectual e moral de seus alunos. Assim, foi possível observar que a quantidade de bilhetes enviados ao 2º ano é menor do que nas outras séries, apresentando pequena diferença em relação à quantidade do 5º ano e aumentando bastante no 8º ano, em que os bilhetes não eram mais redigidos manualmente pelo professor e os pais geralmente estavam menos presentes na escola neste nível. Tais dados foram observados considerando-se o tipo de instituição de origem e os resultados serão apresentados em seguida.
3.1.1 Os bilhetes por instituição de ensino
Ao serem analisados, de acordo com a instituição que os enviou, destacou-se que a maior parte, isto é, 96,3% dos bilhetes, foi remetida pela escola particular, enquanto que somente 3,7% pela pública, como mostram a tabela 5 e a figura 3:
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Tabela 5 – Quantidade e porcentagem geral dos bilhetes por instituição. Instituição Quantidade Particular 861 Pública 34 Total 895
% 96,3 3,7 100
Figura 3 – Total de bilhetes por instituição. Percebeu-se que os pais e os professores da particular se comunicavam com certa frequência por meio dos bilhetes, principalmente no nível I, em que eram utilizados para a troca de informações por meio da agenda. Como justificado no início do capítulo, diversos assuntos eram diariamente razão para o envio dessas mensagens, tanto por parte dos responsáveis como dos professores, o que não acontecia na pública. Mas, por quê? Podemos supor que parte da resposta possa estar no fato de que a primeira instituição mantem uma relação de “consumo” com as famílias, sendo uma prestadora privada de serviços em relação à educação de seus filhos. De certo, a preocupação em atender seu “cliente” da melhor forma possível, gera a necessidade de manter os responsáveis satisfeitos e cientes das dificuldades dos estudantes, sendo, portanto, informadas constantemente sobre as ocorrências no ambiente escolar. Parece-nos que esse mesmo quadro não faz parte da instituição pública cujo número de alunos não depende diretamente da qualidade do serviço oferecido em seus diversos setores. No entanto, pode-se verificar a organização e o cuidado na instituição privada para conseguir o controle e um bom
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andamento em todos os seus setores, contando com uma série de funcionários bem equipados para cuidar dos acontecimentos envolvendo as crianças bem como evitando, quando possível, que acontecessem conflitos ou qualquer outra situação que as colocasse “em perigo”, como no caso de brincadeiras que poderiam acarretar acidentes, tais como subir nas árvores do parque ou correr em lugares pouco seguros para o fazer. Como descrito anteriormente, cada segmento possuía um orientador educacional para lidar com os problemas envolvendo os alunos e contava ainda com a assistência de vários monitores cujo papel era desempenhar tarefas como: auxiliar no cuidado com as crianças quando estavam fora da sala; realizar o primeiro atendimento à solicitação dos pais que telefonavam ou compareciam à escola; lançar diariamente na internet as anotações feitas pelos docentes durante o período de aula. Assim, foi possível detectar a importância que era dada para manter os familiares cientes dos processos vividos na escola, o que não era percebido na instituição pública. Observou-se que esta última não possuía tal infraestrutura, muitas vezes não podendo nem contar com o número mínimo de funcionários para a realização das atividades previstas, pois eram constantes os afastamentos por doenças, a falta de pessoal ou a espera por novas contratações, quase obrigando que uns realizassem, além de suas próprias responsabilidades, outras funções ainda não preenchidas. Nessa estrutura, é compreensível que muitas vezes os alunos eram advertidos somente de forma oral para que obedecessem, não havendo registros e comunicação com as famílias, a não ser em casos mais graves, como nos conflitos envolvendo agressão física. Sendo analisados mediante a série e a instituição, constataram-se os resultados que serão exibidos no próximo tópico.
3.1.2 Os bilhetes por instituição e série
Com o intuito de verificar as possíveis semelhanças e diferenças entre as séries dos dois tipos de instituição, os dados foram observados de acordo com a turma e a qual delas pertencem, como pode ser visto na tabela 6 e figura 4.
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Tabela 6 - Quantidade e porcentagem geral dos bilhetes por instituição e série. Série 2º ano 5º ano 8º ano Total
Particular Pública Quantidade % Quantidade 18 2,0 6 13 1,4 28 830 92,9 0 861 96,3 34 895 (100%)
% 0,6 3,1 0 3,7
Figura 4 – Total de bilhetes por instituição e série.
Se compararmos os dados da escola pública com a privada, encontramos um maior número de bilhetes nesta última, com exceção do 5º ano da primeira que enviou 58,8% com conteúdos sobre conflitos. Na particular, constatou-se um amplo aumento na quantidade de bilhetes enviados pelos professores do 8º ano, o que confirma a ideia anterior de que à medida que os alunos crescem aumenta a cobrança com relação à obediência às regras. No entanto, isso não pode ser constatado na pública, pois, no nível II, dificilmente eram enviadas mensagens escritas aos familiares, uma vez que não havia a mesma estrutura da outra escola para cobrar o seu cumprimento e avisar constantemente as famílias. Nessa instituição, os pais geralmente eram informados sobre problemas mais graves via telefone ou após o aluno ser advertido oralmente e continuar a não obedecer. Havia uma cobrança sim, tanto quanto na particular, o que parecia
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diferir eram a estrutura e as condições materiais e profissionais, que dificultavam o envio das informações aos responsáveis. É preciso considerar que o uso de mecanismos de respeito unilateral e de regulação externa que utilizam com as crianças menores, como punição, recompensas, chantagens, ameaça de retirada do amor vão perdendo a eficácia com os maiores, sendo necessário buscar outros recursos que possam garantir a comunicação com os familiares de forma que estes auxiliem na inibição das condutas indesejadas dos adolescentes. Podemos ilustrar com um exemplo de procedimento rotineiramente usado com as crianças na escola: os pequenos são colocados para pensar pois fizeram “algo errado”, ato inclusive orientado por meio de programas de televisão, alegando que, pensando em suas atitudes, aprenderão que não devem repeti-las. No entanto, pensar vai muito além de ser isolado do grupo, pois é preciso que ações mentais se coordenem para que o sujeito compreenda o problema por diferentes pontos de vista, o que não ocorre quando se é colocado sozinho, preso em sua própria perspectiva. Para contribuir com a tomada de consciência, o educador deve fazer perguntas que o auxilie a compreender a forma como os outros indivíduos enxergam o conflito, a necessidade das normas e o pensar em soluções justas. Procedimentos como „colocar sozinho para pensar‟ aos poucos não funcionam com as turmas do nível II devido à evolução da noção de justiça que faz com que os maiores consigam perceber quando uma sanção é árbitrária. Quando um educador manda uma criança refletir sobre o que fez de „errado‟, ela constantemente obedece sem questionar. No entanto, tal ordem não seria cumprida pelo adolescente, levando-o a atitudes como, por exemplo, enfrentar o professor negando-se a realizar o castigo. Por que tal estratégia, entre outras, perde seu efeito? Quando são pequenas, as crianças não compreendem a justiça como algo superior à autoridade, ou seja, para elas o justo é confundido com obediência às ordens dos adultos, pois estes centralizam o poder. Uma vez que consideram como certas as imposições feitas por eles, não conseguem avaliar se uma punição recebida é injusta ou abusiva, se foram ou não os causadores do problema, sem capacidade de julgar a relação entre a infração e o preço que está sendo „pago‟, como quando como um professor manda que copiem três vezes a mesma lição porque não se comportaram adequadamente durante a aula. Tal castigo, além de não ter relação com o ato a ser punido, pode ser considerado abusivo. Por exercerem a autoridade de forma não igualitária, os adultos usam desta incapacidade de compreender o que é justo ou não para obter a obediência e o controle.
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No entanto, à medida que crescem, esse temor pela autoridade declina e os maiores começam a crer que um adulto deve cumprir as regras tanto quanto eles. A justiça evoluindo passa a ser compreendida como igualdade na aplicação das regras e das sanções. Assim, as normas que valem para um devem valer para todos e o mesmo é válido para os castigos e as recompensas numa igualdade estrita. Dessa forma, por identificarem quando as ações adultas são injustas ou abusivas, paulatinamente não sentem a obrigação de obedecer, passando a questionar e resistir a certas imposições que lhes são feitas. Tornam-se cada vez mais capazes de avaliar a proporcionalidade entre o ato cometido e o preço pago por meio da punição, o que não conseguem quando pequenos. Como passam a compreender a necessidade de equilíbrio entre a proporção de sua atitude em relação ao castigo, também não acatam a qualquer sanção imposta por um adulto. Tendo seu conteúdo analisado, os bilhetes foram classificados e categorizados. A seguir serão apresentadas as categorias e as subcategorias elaboradas.
3.2 As categorias dos bilhetes
A partir do agrupamento pelas semelhanças dos bilhetes que compõem a amostra e da análise de seu conteúdo, foram elaboradas três categorias de acordo com os temas identificados em cada um dos que foram enviados pela escola à família dos alunos. São elas: “aprendizagem”, “conflitos” e “regras convencionais”, que serão descritas e exemplificadas. Na primeira categoria, foram agrupados os bilhetes sobre “aprendizagem”, que se referiam a conteúdos que tratavam da aquisição de conhecimento ou do desenvolvimento cognitivo, como mostra o exemplo:
(2º ano_PA) Nome da mãe Estou enviando pelo CAI uma lista de problemas que exigem uma boa leitura e compreensão, pois há várias possibilidades. Acredito que possa ajudá-lo. Não precisa entregar amanhã. Atenciosamente Professora
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(5º.ano_PA) (Nome da mãe) Fiquei preocupada com a nota da avaliação processual de Matemática da JUL e gostaria que você acompanhasse nos estudos para a avaliação de Matemática. Estou enviando alguns problemas para que ela faça como estudo (leitura de problemas e cálculos). Atenciosamente Professora A segunda diz respeito aos “conflitos” cujos conteúdos versavam sobre comportamentos considerados inadequados e/ou indisciplina dos alunos. A seguir bilhetes que exemplificam a categoria:
(2º ano_PU) Não se comportou bem durante a aula no dia de hoje. Professora (2º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! Retomei a atitude, o amigo disse que foi sem querer. Pedi para que o PED conte as coisas aqui na escola também, para que eu possa ajudá-lo a resolver na hora do ocorrido. Um abraço Professora
(5º ano_PU) Por favor, conversem com o JON sobre como se comportar e o respeito que deve ter com os colegas e professores. Grata Professora (5º ano_PU) Mamãe Por gentileza converse com o MAT pois está difícil seu comportamento em sala. Ele não para no lugar, agora está com uma brincadeira de ficar batendo um no outro dentro da sala de aula, conversando o tempo inteiro, infelizmente assim está difícil. Peço por favor que me ajude quanto a seu comportamento. Desde já agradeço Um abraço Professora Na terceira, foram classificados os que tratavam sobre as “regras convencionais”. Turiel (1989) as definem como um conjunto de regras de condutas consideradas obrigatórias para um determinado grupo, mas que não universalizáveis, como usar o uniforme, não mascar chiclete em
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sala de aula e ter um horário estabelecido para entrada e saída. Elas diferem das morais, que se voltam “às questões interpessoais, à resolução de conflitos, à restrição de condutas e à busca da harmonia social e do bem-estar alheio” (LA TAILLE, 2002, p. 17). Torna-se importante esclarecer que as primeiras são culturais e sociais não podendo nunca ser superiores em relação às segundas, o que ainda é muito comum nas escolas, como discutiremos mais adiante. Nos registros a seguir, algumas comunicações sobre “regras convencionais” podem ser conferidas: (8º ano_PA) Matéria História
Tipo de anotação Falta de uniforme
Matemática
Saída antecipada
Descrição A família não justificou a falta de uniforme do aluno. Justificado pelo responsável
(5º ano_PA) (Nome da mãe) Hoje na entrada acreditava que você já havia passado na monitoria pois já foi informado aos alunos que depois do 2º. sinal eles devem passar na monitoria para receber a autorização para entrar em sala, por isso não solicitei para que vocês o fizessem. Na verdade o erro foi meu por não ter solicitado que vocês passassem na monitoria. Atenciosamente (nome da professora) O quadro a seguir resume as características das categorias dos bilhetes apresentadas anteriormente: Quadro 6 – Descrição das categorias dos bilhetes. Categorias Aprendizagem
Conflitos Regras Convencionais
Categorias dos Bilhetes Descrição Trata de informações da aquisição de conhecimento ou do desenvolvimento cognitivo. Ex.: Professor informa uma dificuldade percebida e a necessidade de estudar mais. Trata de comportamentos indisciplinados. Ex.: Conversar e brincar na aula. Trata de normas elaboradas pelas instituições para o bom andamento da rotina escolar. Ex.: Horário de entrada e uso obrigatório de uniforme.
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Feita a categorização, compreendeu-se que a amostra foi composta por aqueles cujo conteúdo se referia à “aprendizagem”, aos “conflitos” e às “regras convencionais”, totalizando 895 bilhetes, sendo 19 (2,1%) da primeira categoria, 419 (46,8%) da segunda e 457 (51,1%) da terceira. A apresentação dos dados terá início pelos resultados gerais encontrados nas três categorias, como mostram a tabela 7 e figura 5:
Tabela 7 – Quantidade e porcentagem das categorias dos bilhetes. Categoria Aprendizagem Conflitos Regras convencionais Total
Quantidade 19 419 457 895
% 2,1 46,8 51,1 100
Figura 5 – Total geral de bilhetes por categoria. Como observado no gráfico e na tabela anteriores, 457 abordavam o não cumprimento de “regras convencionais”, representando mais da metade dos bilhetes enviados às famílias (51,1%) e 419 informavam sobre “conflitos” ocorridos na escola (46,8%). Observou-se que tal número era bem menos expressivo quando tratavam sobre “aprendizagem” (2,1%), demonstrando que o foco maior estava no aviso aos familiares sobre situações que perturbavam o andamento da rotina escolar. Esses dados indicam que questões comportamentais parecem ser o maior motivo de
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preocupação da escola, pelo menos é o que mais a leva a remeter informações desse tipo para as famílias. Vale ressaltar que, nem sempre, os educadores compreendem que as regras convencionais não devem ser tratadas com maior importância do que as morais, muito pelo contrário. O que comumente acontece é que essas primeiras são encontradas demasiadamente nas escolas, não havendo cuidado em relação à proporcionalidade das sanções aplicadas quando há infrações de um tipo ou de outro. Geralmente, o não cumprimento às convenções traz implicações muito mais severas e rígidas. Um exemplo é quando um aluno é advertido inúmeras vezes, sendo retirado de aula por usar boné, enquanto esta mesma cobrança não é percebida em relação a outro que ofende um colega por meio de palavras agressivas. Não estamos dizendo com isso que as regras convencionais são desnecessárias, e sim que devem ser utilizadas de forma consciente, começando pela reflexão de sua real necessidade. É comum a existência de tantas regras num único estabelecimento que as pessoas chegam a se confundir, o que foi percebido em nossas entrevistas com os alunos. Todos afirmavam que estas existiam, no entanto lembravam-se somente de algumas delas. Constata-se a importância de muitas, como ter um horário estabelecido para entrada na aula, por exemplo. Porém, ainda existe um número grande daquelas que são convenções, que com o tempo nem se sabe mais o motivo pelo qual foram criadas e se ainda precisam delas. Essas devem ser usadas sem excesso e com cautela, garantindo o mínimo exigido para o bom funcionamento do espaço escolar. Outra questão relevante é que mesmo que não sejam negociáveis podem ser discutidas com os alunos, levando-os a refletir sobre sua importância e a exercitar a capacidade de dialogar, essencial à convivência democrática, como orientam os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997). Todavia, o que presenciamos, na maioria das vezes, é a preocupação da escola em evitar que as regras convencionais não sejam obedecidas, demonstrando que nem sempre se tem clareza de quais os princípios que as sustentam. Os dados apresentados em cada uma das categorias foram comparados de acordo com a série a que pertenciam. A seguir é apresentada a análise das categorias dos bilhetes nas diferentes séries do Ensino Fundamental.
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3.2.1 Os bilhetes e suas categorias nas diferentes séries do Ensino Fundamental
Dos 895 bilhetes, apenas 24 foram enviados aos pais dos alunos do 2º ano de ambas as escolas. Destes 24, 29,1% tratavam de conteúdos relacionados à “aprendizagem”, 79,2% se referiam a “conflitos”, não havendo nenhum que tratasse das “regras convencionais” das instituições, como demonstrado na tabela 8 e figura 6:
Tabela 8 – Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria no 2º ano. 2º ano Aprendizagem Conflitos Regras convencionais Total
Quantidade 5 19 0 24
% 29,1 79,2 0 100
Figura 6 – Quantificação das categorias de bilhetes do 2º ano.
Verificou-se que, geralmente, os professores do 2º ano enviavam aos pais bilhetes relatando “conflitos” enquanto que, sobre a “aprendizagem”, apenas respondiam às solicitações que os familiares faziam a respeito do desempenho do filho ou apontavam alguma dificuldade percebida quando realizada a tarefa em casa. Em nenhum momento enviaram alguma mensagem informando sobre “regras convencionais”.
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Em relação ao 5º ano, foram classificados 41 bilhetes (100%), distribuídos da seguinte maneira: 5 sobre “aprendizagem” (12,1%), 32 sobre “conflitos” (78,2%) e 4 sobre “regras convencionais” (9,7%). Na figura e na tabela a seguir tais dados podem ser observados.
Tabela 9 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria no 5º ano. 5º ano Aprendizagem Conflitos Regras convencionais Total
Quantidade 5 32 4 41
% 12,1 78,2 9,7 100
Figura 7 – Quantificação das categorias de bilhetes do 5º ano. Se comparados aos 2º anos, constata-se um declínio dos bilhetes sobre “aprendizagem” e um aumento daqueles relacionados às “regras convencionais”, permanecendo índices bastante próximos dos bilhetes sobre “conflitos”. A quantidade de bilhetes cresceu consideravelmente nos oitavos anos (830). No entanto, apenas 9 (1%) informavam sobre “aprendizagem”, enquanto que 368 (44,7%) eram sobre “conflitos” e 453 (54,7%) sobre o não cumprimento de “regras convencionais” da escola, o que é exposto na tabela 10 e na figura 8.
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Tabela 10 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria no 8º ano. 8º ano Aprendizagem Conflitos Regras convencionais Total
Quantidade 9 368 453 830
% 1 44,3 54,7 100
Figura 8 – Quantificação das categorias de bilhetes do 8º ano. Houve, portanto, grande aumento de bilhetes relacionados às “regras convencionais” em detrimento aos “conflitos” e a quase inexistência dos que tratavam de “aprendizagem”. A amostra do 8º ano, como explicado, foi composta somente por registros da internet, uma vez que na escola pública, telefonava-se aos pais ao invés de mandar bilhetes sobre as ocorrências, o que não significa que os alunos não eram advertidos oralmente com frequência. Outra questão é o fato de se constatar que nessa série há maior rigor na cobrança quanto ao cumprimento das regras, já que os mecanismos de coação usados com os pequenos, como chantagens, ameaças ou recompensas, não apresentam os mesmos resultados com os maiores. Por esse motivo, diariamente, cada professor registrava quando os estudantes deixavam de realizar qualquer uma das obrigações que lhes eram impostas, como comunicar a ausência do aluno em sala ou quando este se atrasava ou se não vestia o uniforme estabelecido pela escola para frequentar as aulas. Dessa forma, na busca da manutenção do controle, eram coagidos a seguir as
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normas estabelecidas e a manter um bom comportamento, pois caso contrário, a família seria notificada. Faz-se necessário esclarecer que os bilhetes coletados no 8º ano da escola privada foram quase em sua totalidade registros decorrentes de comunicação eletrônica. Obtivemos acesso a alguns dos documentos dos prontuários dos alunos selecionados, arquivados pelo serviço de orientação educacional, depois de assinados pela família. Esses complementavam as informações disponibilizadas na internet como quando aplicadas advertências por escrito, termos de suspensão, comunicados sobre excessos de atraso ou falta de uniforme. Em síntese, observou-se que havia poucos bilhetes enviados no 2º ano, havendo certo aumento no 5º ano e grande crescimento no 8º ano. Constataram-se, ao comparar as três séries, que as pertencentes ao nível I geralmente informavam aos pais sobre “conflitos” (aproximadamente 70% dos bilhetes de cada), enquanto que na do nível II, além dos conflitos, mais da metade deles informava sobre o não cumprimento de “regras convencionais” (54,7%). No que diz respeito aos poucos que abordavam sobre “aprendizagem”, percebeu-se que à medida que os alunos ficavam mais velhos, a quantidade diminuía. No entanto, a situação foi contrária em relação às “regras convencionais”, pois estas não eram informadas no 2º ano, somente alguns casos foram encontrados no 5º ano e a grande maioria constituía a amostra do 8º ano. Isso parece indicar que a preocupação dos professores de nível I está em comunicar os pais sobre “conflitos”, pois geralmente conseguem que os pequenos obedeçam as “regras convencionais” com o uso de coações típicas das relações de respeito unilateral. É muito comum, também, as crianças cederem a “formas açucaradas” de controle (VINHA, 2000) em que o professor usa de recompensas, formas veladas de controle ou chantagens sentimentais como forma de manipulação para fazer com que os alunos obedeçam. Um exemplo seria quando diz que fica muito feliz quando estão quietos e fazem toda a lição, quando atribui estrelinhas para as atividades bem feitas, ou ainda quando diz se sentir triste porque as crianças não fizeram a lição. Quando se trata de “aprendizagem”, eles informam o desempenho por meio das notas das provas, dos boletins e nos momentos específicos de reunião, a não ser que os pais procurem a escola, por meio de bilhetes, telefonemas ou pessoalmente, fora dos períodos previstos. Tal quadro pode ser estendido à outra turma deste nível de ensino (5º ano). Porém, quando observada a do Ensino Fundamental II, houve um aumento considerável da cobrança quanto às “regras convencionais” uma vez que, com o desenvolvimento, o temor à autoridade declina e o
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adolescente não se obriga a cumprir regras que não legitima, apresentando maior resistência e cumprindo-as por meio do aumento do controle e da coação. Após analisar as categorias relacionando-as ao nível de ensino, foram observados os dados quanto ao tipo de escola, pública ou privada, a fim de reconhecer as possíveis diferenças e semelhanças entre os estabelecimentos de ensino, como será apresentado no próximo item.
3.2.2 Os bilhetes e suas categorias nas instituições de ensino
Foi notória a maior incidência no envio de bilhetes aos pais da escola privada quando comparada com a pública. Dos 895, apenas 3,7% partiram dos profissionais do último tipo. Devido à expressiva diferença na quantidade de bilhetes de cada instituição, visando à melhor comparação entre as escolas, consideramos mais apropriado trabalharmos com o total de bilhetes (100%) coletados tanto na pública quanto na particular (e não o total de cada uma). Aos serem comparados os dados das categorias entre essas duas instituições, encontrou-se o cenário apresentado na tabela 11 e na figura 9.
Tabela 11 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria nas instituições.
Aprendizagem Conflitos Regras convencionais Total
Particular Pública Quantidade % Quantidade 17 1,8 2 389 43,4 30 455 51,1 2 861 96,3 34
% 0,2 3,3 0,2 3,7
Total Quantidade % 19 2,0 419 46,7 457 51,3 895 100
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Figura 9 – Quantificação das categorias de bilhetes por instituição.
Constatou-se, em ambas, que o conflito era uma temática predominante nos bilhetes, sendo o motivo mais presente na escola pública. Na particular, a preocupação com as regras convencionais era o principal motivo para seu envio. Provavelmente, como os pais eram informados por telefone ou chamados pessoalmente na primeira, raramente foram enviados bilhetes, principalmente nas séries finais. Considerou-se importante comparar as categorias e suas ocorrências em cada um das diferentes séries. Ao serem analisados observando estas variáveis, também foram constatadas diferenças entre os dados coletados, o que será apresentado a seguir.
3.2.3 Os bilhetes e suas categorias por instituição e série
Coletamos somente 24 bilhetes nas turmas de 2° ano das escolas desta pesquisa, sendo 18 na privada e 6 na pública. Como foi visto, acreditamos que isso é decorrente dos enviados por esta última, por tratarem somente de “conflitos” (25%). Na particular, apesar de a maioria abordar também sobre esse tema (54,2%), foram encontrados 20,8% que tratavam de
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“aprendizagem”. Verificou-se que nenhuma das duas turmas continha casos sobre “regras convencionais”. Tais informações podem ser constatadas na tabela 12 e na figura 10.
Tabela 12 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria nas turmas de 2º ano. 2º ano Aprendizagem Conflitos Regras convencionais Total
Particular Quantidade % 5 20,8 13 54,2 0 0 18 75
Pública Quantidade 0 6 0 6
% 0 25 0 25
Total Quantidade 5 19 0 24
% 20,8 79,2 0 100
Figura 10 – Quantificação das categorias de bilhetes por instituição e turmas do 2º ano. Destacou-se que a escola particular enviou bem mais bilhetes aos pais do que na pública. Segundo a professora do 2º ano_PU, quando conversava com a criança e esta não mudava de comportamento, convocava os pais por meio de bilhetes para comparecerem em uma de suas aulas vagas, porém, como a maioria não aparecia, passou a pedir “um minutinho de conversa particular na hora da saída”, deixando de enviar a convocação por escrito, o que confirma a razão para a divergência entre esta série nas duas instituições em que a pesquisa foi realizada. Na particular, a professora afirmava que a turma era tranquila e que resolvia os conflitos com as próprias crianças, mas que tudo era “marcado no caderno” e, mesmo que resolvido em sala, era
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considerado importante “passar para os pais para que conversassem um pouquinho com a criança” numa espécie de reforço. Constatou-se que, às vezes, a criança era incentivada a contar para os pais, como pode ser visto na fala da professora do 2º ano_PA: “Então eu coloco muito assim pra criança, você vai chegar em casa e vai contar o que aconteceu aqui na escola.” Segundo ela, depois que resolve com o envolvido e conversa a respeito do assunto, escreve um bilhete na agenda como garantia de que o aluno vai falar sobre o que aconteceu e da forma adequada. Parece-nos que o fato da professora combinar e mesmo assim escrever o bilhete demonstra não ter tanta confiança na criança, deixando-a sem alternativa a não senão cumprir o “acordo”. No 5º ano, também foram recolhidos poucos bilhetes, 41, sendo 13 da privada e 28 da pública. Verificou-se que 19,5% tratavam sobre “conflitos” e foram enviados pela escola particular, enquanto que na pública este número é elevado para 58,8% com o mesmo conteúdo. Tal diferença não foi identificada na quantidade de casos das outras categorias, uma vez que a primeira enviou 7,3% sobre “aprendizagem” e a segunda 4,8%. Em relação às “regras convencionais”, ambas enviaram 4,8% dos casos. A próxima figura apresenta as porcentagens de cada tipo de bilhete encontrados nesta série, de acordo com a escola a que pertencem:
Tabela 13 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria nas turmas de 5º ano. 5º ano Aprendizagem Conflitos Regras convencionais Total
Particular Quantidade % 3 7,3 8 19,5 2 4,8 13 31,6
Pública Quantidade 2 24 2 28
% 4,8 58,8 4,8 68,4
Total Quantidade 5 32 4 41
% 12,1 78,3 9,6 100
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Figura 11 – Quantificação das categorias de bilhetes por instituição e turmas do 5º ano.
Pode-se observar que a maior parte pertencia à escola pública (68,4%). Esse fato se deve porque a professora desta classe acreditava no emprego dos bilhetes para a família como estratégia para conseguir a disciplina na sala e o bom comportamento dos alunos. Segundo a docente do 5º ano_PU, o comportamento de seus alunos era “bem complicado” no início do ano e foi por meio dos bilhetes no caderno que conseguiu fazer com que “se acalmassem um pouco e a obedecessem melhor”. O fato de, dos 28 bilhetes, 24 se referirem a “conflitos” e 2 a “regras convencionais” confirma, na prática, sua concepção. De fato, foi constatada a eficácia de tal estratégia no controle do comportamento dos alunos, sendo evidente a melhora da disciplina, no sentido de os alunos falarem menos, permanecerem em seus lugares, obedecerem as regras e as prescrições da autoridade. Na escola privada, foram encontrados apenas 13 bilhetes pertencentes ao 5º ano, apresentando uma quantidade bem inferior a da mesma série da pública. Segundo a professora da turma da primeira instituição, geralmente, os conflitos eram resolvidos com as próprias crianças nos momentos das assembleias, o que foi confirmado na fala de alguns dos alunos entrevistados, porém tal prática não foi acompanhada. No entanto, uma ressalva se faz necessária; pela maneira como afirmaram resolver os conflitos ou conversarem a respeito dos problemas, parece-nos que esses momentos, aparentemente democráticos, poderiam tornar-se somente um meio para fazer
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com que os alunos se submetam às regras impostas. Outra questão primordial que também pode se destacar a esse respeito é que nas assembleias devem ser tratados os assuntos e problemas coletivos, ou seja, do interesse da turma ou da sua maioria e não somente de alguns alunos. Dessa forma, o que se refere ao âmbito privado deve ser abordado somente com os envolvidos, não cabendo ao restante da turma discuti-lo. A fala da educadora entrevistada parece demonstrar que era discutido qualquer tipo de conflito nessas reuniões, tratando-os como se todos pertencessem ao âmbito público. Nas turmas de 8º ano, a maioria dos bilhetes informava sobre “regras convencionais” (54,7%), porém um grande número (44,3%) era sobre “conflitos”. Chamou a atenção o fato de não encontrarmos nenhum bilhete em caderno, agenda ou meio eletrônico, referentes à mesma turma da escola pública. No entanto, o professor desta instituição afirma que o procedimento padrão é que quando um ato de indisciplina for muito grave, os alunos devem ser encaminhados para a “coordenação ou diretamente para a direção tomar as medidas cabíveis”, segundo ele, o “primeiro passo é chamar os pais”, o que geralmente é feito por telefone. Devido à “terceirização” dos bilhetes, num processo mais eficiente, impessoal e eletrônico, independente do conhecimento ou do consentimento do aluno, encontrou-se um grande número de registros no 8º ano_PA: 830. Assim como aconteceu nas outras turmas, poucos se referiam à “aprendizagem” (1%), conforme exposto na tabela 14 e na figura 12.
Tabela 14 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes por categoria nas turmas de 8º ano. 8º ano Aprendizagem Conflitos Regras convencionais Total
Particular Pública Quantidade % Quantidade % 9 1 0 0 368 44,3 0 0 453 54,7 0 0 830 100 0 0
Total Quantidade 9 368 453 830
% 1 44,3 54,7 100
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Figura 12 – Quantificação das categorias de bilhetes por instituição e turmas do 8º ano.
Conforme explicado anteriormente, a amostra de bilhetes do 8º ano correspondia apenas ao colégio particular, que tinha como foco informar os problemas com “conflitos” e com as “regras convencionais”. Tal fato parece indicar que quando se trata do rendimento escolar, a família é informada por meio das avaliações enviadas para casa. Nessa faixa etária, para garantir que os pais ficassem a par das notas tiradas nas provas, era comum os professores solicitarem que eles assinassem as mesmas para confirmarem que foram vistas. Além de tomar conhecimento do desenvolvimento por meio desse procedimento, nos finais de bimestres ou trimestres, os estudantes recebiam seus boletins; mecanismo utilizado para informar as notas resultantes da média dos valores atribuídos aos instrumentos de avaliação que realizaram durante certo período. Na pública, também havia a prática de entregar o boletim nas reuniões21, porém, devido à baixa escolaridade da maioria dos responsáveis pelos alunos desta instituição, a escola acreditava que não dava para contar com o auxílio deles quando se tratava de estudar em casa. No entanto, os conflitos e a desobediência às regras eram considerados como comportamentos que deviam ser evitados para não atrapalharem o rendimento, principalmente no nível II do Fundamental em que os especialistas dão aulas em salas diferentes durante o período, considerando curto o tempo que 21
Ao acompanharmos a reunião de pais no final do 3º bimestre, em ambas as escolas estaduais constatamos que os responsáveis estavam recebendo o boletim retroativo, relativo ao 2º bimestre. Segundo fora justificado, o órgão encarregado não havia entregue o referente aos meses de agosto e setembro.
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têm para desenvolver os conteúdos de suas disciplinas para ainda terem que usar parte dele escrevendo bilhetes para os familiares. Por essa razão, as escolas buscam meios que facilitem a comunicação de forma a não sobrecarregar o trabalho do docente e garantam que os pais tomem ciência dos comportamentos inadequados, ajudando que sejam evitados. Em síntese, os 895 bilhetes da amostra foram classificados, a partir da análise de seu conteúdo, em três categorias: “aprendizagem”, “conflitos” e “regras convencionais”. Verificou-se que 96,3% foram escritos pelos educadores da escola particular, o que aconteceu devido ao fato de os familiares acompanharem mais de perto e exigindo que sejam constantemente informados sobre a vida escolar dos filhos. O mesmo cenário não se encontrou na instituição pública, onde é comum o julgamento de que os pais são “ausentes”, “impossibilitando” os professores de contarem com seu auxílio, principalmente no que diz respeito ao rendimento, culpabilizando-os pelo fracasso escolar de seus filhos (SAYÃO, 2003; SAYÃO e AQUINO, 2006). Observou-se, também, que 92,9% deles foram remetidos aos pais do 8º ano da escola particular. Quando as crianças são mais novas, as famílias se fazem mais presentes, muitas vezes conversando com o professor pessoalmente, inclusive na hora de entrada e saída ao levar e buscar os filhos ou, ainda, olhando a agenda diariamente para conferir as tarefas ou qualquer outra comunicação. Essa ideia pode ser constatada na fala de uma mãe cujo filho estava passando para o nível II do Fundamental, ao afirmar que “quando ele era pequeno olhava a agenda todo dia, agora ele já dá conta de me contar o que precisa”. Foi possível compreender que esse quadro muda quando chegam ao nível II, para o qual os pais consideram menor a necessidade de estarem frequentemente na escola . No entanto, menos coagidos pela autoridade, muitos adolescentes, querendo evitar censuras ou punições, não contam o que se passa no espaço escolar e não entregam as notificações aos seus responsáveis. Por esse motivo, ao invés de rever suas regras e as intervenções realizadas diante dos conflitos, a escola permanece com a mesma atuação, buscando por novos mecanismos, como o uso da internet, para garantir o recebimento dos bilhetes. Assim, havia poucos bilhetes enviados no 2º ano, ocorrendo um aumento paulatino no 5º ano e grande crescimento no 8º ano. Com exceção do 8º ano_PU, em todas as séries havia um grande número de bilhetes sobre “conflitos”, porém nas turmas dos mais novos encontravam-se aqueles que se referiam à “aprendizagem”, que foram diminuindo conforme avançava a série enquanto aumentavam os relacionados às “regras organizacionais”. No 8º ano_PA, esse número
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cresceu expressivamente, indicando a ineficácia de outras estratégias disciplinares e um maior enfoque na obediência às normas da escola. Mas, como explicar esses resultados, ou seja, o que faz as ocorrências sobre conflitos e regras convencionais aumentarem no Ensino Fundamental II? Foi visto que, devido à heteronomia característica das crianças do nível I, elas obedecem sem questionar as regras impostas pelos professores e quando isso não acontece recebem punições, ameaças, chantagens que fazem com que passem a obedecer por serem coagidas. À medida que o temor pela autoridade decai, como fora explicado anteriormente, tornam-se aptas a questionar os princípios existentes por trás das regras que lhes são impostas bem como reconhecer quando estas são justas e igualitárias. Por não mais cumprirem aquelas que julgam desnecessárias ou injustas, têm origem muitos dos problemas de disciplina dos quais os professores tanto se queixam. A resposta pode estar no fato de que no nível II havia a terceirização dos problemas de comportamento, utilizada como mecanismo de controle com os mais velhos. A partir do 6º ano (5ª série) os professores davam aulas em várias turmas, o que reduzia o tempo que passavam com cada uma e ampliava bastante o número de alunos com que trabalhavam, tornando-se necessário o uso de formas mais rápidas de controle. Acreditamos que marcar um “X” na tabela facilita para o educador, no entanto, este pode agir por impulso, fazendo marcações que, talvez, depois de se acalmar, pudesse repensar sobre o fato, revendo a verdadeira necessidade de tal registro. Esse processo também não gera a reflexão do próprio aluno envolvido e, pelo fato de as anotações serem impessoais para os monitores, já que não estavam em aula, cabia a estes somente a responsabilidade de digitá-las no site da escola. Após a análise por categoria, direcionamos nosso olhar para cada categoria isoladamente, comparando-as por série e tipo de escola e analisando os conteúdos dos bilhetes, classificando-os.
3.3 Os bilhetes sobre aprendizagem
Na categoria “aprendizagem”, foram classificadas as mensagens que traziam em seu conteúdo informações a respeito da aquisição de conhecimento ou do desenvolvimento cognitivo dos alunos, o que corresponde a somente 19 bilhetes (2,1%). Eles foram analisados de acordo com a série a que pertenciam, sendo identificados apenas: 5 no 2º ano, 5 no 5º ano e 9 no 8º ano.
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Devido à quantidade inferior de casos encontrados na amostra, optamos por dar maior enfoque à análise dos que se referiam aos “conflitos” e às “regras convencionais”. Tais dados evidenciam que a maior porcentagem de bilhetes desse tipo ocorre no nível II do Ensino Fundamental, porém significa apenas 1% do total deste nível. Isso se dá pelo fato de que os professores muitas vezes atribuem os problemas com rendimento à falta de estudo dos adolescentes, acreditando que devem informar as famílias para que estas exijam que estudem mais em casa, eximindo-se de futuras cobranças por parte dos pais ao constatarem notas abaixo da média estabelecida, conhecidas como notas vermelhas. Quando são menores, o fato de terem o mesmo professor diariamente com as crianças favorece que ele esteja constantemente a par do desenvolvimento delas. Além disso, por serem mais dependentes, geralmente os pais se envolvem em seu processo de aprendizagem por meio do acompanhamento das lições de casa, o que diminui à medida que os filhos crescem, pois passam a ter maior independência na realização de trabalhos e tarefas. Supõe-se que, à medida que ficam mais velhos, vão se tornando mais capazes de se organizarem e serem responsáveis pelo cumprimento de suas obrigações. Entretanto, acreditamos que muitos adolescentes, talvez devido ao zelo excessivo dos responsáveis quando eram crianças, por só realizarem lições ou estudarem acompanhados, apresentem dificuldades para o fazerem por si próprios. Verificou-se que dos 19 bilhetes, 17 (89,5%) foram remetidos pela escola particular, enquanto que os 2 (10,5%) restantes pela pública, deixando clara a ampla diferença entre a quantidade de casos nos dois tipos de instituição de ensino. A partir da análise dos bilhetes por instituição e série a que pertenciam, observou-se que apenas 2 (10,5%) dos que versavam sobre “aprendizagem” foram enviados pelo 5º ano da escola pública, enquanto que nas outras duas séries não havia exemplos deste tipo. Tal cenário foi modificado quando observados os dados das turmas da escola particular, que enviou 5 (26,3%) no 2º ano, 3 (15,7%) no 5º e 9 (47,5%) no 8º ano. Os bilhetes da categoria “aprendizagem” foram analisados e classificados quanto ao conteúdo que apresentavam, sendo criadas três subcategorias, porém, devido ao restrito número de bilhetes, não foi possível chegar a alguma conclusão. Assim, consideramos que esse fato poderá inspirar futuros estudos a fim de investigar mensagens desse tipo.
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Inicialmente, para a classificação dos bilhetes sobre “aprendizagem”, foram observadas três características no conteúdo das mensagens, organizando-as em subcategorias denominadas: “desenvolvimento global”, “solicitação dos pais” e “queda no rendimento”. A primeira subcategoria foi sobre o “desenvolvimento global” do aluno, ou seja, o professor comunicava aos pais alguma dificuldade relacionada ao desenvolvimento do estudante, como mostra o exemplo abaixo:
(5º ano_PU) Sra. (nome da mãe) Tenho percebido a dificuldade na fala do WIL e do UEL sugiro que a senhora leve-os ao médico para serem encaminhados à tratamento com fono (p/ voz). Para maiores esclarecimentos me coloco à disposição. Atenciosamente Professora de Artes A segunda contemplava a “solicitação dos pais”, que consistia no retorno sobre o desempenho do filho, isto é, a família enviava à escola um bilhete questionando sobre aprendizagem ou informando uma dificuldade de aprendizagem do filho e o professor respondia, esclarecendo a dúvida ou a colocação feita pelo familiar, como no seguinte caso:
(2º ano_PA) (Nome do pai), boa tarde! Retomei os conceitos com a GIU sobre as horas. Estamos trabalhando diariamente com esse conteúdo. Fique tranquilo, estou atenta. Muito obrigada pelo bilhete e pela informação. Acredito que é nesta parceria escola-família que ‗o aluno‘ cresce e se desenvolve. Professora A terceira tratava das informações sobre a “queda no rendimento” escolar do educando, geralmente identificada quando este tirava “notas baixas” nas avaliações, gerando a necessidade de ampliar os estudos em casa. Dos registros disponibilizados na internet, segue um exemplo:
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(8º ano_PA) Matéria Matemática
Tipo de anotação Envolvimento na aula
Descrição Intensificar os estudos em Matemática, pois ainda está em um nível muito crítico no desempenho.
No quadro 7 apresenta-se o resumo de tais subcategorias sobre o conteúdo “aprendizagem”. Quadro 7 – Descrição das subcategorias dos bilhetes de aprendizagem. Subcategoria Desenvolvimento global Solicitação dos pais
Queda no rendimento
Categoria: “Aprendizagem” Descrição Trata de dificuldades percebidas pelo educador que podem interferir no desenvolvimento do aluno. Ex.: Perceber dificuldade na fala, na audição ou na visão. Trata de respostas enviadas aos pais após solicitarem alguma informação sobre a aprendizagem dos filhos ou informando certa dificuldade constatada. Ex.: Dificuldade é percebida durante a realização de uma tarefa de casa e o familiar contata a professora para comunicar que esta foi percebida, solicitando explicações sobre o fato. Trata de informações sobre quedas no rendimento escolar dos alunos, gerando a necessidade de mais estudo domiciliar. Ex.: Aluno tira nota baixa em uma avaliação e a família é comunicada a fim de que saiba que este precisa estudar para recuperá-la num próximo momento de avaliação.
Desses 19 bilhetes sobre “aprendizagem”, verificou-se que apenas 11 (58,8%) informavam sobre a “queda no rendimento” dos alunos e a necessidade de que estes estudassem mais para melhorar seus resultados. Apesar de serem enviados pela escola, 7 (36,8%) tratavam de resposta à “solicitação dos pais” sobre o desempenho dos filhos, enquanto que apenas uma professora especialista (não era a responsável pela classe) informava sobre o “desenvolvimento global” do estudante. Portanto, foi possível categorizar os bilhetes, mas o baixo número de casos encontrados não permitiu chegar a resultados que permitissem alguma conclusão. Ficou evidente que a maior parte informava sobre as notas tiradas pelo aluno, pois era a maneira geralmente usada pelo professor para diagnosticar a “queda no rendimento”. Os demais bilhetes só foram enviados porque os pais solicitaram alguma informação, com exceção do que foi enviado pela
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professora de Artes quando percebeu que um possível problema na fala dos dois irmãos poderia comprometer o desenvolvimento deles. Outra questão importante desse conteúdo era que as famílias ficavam sabendo sobre aprendizagem pelos boletins, pelas provas corrigidas e devolvidas aos alunos, conversando com outros pais ou colegas do filho no portão da escola, não sendo necessário, no julgamento do professor, novamente enviar este tipo de informação por meio de bilhetes, uma vez que de tempos em tempos havia um período programado para comunicar sobre o desempenho escolar. Apesar da quantidade inexpressiva, os 5 bilhetes dessa categoria foram analisados de acordo com a série a que pertenciam. Constatou-se que, no 2º ano, todos os enviados tratavam de respostas a respeito de dúvidas sobre o desempenho do aluno, solicitadas pelos próprios pais. Alguns familiares, ao perceberem que a criança estava apresentando alguma dificuldade ao realizar as tarefas de casa, contatavam pessoalmente a professora para informar o fato e solicitar novas informações, não precisando esperar pelos momentos reservados para reuniões. Em nenhum deles, encontraram-se exemplos dos outros dois conteúdos analisados nesse grupo. Foi possível observar que, geralmente os professores das crianças desta série não costumavam comunicar por escrito problemas que pudessem interferir no desenvolvimento global ou as dificuldades que levassem à queda no rendimento. Tais assuntos eram abordados nos encontros previstos no calendário escolar ou, se houvesse necessidade, a família era convocada em outra ocasião. Esse cenário mudou razoavelmente no 5º ano, que tinha sua amostra composta pela mesma quantidade das outras classes do nível I, isto é, 5 bilhetes que se referiam à “aprendizagem” e que foram classificados da seguinte maneira: 1 sobre “desenvolvimento global” (20%), 2 retornos à “solicitação dos pais” (40%) e 2 sobre “queda no rendimento” (40%). Nesta série, apesar de pouquíssimos exemplos desse conteúdo, observou-se que se centravam principalmente em respostas ao questionamento dos pais (40%) e sobre queda no rendimento escolar (40%). A pequena quantidade enviada também decorreu do fato de que os familiares eram informados nas reuniões. Alguns dias antes desses encontros, os pais tinham acesso ao boletim que servia para acompanharem o rendimento dos filhos. Nesse momento, quando encontravam com o professor, os responsáveis sabiam as notas e podiam conversar sobre as dificuldades ou avanços percebidos.
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Considerou-se que a “solicitação dos pais” foi mais frequente no nível I, devido ao fato de as crianças serem mais novas. Ao perceberem qualquer dificuldade, os adultos acreditavam ser melhor esclarecer com os responsáveis da escola para saber se o que perceberam em casa era “normal” e fazia parte do processo de aprendizagem, não se tornando motivo de preocupação. Assim como nas séries apresentadas anteriormente, no Ensino Fundamental II, poucos foram os bilhetes encontrados, somente 9, sendo que todos informavam que o aluno precisava dedicar-se mais ao estudos, pois os resultados apresentados não estavam satisfatórios. Em nenhum momento, encontraram-se conteúdos que abordassem o desenvolvimento global do aluno ou respostas aos familiares. Notou-se a preocupação da primeira em comunicar quando os resultados esperados não eram alcançados, o que geralmente era constatado por meio das notas tiradas pelos alunos. É importante considerar que, à medida que eles se aproximam das séries finais, começam a sofrer a pressão do vestibular e, consequentemente, escola e família intensificam a cobrança pelo bom rendimento, pois esperam que consigam ser aprovados em boas universidades. Ao detectar a queda no rendimento, frequentemente, os professores avisam aos pais para que possam acompanhar e cobrar mais estudos em casa, diminuindo assim sua responsabilização por resultados indesejados, o que não foi percebido na escola pública. Constata-se que toda e qualquer responsabilidade por seus fracassos é atribuída ao próprio aluno como consequência de seu comportamento, da falta de esforço e de aplicação ou ainda por não realizar suas tarefas. Uma estratégia usada para manter os pais a par do desempenho de seus filhos é devolver as provas corrigidas com nota, solicitando que os responsáveis a assinem e o aluno a devolva na próxima aula, garantindo desta forma que os pais tomem ciência quando o educando não alcança a nota mínima esperada na prova ou em determinado trabalho. Percebe-se uma maior cobrança de bons resultados por parte das famílias e a necessidade de que sejam constantemente informadas quando existam ocorrências que possam interferir no desempenho de seus filhos. Isso pode ser constatado principalmente no último bimestre letivo quando pais e alunos, principalmente no nível II, demonstram preocupar-se em tomar ciência das notas e confirmar as chances de aprovação para o ano seguinte. Nessa época do ano, é comum a busca por aulas particulares, a fim de que aqueles que “correm o risco” de não serem aprovados tenham a ajuda de um professor extra que os auxiliem nos estudos o suficiente para alcançarem as notas necessárias. Além disso, supomos que, por haver um investimento financeiro nos estudos dos filhos, aumenta a exigência de que siga para o ano seguinte. Parece-nos que uma das razões
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para tal preocupação está no fato de que a escola é uma prestadora de serviços, o pai pode procurar por outro estabelecimento de ensino caso não esteja satisfeito com o trabalho que vem sendo desenvolvido. Sendo assim, pode-se inferir que, por ter como um dos objetivos manter a clientela que conquista, considera importante esclarecer que vem fazendo o trabalho a que se propõe e que o problema pode estar na falta de esforço do próprio aluno que não realiza as tarefas para casa, não se comporta adequadamente em sala de aula ou chega atrasado. Portanto, se exime do risco de ser cobrada por falhar no desempenho de seu papel sendo responsabilizada pelo fracasso escolar. No entanto, nos bilhetes analisados, não foi identificado em nenhum momento algum questionamento sobre a qualidade do trabalho que vinha sendo realizado durante o tempo que ficava na escola. Será que o aluno apresenta resultados indesejados só por falta de esforço? O que acontece nas aulas para que o interesse do aluno se volte para realizar brincadeiras ao invés das atividades propostas? Tal quadro é diferente na escola pública, em que, não raro, os familiares, por muitas vezes possuírem um nível de escolarização menor, se julgam incapazes para “ajudar” o filho a estudar ou se preparar para as provas, muito menos para questionar a figura da autoridade no ensino, desempenhada pelo professor. Cabe considerar, também, que dificilmente a família dessa instituição dispõe de condições financeiras para arcar com mais despesas, como aulas particulares, para que outro professor ensine e estude com o aluno. Tal realidade pôde ser constatada em uma conversa com a coordenadora do nível I da escola estadual, quando nos informou que as famílias reclamavam de qualquer gasto extra com atividades ou materiais solicitados. Por esse motivo, para evitar reclamações, não pediam uma agenda ou caderneta para anotações das lições de casa ou para servir de instrumento de comunicação, redigindo os bilhetes no próprio caderno do aluno. Além disso, outro fator que provavelmente pode contribuir para a escola ter uma menor preocupação em comunicar problemas com aprendizagem, principalmente na pública, é decorrente da progressão continuada, implantada a partir das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996), que consiste em um:
procedimento utilizado pela escola que permite ao aluno avanços sucessivos e sem interrupções, nas séries, ciclos ou fases. É considerada uma metodologia pedagógica avançada por propor uma avaliação constante, contínua e cumulativa, além de se basear na idéia de que reprovar o aluno sucessivamente
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não contribui para melhorar seu aprendizado (DICIONÁRIO INTERATIVO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA22).
De acordo com essa proposta, os alunos podem ser retidos somente nos finais de ciclos, não havendo igual sistema na particular. Todavia, desviando-se de seu objetivo primário, tem sido compreendida como aprovação automática não sendo realizado um verdadeiro trabalho de intervenções e de avaliação do desempenho. Destacamos o trecho extraído de nossos protocolos de observação do 8º ano_PU, durante a reunião do 3º bimestre, em que o professor comentava com o pai que o aluno tinha tido alguma nota vermelha, mas esclarecia que naquele momento isto não teria problema, mas que no ano seguinte, por ser o último ano do Ensino Fundamental II, se o rendimento diminuísse e continuasse tendo notas baixas, ele poderia ser reprovado. Parece-nos haver uma maior preocupação com os resultados em detrimento da aprendizagem do aluno, pois se a nota indica queda no seu desempenho, algo deveria ser feito de imediato e não somente no ano seguinte quando haja risco de repetência. Acredita-se que a preocupação, ultimamente, vem se voltando a atingir bons índices em provas estabelecidas pelo governo, como no caso do SARESP23. Em nossas observações, constatou-se que quando a data marcada para tal avaliação se aproxima, a escola intensifica exercícios de treino e tarefas, demonstrando sua preocupação para que os estudantes tirem boas notas, garantindo um bom índice. Considerando que o objetivo desses instrumentos é principalmente o de melhorar a qualidade no ensino, pode-se pensar que em muitas escolas tem sido utilizada de maneira incompatível com seu propósito original. Em um dos momentos de reunião do 5º ano_PU, presenciamos por diversas vezes a professora delegar a responsabilidade de estudo aos pais, orientando que refizessem a prova com seus filhos em casa e estudassem com eles uma hora por dia, pois a avaliação seria em quinze dias e precisavam “melhorar o índice do ano passado”. Em síntese, não foram enviados aos familiares do 2º ano bilhetes da categoria “aprendizagem”, referindo-se ao “desenvolvimento global” nem sobre “queda no rendimento”, pois os 5 casos tratavam de resposta à “solicitação dos pais”. No 5º ano, foram remetidos 1 (20%)
22
Dicionário Interativo da Educação Brasileira disponível em: http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=68. Acesso: 9 de dez de 2010. 23 O - Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) - é uma avaliação de múltipla escolha, aplicada pela Secretária da Educação do Estado de São Paulo para alunos da rede estadual de ensino que estão na 2ª, 4ª, 6ª e 8ª série do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio, criado para que seja avaliado o nível de conhecimento dos alunos das redes de escolas estaduais e públicas. Disponível em: http://govbrasil.com/saresp/ Acesso em 12 de mai. de 2011.
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deste primeiro tipo e 2 (40%) do segundo. Nas turmas dos mais novos, as informações tratavam de respostas às questões ou comentários dos pais sobre o desempenho do filho. Essa subcategoria permanece na outra série do nível I (5º ano), porém com evidente declínio, não aparecendo nas classes do nível II. Esse dado indica que, por um lado os pais zelam mais de perto pela questão do desenvolvimento e da aprendizagem dos filhos pequenos, que precisam ser acompanhados constantemente. Por outro lado, com o avanço da idade, aumenta o olhar sobre o bom rendimento do aluno, ampliando também a sua responsabilidade pelo próprio desempenho, cabendo à família incentivar e possibilitar tempo e espaço adequados para que o filho estude. Um fato chamou nossa atenção: em nenhum dos bilhetes encontrados sobre queda no rendimento era informado o que vinha sendo feito no espaço escolar para trabalhar as dificuldades apresentadas pelos estudantes. Constatou-se que, quando são menores, aqueles que se referem a esse conteúdo só são enviados quando os pais demonstram sua preocupação e a escola procura esclarecer suas dúvidas para tranquilizá-los, o que muda consideravelmente quando ficam mais velhos. No que dizia respeito ao tipo de instituição, destacou-se que a particular foi responsável pelo envio de 11 (58,1%) bilhetes informando “queda no rendimento”, enquanto nenhum foi encontrado na outra escola. Quando se tratava de resposta à “solicitação dos pais” sobre a aprendizagem de seus filhos, 6 (31,5%) foram encaminhados pela privada e apenas 1 (5,2%) pela outra instituição. Verificou-se somente um caso, na pública, em que a professora constatou alguma dificuldade que poderia comprometer o desenvolvimento dos alunos e comunicou a família por escrito. Isso aconteceu pelo fato de a professora não ter contato constante e direto com os pais, uma vez que era especialista e trabalhava apenas uma aula extra por semana em cada sala. Sendo assim, julgou pertinente comunicar por escrito que havia percebido uma alteração na fala dos dois irmãos e sugeriu o encaminhamento a uma profissional especializada. Tal fato dificilmente ocorreria numa instituição privada, em que há alguns procedimentos estabelecidos para que uma informação como essa chegue à família. Solicita-se que primeiro o fato seja informado à orientação educacional e, posteriormente, os responsáveis sejam chamados pessoalmente para uma reunião. Em geral, esse tipo de procedimento é comum nesse tipo de instituição, onde há a preocupação de se planejar e refletir como informações como essas serão passadas aos responsáveis. Isso acontece a fim de favorecer a compreensão dos fatos, evitando distorções, o que pode facilmente acontecer quando se envia um breve texto por escrito. Na entrevista com uma orientadora da escola particular, ela nos informou que o serviço de orientação
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educacional realiza reuniões em que “procedimentos vão sendo combinados” com a equipe de docentes, como por exemplo, qual deve ser a ação destes quando necessário retirar um aluno de sala. O trecho protocolado da entrevista com o professor do nível II, desse mesmo estabelecimento, ilustra a ideia de como é constante a atuação do serviço de orientação educacional, não só junto aos educadores, mas também com as famílias:
(8º ano_PA) PROFESSOR: O trabalho de orientação educacional aqui na escola é muito forte, bastante coeso, ele marca uma presença muito grande nessa orientação à família. A gente percebe muitas vezes que os pais querem conversar com os professores e, no entanto tem que passar pela orientação antes e muitos casos são resolvidos ali.
No entanto, observou-se que, em 6 bilhetes, os pais da escola particular escreviam solicitando informações sobre a aprendizagem dos filhos, enquanto que somente 1 caso foi detectado na pública. Tais dados podem revelar porque há uma cobrança maior dos familiares da primeira, que em geral, talvez porque pague diretamente pelos serviços da escola e por terem melhor nível socioeconômico, sentem liberdade para fazer perguntas quando têm dúvidas sobre essas questões. Na pública, talvez por terem muitas vezes um grau de instrução menor, os pais não se sintam capazes. Podem nem compreender os conteúdos enviados para casa de maneira que venham a questionar a escola, deixando o ensino por conta dos professores, ainda vistos por eles como aqueles que têm autoridade sobre o conhecimento científico. No 8º ano da escola particular, todos informavam a “queda no rendimento” dos alunos. Não foram encontrados registros referentes ao “desenvolvimento global” e à “solicitação dos pais”. Ao conversarmos com o professor-tutor do 8º ano_PU, ele alegou que também informava os pais quando os encontrava em outras situações, como na academia do bairro ou no jogo de futebol aos sábados. Tal situação nos levou a pensar que as informações eram disponibilizadas em local e de forma inapropriados, por não contar com um planejamento do que seria informado e nenhum tipo de registro sobre este procedimento de comunicação. Outra questão é que, uma vez que as informações do 8º ano_PA eram enviadas pela internet, não se teve acesso a possíveis bilhetes enviados pela família e suas respectivas devolutivas. Alegando que quando ficam maiores os filhos não querem mais usar a agenda e não entregam os bilhetes enviados, a maioria dos pais desse nível se utilizava de recursos como telefonar para a orientadora educacional solicitando maiores informações ou procurar a mesma
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pessoalmente na escola. Outro recurso que aos poucos começam a ser utilizados são os e-mails, pois desta forma se obtém uma resposta mais rápida e direta, uma vez que estes são lidos com frequência. Tal cenário era bem divergente na pública, pois os familiares não eram comunicados por escrito e geralmente recebiam informações sobre o rendimento de seus filhos somente nas reuniões periódicas programadas para a entrega de boletins e conversa com o professor responsável pela classe. Sendo assim, aqueles que não comparecessem ao encontro não tomariam ciência da situação escolar do aluno, a não ser que encontrassem com o professor em ocasiões informais ou procurassem a escola. A segunda categoria, a partir da classificação dos bilhetes, se refere àqueles cujo conteúdo versava sobre “conflitos”. Devido ao número expressivo de registros, os dados foram analisados e discutidos como será apresentado a seguir.
3.4 Os bilhetes sobre conflitos
Dos 895 bilhetes coletados, 419 abordavam sobre “conflitos” ocorridos no espaço escolar (46,8%). Ao ser realizada a análise do conteúdo, constatou-se que 10 deles apresentavam dois assuntos diferentes em sua mensagem, aumentando o total da amostra sobre conflitos para 429 (100%). Eles foram analisados de acordo com a série e o tipo de instituição de origem. Em seguida, essas duas variáveis foram cruzadas, a fim de verificar diferenças e semelhanças entre os dados dessa categoria, o que será apresentado.
3.4.1 Bilhetes sobre conflitos por série
Dos 429 bilhetes sobre “conflitos”, a maioria expressiva foi enviada pelos professores do 8º ano, correspondendo a 85,9% da amostra. O restante foi remetido pelas séries do nível I, 5,3% no 2º ano e 8,8% nas turmas do 5º ano, como exposto na tabela 15 e na figura 13.
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Tabela 15 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre conflitos por série. Série 2º ano 5º ano 8º ano Total
Conflitos Quantidade 23 38 368 429
% 5,3 8,8 85,9 100
Figura 13 – Total de bilhetes sobre conflitos por série. Destacou-se que, nas séries inicias, como os alunos ficavam o período todo praticamente com o mesmo professor, isto favorecia que pudesse intervir nos conflitos que surgissem a partir da interação entre as crianças. Uma das professoras do nível I da escola pública confirmou tal ideia quando nos afirmou que procurava resolver os problemas com a própria criança e, caso fosse necessário, partia para um contato com os pais, como ilustra o trecho a seguir:
(2º ano_PU) PROFESSORA: Então eu tenho que fazer minha parte, eu tenho que tentar saber porque aquilo tá acontecendo dentro de sala de aula, então eu tento resolver ali com eles, conversando, perguntando, observando o que é que tá causando aquela criança agir daquela forma. [...] Depois eu parto pros pais, porque eu acho que a educação ela é mais entre mim e os pais. Não costumo levar muitos alunos pra diretoria.
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O cenário mudou no 8º ano, pois a cada aula, havia a troca de professores e devido à curta duração do tempo que permaneciam com as turmas, consideravam que não fazia parte de suas funções resolver os conflitos que surgiam entre os adolescentes, transferindo-os a outros profissionais como os coordenadores e orientadores educacionais para que estes resolvessem e se preciso, comunicassem as famílias. Tal fato demonstrou a terceirização do problema e corroborou com a ideia de que não queriam perder tempo, levando-nos a supor certa inabilidade para lidar com as situações conflituosas que ocorriam em suas aulas.
3.4.2 Bilhetes sobre conflitos por instituição
Os dados foram observados de acordo com o tipo de instituição de sua origem e constatou-se uma considerável divergência, uma vez que 90,9% dos bilhetes foram remetidos pela particular, enquanto que somente 9,1% pela escola pública, como pode ser verificado na figura 16 e na tabela 14.
Tabela 16 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre conflitos por instituição.
Conflitos Total
Particular Pública Quantidade % Quantidade % 390 90,9 39 9,1 429 (100%)
Figura 14 - Total de bilhetes sobre conflitos por instituição.
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Foi notável a divergência entre os dois tipos de escola no que dizia respeito à quantidade de bilhetes sobre conflitos. Podemos nos perguntar: será que a existência dessas mensagens é menor na instituição pública? Se estivesse com o quadro de funcionários completo, encontraríamos os mesmos resultados? Acreditamos que os problemas incidem em grande escala em ambos os estabelecimentos. Consideramos a possibilidade de inferir que a escola particular informa os pais, pois insiste em fazer um bom trabalho para alcançar a satisfação pelo serviço prestado. Talvez, o que aconteça na outra instituição, é que não considera mais a possibilidade de lidar com os alunos que apresentam problemas disciplinares. Podemos supor que, muitos educadores, desanimados com as dificuldades que encontram, acabam enfatizando seu trabalho com aqueles alunos mais interessados e aplicados. Isso é desejável? Muitas vezes, aqueles com maiores necessidades de auxílio acabam sendo deixados de lado por não atingirem o mínimo esperado. O verdadeiro mérito dos professores não estaria justamente em favorecer o desenvolvimento dos que mais precisam? Os dados encontrados nos bilhetes sobre conflitos nas diferentes séries e escolas foram relacionados, o que será apresentado a seguir.
3.4.3 Bilhetes sobre conflitos por instituição e série
Ao serem observados de acordo com a instituição e com a série a que pertenciam os bilhetes sobre “conflitos”, verificou-se que havia pouca diferença entre as quantidades enviadas pelos professores dos 2º e 5º anos de ambas as escolas. No entanto, houve considerável crescimento nos dados do 8º ano da particular, que correspondem a 86,1% da amostra da categoria, não havendo nenhum bilhete referente à mesma série na pública, como dito anteriormente. Tais dados podem ser constatados na tabela 17 e na figura 15.
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Tabela 17 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre conflitos por instituição e série. Série 2º ano 5º ano 8º ano Total
Particular Quantidade % 14 3,2 8 1,8 368 86,1 390 91,1
Pública Quantidade % 9 2 30 6,9 0 0 39 8,9
Total Quantidade 23 38 368 429
% 5,2 8,7 86,1 100
Figura 15 - Total de bilhetes sobre conflitos por instituição e série.
Observou-se que, nas séries pertencentes ao nível I, os pais foram informados sobre os conflitos, não havendo discrepância entre os dados encontrados nas duas escolas. Considerou-se que, o fato de que o professor das crianças menores passava praticamente todo o período junto da turma favorecia que tivesse maior controle sobre o comportamento de seus alunos, diminuindo assim as ocorrências de certos conflitos e favorecendo sua intervenção quando aconteciam. De acordo com as informações anteriores, esse quadro mudou drasticamente nos 8ºs anos. Em síntese, destacou-se que a quantidade de bilhetes sobre conflitos aumentava à medida que os alunos iam ficando mais velhos. Tal fato pode ser percebido porque poucos foram enviados aos pais do 2º ano, sendo que a quantidade se amplia minimamente no 5º ano, crescendo demasiadamente no 8º ano.
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Os conteúdos dos bilhetes sobre conflitos foram classificados e suas subcategorias serão descritas e seus dados apresentados no próximo tópico.
3.5 Classificação dos bilhetes sobre conflitos
Os 429 bilhetes que se referiam a conflitos ocorridos na escola foram analisados e classificados em duas subcategorias: a primeira denominada “com autoridade” e a segunda como “envolvendo pares”. Nos bilhetes sobre conflitos “com autoridade” foram agrupados os que apresentavam problemas que se referiam ao não cumprimento de regras e propostas elaboradas pelos professores, como a não realização de tarefa para casa e atividades em classe, comportamentos inadequados ou a desobediência às normas estabelecidas. A seguir, seguem exemplos da subcategoria.
(2º ano_PA) Nome da mãe Por favor ajude o HEN a organizar seus materiais, esta semana ele esqueceu 2 dias a lição de casa. Atenciosamente Nome da professora (8º ano_PA) Matéria História Geografia
Tipo de anotação Não entregou o trabalho Falta de material didático
Descrição Trabalho: Projeto Cidades ----
Foram considerados “envolvendo pares” aqueles que nos conflitos se incluíam os iguais, ou seja, aconteciam entre os colegas. No primeiro exemplo, está uma circular padronizada, preenchida pela orientadora, cuja parte sublinhada corresponde às informações redigidas na ocasião. No segundo, há o registro sobre o mesmo conflito, colocado na internet:
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(8º ano_PA) Termo de Advertência Escrita Srs Pais/ Responsáveis Comunicamos-lhes que seu (sua) filho (a) DAN no.___ aluno(a) do 8º ano do Ensino Fundamental II, foi nesta data advertido por agressão física e verbal com um colega. Os alunos já se desculparam. De acordo com as normas internas, uma próxima ocorrência em relação à postura do(a) aluno(a) no Colégio, implicará em suspensão. Nome da Orientadora Educacional (8º ano_PA) Matéria ---
Tipo de anotação Atitudes inadequadas
Descrição No dia 8/05, durante o recreio, o CAI machucou um aluno (advertência escrita).
No quadro 8, é apresentado o resumo das subcategorias dos bilhetes sobre “conflitos”.
Quadro 8 – Descrição das subcategorias dos bilhetes de conflitos. Categoria: “Conflitos” Subcategoria Com autoridade
Envolvendo pares
Descrição Trata do não cumprimento de regras e propostas estabelecidas pela autoridade (classe/escola). Ex.: Não realizar uma tarefa ou ficar em pé durante as aulas. Trata dos conflitos com os colegas. Ex.: Agressão física ou verbal entre dois ou mais alunos.
Dos 429 bilhetes, verificou-se que 421 pertenciam aos conflitos “com autoridade”, o que correspondia a 98,2%, enquanto que somente 8 aos “envolvendo pares”, representados por 1,8%, como mostram a tabela 18 e a figura 16.
Tabela 18 - Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos. Conflitos Com autoridade Envolvendo pares Total
Quantidade 421 8 429
% 98,2 1,8 100
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Figura 16 - Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos.
Tal resultado indica a maior preocupação da escola com os conflitos com a autoridade, atribuindo-lhes maior gravidade do que os ocorridos entre pares, que surgiam naturalmente nas relações entre os alunos. A atenção estava voltada para que prevalecessem a ordem e a obediência às regras estabelecidas, cabendo ao aluno manter uma postura adequada. Nas séries iniciais do Fundamental, as crianças brincavam constantemente juntas, havendo grande interação entre elas, principalmente na hora da entrada/saída e no recreio. Tal ideia foi confirmada pela professora do 2º ano_PA ao dizer que “acontece muito fora da sala de aula”, nos “momentos de parque, eles estão mais livres, mais soltos”. Essas ocasiões são propícias ao surgimento de conflitos entre os pares, no entanto é muito comum os adultos verem os mesmos como brincadeiras típicas da idade, a não ser que gerem alguma consequência mais grave, como por exemplo, quando alguém chora ou se machuca. Assim, informando aos pais sobre o conflito entre os colegas evitavam complicações posteriores, pois eles poderiam ouvir a versão da criança em casa e comparecer à escola para cobrar satisfações. Além disso, outra questão importante é que muitos educadores acreditam que os conflitos que acontecem entre os colegas são resolvidos entre os próprios alunos, não considerando a interferência como sua responsabilidade. Muitos desconhecem a necessidade de uma intervenção construtiva para auxiliá-los a considerar as perspectivas de todos os envolvidos e buscar por soluções justas e equilibradas.
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Temos também como hipótese que os conflitos envolvendo os pares têm sido vistos como indisciplina e desobediência à regra ou à autoridade, demonstrando certa dificuldade dos educadores em conhecer os conflitos e consequentemente realizar intervenções mais construtivas que promovam o respeito ao outro. Verificou-se em alguns bilhetes que o professor informava sobre um problema entre os colegas parecendo referir-se a um conflito entre pares, mas era possível perceber pela mensagem que o real enfoque estava no fato de isto atrapalhar a aula, não sendo identificada qualquer preocupação com as atitudes ou com o conflito em si. Mesmo quando alertavam que poderia acabar machucando, referiam-se a todas como atitudes comportamentais, como no exemplo a seguir:
(5º ano_PU) Bom dia mamãe Por favor conversar com o VIC sobre seu comportamento em sala pois está brincando na hora de fazer atividades e brincadeiras que machucam o outro (dar cadernada na cabeça do outro). Peço sua ajuda e colaboração Ass. Do responsável:________________________ Professora Tal contexto pode explicar, a nosso ver, a baixa expressividade de bilhetes sobre conflitos “envolvendo pares”, uma vez que muitos dos que acontecem entre os alunos são tratados somente como falta de disciplina e desobediência. O trecho retirado do protocolo de observação de uma aula no 8º ano_PU pode confirmar essa ideia.
PAU faz algo que desagrada WES. Este passa os dedos na carteira friccionando-os, pois faz um barulho estridente, o que irrita o colega sentado numa outra fileira. WES avisa que se não parar vai bater na cara dele. PAU olha sorridente provocando o colega e esfrega novamente os dedos em sua carteira. Num impulso WES levanta e PAU, percebendo o problema, rapidamente chama pelo professor, que ignora o fato mandando que sentem para começar a aula. WES senta-se e faz um gesto com as mãos para intimidar o colega que o irritara como quem avisa que numa próxima vez ele acertará a provocação. A aula segue e PAU não repete a atitude novamente. Constata-se, frequentemente, a interrupção do conflito como estratégia de solução utilizada pelos professores, entretanto o fato de tolher instantaneamente um problema não
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significa que tenha realmente sido resolvido. O que se percebe é a preocupação em restaurar o equilíbrio rompido na “harmonia” da classe. Por essa razão, é comum ouvirmos relatos de fatos vividos em sala de aula que aparentemente foram solucionados por uma autoridade e que voltam a acontecer quando os envolvidos se encontram em espaços onde têm maior liberdade, como no pátio da escola ou na rua, quando saem pelos portões da escola. Os bilhetes sobre conflitos foram analisados mediante a série a que pertenciam e tais dados serão expostos a seguir.
3.5.1 Os tipos de bilhetes sobre conflitos por série
A análise desse tipo de bilhete mostrou que, em todas as séries, a maioria informava sobre conflitos “com autoridade”. No 2º ano, apenas 13% correspondiam aos “envolvendo pares”, enquanto que 87% eram da primeira subcategoria, como exposto na figura a seguir.
Tabela 19 - Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 2º ano. Conflitos 2º ano Quantidade Com autoridade 20 Envolvendo pares 3 Total 23
% 87 13 100
Figura 17 – Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 2º ano.
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No 5º ano, continuavam prevalecendo os que abordavam conflitos com a autoridade, porém diminuiu o número dos que envolviam os pares, sendo representados por somente 5,2% desta amostra. Quase a totalidade encontrou-se na primeira categoria, o que correspondia a 94,8% dos que foram enviados aos pais (tabela 20 e figura 18).
Tabela 20 - Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 5º ano. Conflitos 5º ano Quantidade Com autoridade 36 Envolvendo pares 2 Total 38
% 94,8 5,2 100
Figura 18 – Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 5º ano.
Ao serem observados os dados do nível I, constatou-se que geralmente os conflitos “envolvendo pares” não eram informados aos pais, a não ser quando geravam desconfortos ou marcas que podiam acabar trazendo maiores complicações caso não fossem comunicados. Acredita-se que a preocupação está focada principalmente em prestar contas quando o aluno se machuca. No entanto, é preciso considerar que quanto mais nova a criança, devido a seu egocentrismo, tende a contar os fatos a partir de sua perspectiva, nem sempre condizendo com a realidade e se eximindo de qualquer responsabilidade. Pareceu-nos que quando ocorriam os
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conflitos de ambos os tipos, para evitar situações embaraçosas que poderiam surgir após os pais serem informados primeiramente pela ótica dos filhos, a escola se antecipava e informava o ocorrido. Nos dados que se referiam ao 8º ano do Ensino Fundamental II, somente 0,8% informava conflitos “envolvendo pares”. Pode-se observar na tabela 21 e na figura 19 que 99,2% da amostra desta série eram relativos aos “com autoridade”.
Tabela 21 - Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 8º ano. Conflitos 8º ano Quantidade Com autoridade 365 Envolvendo pares 3 Total 368
% 99,2 0,8 100
Figura 19 – Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos no 8º ano.
Pareceu-nos que nas turmas do nível II os conflitos “envolvendo pares” eram menos frequentes, pois assim como nas séries iniciais, a escola os via como indisciplina e portanto eram atribuídos a conflitos “com autoridade”, isto é, eram vistos como problemas de comportamento inadequados que perturbam a ordem, atrapalhando a rotina do dia a dia. Dessa maneira, considerou-se que havia a supervisão para serem evitadas brincadeiras que favorecessem o contato físico, que frequentemente dão abertura para se transformarem em conflitos. Nessa faixa
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etária, muitos deles começam com provocações, como pegar algo que pertence ao colega e jogar para os outros a fim de que o dono tenha que recuperar o mesmo de volta, iniciando assim uma brincadeira popular conhecida como “bobinho”, que pode acabar em confusão. Diminuindo a interação entre os alunos, atitudes como essas são contidas para que os conflitos sejam evitados, sem que se demonstre qualquer preocupação em relação aos consequentes sentimentos dos envolvidos, sobre a aprendizagem que a situação pode trazer ou sobre a importância de se manter o respeito com as pessoas de seu convívio. Ao falar de respeito, abrimos um parêntese para relatar um fato presenciado em um dos momentos de observação no 8º ano_PU que nos chamou a atenção. Será descrito, a seguir, com a intenção de favorecer a compreensão de que a preocupação da escola parece estar centrada principalmente na manutenção da ordem. Acredita-se que não há conhecimento por parte dos professores de como podem intervir nas situações cotidianas de forma a promover a tomada de consciência de seus alunos.
Início do dia letivo no 8º ano_PU, como a professora demora pra chegar, começam a sair de novo fazendo barulho na porta da sala. A diretora, que neste dia estava na escola também no período da tarde, vem e os coloca pra dentro. A professora de Inglês chega um pouco depois e se desculpa pelo atraso justificando que estava corrigindo as provas do Saresp. A diretora avisa que os 9º anos estão fazendo Prova Brasil24 e quem está aplicando é a supervisora, por isso devem evitar barulho uma vez que as salas são próximas. Ela se retira e a aula começa. Há alunos em pé, pois não formaram grupos. O máximo que a professora diz é: ―— Vamos falar baixo. Tem gente fazendo prova. Olha o respeito.‖ A maioria nem presta atenção ao que ela diz. Ela passa em alguns grupos que estão fazendo a atividade, mas a bagunça continua. É nítido que tem grupos sem fazer nada ou brincando, fato que parece ignorar. Foi interessante notar que a professora alertou sobre o barulho e o respeito aos que faziam prova na outra sala, reforçando o pedido da diretora. No entanto, em nenhum momento presenciou-se a profissional ou outra pessoa da escola demonstrar qualquer preocupação em 24
Avaliação para diagnóstico, em larga escala, desenvolvida pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep/MEC), com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos aplicados na quarta e oitava séries (quinto e nono anos) do ensino fundamental e na terceira série do ensino médio. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=210&Itemid=324. Acesso: 13 de dez. 2010.
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alertar a importância de respeitar aqueles que fazem parte da turma. Podemos nos perguntar: Só devemos respeito a quem faz prova na presença de uma autoridade? É evidente que não. É preciso trabalhar em grupo, controlando o tom de voz, o barulho, para não incomodar os demais colegas, tendo assim a oportunidade de aprender a respeitar o direito daqueles com os quais convivemos. Como pode ser destacado, não se encontrou diferença considerável entre as três séries da amostra quando se tratava dos bilhetes sobre “conflitos”. Quase a totalidade informava os que ocorriam com a autoridade e os que envolviam os pares tinham seu número cada vez mais reduzido, conforme avançavam quanto à escolaridade. Pareceu-nos que isso demonstra a preocupação com a manutenção da ordem e da obediência em detrimento às relações estabelecidas entre os iguais. À medida que ficam mais velhos evitam-se situações que possam favorecer o surgimento desse tipo de conflito, o que não acontece quando são pequenos, pois as crianças brincam juntas constantemente. Observou-se que, conforme avançavam as séries, era menor a quantidade de bilhetes sobre os “envolvendo pares”. Sendo assim, os bilhetes sobre conflitos “com autoridade” se apresentaram em grande quantidade no 2º ano, porém aumentou um pouco no 5º ano e assim sucessivamente no 8º ano, atingindo quase a totalidade da amostra sobre este conteúdo. Em relação aos que envolviam os pares, foram poucos em todas as turmas, porém, diminuíram praticamente pela metade a cada série da amostra. Além de serem vistos como indisciplina, acreditou-se que os conflitos entre colegas eram levados em conta pela escola quando deixavam marca física e se via a necessidade de dar uma justificativa aos familiares. Percebeu-se que isso aconteceu com maior frequência com os menores porque nem sempre antecipam as implicações de atitudes que podem machucar a eles mesmos e às outras crianças. Tal quadro diverge quando crescem, pois, por conseguirem antecipar os resultados caso se envolvam em agressões físicas e por articularem melhor suas ideias, usam de agressões psicológicas como xingar, ofender, apelidar, isto é, aquelas que não deixam marcas na pele. No entanto, elas deveriam ser vistas com tanta importância quanto a anterior, por fazerem marcas muito mais difíceis de serem curadas, como atualmente se constata nos inúmeros casos de bullying existentes nas escolas, independente do meio socioeconômico em que estão localizadas. Quando observados de acordo com a instituição de origem, os bilhetes sobre conflitos apresentaram resultados que serão mostrados no item seguinte.
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3.5.2 Os tipos de bilhetes sobre conflitos por instituição
Visando identificar possíveis semelhanças ou diferenças entre as instituições de ensino, tais dados foram analisados de acordo com o tipo de escola a que pertenciam. Como observado na tabela 22 e na figura 20, em ambas havia maior quantidade sobre os de conflitos “com autoridade” do que os “envolvendo pares”, sendo consideravelmente inferior o número deste tipo de bilhete na escola pública. Observou-se que 89,1% dos que abordavam conflitos “com autoridade” e 1,8% dos “envolvendo pares” foram enviados pela particular. Quanto à escola pública, encontrou-se apenas 9,1% da amostra, sendo todos na primeira subcategoria.
Tabela 22 - Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição. Conflitos Com autoridade Envolvendo pares Total
Particular Pública Quantidade % Quantidade 382 89,1 39 8 1,8 0 390 90,9 39
% 9,1 0 9,1
Total Quantidade 421 8 429
% 98,2 1,8 100
Figura 20 – Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição.
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Os dados anteriores comprovaram que a maioria com o conteúdo sobre conflitos foi enviada aos familiares das escolas privadas. Somadas as duas categorias, mais de 90% da amostra pertencia a essa instituição. Foram relacionados os dados obtidos quanto à série e ao tipo de instituição a que pertenciam os bilhetes sobre conflitos.
3.5.3 Os tipos de bilhetes sobre conflitos por instituição e série
Observaram-se certas divergências entre os bilhetes de conflitos “com autoridade” quando os dados foram analisados de acordo com as séries e a instituição a que pertenciam. O mesmo não foi possível sobre os conflitos que envolviam pares, uma vez que todos foram enviados por professores da escola privada. Devido à similaridade entre os dados obtidos nas três séries, vamos apresentar os referentes a cada uma, fazendo a discussão ao final. Na figura 21 notou-se que, em ambas as turmas de 2º ano, havia uma pequena diferença entre a quantidade de bilhetes sobre conflitos “com autoridade” enviados pelas duas escolas, uma vez que foram remetidos 47,9% destes pela particular e 39,1% pela pública. No entanto, ao serem observados os “envolvendo pares”, destacou-se que a turma da primeira instituição mandou apenas 3 bilhetes, sendo que nenhum teve origem no 2º ano_PU.
Tabela 23 - Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos nas turmas de 2º ano. Conflitos 2º ano Com autoridade Envolvendo pares Total
Particular Quantidade % 11 47,9 3 13 14 60,9
Pública Quantidade % 9 39,1 0 0 9 39,1
Total Quantidade 20 3 23
% 87 13 100
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Figura 21 – Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição e turmas do 2º ano.
No entanto, essa diferença aumentou consideravelmente entre os 5º anos dos dois estabelecimentos de ensino, visto que 79,1% dos bilhetes sobre conflito “com autoridade” foram enviados pela escola pública e apenas 15,7% pela particular. Em relação aos “envolvendo pares”, somente 5,2% faziam parte da amostra do 5º ano_PA, pois na turma da pública não encontraram-se casos deste tipo, o que é exposto na tabela 24 e na figura 22.
Tabela 24 - Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos nas turmas de 5º ano. Conflitos 5º ano Com autoridade Envolvendo pares Total
Particular Pública Quantidade % Quantidade % 6 15,7 30 79,1 2 5,2 0 0 38 (100%)
Quantidade 36 2
% 94,8 5,2
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Figura 22 – Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição e turmas do 5º ano.
Destacou-se que o mesmo não aconteceu entre os 8º anos, pois, como explicado anteriormente, a amostra foi composta apenas por bilhetes da instituição privada. Sendo assim, dos enviados aos pais do 8º ano_PA, eram 99,2% “com autoridade” e 0,8% “envolvendo pares”.
Tabela 25 - Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos nas turmas de 8º ano. Conflitos 8º ano Com autoridade Envolvendo pares Total
Particular Pública Quantidade % Quantidade % 365 99,2 0 0 3 0,8 0 0 368 (100%)
Total Quantidade % 365 99,2 3 0,8 368 100
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Figura 23 – Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre conflitos por instituição e turmas do 8º ano.
Portanto, constatou-se que, em todas as séries, destacam-se os bilhetes sobre conflitos “com autoridade”, sendo bem menos expressiva a quantidade dos que se referiam aos problemas “envolvendo pares”, que diminuem à medida que os alunos ficam mais velhos. A escola particular enviou a maioria da primeira subcategoria com exceção da turma do 5º ano_PU, pois era uma classe considerada bem indisciplinada e, segundo a professora, conseguiu que melhorassem o comportamento sendo rígida e mandando vários bilhetes no início do ano. Para ela, essa prática fez com que passassem a obedecer um pouco mais, diminuindo o envio no segundo semestre. Os bilhetes das subcategorias conflitos “com autoridade” e “envolvendo pares” também foram analisados e classificados quanto ao conteúdo que apresentavam em suas mensagens. Dessa análise, identificaram-se aspectos que serão apresentados nos próximos tópicos.
3.5.4 Bilhetes sobre conflitos com autoridade
Tivemos 429 bilhetes sobre “conflitos”. Deles, 421 foram classificados como sendo “com autoridade”. Devido à grande quantidade de bilhetes nessa subcategoria, decidimos dedicar um
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olhar mais atento aos conteúdos que apresentavam. Por esse motivo, foram novamente analisados e classificados em três grupos que serão descritos e exemplificados em seguida. O primeiro grupo, “envolvendo o adulto”, se referia àqueles em que alguma autoridade fazia parte do conflito, sentindo-se atingida pessoalmente. Os trechos dos bilhetes a seguir exemplificam tal conteúdo, pois a professora informou aos pais que, mesmo falando com a criança, esta não mudou de comportamento, parecendo indiferente à fala da autoridade:
(2º ano_PU) [...] Eu peço para ela sentar ou parar de conversar e ela não quer nem saber. (2º ano_PU) [...] Já faz um tempo que venho falando com ela mas ela nem liga. O segundo, denominado por “desobediência à regra”, dizia respeito aos conflitos com autoridade, mas por motivos de comportamento inadequado ou falta de disciplina. Foram classificados os que informavam quando os alunos desrespeitavam regras determinadas pela escola e perturbavam o andamento das atividades escolares. Nos exemplos, percebe-se que informavam sobre o comportamento indesejado durante as aulas, o que atrapalhava seu andamento:
(5º ano_PU) Mamãe Por favor conversar com seu filho pois está muito difícil o comportamento dele em sala, não para sentado, fica brincando, demora para fazer as atividades porque fica conversando, mais uma vez peço a sua colaboração pois está difícil. Obrigada Professora (8º ano_PA) Matéria Língua Portuguesa
Tipo de anotação Envolvimento na aula
Descrição Conversas e brincadeiras atrapalhando a leitura.
O terceiro grupo abordava o “não cumprimento de atividade” solicitada pela autoridade, no caso o professor, que consistia em deixar de cumprir as lições de casa bem como não levar os materiais necessários para a realização das atividades propostas em classe ou ainda não copiando
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o ponto da lousa. A falta de tarefas solicitadas para casa foi classificada como conflito “com autoridade”, pois ao analisar os bilhetes que abordavam este problema, a partir de informações coletadas nas entrevistas com professores e alunos e ainda, por meio da análise dos cadernos de atividades em que as lições eram realizadas e da observação de algumas aulas, nos parece que além de considerar como obrigação do aluno, o professor vê como não obediência as suas ordens quando o educando não faz a lição que mandou ou não leva aquilo que deveria para aproveitar apropriadamente as aulas. Acredita-se que devido à heteronomia, as crianças menores obedecem mais facilmente às imposições feitas, uma vez que são vistas por ela como autoridade. Mesmo que considerem uma ordem dada pelos adultos como injusta ou não estejam interessadas pelas propostas feitas, não percebem que às vezes não têm sentido algum. No entanto, não questionam pelo fato de ser uma ordem dada por quem representa o poder, ou seja, a regra não precisa ser justa ou necessária já que provém de uma autoridade. Conforme crescem, os adolescentes começam a questionar algumas das atividades e das regras que lhes são impostas, pois não reconhecem a sua necessidade, muitas vezes buscando por alternativas para „se livrarem delas‟. Devido à evolução de sua inteligência, além de se desinteressarem pelas propostas, ainda articulam ideias para conseguir burlar essas imposições, como não fazer uma tarefa de casa e copiá-la rapidamente de um colega na hora da entrada somente para evitar uma punição. Os bilhetes a seguir demonstram casos sobre o “não cumprimento de atividades”.
(2º ano_PA) Nome da mãe, boa tarde! Hoje o JOS não recortou as letras, disse que perdeu a tesoura para fazer a lição. Favor verificar. Beijo Professora (8º ano_PA) Matéria Inglês Língua Portuguesa
Tipo de anotação Falta de tarefa Falta de tarefa
Descrição Fora do padrão solicitado. A tarefa era atividade de recuperação.
Conforme justificado anteriormente, à medida que os bilhetes eram classificados, constatou-se que, em 10 deles, a mensagem abordava mais do que um desses assuntos sendo,
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portanto, considerados como pertencentes a dois grupos concomitantemente. Desse modo, o total final da categoria passou para 421 conteúdos. Um exemplo seria o bilhete que segue, no qual a família, além de ser avisada sobre o comportamento em sala de aula, também toma ciência de que as lições não estavam sendo realizadas.
(2º ano_PU) Senhora Mãe O LEO está brincando muito na sala de aula, não está fazendo as lições. Ele trouxe brinquedos e fica distraído. Por favor converse com ele. Grata Professora
No quadro 9 foram apresentadas, de forma resumida, as classes observadas nos bilhetes sobre conflitos “com autoridade”.
Quadro 9 – Descrição das classes da subcategoria “Conflitos com autoridade”. Classes Envolvendo o adulto Desobediência à regra25
Não cumprimento de atividade
Subcategoria: “Conflitos com autoridade” Descrição Trata de conflitos em que o adulto (autoridade) estava envolvido e se sente pessoalmente desrespeitado. Ex.: Agredir verbalmente o professor. Refere-se a comportamentos inadequados e indisciplinados que perturbam o andamento das atividades escolares. Ex.: Ficar em pé ou conversando durante a aula. Trata da não realização de tarefas, pedidos ou propostas de atividades na classe ou na escola e do comparecimento às aulas sem material adequado. Ex.: Não entregar um trabalho na data agendada.
Os dados encontrados mediante a observação desses aspectos apresentaram considerável diferença, sendo que a maior ocorrência incidiu sobre o “não cumprimento de atividade” (87,7%), seguida pela que representava a “desobediência à regra” (11,6%) e depois pela que se referia aos conflitos “envolvendo o adulto” (0,7%), como mostram a tabela 26 e a figura 24.
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Ressalta-se que “desobediência à regra” trata de conflitos devido a problemas com comportamento e indisciplina, enquanto que as “regras convencionais” dizem respeito às normas criadas pela instituição para a organização da rotina como a determinação de horários e o uso de uniforme.
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Tabela 26 – Quantidade e porcentagem das classes de conflitos com autoridade. Conflitos com autoridade Envolvendo o adulto Desobediência à regra Não cumprimento de atividade Total
Quantidade 3 49 369 421
% 0,7 11,6 87,7 100
Figura 24 – Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade. Notou-se, a partir da análise do gráfico, que a preocupação dos professores estava em comunicar a família quando o aluno deixava de cumprir as atividades porque parecem acreditar que o bom desempenho escolar só será possível se o estudante realizar todas as tarefas propostas, seja em classe ou em casa. Os resultados apresentados nas subcategorias dos bilhetes sobre os conflitos “com autoridade” foram analisados de acordo com as séries investigadas, como serão mostrados a seguir.
3.5.4.1 Bilhetes sobre conflitos com autoridade por série
No que dizia respeito às turmas do 2º ano, apenas 10% dos bilhetes remetidos foram sobre conflito com autoridade “envolvendo o adulto”. Tal número aumentou consideravelmente em relação aos outros aspectos, sendo 40% sobre “desobediência à regra” e 50% sobre o “não
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cumprimento de atividade”, o que corresponde aos resultados encontrados por Santos e Souza (2005). Em pesquisa realizada a respeito dos cadernos escolares nesta mesma série do Ensino Fundamental, quase a totalidade dos bilhetes enviados nos cadernos das crianças abordavam o não cumprimento de uma tarefa ou questões sobre indisciplina. Na tabela 27 e na figura 25 observam-se os dados relativos a essa subcategoria nesta turma:
Tabela 27 - Quantidade e porcentagem das classes de conflitos com autoridade no 2º ano. Conflitos com autoridade 2º ano Quantidade Envolvendo o adulto 2 Desobediência à regra 8 Não cumprimento de atividade 10 Total 20
% 10 40 50 100
Figura 25 – Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade no 2º ano. No entanto, nenhum bilhete relatava conflitos “envolvendo o adulto” nas turmas do 5º ano. Mais da metade deles fazia referência ao “não cumprimento de atividade” solicitada pelo professor, o que corresponde a 61,2% da amostra desta série, enquanto que 38,8% informavam sobre “desobediência à regra” (figura 26).
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Tabela 28 - Quantidade e porcentagem das classes de conflitos com autoridade no 5º ano Conflitos com autoridade 5º ano Quantidade Envolvendo o adulto 0 Desobediência à regra 14 Não cumprimento de atividade 22 Total 36
% 0 38,8 61,2 100
Figura 26 – Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade no 5º ano. Os pais de 8º ano também receberam, na maioria das vezes, informações sobre o “não cumprimento de atividade”, pois 92,5% dos bilhetes se referiam a este conteúdo. Quando se tratava da “desobediência à regra”, encontraram-se apenas 7,3% da amostra. Havia somente 0,2% dos que relatavam conflitos “envolvendo o adulto”, conforme os dados exibidos na tabela 29 e na figura 27.
Tabela 29 - Quantidade e porcentagem das classes de conflitos com autoridade no 8º ano. Conflitos com autoridade 8º ano Quantidade Envolvendo o adulto 1 Desobediência à regra 27 Não cumprimento de atividade 337 Total 365
% 0,2 7,3 92,5 100
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Figura 27 – Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade no 8º ano.
Observou-se que o mesmo aconteceu no nível II (8º ano), que continuava informando constantemente quando os alunos não realizavam as atividades propostas. Como dito anteriormente, devido ao fato de não verem mais a autoridade como fonte de poder, quando consideram que uma atividade é desinteressante, desnecessária ou injusta, não se sentem obrigados a realizá-la. Dessa forma, a escola se utiliza de mecanismos de coação para convencer de que devem fazer suas tarefas, mesmo que seja sem vontade. Trata-se de uma obediência incentivada de forma extrínseca, ou seja, são coagidos pelos mecanismos empregados pelas autoridades não despertando seu interesse nem favorecendo o desenvolvimento de sua regulação interna. Como exemplo, podemos citar as seguintes situações: quando estudam somente por correrem o risco de serem reprovados, para evitar castigos, para não ficarem de recuperação e como consequência acabar passando mais tempo na escola, ou ainda simplesmente para que não sejam enviados bilhetes aos familiares, o que pode acarretar outros problemas em casa. Assim, em qualquer alteração de postura não é possível identificar que houve reflexão ou conscientização do sujeito da real necessidade de mudar seu comportamento. Verificadas as três turmas, constatou-se que no 2º ano a minoria dos bilhetes tratava sobre conflitos com autoridade “envolvendo o adulto”, não existindo nenhum caso no 5º ano, voltando a acontecer em menor número no 8º ano. O restrito número de casos desse tipo não nos permitiu aprofundar a análise, porém, temos como hipótese que os menores chutam, batem, às vezes dão
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risada da autoridade por falta de controle, pois agem por impulso, o que dificilmente acontece com os maiores, que antecipam as implicações de certas atitudes que serão vistas como desrespeito ao adulto. Na entrevista com o pai de uma criança do 2º ano_PA, considerada por ele como “desafiadora”, pois apresentava comportamentos indisciplinados, podemos constatar tal ideia. Segundo ele, houve ocasião em que ia conversar com o filho após uma queixa da escola e este lhe afirmava que começou a rir porque a professora ficou fazendo uma cara engraçada. Entretanto, como ria enquanto era chamada sua atenção, a atitude era considerada como desrespeitosa. Dificilmente, os adolescentes teriam essas mesmas reações, mesmo que depois, na ausência do adulto, pudessem rir e até tirar sarro. Diante dos professores, eles manteriam a postura “esperada”. Destacou-se também que, quando foi abordada a “desobediência à regra”, a quantidade de bilhetes diminuiu conforme aumentavam os anos, havendo pouca diferença entre as turmas no nível I, diminuindo consideravelmente na dos adolescentes. Tal quadro se inverteu quando dizia respeito ao “não cumprimento de atividade”, pois este era o conteúdo de metade da amostra do 2º ano, aumentando um pouco no 5º ano e atingindo quase a totalidade dos registros do 8º ano. Chamam atenção as queixas constantes de que quanto mais as crianças ficam na escola mais aumenta o nível de desinteresse ou a resistência em cumprir atividades desestimulantes, o que não significa que os mais novos gostam ou que as tarefas propostas sejam melhores, mas sim que, por possuírem um nível maior de heteronomia cumprem as atividades impostas pela autoridade. Nota-se, ainda, que a curiosidade, característica dos pequenos, demonstra perder sua força natural conforme avançam pelas séries de sua escolarização. No entanto, como discutido, a preocupação está focada em que as atividades sejam cumpridas, não considerando se têm ou não significado para o aprendiz. Acreditamos que se o estudante, independente de sua faixa etária, fosse envolvido de maneira mais ativa no trabalho com o conhecimento, participando do planejamento das atividades, opinando sobre as estratégias para a aquisição de determinados conteúdos, na elaboração e escolha das atividades dos projetos temáticos, sua adesão às propostas escolares seria muito mais satisfatória, provavelmente diminuindo as reclamações sobre seu desinteresse pela aprendizagem. Assim sendo, podemos supor que possivelmente diminuiria esse considerável número de bilhetes sobre o “não cumprimento de atividade”, pois os sujeitos teriam a possibilidade de realizar as tarefas e organizar seus materiais por vontade própria e não somente por imposição e medo das respectivas punições. Constata-se que, em geral, a forma mais utilizada
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para disciplinar era por regulação externa, por meio de mecanismos de coação que não permitiam a reflexão ou a troca de perspectivas e a tomada de consciência, necessárias para a conquista da autonomia.
3.5.4.2 Bilhetes sobre conflitos com autoridade por instituição.
Dos 421 bilhetes sobre conflitos “com autoridade”, pelos motivos já descritos anteriormente, verificou-se que 382 foram enviados pela particular, enquanto que somente 39 pela pública. Ao comparar os dados dessa subcategoria de acordo com a instituição a que pertenciam, observou-se que havia pouca divergência na quantidade sobre conflitos “envolvendo o adulto” e “desobediência à regra”, o que não acontecia quanto a “não realização de atividade”. Quando se tratava dos bilhetes, a privada enviou 83,9% daqueles que abordavam este assunto, enquanto que apenas 4% foram remetidos pelo outro tipo de escola. Tais informações podem ser observadas na próxima figura.
Tabela 30 – Quantidade e porcentagem das classes sobre conflitos com autoridade por instituição. Conflitos com autoridade por instituição Envolvendo o adulto Desobediência à regra Não cumprimento de atividade Total
Particular
Pública
Total
Quantidade 1 29 352
% 0,2 6,8 83,9
Quantidade 2 20 17
% 0,4 4,7 4
Quantidade 3 49 356
% 0,6 11,5 87,9
382
90,9
39
9,1
421
100
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Figura 28 – Quantificação de bilhetes sobre conflitos com autoridade por instituição.
Certas diferenças foram constatadas ao serem observadas as séries e o tipo de instituição a que pertenciam, porém como alguns grupos apresentaram uma quantidade pouco expressiva de bilhetes, optamos por apresentar os principais dados encontrados de forma descritiva. Eles serão expostos e discutidos a seguir.
3.5.4.3 Bilhetes sobre conflitos com autoridade por instituição e série
Dos 421 bilhetes sobre conflitos “com autoridade”, apenas 20 correspondiam ao 2º ano, sendo que 10% pertenciam à escola pública, abordando conflitos “envolvendo o adulto” e a particular não apresentava bilhetes com este conteúdo. Porém, ela possuía 10% informando sobre “desobediência à regra”, enquanto a primeira apresentou 30% deste tipo. Constatou-se que a professora da pública contatava a família, pois precisava de seu auxílio para as crianças se comportarem melhor, o que dificilmente ocorria no 2º ano_PA. O contraste maior foi encontrado nos que diziam respeito ao “não cumprimento de atividade”, pois enviou 45% dos bilhetes aos familiares dessa turma, enquanto que somente 5% foram remetidos pelo 2º ano_PU. Somente 10% dessa mesma turma tratavam de conflitos “envolvendo o adulto”. Como a educadora falava com a criança que não mudava seus comportamentos inadequados, considerava tal atitude como
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desrespeito a sua autoridade. Acreditava que, ao ouvir suas ordens, deveria acatar imediatamente, o que não acontecia, pois segundo o seu julgamento ela “nem ligava para o que dizia” considerando como algo pessoal. Tal quadro sofreu grande alteração quando observados os dados das turmas do 5º ano de ambas as instituições. Os conflitos “envolvendo o adulto” não foram encontrados nesta série. Os 16,6% de casos da escola privada faziam alusão ao terceiro aspecto, ou seja, ao “não cumprimento de atividade” proposta pelo professor. Nos que foram enviados pela pública, 44,6% tratavam desse assunto e outros 38,8% sobre “desobediência à regra”, não sendo encontrado nenhum com este último conteúdo no 5º ano_PA. Acredita-se que isso aconteceu devido ao fato já informado anteriormente de que essa turma da escola pública apresentava muitos problemas de indisciplina e a professora considerava que uma forma de discipliná-los era por meio do envio de bilhetes. Em relação ao 8º ano, verificou-se que a escola privada enviou 92,5% dos bilhetes que informavam aos familiares, na maioria das vezes, sobre o fato de seus filhos não estarem realizando as tarefas de casa, ou seja, sobre o “não cumprimento de atividade”. Em alguns momentos, avisavam quando eles não compareciam à aula com o material obrigatório. Além disso, 0,2% se referiam a conflitos “envolvendo o adulto” e 7,3% sobre “desobediência à regra”. Apesar de informar sobre conflitos com os professores ou sobre problemas com comportamento, os dados mostraram que a maior preocupação da escola era com o fato de os alunos não cumprirem com as propostas determinadas. Esse número aumentou consideravelmente no 8º ano_PA, pois diariamente qualquer tarefa feita de forma incompatível ou não realizada era anotada na planilha, sendo a informação colocada à disposição na internet. Parece-nos que além de valorizar o cumprimento das atividades que propõe, a escola sustenta a crença de que destas depende o bom desempenho do estudante. A partir de tal colocação, se os responsáveis da instituição particular não fossem avisados que seus filhos estavam em falta com as tarefas e materiais logo que tal fato ocorresse, geralmente seriam comunicados somente nas reuniões programadas. Uma vez que teria passado algum tempo, poderia favorecer reclamações por sua parte, que questionariam o fato de não terem sido informados anteriormente. Para evitar esse tipo de queixa, eram colocados a par, constantemente, pelos professores; o que não acontecia na pública.
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Temos como hipótese que o olhar de ambas as escolas está voltado para cumprirem seu papel enquanto instituições educacionais que transmitem o conhecimento, visando alcançar êxito no desempenho de seus alunos. Acredita-se que a divergência está no motivo que as impulsiona, uma vez que muitas escolas públicas estão preocupadas com o resultado coletivo, necessitando atingir índices mais gerais, controlados pelo governo, o que tem servido de critério para considerar se a instituição vem ou não cumprindo satisfatoriamente a tarefa de ensinar. No entanto, na particular, os pais fazem uma escolha e investem financeiramente no estudo do filho, o que faz com que exista, por parte da instituição prestadora de serviços, além da responsabilidade de mostrar seus resultados coletivos, que sejam apresentados os êxitos alcançados por cada aluno, individualmente. No caso de insatisfação, a família pode mudar de escola, o que não é interessante para um estabelecimento privado. Portanto, 87,7% dos 421 bilhetes sobre conflitos “com autoridade” se referiam ao “não cumprimento de atividade”, sendo 352 remetidos pela escola particular. No 2º ano dessa instituição também se encontraram, em sua maioria, os que tratavam desse mesmo assunto, o que não acontecia no 2º ano_PU, pois o maior número informava sobre “desobediência à regra”. No 5º ano_PA, havia 16,6% classificados de acordo com o último aspecto, enquanto que na pública a maioria se referia a não obediência à regra (38,8%) e a não realização de atividades (44,6%). No 8º ano, todos eram da instituição privada, sendo classificados em quase sua totalidade sobre falta de tarefa ou de material, o que corrobora com a ideia de que o foco da escola está mais na realização das tarefas que determina do que nas relações estabelecidas em seu espaço. A seguir, serão apresentados os dados referentes à segunda categoria dos bilhetes sobre conflitos que envolviam pares.
3.5.5 Bilhetes sobre conflitos envolvendo pares
Foram poucos os bilhetes que abordavam conflitos “envolvendo pares”. Destaca-se que dos 429 bilhetes, somente em 8 foram identificadas mensagens com esse conteúdo, todos na amostra da escola privada. Ao analisá-los, consideramos três aspectos. No primeiro deles, foi analisado se o olhar da escola para o conflito entre os alunos estava no fato de romperem a ordem estabelecida no ambiente escolar. O exemplo a seguir informa sobre uma ocorrência envolvendo dois colegas por meio de um modelo padrão de advertência,
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xerocada com as lacunas, para que a orientadora completasse com os dados do aluno e o motivo (trecho sublinhado).
(8º ano_PA) Srs Pais/ Responsáveis, Comunicamos-lhes que seu filho CAI, no. 10, aluno do 8º ano do Ensino Fundamental II, foi nesta data advertido por brincadeira inadequada: chutou o colega ‗sem motivo‘ durante a ‗troca‘ de aula em 8/05. De acordo com as normas internas, uma próxima ocorrência em relação à postura do aluno no Colégio, implicará em sua suspensão. Nome da Orientadora Educacional O segundo aspecto era se o enfoque estava na atitude dos envolvidos, ou seja, se demonstrava uma preocupação com o fato de estarem usando estratégias impulsivas, agressivas ou desrespeitosas para lidar com seus conflitos. Não foi encontrado nenhum bilhete que pudesse ser classificado nesse grupo. O terceiro aspecto dizia respeito ao bilhete que parecia ter sido escrito principalmente para dar satisfação aos pais sobre conflitos ocorridos na escola em que seus filhos estavam envolvidos, a fim de evitar situações embaraçosas posteriormente. Em alguns casos, o professor enviava resposta a problemas que tinham acontecido anteriormente na escola, mas que só tinha tomado conhecimento do ocorrido quando informado pelos familiares por meio de um bilhete ou telefonema. Isso acontecia, pois as crianças somente contavam em casa algo que havia acontecido na escola, mas que o professor desconhecia, uma vez que os envolvidos não relatavam nada para ele no momento da ocorrência. A seguir é apresentado um bilhete em que a professora dá satisfação à família pelo fato de o aluno retornar da aula com uma marca no pescoço.
(5º ano_PA) Nome da mãe Hoje o FRA se envolveu em uma brincadeira no parque e enrolou o pescoço em um elástico, machucando-o. Tomamos as providências e conversamos com as crianças envolvidas. Atenciosamente Professora No quadro a seguir, está o resumo dos aspectos observados no conteúdo dos bilhetes sobre conflitos “envolvendo pares”.
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Quadro 10 – Descrição das classes da subcategoria “Conflitos envolvendo pares”. Subcategoria: “Conflitos envolvendo pares” Descrição Conflito que perturba a ordem estabelecida no ambiente escolar. Ex.: Esconder o material do outro. Atitudes desrespeitosas Os envolvidos empregam atos impulsivos, agressivos ou desrespeitosos em situações de conflito. Ex.: Um aluno responde a uma provocação com um soco e a escola informa que este resolveu tal problema usando de agressão no lugar de diálogo. Satisfação aos pais São dadas satisfações aos pais sobre determinado conflito ocorrido na escola envolvendo seu filho visando evitar situações embaraçosas. Ex.: Avisar que, após receber um empurrão de algum colega, o aluno caiu fazendo um hematoma, além de informar as providências tomadas pelo adulto. Classes Rompimento da ordem
Dos 8 bilhetes, 5 se referiam à satisfação aos pais e 3 demonstravam que o conflito perturbou a ordem, evidenciando que o enfoque estava em quebrar o “equilíbrio” do ambiente. Assim, duas interpretações para os “conflitos envolvendo pares” foram identificadas nos bilhetes para a família. A primeira tratava mais de um ato de esclarecimento sobre um fato que poderia desagradar aos pais e, na segunda, ficava evidente que o problema do conflito residia principalmente na ruptura do equilíbrio. Os bilhetes sobre conflitos “envolvendo pares” foram observados de acordo com a série a que pertenciam. No 2º e no 5º ano tivemos 5 bilhetes que versavam sobre dar uma satisfação aos pais sobre ocorrências entre colegas na escola, principalmente quando a criança ficou com alguma marca física (machucado), evitando possíveis complicações. Parecia haver uma preocupação desses professores em informar os pais antes que a criança chegasse a sua casa e contasse o fato a partir de sua perspectiva. Os demais bilhetes “envolvendo pares” do 8º ano (3) tinham como foco o “rompimento da ordem” e a busca por seu restabelecimento. Nessa turma, formada por adolescentes, o enfoque da escola muda quanto a esse tipo de problema, pois eles perturbam a ordem e a rotina escolar, o que deve ser evitado. Por esse motivo, pareceu-nos que as famílias são informadas para que tomem medidas em casa que auxiliem a evitar que voltem a acontecer. Mesmo em casos de agressão física que pudessem machucar os envolvidos, o foco não estava na relação, nas atitudes ou na preocupação de dar satisfação aos pais, mas sim em restabelecer e manter o equilíbrio rompido.
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Diante de alguns desentendimentos entre os pares, era comum que os professores deixassem que fossem resolvidos pelos próprios sujeitos, a não ser quando havia alguma consequência mais séria, o que não ocorria quando o problema era com a autoridade. O relato apresentado a seguir, extraído dos protocolos de observação do 5º ano_PU, ilustra essa constatação.
As crianças começaram a entrar na sala após o final do horário de recreio. A agitação era constante, pois falavam alto, brincavam, faziam gracinhas umas com as outras. Eu estava sentada no fundo da classe fotografando os bilhetes no caderno quando alguns meninos se dirigiram em minha direção, pois se sentavam nas carteiras a minha frente. Começaram a brincar ―peitando‖ um ao outro, ou seja, estufavam o peito abrindo os ombros e se encaravam como se quisessem demonstrar o quanto eram ―fortes‖. Logo houve contato físico e o que era brincadeira, deu origem ao conflito. Quando um deles se afastou e sentou em seu lugar, o outro empurrou rapidamente a mesa para que prensasse o colega na cadeira, que começou a chorar. Como todos estavam na classe a professora entrou. Ao ver que o garoto chorava, levantou a voz dando uma bronca dizendo que nem queria saber o motivo. Mandou que engolisse o choro. Censurou oralmente também o agressor, dizendo-lhe que não era nenhum ―santo‖ e mandando que sentasse sem demora. Em seguida, voltou a colocar o ponto na lousa retomando a atividade que tinha iniciado antes do lanche. Verificou-se, portanto, que todos os dados eram da mesma escola corroborando com a ideia de que na instituição privada havia grande preocupação em manter os pais informados sobre qualquer situação fora da rotina que acontecesse envolvendo seu filho. O mesmo não aconteceu na outra, onde geralmente os conflitos envolvendo os pares poucas vezes eram levados em conta pelos educadores. Parece-nos que o foco da escola não está na possibilidade de favorecer o desenvolvimento da autonomia por meio da cooperação e da reciprocidade. A última categoria de classificação dos bilhetes se refere aos que abordavam as “regras convencionais” da escola, cujos dados serão apresentados nesse próximo item.
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3.6 Bilhetes sobre regras convencionais
A categoria “regras convencionais” foi composta por 457 bilhetes, o que corresponde a 51% da amostra. Eles foram observados quanto ao conteúdo das informações enviadas aos pais sobre as normas estabelecidas para a organização da rotina e do espaço escolar, isto é, para informar quando estas não estavam sendo seguidas adequadamente ou para esclarecer alguma convenção da instituição.
3.6.1 Bilhetes sobre regras convencionais por série
Esse tipo de bilhete foi encontrado apenas no 5º ano, 0,8% de casos e o restante de 99,2%, pertenciam ao 8º ano da escola particular, pois conforme esclarecido anteriormente, não foram encontrados dados referentes à mesma turma na instituição pública. No 2º ano não havia casos dessa categoria, como mostram a tabela 31 e a figura 29.
Tabela 31 - Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre regras convencionais por série. Regras convencionais Série Quantidade % 2º ano 0 0 5º ano 4 0,8 8º ano 453 99,2 Total 457 100
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Figura 29 – Quantificação de bilhetes sobre regras convencionais por série. Quanto mais vai avançando na escolaridade, mais aumentam o rigor e a cobrança por meio de notificação à família quanto às regras convencionais. Isso se deve ao fato de que aumentam os problemas com o descumprimento das mesmas por parte dos adolescentes, ocasionando uma menor flexibilidade por parte da escola. Por exemplo, quando pequenos, geralmente os pais providenciam o uniforme e cabe à criança usá-lo, muitas vezes colocando-o com a ajuda do adulto responsável. Na faixa etária dos alunos do 8º ano, em média 14 anos, é comum que resistam ao seu uso obrigatório, aumentando a vigilância para que compareçam às aulas com a roupa determinada pela instituição. Geralmente, a exigência também é ampliada quando se trata dos atrasos para entrar em sala de aula, pois os maiores não têm mais o acompanhamento frequente que se tem no nível I, no qual possuem um professor durante todo o período, favorecendo o controle de presença. Já com os mais velhos, há a preocupação com o fato de se ausentarem propositalmente, ou seja, de cabularem aula, tanto na entrada como durante o período, na volta dos intervalos.
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3.6.2 Bilhetes sobre regras convencionais por instituição
Conforme descrito anteriormente, entende-se por convencionais as normas estabelecidas pela escola para o bom andamento de sua rotina. Do total de bilhetes (895), 457 era sobre “regras convencionais”, sendo que quase o todo constituía a amostra da instituição particular, o que corresponde a 99,6% enquanto que apenas 2 foram enviados pela pública, como exposto na tabela 32 e na figura 30.
Tabela 32 – Quantidade e porcentagem dos bilhetes sobre regras convencionais por instituição.
Regras convencionais Total
Particular Pública Quantidade % Quantidade % 455 99,6 2 0,4 457 (100%)
Figura 30 – Quantificação de bilhetes sobre regras convencionais por instituição. Temos como hipótese que a considerável diferença entre as instituições não se deve pela concepção de que sejam menos importantes na pública, mas provavelmente pelo fato de que na particular havia toda uma estrutura organizada para auxiliar o controle do comportamento dos alunos e a cobrança das regras convencionais estabelecidas.
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Além disso, alguns fatores contribuíram para elevar os dados na escola particular, entre eles estava o fato de que diariamente os pais do 8º ano eram informados, via internet, sobre o não cumprimento de regras como: uso de uniforme, atraso para entrar na sala na hora da entrada ou após intervalos e saídas antecipadas. Outro aspecto que merece destaque é que havia três aulas duplas por dia com professores diferentes. Cada um deles registrava na planilha a falta, isto é, o aluno não vinha um dia na escola, mas a informação sobre sua ausência era lançada três vezes, o que aumentou consideravelmente o número de registros dessa turma. Em síntese, quase todos os bilhetes desse tipo eram da escola particular, uma vez que esta enviou 99,6%, enquanto que apenas 0,4% foram remetidos pela pública. Nos 2ºs anos não foram classificados casos dessa categoria. No 5º ano, somente 4 mensagens enviadas aos pais abordavam “regras convencionais”, sendo duas enviadas por cada turma. Tal cenário não se repetiu no 8º ano, no qual todos constituíram a amostra da instituição privada. Conforme era realizada a análise dos conteúdos dos bilhetes sobre “regras convencionais”, verificaram-se algumas particularidades entre alguns dados, por isto foram organizados em duas subcategorias que serão apresentadas a seguir.
3.6.3 Classificação dos bilhetes sobre regras convencionais
Os 457 bilhetes sobre “regras convencionais” foram classificados de acordo com dois temas: “advertência” e “notificação”. Na subcategoria “advertência”, agruparam-se os bilhetes cujo conteúdo abordava uma advertência pelo fato de alguma das normas estabelecidas pela escola não ter sido cumprida, como exemplificado nos seguintes registros.
(8º ano_PA) Matéria Educação Física Matemática Inglês
Tipo de anotação Falta de uniforme
Descrição Advertência oral
Atraso na chegada à escola
Justificado pelo responsável Advertência oral
Atraso para aula no decorrer do período
Na segunda, denominada por “notificação”, foram classificados os que informavam aos pais sobre ausência na aula ou em atividades programadas, como recuperação ou reforço, além de
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esclarecer normas sobre fatos vinculados à falta do aluno, como quando perdiam uma prova, como pode ser constatado nos registros a seguir.
(8º ano_PA) Matéria Inglês
Tipo de anotação Falta no dia
Matemática
Não compareceu à aula de recuperação
Língua Portuguesa
Saída antecipada com autorização
Descrição Justificada pela família ---
Justificado pelo responsável via telefone
A seguir, está um quadro em que se apresenta o resumo das subcategorias dos bilhetes que abordavam a respeito de “regras convencionais”.
Quadro 11 – Descrição das subcategorias dos bilhetes sobre “regras convencionais”. Subcategorias Advertência
Notificação
Categoria “Regras Convencionais” Descrição Trata de uma admoestação relacionada à regra convencional não cumprida pelo aluno. Ex.: Comparecer à aula com atraso. Trata de uma informação aos pais, visando torná-los cientes de um ato relacionado às regras convencionais da escola. Ex.: Ausência à aula ou falta em dia de prova.
Dos 457 bilhetes dessa categoria, verificou-se que 134 se referiam a “advertência” enquanto que 323 a “notificação”, como pode ser observado na tabela 33 e na figura 31. Tabela 33 - Quantidade e porcentagem das subcategorias dos bilhetes sobre regras convencionais. Regras Convencionais Advertência Notificação Total
Quantidade 134 323 457
% 29,3 70,7 100
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Figura 31 – Quantificação das subcategorias dos bilhetes sobre regras convencionais. Devido à ausência de bilhetes sobre “regras convencionais” no 2º ano e sua pequena incidência na outra série do nível I, a apresentação dos dados se tornaria cansativa e repetitiva. Assim, consideramos mais apropriado apresentar os dados do 5º e do 8º ano juntos para que ficasse visível a divergência entre os dois níveis do Ensino Fundamental, como pode ser constatado na tabela 34 e na figura 32.
Tabela 34 - Quantidade e porcentagem de bilhetes sobre regras convencionais no 5º e no 8º ano. Subcategoria Advertência Notificação Total
5º ano Quantidade 1 3 4
Regras convencionais 8º ano % Quantidade % 0,2 133 29,1 0,6 320 70,1 0,8 453 99,2
Total Quantidade 134 323 457
% 29,3 70,7 100
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Figura 32 – Quantificação de bilhetes sobre regras convencionais no 5º e no 8º ano. Notou-se que havia alguns bilhetes (4) sobre “regras convencionais” no 5º ano, porém a maioria dizia respeito aos registros disponibilizados na internet aos pais do 8º ano_PA. No entanto, verificou-se amplo aumento nos bilhetes sobre “notificação” em relação aos que tratavam de “advertência”. Quando observados de acordo com a instituição a que pertenciam, não foram encontrados dados expressivos, uma vez que somente 2 bilhetes foram enviados pelo 5º ano da escola pública, ambos sobre “notificação”, sendo que um informava sobre ausência nas aulas de reforço e o outro sobre falta no dia de prova, gerando a necessidade de uma substitutiva. Os demais bilhetes, 455, correspondiam à particular devido à sua estrutura. Desses, somente 2 pertenciam ao 5º ano_PA, sendo um de cada tipo. Constatou-se, portanto, que 453, isto é, quase todos os bilhetes sobre “regras convencionais” pertenciam ao 8º ano_PA. Atribuímos ao fato de que quando crescem aumenta a resistência em cumprir as normas como possível motivo da maior quantidade de bilhetes sobre “regras convencionais” no nível II que no I do Ensino Fundamental. Segundo o professor entrevistado da escola particular, algumas dessas normas são “facilmente observáveis”, como chegar atrasado ou ir sem uniforme, e acabam sendo seguidas porque “existe a supervisão”, como ele afirma. No entanto, quando se veem sem vigilância, cometem as atitudes consideradas “incorretas”, pois a regra não foi legitimada.
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Ao analisar quais os motivos mais recorrentes desse tipo de bilhete, constatamos que uma das ocorrências comuns era o fato de que, como nesse nível há professores diferentes para cada disciplina, durante a troca de aulas, a maioria dos alunos se levantava saindo da sala e ficando nos corredores até a chegada do próximo, que os mandava entrar, atrasando o início da próxima aula. Além disso, nessas trocas, era comum ocorrerem comportamentos “inadequados”, tais como: gritos, pequenas agressões que surgiam de brincadeiras “inapropriadas” como empurrões, idas ao banheiro sem necessidade, conversa com colegas de outras turmas. Para minimizar o problema, os monitores se posicionavam nos corredores com o objetivo de “controlar a bagunça” e colocar os alunos para dentro da sala assim que avistassem o professor. Dessa forma, como discutido na categoria “conflitos”, evidenciava-se que o problema não residia nos conflitos entre pares, tratando-se apenas de indisciplina, havendo a preocupação constante de evitá-los. Sintetizando, quando observados em relação às séries investigadas, verificou-se que não havia bilhetes sobre “regras convencionais” no 2º ano, sendo que no 5º alguns casos foram encontrados, enquanto que quase a totalidade pertencia ao 8º ano. De acordo com os dados apresentados, percebeu-se que havia a cobrança e a vigia constante para o cumprimento das “regras convencionais” e que as famílias eram avisadas quando isto não acontecia. Parece-nos que, por considerar que a aprendizagem depende do bom comportamento, como discutimos anteriormente, a escola procurava registrar e informar sobre o descumprimento das normas para que, caso necessário, sirva de justificativa para o mau desempenho do aluno. Uma vez que o aluno, ao invés de aproveitar o tempo para o estudo, perdeu-o com indisciplina e atitudes inadequadas, podia ser considerado como o responsável pelo seu próprio insucesso. Dessa maneira, se os pais eram informados sobre tais ocorrências, esperava-se que tomassem providências e caso isso não acontecesse seriam posteriormente culpabilizados, junto aos filhos, quando não atingissem os resultados desejados. Para manter a família avisada sobre advertências como o não uso de uniforme ou sobre os atrasos, além dos registros na internet, havia ainda uma circular preenchida pela monitoria e enviada aos pais para informar as datas e o tipo de infração que vinha sendo cometida pelo aluno, como exposto a seguir:
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(8º ano_PA) Monitoria – Comunicado Aos pais ou responsáveis pelo aluno (a) ________________________ série/ano________ n◦.______ comunicamos que o(a) referido(a) aluno(a) não cumpriu as normas disciplinares, previstas pelo regimento interno do colégio. A saber: ( ) Compareceu às aulas sem estar devidamente UNIFORMIZADO no(s) seguinte(s) dia(s)_____________________________________ ( ) Chegou com atraso para o INÍCIO DA AULA, no(s) seguinte(s) dia(s)_____________________________ sem justificativa de casa. ( ) Chegou com atraso no MEIO DO PERÍODO para a aula de ________________ no(s) dia(s)_____________________ ficando fora das mesmas. Após esta comunicação, seu (sua) filho(a) será advertido(a) pelo não cumprimento das normas disciplinares. Assinatura da Orientadora Educacional e data Tomei ciência da(s) ocorrência(s) atribuída(s)ao meu (minha) filho(a). Estou devolvendo este documento na íntegra, datado em:___/___/___. Assinatura do responsável Foi notório o quanto a escola prezava pelas regras convencionais que estabeleciam para o bom andamento de sua rotina. Suas ações favoreciam o controle e a organização tão almejados pela instituição, porém, em contrapartida, dificultavam o processo de legitimação das normas e da autorregulação autônoma. Vejamos a fala do aluno do 8º ano_PA que, ao ser questionado sobre o porquê de as pessoas não cumprirem as regras da instituição em que estudavam, respondeu:
(8º ano_PA) PES:Tem regras nessa escola? ALUNO 4: Tem. Muitas. (ri) PES:Muitas? E todo mundo cumpre essas regras? ALUNO 4: Não. PES:Não? E por que você acha que isso acontece? Por que será que as pessoas não cumprem as regras? ALUNO 4: Porque são muitas regras que pra mim não tem sentido ter. É um colégio muito é... restrito assim, porque são coisas que você faz e já vai pra diretoria, coisas simples que você faz.[...] PES: Então você está me dizendo que tem regras que você considera que não tem porque ter?... ALUNO 4: Há regras que é preciso, necessárias, senão não tem um limite...
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Outra questão que merece atenção ao pensarmos sobre esse assunto é que nos pareceu que esses educadores não distinguiam as regras que envolviam princípios morais, como respeito, por exemplo, daquelas feitas para a organização da rotina, como ter um horário para o início da aula ou o uso de uniforme. Além do excesso e da falta de distinção entre as inúmeras regras que as escolas estabelecem, chamou-nos a atenção o fato de que, durante as entrevistas com os alunos das três séries investigadas, todos afirmaram categoricamente que as normas existiam e que eram muitas, porém quando solicitado que exemplificassem, dificilmente lembravam mais do que duas ou três, o que nos permite inferir que havia uma cobrança exagerada de que fossem obedecidas sem a compreensão de sua necessidade. Tais dados refletem um fator importante. Na perspectiva construtivista, adotada como referencial teórico nesta pesquisa, acredita-se que, à medida que crescem, as crianças deveriam ter maior autonomia, havendo diminuição do controle externo e ampliação da participação dos jovens nas decisões e de sua própria responsabilidade. No entanto, verificou-se que a cobrança e o controle aumentavam no nível II do Ensino Fundamental. Sendo fontes de obediência e submissão, elas se baseiam no respeito unilateral pelo adulto, reforçando a heteronomia natural dos sujeitos e comprometendo o desenvolvimento da autorregulação necessária para se tornarem autônomos. Piaget (1948-1973) relatou uma visita realizada, na década de 30, a uma instituição localizada ao leste da Europa, que abrigava jovens delinquentes. Chamou sua atenção o fato de que o guardião conferiu às próprias crianças e adolescentes a responsabilidade por dirigir a vida naquele estabelecimento. Dois aspectos se destacavam nesse ambiente: o fato de que os recémchegados eram reeducados pelo grupo social formado pelos sujeitos pertencentes àquele lugar, não pela coerção dos adultos; e o outro estava na existência de um tribunal, formado por companheiros designados ao cargo pelo grupo, cuja responsabilidade consistia no julgamento das faltas cometidas pelos demais integrantes. Ao observar as sentenças e as deliberações registradas em um dos jornais produzidos por essa corte de justiça, Piaget se encantou com a capacidade de compreensão e a sutileza nas avaliações que realizavam aqueles antigos infratores, comprovando que a qualidade do ambiente sociomoral em que o indivíduo está inserido, bem como o papel desempenhado pelas autoridades influenciará o desenvolvimento da personalidade moral. Dessa forma, afirmou que nem a autonomia nem a reciprocidade necessárias para respeitar os direitos e a liberdade de si e do outro poderão desenvolver-se em “uma atmosfera de autoridade e de
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opressão intelectuais e morais” (PIAGET, p. 71). O ambiente em que o aluno está inserido poderá promover o autogoverno, só possível para o adolescente, pois devido ao seu desenvolvimento conquista o poder de resolução e a capacidade de tomada de decisões. Como vimos, há muito tempo já foram realizadas experiências que levaram a essas constatações, no entanto, é possível confirmar que a escola, ao invés de ampliar progressivamente a autonomia, somente muda os mecanismos de controle, reforçando a heteronomia de seus estudantes. Encerramos deixando uma questão essencial: QUE TIPO DE PESSOAS ESTAMOS FORMANDO?
Sintetizando, os dados discutidos neste capítulo nos evidenciaram que: - o conteúdo da maioria dos bilhetes e informações enviadas às famílias abordavam “conflitos” ou “regras convencionais”. - a escola particular enviou a maioria dos bilhetes - a maior quantidade foi remetida aos pais do 8º ano, todos pertencentes à escola particular, não sendo encontrados bilhetes na turma da pública. - foram encontrados pouquíssimos exemplos de notificações a respeito da “aprendizagem”, sendo geralmente enviados pela escola privada. - os conflitos foram classificados como “com autoridade” e “envolvendo pares”, sendo que praticamente a totalidade era sobre o primeiro assunto. - boa parte das notificações sobre “conflitos com autoridade” comunicava o não cumprimento às atividades propostas pelos professores, sendo enviados principalmente no 8º ano_PA. - em relação aos “conflitos envolvendo pares”, no nível I do Fundamental, foram enviados os que tratavam de dar satisfação aos pais enquanto que, no II, notificavam a queda no rendimento. - quanto às “regras convencionais”, praticamente não houve casos no 2º e no 5º ano, sendo praticamente todos enviados pelo 8º ano da escola particular, tratando de uma “notificação” para dar ciência ao pai. - há maior cobrança e controle no cumprimento às regras conforme ficam maiores, aumentando a cobrança principalmente das regras convencionais. - o sistema eletrônico amplia consideravelmente a quantidade de notificações.
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3.7 A estrutura dos bilhetes do Ensino Fundamental I
Na primeira parte da pesquisa, foi realizada a análise do conteúdo dos bilhetes, visando classificar os assuntos informados às famílias. Neste item serão analisadas as principais características e a estrutura das mensagens redigidas pelos educadores. Faz-se necessário esclarecer que foram analisados os bilhetes enviados aos alunos do Ensino Fundamental I, uma vez que no nível II só encontraram-se registros padronizados, ou seja, aqueles que tinham origem nas anotações na planilha, que ficava sobre a mesa do professor, sendo posteriormente introduzidos na internet para serem acessados pelos pais. O mesmo ocorre com as advertências nesse nível, em que eram empregados modelos de circulares nas quais os orientadores educacionais apenas completavam os dados sobre os alunos e as ocorrências. Para a investigação da estrutura dos 65 bilhetes enviados aos familiares de 2º e 5º anos, foram utilizados seis critérios definidos a posteriori mediante a análise de seu conteúdo. Eles foram organizados em uma planilha em que eram assinaladas as características de cada documento (Apêndice 4). No quadro a seguir, segue a descrição de cada um dos critérios de observação.
Quadro 12 - Critérios de observação da estrutura dos bilhetes. Critérios Responsabilização Redação Enfoque Informação Providência Destinatário
Descrição Identificar a quem pertence o conflito ou assunto abordado no bilhete Caracterizar a escrita da mensagem enviada, ou seja, como as palavras foram utilizadas ao enviar uma informação aos pais Verificar o enfoque dado ao assunto informado no bilhete Considerar se a mensagem informa somente o fato ou esclarece as intervenções realizadas Identificar se a mensagem solicita ou não alguma providência por parte da família Trata de verificar a quem a mensagem foi enviada
Para cada um desses critérios, foram organizados alguns aspectos que serão descritos e exemplificados.
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3.7.1 Responsabilização
Esta análise teve início pela “responsabilização”, ou seja, foi observado se o fato era mais de implicação da escola ou da família. Com relação a esse aspecto, foi considerado se o assunto pertencia apenas à família, não podendo os professores ajudarem na resolução, como por exemplo, cortar a unha da criança. Considerou-se um problema pertencendo mais à escola quando se referia à aprendizagem ou aos conflitos naturais nas relações ocorridas neste espaço, como quando duas crianças brigam ao disputar um brinquedo. O problema informado também podia pertencer a ambos, escola e família, necessitando desta parceria para resolvê-lo a contento, como no caso da falta recorrente de tarefa de casa ou do não comparecimento às aulas. Dos 65 bilhetes referentes às séries do Ensino Fundamental I, consideramos que 100% eram de responsabilidade da escola, pois eram abordados assuntos que ocorreram no espaço pedagógico e cuja intervenção, juntamente com o educando, poderia gerar aprendizagem, não sendo, portanto, necessário recorrer aos pais. Vejamos os exemplos que se seguem:
(2º ano_PU) Senhores Pais A aluna LAR não permanece sentada durante as aulas. Professora (2º ano_PU) Senhora mãe O LEO está brincando muito na sala de aula, não está fazendo as lições. Ele trouxe brinquedos e fica distraído. Por favor converse com ele. Grata Professora O conteúdo deles mostra o professor parece desconhecer a diferença de papéis de ambas as instituições. Evidencia que delega à família atuações que são inerentes ao espaço escolar, como a distração, o conversar durante a aula, o permanecer sentado. Não fica claro se realmente espera uma providência dos pais, se usa os bilhetes como uma forma de sanção para a criança, de forma que se „comporte‟ ou se ambos. O que estará acontecendo em uma classe para que uma criança não fique sentada? Como será a aula? Será que para aprender é imprescindível que fiquem em suas carteiras durante todo o período? Mais do que simplesmente „resolver‟ o
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problema, tais questões ajudariam os educadores a refletirem a respeito do trabalho pedagógico e das relações estabelecidas em classe. Dos 100%, constatou-se que 35,3% (23), além de apresentarem conteúdos de responsabilidade da escola, necessitavam do auxílio da família para sua organização, sendo realmente importante uma parceria em que cada um realizasse seu papel para auxiliar os educandos, como no caso da não realização frequente das tarefas, da falta de material que deveria ser trazido de casa ou ausência nas aulas de reforço e recuperação. Os exemplos abaixo ilustram assuntos considerados como responsabilidade da escola e do aluno em conjunto com os pais.
(2º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! A MAR não realizou a lição do dia 10/2, portanto hoje está levando novamente. Beijo Professora (2º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! Hoje o JOS está levando duas lições pois não realizou a de Português no final de semana. Beijo Professora Vale ressaltar que os problemas informados nesses bilhetes deveriam ser discutidos na escola, com os alunos em questão, buscando promover a compreensão de suas causas bem como o incentivo a pensarem em possíveis soluções. Posteriormente, caso voltasse a acontecer, a família poderia ser informada a respeito do trabalho desenvolvido com o próprio estudante, solicitando a ajuda para que a organização em casa favorecesse as ações combinadas em classe. Dados encontrados por Santos e Souza (2005) corroboram com tal ideia uma vez que também constataram, por meio das mensagens enviadas nos cadernos dos alunos, que o professor atribui aos pais a responsabilidade por fatos e comportamentos relacionados estritamente à escola. Gostaríamos de aproveitar e abrir um parêntese para a discussão de alguns aspectos sobre as tarefas de casa. Consideramos que, inicialmente, cabe à própria escola refletir sobre a qualidade das propostas a serem realizadas fora de seu espaço. Outro aspecto fundamental a respeito desse tema é a importância da compreensão de que a responsabilidade em ensinar os conteúdos escolares não é dos pais, tarefa que cabe ao professor. No entanto, é fato que podem contribuir com o trabalho do docente auxiliando seus filhos, dentro do possível, a se organizarem
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para a realização de suas lições, combinando um local apropriado para que sejam feitas, acompanhando seu material com frequência. Não se está dizendo que os pais precisem providenciar um quarto com escrivaninha para que as tarefas sejam feitas de forma adequada. Isso seria ideal para quem tem tal possibilidade, porém, nas visitas que fizemos à moradia de certos sujeitos, por ocasião das entrevistas com os pais, presenciamos realidades bem diferentes. Como fazer quando moram em dois cômodos, sem a mínima estrutura necessária? Nesse caso, é preciso haver uma orientação para auxiliar diante de sua realidade, como, por exemplo, estabelecer um horário para sua realização, se for preciso, colocando uma madeira no colo para apoiar o caderno, lavando as mãos antes, não deixando a televisão ligada etc. No exemplo a seguir, a professora informa a preocupação devido à nota tirada pela criança e transfere a responsabilidade do estudo para a mãe.
(5º ano_PA) (Nome da mãe) Fiquei preocupada com a nota da avaliação processual de Matemática da JUL e gostaria que você acompanhasse nos estudos para a avaliação de Matemática. Estou enviando alguns problemas para que ela faça como estudo (leitura de problemas e cálculos). Atenciosamente Professora Como a professora espera que essa mãe acompanhe os estudos? Além da lista de problemas, o que foi feito em sala de aula para que a aluna superasse essa dificuldade? Não desconsideramos a intenção do professor ao mandar uma tarefa que contribua com o estudo, mas acreditamos na relevância de o problema ser discutido com o aluno, combinar as ações que realizará para buscar sua melhora, além de registrar as decisões tomadas a partir do diálogo com o educador. A clareza na divisão de tarefa é indispensável, sendo exposto o que cabe a cada um dos envolvidos. De acordo com o exemplo anterior, a professora deveria diagnosticar e retomar o conteúdo em que o aluno apresentou dificuldade; a ele caberia realizar o que combinou em sala de aula e os pais poderiam ser informados da intervenção realizada e das ações decididas com o estudante para auxiliá-lo na organização para fazer a tarefa de Matemática em casa. É muito comum que os familiares, ao tentarem ajudar com as atividades de Matemática, acabem confundindo as crianças, uma vez que a didática desta disciplina mudou consideravelmente nas últimas décadas. Além disso, não se pode desconsiderar a divergência de realidades no cotidiano das famílias, principalmente da escola pública, em que muitos pais não
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tiveram a formação básica para conseguir ajudar nos estudos dos filhos. Mesmo que envie alguma tarefa especial para o aluno, cabe ao professor retomar em classe os conteúdos, marcar uma data de entrega para que seja feita a correção e tirar as possíveis dúvidas que surgirem. O papel dos pais não envolve a obrigação de auxiliar nas questões pedagógicas. Os educadores também precisam planejar momentos em que a família possa ser orientada a respeito de como pode contribuir nesse processo, qual a importância da organização do tempo e do espaço em casa e em como organizá-la e colocá-la em prática. Na concepção em que esta pesquisa se baseia, consideramos que o primeiro passo no trabalho com as atividades para casa deve ser realizado na escola, com o próprio estudante. Quando ele deixa de fazer a lição uma ou duas vezes, o educador precisa discutir com ele qual a importância de fazer as propostas enviadas e combinar uma nova data para a entrega daquelas que estão atrasadas. Todavia, mais importante do que garantir que cumpra com a tarefa, é preciso que o educador investigue o que está acontecendo com esse aluno e as possíveis causas para não realizar as propostas para casa. Há alunos que quando voltam da escola são responsáveis por cuidar de seus irmãos enquanto a mãe trabalha, outros, ainda, ajudam no trabalho do pai, dificultando que façam os deveres escolares. A partir das causas é que as soluções possíveis devem ser pensadas e discutidas com o sujeito, como, por exemplo, combinar um período maior para que essas atividades sejam realizadas ou que possam ser entregues em partes. Somente dessa maneira o estudante terá a oportunidade de se autorregular. Caso o acordo feito não seja cumprido, será importante contatar a família, não para lhe transferir a responsabilidade, mas para estabelecer uma parceria em que cada um dos envolvidos atue para resolver o problema. Assim, enquanto a escola cuida da aprendizagem, a família pode se envolver constantemente com a vida escolar de seus filhos e a estes cabe a disposição para fazer sua parte. Nosso objetivo não era de abordar o tema, no entanto, gostaríamos de ressaltar a relevância de discutir outras perspectivas sobre esse assunto, alvo de constantes queixas entre os educadores e os familiares, sendo um dos principais motivos pelos quais os pais são comunicados. Em síntese, ao observarmos a “responsabilização”, constatou-se que 100% dos bilhetes abordavam assuntos de responsabilidade da escola, enquanto que em 35,3% também pertenciam aos pais. Parece-nos ficar claro que os professores, muitas vezes, informavam as famílias sobre problemas cuja solução, na verdade, fazia parte de seu papel.
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3.7.2 Redação
As mensagens foram analisadas quanto à “redação”, isto é, sobre a forma como eram escritas as ocorrências escolares. Para isso, alguns fatores foram observados, sendo descritos e exemplificados a seguir. O primeiro fator considerado foi se a mensagem apresentava uma linguagem descritiva, expondo o fato informado com alguns detalhes que possibilitassem uma melhor compreensão. Destacou-se que 58,4% dos bilhetes foram redigidos dessa forma, enquanto que os outros 41,6% apresentavam a ideia sem descrever os fatos que levaram à conclusão expressa no bilhete ou o acordo realizado. Nos exemplos, estão dois casos escritos descritivamente. (5º ano_PA) (Nome da mãe) Foi combinado com a equipe de professores que os alunos que se ausentarem na prova deverão fazer a prova no dia seguinte. Como o MAT não tinha sido avisado e me disse que não estudou, combinei com ele de fazer a prova amanhã (Português junto com a de História). Atenciosamente Professora (2º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! A GIU fez a página errada da lição. Era a página 44. Olhei a agenda e estava apagada, por isso está levando novamente o livro de Matemática. Obrigada Professora (Hoje no final do período ela reclamou de dor de cabeça. Favor observar.) Observou-se que, no primeiro, a professora descreveu com detalhes o problema e a solução encontrada a fim de que não restassem dúvidas sobre o assunto. No segundo, ela procura deixar claro o motivo de a aluna tornar a levar o livro e o que deve ser feito em casa, uma vez que fez a página incorreta. No entanto, o mesmo não aconteceu em 29,2% dos casos em que a redação apresentava a informação de forma muito sucinta, como visto abaixo.
(5º ano_PU) Não se comportou bem durante a aula no dia de hoje. Professora (data)
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(5º ano_PU) Não fez atividade para ‗casa‘. Professora Nesses casos, a família foi informada sobre comportamento inadequado e por não realizar a tarefa, podendo esta se perguntar: O que o filho fez de errado? Qual a providência tomada pela escola? O que o professor espera que façam? Que lição deixou de cumprir? Como o aluno justificou o ocorrido? Tais bilhetes poderiam abordar com mais detalhes o problema envolvendo os alunos, assim os pais compreenderiam melhor a intenção e o contexto das comunicações enviadas. Outro fator analisado foi se a redação era feita de forma objetiva e clara, o que difere de ser sucinta demais. Acredita-se que muitas vezes o excesso de informações e a falta de objetividade podem dificultar a compreensão da mensagem por parte dos leitores. Foram encontrados 47,6% dos bilhetes escritos com objetividade e clareza, enquanto que 21,5% apresentaram um texto minucioso, trazendo dados excessivos sobre a ocorrência. No seguinte caso, a professora apresentou o problema e a providência tomada na escola sem muitos detalhes, porém com bastante objetividade e clareza: (2º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! A lição não foi realizada corretamente. Expliquei novamente e ele terminou comigo. Beijo Professora O mesmo não pode ser observado nesse outro, em que a escrita se apresentou de forma minuciosa, com detalhes que podem ser vistos como desnecessários, como explicar os motivos de marcar uma reunião com a mãe ou especificar dados sobre o comportamento da criança que poderiam ser abordados quando se encontrassem.
(5º ano_PU) Bom dia mamãe Como a senhora não veio na reunião de pais, precisamos marcar outro horário para conversarmos. O JON tem a grade de horários colada na capa do caderno pode estar vendo no horário dos especialistas (Artes ou Ed. Física), principalmente
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precisamos conversar sobre as faltas dele e o comportamento em sala que infelizmente está muito difícil. Aguardo retorno e marque um horário para conversarmos. Desde já agradeço a colaboração e fico no aguardo. Professora O fator mais frequente no texto dos bilhetes foi o uso de uma linguagem respeitosa, o que corresponde a 64,6% da amostra. Foi observado se este iniciava com uma saudação, se havia despedida quando encerrado, se as palavras não eram ofensivas ou irônicas, como pode ser constatado no seguinte exemplo que foi considerado como uma redação que demonstrava respeito: (5º ano_PA) Boa Tarde, (nome da mãe) O CES vem comparecendo às aulas de Inglês sem o livro. Isso me preocupa pois essa matéria é a da próxima prova trimestral e ele perdeu muitos exercícios. Ele me disse que não está encontrando o livro e se você puder me ajudar a encontrá-lo ficarei muito grata! Muito obrigada, abraços (Nome da professora) Nos 35,4% dos restantes, considerou-se que as mensagens demonstravam uma redação desrespeitosa, muitas vezes pelas palavras serem utilizadas de maneira aparentemente rude, como pode ser constatado nos exemplos que seguem. (5º ano_PU) Não fez atividade de casa. Mamãe, está acompanhando o caderno de seu filho? Por favor responder os bilhetes. Professora (5º ano_PU) Não copiou nada da lousa, os textos e as atividades, fez o quê? Professora Para a análise da escrita, observou-se, ainda, o uso de expressões pejorativas, agressivas, desrespeitosas nos bilhetes, por meio das quais o educador emitia um julgamento de valor. Não foram muitos os que apresentaram um juízo, sendo representados apenas por 10,7% da amostra, o que inclui o seguinte caso.
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(2º ano_PU) Senhores Responsáveis Favor conversar com a LAR pois ela está conversando muito na sala. Já faz um tempo que venho falando com ela, mas ela nem liga e está atrapalhando os colegas. Estou precisando de ajuda. Grata Professora No exemplo, a professora parece acreditar que a aluna não se importa com suas repreensões e por isto continua conversando em aula. Ao escrever que apesar de falar muitas vezes ela “nem liga”, emite um julgamento, pressupondo que a criança não está „ligando‟ para suas palavras. A educadora chega a essa conclusão provavelmente pela maneira como a garota reage e pelo fato de não mudar de comportamento quando sua atenção é chamada, parecendo uma afronta a sua autoridade. Assim, observamos que a redação da maioria dos bilhetes apresentava uma linguagem descritiva (58,4%), respeitosa (64,6%), objetiva e clara (47,6%). Enquanto que 29,2% demonstravam a ideia de forma sucinta e em 21,5% era minuciosa. A presença de julgamento de valor foi destacada em apenas 10,7% das mensagens.
3.7.3 Informação
Quanto à “informação”, foi observado se o bilhete apresentava somente o fato acontecido na escola ou se deixava claro o processo em que foi ocasionado, bem como possíveis intervenções realizadas. Além disso, procurou-se identificar nas mensagens se o educador acrescentava alguma explicação teórica que poderia embasar o tipo de problema vivenciado pela criança, assim como a intervenção empregada. Um exemplo seria informar que os conflitos numa perspectiva construtivista são vistos como oportunidade de desenvolvimento, tornando-se importante que os envolvidos refletissem sobre os mesmos. Isso poderia esclarecer a relevância em discutir a respeito dos motivos que levaram à briga e outras possíveis formas de resolver em que não fossem usadas estratégias agressivas, garantindo o respeito e a justiça. Ao ser observado se os bilhetes apresentavam explicações desse tipo, nenhum caso foi encontrado, constatando-se que geralmente a escola informava somente os fatos, nem sempre deixando claro o processo como aconteceram e as providências tomadas.
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A totalidade dos bilhetes (100%) analisados preocupava-se em unicamente informar os fatos envolvendo as crianças, sendo que destes, apenas 27,6% apresentavam dados sobre como aconteceram e as possíveis intervenções. A seguir os exemplos expõem bilhetes que apresentavam outras informações além do fato em si:
(5º ano_PA) (Nome da mãe), revi com o GUI e a dúvida dele era em apenas 2 cálculos. O exercício 3 havia resolvido o 1º. Em classe com eles e pedi que copiassem, mas ele não copiou. Voltei com ele a importância da atenção na explicação. Qualquer dúvida estou à disposição. (5º ano_PA) (Nome da mãe) Retomei com o VIC o ocorrido na cantina ontem e entendemos o real motivo dele ter ‗brincado‘, mas ontem em nenhum momento ele explicou sobre o catchup. O ‗saldo positivo‘ desta situação foi que ele mesmo sugeriu assumir a compra do lanche e depois dividiu com os amigos. Atenciosamente Professora Pode-se perceber que o professor se preocupou em detalhar algumas das informações sobre o processo e não somente sobre o fato de o aluno ter apresentado dificuldade em determinado exercício. Nos demais 72,4% de bilhetes, destacava-se uma mensagem em que somente o fato era informado sem maiores explicações, como pode ser conferido no caso a seguir.
(2ºano_PU) Senhores Pais A aluna ANA não permanece sentada durante as aulas. Professora Os pais poderiam se perguntar o porquê desse comportamento, em quais situações ocorreu ou o que a professora fez para lidar com o problema, o que não fica claro no bilhete. Ainda que a escola não esteja pedindo ajuda de forma declarada, é possível compreender que espera que a família tome alguma atitude para resolver a questão. Acreditamos que esse tipo de queixa reforça o uso de sanções expiatórias, uma vez que esses pais castigam para que ao chegar à escola o
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aluno se comporte adequadamente, como será visto no próximo item da apresentação dos dados. Dessa forma, não promove a possibilidade de se autorregular, posto que a mudança de comportamento se dá por medo de que outro bilhete seja enviado e que haja mais castigos. Tal ideia pode ser verificada no trecho retirado da entrevista com uma criança do 2º ano_PU.
PES: O que acontece quando você leva um bilhete pra casa? SUJEITO 7: Eu apanho... PES: Apanha? De quem? SUJEITO 7: Do meu pai. PES: Do seu pai? [...] O que mais acontece quando você leva esses bilhetes? SUJEITO 7: Fico de castigo! [...] PES: Você continua fazendo isso quando mostra o bilhete [...]? SUJEITO 7: Não. PES: Por que você não faz mais? SUJEITO 7: Senão eu levo outro bilhete. Portanto, verificou-se que todas as mensagens enviadas informavam o fato ocorrido, sendo que em somente 27,6% apresentavam de forma mais detalhada o processo em que este aconteceu ou como foi resolvido. Em nenhum momento, encontraram-se explicações teóricas que justificassem as atitudes dos alunos ou as intervenções tomadas. Constatou-se que os bilhetes cujo conteúdo tratava de uma satisfação aos pais, todos pertencentes à escola particular, apresentavam informações sobre o processo, não notificando apenas o fato ocorrido. A ideia de parceria é defendida por ambas as instituições, porém a escola parece limitar-se a comunicar os fatos para as famílias, parecendo não haver uma reflexão sobre as possíveis consequências. Ao entrevistarmos os professores, verificamos que mesmo não tendo a intenção de que os pais maltratassem os filhos, eles enviavam os bilhetes e muitas vezes condenavam as intervenções aplicadas em casa. Quando um pai é notificado somente do fato pode se perguntar em quais circunstâncias aconteceu e o que o professor fez para resolver o problema, dando margem a interpretações equivocadas.
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3.7.4 Enfoque
Quanto ao “enfoque”, foi investigado se as informações se fixavam no problema ou se apresentavam algum aspecto positivo em relação ao mesmo. Considerou-se negativo quando focava no conflito como algo que não deveria acontecer, e positivo quando relatava algum aspecto considerado válido ou na boa solução do mesmo. Do primeiro tipo foram encontrados 92,4%, enquanto que do segundo, apenas 7,6%. No exemplo a seguir, é apresentado um caso em que o enfoque foi considerado como negativo.
(2º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! Nesta semana a GIU não trouxe 2 lições e esqueceu o livro da biblioteca. Retomei com ela. Favor conversar. Qualquer dúvida estou à disposição. Professora O enfoque do bilhete apresentado estava no fato de a criança não fazer a lição e esquecer o livro, sendo considerado como negativo, uma vez que se referia somente a um problema que não deveria acontecer. Ele não era apresentado como uma forma de aprendizagem, da necessidade de se organizar. Entretanto, nos casos abaixo se pode perceber outro foco.
(2º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! Percebo grande melhora, o que ela tem mais dificuldade é na resolução de problemas. Aos poucos melhora. Continuo trabalhando. Professora (2º ano_PA) (Nome da mãe), que bom! Aqui na escola a GIU está bem! Percebo que vem crescendo a cada dia. Beijo Professora Constatou-se no primeiro caso que o enfoque não estava no fato de a criança apresentar uma dificuldade e sim em deixar claro que vem sendo trabalhado o conteúdo com o intuito de contribuir para que seja superada, esclarecendo assim que algo vinha sendo feito na própria escola. No segundo, a resposta enviada à mãe, quando questiona se a filha está bem na escola, também foca no positivo.
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Sendo assim, verificou-se que, enquanto 92,4% apresentavam um enfoque negativo, a minoria, representada por 7,6%, dizia respeito ao positivo. Por meio desses números, parece evidente a concepção da escola de que os conflitos são vistos como algo ruim que deve ser evitado no espaço escolar, a fim de não comprometer sua rotina. Constantemente, os pais são informados do que acontece de „errado‟. Dificilmente recebem mensagens trazendo informações sobre como essas coisas „erradas‟ estão contribuindo para a criança aprender o que necessita. Interessante a constatação de que, das cinco mensagens que davam enfoque positivo do fato, somente uma não era satisfação dada aos pais após uma solicitação feita.
3.7.5 Providência
Nas mensagens dos bilhetes analisou-se também a presença de solicitação de providência aos pais, isto é, se ao comunicar a família sobre as ocorrências, a escola pedia a ajuda da família de forma explícita. Constatou-se que em 40% era solicitada declaradamente, como nos exemplos que seguem.
(2º ano_PA) Nome da mãe, boa tarde! Está semana o JOS está testando as regras e tem necessitado de retomadas constantes. Tenho conversado sobre suas atitudes. Peço que me ajude e converse com ele em casa. Um abraço Professora (5º ano_PU) Não terminou de copiar a lição da lousa, fica brincando na hora de fazer atividade com brinquedinhos trazidos de casa. Por favor conversar com ele em casa sobre seu comportamento. É muito comum o professor escrever sobre o problema para as famílias e solicitar que conversem com as crianças. Porém, não há garantias se realmente haverá um diálogo que, geralmente, pode se transformar em sermões e censuras; e nem de que os pais não tomarão medidas punitivas como agressões, castigos ou ameaças. Dessa maneira, ao terceirizar o conflito, o professor retira o aluno do problema, perdendo a oportunidade de realizar intervenções que o levem a pensar no fato, nas causas, em trocar pontos de vista e pensar em possibilidades de
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resolução, contribuindo para a tomada de consciência. Além disso, muitos ainda reclamam, afirmando que os pais foram permissivos não tomando nenhuma atitude ou ainda se queixam se apanhou por não acreditarem que isto resolva. É preciso considerar que, transferindo o conflito para terceiros, consequentemente, também se transfere a responsabilidade pelas estratégias usadas, não deixando o direito de reclamação caso não haja concordância com as ações dos familiares. Em 37% dos bilhetes, mesmo não apresentando a solicitação de ajuda de forma clara, foi possível perceber que a família estava sendo notificada para que pudesse ajudar na solução do problema. No exemplo abaixo segue um caso que representa a solicitação implícita.
(5º ano_PU) Não trouxe atividade de casa e está conversando demais nas aulas. Em 23% da amostra, havia a ausência de solicitação de ajuda, uma vez que notificava o fato sem que se percebesse a intenção de pedir auxílio dos responsáveis. O exemplo abaixo expõe tal ideia, pois a menina chega chorando no início do período e, no final deste, a professora manda informações sobre as colocações feitas pessoalmente pela mãe ao entregar a filha na hora da entrada.
(2º ano_PA) (Nome da mãe), boa tarde! A MAR está bem nas atividades, ela não chorou muito! Logo passou. Fique tranqüila. Resolvi no mesmo momento. Vou ficar atenta no lanche. Realmente fala demais. Beijão Professora Bom final de semana Sintetizando, em 40% dos bilhetes os professores deixavam explícito que solicitavam providências da família para resolver os problemas informados, enquanto que em 37% o pedido era implícito, pois mesmo não estando claro, era possível perceber a intenção. Em 23% parecia que não havia a pretensão de que os pais tomassem alguma atitude diante das informações enviadas. Somados os dois primeiros aspectos, percebeu-se que, na maioria das vezes, o conteúdo tratava de “conflitos” ou de “regras convencionais”, esperando que os responsáveis auxiliassem em casa a resolver questões que aconteciam no espaço escolar.
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3.7.6 Destinatário
O último aspecto observado dizia respeito ao destinatário dos bilhetes, ou seja, a quem estes se destinavam: à família ou aos responsáveis, ao próprio aluno ou se não deixavam claro a quem eram enviados. Da amostra analisada, verificou-se que em 69,3% das vezes foram remetidos à mãe, ao pai ou ao responsável pela criança, como mostram os seguintes exemplos:
(5º ano_PA) Srs. Pais Estou sentindo a falta da flauta do CES nas aulas de música. Desde já obrigada! Professora (2º ano_PA) (Nome da mãe), hoje no final do dia uma amiga pegou a JUL pelo pé e ela caiu e bateu o dedinho da mão. Coloquei gelo no local. Retomei a atitude com a amiga. Favor observar, ficou um pouco escuro por causa da batida na ponta da cadeira. Qualquer dúvida estou à disposição. Professora Em toda a amostra, apenas 1 bilhete, do 5º ano_PA, foi remetido ao próprio estudante. O bilhete em sua agenda tratava de um lembrete com os seguintes dizeres:
(5º ano_PA) ―HEN você não copiou a lição. (nome da professora)‖ No entanto, um fator chamou nossa atenção, uma vez que 29,2% dos bilhetes não apresentavam destinatário; todos enviados pela escola pública. Constatou-se que, mesmo sem informar a quem se destinavam, era possível compreender que foram escritos no caderno para que a família visse e tomasse providências, como mostram esses exemplos:
(5º ano_PU) Não terminou de copiar, muita conversa fora de hora. (data) (5º ano_PU) Não trouxe atividade de casa e está conversando demais nas aulas.
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Em relação ao destinatário, verificou-se que era deixado claro, em 69,3% dos bilhetes, enquanto que 29,2% não informavam para quem a mensagem foi enviada. Somente um foi escrito ao próprio aluno. Dados semelhantes também foram constatados por Santos e Souza (2005) quando encontraram mensagens nos cadernos das crianças que, segundo as pesquisadoras, mesmo não se dirigindo de forma explícita aos pais, sua forma demonstrava que eram direcionados à família. Enviar um bilhete sem ao menos deixar claro a quem se destina pode ser interpretado como certo descaso e desrespeito, tanto pelo aluno como por seus familiares, uma vez que acreditamos na relevância de as mensagens serem redigidas com clareza e de forma respeitosa. Na instituição pública, o professor escreve os bilhetes no próprio caderno, como explicado anteriormente. No entanto, constata-se que a intenção não é somente de advertir o aluno, pretendendo também informar a família. Esse tipo de situação não fica tão evidente na escola particular por ter mecanismos específicos para manter a comunicação, como o uso das agendas e da internet, o que não quer dizer que não são escritas mensagens no caderno do aluno. Percebe-se que esta última tem uma preocupação maior em informar as famílias sem desagradá-las, tomando cuidado com o que é escrito. Assim, é necessário reconhecer que as mensagens não podem ser redigidas de forma impulsiva, sem preocupação com o conteúdo e a forma do que se vai informar. Em síntese, ao ser observada a estrutura dos bilhetes enviados aos pais, constatou-se que em 100% das vezes a escola comunicava fatos que eram de sua própria responsabilidade e do educando, enquanto que apenas 33,8% dos conteúdos pertenciam também à família. Destacou-se que, na maioria deles, a redação apresentava uma linguagem respeitosa (64,6%), descritiva (58,4%), objetiva e clara (47,6%). A totalidade da amostra (100%) informava os fatos sendo que em apenas 27,6% abordava-se também o processo das ocorrências bem como das soluções encontradas. No que diz respeito ao enfoque, 92,4% focavam o aspecto negativo, ou seja, se prendiam somente ao problema informado. As mensagens geralmente apontavam a solicitação de providência por parte dos pais, seja de forma explícita (40%) ou implícita (37%). Por último, 69,3% foram destinados aos familiares ou responsáveis, enquanto que em 29,2% o destinatário não estava explícito. Para a melhor visualização das informações mais relevantes, elas foram representadas em forma de gráficos, contendo os principais aspectos investigados. Como os temas foram analisados
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separadamente, cada item da figura representa 100%, por se referir a uma das características classificadas nas mensagens dos bilhetes. Na figura 33 foram expostos os dados das características gerais observadas nas mensagens:
Figura 33 – Principais características da estrutura dos bilhetes. Após a observação da estrutura dos bilhetes enviados aos pais dos alunos de Ensino Fundamental I, verificou-se que a totalidade deles informava assuntos de responsabilidade da escola. Em relação à linguagem, menos de 70% eram redigidos de forma respeitosa, sendo que o mínimo que se pode esperar de quem escreve uma mensagem é o uso apropriado e educado das palavras. Nem 30% informavam detalhes do processo, notificando somente o fato e, na maioria das vezes (92,4%), informando seu enfoque negativo. Fica claro que os professores esperam que os pais tomem alguma providência em quase 80% da amostra e menos que 70% deixam claro a quem se destinam.
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3.7.7 A estrutura dos bilhetes por série
Tais dados foram observados de acordo com as séries e o tipo de instituição a que pertenciam, sendo posteriormente cruzadas estas informações a fim de identificarmos as semelhanças e diferenças na estrutura de suas mensagens. Foram analisados 65 bilhetes, sendo que 24 foram enviados aos pais do 2º ano e 41 pertenciam ao 5º ano. Da totalidade da amostra, somente 33,3% dos remetidos aos pais da primeira turma abordavam assuntos de responsabilidade da escola e da família, porcentagem semelhante foi encontrada na outra série. Com relação à linguagem, boa parte das mensagens pertencentes à série das crianças menores (62,5%) foi redigida de maneira objetiva e clara, diminuindo para 39% na dos maiores. Geralmente, nessa última, somente os fatos eram notificados, o que não acontecia na outra série, pois quase metade (41,6%) também dava explicações a respeito do processo em que aconteceram. Em ambas, quase todos os bilhetes apresentavam o enfoque negativo dos problemas, sendo que a maioria solicitava providência por parte dos pais, principalmente no 5º ano (82%). Quanto ao destinatário, constatou-se que nesta mesma série, quase a metade (43,9%) dos bilhetes não explicitava a quem a mensagem se dirigia, o que raramente foi identificado nas turmas de 2º ano. Na figura 34, é possível observar as diferenças e semelhanças entre as principais características identificadas na estrutura dos bilhetes nas duas séries do Ensino Fundamental I.
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Figura 34 – Comparativo das principais características da estrutura dos bilhetes de 2º e 5º anos.
Consideramos que podem ser vistos como mais adequados na estrutura dos bilhetes, o uso de uma linguagem objetiva e clara e a informação esclarecer sobre o fato e o processo, o que foi encontrado com maior frequência nas turmas do 2º ano. Em ambas as séries, prevaleceram características consideradas pouco pertinentes para uma mensagem adequada, podendo ser evitadas, como informar somente o enfoque negativo do assunto, solicitar a providência dos pais para situações que deveriam ser trabalhadas pelo professor e não explicitar seu destinatário. Em relação a esses três últimos aspectos, constatou-se pouca divergência entre as duas séries do Ensino Fundamental I. É possível concluir que os bilhetes de ambas as turmas precisam ser revistos quanto à estrutura que suas mensagens apresentam, a fim de favorecer a eficácia na comunicação com as famílias.
3.7.8 A estrutura dos bilhetes por instituição
Posteriormente à análise dos dados, de acordo com a série a que pertenciam, foram observados de acordo com o tipo de instituição de sua origem. Dos 65 bilhetes coletados no
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Ensino Fundamental I, 47,6% pertenciam à escola particular e 52,4% à pública, o que mostrou um equilíbrio na quantidade enviada por cada uma. Quando observados quanto à responsabilização, verificou-se que os assuntos abordados deveriam ser tratados pela escola e pela família em aproximadamente 30% dos bilhetes da particular, sendo que porcentagem semelhante foi detectada na outra instituição. Quanto à utilização de uma linguagem objetiva e clara, observou-se que mais de 70% das mensagens apresentavam tais características, diminuindo a quantidade na pública (26,4%). O mesmo quadro foi identificado quanto à informação do fato esclarecendo alguns detalhes do processo. Quase metade da amostra da escola privada (54,1%) trazia esse tipo de informação, enquanto que na outra apenas 8,8%. Ambas se referiam ao enfoque negativo dos problemas em quase a totalidade das mensagens enviadas aos pais. Outro aspecto em que se verificou considerável divergência foi quanto à solicitação de providência por parte das famílias, seja de forma explícita (declarada) ou implícita. Foi constatado que praticamente todos os bilhetes da pública (94,2%) solicitavam auxílio de uma ou outra forma, o que, na segunda instituição, aconteceu num número bem menor (58%). No que dizia respeito à ausência de destinatário, não foram registrados casos na particular, sendo que na instituição pública mais da metade dos bilhetes (55,9%) não especificava a quem se destinavam. Na figura 35, é possível observar a comparação entre as principais características na estrutura dos bilhetes de ambas as instituições investigadas.
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Figura 35 - Comparativo das principais características da estrutura dos bilhetes da escola particular e pública.
Quando observados de acordo com a instituição, verificou-se certa semelhança quanto às séries apresentadas anteriormente. Constatou-se que em ambas as escolas, os aspectos positivos na estrutura dos bilhetes também aparecem em menor número do que os considerados menos pertinentes, como o enfoque negativo, a solicitação de providência dos familiares para problemas de responsabilidade da escola e ausência de destinatário nas mensagens. Esses últimos foram evidenciados com maior frequência na instituição pública, confirmando a ideia de que nem sempre os bilhetes enviados por seus professores apresentavam uma estrutura propícia para se manter uma boa relação com as famílias. Segundo a orientadora educacional do nível I da escola particular, com relação à estrutura dos bilhetes, esclareceu-nos que os professores vinham sendo orientados a tomar certo cuidado com o que informavam aos pais, pois às vezes pediam para resolverem algo em casa que, segundo ela, “não teriam competência pra fazer”. Afirmou ainda que, na mensagem, os educadores deveriam explicar o problema e esclarecer o que vinham fazendo no espaço pedagógico para resolvê-lo. Nesse sentido, acredita-se que haveria a verdadeira parceria, no
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entanto, reconheceu que nem sempre isso acontecia. Destacou que a intenção, na maioria das vezes, era de manter a família informada sobre atitudes cujo papel é da própria escola, mas admitiu que, mesmo assim, havia pais que tomavam alguma providência enquanto outros não. Será que os pais entendiam que essa era a intenção quando o bilhete era enviado? A seguir é demonstrado um trecho do protocolo da entrevista com essa profissional.
ORIENTADORA EDUCACIONAL:[...] Mas, a gente procura deixar claro, sem dúvida, que tem que relatar um fato ocorrido, mas a escola vai tomar as providências dentro do espaço que cabe a ela. Então, se teve um problema no futebol, vai ter que ter uma consequência direta a essa atividade. Os pais são informados pra entender como a escola procedeu. Não significa que ele tenha que em casa tomar outra atitude. Alguns tomam, outros não. Parece-nos que a mesma preocupação com o posicionamento dos professores em relação ao envio de mensagens escritas para a família não acontece na instituição pública, em que, muitas vezes, notifica os pais sem o mínimo cuidado com o texto redigido ou com o tipo de assunto, sendo possível acreditar que não há uma reflexão a respeito das possíveis implicações em casa. Constatadas as características da estrutura dos bilhetes de acordo com a série e depois com o tipo de instituição de sua origem, foram analisados os dados referentes a cada turma.
3.7.9 A estrutura dos bilhetes por instituição e série
Quando observadas as salas do 2º ano, constatou-se que dos 24 bilhetes, a escola particular enviou 75% desses (18) e a pública somente 25% (6). Evidenciou-se que nenhum dos bilhetes enviados pelo 2º ano_PU abordava assuntos de responsabilidade da escola e da família, o que aumentou na outra turma, em que quase metade (44,4%) era desse tipo. Tal cenário é o mesmo no que diz respeito ao uso de uma linguagem objetiva e clara, pois somente 16,6% das mensagens enviadas pela primeira apresentavam tal característica, crescendo para 77,7% na segunda. Houve certo equilíbrio quanto à informação dos fatos especificando também certos detalhes do processo. Verificou-se que a cada turma pertencia aproximadamente 40% das mensagens desse tipo. A mesma semelhança foi constatada quanto ao enfoque negativo, uma vez que foram remetidos 100% destes pelo 2º ano_PU, diminuindo em
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relação ao 2º ano_PA (88,8%). Foi identificada a solicitação de providências em todos os bilhetes dessa primeira turma, caindo quase pela metade na classe da particular (55,5%). Essa última sempre deixava claro a quem se destinavam as mensagens enviadas, o que foi constatado em somente 83,4% nos casos da turma da escola pública. As principais características da estrutura dos bilhetes das turmas de 2º ano foram comparadas e representadas na figura 36.
Figura 36 – Comparativo das principais características da estrutura dos bilhetes nas turmas de 2º ano. Em relação às turmas do 2º ano, foi possível verificar uma maior divergência em três aspectos da estrutura dos bilhetes. Nas mensagens enviadas pela particular, destaca-se que quase metade tratava de problemas pertencentes também à família, o que não acontece na pública, pois toda a amostra aborda questões de responsabilidade da escola. Além disso, a primeira procura redigir mensagens objetivas e claras, o que geralmente não acontece na última. Quanto aos aspectos menos pertinentes, prevalecem o enfoque negativo e a solicitação de providência para os
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problemas que cabem à escola, sendo que este último diminui consideravelmente na instituição privada. Ao serem analisados os 41 bilhetes do 5º ano, constatou-se que o quadro mudou consideravelmente em relação à série anterior, uma vez que escola particular enviou somente 31,7% deles (13) e a pública 68,3% (28). Quando observada a estrutura dos bilhetes dessa série, percebeu-se que a minoria (23%) tratava de assuntos pertencentes tanto à escola quanto à família na turma da particular. Quase o dobro dessa quantidade (42,8%) pertencia à pública. O quadro se inverte quanto à linguagem, pois a maioria das mensagens redigidas de forma objetiva e clara foi emitida pela primeira escola, diminuindo consideravelmente na turma da outra instituição. Tal divergência também foi diagnosticada quando investigado o número de bilhetes que informavam o fato ocorrido sendo detalhados alguns dados a respeito do processo. Destacou-se que quase a metade da amostra do 5º ano_PA apresentava essas características, caindo para apenas 3,5% na outra classe. Em ambas, o enfoque que prevaleceu nas mensagens era negativo, atingindo quase 90% em cada uma delas. Verificou-se certa diferença quando observada a solicitação de providências. Em 89,3% dos casos do 5º ano_PU isso foi identificado, enquanto que na da particular esse número decai para 61,5%. Deixar explícito a quem se destinava a mensagem foi outro aspecto em que se constatou ampla diferença entre as porcentagens, uma vez que em praticamente a totalidade do 5º ano_PA (92,4%) era perceptível o destinatário, o que aconteceu em somente 35,7% dos casos da outra turma. Na figura 37, estão apresentadas as principais características da estrutura dos bilhetes nas turmas do 5º ano.
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Figura 37 - Comparativo das principais características da estrutura dos bilhetes nas turmas de 5º ano.
Quanto aos bilhetes do 5º ano, verificou-se considerável diferença em três aspectos analisados como pertinentes na redação de suas mensagens, entre eles: o uso de uma linguagem objetiva e clara, informar o fato e detalhes de seu processo e deixar claro seu destinatário, evidenciando-se a maior frequência na turma da escola particular. Situação inversa foi identificada quanto aos elementos vistos como não adequados, como abordar apenas o enfoque negativo do problema e solicitar providências da família para assuntos de responsabilidade da escola. Esses últimos se sobressaíram nos bilhetes enviados pela instituição pública. No que diz respeito à estrutura dos bilhetes, foi possível identificar vários aspectos que as mensagens apresentavam. No entanto, faz-se necessário refletir: Qual a importância em analisar tal estrutura? Será que as palavras enviadas realmente favoreciam a parceria entre escola e família? Que tipo de reação o texto remetido podia causar em seu receptor? Acredita-se que geralmente o professor, assim como outros educadores da escola, não percebe que a maneira como redige um bilhete passa uma mensagem a seu leitor, nem sempre deixando clara a intenção de quem o escreveu. O texto pode não ser apresentado de forma
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respeitosa e ainda por cima dar margens a outros problemas familiares. Ao invés de ter somente o conflito ocorrido na escola, o aluno arcará também com as implicações posteriores em seu lar. Outra questão relevante para se refletir é se a almejada parceria, presente no discurso das escolas, é promovida com o auxílio dos bilhetes ou se estes são usados como meio de transferência para os familiares dos problemas que ocorrem em seu espaço. É importante a conscientização de que ter os pais como parceiros no processo educativo não será possível se somente lhes for atribuída a responsabilidade pelos problemas envolvendo os alunos. Muito se fala nessa parceria, mas o que frequentemente se evidencia é que se espera dos responsáveis que lidem em casa com os conflitos que a escola não vem dando conta de resolver. Torna-se importante pensar a respeito do conteúdo e da forma como o assunto vai ser informado, pois o texto em si já passa uma mensagem ao seu leitor. A redação pode demonstrar quando o emissor está bravo ou com raiva. Parece-nos que, constantemente, são enviadas de forma indiscriminada sem que se pense sobre sua real necessidade. Se for necessário notificar algo, como se poderia fazer? Como redigir uma mensagem congruente e construtiva? Ao esperar de fato a parceria com os pais de seus alunos, os educadores deverão estar atentos aos aspectos apontados a seguir. Os bilhetes não podem ser escritos por impulso, uma vez que as palavras redigidas e enviadas não serão posteriormente apagadas. Por esse motivo, ao escrever uma mensagem, o professor precisa refletir sobre como o outro poderá interpretá-la e no tipo de sentimentos que promoverá ao seu receptor. Partindo do pressuposto de que os pais devem ser respeitados, o professor precisa pensar: Qual o objetivo de enviar tal bilhete? Que tipo de informação é relevante? Em que pode contribuir para que o problema seja resolvido? Torna-se indispensável que tais bilhetes, quando considerados indispensáveis, tenham seu conteúdo pensado e sua mensagem elaborada sendo revista com calma, para que as palavras sejam descritas com clareza e objetividade. Para isso, há a real necessidade de o envio indiscriminado e impulsivo de bilhetes ser tema de novas pesquisas e reflexões no meio educacional. A própria maneira como geralmente são escritos deixa claro que vêm sendo utilizados como uma forma de coerção para que o estudante apresente um bom comportamento na escola. Portanto, novamente se confere que a prática pedagógica desenvolvida nas escolas reforça a heteronomia natural dos alunos, dificultando a tomada de consciência, indispensável na busca pela autonomia intelectual e moral.
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Tendo analisado o conteúdo e a estrutura dos bilhetes, no último item deste capítulo apresentaremos e discutiremos os dados referentes às entrevistas realizadas com os principais envolvidos na comunicação entre a escola e a família.
3.8 A Comunicação nas relações familiares
Nesta terceira e última parte, foram analisados qualitativamente, os dados encontrados nas entrevistas, a fim de identificar a percepção de algumas das implicações da comunicação enviada pela escola nas relações familiares. Conforme descrito no percurso desta pesquisa, foram entrevistados 46 alunos, 15 pais/responsáveis, 6 professores, 2 coordenadoras pedagógicas e 1 orientadora educacional. Na tabela 35 apresenta-se a quantidade de entrevistados em cada escola da amostra.
Tabela 35 – Quantidade de sujeitos entrevistados. Alunos 2º ano Alunos 5º ano Alunos 8º ano Pais 2º ano Pais 5º ano Pais 8º ano Professores Coordenadores Pedagógicos Orientador Educacional Total por escola Total por instituição Total geral
EPA
EPU_1
7 7 8
7 9
3 1 5 3 --1 35 35
--2 2 --2 1 --23 35 70
EPU_2 ---
Total 14
--8 ----226 1 1 --12
16 16 5 3 7 6 2 1 70 70
Para a análise dos dados obtidos, foi observado o conteúdo das entrevistas mediante os seguintes aspectos. O primeiro deles dizia respeito às atitudes tomadas pelos pais após serem informados a respeito dos fatos que envolviam os filhos. No segundo, foi verificado se, depois que a família era comunicada e fazia sua intervenção, havia mudança das atitudes sobre as quais a escola se queixou e se ocorria a reincidência dos comportamentos inadequados, ou seja, se estes voltavam a acontecer depois de que os familiares eram avisados e as “providências tomadas” em
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Foi entrevistada a avó de um aluno do 8º ano por ser sua responsável legal, pois sua mãe faleceu.
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casa. Quando determinado aspecto era semelhante tanto para o pai como para o filho, optou-se por analisar as entrevistas juntas. Das 46 entrevistas com os alunos “indisciplinados” e “disciplinados”, foram desconsideradas 11 das realizadas com esses últimos, pois afirmavam não ter levado bilhetes para casa, não dando continuidade ao assunto em questão, sendo considerados somente os dados daqueles que já haviam levado bilhetes e relatavam sobre as implicações vivenciadas, o que corresponde a 35 sujeitos.
3.8.1 As atitudes dos pais
Verificamos, em aproximadamente 80% das entrevistas com os responsáveis que, quando recebiam informações sobre problemas que ocorreram no espaço escolar, eram geradas desavenças na família, resultando em discussões, censuras, ameaças, castigos e mesmo em agressões físicas. Santos e Souza (2005) a partir da análise dos bilhetes redigidos nos cadernos verificaram, assim como indicam nossos dados, que as mensagens enviadas podem implicar em castigos e reprimendas em casa. É claro que a intensidade não era a mesma em todos os lares, mas por estes pais acreditarem que deveriam tomar alguma providência, que, aliás, é o que parece esperar a escola, utilizavam os “recursos” educacionais que conheciam, na tentativa de resolver o problema. Tal constatação também foi verificada na fala de 97,1% dos alunos, quando relatavam que algumas dessas situações aconteciam em suas casas. Somente um adolescente afirmou que um dos responsáveis assinava o bilhete e não tomava nenhuma atitude. Na análise das entrevistas, evidenciou-se o desconhecimento dos pais sobre as características de desenvolvimento de seu filho e de procedimentos mais construtivos para lidar com essa situação. Diferentemente dos profissionais da educação, os familiares entrevistados não estudam para exercer a “tarefa de educar”, pautando suas ações no senso comum. Foi frequente a alegação de que nem sempre sabem como agir, usando as estratégias que acham que vão “funcionar” ou repetindo as utilizadas por seus pais na sua infância e adolescência. Nos trechos retirados de duas entrevistas com mães do 8º ano da escola privada pode ser constatado tal fato.
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(8º ano_PA) PES: O que você acha que a escola espera de você quando coloca informações na internet? MÃE 13: Acho que ela espera que a gente tome providências, né? Mas eu não sei se a gente sabe que providência tem que tomar. É o que eu falei pra você. Eu já tentei de tudo. Eu já tentei sentar, conversar. Eu já tentei dar um gelo também, mostrar que não estou nem aí. O que é difícil pra mim. [...] Deixo pra ver no que vai dar. Não dá em nada. Então volto a „pegar no pé‟. Também não dá... (8º ano_PA) MÃE 12: É difícil, né? Tem horas que a gente até se sente um pouco frustrada, perdida, não sabendo que linha tomar, né? É nítida a angústia de alguns pais que tentam utilizar todos os recursos que conhecem e ainda assim não conseguem que seus filhos mudem suas ações, resultando em impotência e desânimo. Dificilmente, questionavam as providências dos docentes e mesmo quando julgavam necessário esclarecer as posturas da escola, também “conversavam” e advertiam os alunos a respeito do fato comunicado, o que confirma que conferiam credibilidade ao que ela notificava endossando suas ações. Destacou-se que 100% dos responsáveis entrevistados acabavam legitimando as informações enviadas pela escola, não as contestando em nenhum momento, o que vai ao encontro das respostas dadas pelos alunos que não evidenciavam que seus pais discordavam ou questionavam tais notificações.
(8º ano_PA) PES: Se acontece algum problema, você disse que a escola te comunica. Você fica sabendo por outros meios? MÃE 12: Só pela escola. A escola liga antes. Quando ele apronta um pouquinho mais grave, às vezes até antes de ir para o portal27. No ano passado aconteceu, a orientadora entrou em contato com a gente. PES: E a postura dele quando você é informada de algum problema? Como é em casa? Como você lida com isso? MÃE 12: Olha, eu converso, a gente conversa com ele. Mas ele não dá muito retorno com isso, né? Teve uma vez, foi na vez do telefonema, a orientadora falou que ia „pegar leve‟. A gente até falou “faz aquilo o que a escola tem que fazer”. Então ela ia dar uma advertência escrita, mas acabou que ficou só na oral. Acho que a gente entrega aqui, a gente dá responsabilidade, dá autoridade para a escola. PES: O que vocês costumam dizer nas conversas com ele? 27
Nome dado à página da escola na internet.
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MÃE 12: Que ele tem que se portar da maneira que a escola pede. Que isso que é o melhor para ele. Que essas atitudes são erradas. [...] Então a gente sempre endossa a postura da escola. [...] PES: E quando a escola comunica os fatos que acontecem, o que você acha que a escola espera de vocês? MÃE 12: Acho que espera que a gente entre nessa correção da criança, nessa orientação que ele está com atitude errada, que ele precisa mudar, eu acho que sempre pro próprio bem dele. [...] Eu nunca fiquei contra a escola. Porque eu não acho que o que eles cobram aqui, é tudo muito correto, tudo muito na medida. (8º ano_PA) PES: Você acha que quando a escola disponibiliza informação [...] o que eles esperam dos pais? Quando informam sobre o que acontece aqui na escola, o que você acha que eles estão esperando que os pais façam? MÃE 15: Acho que eles estão mostrando transparência de tudo pros pais poderem correr atrás. Assim, o comportamento do filho está inadequado, está faltando tarefa, está faltando uniforme, está com a postura inadequada, está com nota baixa ou qualquer coisa que acontece com ele você está sabendo. Não é uma coisa que está sendo mascarada. Está ali registrado, documentado pra você ter suas ferramentas e depois pra correr atrás. Dar estrutura em casa, conversar, se precisar ir pra um psicólogo, se precisar recorrer em casos extremos. Como ilustram os excertos anteriormente apresentados, chamou-nos a atenção que em nenhuma entrevista a família colocou em dúvida as informações dadas pela escola, muito pelo contrário, era comum validarem os fatos e tomarem providências, mostrando que concordavam com a postura dos educadores na busca pelo bom comportamento e pela manutenção da ordem. Demonstram que consideram o professor como uma autoridade na escola e que, portanto, sabe o que é melhor para o aluno. Nas respostas a seguir, de alunos do oitavo ano, também se identifica a ideia de que seus responsáveis endossavam a postura cobrada por seus professores:
(8º ano_PA) PES: E o que seus pais fazem quando veem um bilhete desses que você leva28? ALUNO 5: Ah, tipo, normalmente ficam bravos porque se eu tô conversando na aula, num tô prestando atenção, eles ficam bravos. Minha mãe me dá um toque, tipo, ela fala que não é pra fazer isso, que ela paga 28
Linguagem empregada pelo entrevistado para se referir ao bilhete enviado aos pais.
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uma escola cara, que é pra gente aprender e não é pra gente ficar conversando na aula. PES: E seu pai? ALUNO 5: Meu pai também fala isso. (8º ano_PU) PES: E quando você levava bilhete para sua casa, o que seus pais faziam? ALUNO 6: A minha mãe assinava e mandava eu parar, parar de conversar, parar de bagunçar porque a escola não era lugar de fazer isso. Além de validar as informações enviadas, é possível perceber que os pais procuram ensinar aos filhos que estão “errados” e que devem obedecer aos professores sem questionar, o que dificulta o desenvolvimento da sua capacidade de análise e crítica às situações, reforçando a submissão e a heteronomia. Esse resultado vai contra a queixa constante da escola, de que geralmente contam com o apoio da família e que é frequentemente desautorizada pelos pais. Essa crença tão comumente encontrada nas falas dos docentes das instituições educacionais, em geral, também foi identificada nos argumentos dos profissionais das escolas participantes desse estudo, como pode ser conferido no trecho da entrevista com a professora do 2º ano_PU, quando questionada a respeito da parceria entre escola e família:
(2º ano_PU) PES: Eu queria que você me dissesse o que pensa a respeito da parceria entre a escola e a família? PROFESSOR 2: Eu acho que a escola está sempre aberta à família. Sempre aberta à família, a escola vem, atende a maioria das reclamações desses pais, conversa, encaminha. Na parte pedagógica, a escola tá sempre ali. Então ela tá sempre aberta para a família, mas muitas vezes a família não se abre à escola. Não vê a escola com bons olhos. Quando você, às vezes, chama a atenção, ou chama um pai pra conversar, ele não vê aquilo como algo positivo que pode tá ajudando o filho dele. Vê aquilo como aspecto negativo, que a escola tá incomodando, que não está dando conta do seu trabalho. Ao contrário do que a escola pensa os pais entrevistados, não só veem suas ações “com bons olhos” como se valem dos mecanismos que conhecem na tentativa de fazer com que o filho não mais apresente os comportamentos indesejados dos quais a escola se queixa. Nas entrevistas com os responsáveis, identificamos as principais estratégias que utilizavam para lidar com os problemas do filho. Foram encontradas as seguintes atitudes, mencionadas pela frequência que
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ocorriam: punições ou castigos (80%), conversas ou sermões (33,3%), ameaças (20%), recompensas ou promessas (6,6%). Não foi identificada em nenhuma entrevista a presença de diálogo no sentido construtivo, em que os envolvidos trocam perspectivas e buscam por acordos mútuos. Os dados referentes às atitudes tomadas pelos familiares serão detalhados e discutidos a seguir. Uma
intervenção
utilizada
demasiadamente
pelos
pais
eram
os
castigos,
independentemente da realidade em que se encontravam as famílias. Eles parecem crer que ao aplicarem uma punição, os filhos „pagarão pelo débito‟ por agirem de forma incorreta. A ideia é expiar, sofrer e, por medo de novo castigo, evitar o comportamento inadequado. Verificaram-se duas maneiras diferentes usadas para castigar os alunos quando chegavam em casa com um bilhete. A primeira delas ficou evidenciada em 37,1% das entrevistas, com os educandos que afirmaram que o castigo aplicado era a retirada de algo que gostassem. Ao ficarem um tempo sem um brinquedo ou sem ir a algum lugar que costumassem frequentar, alguns educadores acreditavam que o infrator pagava pelo erro cometido e entendia que não devia cometer o mesmo novamente, o que é confirmado por 66,6% dos pais que relataram privar o filho de alguma coisa ou atividade de que gostassem. Esse tipo de estratégia funciona, porém, mais uma vez, favorece a subserviência do sujeito que pode passar a ter atitudes acríticas e conformistas. Entretanto, fica nítido que a obediência é gerada pelo temor da punição imposta pela autoridade do adulto e não por meio da reflexão e da compreensão da necessidade das regras. Apesar de, geralmente, por meio de regulação externa, promover o “bom comportamento” do aluno, não o auxilia a entender quais as reais implicações de seus atos. Todavia, o que parece importar para a família e para a escola é que o aluno siga as regras e obedeça aos professores. Os motivos pelos quais o faz, pouco importam. La Taille (1996, p. 10) alerta que “o aluno bem-comportado pode sê-lo por medo do castigo, por conformismo. Pouco importa: seu comportamento é tranquilo. Ele é disciplinado. Isto é desejável?” O sujeito aprende que esse comportamento não é aceitável e quita seu débito, mas não compreende a relevância de mudar suas atitudes (se é que deva mudá-las). Tal mecanismo torna-se perfeitamente compreensível por quem é punido, como exposto na fala da aluna do 8º ano:
(8º ano_PA) PES: E o que eles (pais) costumam fazer depois de ver um bilhete que a escola manda?
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ALUNO 2: Normalmente eles pedem pra não se repetir, mas se continua várias vezes, tipo todo mês, daí eles tiram alguma coisa que é importante pra mim. PES: E o que eles já tiraram? ALUNO 2: Sei lá... Por exemplo, computador, videogame. PES: E por quanto tempo você fica sem? ALUNO 2: Ah, não tem um tempo, até a hora que eles acham que eu melhorei. Mecanismos de sanção expiatória como os citados pelo adolescente podem gerar implicações em seu desenvolvimento, como o agir interessado, em que o sujeito muda de comportamento para os pais acharem que suas atitudes melhoraram, como no exemplo, ou por medo de receber novos castigos. Por esse tipo de punição basear-se somente na ideia de que é preciso “pagar pelo erro cometido”, novamente é legitimado o uso de controladores externos, desfavorecendo a autorregulação necessária para a tomada de consciência dos fatos. Piaget (1994) afirma que tais sanções apresentam um “caráter arbitrário”, sendo consideradas pela autoridade como um meio suficiente de repressão que recoloca as coisas em ordem, reconduzindo o indivíduo à obediência, divergindo das por reciprocidade, em que se relaciona o ato à punição aplicada. A partir da análise dos dados, constatamos vários desses castigos aplicados pelos familiares depois que receberam bilhetes ou tiveram acesso às informações via internet ou telefonema. O tempo de duração variava de acordo com a família e o tipo de problema informado. As sanções aplicadas identificadas nas entrevistas dos alunos e dos pais foram agrupadas mediante sua semelhança. Na tabela a seguir, apresentam-se as punições e em que frequência foram citadas pelos entrevistados. Tabela 36 – Sanções aplicadas citadas por alunos e pais com porcentagem. Tipo de sanção Restrição ao acesso a meios eletrônicos (TV, videogame, computador, internet) Proibida a participação em atividades sociais (festas, aniversários) Proibido brincar fora de casa (bicicleta, futebol) Restrição ao convívio familiar (ir mais cedo para o quarto) Proibir alguma guloseima
Alunos 34,2%
Pais 100%
14,2% 17,1% 2,8% 2,8%
46,6% 33,3% 6,6% 0%
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Observou-se, tanto nas entrevistas com os alunos, como nas realizadas com seus responsáveis, que entre os castigos aplicados os mais recorrentes eram aqueles que se referiam à proibição do uso de meios eletrônicos, como assistir televisão, jogar videogame, usar computador e internet. Nos trechos retirados dos protocolos das entrevistas com um aluno e sua mãe identifica-se esse tipo de punição.
(5º ano_PU) PES: E o que acontece quando você chega na sua casa com um bilhete? ALUNO 9: Ah, minha mãe me deixa di castigo, conversa... PES: Conversa e deixa de castigo? Que castigo que sua mãe dá? ALUNO 9: Ela deixa... eu não posso saí pra fora pra brincá, não posso jogá bola, nem mexê no meu videogame... (5º ano_PU) PES: A senhora estava dizendo que quando vem um recado que ele aprontou alguma coisa na escola ou que estava conversando demais, a senhora sentava e conversava. E se voltasse a acontecer, o que fazia ? MÃE 9: Aí eu colocava ele de castigo, porque a gente não bate, a gente não coloca a mão nele. PES: E que tipo de castigo você dava? MÃE 9: Eu tirava videogame, eu tirava o computador, televisão. [...] PES: Voltava a acontecer? MÃE 9: Tsc tsc, e não acontecia mais porque aí ele sabia que ia ficar sem todas as coisas que ele gostava. [...] Tanto que o videogame dele não está instalado, está no armário, por uma desobediência que ele fez, está na caixa guardado lá dentro. A segunda forma de castigo consistia em agressões físicas, quando o pai batia, beliscava ou aplicava alguma outra sanção corporal, como informado por aproximadamente 34% dos estudantes e dos responsáveis. Segundo os alunos, alguns conversavam sobre o fato e depois batiam, mas outros, já partiam para a agressão sem conversar, podendo variar de umas simples palmadas até surras. Estudos como os de Azevedo e Guerra (2001; 2006) apontam para o crescimento das diversas formas de violência contra a criança e ao adolescente, particularmente do número de casos de agressão física na família. Como discutimos, quando são comunicadas entendem que a escola espera que tomem providências, o que foi constatado nas entrevistas com todos os responsáveis, e muitas vezes usavam a violência como “corretivo”, podendo gerar sérias implicações para o agredido, que muitas vezes se sente merecedor da violência sofrida. Os
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traumas ocasionados podem variar desde marcas físicas até emocionais e psicossociais, como baixa autoestima, agressividade, depressão, entre outros, trazendo sérios danos não só na sua infância como também na fase adulta (SAGIM, 2008). No exemplo a seguir, o pai considera-se rígido e vê esse tipo de „correção‟ (termo usado por ele quando se refere à agressão) como ideal para que realmente a criança mude de comportamento.
(2º ano_PU) PES: E quando recebe um bilhete desses como é que costuma lidar com a LAR? PAI 2: Eu sou um pai rígido, tá, eu sou um pai rígido. Eu falo muito autoritário e exijo que a criança escute e respeite, entendeu. É difícil, mas não é impossível, né? E quando tem isso aí, a gente chega, corrige, como no caso dos primeiros bilhetes. A mãe que viu, a mãe quis corrigir, aí não deu certo. Aí foi onde eu falei: “Bom, então agora é minha vez.” Aí eu fui, corrigi, graças a Deus. No primeiro... Aí no segundo ela já sentiu. É aquele detalhe. Ela já foi obrigada... Porque o pessoal fala, não pode bater. Não. Eu acho que não pode espancar. Não pode espancar, não pode bater na cabeça, mas se você dá uma cintada na nádega, você não está extrapolando. Aí foi onde foi preciso, mas foi só também. PES: Você falou que a mãe usou algumas correções que não deram certo. Que correções são essas que foram usadas pela mãe? PAI 2: É conversar. “Filha está errado” Falar bravo, falar rígido. “Está errado, não faça mais isso, entendeu? Você vai ficar de castigo.” Mas não adiantou. PES: E você disse que entrou no assunto e usou de outras maneiras de correção. Que correções são essas? PAI 2: Eu realmente, como falei no começo, eu sou mais rígido e aí já fiquei mais bravo com ela e isso foi a primeira vez. Aí na segunda eu fui obrigado a dar uma cintada. Na conversa com quatro (11,4%) crianças do nível I da escola pública, a respeito de alguma agressão física que sofreram quando levavam um bilhete, tivemos acesso a relatos de castigos humilhantes, exagerados e abusivos, como permanecer por um tempo ajoelhado no milho ou no feijão ou ainda ficar sentado com o rosto virado para a parede. A seguir são expostos alguns dos trechos dos protocolos de entrevistas com esses alunos:
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(2º ano_PU) PES: E quando você chegou em casa, mostrou o bilhete? ALUNO 6: Mostrei. PES: E o que a mamãe fez? ALUNO 6: Me bateu. PES: Te bateu... ALUNO 6: E pois eu de castigo. PES: E que castigo a mamãe deu? ALUNO 6: Lá numa cadeira e eu fiquei virada pra parede. (2º ano_PU) ALUNO 5: Meu pai pega assim o saco de milho, coloca perto da porta lá da sala, da cozinha, ele fala pra mim ficar de joelho lá... ficar pensando, aí eu fico lá... fico... fico... fico... PES: Muito tempo ou pouco tempo? ALUNO 5: Ah, uns quarenta minutos. (5º ano_PU) PES: Você falou pra mim que já fez bagunça. Já levou bilhete pra casa sobre a bagunça? ALUNO 6: Já. PES: Já? E o que aconteceu? ALUNO 6: Minha mãe coloca eu de castigo, não deixa eu brincá... PES: Então se você leva bilhete, fica de castigo? Que tipo de castigo? ALUNO 6: Tem vez que eu tenho que ficar em casa sem assisti televisão, só deitado e às vezes que ela coloca assim... feijão no chão e aí eu tenho que ficar de joelho [...] Tais situações só ocorriam com os mais novos, visto que de acordo com o que foi discutido anteriormente, decorrente da noção de justiça que possuem, não têm a capacidade de lidar com situações de abuso e desrespeito, uma vez que consideram as ordens da autoridade como inquestionáveis. Dificilmente um adolescente aceitaria calado ou obedeceria à ordem para ajoelhar no milho ou sentar-se virado para a parede como o fazem os pequenos. As crianças também se consideram merecedoras dos maus-tratos recebidos já que de fato tiveram “mau comportamento” na escola; incapazes de analisar a proporcionalidade entre a “infração” e as “sanções” impostas.
Dessa forma, os adultos se valem dessa subserviência infantil
para
castigá-las a fim de “ensinar-lhes” a não desobedecer e a comportar-se “direito”, não demonstrando consciência das prováveis implicações para a formação da personalidade dessas crianças.
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Verificou-se que, segundo os estudantes, dos 12 relatos sobre o uso de agressão física por parte dos pais, 11 (91,6%) partiram de alunos das escolas públicas, não havendo diferença quanto às três séries. Na particular, somente uma criança pequena se refere a esse tipo de castigo, não havendo nenhum caso no 5º e no 8º ano. Tal cenário muda em relação às „conversas‟, pois em ambas as instituições as porcentagens a respeito do uso desta intervenção aumentam conforme o aluno fica mais velho. Um fato que merece destaque é que os castigos físicos praticamente só foram constatados nas turmas da escola pública, geralmente no nível I do Ensino Fundamental. Somente um caso foi identificado no 2º ano_PA. Parece-nos que, com os mais velhos, as famílias utilizavam as „conversas‟ recorrendo em alguns casos para o uso das palmadas. Talvez isso aconteça pelo fato de que os adolescentes passam a ver o adulto como „igual‟, não mais se submetendo a certas imposições como fazem os pequenos que os veem como autoridade. Destacamos que ambas as formas de punição descritas, agressão ou retirada de algo que gostem, não apresentavam relação com o ato a ser punido, sendo consideradas, portanto, como sanções expiatórias. Em relação à retirada de algo que gostavam, a divergência não acontecia, uma vez que tais castigos foram verificados em todas as séries de ambos os tipos de instituição. Outra intervenção muito comum na fala dos pais (33,3%) eram as “conversas” com os educandos. Mais da metade dos alunos entrevistados (52%) confirma que os pais „conversam‟ quando recebem as notificações. Os adultos acreditam que essas bastam para a mudança de atitudes por parte dos sujeitos, todavia, evidenciava-se que se tratava mais de um monólogo, sermão ou censura, do que diálogo. Ao contrário dessa crença, por serem colocados no papel de ouvintes passivos, não eram oferecidas oportunidades de reflexão. Na perspectiva construtivista, sabe-se que para favorecer a tomada de consciência por parte dos envolvidos nos conflitos estes precisam participar ativamente na análise do problema e na busca por soluções, o que não é possível por meio da simples transmissão verbal dos mais velhos. O adulto falava sobre o problema, moralizava, culpabilizava, apresentava soluções prontas e restrições caso houvesse nova ocorrência, independente do nível escolar em que os filhos se encontravam. Isso demonstra o desconhecimento de que para haver a reflexão, é necessário levar os envolvidos a pensarem a respeito do fato. Uma estratégia mais favorável à resolução cooperativa de conflito seria a descrição do problema, a escuta da perspectiva do filho/aluno, questões que levassem a pensar na validade das normas, nas causas do comportamento e nas possibilidades de outras ações e consequências. Dessa forma, seriam desafiados a buscarem soluções mais justas para seus
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problemas bem como a considerarem as intenções dos demais envolvidos. Na sequência de trechos retirados das entrevistas com os alunos, exemplifica-se o uso da conversa nas famílias decorrentes do recebimento do bilhete. (2º ano_PA) PES: O que ela (mãe) faz depois que lê o bilhete e fica sabendo o que aconteceu? ALUNO 8: Depois ela conversa comigo. PES: Quando ela conversa, o que ela fala pra você? ALUNO 8: Ela fala pra não fazer mais. (5º ano_PU) PES: E quando eles (os pais) veem o bilhete, o que eles fazem quando você chega com um bilhete da escola? ALUNO 1: Briga. PES: Briga? Como que eles brigam? ALUNO 1: Fala que não é pra fazer mais isso, senão eu repito di ano. Fala que não é pra xingá ninguém, fala que não é pra desobedecer... Outro excerto ilustra que a mãe considerava a orientação diretiva como sendo suficiente para que o filho não tivesse mais atitudes indesejadas. (2º ano_PA)
MÃE 6: Eu tento orientar pra ele não fazer mais. Se ele errou, eu oriento, explico porque isso não é correto, “não faça mais isso porque do mesmo jeito que você não quer que faça pra você, não faça com os outros”, por exemplo, ele bateu no amiguinho, coisa que é difícil acontecer, ele mais leva do que... mas daí eu oriento e falo pra ele que não é pra fazer isso, né? Eu converso com ele. Como se constata, o papel ativo nesse objeto de conhecimento está sendo feito pelo adulto que: estabelece as relações, julga, ensina, moraliza, verbaliza as ideias prontas e acabadas. Percebeu-se, nas entrevistas realizadas com os estudantes, que algumas conversas se tornavam extensas, transformando-se em verdadeiros sermões recheados de lições de moral. Partindo do mesmo princípio, os educadores acreditam que basta informar o que está errado e que certas atitudes não devem se repetir para que os alunos aprendam. No entanto, por passar longo tempo ouvindo os adultos, boa parte do que foi dito não é assimilado, uma vez que a assimilação de um conteúdo não se dá pela escuta passiva e sim por meio da atividade mental.
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Por reconhecermos que o bilhete gera implicações em casa, foi perguntado aos alunos o que sentiam quando o recebiam. Notou-se a predominância do medo e de tristeza, sendo que alguns sujeitos não conseguiram nomear seus sentimentos apenas afirmando se sentirem „mal‟. Na verdade, constatou-se que sofrem por antecipar a probabilidade de receberem outros castigos ou serem aplicadas novas agressões quando chegarem em casa, principalmente os menores das séries do nível I. Dois alunos do 8º ano_PA se referiram à culpa por perceberem que agiram mal e por terem que arcar com as implicações de seus atos. Segundo La Taille (2006), esse sentimento é indispensável para a construção dos valores morais, pois a capacidade de sentir-se culpado mostra que o indivíduo legitima a moral. Ao experimentar a culpa, poderá despertar no indivíduo o desejo de reparar o ato cometido. Todavia, foi possível perceber que tal sentimento não estava associado ao arrependimento e à vontade de reparação, talvez mais próximo ao “receio” do que culpa, e sim, tanto quanto os pequenos, se mostravam preocupados em saber que provavelmente seriam punidos, como visto na fala de um dos adolescentes: (8º ano_PA) PES: Quando você recebe um bilhete e leva pra casa, como você se sente? ALUNO 2: Ah não é medo, sei lá... Eu me sinto culpado porque eu sei que vai ter consequência depois. A presença de tais sentimentos fortalece a ideia de que o uso das estratégias discutidas não promove o exercício do autocontrole, levando os estudantes a mudarem seu comportamento, mesmo que temporariamente, por medo de receberem um novo bilhete e obviamente, do que vai acontecer quando voltarem para casa. Outro conteúdo observado nos bilhetes foi que nem sempre os familiares castigavam logo após a primeira comunicação enviada pela escola. Alguns pais ameaçavam a retirada do que os filhos gostavam para que se sentissem coagidos e obedecessem sem ser necessário cumprir, como constatado em duas entrevistas com os responsáveis (13,3%). O uso de ameaças e chantagens para que o comportamento fosse o esperado pelos professores pode ser confirmado nos trechos extraídos dos protocolos de um aluno da escola pública e uma mãe da particular: (5º ano_PU) PES: Você já levou algum bilhete? Sobre o que era? ALUNO 5: Por causa que eu não queria fazê lição, aí minha mãe falou que ia quebrar meu Play 2 (videogame) aí eu comecei a fazê. PES: E o que acontece quando recebe um bilhete?
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ALUNO 5: Ou levo uma surra ou senão minha mãe vai lá e conta pro meu padrinho. PES: E o seu padrinho, faz o quê? ALUNO 5: No ano passado eu repeti de ano e ele não me levou pra praia, era pra „mim‟ ir no Hopi Hari. Ele ia me levar num monte de lugar, mas daí eu não passei de ano... Agora ele falô que se eu não passá de ano, ele não vai me dá nada. (8º ano_PA) MÃE 15: Então geralmente eu pego aquela coisa que ele gosta... Depende da situação. Se for alguma coisa séria ou de repente por falta de nota que nem apresentou agora, eu dei a chance. Falei “você pode ir nas festas, você pode ter sua vida social. Eu não vou te tirar nada. Mas você vai mostrar primeiro o boletim. Se vier baixo nós vamos ponderar algumas coisas.”
Além do uso de punições e ameaças, as boas condutas também podem ser incentivadas pelos familiares por meio das promessas ou recompensas. Faz-se necessário compreender que a eficiência destes recursos é temporária. Enquanto são pequenos, validam algumas formas de premiação, só que à medida que ficam mais velhos, a recompensa precisa ser aumentada, uma vez que já não se satisfazem com os prêmios recebidos anteriormente, o que, aliás, também ocorre com as punições. Por exemplo, uma criança pode obedecer em troca de um doce, no entanto, vai ser preciso bem mais do que isso para levar um adolescente a agir, quem sabe um bom aumento na mesada. Verificou-se que a frequência das intervenções mais punitivas como forma de „quitar o débito‟ pelas infrações cometidas era bem maior em relação ao emprego de recompensas. Somente uma mãe relata esse mecanismo, porém utilizado quando a filha era pequena, como pode ser constatado em sua fala:
(8º ano_PA) MÃE 13: Eu já tentei tudo, né? Eu já tentei de tudo na minha vida. Tinha uma época que eu tinha uma lista assim, na geladeira. Cada coisa bonitinha ganhava um ponto. Se acontecesse alguma coisa errada, tirava ponto. Uma época era dinheiro, uma época era pedir o que ela quisesse. Cada época mudava o prêmio ali. PES: E como ela lidava com isso, quando ela sabia que assim podia ser premiada? E dava resultado? MÃE 13: Ela era pequena. E dava muito resultado. PES: E hoje? MÃE 13: Hoje isso não dá resultado.
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Compreende-se que, assim como na utilização de punições, as recompensas favorecem o agir interessado, pois a criança realiza determinadas ações esperando algo concreto em troca. Pais e professores acreditam que esse recurso serve como motivação e levará à aprendizagem das condutas adequadas. No entanto, por ser externa, quando usada a longo prazo, poderá desencadear sérias consequências, como só realizar uma ação quando vai receber algo em troca, gerando uma dependência. Além disso, conforme cresce será necessário aumentar as recompensas, pois vão perdendo o efeito, resultado do ensino do próprio adulto quando sempre dá um retorno com algo concreto, indo contra o que é a verdadeira autorregulação. Quando um sujeito faz algo errado, precisa se incomodar com sua própria atitude, podendo sentir vergonha do que fez. Dessa forma, poderá não querer repeti-la para não se sentir mal novamente, exercitando sua capacidade de se autorregular. O mesmo deve acontecer quando realiza algo correto, podendo sentir o bem-estar e o prazer de saber que agiu adequadamente. Entretanto, ao receber um retorno concreto e externo, por meio de recompensas, terá dificuldades em associar a satisfação ao fazer algo bom, ficando dependente dessas premiações e do julgamento das outras pessoas. Preocupou-nos o fato de não identificarmos o diálogo como oportunidade de o sujeito trocar argumentos, negociar e aprender a expressar-se com clareza, em nenhuma das famílias. Nem situações em que os filhos participassem ativamente da conversa, podendo refletir a respeito de seus atos e da busca por soluções equilibradas e justas para todos os envolvidos. O que pais e professores chamavam de “diálogo”, se restringe mais a „conversas‟ em que a criança ou o jovem somente ouvem as ideias, os julgamentos e as soluções apontadas pelos adultos. Como dito anteriormente, uma das metas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) é o desenvolvimento da habilidade de dialogar diante de situações conflituosas. Porém, como nossas crianças e jovens terão a oportunidade de aprender tal capacidade ficando quietos, em casa e na escola, apenas ouvindo sermões e censuras de forma passiva? Em síntese, as intervenções que mais se destacaram nas entrevistas com pais e com os estudantes foram as „conversas‟ e a aplicação de sanções expiatórias, sejam os castigos ou as agressões físicas. Em alguns casos, identificou-se também a presença de ameaças e chantagens. Percebeu-se a ausência de diálogos construtivos nas medidas tomadas em casa quando o filho recebia um bilhete ou outra comunicação da escola. Isso parece confirmar nossa hipótese de que, pais e professores não reconhecem que os problemas que acontecem no espaço escolar ou familiar podem ser oportunidades de desenvolvimento e de aprendizagem, nem mesmo que
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pertencem ao envolvido, que deve agir sobre esse objeto de conhecimento com a mediação do adulto. Na tabela a seguir, para favorecer a compreensão dos dados descritos anteriormente, destacamos um resumo das porcentagens em que os pais (15) e os estudantes (35) se referem a essas estratégias aplicadas em casa após o recebimento da comunicação enviada pela escola. Vale ressaltar que alguns sujeitos mencionavam o uso de mais do que uma dessas atitudes.
Tabela 37 – Comparativo da porcentagem das estratégias citadas pelos pais e pelos alunos. Estratégias Retirada de algo que gostem Conversas e censuras Castigos físicos Ameaça e chantagens Recompensas
Pais n=15 66,6% 33,3% 34% 20% 6,6%
Alunos n=35 37,1% 52% 34,2% 5,7% 0%
Quando esses dados foram comparados de acordo com a instituição a que pertenciam, constatou-se que as famílias de ambas utilizavam dos castigos como uma das estratégias para lidar com os problemas informados pela escola por meio dos bilhetes. Segundo os estudantes, 58,7% da particular e 41,6% da pública, um dos recursos utilizados era as „conversas‟ com ameaças, censuras ou sermões. Quando observado se o diálogo construtivo acontecia como forma de intervenção, nenhum dado foi identificado dos obtidos tanto com os pais como com seus filhos. No entanto, uma divergência identificada foi que, enquanto os pais da particular geralmente conversavam antes de aplicar alguma sanção, aproximadamente 30% da pública confirmaram o uso constante de agressão física associada à retirada de algo que os filhos gostem. Em relação à retirada do que gostavam, constatou-se que os responsáveis de ambas as instituições privavam das mesmas coisas como sair de casa para atividades de lazer (andar de bicicleta ou jogar bola), ver televisão, usar computador e videogame. Somente um caso de agressão física foi verificado na turma dos menores da escola privada, enquanto 91,7% ocorreram na pública. Nessa última, outras diferenças se destacaram. A primeira pelo fato de que, em casa, foi identificada nas falas das crianças (36,3%) a presença de punições abusivas como ajoelhar no milho ou sentar olhando para a parede. A segunda diferença era que, quando algum aluno apresentava problemas mais sérios, inclusive de violência, que não conseguiam resolver nem contatando os familiares, o Conselho Tutelar era acionado para auxiliar com medidas cabíveis. Pareceu-nos ficar claro que,
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mais uma vez, se tratava da transferência de responsabilidade. Por não dar conta do trabalho educativo e não conseguir que a família o faça, a escola acaba por buscar auxílio em outras instituições que podem usar do poder legal para tentar resolver os problemas que as duas primeiras não conseguem. Essas informações também foram observadas de acordo com as séries do Ensino Fundamental, em que certas divergências foram percebidas. Verificou-se que, na maioria das vezes, as agressões físicas eram utilizadas pelos familiares das crianças menores, como identificado na fala de 41,7% dos sujeitos do 2º ano e em 33,3% de 5º ano. No entanto, 45,9% dos adolescentes do 8º ano se referem às intervenções por meio de „conversas‟, que com frequência se transformavam em sermões e censuras. Em nenhuma turma identificou-se o uso de diálogos construtivos que pudessem favorecer a reflexão dos envolvidos nos conflitos. No que diz respeito a retirar algo de que os filhos gostem, em média, 34% dos estudantes afirmaram que os pais usavam desta estratégia como castigo, não havendo diferenças entre os tipos de sanções aplicadas, sendo que constantemente proíbem o uso de meios eletrônicos e atividades de lazer. Concluiu-se que devido às posturas tomadas pelos familiares das três séries, eram legitimadas as informações enviadas pela escola a respeito de seus filhos, acarretando em constantes conflitos em seus lares.
3.8.2 As atitudes dos alunos: mudança no comportamento
Após a observação das atitudes das famílias quando eram informadas de que algo não ia bem, voltamos nosso olhar para o fato de as ações tomadas por estas proporcionarem ou não a mudança dos comportamentos dos quais a escola reclamava. Para isso, analisamos as respostas dadas pelos pais e pelos alunos quando questionados sobre o que acontecia posteriormente à intervenção em casa. Dessa forma, constatamos que, segundo os alunos entrevistados, a maioria considerava que havia modificado a atitude, o que discutiremos a seguir. Segundo 77,8% dos estudantes, depois que os pais recebiam os bilhetes e tomavam suas providências, tentavam obedecer e não voltar a fazer o que foi considerado errado, mudando o comportamento. De acordo com as explicações presentes nos protocolos, destaca-se o medo dos estudantes em receber outro bilhete dos professores (25,7%) ou de serem novamente castigados caso as famílias fossem comunicadas (17,1%), sendo a maioria alunos das escolas públicas. No
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fundo, o receio parece o mesmo, pois, na verdade, não têm medo de levar um novo bilhete, e sim, do que vai acontecer quando chegarem com este em seus lares. Entretanto, somente 46,6% dos pais afirmaram que havia uma mudança de atitude após o recebimento dos bilhetes e de suas intervenções, o que diverge um pouco da visão dos alunos. Talvez isso aconteça por alguns acreditarem que mudaram de postura, mas os familiares não virem da mesma forma. Nos trechos das entrevistas protocoladas podem ser conferidos alguns depoimentos que confirmam a situação descrita:
(2º ano_PU) PES: [...] Do que ela estava reclamando no bilhete? ALUNO 7: Que eu tava andando pela sala e fazendo bagunça. PES: [...] Você continua fazendo isso? ALUNO 7: Não. PES: Por que não faz mais? ALUNO 7: Senão eu levo outro bilhete. (5º ano_PU) PES: Depois que leva esse bilhete, mostra e seus pais resolvem com você... quando você volta pra escola, o que você faz? ALUNO 6: Aí eu fico... tenho que ficar bonzinho, né? Senão... PES: O que acontece se você não ficar bonzinho? ALUNO 6: Minha mãe me bate, né? PES: E o que é ficar bonzinho? ALUNO 6: Ahn, fazer a lição, não brigar, [...] não responder pra professora... (8º ano_PU) PES: E depois que você recebe o bilhete, você falou que mostra pros seus pais, que eles ficam bravos, que às vezes põem de castigo, o que você faz depois que isso acontece? ALUNO 3: Eu tento melhorar. PES: Tenta melhorar? E por que você tenta melhorar? ALUNO 3: Pra não receber outro. Conforme foi possível perceber na fala dos alunos de todas as séries investigadas, em momento algum demonstravam compreender as implicações de suas atitudes ou a necessidade de mudar seu comportamento, sendo levados à obediência submissa por medo de serem novamente punidos. Identificou-se que o importante para os educadores em geral é que consigam disciplinar esses sujeitos fazendo com que se comportem adequadamente, ou seja, coagindo-os a ficarem quietos, a não fazerem bagunça e a prestarem atenção às aulas.
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Verificou-se que os professores também reconhecem que, mesmo após as intervenções em casa, o mesmo tipo de conflito notificado ocorre novamente. No entanto, como pode ser verificado no trecho da entrevista com a professora do 5º ano_PU, continuam atribuindo suas causas aos problemas e dificuldades dos familiares.
(5º ano_PU) PES: Mas tem uma porcentagem que assina e responde os bilhetes? PROFESSOR 4: Com certeza. A maioria deles. É um ou outro que não. PES: Resolve quando os problemas chegam à família? PROFESSOR 4: Não. Resolve por uma, duas semanas... Quinze dias. Depois volta tudo. PES: Por que você acha que isso acontece? PROFESSOR 4: Eu acho que por ausência da família mesmo. Tanto na vida escolar quanto na própria casa. [...] Parece que, por mais que os pais façam, nunca é suficiente para a escola, que persiste na crença reducionista de que a causa das dificuldades que enfrentam são decorrentes principalmente da “desestruturação” da família. Quando na presença de ameaças, percebeu-se que a mudança de atitude, ainda que temporária, geralmente acontecia para não chegarem a receber o castigo prometido. Além disso, é comum os pais fazerem uso de promessas que não são cumpridas, o que deixa a desejar quanto a sua „eficácia‟. À medida que as crianças e os adolescentes vão percebendo que elas nem sempre são colocadas em prática, passam a não legitimá-las, arriscando-se a manter o mau comportamento, pois acreditam que não serão cumpridas, como podemos ver no exemplo a seguir, em que a mãe demonstra sua preocupação em ter feito uma ameaça que não deu o resultado esperado, sentindo-se responsável em cumprir o que prometeu. (8º ano_PA) MÃE 13: Tirou no boletim uma nota péssima. PES: E agora? MÃE 13: A viagem de formatura também vai sair (acontecer). [...] Viagem de final de ano. Formatura. O meu trato foi: “Eu vou fechar a viagem. Se o seu boletim estiver feio, você não viaja”. Ela sabe disso, do dia que eu fechei a viagem. Então infelizmente, porque nem é isso que a gente quer, como pai e como mãe. A gente quer dar tudo, né? Eu vou ter que tirar a viagem se ela tiver mal na escola.
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Para os pais, suas atitudes são educativas, levando os filhos a se comportarem adequadamente. No entanto, mesmo desconhecendo os efeitos do uso desses mecanismos para o desenvolvimento, reconhecem que certas soluções são temporárias. Acredita-se que julgam como desobediência quando voltam a agir de maneira indesejada, não fazendo ideia que tal resultado é influenciado, de certa forma, pelas próprias intervenções que empregaram. Outra questão é que muitos afirmavam que, com o tempo, depois de aplicarem várias sanções, os comportamentos começavam a melhorar, demonstrando que fizeram efeito. É possível compreender que as crianças e os adolescentes aprendem a cumprir determinadas exigências somente quando na presença da autoridade ou das chantagens, das ameaças, das punições, não havendo a tomada de consciência de qual a necessidade de obedecer. Não duvidamos de que “funcionem”, uma vez que essas estratégias “resolvem” muitos dos problemas num curto espaço de tempo, mesmo que temporariamente. Reiteramos que a preocupação dos pais e professores parece visar somente a mudança de comportamento e a obediência. Eis o fato: A escola não faz. A família também não. E a questão: Como será possível o desenvolvimento da autorregulação e da tomada de consciência desses sujeitos? Constatou-se, por meio das conversas com alguns alunos, que tais mudanças não são tão simples. Como dissemos, muitos confirmavam o medo de levar outro bilhete ou nova punição quando chegassem em casa, no entanto, era difícil para eles mudarem as condutas. Além disso, 21,5% dos discentes afirmaram que tentavam mudar, mas que só conseguiam por algum tempo e depois voltavam a fazer de novo, o que corrobora a opinião de 53,4% dos pais. Todavia, verificou-se que o motivo pelo qual eram movidos continuava sendo externo. No primeiro exemplo, vemos que a criança volta a conversar e a professora usa um novo bilhete como ameaça para que fique quieta. No segundo, o adolescente reconhece que volta a bagunçar:
(5º ano_PU) PES: Depois que você recebe um bilhete, mostra para seus pais e acontecem essas coisas que me contou, o que você faz quando vai pra escola de novo? ALUNO 4: O que que eu faço? Eu fico assim... eu fico quieta pra não levá outro bilhete... PES: Quando volta pra escola fica quieta pra não levar outro bilhete... ALUNO 4: Ahn-han, ou de vez em quando, eu converso [...] só que aí a minha professora percebe, daí de novo ela briga comigo e fala: “RAF você tá querendo levar outro bilhete, não tá?” Eu falo: “Não, professora”. Aí eu fico quieta.
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(8º ano_PU) PES: Depois que você levou o bilhete, mostrou pra ela e ficou de castigo, o que você faz? ALUNO 7: Ah, não faço tanta que nem eu fazia antes (bagunça). PES: Não faz tanta? ALUNO 7: É. PES: E você continua fazendo como? ALUNO 7: Ah não muita, muita, muita... Um pouco a gente sempre faz. A seguir, destacam-se trechos dos protocolos de entrevistas com familiares que confirmam a reincidência dos comportamentos indesejados apesar das punições e ameaças. (5º ano_PU) PES: Você falou que um dos problemas que ele tinha bastante na escola era a questão de não querer fazer a tarefa de casa. Você disse que, se vinha um comunicado falando sobre isso, vocês castigavam. E depois o que acontecia? Voltava a acontecer ou não? MÃE 10: Então, ele ficava umas duas semanas, uma semana e meia, bem. Fazia lição que era uma beleza. Aí depois começava tudo de novo. (8º ano_PA) PES: Que tipo de castigo que você costuma usar com ele? MÃE 12: Ah, não sair no condomínio, cortar televisão e internet. Essas coisas assim. Não ir no shopping no final de semana. PES: E qual o resultado depois disso? Qual que é a atitude dele? MÃE 12: Eu não tenho resultado com o RAF. Não tenho. Eu não consigo ter. Esse negócio de não ir no shopping por não fazer tarefa, já tem oito semanas que ele não vai no shopping e continua sem fazer tarefa. Conforme crescem, as medidas punitivas e as cobranças da escola aumentam, havendo uma sequência de sanções aplicadas, conforme as atitudes inadequadas sejam reincidentes, o que afirmaram 5,7% dos estudantes do 8º ano_PA. Os adolescentes nos explicaram que procuram não repetir certos comportamentos, pois as advertências vão piorando. Verificou-se também que não se discute com eles a importância de uma mudança, a necessidade de determinadas regras ou mesmo analisar os pontos de vista de forma que questionem as normas e os mecanismos da escola. Essa postura leva-os a “calcular os riscos” e tentarem agir sem serem descobertos. Percebeu-se, na conversa com alguns dos alunos, que também ponderam quando correm o risco de chegar à suspensão por ser a punição de grau mais elevado da escola, gerando ainda outras implicações mais severas com os familiares.
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Lembramos que essa prática acontecia somente na escola particular onde a estrutura organizada favorecia o controle dos estudantes. Na outra instituição, as punições também estavam presentes, mas de maneira mais informal, sem tantos registros e supervisão. Um fator que difere nas medidas dessa última é que, dependendo da gravidade dos casos, cada vez com mais frequência acionam o Conselho Tutelar para intervir nas providências. Para Konzen (2010) “tem singular relevância a atenção do Conselho Tutelar para com o Direito à Educação da criança e do adolescente, especialmente o direito à educação escolar e, ainda mais precisamente, o direito ao Ensino Fundamental”. Segundo o procurador de justiça do Rio Grande do Sul, indivíduos nessa fase sem matrícula ou excluídos da escola, sem frequência regular ou sem aproveitamento adequado, com condutas inadequadas no estabelecimento de ensino, com sintomas de maustratos, apresentam-se em situação de proteção especial, o que justifica a atuação do agente tutelar visando à permanência e o sucesso escolar. Todavia, parece-nos que a presença desses profissionais vem sendo cada vez mais constante, sendo terceirizados muitos dos problemas que caberiam à própria escola resolver, inclusive os que tratam de conflitos. É possível perceber que os educadores responsabilizam as famílias por muitos dos problemas que ocorrem em seu espaço, delegando-lhes a responsabilidade pelas soluções, mas, como alegam não alcançar os resultados esperados, passam a recorrer aos Conselhos Tutelares, novamente se eximindo de suas tarefas e buscando por formas mais eficientes de controlar não somente os alunos como seus familiares. No Relatório de Monitoramento Global Superando Desigualdades: porque a governança é importante, organizado pela Unesco (2009), destacou-se que a maioria das aulas eram pouco interessantes e parecia não haver preocupação por parte dos professores em relação ao planejamento, baseando a didática quase que exclusivamente no uso do livro didático. A monotonia tomava conta desses momentos, levando ao tédio e à falta de estímulos dos estudantes, que passavam boa parte do tempo fazendo cópia da lousa. Segundo consta no documento, isso não é dar aula e está distante do que realmente é educar, tornando-se necessária a emergência de uma autoanálise por parte do sistema educativo. Parece-nos que mais do que transferir os problemas que ocorrem em seu espaço e que são de sua responsabilidade, a escola precisa urgentemente conscientizar-se de seu papel e compreender a necessidade de uma reestruturação não apenas no que diz respeito às relações interpessoais, mas em seu trabalho de um modo geral, como rever a forma como o conhecimento é trabalhado em sala de aula, a práxis
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do professor, a maneira como as regras são estabelecidas e cobradas, o processo de avaliação, a comunicação com as famílias etc. Por último, gostaríamos de discutir algumas reflexões a respeito das formas de comunicação utilizadas e a influência na relação familiar. Destacou-se que, dificilmente, o trabalho da escola e da família favorece que os alunos percebam sua responsabilidade diante dos problemas nos quais estão envolvidos, muito menos na busca por soluções justas e equilibradas. Ao contrário, promovem a submissão em detrimento da criticidade por meio do excesso de regras, muitas vezes desnecessárias, e dos mecanismos coercitivos. Isso acontece devido ao fato de que perpassa na perspectiva do pai e do professor a concepção de disciplina vista como obediência, em que o aluno não pode ser questionador, deve ficar quieto, falando quando solicitado e cumprindo as regras. Acreditam que os conflitos são condenáveis e devem ser evitados o máximo possível, cabendo aos estudantes o bom comportamento, enquanto que aos pais consta o papel de ajudar nesse processo disciplinar. Dessa forma, todos os mecanismos utilizados, seja em casa ou na escola, de acordo com essa concepção, almejam o estudante “obediente” e “comportado”. Portanto, a intenção de que a comunicação seja eficiente tem como objetivo mantê-los informados para garantir a ordem considerada necessária à aprendizagem e ao andamento da rotina escolar. Além disso, na instituição privada, há uma preocupação em satisfazer o “cliente” isentando-se de problemas futuros uma vez que os pais vão sendo notificados no decorrer dos fatos. Verificou-se que cada vez mais o aluno se distancia dessas informações, principalmente quando crescem. Tendo como justificativa a questão de que a partir do nível II, geralmente, não entregam os bilhetes escritos, dificultando a comunicação com as famílias, as escolas buscam constantemente por instrumentos mais eficazes que não tenham o adolescente como interlocutor, como o uso da internet e de telefonemas. Entretanto, como discutido anteriormente, a eficácia da disponibilização das informações no meio virtual só será alcançada se o pai acessar os dados de seu filho. Caso contrário, a escola acredita ter feito a sua parte, tendo como justificar que os problemas com o estudante foram informados anteriormente, cabendo aos pais a responsabilidade pelas implicações geradas. Na perspectiva construtivista, o sujeito tem um papel ativo na resolução dos conflitos em que se envolve, cabendo-lhe participar das discussões que possibilitem que veja o problema por diferentes perspectivas, analise as implicações e pense nas soluções mais adequadas para todos.
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Acreditamos que, guardando as devidas proporções de idade e natureza do ocorrido, deveria ter a oportunidade de relatar os fatos aos pais se assim desejasse. O papel do professor seria de ajudar a organizar suas ideias e a planejar como contaria a seus responsáveis. Outro ponto que merece atenção é que os conflitos que ocorrem também podem servir para a aprendizagem do próprio professor, uma vez que o mau comportamento de seus alunos pode ser um sinal de que algo precisa mudar, como por exemplo, repensar se no contexto, determinada regra é desnecessária e incoerente, ou se a didática em sala está desinteressante. Haverá a possibilidade de se questionar: Até que ponto o excesso de conversas pode indicar que minha aula está desinteressante? Será que a dependência dos pequenos não é pelo fato de que resolvo todos os seus problemas? Por que essa regra não é cumprida pela maioria dos estudantes? Será que é realmente necessária? Como foi elaborada? O educador poderá refletir sobre seu trabalho em sala de aula, sua didática, a relação estabelecida com os estudantes, se as regras impostas não estão favorecendo a indisciplina, tendo assim a oportunidade de rever sua práxis pedagógica. Contudo, não estamos dizendo que as famílias não devem ser informadas do que acontece na escola. É necessário que o educador tenha clareza de seus objetivos ao compartilhar um fato, que reflita sobre como deve fazer, em que momento, se foram tentadas outras maneiras de lidar com o problema, se o aluno foi envolvido, considerar as características da família etc. Parece-nos evidente a importância de repensarmos maneiras para que o processo de comunicação favoreça a parceria presente no discurso de ambas as instituições, não excluindo o principal envolvido – o estudante. Nesse sentido, perceberam-se algumas tentativas de professores das crianças menores de que estas contassem aos pais o que aconteceu na escola. No entanto, a postura dos adultos nem sempre favorece que estas se sintam dignas de confiança, pois mesmo que relatem os fatos, alguns responsáveis mandavam bilhete ou ligavam para confirmar a veracidade dos fatos. Assim, nos parece que para elas ficava uma mensagem de que não eram dignas de confiança. Contavam porque sabiam que se não o fizessem os pais seriam informados de outro jeito e a situação se complicaria. Parece-nos que os adultos acreditam ter o direito de saber tudo que se passa com a criança e em função disto, às vezes fazem invasões indevidas, não compreendendo que ela tem o direito de não compartilhar alguns dos fatos que tenha vivenciado. Segundo explica La Taille (1998, p. 124), a criança deve ter a oportunidade de construir um limite que deverá ficar o máximo possível sob seu controle, que chamou como “fronteira da intimidade”. Quando se
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obriga alguém a contar tudo o que lhe acontece e a mostrar o que é seu sem que deseje, pode-se dizer que essa fronteira está sendo destruída, não prevalecendo a autonomia para decidir o que quer ou não expor aos demais. Com a construção da fronteira da intimidade no início da adolescência, o jovem compreende que os pais não têm o direito de saber sobre tudo, que podem ter “áreas secretas” ou segredos, sem se sentirem culpados por isto. É fato que, conforme ficavam mais velhos, relatavam cada vez menos sobre as ocorrências em que se envolviam, desestimulando o uso de bilhetes como forma de notificar as famílias. Dessa forma, como apontado anteriormente, a escola precisa buscar “formas mais eficazes” de a informação chegar aos pais e que, não “passem” pelo aluno para não ser desviada. Constatou-se que, geralmente, os familiares entrevistados validavam as informações que recebiam e consideravam positivo o uso desses variados meios de comunicação, pois enquanto estavam em casa ou no trabalho não tinham como tomar ciência do que acontecia na escola, como vemos nos trechos a seguir. (8º ano_PU) PES: Existe alguma outra maneira que eles usam para informar a família ou é só por telefone? MÃE 3: Só por telefone, eles me chamam, né? PES: E o que a senhora acha disso? MÃE 3: Ah, eu acho que se o aluno está dando problema, eu acho que tem mais é que avisar, né? Porque senão você não fica sabendo. Como é que você vai, se eles não avisam tudo, como é que você vai saber que a criança está fazendo coisa errada? (8º ano_PA) PES: E o que você acha dessa forma de se comunicar com você pra passar esses problemas? MÃE 12: Eu acho muito bom, porque eu consigo ter uma verificação diária. E como ele é um menino mais rebelde, ele não tem muita responsabilidade, então eu acompanho isso de uma maneira melhor. Se não tivesse o portal, eu não ia ficar sabendo. Ou então eu ia demorar a ficar sabendo. Nenhum pai questionou o fato de nem sempre o filho saber o que era inserido a seu respeito no portal e nem de não ter acesso ao mesmo. Pareceu-nos que a forma como a comunicação era estabelecida com as famílias funcionava como mecanismos de delação, garantindo que se o filho não relatasse em casa o que fez de errado na escola, a informação
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chegaria de qualquer jeito. Algumas mães chegaram a afirmar que se não fossem avisadas não teriam como ficar sabendo do que acontecia com os filhos na escola, confirmando a exclusão dos estudantes do processo de comunicação sobre os fatos que vivenciam na rotina escolar. Mesmo assim, quando a criança contava um fato, sua veracidade poderia ser conferida na internet, por telefonema ou pelo bilhete. Quando esses dados foram comparados de acordo com a instituição a que pertenciam, no que se refere à mudança de comportamento após a comunicação e as intervenções em casa, 34,6% dos alunos da particular afirmam passar a obedecer. Essa porcentagem aumenta um pouco em relação à outra escola (43,2%), talvez em função do medo das punições físicas que sofrem. Quanto à reincidência das atitudes mesmo depois desse processo, 17,2% dos estudantes da primeira dizem ter repetido o comportamento inadequado, o que acontece somente uma vez na pública (4,3%). Sendo assim, evidencia-se que todas as famílias, independente da situação econômica, legitimavam as informações enviadas pelos professores e assumiam que deveriam tomar alguma providência, o que constantemente levava às desavenças no espaço doméstico. Em relação à mudança de postura após os castigos recebidos, constatou-se que nas turmas do nível I, 11,4% dos alunos tentavam obedecer por medo de levar outro bilhete ou de serem castigados novamente em casa (14,2%). Entre os mais velhos, 8,5% mudavam de postura por conhecerem as medidas punitivas da escola, sendo assim, calculavam o risco para não chegarem a levar uma suspensão (PA) ou de os pais serem chamados na escola via telefonema (PU). Aproximadamente 7% dos estudantes de cada série diziam tentar não voltar a se comportar da maneira „incorreta‟, mas assumiam que acabavam fazendo novamente.
3.8.3 A utilidade dos bilhetes
Ao conversarmos com professores, identificamos em seu discurso que, ao comunicarem as famílias, têm como objetivo que se envolvam na vida escolar dos estudantes, esperando que acompanhem as tarefas e o material para demonstrar seu interesse. No entanto, acredita-se que sua real preocupação é a manutenção da ordem e o bom comportamento, pois mesmo tendo consciência de que muitos pais usam castigos e punições físicas, ainda assim enviam os bilhetes, como demonstrado no trecho da entrevista com a professora do 2º ano_PU.
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PES: E o que geralmente acontece com as crianças quando elas levam esses bilhetes? Você tem conhecimento disso? O que esses pais fazem? PROFESSOR 2: Olha, na grande maioria das vezes eles colocam de castigo. PES: Que tipo de castigo? Você tem conhecimento? PROFESSOR 2: Tenho. Eles tiram computador, não deixam descer pra brincar no parquinho, não deixam brincar de videogame. Geralmente são esses os três mais assim que eles comentam que fazem, é isso. PES: E você acha que isso tem resolvido os problemas que acontecem? PROFESSOR 2: Não. É fato que geralmente os educadores declaram ter ciência dos mecanismos utilizados pelas famílias quando recebem um bilhete. Para alguns só a “conversa” não basta, outros criticam o uso de sanções físicas, justificando que esta não era a intenção quando comunicavam um fato à família; ou ainda, há aqueles que reconhecem que a retirada do que seus alunos gostam levava a resultados temporários. Novamente parece que a escola não está satisfeita com a participação dos familiares. Deixamos uma pergunta para reflexão: O que os docentes acreditam que deve ser feito, então? O relato da coordenadora da escola pública também demonstra que a estratégia de enviar bilhetes como forma de comunicação com as famílias acaba se tornando um mecanismo de coação. Após ser colocado para fora da aula e ser encaminhado para essa profissional, o aluno já conhece os procedimentos e sabe que a ocorrência será informada à família. Prevendo as implicações ao chegar em casa, não raro implora que o bilhete não seja enviado. Entretanto, mesmo quando lhe é dada uma chance, fica a promessa de que numa nova incidência tal fato será informado, tornando-se uma forma de coagi-lo a manter o “bom comportamento”.
COORDENADORA 2: Porque eu sei da agressividade que o pai tem contra a criança, então eu tento „convencer‟ a criança a não cometer aqueles delitos, numa boa, sem eu participar pros pais, e muitas vezes deu certo, porque ele tem medo do pai e da mãe. Tem criança que se falar no pai, eles tremem na base, eles choram, pedem por favor, prometem... Teve uma criança um dia que ajoelhou pra mim dizendo pra eu não mandar. A gente tem que respeitar isso da criança confiar e ver até que ponto que ela vai também nos obedecer, porque se é uma criança que fala, promete, chora, tudo e daqui a pouco você virou as costas [...] tá fazendo, daí não tem como, né? Daí você é obrigada (a mandar o bilhete).
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Como fica evidente, o objetivo é somente conseguir a obediência por meio do medo. Qual a análise que a escola poderia fazer de tal situação? Sabendo dos problemas gerados pelas comunicações que envia, pode ser considerada como omissa ou como corresponsável das atitudes das famílias? Será que quando não assume seu papel, consequentemente, estará contribuindo para piorar o próprio comportamento que gostaria de mudar no aluno? Inúmeras outras questões poderiam surgir a partir dessas constatações. O fato é que a escola terceiriza os conflitos para a família supondo que vai resolvê-los ou como forma velada de controle. Os pais podem usar de procedimentos punitivos e vexatórios, o que os professores não podem, portanto, por terem consciência desse fato, diante da infração de um aluno, utilizam esse “poder” para fazer com que este se submeta aos ditames da escola. Contudo, acaba contribuindo para situações problemáticas nos lares, interferindo no desenvolvimento desses sujeitos. O uso dos bilhetes, de fato, parece ser intencional, pois o professor espera que o problema seja resolvido em casa, porque não o consegue fazer na escola. Esperam que o comportamento indesejado mude, não importando de que forma isto aconteça. Em síntese, apesar de lamentar as atitudes inadequadas, a escola demonstra ser conivente com o que os familiares fazem, podendo ser, portanto, corresponsável por esses desfechos. A veracidade de tal fato também pode ser constatada nas queixas dos professores de que comunicam os familiares, mas que não fazem „nada‟, principalmente os responsáveis pelos alunos considerados mais indisciplinados, como relatado pela professora do 5º ano_PU. PES: Como é que a família tem reagido a essas informações que você envia? PROFESSOR 4: Eles são muito ausentes né? Totalmente ausente. É um ou outro. Geralmente as crianças que são arteiras, são as que os pais são distantes, tanto da vida na escola quanto da própria criança. Então na maioria você percebe que não tá nem aí, nem liga. Geralmente a maioria não tá nem aí, ou conversa ou finge que conversa com o filho, mas continua a mesma coisa. Então geralmente a gente tem que se virar aqui mesmo dentro da sala. O julgamento que os professores geralmente fazem a respeito dos pais nos leva a concluir que no fundo, realmente esperam que “tomem providências” em suas casas e que somente “conversar” não é visto como suficiente para os educandos mudarem de postura. Apesar de julgarem as famílias como “desestruturadas”, delegam conscientemente os problemas que
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ocorrem no espaço escolar para que elas resolvam, como pode ser observado nos trechos das entrevistas com outros professores.
(2º ano_PU) PES: Você acha que os castigos têm resolvido os problemas que acontecem? PROFESSOR 2: Não. PES: Por quê? PROFESSOR 2: Porque eu acho que o problema tá além, é regra. É falta de rotina dentro de casa, os pais não têm uma rotina adequada, não dispõem de tempo pra ouvir eles, pra dar atenção, pra se dedicar aos filhos. Então acho que isso não, o castigo não vai resolver porque é aquilo ali. Mas é aquela coisa de todo dia você se envolver com seu filho, de você chegar em casa, querer saber o que aconteceu na escola, o que ele fez, olhar o caderno, sentar do lado, fazer uma tarefa. A criança sente que esse pai, que essa mãe é presente na vida dele, que ela tá realmente preocupada. (8º ano_PU) PES: Você falou de ter que tomar as medidas disciplinares. Como é que vocês lidam com esses conflitos que acontecem? PROFESSOR 6: Olha, eu vou ser bem sincero. Eu falo por mim [...], a gente sabe que alguns professores tomam umas medidas, outros não. Mas eu, por exemplo, sempre falo pro aluno a questão do respeito, de respeitar o companheiro e também se respeitar, e chamo a atenção mesmo. Porque às vezes falta pai, falta mãe mais presente em casa, entendeu? Às vezes o pai trabalha muito, a mãe trabalha muito, às vezes são pais separados, tudo influi. Às vezes a escola acaba virando um depósito, o aluno vem pra cá e se vira. É notório que cada vez mais a escola garante que os responsáveis recebam as informações sobre a vida escolar do estudante, o que é por eles legitimado. Fica evidente que mesmo conscientes das consequências, os docentes continuam usando os bilhetes ou outras formas de comunicação como mecanismos de controle. Além disso, verificou-se que os bilhetes enviados levavam ao desgaste nas relações familiares, não favorecendo a confiança e o respeito. A utilização dos mecanismos de coação, como punições e castigos, reforçavam a tendência a heteronomia dos estudantes, em casa e na escola. Dessa forma, tais posturas dificultavam as possibilidades de desenvolvimento da autonomia. No encerramento das entrevistas foi perguntado aos familiares: “Que tipo de pessoa espera que seu filho se torne?” Evidentemente que todos desejam o que há de melhor para o
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futuro das crianças e dos jovens pelos quais são responsáveis. Alguns fizeram referência a virtudes e valores que esperam que tenham ao se tornarem “homens de bem”, como destacado nos trechos a seguir. (2º ano_PA) PAI 5: Eu espero que ele seja [...] transparente em primeiro lugar, uma pessoa honesta, como homem e alguém que pense em ajudar a outra pessoa. Então eu estou criando alguém, hoje, dando educação pra que no futuro ele acabe respeitando e pensando num futuro melhor pros outros... E pra ele e pros outros também. (5º ano_PU) MÃE 10: Uma pessoa honesta, uma pessoa de bem, sabe. Que não se meta em enrascada, não se meta em droga, essas coisas. É o que a gente sempre espera, que a criança cresça com aquela consciência do que é certo e o que é errado. (8º ano_PA) MÃE 13: Eu espero que ela seja, antes de tudo, uma pessoa honesta. Muito de boa índole. Uma pessoa responsável, comprometida com as coisas. Outros pais fizeram referência ao desejo de que sejam bem sucedidos profissionalmente, destacando em alguns momentos a necessidade de serem pessoas batalhadoras para alcançar o sucesso. A seguir o excerto de algumas entrevistas. (8º ano_PU) MÃE 7: Ah, fazer uma faculdade, trabalhar, comprar as coisas deles, né? Igual o meu mais velho. Trabalha desde os 13 anos. Tem que ser assim se quiser as coisas vai ter que lutar. Eu não tive nada fácil. (8º ano_PA) MÃE 14: Ah, eu gostaria que ele fosse um empresário, maravilhoso, porque ele tem esse potencial de futuro, entendeu? A gente assim, quando conversa com ele, vê que tem essa sensibilidade... Ao mesmo tempo que é muito rápido no raciocínio tem esse lado emocional. Porque às vezes não adianta você ser só razão ou ser só emocional. Destacou-se ainda que, para alguns dos responsáveis, seja como for, desejam a felicidade de seus filhos, seguindo o caminho que escolherem, como exposto nos trechos de protocolos das entrevistas.
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(2º ano_PA) MÃE 6: Feliz. Em todos os aspectos, independente da escolha que ele fizer de profissão, uma pessoa feliz. (2º ano_PA) MÃE 11: Quero que ele seja uma ótima pessoa, né? Que ele continue como ele é. Se dá bem com todo mundo. [...] Que ele seja assim, trate bem os outros. [...] Então, que ele seja bom, procure ser bom pras pessoas. Procure ser feliz, porque ser feliz é o mais importante. Como pode ser percebido na fala desses pais, nenhum deles espera a infelicidade dos filhos, no entanto, as discussões realizadas até então levam a crer que suas atitudes não favorecem o desenvolvimento, seja intelectual ou moral. Conforme García e Puig (2010) “é preciso reconhecer o desejo que todos os pais têm de que os filhos tenham sucesso na vida. Partir desse pressuposto pode ajudar a reduzir a desconfiança de algumas famílias nos encontros com os professores” (p.139). Todavia, constata-se que existe certa incoerência entre seus objetivos e a maneira como educam as crianças e os adolescentes. Como vimos, almejam o sucesso profissional e pessoal desses sujeitos, que construam valores e virtudes para se tornarem pessoas virtuosas. Será que isso é viável crescendo em ambientes coercitivos em que preponderam os sermões e as sanções expiatórias, como castigos e agressão física? Como esse desenvolvimento será possível se os filhos são levados a assumirem posturas submissas e acríticas diante dos conflitos? Não estamos aqui culpando as famílias por tal desencontro, muito pelo contrário, pretendemos mostrar a importância de novas reflexões a respeito do assunto e a necessidade de trabalharmos na orientação dos pais de nossos alunos. Tarefa que cabe aos educadores, especialistas em educação, contribuindo para uma verdadeira parceria.
3.8.4 Parceria na visão dos educadores
Com o intuito de complementar o que foi discutido anteriormente, serão destacadas algumas ideias dos professores a respeito da parceria entre escola e família. No discurso dos educadores entrevistados, constatou-se que julgam fundamental para o desenvolvimento do aluno que mantenham uma relação saudável com seus pais, como afirma a professora do 2º ano_PA.
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(2º ano_PA) PROFESSORA 1: Essa parceria é fundamental, acho que essa troca entre família e escola deve acontecer sempre, é o que a gente busca fazer aqui. No entanto, foi possível constatar, no julgamento de alguns profissionais, queixas a respeito da dificuldade que têm para manter essa pareceria devido à postura dos próprios pais, o que diverge dos dados encontrados nas entrevistas com os familiares apresentados anteriormente. A seguir, destacam-se trechos em que os educadores reclamam da pouca participação dos responsáveis e do fato de que estes delegam toda a responsabilidade pelo aluno para a escola. (2º ano_PA) PROFESSORA 1: Acho que tem até pais assim que confundem um pouquinho a questão da parceria, acho que delega muito pra escola. Então tudo que acontece é em função da escola. (5º ano_PA) PROFESSORA 3: A educação não é só da escola. Se a família não tem um meio de comunicação com a escola, e a escola também não tem com a família, você perde. Você perde a qualidade, você perde na educação. Apesar de muitas famílias delegarem hoje em dia pra escola, você não constrói nada sozinho. Verificou-se, no quadro teórico, que na década de 70 surgiram estudos apontando como causas do fracasso escolar o grupo cultural em que a criança estava inserida, principalmente a falta de qualidade no acompanhamento de seus familiares. Muito tempo se passou e ainda encontra-se presente na fala dos educadores que a culpa pelo insucesso na aprendizagem dos estudantes se deve ao fato de não poderem contar com ajuda desejável em casa. Para muitos, o trabalho na escola só terá êxito se os pais desempenharem satisfatoriamente as responsabilidades que lhes são atribuídas. (2º ano_PU) PROFESSORA 2: Eles não entendem que às vezes o nosso trabalho depende muito do deles. Porque não adianta nada eu ficar ali na sala de aula falando, explicando, se chegar em casa essa criança não tiver o apoio dos pais. Dificulta muito a aprendizagem, eles demoram muito mais pra aprender. Às vezes eu vejo que a criança que às vezes não tem condições nenhuma sabe, financeira, mas ela tem os pais presentes, sabe aqueles pais assim que você chama eles estão aqui, te ouvem, te agradecem. Aí você percebe que aquela criança acaba se desenvolvendo melhor, porque
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ela sente isso. Ela sente que o pai gosta da professora, que o pai se preocupa com ela, então acaba sendo melhor. (2º e 5º ano_PU) COORDENADORA 1: A criança, ela tem essa evolução dentro da escola com essa parceria da família em casa. A criança que ela vai bem na escola, que elas têm o seu desempenho normal, vamos dizer que tá sempre evoluindo não tem problema nenhum, é por quê? Porque ela tem um apoio em casa, ela tem uma família que olha por ela, que se preocupa, e esses casos nossos assim que são os problemáticos, são aqueles que a gente sabe o histórico em casa, não tem a família presente de forma nenhuma. Seria bem mais simples se a solução dos problemas dos quais se queixam os professores dependesse somente dos pais estarem mais presentes na vida escolar de seus alunos, como acreditam. Tal crença acaba por promover uma ideia errônea a respeito da possível parceria com as famílias. Os profissionais esperam que os responsáveis acompanhem o desempenho do estudante em casa, principalmente garantindo que façam suas tarefas adequadamente e que as famílias sejam estruturadas de acordo com um modelo considerado favorável. Sendo a parceria compreendida como uma reunião de pessoas com um interesse em comum, como discutido no quadro teórico da presente pesquisa, não pode basear-se na terceirização das responsabilidades que cabem a cada instituição. Assim como a intenção não era de julgar as intervenções dos pais, também não se pretende culpar a escola por possíveis incoerências entre seu discurso a respeito da relevância de uma parceria com a família e as ações utilizadas no seu cotidiano. O foco desta reflexão está no fato de que, na prática, os educadores de um modo geral também parecem seguir no sentido oposto aos objetivos a que se propõem, gerando a necessidade de buscar compreender o que faz parte de seu papel e dos responsáveis. Só depois de ter consciência do que cabe a cada instituição deverá reavaliar a finalidade da parceria com os pais de seus alunos bem como as estratégias utilizadas para manter uma relação coerente e eficaz. Outra questão a ser considerada é que não há um único tipo de família, baseado no modelo nuclear burguês. Acredita-se também que muitas dessas dificuldades vivenciadas pelos professores se encontram no fato de que pautam suas ações nessa
estrutura
familiar
como
se
fosse
única,
desconsiderando
as
mudanças
da
contemporaneidade. Dessa forma, concordamos com a importância do reconhecimento e da legitimação do papel da cada uma dessas instituições educativas, no entanto, como discutido em
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outros momentos, é indispensável considerar também a função do aluno, principal sujeito beneficiado com o aprimoramento e o sucesso da relação.
Em síntese, os dados referentes às entrevistas apontaram que...
- ao tomarem medidas quando recebem uma comunicação, os pais demonstram legitimar as informações enviadas pelos professores. - bilhetes resultam em desavenças no meio familiar, como discussões, censuras, ameaças e no uso de sanções expiatórias como castigos e agressão física. - o uso de agressão física predominou no nível I da pública, onde foram identificadas punições consideradas humilhantes, exageradas e abusivas. - as conversas, às vezes, se transformam em sermões nos quais só o adulto fala, cabendo ao aluno um papel passivo. - em ambas as instituições predominaram os castigos em que os pais retiravam algo que os filhos gostassem. - em nenhum momento foi identificado o uso de diálogos construtivos como intervenção. - entre os sentimentos dos alunos, quando recebem um bilhete, predominaram o medo e a tristeza. - a maioria dos estudantes afirmava mudar de postura depois das intervenções, mas nem metade dos pais concordava que houve uma mudança. - crianças modificavam sua postura por medo de receber um novo bilhete ou outra punição ao chegarem em casa. - alunos, pais e professores reconhecem a reincidência dos comportamentos após as intervenções. - professores acreditavam que alguns pais não faziam nada para auxiliar o trabalho na escola, porém diverge do encontrado. - pais demonstravam legitimar as informações enviadas pela escola, o que não era percebido pelos professores, uma vez que continuavam as queixas a respeito da “desestrutura” familiar. - o uso dos bilhetes era intencional, pois professores esperavam que os pais resolvessem os problemas informados de acordo com os recursos educativos que dispunham. - a escola pode ser considerada como corresponsável pelas implicações dos bilhetes nas relações familiares.
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- as intervenções da escola e da família não promoviam reflexão, descentração e tomada de consciência, necessárias para o desenvolvimento da autonomia moral.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS O que encontramos e onde se pode chegar... ―Existe ao contrário uma maneira de infundir confiança ao invés de castigar, recorrendo à reciprocidade mais que à autoridade, que favorece, mais que qualquer imposição ou qualquer disciplina exterior, o desenvolvimento da personalidade moral.‖ (PIAGET, 1948/1973, p 71) Algumas experiências enquanto coordenadora e a queixa constante de alguns colegas de que os pais que mais precisavam participar da vida escolar dos filhos não assinavam nem os bilhetes enviados, tornaram-se razões para a realização deste estudo. Para isso, iniciamos traçando como objetivo geral a intenção de analisar, à luz da teoria construtivista, os conteúdos e as implicações dos bilhetes enviados pela escola à família. Os objetivos específicos foram: caracterizar a estrutura dos bilhetes enviados aos pais para informar as ocorrências no espaço escolar; verificar as semelhanças e as diferenças dos conteúdos e da estrutura presentes nos „bilhetes‟ enviados aos pais de alunos do 2º, 5º e 8º anos do Ensino Fundamental e comparar mecanismos de comunicação escrita na escola particular e na pública. Para tanto, analisamos 895 bilhetes reais e virtuais em ambos os níveis do Ensino Fundamental de escola pública e particular. Dos inúmeros resultados encontrados, selecionamos alguns que consideramos mais expressivos. Um dos que merece atenção é o predomínio de mensagens em que os conteúdos abordavam “regras convencionais” ou “conflitos”, em detrimento daqueles que visavam informar sobre “aprendizagem”. É notória a preocupação da escola com que os alunos obedeçam às regras impostas e que as situações conflituosas sejam evitadas, demonstrando que os mecanismos empregados pelos educadores são resultantes de uma concepção tradicional que compreende os conflitos como algo negativo. Diferentemente dessa realidade, a perspectiva adotada neste estudo vê esses problemas que ocorrem naturalmente no espaço escolar como oportunidades de aprendizagem dos alunos. Para que ocorra o desenvolvimento é necessário que os envolvidos pensem a respeito de suas atitudes, reconheçam seus próprios sentimentos e os dos demais sujeitos, troquem pontos de vista a respeito dos fatos procurando coordenar e respeitar as ideias de todos, busquem encontrar soluções justas e equilibradas para resolver os conflitos.
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Para evitar o surgimento desses dissensões, e como forma de manter a disciplina compreendida como obediência, geralmente a escola se vale de um número extenso de “regras convencionais” cuja cobrança foi intensificada à medida que os alunos ficavam mais velhos. As regras precisam ser impostas por não serem legitimadas pelos estudantes uma vez que desconhecem seus princípios e sua real necessidade. Constatou-se também que a preocupação da escola centra-se mais fortemente nesse tipo de regras, dando menor relevância às morais. Destacou-se ainda que normalmente essas normas, assim como as punições previstas para quando são desobedecidas, eram elaboradas pelas autoridades da escola sem a participação dos alunos. Não raro os estudantes, assim como alguns professores, desconhecem as extensas listas de regras e proibições da escola, sendo constantemente cobrados por meio de mecanismos de coação, como censuras e advertências, para que obedeçam. Verificou-se, assim, uma realidade bem distante do oferecimento de um ambiente sociomoral cooperativo em que esses conflitos devem ser discutidos com o próprio sujeito e as regras elaboradas pelo próprio grupo a partir da necessidade que surge das vivências diárias. Um segundo resultado que merece ser mais discutido é o fato de que prevalece o envio de mensagens para comunicar conflitos ocorridos “com a autoridade”. A preocupação com a ordem e a obediência parece ser um dos motivos pelos quais há um considerável número de bilhetes informando “conflitos com a autoridade”. Como vimos, conforme ficam maiores há o aumento da cobrança por posturas esperadas pelos educadores, como prestar atenção na aula, evitar conversas paralelas, realizar prontamente as atividades e as tarefas propostas, obedecer às regras impostas, entre tantos outros comportamentos vistos pelos professores como necessários para o bom aproveitamento acadêmico. Vale ressaltar que parece não haver preocupação semelhante com os conflitos entre os pares, pois, diferentemente do que acontece em relação aos comportamentos descritos acima, esse tipo de problema é tratado pelos educadores como indisciplina, desfavorecendo qualquer reflexão com os alunos sobre a importância de estabelecerem relações respeitosas entre si. A análise dos bilhetes indica que o importante é manter o equilíbrio na sala de aula de forma que nada atrapalhe o trabalho com o conteúdo. Reconhecendo que a interação é indispensável para a cooperação e para as relações de respeito mútuo, acreditamos ser um ponto que merece atenção por parte dos educadores. É preciso que compreendam que as relações estabelecidas entre os pares tornam-se fundamentais
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num ambiente cooperativo uma vez que favorecem a descentração dos próprios pontos de vista, o reconhecimento de si e dos outros como integrantes do grupo, a vivência de situações em que possam construir seus valores, aprender a exercitar o respeito, a justiça, a generosidade. Por tanto, para que haja a interação não basta que as crianças juntem suas carteiras e continuem realizando atividades individuais que não promovem a ação coletiva. Eis outro aspecto a ser considerado em um ambiente sociomoral favorável para o desenvolvimento da autonomia. Um terceiro ponto que destacamos diz respeito aos aspectos identificados na estrutura dos bilhetes redigidos pelos educadores do Ensino Fundamental I. Destacou-se que cada instituição precisa assumir suas responsabilidades, evitando a terceirização dos problemas de uma para a outra. Escola e família precisam tomar ciência de que possuem papéis e funções diferenciadas no processo educativo. Dessa forma, acredita-se que nem tudo precisa ser informado aos pais, e quando for realmente necessário compartilhar uma informação, que se tenha cautela. Muitas vezes, no auge do conflito, o professor pode escrever na agenda ou no caderno do aluno por impulso, perdendo a oportunidade de realizar uma intervenção mais construtiva. Acreditamos que, após a resolução com os envolvidos, boa parte das mensagens remetidas pela escola não precisariam ser enviadas aos pais por tratarem de assuntos que cabem à própria escola resolver, como o fato de uma criança não parar sentada ou conversar demais durante a aula. No entanto, após a realização de um trabalho propício com o estudante, o educador deve refletir a respeito da real necessidade e o objetivo de determinado fato ser informado à família do aluno. Há a urgência de ser ponderado quando uma comunicação é realmente indispensável e como deve ser realizada. Ao ser constatado que é preciso informar algo aos pais, torna-se apropriado também comunicar as providências tomadas e os possíveis acordos feitos, esclarecendo a intenção de realmente informar a respeito do trabalho realizado pela escola. Ao enviar um bilhete compreende-se a importância de o professor pensar sobre o assunto e de que maneira as mensagens serão redigidas. Acredita-se que seus textos devam ser escritos usando-se uma linguagem respeitosa, objetiva e clara. Sendo assim, alertamos sobre a relevância de a estrutura apresentada nas mensagens remetidas aos pais serem alvo de reflexão por parte do professor e demais integrantes da equipe pedagógica.
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Verificamos ainda que a comunicação realizada pela escola não favorece que o estudante desenvolva a consciência necessária para a mudança de postura por meio da autorregulação. O aluno, principal interessado nos conflitos (ou quem, pelo menos, deveria), na maior parte das vezes é excluído do processo de resolução geralmente adotado pelas escolas. A situação pode ser resumida da seguinte maneira: o problema ocorre, o professor registra e informa aos pais que devem auxiliar para que não voltem a acontecer. O que nos parece é que, quando alguma providência é tomada na escola, antecedendo o bilhete, limita-se a ações como a utilização de “conversas” que se resumem principalmente em censuras e sermões e ao uso de castigos e ameaças visando fazer com que o aluno obedeça. Num sentido oposto ao que propõe a perspectiva construtivista, a escola busca manter o controle e a obediência dos estudantes, reforçando seus comportamentos heterônomos. Mesmo construindo projetos político-pedagógicos que esperam a formação de alunos críticos, autônomos, cidadãos conscientes, na prática, o trabalho realizado não favorece que tais objetivos sejam atingidos. O que se verifica é que a escola desconhece a importância de envolver o indivíduo no processo de solução, uma vez que o exclui e o leva a seguir as regras impostas por obediência e conformismo sem a compreensão de sua real necessidade. Chamou a atenção também o fato de que as informações frequentemente são legitimadas pelos familiares gerando implicações desfavoráveis na relação pais e filhos. Além de constantemente o aluno não estar envolvido no processo de resolução de conflitos e de comunicação com seus familiares, é preciso considerar que os responsáveis legitimam os fatos que a escola informa, o que pode ser verificado no fato de que sempre tomam alguma providência após receberem um bilhete. O mesmo acontece em relação aos alunos, pois os pais tomam atitudes que os levem a também legitimar as exigências da escola, como incentivar a “ficarem bonzinhos”, a obedecerem o professor e a não conversarem durante as aulas. Conscientes de que os professores esperam que algo seja feito em casa, buscam resolver os conflitos informados por meio dos recursos de que dispõem, como as “conversas” (sermões e censuras) ou a aplicação de castigos (retirada de algo de que gostem ou punições físicas). No entanto, com o uso dessas sanções expiatórias, o filho é punido, “paga seu débito”, sentindo-se “livre” para cometer novos delitos. A utilização desses procedimentos gera uma mudança de comportamento por motivação extrínseca, que acarreta em uma modificação apenas temporária.
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Mais uma vez, verifica-se que não se promove ao indivíduo a conscientização sobre seus atos e a necessidade de reflexão crítica ou de uma mudança de atitude. Pode-se dizer, contudo, que o modo de a escola lidar com os problemas envolvendo os alunos acaba por culpabilizar os pais e por afastá-los ainda mais do espaço escolar. Recebendo constantemente queixas sobre o comportamento dos filhos, acredita-se que os pais sentem-se culpados por “falharem” na tarefa de educar e ainda por cima, precisam “aguentar o peso” das cobranças feitas pela escola. Constatou-se que muitos dos responsáveis por aqueles alunos considerados indisciplinados, por não saberem mais como lidar com os problemas de que são “informados”, acabam por se afastar ainda mais da escola. Acredita-se ainda que um dos fatores que interferem é que há incoerência entre o modelo de família idealizado pela escola e as diversas configurações familiares da sociedade pós-moderna. Os professores parecem sustentar suas exigências no fato de que ainda exista um modelo nuclear burguês, em que as famílias eram formadas por pai, mãe e filhos. Desconsideram a relevância de rever o trabalho realizado nos domínios da escola, tendo consciência do que é função dos pais e do que cabe à escola. Diante das colocações anteriores, pareceu-nos que a escola pode ser considerada corresponsável pelas implicações decorrentes do envio dos bilhetes e seu impacto nas famílias. Alguns professores que participaram do estudo reconhecem que os responsáveis recorrem a sanções expiatórias, como os castigos físicos, censuras ou outras punições. Entretanto, mesmo assim, enviam os bilhetes de forma intencional realmente esperando que os pais tomem atitudes disciplinares para auxiliar o controle e a obediência dos alunos quando retornarem ao espaço escolar. Assim, pode-se inferir que, se a escola manda bilhetes para casa mesmo sabendo que os pais usam de procedimentos coercitivos, há corresponsabilidade nas implicações domésticas causadas pelas mensagens que envia. A justificativa comumente utilizada para o envio dos bilhetes é manter a família informada do que acontece no espaço escolar. Entretanto, fica evidente que essa prática é aplicada como mais um dos mecanismos de controle e coerção para a manutenção da ordem. Tal ideia pode ser percebida pelo fato de que raramente são comunicadas atitudes positivas e constatou-se inúmeras situações em que o professor não chega a escrever o bilhete, mas ameaça fazê-lo como chantagem para que o aluno lhe obedeça.
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Parceria família-escola ou busca por culpados? Para compreender sua interatuação.
Como vimos no quadro teórico, a ideia de parceria envolve instituições ou indivíduos com objetivos comuns que estabelecem “negociações coletivas com partilha de compromissos e responsabilidades entre si” (FOERSTE, 2005, p. 70). Uma questão fundamental presente na interação entre essas duas instituições educativas é que a escola, de um modo geral, compreende parceria de forma errônea. Pode-se verificar que delega aos pais tarefas de sua responsabilidade agindo de forma reducionista e até equivocada. Em vez de terceirizar os conflitos para as famílias ou culpá-las pela ocorrência das desavenças, os educadores deveriam estar aptos para resolver os problemas que ocorrem nos espaços escolares sem transferir para a outra instituição o que é pertinente às suas funções. Acredita-se que a escola pensa promover a parceria com os pais quando solicita auxílio para resolver problemas de indisciplina, ao pedir ajuda na organização de eventos, quando espera a garantia de que as lições de casa sejam cumpridas e quando comparecem às reuniões. Parecenos que, assim como com os estudantes, não são promovidos espaços onde possa ser vivenciado um diálogo construtivo entre escola e família, a fim de que essa última possa sentir-se pertencente ao processo educativo e respeitada pelos agentes escolares. Por isso, em primeiro lugar, para que a busca por uma interatuação entre essas duas instituições seja bem sucedida, há a relevância de a escola compreender a necessidade de mudar sua concepção a respeito de parceria. Vale destacar, ainda, que as dificuldades que uma encontra ao realizar seu papel, não podem comprometer o desempenho das funções que cabem à outra instituição. Para tanto, faz-se necessário ter clareza de que à família é atribuída a educação no âmbito privado, sendo particular à escola favorecer as relações mantidas no espaço público. Parece-nos que a transformação do espaço escolar não depende da família e vice versa. É indispensável que a escola se conscientize de suas funções buscando refletir frequentemente sobre seus objetivos sem despender de tempo e energia buscando por “culpados” pelas dificuldades encontradas em seu cotidiano apenas extramuros. Posteriormente, faz-se necessário que a escola reflita: O que tem feito para orientar os familiares a lidarem com os conflitos que informam por meio dos bilhetes ou nas reuniões? Não estamos propondo que os pais não sejam avisados, muito menos que ao receber as informações de seus filhos devem fazer tudo o que a escola solicitar. Considerando que “muitas
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vezes a cooperação quer dizer discussão e não acordo” (MENIN, 1996, p. 52), para que se possa estabelecer uma parceria pautada na cooperação, é preciso que essas duas instituições educativas dialoguem a respeito de seu interesse comum: a educação de nossas crianças e adolescentes. Mesmo que não estejam em acordo quanto a determinado aspecto, pais e profissionais da escola devem ter espaços para colocarem seus argumentos, defenderem seus pontos de vista bem como conhecer os dos demais envolvidos, refletir sobre suas atitudes, assim como ponderar possíveis soluções e ações conjuntas. Dessa forma, acreditamos ser possível que a escola se torne um ambiente mais acolhedor favorecendo relações mais amistosas e respeitosas, ao invés de promover a ideia de que pais e professores são adversários no processo educativo. No percurso da coleta de dados algumas limitações foram encontradas na realização de nosso estudo. A primeira delas se deve ao fato da escassez de outras pesquisas sobre o tema comunicação entre escola e família, em especial a respeito do uso de bilhetes. Esse fato impossibilitou-nos de realizar um diálogo entre os dados encontrados com os dos demais autores. Outro limite é que, por investigarmos em apenas três escolas, uma particular e duas estaduais, não podemos generalizar os dados encontrados para outras instituições, principalmente na pública que estava sem os funcionários que geralmente exercem a tarefa de comunicar as ocorrências aos pais. Consideramos interessante a continuação do estudo em um número maior de instituições a fim de que se possa ampliar o olhar a respeito da comunicação com as famílias dos alunos. Acreditamos também que o número de familiares entrevistados foi restrito devido aos seguintes fatores: o período limite do mestrado ser de 30 meses, o insucesso ao contatar alguns pais, a localização e a dificuldade de acesso a certas moradias e o fato de alguns trabalharem distante de suas residências. Consideramos que tal número possa ser elevado numa próxima pesquisa. Todavia, ao término deste estudo surgem outras indagações... Poderíamos supor que ao transferir os problemas para as famílias resolverem a escola se exime de rever como trabalha com as regras e com os conflitos que surgem naturalmente em seu espaço? As estratégias que os professores fazem uso, como os castigos, as ameaças de enviar bilhetes, as censuras, não estariam contribuindo para o aumento dos mesmos problemas que tentam resolver?
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Será que encontraríamos dados semelhantes em outras escolas da rede pública? E nas particulares? Como seria a comunicação com as famílias numa escola que ofereça um ambiente sociomoral cooperativo?Haveria diferença? E as regras convencionais cobradas dos alunos? Como surgem? Quais os mecanismos de trabalho para sua legitimação no espaço escolar antes de ser informado aos familiares que não estão sendo cumpridas?
Buscando uma nova realidade: O que fazer? ―Basta compreender que antes do desabrochar da cooperação entre as crianças, o egocentrismo dos pequenos não é de forma alguma incompatível com a coerção dos mais velhos ou dos adultos, que esses dois termos constituem, ao contrário, os dois pólos de um mesmo conjunto: sendo as regras externas ao eu, existe ao mesmo tempo submissão externa e persistência das atitudes próprias a cada um. Quando, em contrapartida, a cooperação se desenvolve, as regras interiorizam-se, os indivíduos colaboram verdadeiramente [...]‖ (PIAGET, 1998, p. 146)
Realizadas nossas considerações e indagações, gostaríamos de encerrar apontando sugestões para auxiliar na construção de novos caminhos. Para a escola destacamos a relevância de rever seu trabalho no que diz respeito à forma como o conhecimento vem sendo trabalhado. Além disso, precisa reconhecer a necessidade de atuar mediante as relações interpessoais estabelecidas em seu espaço, compreendendo que assuntos pertinentes às regras e aos conflitos devem fazer parte de seu currículo. Sendo assim, deve considerar que os conflitos nos quais os estudantes estão envolvidos pertencem a eles e que, portanto, o próprio sujeito precisa participar ativamente das reflexões a respeito das ocorrências não sendo deixado à própria sorte. As intervenções devem ser pensadas de forma que o professor envolva esse aluno na discussão e na busca por soluções justas e equilibradas para seus problemas. Além disso, a escola precisa urgentemente rever como lida com suas regras, procurando identificar quais os princípios que as sustentam e como são elaboradas. Faz-se necessário compreender que envolvendo os estudantes em discussões sobre a
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real necessidade de algumas normas e permitindo que outras sejam criadas a partir das situações vivenciadas no dia a dia, favorecerá que sejam legitimadas e cumpridas. Uma opção de estratégia mais coerente com a autorresponsabilização é quando o aluno tem a oportunidade de realizar constantemente a autoavaliação dialogada, que consiste em pensar sobre suas realizações, sendo incentivado pelo professor a identificar quais posturas são favoráveis ao seu desenvolvimento, reconhecer suas conquistas e dificuldades, traçando metas para superar seus obstáculos. Assim, o papel do educador seria de intermediar esse processo de forma que possam ser considerados diferentes pontos de vista e coordenar várias ideias. Acreditase que a almejada autorregulação só será possível quando for promovido seu autoconhecimento. Infelizmente, a escola ainda não considera esse trabalho de conscientização das atitudes como parte de suas funções isso porque seu olhar está fixo no ensino dos conteúdos científicos. No entanto, o que pode ser feito pela escola para buscar uma real parceria? Em primeiro lugar, acreditamos que a escola deva abrir espaços para discutir com as famílias temas pertinentes ao desenvolvimento das crianças e dos jovens. Não raro as reuniões de pais, ano a ano, bimestre a bimestre, abordam assuntos muito semelhantes em suas pautas. Podemos supor que alguns recados e esclarecimentos de dúvidas podem ser mais rápidos, a fim de aproveitar parte do encontro para propor reflexões com os responsáveis pelos alunos. Nesses momentos podem ser discutidas ações que favoreçam a educação escolar de seus filhos, como por exemplo, orientá-los a como auxiliar na organização do espaço para a realização de tarefas, refletir sobre formas de resolver conflitos, sobre os tipos de regras debatendo como lidar com elas etc. Seria interessante que, num primeiro momento, a escola fizesse um levantamento de assuntos que os pais gostariam de discutir. Posteriormente, realizada a tabulação das sugestões, seriam divulgados os temas a serem tratados nos momentos de reunião de acordo com a opinião da comunidade escolar. Sugerimos que espaços para o diálogo sejam abertos nas escolas para que possa haver a discussão com os familiares sobre tais assuntos. Para a construção desses espaços de diálogo, acreditamos que o pai de um aluno não pode ser visto pela escola como uma ameaça, como alguém que deve limitar-se a ouvir e seguir suas instruções. Por essa razão, diversas são as estratégias que podem ser utilizadas nesses encontros a fim de que se sintam pertencentes ao grupo e acolhidos no que diz respeito à tarefa de educar. Segundo García e Puig (2010):
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A PARTICIPAÇÃO DAS FAMÍLIAS na escola é um dos mais importantes desafios apresentados ao sistema educativo. Apesar de pesquisas demonstrarem que o envolvimento dos pais na dinâmica escolar representa um benefício para a própria instituição, é difícil criar uma cultura docente comprometida com o desenvolvimento de planos destinados a estimular a participação dos pais (p. 136 – grifo do autor).
Para esses autores, incorporar as famílias à dinâmica da escola não é tarefa simples e leva tempo. Além disso, é necessário dedicação da escola para decidir as diversas maneiras pelas quais os familiares podem participar no espaço escolar. A seguir destacamos e exemplificamos algumas sugestões de trabalho junto aos familiares: a- Discutir situações-problema ou dilemas hipotéticos, como por exemplo: Julia tem 4 anos e vive pegando as coisas do irmão mais velho sem pedir. Como é pequena, acaba estragando algumas coisas. Carlos, o irmão de 10 anos, quando vê o estrago bate na caçula que vai chorando ao encontro da mãe. Mesmo sendo sempre advertido pela mãe, não obedece e continua agredindo a irmã. O que a mãe de Carlos deve fazer? b- Explorar textos ou histórias da literatura infantil cuja mensagem favoreça a discussão sobre o desenvolvimento dos filhos. c- Realizar trabalhos com os pais para que conheçam procedimentos que os auxiliem com seus filhos em casa, como o uso da linguagem descritiva, a aplicação de sanções por reciprocidade e as consequências das expiatórias, a importância de oferecer escolhas às crianças, refletir sobre a relevância de compreenderem que as regras devem surgir de necessidades vivenciadas e que aquelas que não são negociáveis podem ser motivo de discussão para o entendimento de sua existência. d- Discutir os tipos de educação e as possíveis implicações para o desenvolvimento das crianças e dos jovens.
Sabendo-se da relevância de reconhecermos os sentimentos, pode-se também discutir com os pais que devem colocar limites às ações e validar o que seus filhos sentem diante dos conflitos; por exemplo, quando um pai diz a um adolescente que percebe como está bravo com o irmão mais novo, mas que não permite que mostre sua raiva agredindo-o fisicamente, incentivando-o a pensar em outras maneiras de demonstrar o que sente. Conforme afirmam Faber e Mazlish (1985):
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Todos os sentimentos são permitidos; as ações são limitadas. Não devemos negar as percepções da criança. Só depois de uma criança se sentir bem ela pode pensar direito. Só depois de a criança se sentir bem ela pode agir direito (p.35).
Todavia, gostaria de encerrar o presente texto apontando que:
Quando se objetiva uma interação mais eficaz entre a família e a escola, assim como acreditamos que deva ser com as crianças e com os adolescentes, os educadores precisam compreender que uma real parceria não será possível se não forem revistas suas concepções e construídas relações pautadas no respeito mútuo, na reciprocidade e na cooperação.
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UNESCO. Organização das nações unidas para a educação, a ciência e a cultura. Relatório de Monitoramento Global Superando Desigualdades: porque a governança é importante. Brasília, 2009. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001893/189384por.pdf>. Acesso em: 1 abr. 2011.
VICENTIN, Vanessa. Condições de vida e estilos de resolução de conflito entre adolescentes. 2009. Tese de Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.
VINHA, Telma P. Os conflitos interpessoais na relação educativa. Tese de Doutorado, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003.
_______. O educador e a moralidade infantil numa visão construtivista. Campinas: Mercado de Letras, 2000.
VINHA, Telma P.; BASSETO, Cintia; VICENTIN, Marcia; FERRARI, Maria Teresa. Supernanny e S.O.S. Babá: um olhar construtivista sobre os procedimentos empregados. Revista Eletrônica de Psicologia e Epistemologia Genéticas, v. 2, n. 3, p. 160-194, 2009.
VINHA, Telma P.; TOGNETTA, Luciene P.; RAMOS, Adriana. M.. Os conflitos interpessoais na escola: concepções, intervenções e possibilidades. In: 8º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde, 2010, Lisboa. Actas. Lisboa, 2010, p. 907-916.
VINHA, Telma P.; TOGNETTA, Luciene Regina P. Construindo a autonomia moral na escola: os conflitos interpessoais e a aprendizagem dos valores. Revista Diálogo Educacional, v. 9, n. 28, p. 525-540, 2009.
VINYAMATA, Eduard. Compreender o conflito e agir educativamente. In: VINYAMATA, Eduard (Org.). Aprender a partir do conflito: conflitologia e educação. Trad. Ernani Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 13-32.
267
XAVIER FILHA, Constantina. A criança, a família e a instituição de Educação Infantil. Cuiabá: EdUFMT, 2007.
ZECHI, J. A. M. Violência e indisciplina em meio escolar: aspectos teórico metodológicos da produção acadêmica no período de 2000 a 2005. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2008.
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ANEXOS E APÃ&#x160;NDICES
ANEXO 1
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APÊNDICE 1
(Cabeçalho oficial da instituição) Senhores Pais Por acreditarmos na importância da relação entre a Escola e a Universidade e reconhecermos as contribuições que a Psicologia oferece para a Educação, participaremos de um projeto sobre a comunicação entre a escola e a família, em parceria com a Universidade Estadual de Campinas. Para o início dos trabalhos e a apresentação deste projeto, convidamos a todos para a palestra intitulada “Contribuições da Psicologia para a educação de nossos filhos”, que será ministrada por Sandra Cristina Dedeschi, sob orientação da Dra. Telma Pileggi Vinha, do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da Unicamp. Local: Auditório do colégio Data: XXX Horário: XXX Cordialmente Equipe de Direção Pedagógica
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APÊNDICE 2
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Via dos pais ou responsáveis Prezado Responsável Solicitamos a participação de seu(ua) filho(a) no presente estudo, intitulado “A comunicação com a família: uma análise construtivista”, desenvolvido por Sandra C. C. Dedeschi, mestranda da Faculdade de Educação da Unicamp, sob a orientação da Profa. Dra. Telma P. Vinha. Esta pesquisa tem como objetivo investigar os conteúdos e os resultados do uso dos bilhetes utilizados pelas escolas para a comunicação com as famílias dos alunos e será realizada com estudantes do Ensino Fundamental I e II, com seus professores e familiares. Os dados serão coletados através do recolhimento das agendas ou outro instrumento de comunicação escola-família e de entrevistas que serão gravadas e posteriormente transcritas. Esclarecemos que não haverá nenhuma outra forma alternativa para a obtenção das informações necessárias. Vale ressaltar que a cooperação de seu filho (a) é voluntária e sigilosa, sendo os dados utilizados exclusivamente para fins da pesquisa e que poderão ser apresentados em eventos de natureza científica e/ou publicados, sem expor a identidade dos participantes. Esclarecemos ainda que:
O(a) sr.(a) tem a liberdade de recusar a participação de seu(sua) filho(a) ou de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer penalização ou prejuízo à vida acadêmica dele(a);
Seu (sua) filho (a) terá sua identidade mantida em sigilo;
Seu (sua) filho (a) não terá nenhum benefício, e também nenhum ônus, financeiro ou acadêmico. Agradecemos a colaboração e colocamos à disposição os contatos abaixo para prestar
quaisquer esclarecimentos. Se houver alguma dúvida em relação aos aspectos éticos da pesquisa, contate o Comitê de Ética em Pesquisa da UNICAMP pelo e-mail cep@fcm.unicamp.br ou pelo telefone (19) 3521-8936.
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Pesquisadora responsável: Sandra Cristina de Carvalho Dedeschi Faculdade de Educação – Laboratório de Psicologia Genética Universidade Estadual de Campinas Fone: (19) 3807-9808 Cel: (19) 9765-7052 e-mail: sandrabranca@yahoo.com.br
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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Via do pesquisador
Prezado Responsável Solicitamos sua autorização para a participação de seu filho(a) no presente estudo intitulado “A comunicação com a família: uma análise construtivista” e desenvolvido por Sandra C. C. Dedeschi, mestranda da Faculdade de Educação da Unicamp, sob a orientação da Profa. Dra. Telma P. Vinha. Essa pesquisa tem como objetivo investigar os conteúdos e os resultados do uso dos bilhetes utilizados pelas escolas para a comunicação com as famílias dos alunos e será realizada com estudantes do Ensino Fundamental I e II, com seus professores e familiares. Os dados serão coletados através do recolhimento das agendas ou outro instrumento de comunicação escola-família e de entrevistas que serão gravadas e posteriormente transcritas. Esclarecemos que não haverá nenhuma outra forma alternativa para a obtenção das informações necessárias. Vale ressaltar que a cooperação de seu filho (a) é voluntária e sigilosa, sendo os dados utilizados exclusivamente para fins da pesquisa e que poderão ser apresentados em eventos de natureza científica e/ou publicados, sem expor a identidade dos participantes. Esclarecemos ainda que:
O(a) sr(a). tem a liberdade de recusar a participação de seu(ua) filho(a) ou de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer penalização ou prejuízo à vida acadêmica dele(a);
Seu (sua) filho (a) terá sua identidade mantida em sigilo;
Seu (sua) filho (a) não terá nenhum benefício, e também nenhum ônus, financeiro ou acadêmico. Agradecemos a colaboração e colocamos à disposição os contatos abaixo para prestar
quaisquer esclarecimentos. Se houver alguma dúvida em relação aos aspectos éticos da pesquisa, contate o Comitê de Ética em Pesquisa da UNICAMP pelo e-mail cep@fcm.unicamp.br ou pelo telefone (19) 3521-8936.
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Pesquisadora responsável: Sandra Cristina de Carvalho Dedeschi Faculdade de Educação – Laboratório de Psicologia Genética Universidade Estadual de Campinas Fone: (19) 3807-9808 Cel: (19) 9765-7052 e-mail: sandrabranca@yahoo.com.br
Conhecendo os objetivos da pesquisa, concordo em autorizar a participação do meu filho (a) no presente estudo, ciente que poderei retirar meu consentimento em qualquer momento, excluindo minhas informações do conjunto de dados. Nome do pai ou responsável: __________________________________________________________________ RG:_____________________________ Nome do(a) aluno(a): _________________________________________________________________ Instituição em que o(a) filho(a) estuda:_____________________________________ Turma: ( ) 2º.ano ( ) 5º.ano ( ) 8º.ano do Ensino Fundamental
Assinatura ___________________________ Data: _____/___/ 2009
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APÊNDICE 3
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA ALUNOS 1. Tem conflitos (problemas) na sua sala? O que fazem? 2. Tem regras na sua escola? Todos cumprem essas regras? Por que você acha que isso acontece? 3. Com fazem as regras aqui na escola? O que você pensa disso? 4. O que os professores fazem quando essas regras não são cumpridas? 5. Você já fez bagunça? O que aconteceu? 6. Você já levou algum bilhete pra casa? Sobre o que era o bilhete? 7. E aí, o que acontece quando você leva um bilhete? 8. E você mostra toda vez para seus pais? O que eles fazem quando veem o bilhete? 9. E depois disso (receber um bilhete e mostrar aos pais), o que você faz? 10. E os professores falam que vão mandar os bilhetes? 11. Quando recebeu algum bilhete, como é que se sentiu?
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA PROFESSOR 1. Quais os conflitos mais comuns que ocorrem? Como é que vocês lidam com esses conflitos? 2. Há regras na escola, certo? Os alunos cumprem essas regras? Quais são as que os alunos geralmente não cumprem? O que acontece com quem não cumpre as regras? 3. E os que aprontam, os pais ficam sabendo? O que acontece com eles? 4. A família tem reagido a essas informações? O que tem feito? Isso tem resolvido os problemas? 5. O que você pensa a respeito da parceria escola-família?
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ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA PAIS Vamos conversar sobre a parceria entre a família e a escola. 1.
Por que você matriculou seu filho nessa escola? Ela está atendendo a “isso”?
2. Em geral, como você fica a par do que acontece com seu filho na escola? 3. Geralmente, que tipo de informação a escola encaminha para você? Como? De que forma? Cite exemplos. 4. O que o senhor/você acha “disso”? 5. Que outra maneira você acha que a escola poderia se utilizar para comunicar essas informações? 6. Especificamente sobre seu filho. Você já recebeu alguma informação da escola sobre ele? Exemplifique. “Nossa, e como você se sentiu ao saber disso?” 7. E o que aconteceu na sua casa? O que você fez? Como você/senhor lidou? E deu certo? 8. E o que a escola esperava que você fizesse? 9. E por que você acha que seu filho teve essa atitude? O que você pensa sobre isso? 10. Você só soube disso pela escola? 11. O que acha da atitude da escola? 12. O que acha dessa maneira de informar os fatos que ocorrem com seu filho? Teria outra sugestão? 13. Houve outras situações como essa? Como se sentiu? (E aconteceu novamente?) 14. E agora, como estão as coisas em casa? 15. Que tipo de pessoa você quer que seu filho se torne (seja)?
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA COORDENADOR OU ORIENTADOR 1. Quais os conflitos mais comuns que ocorrem? Como é que os professores lidam com esses conflitos? 2. Há regras na escola, certo? Os alunos cumprem essas regras? Quais são as que os alunos geralmente não cumprem? Por que você acha que isso acontece? 3. O que acontece com quem não cumpre as regras?
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4. O que os professores fazem quando esses alunos não cumprem as regras? 5. Como o coordenador/orientador fica sabendo dos problemas com os alunos? 6. Os alunos geralmente dizem que são mandados para sua sala. O que costuma dizer para os alunos que são encaminhados pra você? Como você costuma resolver os problemas? 7. O que acontece com o aluno depois? 8. Os professores ficam sabendo sobre como o problema foi resolvido por você? Eles comentam algo? 9. Os pais ficam sabendo? Como a escola informa a família dos conflitos em que o aluno se envolve? 10. Você tem conhecimento sobre o que acontece com esses alunos depois que os pais são avisados dos ocorridos? 11. A família tem reagido a essas informações? O que tem feito? Isso tem resolvido os problemas? 12. Como é a postura dos alunos depois que a família é comunicada? O problema volta a acontecer? Por que você acha que isso acontece? 13. O que você pensa a respeito da parceria família-escola?
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APÊNDICE 4 Tabela para análise da estrutura dos bilhetes Ano/tipo de instituição 1) RESPONSABILIZAÇÃO
2) REDAÇÃO
3) ENFOQUE 4) INFORMAÇÃO
5) SOLICITAÇÃO DE PROVIDÊNCIA 6) DESTINATÁRIO
Número do bilhete B1 FAMÍLIA ESCOLA ESCOLA-FAMÍLIA LINGUAGEM DESCRITIVA RESPEITOSA JULGAMENTO DE VALOR MINUCIOSA SUCINTA DEMAIS OBJETIVA E CLARA NEGATIVO POSITIVO FATO EXPLICAÇÃO TEÓRICA PROCESSO EXPLÍCITA IMPLÍCITA AUSÊNCIA FAMÍLIA / RESPONSÁVEIS ALUNO AUSÊNCIA
B2
B3
B4
B5
B6