Enquadramento #11: José Álvaro Morais

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P U BLICA ÇÃ O TRIM ES TRA L A BRIL 2017 IS S N 2183-1734

José Álvaro Morais

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José Álvaro Morais


NOTAS DA AUTORA

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Não foi fácil chegar ao seu nome. Impressionantemente. O seu nome deveria estar mais gravado na nossa identidade. A identidade portuguesa. Apesar de tudo, não foi difícil o seu nome chegar até mim, através das referências de outro cineasta, português, cuja obra reparei depois ter sido nitidamente influenciada por este. Foi Miguel Gomes que enumerou, entre outros, “O Bobo” como um dos filmes que influenciaram o seu percurso e obra. Basta estar ainda bem lembrado por uns para ser reconhecido por outros. Ao longo do percurso do estudo sobre a sua vida e obra, foi-se depositando o lamento de ser pouco reconhecido e lembrado por nós. A sua paixão por Portugal, que o caracteriza, assim como à sua obra, fê-lo persistir entre adversidades, traçando de forma única a história do cinema contemporâneo português. Vasculhou e procurou a identidade do povo português, associada a uma trama territorial. Explorou a origem e o desenraizamento, através de urdiduras familiares e passionais, que exploram os limites do ser humano, sob uma teia de reflexões do portuguesismo, a maneira própria de ser e de pensar dos portugueses. Teve a ousadia de regressar, no imediato pós-25 de abril, de um exílio que tinha sido arbitrário, a um país que atravessa uma crise de identidade e financeira, tomando o trajeto inverso de muitos que pelo estrangeiro ficaram sementados, e tentar formar aqui obra, que é como quem diz, tentar colocar uma certa ordem no caos em busca da identidade portuguesa perdida. Pegar nos estilhaços que sobraram da revolta e dar-lhe de novo vida, reconstruída em cenários teatrais, retomando cenas históricas na tentativa de alcantilar o portuguesismo, com um pano de contemporaneidade e a lógica do Novo Cinema Português. Apraz entender que enquanto houver a obra, persiste entre nós o seu autor. E que, apesar de pouca, é rica. E é através dela que o identificamos.

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“Uma ficção é uma ficção. Uma história é mais interessante quando se sabe que ela é uma abstração, uma história de fadas. E o cinema é mais interessante quando o sabemos universo do maravilhoso, em lugar de universo do real. Esta é uma das realidades mais fortes do cinema. É mais fácil no teatro, pois o teatro é à partida uma convenção. A imagem filmada é utilizada para mostrar a realidade, e o espetador é sempre convocado para o exame da prova da realidade. Quando se faz um filme, é portanto muito importante estabelecer a convenção. E jogar com isso. É necessário jogar com a convenção.” José Álvaro Morais

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O PERCURSO DE histórias escapavam-lhe, pela imaturidade de as compreender.

A vida de José Álvaro Morais começa em Coimbra, a 2 de setembro de 1943. Filho de pais covilhanenses, mais especificamente da vila de Tortosendo, teve uma infância marcada pela presença do avô materno e pelas brincadeiras entre primos (eram 10 netos com idades próximas) no quintal da casa enorme do seu avô.

O fim da sua infância é marcado pela mudança de residência para Lisboa, com a sua mãe e já com sua meia-irmã mais nova. Foi nesta altura, na fase pré-adolescente, que se deu a descoberta pelo sul do país e possivelmente o início das suas reflexões pelos trajetos e variações geográficas, assim como o processo de desenraizamento. Principalmente com a sua família materna, de quem era chegado, ligada à indústria dos lanifícios da Serra da Estrela, assumida ao espírito nacionalistae simpatizante de Salazar. Do outro lado, o seu avô paterno, democrata, tinha sido preso pela PIDE na altura do regime(1). O autor refere esta divergência política que se vivia na sua família e no país como a possível origem da sua incapacidade de identificação com o mesmo e a busca pessoal pela nacionalidade, cujo tom atravessa toda a sua obra.

Refere esses momentos de liberdade, associados ao cultivo do interesse pela leitura desde muito novo pela sua mãe, e à cultura covilhanense do cinema como atividade lúdica, como os possíveis gatilhos da sua paixão pela arte do argumento, da montagem e da realização. Habituado a frequentar desde muito novo as salas de cinema com o seu avô materno, diz que o cinema que o marcou na infância foi o americano, com os desenhos animados de Walt Disney, os westerns de John Ford, os thrillers de Alfred Hitchcock e os melodramas de Vincente Minnelli e de Douglas Sirk. Marcaram-lhe principalmente as músicas, as imagens e o mistério envolto, porque as 8


Influência de José Álvaro Morais: Agnès Varda, capa revista “Cahiers di Cinéma”. François Truffaut, Jean-Luc Godard, capa revista “O Tempo e o Modo”, Gérard Castello-Lopes, António-Pedro Vasconcelos, Paulo Rocha, Fernando Lopes, João César Monteiro.

JOSÉ ÁLVARO MORAIS Jean-Luc Godard, François Truffaut e Agnès Varda, ao qual estava particularmente atento.

Frequentou a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, no início dos anos sessenta. Nos tempos da faculdade, a presença do cinema tomava a dimensão do cineclubismo. Na altura, os filmes que passavam no Cineclube Universitário eram maioritariamente do neorrealismo italiano e que assumiam uma orientação marxista e estreita ligação ao Partido Comunista Português, do qual era militante. Apesar das suas convicções políticas e associativas de esquerda, não se identificava com o tipo de cinema social e político mais discutido nos cineclubes. Via o cinema como um mundo complementar, de refúgio e não sentia o neorrealismo a “embalar o seu imaginário”(1), demarcando-se das linhas vigentes do cineclubismo na altura, “politicamente corretas”(1). Lia a revista “O Tempo e o Modo” e o “Jornal de Artes e Letras”, publicações dos católicos progressistas que se opunham a Salazar mas temiam o comunismo. Surgia em França o grupo do Cahiers du Cinéma e a Nouvelle Vague de

Simultaneamente, em Lisboa, descobria um grupo de jovens cinéfilos que se reuniam regularmente no Café Vavá, com os quais se identificou e aos quais se ligou por relações de amizade. Entre esses jovens estavam entusiastas que sustentariam o Novo Cinema Português. Eram eles António-Pedro Vasconcelos, João César Monteiro, Paulo Rocha, Fernando Lopes, Gérard Castello-Lopes, entre outros. Foi com Vasconcelos que iniciou o primeiro contacto técnico com o cinema, como assistente de realização e de montagem. Trabalhou com ele em alguns documentários e publicidade (entre eles “Tapeçaria - Uma Tradição que Revive”). Refere ter sido esse primeiro contacto “com a matéria e não somente a teoria”(2) que afirmou o seu prazer pela montagem e o fez enveredar por um caminho diferente, abandonando o curso de Medicina na Faculdade e a dedicar-se ao Cinema. 9


Em plena guerra colonial, e com a proximidade da sua recruta militar, começou a ponderar a saída de Portugal para estudar cinema. Acabou por escolher o Institut National Supérieur des Arts du Spéctacle et des Téchniques de Diffusion (INSAS), uma escola de cinema em Bruxelas, onde lecionava André Delvaux, um cineasta belga emergente e cuja obra tinha tido oportunidade de ver numa viagem a Paris, e cuja docência o marcava na sua vida académica, assim com as de Ghislain Cloquet, na direção de fotografia, e de Michel Fano, na direção de som. Curiosamente a sua difícil admissão na escola aconteceu durante o maio de 68, tendo sido inundado pela “exaltação, esperança e pela convicção de que eram viragens irreversíveis” as que se viviam na época. Terminou o curso uns meses antes do 25 de abril de 1974, tendo apanhado o primeiro avião para Lisboa, assim que rebentou a Revolução dos Cravos. Quando retorna, fica ligado à montagem na cooperativa Centro Português de Cinema (CPC), que fora um núcleo de produção fundamental para as gerações do Novo Cinema Português nos últimos anos do Estado Novo. Montou o filme de António-Pedro Vasconcelos sobre a guerra colonial, “Adeus, Até Ao Meu Regresso”, ainda em 1974.

te”, cujo objetivo era o de refletir o que tinham sido os cinquenta anos de ditadura salazarista na área da expressão artística. José Álvaro Morais foi o responsável pela produção do episódio N.º 3, sobre a década de 40. Contudo não teria sido a primeira escolha do CPC. José Fonseca e Costa, por indisponibilidade de agenda (estaria a filmar na altura “Kilas, o Mau da Fita”) propôs o trabalho a Morais. Quem escreveu os textos para a série documental foi Alexandre O’Neill, que, a pedido do próprio realizador, escreveu o texto do episódio N.º 3 em forma de verso. Após o sucesso como realizador de “Cantigamente”, em 1975, foi-lhe possibilitada a oportunidade de realizar outro documentário, desta vez sobre os retratos que Arpad Szènes pintou de Maria Helena Viera da Silva, sua companheira, durante a sua vida de casados, intitulado “Ma Femme Chamada Bicho”. Também não teria sido a primeira escolha da Fundação Calouste Gulbenkian, na altura a principal subsidiária dos filmes que saíam do CPC. O documentário tinha sido encomendado a António-Pedro Vasconcelos, que por sua vez, o entregou a José Álvaro Morais. Foi filmado em 16mm entre Lisboa, Paris e a casa de campo que o casal possuía em Yèvre-le Châtel, em 1976 e terminado em 1977. O primeiro projeto seria de 25 minutos e acabou por ser finalizado com 73 minutos de duração. A filmagem é maioritariamente improvisada, com participações de Mário Cesariny, Sophia de Mello Breyner e Agustina Bessa-Luís. É visível no documentário a presença de ligações que o autor estabelece, em contraponto à ligação do casal: a atitude organizada do húngaro Arpad e a mente perturbada e inatingível de Vieira da Silva, pintora portuguesa exilada em Paris, entre a inquietude dos telhados de Lisboa e a harmonia das ruas parisienses, o Norte e o Sul, a origem e o desenraizamento.

“Domus Bragança” foi o primeiro filme realizado após o regresso da Bélgica, em 1975. Era uma encomenda para a Rádio e Televisão Portuguesa (RTP). Consistia numa montagem de material filmado em Trás-os-Montes por António Reis, a preto e branco, com inclusões de material filmado pelo próprio José Álvaro Morais, que continham uma entrevista realizada a Margarida Martins Cordeiro e ao próprio António Reis, dentro da sala de montagem. A média metragem filmada em 16mm desapareceu e nunca foi encontrada até à data. Entretanto, a RTP encomenda ao CPC uma série de longas metragens documentais, intitulada “Cantigamen10


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Ma Femme Chamada Bicho de JosĂŠ Ă lvaro Morais, 1978.


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O Bobo de José Álvaro Morais, 1985.

“O Bobo é uma festa para os sentidos, um filme que nos faz viver em exaltação o reconhecimento de que somos desde a origem um povo romântico, algo trágico e dado à nostalgia”.

Ricardo Gross

No período que se seguiu ao entusiasmo da revolução de abril, o autor viveu um certo desencanto pelo fim da ideia romântica da portugalidade, da exaltação da pátria, dominada por Salazar, ideia que para ele terminava definitivamente com o processo de descolonização. Crescia a necessidade de transmitir a ideia do autor sobre “Portugal visto como a única província da Espanha que foi bem sucedida na criação do seu próprio Estado, onde este irritante retângulo, para Espanha, que não faz parte do seu território; conseguimos em Portugal aquilo que os bascos, os galegos e os catalães continuam a sonhar obter.”(2) Foi nessa tomada de consciência que começou a imaginar aquela que seria a sua primeira longa metragem, “O Bobo”.

obra de Alexandre Herculano. Esta última é filmada em cenário artificial, denunciada em planos-sequência, com encenação de texto adaptado ao teatro e assume uma teatralidade de câmara. A primeira é filmada em planos curtos e fixos, e devolve o filme à convenção do cinema. O nascimento do filme foi difícil e demorado. As filmagens começaram em 1980. O primeiro subsídio foi atribuído ao CPC, sob o então diretor de produção Henrique Espírito Santo. Já com a maior parte das cenas filmadas, o filme sofre uma paragem por falta de verba para prosseguir. Durante esse tempo, o filme esteve encerrado nos cofres da Tóbis Portuguesa, principal companhia impulsionadora e distribuidora de filmes portugueses, sem que o realizador lhe tivesse acesso. Descreve esses anos de paragem como tendo sido “muito duros”, em que viveu à custa de familiares, fazendo pequenas coisas como montagens e colaborações em escrita de guiões.

“O Bobo”, obra de Alexandre Herculano, escrita nos finais do século XIX, foi importante na sua época como forma de exaltar a fundação portuguesa numa altura da História em que os portugueses se viam humilhados pela concessão de território ultramarino em resposta ao Ultimatum Inglês de 1890, que exigia a retirada das tropas portuguesas entre Moçambique e Angola. O realizador estabeleceu um paralelo entre esse sentimento geral dos portugueses e o então sentido em 1974-1975, estruturando o filme em duas rimas: uma ficção contemporânea no pós-25 de abril e uma ficção clássica baseada na

Foi retomado em 1985, altura em que são filmadas as restantes cenas (como a das crianças que aparecem no início e no final do filme), quando o autor obtém verba assumida pela produção de António Cunha Telles, para a montagem e pós-produção do filme. Foi montado em quatro dias antes de poder ser enviado, em prazo, ao festival de Locarno. Por falta de meios técnicos no país, a mistura

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Zéfiro de José Álvaro Morais, 1993.

de som foi finalizada na Suíça, estreando o estúdio da Schwarz Filmtechnik, tendo sido o primeiro filme a ser misturado lá. Rapidamente foram colocadas legendas e viajou diretamente para o festival. A projeção do filme em Locarno foi adiada duas vezes, coisa que nunca tinha acontecido na história do festival. Estreou no último dia, como o último filme da competição. O autor descreve uma “epopeia absoluta para conseguir chegar a tempo”. Venceu o Leopardo de Ouro para Melhor Filme, quando ninguém da equipa técnica o esperava. O dinheiro arrecadado com o prémio foi aplicado em novas misturas do filme, que atrasaram a sua estreia em Portugal por quatro anos, tendo sido lançado em 1991, sem grande projeção.

Teresa Villaverde e do próprio Joaquim Pinto. “Zéfiro” foi encomendado pela RTP à produtora como fazendo parte de uma coleção de televisão cujas exigências eram a da inclusão de um trajeto, que poderia assumir qualquer dimensão ou forma, e que durasse não mais que 25 minutos. O filme acabou por ultrapassar as exigências, com 52 minutos de duração, que não foram aceites pela RTP. Foi então montada e exibida outra versão de “Zéfiro”, mais curta, intitulada “Margem Sul”, que resultou exclusivamente de cortes de cenas. “Zéfiro” foi a oportunidade perfeita para o realizador explorar em cinema o Sul do país, que começara a fasciná-lo na adolescência e que para ele se iniciava a sul do Tejo. Essa ideia era alicerçada pelo historiador e arqueólogo Cláudio Torres, que inspirou o autor na escrita do argumento. Numa das conversas que ambos tinham, o historiador explica a sua teoria do Sul sobre um mapa em relevo, mapa que viria a ser recriado em estúdio e onde Luís Miguel Cintra passeia enquanto é transmitido por ele ao público as ideias colhidas nas entrevistas. É um filme em que existe um equilíbrio entre uma narrativa ficcionada e uma narrativa histórica, entre imagens puramente cinematográficas. E onde não escapa a temática da identidade esquecida.

No mesmo dia em que ganhou o prémio, Cunha Telles convidou-o para fazer “A Corte do Norte”, uma adaptação do romance de Agustina Bessa-Luís, projeto que viria a ficar inacabado por divergências com o produtor. A obra seguinte surge em 1993, sob a produção de Joaquim Pinto, como fazendo parte da GER (Grupo de Estudos e Realizações), que produzia também filmes de 14


“No fundo Peixe-Lua é um hino à Andaluzia, e ao reinado de Granada, um hino a Córdova, a Sevilha, a esta fonte de cultura tão crucial, a este extremo refinamento que reencontramos em certos detalhes das cidades de Portugal, no entanto afastadas do grande centro de influência cultural que é Córdova. É uma cultura muito presente, que infelizmente destruímos em Portugal, no Algarve, e que deve ter sido, antes dessa destruição, um local riquíssimo de signos, de história e de identidade mediterrânica, sem dúvida o local de cultura mais antigo de Portugal: é isso que é dito e redito em Zéfiro”

José Álvaro Morais

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Peixe Lua de José Álvaro Morais, 2000.

Passados sete anos, no ano 2000, surge a sua segunda longa-metragem, sob a produção de Paulo Branco. Em “Peixe-Lua”, o autor viaja até ao Sul mais a sul que o trajeto em “Zéfiro” e vai até Andaluzia, conduzido por uma obra de teatro de Lorca, intitulada “O Público”, de tom surrealista, que aborda o tema da liberdade erótica e introduz apontamentos de desejos homossexuais reprimidos. De novo surge obra teatral filmada, em forma de diálogos entre duas personagens (Guizos e Pâmpano), que é o ponto de partida para a ficção da convenção do cinema, e é nela que se polariza a restante narrativa, sobre três desejos/paixões frustradas, entre uma personagem feminina com casamento em breve, que o prorroga, para explorar uma última vez os limites da sua fantasia erótica, um amigo íntimo da família e o seu irmão exilado.

em sete semanas. Nesta obra há um percurso inverso aos anteriores. Desta vez há um trajeto de sul para norte, num regresso aos locais da sua infância perdida, às suas origens, à casa do seu avô materno, que serviu de cenário ao filme, que incluiu o funeral do seu avô. Essa casa, que tinha ardido e que estaria então abandonada, representou um reencontro simbólico com os “fantasmas inibidores”(1), a que chama ao fenómeno que o bloqueou no processo de filmagem e de montagem final do filme, revelando uma enorme dificuldade de Morais em lidar com o seu próprio passado. Este filme parece ter ligação com o anterior: permanece a personagem amiga íntima da família que se envolve com a mesma, a personagem feminina é a mesma que a de “Peixe-Lua”, mas sob um ponto de vista diferente, mais perturbada pelo desejo reprimido.

“Peixe-Lua” foi filmado em doze semanas. A obra seguinte, “Quaresma”, surge dois anos depois e é filmada

Aos olhos dos críticos, parecia estar finalmente a garantir estabilidade e regularidade na produção de filmes,

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Quaresma de José Álvaro Morais, 2003.

assim como visibilidade nacional e internacional. Mas José Álvaro Morais faleceu a 30 de janeiro de 2004, aos 60 anos, pouco depois da estreia de “Quaresma”. Desta vez não tinha novos projetos em vista. Apenas com vontade manifesta de realizar ainda “A Corte do Norte” que deixara suspensa em 1987, e que viria a ser concretizado apenas em 2009 por João Botelho. Tanto n’ “O Bobo”, em “Peixe-Lua” como em “Quaresma”, o autor admite personagens que lutam mas que no fim se conformam. No primeiro há uma renúncia às ilusões revolucionárias, no segundo às ilusões de liberdade e no terceiro às perturbações do desejo.(1) Sobre isto diz, antes da sua morte: “Sim, eu nunca filmei redenção. É estranho, mas é verdade. Como, de resto, também há um herói que desiste no Quaresma. Que se apaixona, mas que desiste, pois acaba por ficar com a mulher e a família, coitado. Até acho que é inquietante, mas tem sido assim até agora. Ainda não houve redenção”(1).

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FILMOGRAFIA REALIZADOR The Upper Room (1972) El Dia Que Me Quieras (1973) Cantigamente (1975) Ma Femme Chamada Bicho (1976) O Bobo (1987) Margem Sul (1994) Dómus de Bragança (1895) Zéfiro (1994) Peixe Lua (2000) Os 25 Anos do Teatro da Cornucópia (2000) Quaresma (2003)

ARGUMENTISTA O Bobo (1987) Repórter X (1987) Margem Sul (1994) Zéfiro (1994) Peixe Lua (2000) Os 25 Anos do Teatro da Cornucópia (2000) Quaresma (2003) A Corte do Norte (2008)

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BIBLIOGRAFIA 1. Saguenail (2005) Reinos Desencantados – Um Olhar Sobre a Obra de José Álvaro Morais, Santa Maria da Feira: Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira; 2. Ministério da Cultura (2005) José Álvaro Morais, Faro: Capital Nacional da Cultura 2005; 3. Mendes, JM (2013) “A Obra Longa e Breve de José Álvaro Morais”, in Novas & Velhas Tendências no Cinema Português Contemporâneo, Lisboa: Gradiva; 4. Pais, GM (2016) “José Álvaro Morais e a Lenda do Cinema Português”. Disponível em: http://www.comunidadeculturaearte.com/jose-alvaro-morais-e-a-lenda-do-cinema-portugues/ 5. Gross, R (2014) “O Bobo (1987) de José Álvaro Morais”. Disponível em: http:// www.apaladewalsh.com/2014/07/o-bobo-1987-de-jose-alvaro-morais/

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“Eu acho que o essencial no cinema, contrariamente ao cinema americano, não é a história, é a maneira como é contada ou os sentimentos e as emoções que ela nos causa e a capacidade de despoletar associações.” José Álvaro Morais

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FICHA TÉCNICA Edição:

Cineclube de Guimarães

Coordenação Editorial: Paulo Cunha Rui Silva Samuel Silva

Texto:

Mafalda Sousela

Design:

Alexandra Xavier

ISSN:

2183-1734 18 de Abril de 2017


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