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Deus me chama

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“Ide a José”

“Ide a José”

Deus me chama1

É preciso cuidar das disposições interiores quando nos preparamos para a meditação. Desejo de fervor ou de pensamentos exaltantes, intenção subconsciente de fuga, desempenho resignado de uma obrigação... eis algumas disposições não muito apropriadas a um clima de meditação. Igualmente negativo é este sentimento de estar dando cumprimento a uma feliz iniciativa e este contentamento de si que o acompanha. A única atitude religiosa autêntica que nos pode dispor às graças do Senhor consiste em procurar a meditação porque a ela Deus nos chama. Mas, podereis dizer, estou longe de ter, toda vez que me entrego à meditação, o sentimento de estar sendo chamado por Deus. Ao que respondo que não é ter o sentimento que mais importa, mas sim ter a convicção de dar cumprimento à vontade de Deus. Poderia vos parecer que passo de uma ideia para outra; da ideia de apelo de Deus para a de vontade de Deus. Na realidade, trata-se de uma coisa só: a vontade de Deus é apelo. Prefiro, entretanto, a ideia de apelo, porquanto a vontade de Deus, para quem não a compreende bem, parece uma abstração; ao passo que se eu disser: Deus me chama, isto leva irresistivelmente ao pensamento que Ele está junto de mim, que Ele espera o seu filho e que tem certamente algo importante para lhe dizer, para lhe dar. Esta convicção de que nos entregamos à meditação porque Deus nos chama e que estamos respondendo a este apelo elimina a tensão, a inquietude, a presunção, o contentamento de si e nos introduz numa atitude de humildade, de segurança, de confiança muito tranquilas. Em psicologia como em biologia, detemo-nos longamente no estudo da reação. Define-se a reação como sendo a resposta de um ser vivo a uma excitação. Pergunto a mim mesmo por que, em espiritualidade, esta noção merece tão pouca atenção. E, no entanto, em certo sentido, é preciso dizer que a vida espiritual e particularmente a oração - é a reação do homem em face de Deus. Adoração, oferenda, louvor, temor, ação de graças, consagração, todas as atitudes religiosas fundamentais do homem em oração, só se compreendem sob este ponto de vista. Quando o pensamento da grandiosidade de Deus se vos apresenta, seja de pronto, sob a ação de uma graça, seja no termo de uma meditação laboriosa, não vos sentis irresistivelmente levados a vos prosternar, tal como o beduíno na hora da prece? A prosternar não somente o corpo, mas a vossa inteligência, vosso coração, vossa vida inteira? Quando fazeis a descoberta de que tudo vem de Deus, não vos sentis levados a uma entrega a Deus de todo o vosso ser, num impulso de oferenda e de submissão?

Quando contemplais nas criaturas um reflexo do Esplendor divino, não sentis elevar-se em vós, do coração aos lábios, um cântico de louvor? Quantos salmos surgiram desta contemplação! Se Deus vos deixa entrever algum reflexo de sua Santidade, não tendes o sentimento de um temor reverente, um frêmito de todo vosso ser, uma tomada de consciência aguda, não somente de vossa pequenez aos pés de sua Majestade, mas também de vosso pecado? “Ai de mim, estou perdido - exclama Isaías, de repente, ao defrontar-se com a Santidade de Deus -, pois sou um homem de lábios impuros”! Se vos acontece lembrar-vos das graças múltiplas de que tendes sido objeto no decurso de vossa vida, a ação de graças, este impulso para o Criador da criatura reconhecida, este atirar-se alegre da criança nos braços do Pai - não soergue todo o vosso ser? E se, um dia, algo do amor infinito de que sois objeto se desvenda, não se impõe a vós, irreprimível, a exigência de vos consagrar a Deus por uma oferenda de todo o vosso ser? Compreendeis agora o que dizia a princípio: a oração é, em nós, a reação de nossa alma em face de Deus. Sem dúvida, não é necessariamente em cada meditação que estas atitudes estão todas explícitas: uma ou outra domina, mas o fundo religioso de onde brota nossa oração é feito desses grandes sentimentos que uma meditação perseverante acumula pouco a pouco. Pretender tirar de si mesmo estes impulsos de oração, sem começar pela meditação das perfeições divinas, seria tão absurdo quanto, para um espelho, pretender fazer surgir a luz de si mesmo. Um dia, é possível, Deus tomará a iniciativa de vos fazer entrever uma ou outra de suas perfeições. Mas, enquanto isto, é preciso, às apalpadelas, caminhar para a sua descoberta, meditando sem desanimar, sustentados por uma alegre esperança. Pe. Henri Caffarel

Colaboração Maria Regina e Carlos Eduardo Eq. N.S. Mãe de Deus e Nossa Piracicaba-SP

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