BCC 56 - A quem serve a crise da educação brasileira (junho 2015)

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CONT R A-CORRENTE A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE

Ano 05, N° 56 - Junho de 2015

A quem serve a crise da Educação brasileira? Nazareno Godeiro e Amanda Gurgel lançam livro que faz um raio-x da atual situação da Educação no Brasil por Eric Gil

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este mês de junho foi lançado pelo Instituto Latinoamericano de Estudos Socioeconômicos o livro “A quem serve a crise da Educação brasileira? Uma análise da realidade educacional no Brasil e no RN”, de autoria do pesquisador do ILAESE, Nazareno Godeiro, e da vereadora da cidade de Natal, Professora Amanda Gurgel. Lançado um mês depois do auge das greves dos trabalhadores da Educação de norte a sul do país, este livro torna-

se leitura obrigatória para os lutadores que querem se apropriar dos dados e da discussão sobre a crise pela qual passa a Educação no Brasil e desencadeou nesta série de greves e de violenta repressão (vide o caso do 29 de abril do Beto Richa, no Paraná) contra os educadores. O livro conta com 127 páginas, dividido em 13 capítulos e um anexo que trata sobre o caso da cidade de Natal. Os temas tratados na obra são diversos: análise comparativa do investimento em

Educação do Brasil com outros países; analfabetismo; ensino técnico; Plano Nacional de Educação; adoecimento de professores; concepção socialista de escola; e um longo etc. No entanto, devido ao limitado espaço deste boletim, trataremos de três pontos especificamente: o subfinanciamento da Educação no Brasil; o novo PNE; e o retrato da profissão docente no país. Mas com certeza este boletim despertará a curiosidade para a leitura integral desta obra mais do que atual!


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Reflexos do subinvestimento na Educação brasileira A crise da Educação é causada por subinvestimentos ou por má gestão?

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ma das questões que este livro levanta é a já conhecida polêmica: a crise da Educação no Brasil é fruto de falta de investimento ou de má gerência dos recursos? Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os EUA gastam anualmente por estudante do ensino fundamental ao superior cinco vezes mais do que o Brasil, o Japão gasta 3,5 vezes, o Chile 1,36 vezes, e assim por diante. E quais são as

consequências deste gasto de grande parte dos tão inferior? estudantes da rede pública para a privada. As matrículas da Os autores chamam a Educação Básica atenção de que o nível onde Entre 2007 e 2014, mais se perdeu alunos foi houve uma redução de o Ensino Médio, “que é a 3,3 milhões de matrículas etapa em que as deficiências na Educação Básica do Ensino Fundamental (Educação Infantil, Ensino se manifestam de maneira Fundamental e Médio), mais evidente e interferem como pode ser visto no significativamente na gráfico a seguir, que se aprendizagem e na autoencontra no referido livro. estima dos adolescentes” (p. Mas a queda não 17). se deu de forma geral. A A quantidade de rede privada aumentou 2,7 estabelecimentos de milhões de alunos de 2007 a ensino público também 2014, enquanto a educação caiu, passando de 165.803 pública perdeu 5,9 milhões. unidades para 149.098, uma Ou seja, houve transferência queda de 10% em sete anos. No entanto, a rede privada assistiu, neste mesmo período, uma expansão de 21,4%, passando de 32.594 para 39.575 unidades. O analfabetismo Outro reflexo do subinvestimento na Educação é a ainda grande presença do analfabetismo no país. Segundo dados do IBGE, há 13,2 milhões de analfabetos absolutos e 27,8 milhões de analfabetos funcionais, o que somando

dá 20% da população brasileira. Mas este problema é seletivo, “enquanto os mais pobres atingem um índice de 14%, os mais ricos têm apenas 1,7% da população nessa situação. No Nordeste, o analfabetismo chega a 17,4%, perante uma média em todo o país de 8,5%” (p. 21). Segundo os autores, 36% dos jovens não têm acesso à escola, desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, ou a universidade no Brasil, o que gera, necessariamente, este grande problema social. Por fim, é importante frisar que a diferença qualitativa entre a rede privada e pública é outro abismo que separam ricos e pobres. Mesmo com todos os problemas do IDEB como índice de qualidade educacional, percebe-se uma grande diferença entre as redes pública e privada pela diferença deste índice, para se ter uma ideia a nota do Ensino Fundamental privado chega a 6, enquanto que no setor público a nota é 3,9.


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PNE: garantia dos lucros das multinacionais e da perpetuação do sofrimento de professores e alunos da rede pública O

atual Plano Nacional de Educação, vigente de 2014 a 2024, foi publicado em junho do ano passado. Em tese, suas diretrizes apontam para a valorização do profissional docente, a promoção da cidadania e erradicação de todas as formas de discriminação, a formação dos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade, a promoção humanística, cultural, científica, tecnológica do país e um longo etc. Mas como mostram os autores, “por trás das metas de erradicação do analfabetismo e

universalização gradativa do atendimento em todas as etapas da educação, estão as estratégias, que revelam os reais interesses de privatização e atendimento aos interesses das multinacionais” (p. 36). A melhor forma para perceber a inserção dos interesses privados em detrimento do público é analisando as principais modificações de redação do projeto do PNE quando foi da Câmara dos Deputados para o Senado Federal. As modificações fundamentais tiveram como foco o caráter público do gasto. Na meta 20 percebam a mudança

de “investimento público em educação pública” para “investimento público em educação”, o que muda a meta de 10% de investimento do PIB para a educação pública (inicialmente) para pública e privada, como já acontece hoje. Na meta 11, que lida com a educação profissional técnica, a mudança é na expansão de vagas, que sai da totalmente pública para pública e privada, ou como os autores deste livro disseram na tabela: “Esse percentual pode vir a ser oferecido pela rede privada com dinheiro público”. Por fim, a meta 12 é a mais problemática, pois transforma uma meta de aumento de 40% de matrículas na Educação Fonte: Godeiro & Gurgel (2015, p. 36) Superior para a obrigação

de não fazer nada! Chegaremos aos 10% do PIB para a Educação? Se mantivermos o ritmo de aumento do investimento na Educação que foi feito nos últimos anos, sem nem considerar a atual crise econômica que já teve como consequência os grandes cortes de gastos sociais, principalmente na Educação, apenas chegaremos aos 10% do PIB no ano de 2051, quase três décadas depois do que foi posto como meta. Esta não seria a primeira vez que a meta do PNE não teria sido cumprida, como foi o caso do PNE 2000/2010, votado ainda no governo FHC e não executado em grande parte pelo governo Lula.


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O retrato da profissão docente no país “Professora, se for pra estudar pra ficar que nem a senhora, aguentando nós, eu prefiro ficar burra” (aluna de 6° ano, de 11 anos de idade, da Rede Municipal de Natal)

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quantidade de professores do Ensino Básico, hoje, é de 2.190.743, distribuídos no Brasil inteiro, na seguinte proporção por etapas: 18% na Educação Infantil, 51% no Ensino Fundamental e 17% no Ensino Médio. Apesar de aparentemente existir um grande número de professores, o déficit que temos em nosso país, segundo cálculo dos autores, chega a 1,5 milhão de profissionais, como pode ser visto na tabela. Além disto, “estima¬se também que seja necessário contratar mais 190 mil docentes para

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garantir o cumprimento da Lei 11.738/08 (lei do piso) que estabelece que 1/3 da jornada de trabalho do professor deva ser destinada à hora-atividade, [...] que a maioria dos estados e municípios se recusa a cumprir” (p. 48). Além disto, a presença de professores temporários na Educação é enorme. Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (PNAD) do IBGE, em 2013, existiam 540 mil profissionais temporários em todo o Brasil, no setor, ou dois em cada 10 professores. Já para os outros trabalhadores da Educação,

resta a terceirização. “Quando se trata dos funcionários de apoio de unidades de ensino, essa já é a forma de contratação da ampla maioria, que ganha muitas vezes o salário mínimo, depende de favores políticos, e viram reféns das trambicagens dos empresários de serviços, que fecham firmas sem pagar os direitos trabalhistas dos funcionários, e depois abrem outra com CNPJ diferente” (p. 50). No que se refere ao rendimento médio dos professores, este se encontrava, em 2013, no valor de R$1762,23, sendo no Nordeste R$ 1.559,00, menos que o piso determinado nacionalmente de R$ 1.567,00. Os autores lembram que “em países como a Finlândia ou Coréia do Sul, onde a carreira do professor é muito valorizada, as coisas são bem diferentes. Nos anos finais do Ensino Fundamental, nesses países, os professores em início de carreira, com

a qualificação mínima, ganham em mé¬dia 30.735 dólares. No Brasil, o salário dos professores em início de carreira fica em torno de 15.000 dólares/ano” (p. 51). O crônico adoecimento destes trabalhadores não é aleatório. O subinvestimento, que acarreta no déficit de professores, baixos salários e precárias condições de trabalho acarretam no crescimento, dia após dia, de novas doenças nestes profissionais. Segundo pesquisa da Faculdade de Educação da UFMG, de 2010, 28% dos professores se afastaram do trabalho por meio de licença médica, em geral por questões físicas (coluna, cordas vocais, rouquidão, alergias a giz, etc.); 14% se afastaram por motivos de depressão, ansiedade ou nervosismo e 13% por estresse. Visivelmente uma categoria com grande precarização nas condições de trabalho.

Contra-corrente é uma publicação mensal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimentos sociais. Coordenação Nacional do ILAESE: Antonio Fernandes Neto, Arthur Gibson, Bernardo Lima, Daniel Kraucher, Daniel Romero, Eric Gil Dantas, Érika Andreassy, Fred Bruno Tomaz, Guilherme Fonseca, José Pereira Sobrinho, Juary Chagas, Nando Poeta e Nazareno Godeiro. Contato: Praça Padre Manuel da Nóbrega, 16 - 4º andar. Sé - São Paulo–SP. CEP: 01015-000 - (44) 9866-4719 - (11) 7552-0659 - ilaese@ ilaese.org.br - www.ilaese.org.br. CNPJ 05.844.658/0001-01. Diagramação: Phill Natal. Editor responsável: Eric Gil Dantas.


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