Bcc 64 a crise política (mar 2016)

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CONT R A-CORRENTE A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE

Ano 06, N° 64 - Março de 2016

A Crise Política Em momento de polarização, o BCC trata sobre o impeachment, o governo Dilma e as manifestações pró e contra o governo Por Eric Gil Dantas

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país passa por mom e n t o s de conturbação e polarização políticas. O impeachment da presidente Dilma é pauta constante e parece se aproximar cada vez mais. Com milhões de pessoas nas ruas, setores se manifestam a favor e outros contra o governo e seu impedimento. O Boletim Contra-

Corrente deste mês de março tem por objetivo subsidiar a discussão com rápidos relatos da experiência brasileira com o impeachment, sobre o perfil de quem foi às ruas até agora e qual é a política do governo para a atual conjuntura. O boletim, que tradicionalmente possui mais três seções além desta introdução, está dividido da seguinte forma: (i)

um histórico sobre quais foram as vezes que a Câmara votou um pedido de impeachment no Brasil; (ii) uma análise dos dados do Instituto Datafolha que pesquisou o perfil dos manifestantes dos dias 13 e 18 de março na Avenida Paulista; e (iii) uma discussão sobre as novas políticas econômicas de Dilma e o chamado Plano Temer, do atual vice-presidente.


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Impeachment e a experiência brasileira Getúlio e Collor foram os presidentes brasileiros que passaram por processos de impeachment

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i m p e a c h m ent (que em português pode ser traduzido como “impedimento”) não é uma novidade para os brasileiros. Já em 1954, um pedido de impeachment foi levado à Câmara dos Deputados para destituir o então presidente do Brasil, Getúlio Dornelles Vargas. O pedido foi negado pela Câmara, em uma votação que resultou em 136 deputados contra o impedimento, 35 a favor e 40 se abstendo. As acusações à Vargas passavam por favorecimentos ao Jornal “Última Hora” e a tentativa de implantar uma “república sindicalista”. Apesar disto, a crise política se agravou e pouco tempo depois Getúlio tira sua própria vida no suicídio mais famoso da história brasileira. Já na segunda vez

que a Câmara chegou a apreciar tal pedido (outros governantes também já receberam pedidos, mas que não foram aprovados, como FHC e Lula) o resultado foi o inverso. Fernando Collor de Mello, primeiro presidente a ser eleito por voto popular direto desde Jânio Quadros, foi afastado pela Câmara dos Deputados em setembro de 1992 por conta de diversos casos de corrupção, envolvendo seu extesoureiro de campanha, Paulo César Farias. Em dezembro do mesmo ano o Senado Federal o condenou e Collor passou a ter sua licença política cassada por oito anos (voltou a ser senador por Alagoas apenas em 2007). Apesar de ser um governo tipicamente neoliberal, que encam-

pou fortes ataques aos traba-lhadores e que iniciou uma grande onda de privatizações (com o Programa Nacional de Desinvestimento), Collor não conseguiu agradar a burguesia em meio à crise econômica brasileira (no seu primeiro ano de mandato o PIB do país caiu 4,35%). Com a retirada do apoio da mídia (que construiu toda a sua campanha eleitoral) – passando a ser uma inimiga ativa do presidente – e políticas como o confisco da poupança, Collor perdeu apoio de outros setores da sociedade. Por fim, resistiu até o último momento à divisão dos cargos do Executivo com outros partidos para atrair uma base de sustentação no Congresso Nacional (o que se convencionou chamar de presidencialismo de

coalizão), fazendo com que seus projetos fossem rejeitado sistematicamente na Câmara dos Deputados e também passasse a ser alvo da CPI que o acusou. Os impeachments, apesar de serem de ordem jurídica, são na verdade movimentos estritamente políticos. Getúlio passava por uma crise política, que terminou com sua morte, apesar de ter triunfado no processo de impedimento. Já Collor, em um momento parecido com o de Dilma, em uma mistura de crise econômica e política, perdeu o apoio de quem construiu sua campanha, grandes empresários e a mídia, e logo depois caiu. Dilma parece embarcar no mesmo movimento, mas com um final mais próximo de Collor do que de Vargas.


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Quem foi às ruas? Apesar de haver uma diferença no perfil dos manifestantes, a periferia ainda não foi aos atos pró e anti-governo

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ais de um milhão de pessoas foram às ruas nos dias 13 e 18 de março em todo o país para defender ou repudiar o impeachment da presidente Dilma. Utilizaremos aqui os dados da pesquisa do Instituto Datafolha que entrevistou 2.262 pessoas no dia 13 (anti-Dilma) e 1.963 pessoas no dia 18 (pró-Dilma), ambos na capital paulista, para saber a partir desta amostragem estatística o perfil dos manifestantes de cada um dos dias. A primeira constatação que nos chama a atenção é a maior presença masculina nas manifestações. Na Paulista, tanto no dia 13 quanto no dia 18, houve uma presença maior de homens do que de mulheres (57% de homens e 43% de mulheres), apesar do número ser exatamente o oposto na popula-

ção paulistana (43% de homens e 57% de mulheres). O que mostra ainda uma sobreposição dos homens na política, independentemente de qual manifestação tratemos. Já sobre a idade, apesar de uma diferença nas médias de 6,6 anos entre os manifestantes de ambos os dias, com pessoas mais novas nas manifestações contra o impeachment, podemos observar a presença de pessoas mais velhas, apesar de no dia 18 haver diversas entidades estudantis. Estes dados se contrastam principalmente com as manifestações de junho de 2013, quando em 17 de junho de 2013 o Datafolha disse que em São Paulo havia 23% de jovens entre 12 e 20 anos neste protesto, e o Ibope disse haver 43% de jovens entre 14 e 24 anos nas

fonte: Datafolha

manifestações do dia 20 de junho daquele mesmo ano, em pesquisa feita simultaneamente em oito capitais brasileiras. No que se refere à escolaridade, os números mostram uma incrível homogeneidade. Segundo Datafolha, 77% dos entrevistados do dia 13 tinham ensino superior, enquanto este mesmo dado foi de 78% para o dia 18. A diferença é estatisticamente insignificante, tendo em vista que a pesquisa tem uma margem de erro de dois pontos percentuais pra cima e dois pra baixo. A alta escolaridade, com a presença esmagadora de pessoas com ensino superior, mostra uma certa elitização, ao menos do ponto de vista educacional em ambas as manifestações. Por fim os dados sobre a renda familiar dos manifes-

fonte: Datafolha

tantes. Podemos perceber por esta pesquisa que nas manifestações da Paulista do dia 13 a favor do impeachment, pessoas de alta renda eram mais presentes do que no dia 18. Para se ter uma ideia, enquanto que no dia treze, 43% das pessoas possuíam renda superior a 10 salários mínimos (R$8.800,00), no caso do ato pró-governo este número é de apenas 28%. Mesmo com algumas disparidades, parece que as parcelas mais precarizadas e exploradas de nossa sociedade ainda não entraram em cena. A ínfima participação das pessoas com baixa escolaridade e com baixa renda (em nenhuma das duas manifestações as pessoas com renda de até R$1.760,00 – que representa 29% da população paulistana – chegou aos 10%) apareceu até agora.


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“Apesar da crise” os ataques continuam A tragédia dos trabalhadores se passa tanto pela política de Dilma quanto por um eventual Plano Temer

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o primeiro parágrafo de umas de suas principais obras, O 18 Brumário de Luis Bonaparte, Karl Marx diz que “Em alguma passagem de suas obras, Hegel comenta que todos os grandes fatos e todos os grandes personagens da história mundial são encenados, por assim dizer, duas vezes. Ele se esqueceu de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”. A citação parece se encaixar perfeitamente ao que acontece hoje. A “tragédia”, quando Dilma venceu as eleições de 2014 em grande parte por conta da defesa por muitos movimentos sociais e sindical com um programa “à esquerda”, mas que poucos dias depois anunciou sua maior guinada à direita desde 2011, se compara agora EXPEDIENTE

à “farsa”, que logo após as manifestações em sua defesa no dia 18 de março, seu ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, anuncia o Projeto de Lei Complementar (PLC) 257/16. O Projeto versa sobre as dívidas dos estados e municípios com a União e de “medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal”. Para o primeiro caso, o PLC determina que a renegociação da dívida com estados e municípios fique subordinado ao congelamento salarial dos servidores públicos e que não haja novas contratações. Um comportamento digno de um FMI! Já para o “reequilíbrio fiscal”, o governo prevê inclusive o não reajuste real do salário mínimo e um plano de demissões voluntárias do serviço público.

Esta política econômica de ataque sucessivo aos trabalhadores não é nova, e já tratamos de grande parte delas ao longo dos nossos boletins, principalmente nos números 58 (Crise econômica: quem paga a conta?, de agosto do ano passado) e 59 (Três propostas para tirar o peso da crise econômica das costas dos trabalhadores, publicado em setembro também do ano anterior). Ou seja, é a mera continuação do ajuste fiscal nos trabalhadores. Por outro lado, o atual vice-presidente Michel Temer está longe de ser diferente. Com o já anunciado Plano Temer (programa do PMDB para “sair da crise”, originalmente intitulado de “Uma ponte para o futuro”) mostra, o vice-presidente propõe

aumento do ajuste fiscal, privatizações, que “na área trabalhista [...] convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais” e tantos outros pontos da agenda neoliberal, como está escrito no ponto “Uma agenda para o desenvolvimento” no já referido documento. Além disto, os nomes para aplicar tal programa já são velhos conhecidos. As especulações para o “time” de Michel Temer têm economistas como Armínio Fraga (presidente do Banco Central no governo FHC e assessor econômico da campanha de Aécio Neves), Henrique Meirelles (ex-presidente do BC no governo Lula) e mesmo o tucano José Serra. Diferente do que nos disse Tiririca em sua campanha eleitoral “pior do que tá fica”!

Contra-corrente é uma publicação mensal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimentos sociais. Coordenação Nacional do ILAESE: Antonio Fernandes Neto, Arthur Gibson, Bernardo Lima, Daniel Kraucher, Daniel Romero, Eric Gil Dantas, Érika Andreassy, Fred Bruno Tomaz, Guilherme Fonseca, José Pereira Sobrinho, Juary Chagas, Nando Poeta e Nazareno Godeiro. Contato: Praça Padre Manuel da Nóbrega, 16 - 4º andar. Sé - São Paulo–SP. CEP: 01015-000 - (44) 9866-4719 - (11) 7552-0659 - ilaese@ ilaese.org.br - www.ilaese.org.br. CNPJ 05.844.658/0001-01. Diagramação: Phill Natal. Editor responsável: Eric Gil Dantas.


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