CONT R A-CORRENTE A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE
Ano 06, N° 65 - Abril de 2016
Guerra às drogas: contra todos e contra ninguém Seja você a favor ou contrário, usuário ou não, este assunto lhe diz respeito por Ítalo Coelho de Alencar
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empre presente nos noticiários de TV, rádio ou internet, a temática das drogas é uma constante em nossas vidas. Ainda que seja um conceito vago, este tema traz paixões ao debate sempre que vem à tona. Este boletim tem o intuito de discutir alguns aspectos históricos da relação da humanidade com estas substâncias, da política proibicionista adotada no mundo e no Brasil, e a
eficiência – ou não – do combate aos danos sociais causados por esta. Para começar a esmiuçar, é preciso definir o que seria “Droga”. Segundo a Organização Mundial de Saúde, é toda substância que, introduzida no organismo, interfere em seu funcionamento. Disto, pode-se deduzir que aquele café para espantar o sono, o chá para melhorar de uma dor de cabeça, chocolate para aliviar os sintomas da TPM, a cer-
veja pra diminuir o estresse ou mesmo o cigarro de maconha para acalmar fazem parte do mesmo gênero. Até o início do século XX, drogas como maconha, cocaína e ópio eram usadas por muitas pessoas como medicamentos ou mesmo como forma de diversão. No entanto, por diversos fatores – políticos e econômicos, principalmente – esta história muda drasticamente.
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Uma boa desculpa pra fazer Guerra Da famosa Lei Seca (1919) surge o temido Al Capone
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partir do início dos anos 1900, com o aumento da oferta em escala mundial, somado às péssimas condições de vida da classe trabalhadora, após a Revolução Industrial, começa a se tornar mais visível o uso abusivo e a dependência de drogas, ainda lícitas, em sua maioria. Devido ao uso destas por grupos socais tidos como perigosos para o status quo, passa-se a articular a política proibicionista pelos países que dominam o sistema capitalista. Em 1912, na cidade de Haia, Holanda, aconteceu uma conferência da que debateu e encaminhou o primeiro tratado internacional sobre drogas. Mais especificamente sobre o ópio, devido às críticas em relação à tolerância dos países a seu consumo. Esta reunião foi resultado da conferência convocada pelos EUA, em 1909, chamada de Convenção Internacional do Ópio. O tratado resultante daquela foi assinado por Alemanha, EUA, China, França, Reino Unido, Itália, Japão, entre
outros, sendo ratificado pela Liga das Nações, embrião da ONU, em 1923. A Convenção previu que “os Poderes contratantes envidarão os seus melhores esforços para controlar, ou para fazer com que sejam controladas, todos os tipos de fabricação, importação, venda, distribuição e exportação de morfina, cocaína e de seus respectivos sais”. No caso dos EUA, que tinha uma população crescente de imigrantes em seu mercado de trabalho, concorrendo com a mão-de-obra nativa, este tratado foi implementado em 1915. Baseado em um discurso xenófobo, semeia a ideologia contra os imigrantes mexicanos, que consumiam maconha, assim como os irlandeses, adeptos do hábito de ingerir bebidas alcoólicas e os asiáticos, apreciadores de ópio, relacionando-os a vadiagem, desordem e violência. Consequentes com isto, e apoiados na doutrina puritana da temperança, que pregava a abstenção dos prazeres terrenos, em
1919 edita a chamada Lei Seca, onde proíbe a fabricação, comércio e consumo de bebidas alcoólicas. Estrutura o aparelho estatal para a perseguição daqueles que ousarem infringi-la. Como a demanda não diminuiu, a produção se fortaleceu. Agora de forma clandestina, à margem da legalidade, o que favoreceu o crescimento das máfias em torno desta indústria. Tornando vultosos os lucros, sem nenhuma taxação. Portanto, quem se aventurava nesta atividade, auferia lucros imensos, assim como o poder de sua rede de corrupção de agentes públicos e aumento da violência neste
ramo. O mais conhecido destes “empresários”, surgidos com a Lei Seca, foi Al Capone. Tal política se mostrou inútil, do ponto de vista de reduzir o consumo e seus danos. Porém foi um sucesso do viés econômico para a nascente indústria da proibição e da guerra. Em 1933 esta lei foi revogada. Todavia, o aparelho estatal burocrático, assim como o crime organizado mudou de ramo. A partir daí, surge a proibição da maconha. Desta vez com discurso dirigido aos imigrantes mexicanos, muito mais numerosos e incômodos, no contexto de aprofundamento da crise capitalista de 1929.
Protesto “We Want Beer!” em New Jersey, 1931.
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Inimigo pero no mucho Em todo o mundo há cerca de 243 milhões de pessoas consomem drogas ilícitas
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á sob a égide da ONU, depois da II Guerra Mundial, a política proibicionista se alastrou pelo mundo, ao mesmo tempo que o surgimento de novas drogas e o consumo das conhecidas, não parou de crescer. Mesmo com o aumento da repressão, atualmente no mundo há cerca de 243 milhões de pessoas1consomem drogas ilícitas, o que representa 5% de população. Destes, 27 milhões apresentam uso problemático de psicoativos. Quando se trata de drogas lícitas, álcool e tabaco lideram a lista de consumo. O discurso proibicionista se baseia na proteção da saúde pública, o que contrasta com os dados relativos aos danos sociais causados pelas drogas permitidas em quase todos os países ocidentais. No Brasil, um estudo elaborado pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde, aponta que, entre 2006 e 2010, foram contabilizados 40,6 mil óbitos causados por substâncias psicoativas. O álcool aparece na primeira colocação entre as causas, sendo responsável por 85% dessas mortes. Quando o assunto é cigarro, este mesmo estudo
aponta que 4,6 mil pessoas morreram vítimas desta droga. Portanto percebe-se que é o lucro, e não a preocupação com a saúde, que rege o mercado e as políticas públicas de drogas. O caos social como consequência Com o aumento do desemprego entre os jovens, principalmente entre negros, moradores de áreas com índice de Desenvolvimento Humano muito baixos, sem acesso a educação, saúde e moradia, o tráfico recruta seus funcionários. Relatório de ONU de 2005 aponta que 45% dos jovens entre 15 e 24 anos vivem com menos de dois dólares por dia, se tornando alvos fáceis da sedução de uma vida melhor ao trabalharem para o tráfico. Das
mulheres presas, metade foi por algum envolvimento com o tráfico. Entre os homens, um em cada quatro está encarcerado é por este motivo. Em 2014 a Comissão de Narcótico das Nações Unidas concluiu em seu relatório que a economia do narcotráfico movimenta, anualmente, em todo mundo, uma cifra de 320 bilhões de dólares (em reais, ultrapassa um trilhão). Com estes dados, não é difícil concluir que quem lucra com esta atividade não são os moradores da comunidade. Todavia, são estes que “pagam o preço” da guerra. Portanto, não é difícil de concluir que a tal guerra é estéril, tanto em resultado quanto em seu propósito. A “lei de Drogas” (11.343/06)2 em vigor no
país, ao não estabelecer critérios objetivos para identificar quem pratica a conduta de tráfico de drogas, deixa a critério do delegado de polícia ou Ministério Público definir quem deve ser preso. A partir de um Recurso Especial (R.E 635659) em um processo, com repercussão geral, está sendo debatida no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade artigo 28 da Lei, que trata de “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização (…)”. Dos três votos já computados, todos foram favoráveis à inconstitucionalidade deste. No entanto, após mais um pedido de vistas, o julgamento foi suspenso sem previsão de retorno à pauta.
http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/06/26/onu-apesar-de-estavel-consumo-de-drogas-atinge-243-milhoes-no-mundo.htm 2 http://ultimosegundo.ig.com.br/2014-09-23/677-dos-presos-por-trafico-de-maconha-tinham-menos-de-100-gramas-da-droga.html
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Existe solução? M
uitos países estão revendo sua legislação sobre as drogas, como Holanda, México, Portugal e Espanha, com base nos resultados desastrosos desta guerra. O exemplo mais emblemático é o dos EUA. País dirigente da política proibicionista em nível mundial, já tem vários exemplos positivos com a Legalização da Maconha, que é a droga mais consumida. Quando se trata de uso medicinal, 22 estados já possuem legislações que regulamentam a produção, circulação e comércio. Quando se trata de uso recreativo, quatro já o fizeram. Ao contrário do que se imagina, a legalização não fez com que o consumo aumentasse. Em alguns casos, chegou a apresentar queda3. Da mesma forma, o índice de crimes que envolviam o tráfico teve um importante declínio. O que aumentou consideravelEXPEDIENTE
mente foi a arrecadação de impostos sobre este ramo econômico. Outro exemplo de sucesso, mais próximo a nós, é o Uruguai4. Desde 2014 este país passou a regular o plantio, consumo e circulação da maconha. Os resultados positivos são facilmente observados. Agora, a droga pode ser vendida, com licença para a ironia, em farmácias e drogarias. O tráfico e mortes causadas
por este deixaram de existir. Nesta mesma toada, Colômbia, Chile e Argentina estão discutindo as melhores formas de armistício. Em todo o mundo, movimentos sociais antiproibicionistas ganham as ruas, com crescente apoio popular, para exigir do Estado a mudança de paradigma no tratamento deste assunto. Ao invés de investimento massivo
em armas e repressão, é preciso legalizar todas as drogas, estatizando a cadeia de produção, circulação e comércio, para que sejam gerados empregos dignos aos que nela trabalham e que as riquezas geradas sejam investidas em áreas sociais, como saúde, educação e assistência psicossocial dos usuários, a fim de prevenir a sociedade dos riscos e minimizar os danos decorrentes do uso.
Marcha da Maconha em São Paulo (2014) – Foto: Mídia Ninja
Contra-corrente é uma publicação mensal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimentos sociais. Coordenação Nacional do ILAESE: Antonio Fernandes Neto, Arthur Gibson, Bernardo Lima, Daniel Kraucher, Daniel Romero, Eric Gil Dantas, Érika Andreassy, Fred Bruno Tomaz, Guilherme Fonseca, José Pereira Sobrinho, Juary Chagas, Nando Poeta e Nazareno Godeiro. Contato: Praça Padre Manuel da Nóbrega, 16 - 4º andar. Sé - São Paulo–SP. CEP: 01015-000 - (44) 9866-4719 - (11) 7552-0659 - ilaese@ ilaese.org.br - www.ilaese.org.br. CNPJ 05.844.658/0001-01. Diagramação: Phill Natal. Editor responsável: Eric Gil Dantas. 3 4
http://www.hypeness.com.br/2015/07/quais-foram-os-impactos-do-uso-medicinal-da-maconha-nos-paises-que-o-legalizaram/ http://epoca.globo.com/ideias/noticia/2015/08/experiencia-do-uruguai-com-liberacao-completa-da-maconha.html