Bcc 67 o desinvestimento na educação e as ocupações de escolas (jun 2016)

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CONT R A-CORRENTE A análise da conjuntura econômica na visão e linguagem do sindicalismo classista e dos movimentos sociais Boletim mensal de conjuntura econômica do ILAESE

Ano 06, N° 67 - Junho de 2016

O desinvestimento na Educação e as ocupações de escolas O BCC deste mês trata sobre a crise fiscal dos estados e as ocupações de escolas por Eric Gil Dantas e Matheus Gomes

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estes últimos meses vimos a juventude de secundaristas ocupando inúmeras escolas pelo país, com especial destaque para Rio, São Paulo, Goiás e Rio Grande do Sul. Cremos que isto esteja associado também com o desinvestimento em Educação que assistimos

nos estados, fenômeno que ocorre em conjunto à suas crises fiscais. Para analisarmos as ocupações, o Boletim Contra Corrente do mês de junho inicia com um estudo sobre as finanças públicas dos já referidos quatro estados, escolhidos aqui por abrigarem as manifestações mais volumosas contra fecha-

mentos de escolas, desvios de dinheiro da merenda e um longo etc., e acaba na discussão sobre o movimento de ocupações de escolas protagonizados pelos estudantes do ensino médio estadual, que nos ensinaram muito sobre auto-organização e mostraram a possibilidade de derrotar governos.


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A redução dos investimentos em Educação e a renegociação das dívidas dos estados No último ano, os estados diminuíram as receitas e seus investimentos em Educação. Mas o plano do presidente interino, o PL 247, irá aprofundar ainda mais a crise nos serviços públicos estaduais

Por Eric Gil ma das prin- CRESCIMENTO E DECRÉSCIMO DAS RECEITAS TOTAIS EM 2015 EM VALORES NOMINAIS (POR ESTADO) cipais consequências da crise econômica a qual passa o Brasil, é a já famosa “quebradeira” dos estados. Unidades federativas como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul atrasaram nos últimos meses salários e pagamentos de aposentadorias, deixando muitos trabalhadores à CRESCIMENTO E DECRÉSCIMO DAS RECEITAS TOTAIS EM 2015 EM VALORES NOMINAIS (POR ESTADO) sua própria sorte. Para entender como anda a situação financeira dos estados, vejamos como cresceram ou diminuíram as receitas de quatro das unidades federativas mais atingidas pela crise econômica e que tiveram as principais ocupações de escolas: Fonte: Portal da Transparência dos respectivos estados São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Três dos quatro veram diminuição das Sul e Goiás. estados analisados ti- suas receitas entre os

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anos de 2014 e 2015. O RJ foi o estado que, de longe, perdeu mais receitas. Parte da explicação do Rio ter perdido muito mais do que os outros estados foi a diminuição da arrecadação com os royalties do petróleo. Apesar de São Paulo ainda ter um crescimento nominal (sem descontar a inflação), a receita deste estado teve uma retração real (descontada a inflação) de 6,1%. A queda da receita impactou, logicamente, quanto de dinheiro foi destinado à Educação nestes estados. Se em tempos normais a luta para reajustar salários de professores e destinar mais verbas para melhorar as condições do ensino e ampliá-lo já é grande, em crise é muito pior.


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O que Temer propôs aos estados? O

presidente interino, Michel Temer, propôs que o Governo Federal passe a ter um limite de gastos anual nos próximos 20 anos. Esses gastos só poderiam aumentar na mesma proporção da inflação do ano anterior. Um cálculo feito pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp/ FGV) mostra que se isto tivesse sido implementado teria exigido corte de despesas de R$ 430,3 bilhões no Orçamento da União do ano passado e de R$ 1,82 trilhão desde 2007. E quais áreas seriam as mais atingidas? Em 2015, teríamos tido R$ 271,8 bilhões a menos nas quatro principais áreas do governo: Previdência (R$ 194,7 bilhões), Educação (R$ 21,6 bilhões), Saúde (R$ 21,1 bilhões) e Assistência Social (R$ 34,4 bilhões). A proposta de Temer é a mesma para os estados, que o interino vinculou à renegociação das suas dívidas neste mês. Caso o PL 257/16

seja aprovado da forma que Temer quer, os governos estaduais não poderão também aumentar seus gastos acima da inflação, assim como os reajustes salariais dos servidores estaduais serão no máximo no mesmo nível da inflação. Além disto os estados serão obrigados a vender várias de suas empresas estatais. Mais privatizações. Qual será o efeito disto nos pretendidos vinte anos de vigor? Excetuando o ano de 2015, quando o Rio

Grande do Sul viu sua receita cair 1,4%, entre os anos de 2012 e 2014 o estado teve um crescimento acumulado de 37% de sua arrecadação, 18,7% acima da inflação! Já São Paulo teve, nestes mesmos três anos, um aumento real de 10,7% na arrecadação, enquanto que no ano de 2015 aumentou apenas 4,5%, abaixo da inflação. No Rio de Janeiro, onde a situação é bem pior, houve crescimento acumulado real da receita em 10,93%, entre os anos de 2012 e

2014. Todos estes números irão se inverter e significarão diminuição dos gastos com Educação, Saúde, salários e um longo etc.. Em nome do pagamento das dívidas com a União, e consequentemente do pagamento da dívida pública federal aos grandes bancos, salários serão sistematicamente reduzidos (com aumentos sempre abaixo da inflação), hospitais e escolas serão ainda mais sucateados e mais empresas serão privatizadas.


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As ocupações de escolas A reorganização da esquerda não será vitoriosa, caso não haja equidade no trato com esses jovens

Por Matheus Gomes movimento secundarista retorna com força ao cenário político nacional e acrescenta novos ingredientes ao conflituoso debate sobre a reorganização em curso na esquerda. Surge uma nova geração de ativistas, fortemente influenciada pelo sentimento de desconfiança aos partidos e organizações tradicionais, mas com gosto pelas ações radicalizadas, consciente de sua capacidade de autodeterminação e movida pelo combate as injustiças sociais. O método de ocupação de escolas surpreendeu não apenas os governos e empresários, mas também a maioria dos movimentos de juventude que, presos ao espírito rotineiro imposto pela burocratização da União Brasileira de Estudantes Secundaristas, não observaram atentamente o acúmulo de forças que se desenvolvia nas salas de aula do decadente ensino público brasileiro, especialmente nas periferias das metrópoles. A primeira grande li-

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ção é que para os secundaristas o internacionalismo não é letra morta. A troca de experiências a partir das redes sociais com os jovens chilenos e argentinos foi o exemplo de luta que os contagiou. Posteriormente, houve contato com as ocupações de escolas no Paraguai, que ocasionaram a queda de Marta Lafuente, ministra da Educação. A partir daí, observamos que as motivações do movimento estão para além da crítica aos projetos educacionais de PSDB, PMDB, PT e cia., que

combinam o desinvestimento com a inserção das Organizações Sociais que, na prática, são a antessala da privatização, pois tornam um direito essencial a ser garantido pelo Estado refém das leis mercado. Em São Paulo e Goiás, o movimento surge como reação aos planos de reorganização escolar e terceirização-militarização. Já no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Ceará a pauta foi mais difusa. A realidade é que a educação é o ponto disparador de uma crítica geral ao sistema capitalis-

ta por uma juventude que cresceu nutrindo esperanças na promessa de mobilidade social, agora transformada em frustração devido à crise do modelo neodesenvolvimentista de Lula e Dilma, concretizado na falácia do governo Temer. Notamos que as pautas feministas, LGBTs e das negras e negros eram parte das reivindicações, para além do combate aos projetos que vetam o ensino de gênero e sexualidade nas escolas, assim como a desmilitarização da polícia. O rechaço ao movi-


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mento ultra-conservador “Escola Sem-Partido”, que visa instituir o pensamento único nas escolas, é parte desse sentimento. A principal força do movimento era o poder de autogestão das escolas, que foi muito além de qualquer projeto de “gestão democrática” desenvolvido através das secretarias de educação. Eis o questionamento: quem controla a educação pública? O apoio popular forneceu a base de sustentação pro movimento, mas também ressignificou a ideia de comunidade escolar. A voz dos estudantes sai fortalecida com a subversão da hierarquia existente nas escolas e a afirmação cate-

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górica contra o desprezo à capacidade política e intelectual da juventude. Dentro das ocupações, os estudantes aprendiam ensinando. Estabeleceu-se a dinâmica de oficinas oferecidas por voluntários que discutiam temas vinculados às inúmeras áreas das ciências humanas e naturais. Em várias ocupações foram oferecidas aulas preparatórias para o ENEM. A democracia direta era uma regra no movimento. Não observamos a predominância das decisões pelo método do consenso, por mais que a busca por acordos mínimos fosse privilegiada. Assembleias quase diá-

rias debatiam os passos do movimento, organizavam a alimentação, limpeza, comunicação, segurança e os temas que surgiam eram decididos no voto direto. Sobre as lideranças, categoria negada pelo movimento, o que havia na maioria das ocupações era a delegação de tarefas a indivíduos subordinados às assembleias, um movimento sujeito à rotatividade e à avaliação permanente, que submete a formação individual à coletividade instaurada nas ocupações. A autodefesa do movimento é um tema importante, mas ainda pouco desenvolvido pelos estudantes. Isso aparecia ao público através da organização dos piquetes e o combate aos movimentos de desocupação, mas também a partir dos duros enfrentamentos com as forças policiais. As ocupações de escolas nos diferentes estados estabeleceram colaboração com o movimento sindical. Entretanto, a unidade política não se impunha sobre as diferenças metodológicas que criam m hiato entre os novos ativistas e as velhas práticas sindicais. As entidades tradicionais do movimento

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secundarista foram rechaçadas e em todos os estados buscaram estabelecer acordos com governos e secretarias de Educação pelas costas do movimento. Em SP, RJ e RS, constituíram-se comandos com representantes de escolas, entretanto, o único lugar onde esse instrumento respondeu pelo conjunto do movimento foi em SP. Observar as características desse processo é fundamental. Não somente por estarmos falando dos que darão continuidade a luta social nos próximos anos, pois eles são um elemento que desestabiliza a correlação de forças no presente, como demonstrou a vitória sobre Alckimin em SP. O fato do novo movimento secundarista aparentar insurgir-se a tudo e todos não deve nos deixar temerosos: eles sabem contra quem lutam, porém, precisam desenvolver confiança em seus potenciais aliados e isso exige dos mais velhos humildade para absorver essa energia pulsante. A reorganização da esquerda não será vitoriosa, caso não haja equidade no trato com esses jovens, que são o aspecto mais vibrante do ciclo de lutas aberto em junho de 2013.

Contra-corrente é uma publicação mensal elaborada pelo ILAESE para os sindicatos, oposições sindicais e movimentos sociais. Coordenação Nacional do ILAESE: Antonio Fernandes Neto, Arthur Gibson, Bernardo Lima, Daniel Kraucher, Daniel Romero, Eric Gil Dantas, Érika Andreassy, Fred Bruno Tomaz, Guilherme Fonseca, José Pereira Sobrinho, Juary Chagas, Nando Poeta e Nazareno Godeiro. Contato: Praça Padre Manuel da Nóbrega, 16 - 4º andar. Sé - São Paulo–SP. CEP: 01015-000 - (44) 9866-4719 - (11) 7552-0659 - ilaese@ilaese.org.br - www.ilaese.org.br. CNPJ 05.844.658/0001-01. Diagramação: Phill Natal. Editor responsável: Eric Gil Dantas.


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