Maíra Ferrari Reis - INDAGAÇÕES SOBRE A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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Maíra Ferrari Reis

INDAGAÇÕES SOBRE A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para a obtenção título de Especialista em 2010, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS Orientador: Professora Ms. Ângela Cogo Fronckowiak

SÃO LEOPOLDO 2010 Maíra Ferrari Reis


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INDAGAÇÕES SOBRE A LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização apresentado como requisito parcial para a obtenção título de Especialista em 2010, pelo Curso de Especialização em Educação Infantil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS

Aprovado em ___/____/____


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Dedico este trabalho aos meus queridos alunos da Educação Infantil do Colégio Ulbra São João, do ano de 2010, que foram a minha grande fonte de inspiração.


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AGRADECIMENTOS

Em muitas ocasiões na vida, é importante contar com o apoio e ajuda das pessoas. Contei com muitas delas para a realização deste trabalho. E a essas pessoas presto os meus sinceros agradecimentos: Em primeiro lugar a Deus, autor e doador da vida, por ter abençoado meus dias para que eu tivesse força e ânimo de seguir em frente; À professora Ângela Cogo Fronckowiak, pelas belíssimas aulas que nos proporcionou e por ter motivado a minha escrita. Também, por ter continuado me orientando mesmo com tantas tarefas; Ao meu marido, André Luiz Müller, pelo carinho e paciência que demonstrou apesar da minha ausência, especialmente na reta final deste trabalho; Aos meus pais, Elies Henrique Reis e Maria Cecília Coelho Ferrari Reis, meus grandes incentivadores; À equipe diretiva do Colégio Ulbra São João, por ter oportunizado e incentivado meu trabalho com a Educação Infantil e por sempre ter acreditado em mim; Aos pais dos alunos da Educação Infantil 2010 do Colégio Ulbra São João, pelo apoio e confiança em mim depositados; Aos meus alunos da Educação Infantil 2010 do Colégio Ulbra São João, pelo carinho que sempre me ofereceram gratuitamente.


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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................8 2 A LEITURA.........................................................................................................................10 2. 1 A HISTÓRIA DA LEITURA............................................................................................10 2.2 POR QUE LER PARA AS CRIANÇAS?..........................................................................13 2.3 A FORMAÇÃO DO LEITOR – ASPECTOS RELEVANTES.........................................16 3 A LITERATURA.........................................................................................................18 3.1 O QUE É LITERATURA?.................................................................................................18 3.2 A HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL..................................................................21 3.2.1 Os contos de fadas..................................................................................................23 3.2.2 Mas afinal, o que é literatura infantil?....................................................................24 4 O PAPEL DA POESIA................................................................................................26 5 ASPECTOS FAVORÁVEIS AO TRABALHO COM A LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA..................................................................................................................28 6 EXPERIÊNCIA COM A LITERATURA INFANTIL NA SALA DE AULA...............31 6.1 O PROJETO..............................................................................................................34 7 CONCLUSÃO.............................................................................................................36 REFERÊNCIAS.............................................................................................................37


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Enquanto eu tiver perguntas e n達o houver respostas... continuarei a escrever. Clarice Lispector


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RESUMO: O presente estudo ter por objetivo justificar o trabalho da literatura infantil dentro e fora da sala de aula de escolas de educação infantil e de ensino fundamental, aliado a uma prática que envolva também elementos não textuais. No referencial teórico, resgata-se a história da escrita, a importância das manifestações orais e o papel da literatura na sociedade, especialmente da literatura infantil. Por fim, relata-se a experiência vivida em uma escola da rede privada de ensino com um projeto de “contação de histórias” para crianças da educação infantil. Palavras-chave: Literatura infantil. Criança. Educação Infantil.


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1 INTRODUÇÃO

No início das aulas do corrente ano, com a minha primeira turma de educação infantil, me vi ansiosa para começar a contar histórias às crianças, o que para mim é algo muito prazeroso e importante. A história que escolhi para contar logo nos primeiros dias de aula foi “O caso das bananas”. Trata-se de uma história rimada, a qual narra o drama de um macaco que pensa ter sido roubado. A personagem dona coruja investiga o caso e a cada página conversa com um animal diferente da floresta. Como pista para as crianças tentarem adivinhar o próximo animal com o qual a dona coruja irá falar, além da rima, que sugere um nome (ou uma terminação de um nome), aparece a ponta do rabo do animal seguinte. No final da história, se descobre que, na verdade, o macaco não foi roubado – ele é sonâmbulo! Para minha surpresa, as crianças não pareceram apreciar a história tanto quanto eu. Fiquei intrigada. No momento em que finalizei a leitura, percebi que muitos deles não sabiam o que significava “sonâmbulo”. Perguntei, então, o que achavam que era. Surgiram algumas definições. Mostrei a ilustração, fiz até uma mímica para imitar uma pessoa sonâmbula e expliquei-lhes em palavras simples do que se tratava. Conseguiram compreender, mas claro que a história não teve a graça que teria se já soubessem o significado previamente, ou se pelo menos tivessem se envolvido desde o início. Perguntei a eles se tinham gostado daquela história, alguns disseram que sim, levantaram as mãos, talvez por isso outros que ainda não tinham se manifestado sentiram vontade de fazer o mesmo. Perguntei a eles quem gostava de histórias. Algumas crianças disseram que não gostavam. Logo pensei que meu objetivo ao longo do ano seria buscar despertar neles o interesse pela literatura. Passado aquele momento, analisando os fatos ocorridos, perguntei a mim mesma se seria possível que os alunos não tivessem gostado da história por não terem compreendido as rimas. Questionei também se poderiam não ter entendido algumas palavras ou ainda, quem sabe, se a história não era tão boa assim. E me dei conta de algo que penso ser um dos fatores mais importantes para que alguns daqueles alunos dissessem que não gostavam de histórias: muitos deles não tinham o costume de ouvi-las. Comecei, então, a intensificar a leitura de textos (entenda-se narrativas e poesias). Houve um período do ano letivo em que todos os dias eu lia para eles, fosse um conto, uma


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fábula, uma poesia, um capítulo de livro. Não demorou muito para despertar o interesse em todos e ser possível ver o entusiasmo daquelas crianças ao sentar no tapete para a hora do conto. Nesse período, fui à procura de livros de qualidade, de autores renomados, vencedores de prêmios. Esbarrei em algumas dificuldades: como definir um livro como sendo bom? Quais seriam meus critérios? Os autores? As ilustrações? A editora? Ou tudo isso junto? Devido a minha inexperiência, baseei-me no conselho de colegas e na minha própria intuição. Outro problema que logo se apresentou foi o custo com os materiais: adquirir todos os livros que eu gostaria não seria possível por questões financeiras e a biblioteca da escola infelizmente não dispunha de tantos livros “bons” como eu gostaria. Foi então que decidi iniciar um projeto de leitura com os alunos, ao qual coloquei o nome de Ciranda dos Livros. Cada aluno iria adquirir um livro e toda a semana faríamos a troca dos livros entre eles. A meta seria a de que cada criança lesse/ ouvisse a história do livro de todas as outras crianças da turma, portanto, cada aluno leria/ouviria a história de vinte e quatro livros durante o ano, já que há vinte e quatro alunos na turma. Esse projeto não é exatamente uma novidade. Há muitas escolas e docentes que já o realizaram em sua prática. A inovação talvez fosse fazer isso com crianças não-alfabetizadas. Com essa proposta didática de leitura de livros, eu estaria solucionando dois problemas de uma só vez: o financeiro e o da qualidade dos livros e ainda envolveria a família das crianças nesse processo de identificação e de formação do gosto pela leitura. O projeto foi bem aceito pelos familiares. Atualmente, a maioria deles se envolve tanto quanto as crianças, ansiosos pelo próximo livro. As crianças escolhem o livro com muita antecedência e às vezes ocorrem brigas e choro por um pegar o livro no qual o outro estava interessado. Também há indicação de livros entre eles, que sugerem e falam bem ou mal de livros para seus amigos. Ao que tudo indica o projeto vai “de vento em popa”. No entanto, em minhas reflexões sobre a (minha) prática docente, na qual a pósgraduação em Educação infantil foi e está sendo fundamental, tenho muitos questionamentos em relação à literatura – alguns inclusive já levantados anteriormente nesse texto – e pretendo, com essa monografia, investigá-los e, quem sabe, obter algumas respostas e muitos outros questionamentos, certamente.


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Gostaria que esse trabalho de pesquisa servisse a mim e a outras pessoas como um aprofundamento teórico sobre questões a respeito da leitura na escola que viraram lugarcomum na linguagem de pedagogos e professores de língua portuguesa e literatura, mas que possivelmente muitos não saibam o real motivo. Afirmações como “ler é muito importante” são feitas a todo o momento; mas quem realmente sabe por que essa deve ser uma prática realizada na escola desde a mais tenra idade? Quais devem ser os critérios para a escolha de livros para crianças? Como a literatura deve ser apresentada à criança? E existe uma literatura infantil? Apesar de haver a impressão de que todo mundo já está “cansado de saber” sobre a importância da leitura e da contação de histórias para crianças e jovens, acredito que essa discussão está muito longe de se encerrar. Em primeiro lugar, porque, como já disse anteriormente, penso que muitos profissionais da área da educação têm uma ideia vaga ou equivocada sobre a real importância e a necessidade da leitura de literatura infantil. Também porque é notório que em nosso país a população em geral não tem apreço pelos livros, o que já foi divulgado em diversas pesquisas. Isso precisa dizer alguma coisa aos professores! Acredito que através da pesquisa e do estudo, de suas divulgações, e mais do que isso, da sensibilização dos professores e pais para o assunto – por meio da experimentação – teremos maiores avanços. Com essa monografia pretendo iniciar a parte que me cabe!

2 A LEITURA

2. 1 A HISTÓRIA DA LEITURA

O homem é um ser social e, como tal, se comunica com seus pares através dos seus sentidos. A capacidade de falar e ouvir são inatas aos seres humanos, isto é, naturais, ao contrário da capacidade de ler ou escrever, que são produtos culturais, criados pelo próprio homem. deixando de lado os incontáveis milênios em que as sociedades humanas foram exclusivamente orais, pode-se concluir que, dos egípcios e sumérios aos fenícios e hebreus (para não mencionar os indianos e os chineses), a escrita nas sociedades onde era praticada restringiu-se às elites clericais ou comerciais, que se davam ao


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trabalho de aprendê-la. As atividades ligadas à justiça, governo e vida cotidiana ainda eram comandadas pela comunicação oral, como hoje ainda acontece em grande parte do mundo islâmico e até mesmo na China. (HAVELOC apud BRODBECK, 2009, p. 18)

De acordo com Brodbeck (2009), se olharmos para as primeiras formas de manifestação da escrita, percebemos que era uma forma de eternizar as criações dos artistas gregos. A autora diz que as narrativas eram contadas em forma de performances, isto é, textos literários eram encenados por um leitor que utilizava o rolo (formato do livro) e a performance. Era atribuição do leitor dar vida ao texto, inserir os aspectos prosódicos e a força ilocucionária que se perdem no sistema escrito (...) O leitor desempenhava o papel de performático, e a pausa e tom de voz fornecidos pelas marcas paralinguísticas nos textos atuais (vírgulas, citações, itálico, novo parágrafo, etc.) eram atribuição do leitor através da sua interpretação. (JOHNSON, apud BRODBECK, 2009, p.19)

Fica bastante claro o papel fundamental que o leitor tinha: além de narrar a história, interpretava o texto aos que estivesse assistindo, numa espécie de teatralização. Como diz na citação acima, ele iria “dar vida ao texto”. E essa performance, tinha como objetivo prender a atenção dos espectadores para que ouvissem a mensagem e para que esta ficasse guardada em suas mentes. Nos dois primeiros séculos da Idade Média o quadro da leitura se modificou. A Igreja Católica passou a ter domínio sobre a sociedade e impedia o desenvolvimento da educação e da leitura entre a população. Os privilegiados eram monges e algumas outras pessoas de extratos elevados da sociedade medieval. De acordo com Brodbeck (2009), poucas pessoas sabiam ler e era comum que ocorresse leituras públicas. No período da Renascença ocorreu o marco da leitura e escrita com a invenção da imprensa por Johannes Gutemberg. Com essa criação, a produção de livros e de outro tipo de materiais de leitura tornou-se rápida e barata, levando a ampliação do mercado e do público leitor. A partir do século XVI, de acordo com Santaella (apud BRODBECK, 2009) a prática predominante foi a leitura individual, o qual ela denomina contemplativo. Do Iluminismo ao século XIX a leitura começa a se estender a todas as classes sociais européias, que acompanham a publicação de textos ficcionais nos jornais. Os livros também uma preocupação em tornar os livros mais baratos, democratizando a leitura.


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No século XX, o cenário mundial havia se modificado, com o crescimento dos grandes centros urbanos, a invenção do automóvel, do avião, da televisão e do cinema. Além disso, o conflito entre valores morais, éticos e religiosos contribuíram para transformar a maneira de entender o mundo, conforme Brodbeck (2009) O leitor também se transforma, tornando-se fugaz, que precisa esquecer, pelo excesso de estímulos e pela falta de tempo. É um leitor de fragmentos. O século XXI traz mais inovações: com o advento da internet, cria-se uma nova forma de leitura, por meio dos hiperlinks, que permitem uma leitura diferenciada, sem necessariamente um começo, meio e fim igual para todos. A era digital acarretou “transformações sensórias, perceptivas e cognitivas que trazem conseqüências também para a formação de um novo tipo de sensibilidade corporal, física e mental”. Essa breve retrospectiva teve como objetivo mostrar as modificações pela qual a sociedade passou e também a leitura e a escrita. É muito importante perceber o cenário em que vivemos atualmente, pois o ser humano é altamente influenciado por ele, inclusive as crianças. É comum ver as pessoas comparando suas infâncias - mais pacatas - à infância que percebemos atualmente: dinâmica, agitada, inquieta. Como se viu, isso se deve à grande quantidade de estímulos que as crianças recebem (da televisão, de filmes, da internet, do mundo movimentado e agitado em que vivemos). Na contramão de todas essas mudanças está a escola, que desde o século passado continua no mesmo formato, tanto no que se refere à estrutura física quanto à estrutura programática. Lidar com essa situação não é uma tarefa fácil para os professores. O que fazer? Mudar os métodos e o currículo ou insistir na metodologia que vem sendo perpetuada? O que a escola precisa ensinar aos alunos? De que forma abordar a leitura? Como ler para os alunos pequenos? Exigir o silêncio ou deixar que interrompam? Essas são apenas algumas das questões que podem vir a mente de alguém que constata as mudanças do mundo e algumas delas serão abordadas nesse estudo. A seguir, no capítulo subsequente, discutirei a importância da leitura e da escrita em nossa sociedade, buscando compreender de que maneira é possível formar (bons) leitores.


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2.2 POR QUE LER PARA AS CRIANÇAS?

Apesar de ser praticamente uma premissa da educação, um verdadeiro lugar-comum, acredito que se faça necessário questionar a importância da leitura, a fim de encontrar as razões e as justificativas de sua existência e, ao mesmo tempo, perceber as armadilhas nas quais muitos docentes caem por apenas repetirem algo que lhes foi dito sem avaliar criticamente. Afirmar a importância da leitura implica diretamente afirmar a importância escrita, afinal, se não houver uma não poderá haver a outra. Nessa linha de raciocínio, podemos observar que a escola corrobora com esse pensamento e, mais do que isso, tem fixação pelo papel, o qual simboliza a leitura e a escrita. Constantemente, são oferecidos papéis de diversos tipos para crianças da educação infantil da mais tenra idade, com o objetivo de irem se familiarizando com o material e com a concepção do “ser culto” de nossa sociedade, que nele está embutida. Diante disso, me questiono: a leitura e a escrita são mesmo indispensáveis ao ser humano? E ainda: é preciso o domínio de ambas para se constituir um cidadão crítico e bem articulado? A sociedade capitalista ocidental, na qual estamos inseridos, faz questão de afirmar e reafirmar que a leitura e a escrita são fundamentais para obter sucesso profissional e pessoal, sendo, portanto, uma exigência do mercado de trabalho. Dito isso, a presente discussão parece não ter razão de existir. No entanto, é nesse ponto que ela se torna mais problemática: ler e escrever são realmente habilidades essenciais, que contribuem para a libertação do ser humano, para o seu crescimento e para torná-lo crítico ou, pelo contrário, visam a uma espécie de “catequização”, na qual querem incutir uma ideologia através desses mesmos meios? David R. Olson (1997) discute as funções da leitura e da escrita nas sociedades letradas e constata que a escrita ocupa um lugar de destaque na atualidade. O autor aponta seis crenças a esse respeito e discute cada uma delas, que serão aqui apresentadas: 1) “Escrever é transcrever a fala”. A transcrição do que é dito não leva em consideração a intenção e a forma como foi dito, o que pode dar margem a diversas


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interpretações. Quando a escrita se torna um modelo para a fala, limita a espontaneidade e a criatividade. Aprender a ler é aprender a pensar de uma maneira diferente sobre a fala. 2) “A escrita é superior à fala”. A fala é vista como sendo desleixada, no entanto, a escrita é que deve ser subordinada a esta. As criações linguísticas são propiciadas pela espontaneidade da fala, que atendem a novas situações de comunicação. A escrita decodifica os dados, mas não os reproduz em sua totalidade. 3) “O alfabeto é um sistema de escrita privilegiado em relação aos demais, o que facilita a formação dos leitores”. Há idiomas, não silábicos, para os quais a simplicidade do alfabeto não se adapta, como por exemplo, os idiomas chinês e japonês. No entanto, no Japão, há mais crianças competentes em leitura do que no mundo ocidental. 4) “A escrita é responsável pelo progresso social, sendo evidente a relação entre o grau de alfabetização e o crescimento econômico e democrático das nações modernas”. Trata-se d euma meia verdade, pois em muitos casos, a aprendizagem da escrita é o caminho para a escravidão, quando serve de controle social para formas classes de trabalhadores produtivos e obedientes. Os programas de alfabetização, nesse caso, visam à formação de mão de obra qualificada e disciplinada, não estando preocupados com o bem-estar social. 5) “A escrita é a responsável pelo avanço cultural, uma vez que contribui em grande parte para o pensamento filosófico e científico”. Antropólogos têm mostrado que povos que não dominam a escrita têm uma grande sofisticação da cultura oral, o que potencializa a capacidade de raciocínio. Um grande exemplo disso são os gregos da era clássica, que desenvolveram muito a dialética, tendo sido a escrita pouco válida para os feitos intelectuais desse povo. 6) “A escrita constitui-se um instrumento do desenvolvimento cognitivo, uma vez que o conhecimento se identifica com o que aprendemos na escola e nos livros”. A alfabetização é considerada, então, a porta de entrada para esse conhecimento, pois permite o acesso às “habilidades básicas” para a leitura e a escrita. No entanto, essas afirmações não consideram que o conhecimento se vale de outras formas para ser comunicado, não somente da forma escrita. São exemplos de outros meios de comunicar o conhecimento a fala, as gravuras, os vídeos, etc. Ao valorizar mais os conteúdos do que a escrita, a escola estará formando pessoas críticas e não apenas leitores que não sabem se posicionar frente às ordens que lhe são impostas.


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Olson (op. cit.) relativiza a escrita, o que de forma alguma significa contrariar a influência que exerce nas atividades culturais e cognitivas do homem ocidental. De acordo com Aguiar (1999), é importante estabelecer relações complementares em relação à leitura e à escrita, estando atentos para o fato de que podemos ler os sinais dos livros e do mundo. Dessa forma, passaremos a ser alfabetizados críticos, que interagem com textos das mais diversas naturezas sociais e institucionais. Dito isso, fica claro que a leitura e a escrita são, de fato, importantes para a constituição do ser humano, pois influenciam a construção das atividades que dizem respeito à cultura e à cognição. Entretanto, o pensamento muitas vezes expresso de que ambas estão acima de outras formas de comunicação do conhecimento e de “ler o mundo” está equivocado. Se concentrarmos todo o processo de aprendizagem escolar somente na leitura e na escrita, sem fazer relações com outros meios de informação e de conhecimento, estaremos empobrecendo a capacidade intelectual dos alunos e contribuindo para que sejam cidadãos pouco críticos, aqueles que acreditam, sem questionar, em tudo que lêem. Não podemos [...] deixar de estender a capacidade da escrita e leitura a todos os segmentos, de modo a que as trocas sociais sejam cada vez mais participativas. O que vale, nesse caso, é aproveitar a lição de Olson e, no processo de alfabetização, levar em conta as peculiaridades culturais que as crianças trazem para, a partir delas, criar possibilidades de intercâmbio. Importa considerarmos que muitos estudantes trazem para a escola o mundo da vida e, se lhes oferecermos o mundo da escrita, estamos querendo fazê-los exercitarem novas articulações mentais. Alfabetizar, portanto, não é ensinar a decodificar sinais, mas ensinar a viver neste mundo de papel. (AGUIAR, 1999, p. 229)

Nesse sentido, a Educação Infantil, ou a proposta da mesma, parece estar um passo a frente dos demais níveis escolares. Pelo fato de as crianças ainda não serem alfabetizadas, há o contato com os livros e com outros materiais que trazem a escrita como meio de comunicação, mas há também meios diversos – que não utilizam a escrita – pelos quais aprender. Um exemplo: procura-se desenvolver, nessa etapa, a expressão oral, o que vai diminuindo nas etapas escolares seguintes. Fica uma pergunta: será que somente as crianças precisam ampliar a capacidade de se comunicar oralmente? Da mesma forma, podemos citar a roda da conversa, tão significativa para os pequenos. Um momento de integração, no qual, como já dito anteriormente, é desenvolvida a capacidade de expressar-se oralmente, mas não somente isso! Nesse momento, grandes aprendizados ocorrem: saber respeitar a vez de falar do colega, posicionar-se em relação ao que está sendo discutido, resumir seu pensamento, selecionar assuntos que estejam de acordo com a conversa e etc. Essa é uma prática que também é abandonada paulatinamente pelas etapas seguintes. Muitos outros exemplos


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poderiam ser aqui citados, no entanto, pelo fato de este não ser o foco do trabalho, não iremos prosseguir com a discussão. Na sequência, falarei sobre fatores que influenciam na compreensão de um texto (seja ele lido ou contado) e fatores que propiciam a formação do leitor.

2.3 A FORMAÇÃO DO LEITOR – ASPECTOS RELEVANTES

A formação da criança, do ser humano, inicia-se em casa, através das experiências de vida que adquire ao longo dos anos e isso está intimamente atrelado à sua formação como leitor. Já mencionei anteriormente, baseada em outros autores, que não basta decodificar os sinais da linguagem escrita para se constituir como leitor. É essencial fazer relações com o mundo e com outras leituras. Kleiman (apud CORREA, p.46) afirma que para se constituir como leitor é necessário além do conhecimento lingüístico, o conhecimento textual (noções e conceitos que um texto pode ter) e o conhecimento de mundo: O chamado conhecimento de mundo abrange desde o domínio que um físico tem sobre sua especialidade até o conhecimento de fatos como “o gato é um mamífero”. “A Angola está na África”, “não se deve guardar fruta verde na geladeira”ou “na consulta médica há uma entrevista antes do exame médico”. Para haver compreensão, durante a leitura, aquela parte do nosso conhecimento de mundo que é relevante para a leitura do texto deve estar ativada, isto é, deve estar num nível ciente, e não perdida no fundo de nossa memória.

Na introdução do presente trabalho, citei o exemplo dos meus alunos da Educação Infantil, dos quais grande parte demonstrou não ter gostado da leitura do livro “O caso das bananas”. Posteriormente, em minha reflexão particular, percebi que muitos deles talvez não conhecessem ou não estivessem familiarizados com a rima, o que era fundamental para a apreciação do texto. Isso é conhecimento de mundo. Apesar de aquelas crianças não saberem ler, eles estavam ouvindo uma história, e para que ela tenha sentido é igualmente necessário fazer relações com o mundo, com as coisas que já se conhece, para que faça sentido.


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Sabendo que a formação do leitor perpassa o conhecimento lingüístico (que está sendo desenvolvido na etapa da Educação Infantil e que irá ser sistematizado quando adentrar o Ensino Fundamental), o conhecimento textual e o conhecimento de mundo, é possível chegar a conclusão que a formação do leitor inicia-se quando tem os primeiros contatos com o mundo, ou seja, quando este se encontra na barriga de sua mãe. As vivências desse leitor contribuirão – e muito – para compreender textos diversos que lhe serão apresentados ao longo da vida. Quanto mais ricas forem essas vivências, melhor “entendedor” ele será. Na minha concepção, o papel da escola inicia aí. Muitas crianças, em especial as desprovidas financeiramente ou as carentes de afeto e de atenção, tem suas experiências empobrecidas ou limitadas – o que não quer dizer que não sejam válidas, pois todo o conhecimento de mundo que a criança traz de casa é importante e deve ser valorizado. No entanto, é igualmente importante ampliar suas experiências e isso poderá ocorrer quando entrar na escola. Se a criança tiver a oportunidade de ingressar na educação infantil de uma escola que tenha a real consciência de seu papel, ela irá desenvolver muitas habilidades em um período profícuo, dos 0 aos 6 anos de idade, quando sua personalidade está sendo formada. Bamberger (apud CORREA, p. 133) pesquisou as razões que motivam ou não uma pessoa a ler. As conclusões foram: a) A primeira motivação para ler é simplesmente a alegria de praticar habilidades recém-adquiridas, o prazer da atividade intelectual recém-descoberta e do domínio de uma habilidade mecânica. Se o professor responder a essa motivação com material de leitura fácil, emocionante, apropriado ao grupo de idade específico, e desenvolver esse primeiro material com livros de dificuldade crescente, as crianças se tornarão bons leitores. Um bom leitor gosta de ler. b) A leitura impulsiona o uso e o treino de aptidões intelectuais e espirituais, como a fantasia, o pensamento, a vontade, a simpatia, a capacidade de se identificar etc. Resultado: desenvolvimento de aptidões, expansão do “eu”. c) A leitura suscita a necessidade de familiarizar-se com o mundo, enriquecer as próprias idéias e ter experiências intelectuais. Resultado: formação de uma filosofia de vida, compreensão do mundo que nos rodeia. d) Tais motivações e interesses íntimos, geralmente não percebidos conscientemente pela criança, correspondem a concepções definidas de sua experiência: prazer ao encontrar coisas e pessoas familiares (histórias ambientais) ou coisas novas e não familiares (livros de aventuras), desejo de fugir da realidade e viver num mundo de fantasia (contos de fada, histórias fantásticas, livros utópicos), necessidade de autoafirmação, busca de ideais, conselhos (não ficção), entretenimento (livros de esportes etc).


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É possível perceber que várias são as razões que levam as pessoas a lerem. A maioria delas, como diz Correa (p. 134) está relacionada com a construção do EU e do mundo que nos cerca. Acredito que todas as pessoas nasçam com a propensão a ouvir e contar histórias, pois como já foi referido anteriormente, são duas capacidades próprias do ser humano. Através da história também percebemos que a forma como as sociedades primitivas conservavam suas tradições e cultura era por meio da oralidade (contação de história). E é bárbaro ver como crianças e adultos se calam com olhos e ouvidos atentos quando alguém começa a contar algo que lhes chama atenção. Algumas pessoas dizem detestam ler, para outras, no entanto, ler é algo muito prazeroso. O que pode ter acontecido na formação das pessoas que rejeitam a leitura? Não terá sido algum trauma, em relação à aquisição da linguagem escrita (alfabetização), ou à imposição de leituras inapropriadas? Ambas as situações, diga-se de passagem, responsabilidades da escola. Obviamente, cada caso é um caso, e seria necessário um estudo muito mais aprofundado para sabermos as razões disto ocorrer. Mas, algo nós sabemos e podemos evitar enquanto professores e formadores de leitores: o impacto negativo de uma alfabetização forçada e desvinculada do contexto e interesse da pessoa (seja ela criança, adolescente ou adulto) e a imposição de leituras inapropriadas. Devemos estar atentos também à formação dos leitores desde a mais tenra idade. Esse processo inicia-se em casa, no seio da família, perpassa a Educação Infantil e os demais níveis de ensino. Em razão disso, é fundamental que os pais e os profissionais que atuam em todas as áreas estejam conscientes de seus papéis como formadores de leitores. Que possam oferecer momentos agradáveis de contação de história, vocalização de poesias, leitura de textos, utilizando obras de boa qualidade. O próximo capítulo tratará especificamente do tema da Literatura Infantil.

3 A LITERATURA

3.1 O QUE É LITERATURA?


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Ao nos depararmos com essa pergunta, aparentemente simples, podemos recorrer ao dicionário na tentativa de defini-la. Vejamos o que encontraríamos: LITERATURA [DO LAT. LITTERATURA] S.F. 1. Arte de compor trabalhos artísticos em prosa ou verso. 2. O conjunto de trabalhos literários dum país ou duma época. 3. Os homens de letras: a literatura brasileira fez-se representar no colóquio de Lisboa. 4. A vida literária. 5. A carreira das letras. 6. Conjunto de conhecimentos relativos às obras ou aos autores literários: estudante de literatura brasileira; manual de literatura portuguesa. 7. Qualquer dos usos estéticos da linguagem; Literatura Oral (Q.V.). 8. Fam. Irrealidade, ficção: sonhador, tudo quanto diz é literatura. 9. Bibliografia: já é bem extensa a literatura da física nuclear. 10. Conjunto de escritos de propaganda de um produto industrial. (...)

Como se vê, é uma definição bastante abrangente. Porém, algumas dúvidas não podem ser respondidas pelo dicionário, por exemplo, por que alguns textos ou livros são considerados literatura e outros não? Por que autores como Graciliano Ramos e Machado de Assis são reverenciados por todos (pela mídia, pela crítica literária, pela escola, pelo sensocomum) como grandes escritores e outros autores como Paulo Coelho e autores de livros de auto-ajuda são refutados pela crítica literária e não são estudados nas escolas, apesar de serem lidos por grande parte da população? Outras dúvidas são suscitadas: Literatura da física nuclear é o mesmo que a literatura escrita por Guimarães Rosa? Marisa Lajolo (p. 25, 2001) nos diz a esse respeito: O que é literatura? É uma pergunta complicada justamente porque tem várias respostas. E não se trata de respostas que vão se aproximando cada vez mais de uma grande verdade, da verdade-verdadeira. Cada tempo e, dentro de cada tempo, cada grupo social tem sua resposta, sua definição. Respostas e definições – vê-se logo – para uso interno.

Essa citação aproxima-se das duas primeiras acepções do dicionário Aurélio: cada época define o que é literatura e quais são suas obras literárias. Um exemplo muito interessante é o de Shakespeare. Na época em que escreveu suas obras - hoje cânones da literatura inglesa - elas não eram consideradas literatura pelos “canais competentes” vigentes. Isso ocorre com muitos artistas, não somente escritores, que geralmente se consagram após a sua morte. A autora explica que para uma obra ser considerada parte integrante da tradição literária de uma comunidade ou tradição cultural, é preciso que tenha o aval de canais


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competentes aos quais cabe a literalização de determinados textos, ou seja, a proclamação de um texto como literatura ou não-literatura. No entanto, Lajolo (2001) ressalta a importância de saber-se de onde vem e como são formuladas certas noções de literatura, pois isso torna a opinião do leitor mais rigorosa e os argumentos mais fortes: “(...) Permite-nos discernir os recursos retóricos e ideológicos em que se fundam os conceitos oficiais de literatura e aumenta nossa garra para bater o pé quando nos dizem que tal ou qual conceito é uma verdade maior e absoluta”. (LAJOLO, p.21, 2001) Devido a isso, é importante saber que o que é ou não literatura é definido pela Academia Brasileira de Letras, pelas editoras, pela crítica literária (geralmente associada à mídia) e pela escola. Esses seriam os principais canais competentes de nossa época. Não por acaso, a classe dominante da sociedade (branca, masculina e burguesa) decide o que serve ou não para ser literário. Não podemos, porém, confundir o “ser ou não ser literatura” com a qualidade da obra. Adoto a postura de pensar que autores não consagrados pelos canais dotados de poder para decidir o que é literatura produzem literatura, sim. No entanto, não é qualquer obra registrada em livros, dirigida a determinado público, que tem qualidade. Esse é um ponto a ser discutido no próximo subcapítulo, intitulado Literatura Infantil. Há outro aspecto a ser ressaltado no que se refere à literatura: a sua proximidade com a letra. Trata-se de algo que pode ser verificado - novamente recorrendo ao dicionário Aurélio ao percebermos que litteratura (do latim) deriva de littera, que significa letra. A letra, por sua vez, é um sinal gráfico escrito que representa um som da fala. Literatura e escrita são velhas parceiras, como diz Lajolo (p. 30, 2001), e continua: “Saber ler e escrever, além de fundamental para o exercício de graus mais complexos da cidadania, constitui marca de distinção e de superioridade em nossa tradição”. Muitas manifestações poéticas eram textos cantados e dançados, como por exemplo, as canções de amigo e canções de amor do período medieval em Portugal. Essas manifestações somente serão incorporadas à literatura no momento em que são registradas nos cancioneiros, na forma escrita. Esse registro foi de grande importância, pois atualmente só temos acesso às canções de amigo e de amor por meio dele. Do contrário, como poderíamos considerá-los literatura se não os conhecêssemos.


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Resta, ainda, uma questão: podemos considerar qualquer texto escrito como sendo literatura (arte), certo? Lajolo (p. 35 e 36, 2001) conceitua da seguinte forma a literatura: (...) a literatura pode ser entendida como uma situação especial de uso da linguagem que, por meio de diferentes recursos, sugere o arbitrário da significação, a fragilidade da aliança entre o ser e o nome e, no limite, a irredutibilidade e a permeabilidade de cada ser. Linguagem entre linguagens e código entre códigos, o que se chama literatura leva ao extremo a ambigüidade da linguagem: ao mesmo tempo que cola o homem às coisas, diminuindo o espaço entre o nome e o objeto nomeado, também exprime a artificialidade e a instabilidade dessa relação. O que ocorre diferentemente em diferentes momentos, com diferentes tipos de textos e para diferentes tipos de pessoas.

Ou seja, há certos gêneros textuais que não se encaixam nessa definição, como receitas, prescrições, bulas de remédios entre outros. O exemplo citado pelo dicionário Aurélio, da literatura da Física Nuclear, também não se encaixa nessa definição de literatura apresentada, o objetivo de um escritor desse tipo textual não é o de utilizar ambiguidades como recurso estilístico, ao contrário, ele visa ser o mais claro e objetivo possível, a fim de que a mensagem seja compreendida de uma única forma. Não podemos considerar arte, pois esse tipo de texto exerce uma função bem específica. Nesse caso, literatura se refere aos livros e escritos já produzidos em determinada área do saber.

3.2 A HISTÓRIA DA LITERATURA INFANTIL

Ao pesquisar sobre a Literatura Infantil, deparei-me com um questionamento de extrema importância para meu estudo: qual é o significado da infância? Hoje em dia pode parecer (e é) muito estranho pensar que há tempos atrás a infância não existia. Ou melhor, existia, mas não era reconhecida como tal. As crianças, há alguns séculos, eram tratadas como mini-adultos, seres ainda incompletos, mas que não tinham necessidades ou interesses próprios. Esse fator, aliado a outros fatores históricos e políticos, influenciaram muito a literatura infantil. Penso ser fundamental trazer esses elementos para que haja uma discussão aprofundada do assunto no presente trabalho. De acordo com Zilberman (1994), os primeiros livros produzidos para crianças datam do final do século XVII e durante o século XVIII. A mudança do olhar para a infância, reconhecendo-a como uma faixa etária diferenciada, com interesses próprios e necessidade de


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formação específica, se deveu a outra mudança, ainda mais profunda, a da família. A noção de família passou a ser a de um núcleo unicelular, que se preocupava em manter a privacidade e em estimular o afeto entre seus membros.

Antes da constituição deste modelo familiar burguês, inexistia uma consideração especial para com a infância. Esta faixa etária não era percebida como um tempo diferente, nem o mundo da criança como um espaço separado. Pequenos e grandes compartilhavam dos mesmos eventos, porém nenhum laço amoroso especial os aproximava. A nova valorização da infância gerou maior união familiar, mas igualmente os meios de controle do desenvolvimento intelectual da criança e na manipulação de suas emoções. Literatura infantil e escola, inventada a primeira e reformada a segunda, são convocadas para cumprir esta missão. (ZILBERMAN, 1994, p.13)

De fato, existiu uma aproximação entre a escola e o gênero literário em questão, haja visto que o início da produção de literatura para crianças foi feito por pedagogos e professoras com o objetivo de educar. Segundo Zilberman (p. 14, 1994) a literatura infantil continua, nos dias de hoje, atrelada à pedagogia, o que lhe causa grande prejuízos: “(...) não é aceita como arte, por ter uma finalidade pragmática; e a presença deste objetivo didático faz com que ela participe de uma atividade comprometida com a dominação da criança”. Soares (1999) concorda que sempre foi atribuído à literatura infantil um caráter educativo, formador, motivo pelo qual está intimamente vinculada à escola, instituição que educa e forma as crianças. Citando Lajolo, a autora (op. cit.) fala sobre o “pacto da literatura infantil com a escola” que se configura em um pacto entre produtores e distribuidores. E, de fato, o desenvolvimento da literatura infantil e o desenvolvimento da escola estão intimamente ligados, o boom da primeira no Brasil se deveu ao momento de multiplicação de vagas nas escolas brasileiras. Isso torna bastante problemática a relação entre a literatura infantil e a educação, pois a arte não tem o objetivo de educar, mas (se é que a arte precisa ter uma função ou um objetivo) ela faz refletir, muitas vezes é subversiva, e sempre “dona de seu próprio nariz”. Utilizá-la como um meio de doutrinar alguém faz com ela perca sua essência, seu valor estético e passe a ser um manual de instruções. Isso está intimamente ligado à qualidade da obra, a qual me referi no subcapítulo anterior.


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A (pseudo) literatura infantil está tão carregada de lições que é, muitas vezes, confundida com o livro didático, por exemplo. Também há quem resuma a literatura infantil como contos de fadas ou confunda a história em quadrinhos como sendo um gênero exclusivamente pertencente a ela. “(...) devido à sua produção maciça em nossos dias, quando praticamente inexistia antes do século 18, tem seu eventual valor estético contestado, sendo relegada ao setor da literatura trivial e da cultura de massas”. (SOARES, 1999, p.43) A fim de conceituar a literatura infantil, objetivo a que se propõe esse capítulo, se faz necessário demarcar suas fronteiras e perceber o campo de trabalho diverso da área. O panorama geral da época em que surgiu foi anteriormente apresentado: nos séculos XVII e XVIII, quando o conceito de família e de infância foi reformulado, surge a literatura infantil, produzida com fins educativos por professores e pedagogos para as crianças que a partir de então passam a ser vistas como um público carente de formação específica. O objetivo dessa formação era o de contribuir para a preparação da elite cultural da sociedade.

3.2.1 Os contos de fadas

A educação burguesa apodera-se, no período de seu apogeu, dos contos de fadas – que nunca haviam se restringido a uma faixa etária – para a educação de suas crianças, para tornálas, futuramente, a elite cultural da sociedade.

Primitivamente, os contos folclóricos colecionados pelos Irmãos Grimm e outros não eram “fabulosos, nem restritos a uma certa idade. “O conto, em princípio, era contado por e para adultos (na Alemanha, tanto por homens como por mulheres). Os narradores faziam parte, via de regra, das classes mais pobres: eram empregados, pequenos arrendatários, marinheiros, diaristas, lavradores, artífices, pastores, pescadores e também mendigos” (HELMICH apud RICHTER, & MERKEL, 1974, apud ZILBERMAN, 1994, p. 45)

Ocorreu, então, a adaptação dos contos, visando transmitir valores burgueses éticos e religiosos e conformar o jovem a um determinado papel social. Nos contos originais, conforme Zilberman (1994), a camada da população explorada, manifesta a rejeição das condições de trabalho, no caso o camponês submetido ao senhor


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feudal. Entretanto, expressa igualmente a impossibilidade de transformar essa situação, pois toda a melhoria que vive o herói da trama é decorrente de um fator mágico e dos personagens fantásticos. Nas adaptações, feitas pelos Irmãos Grimm, pelo contrário, a magia (o elemento mágico) propicia escapismo e conformação: “O conto de fadas, como é apresentado à infância, faz a criança acostumar-se, ou pelo menos deve acostumá-la, a reagir na forma conformada de sonhos, quando desenvolve impulsos que estão em desacordo com a sociedade”. (RICHTER e MERKEL apud ZILBERMAN, p. 46) Por outro lado, os autores afirmam que o conto de fadas pode auxiliar a criança a sintetizar a organização do modelo social vigente e torná-lo compreensível. A atração do conto folclórico para a criança reside, como afirmamos, além de outros aspectos, na elaboração de um esboço compreensível da sociedade; isto é, a cada personagem é dado um papel definido em relação às outras, e sua posição é designada no contexto geral da organização social.

O caráter simbólico do conto de fadas, no qual nada é representado realisticamente, mas de modo figurado, é o que torna o gênero adequado à criança, de acordo com BETTELHEIM (apud ZILBERMAN, p. 47 e 48)

(...) o Autor vincula esta validade à noção de que o relato traduz, de modo imagético, os conflitos interiores do jovem, assim como suas possíveis soluções, de sorte que a leitura do texto pode levar ao reconhecimento e superação do problema. Portanto, para ambos os escritores, é da função que a literatura pode exercer junto à criança que advém sua justificativa e valor. Este mesmo aspecto é destacado por Richter e Merkel, quando vêem no maravilhoso – presente num conto de fadas renovado, livre das imposições ideológicas que atuaram sobre os Irmãos Grimm – a possibilidade de representação da estrutura da realidade social (...) ao nível de entendimento do jovem.

3.2.2 Mas afinal, o que é literatura infantil?

De acordo com Oliveira (2010), a literatura é arte e deleite e o termo infantil associado à literatura não significa que ela tenha sido feita necessariamente para crianças. Segundo ela,


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literatura infantil é aquela que corresponde, de alguma forma, aos anseios do leitor e que se identifica com ele. Para polemizar ainda mais a discussão, cabe uma citação de Drummond (apud SOARES, 1999, p. 18), muito relevante, sobre o gênero em questão: O gênero “literatura infantil” tem, a meu ver, existência duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil?A partir de que ponto uma obra literária deixa de constituir alimento para o espírito da criança ou do jovem e se dirige ao espírito do adulto? Qual o bom livro para crianças, que não seja lido com interesse pelo homem feito? Qual o livro de viagens ou aventuras, destinado a adultos, que não possa ser dado à criança, desde que vazado em linguagem simples e isento de matéria de escândalo? Observados alguns cuidados de linguagem e decência, a distinção preconceituosa se desfaz. Será a criança um ser à parte? Ou será a literatura infantil algo de mutilado, de reduzido, de desvitalizado – porque coisa primária, fabricada na persuasão de que a imitação da infância é a própria infância?

Ao ler esse trecho da obra de Drummond, lembro-me de algumas das mães da educação infantil que aguardavam ansiosas pela troca de livros que ocorria toda sexta-feira, no projeto Ciranda dos Livros. Algumas vinham me dizer o quanto gostavam de ler com as crianças, não somente por ser um momento entre mãe e filho(a), mas também porque amavam as histórias. Também me lembro de quando li o livro “O homem das caixas”, de ..., um dos livros do projeto. Não pude conter as lágrimas ao lembrar-me do meu pai, de como aquele homem que amava caixas e também ao seu filho se parecia com ele. Achei o livro uma verdadeira obra de arte, de grande valor estético, não somente por me remeter ao meu pai, mas porque impacta, envolve, instiga. Mas, afinal, existe ou não a literatura infantil? Sim, o termo existe, mas assim como disse Lajolo sobre a literatura, há muitas respostas para essa pergunta e elas não se aproximam a fim de construírem um único conceito, pelo contrário, tomam destinos opostos. Há quem diga que aqueles livros infantis de coleções bem baratas, com textos empobrecidos e curtos, que geralmente resumem uma história ou fazem uma adaptação, não são literatura. Outros irão dizer que é literatura de baixa qualidade, baseando-se em determinados parâmetros para fazer o julgamento. De qualquer maneira, sabe-se que não é o tipo de leitura ideal, pois empobrece o conceito de história que a criança está formando, além de ser uma leitura pouco surpreendente, muito previsível, isto quando não é de caráter formativo, como a coleção de boas maneiras.


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Pode-se dizer que um conceito aceitável para a literatura infantil é o seguinte: trata-se de uma literatura destinada a ou que interessa a criança. (Soares, 1999) Alguns livros são encomendados e produzidos para determinado público. Isso ocorre com os Best-sellers da literatura e não seria diferente com a literatura infantil. Há livros que são feitos “sob medida” para crianças com determinados temas, como preconceito, alimentação saudável, entre outros. Esse tipo de leitura em o caráter formador do qual falei anteriormente. É muito perigoso que só seja ofertado esse estilo de livro às crianças, que terão desde cedo uma visão deturpada do que é literatura. Não há, no meu modo de ver, como classificar todos os livros que existem em nãoinfantis ou infantis. Pelo vocabulário e assunto abordado é possível verificar a adequação da leitura às crianças. Mas, como muito bem disse Drummond na década de 40, há leituras “adultas” que podem igualmente interessá-las.

4 O PAPEL DA POESIA

A poesia é negligenciada pela maioria das instituições que poderiam apresentá-las às crianças e, especialmente a escola, costuma não levar à experimentação poética. Isso se constitui num erro, pois além de propiciar contato com a arte, o que por si só já deveria ser desejável, a vocalização de poesias permite a ampliação da consciência fonológica da criança. Como afirma Fronckowiak (2005):

a contribuição da poesia na aprendizagem da leitura e escrita é relevante porque ela é essencialmente um texto para ser oralizado. (...) o professor que lê para crianças que ainda não dominam as tecnologias da escrita precisa conhecer bem as leituras que faz para seus alunos, explorando as redes fônicas do poema a fim de torná-lo mais significativo.

Após minhas aulas na pós-graduação com a professora Ângela Fronckowiak, comecei a estar mais atenta para a poesia e o trabalho com crianças. Percebi que a poesia tem muito a ver com a infância, pois é sonora, musical, inquieta, imprevisível. Além disso, como já citado anteriormente, pode ser um grande estímulo para ampliar a consciência fonológica das


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crianças ainda não alfabetizadas. Decidi, por isso, começar a ler poesias para os meus alunos da educação infantil. E quanto sucesso ela fez entre eles! De todas as poesias que declamei, a que eles mais gostaram foi a Cantiga Famélica, do livro Um caldeirão de poemas, da Tatiana Belinky (2008). Na rua andava à toa Enorme jacaroa – Aquela tal Fugiu do pantanal Andava muito alerta, Com a bocarra aberta – Estava a tal Com fome colossal Cruzou com um mendigo, Mordeu-o no umbigo – Estava a tal Com fome colossal Cruzou com um ordenança, E lhe mordeu a pança – Estava a tal Com fome colossal Cruzou com um magricela, Mordeu-lhe a canela – Estava a tal Com fome colossal Cruzou com uma menina, Mordeu-lhe a perna fina – Estava a tal Com fome colossal Cruzou com um petiz, Mordeu-o no nariz – Estava a tal Com fome colossal Cruzou com uma velha, Mordeu-lhe a orelha – Estava a tal Com fome colossal Cruzou com um ricaço, Mordeu-lhe o gordo braço – Estava a tal Com fome colossal Cruzou com Zé Macaco, Mordeu-lhe o sovaco – Estava a tal Com fome colossal Cruzou com um fedelho,


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Mordeu-o no joelho – Estava a tal Com fome colossal Então topou com o Diabo, Papou-o pelo rabo! Matou afinal A fome colossal E a enorme jacaroa Agora ri à toa – Sem fome, a tal Voltou pro Pantanal!

A leitura da poesia acima foi obrigatória por muitos dias, mas não porque eu impusesse. Bastava sentarmos na roda da conversa e já vinham os pedidos para ler uma vez mais “aquela poesia da jacaroa”. Por muito tempo gargalhavam com as rimas engraçadas. Os alunos, incentivados por mim, começaram a criar suas próprias rimas. Eram momentos de deleite, para eles e para mim! De acordo com a pesquisa realizada por Fronckowiack (2005) junto a um grupo de crianças de 4 a 6 anos, os poemas mais solicitados por elas são os textos de rimas evidentes. Na pesquisa mencionada, ocorriam encontros semanais entre as pesquisadoras e as crianças nos quais, por um período de aproximadamente uma hora, aquelas liam poemas acompanhando as atividades desenvolvidas pelos alunos. Os poemas em prosa e os poemas de versos brancos (sem rima) foram refutados pelas crianças. O que, de acordo com a pesquisadora, confirma a hipótese da relevância da rima para a iniciação das crianças não alfabetizadas na linguagem poética. Segundo Fronckowiak (op. cit.), é importante ressaltar que a criança que ouve e observa um poema percebe os ritmos complexos e infinitamente variáveis dos tipos gráficos, dos espaços em branco, dos espaços para sonhar.

5 ASPECTOS FAVORÁVEIS AO TRABALHO COM A LITERATURA INFANTIL NA ESCOLA

No Brasil, sabemos, por meio de avaliações como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), que jovens brasileiros tem dificuldades com a leitura, isto é, em


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compreender o texto. Essa questão tem sido motivo de debates entre educadores e pesquisadores, que se preocupam com os prejuízos de uma sociedade que não tem o hábito de ler e, mais do que isso, tem um comportamento pouco crítico em relação às questões abordadas nos diversos textos que circulam nos meios de comunicação. (Cabral, 2010) Um dos objetivos do PISA é o de verificar se os alunos adquiriam, no período escolar obrigatório, conhecimentos suficientes e habilidades importantes para a participação efetiva na sociedade. Em leitura, é avaliado o letramento. A prova é aplicada em diversos países, nos seus idiomas. De acordo com Cabral (2010), no referido exame - PISA é uma avaliação especial promovida mundialmente pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em 2000, o foco principal foi leitura - , os alunos brasileiros revelaram dificuldade com textos longos e com linguagem figurada. Atingiram o Nível I e o que classifica este nível é que os estudantes localizam informações explícitas no texto, identificam o tema e conseguem fazer conexões simples com informações cotidianas. O Nível II está relacionado a construir comparações entre o texto principal e outros. O Nível III diz respeito a reconhecer informações implícitas. Interpretar os vários sentidos de uma linguagem em uma parte do texto refere-se ao Nível IV. E quando classificados no Nível V os estudantes mostram-se capazes de avaliar criticamente ou por hipótese um texto. Esse quadro é bastante preocupante, pois mostra que os estudantes brasileiros – ou grande parte deles – no final da educação obrigatória ainda não conseguem fazer relações extratextuais, inferências, ou uma leitura crítica. Por mais que exames como o PISA sejam criticados por pesquisadores, por não darem conta das diferenças culturais e por serem avaliações estanques, a situação dos alunos brasileiros está crítica.

Se nossa atenção se direcionar para a leitura de uma obra literária, surgirão ainda mais complicações. O texto literário exige do leitor não apenas o entendimento do evento comunicativo, mas requer que o aluno dialogue com o texto e construa interpretações possíveis na inter-relação autor/leitor. (CABRAL, p.61, 2010)

Algum leitor deste estudo pode estar se questionando, quem sabe, o motivo de eu estar trazendo esses dados, que se referem aos mais velhos, isto é, aos estudantes no final do Ensino


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Fundamental. Mas a intenção foi justamente essa: em que período se inicia a formação destes leitores? Na 5ª série? Na 1ª série (agora 1º ano)? Não. Ela se inicia em casa e, posteriormente, educação infantil. A adequada escolarização da leitura, aquela que não visa, por meio da literatura, incutir uma ideologia ou um conjunto de regras e que não desvirtua ou desfigura o valor estético de uma obra “pedagogizando-a”, é necessária e muito bem vinda. A escola possivelmente é único meio pelo qual muitas crianças terão acesso à literatura, entre outros saberes culturais. Dessa forma, não é aceitável que esta deixe de cumprir seu papel e apresentar, de forma cativante, o mundo mágico das histórias, dos contos e da poesia. Entre os benefícios da utilização da literatura na escola e da realização de projetos de leitura, o mais evidente é o contato propiciado entre o texto literário e as crianças. Um ambiente alfabetizador é importante e necessário para a motivação das crianças a ler e a escrever. Como uma pessoa poderá ter interesse em adquirir a leitura e a escrita, se não sente a necessidade de ler e de escrever? Falando sobre as narrativas, a contribuição que elas trazem é muito importante. É muito prazeroso ouvir uma história bem contada, isso desenvolve a percepção auditiva, a concentração, além de propiciar o contato com o gênero literário. A criança, aos poucos irá começar a identificar as partes que compõe uma narrativa: começo, meio e fim, bem como as personagens, as características de cada uma, etc. Isso é fundamental para seu desenvolvimento como leitor e, futuramente, como escritor. Nas narrativas, a criança se projeta nos personagens, penetrando no mundo da fantasia, vivenciando um contato mais estreito com seus sentimentos e elaborando seus conflitos e emoções, o que contribui também para o seu crescimento como pessoa e pode ajudar em muitas questões emocionais as quais, muitas vezes, o professor desconhece e não tem acesso. Por meio da história, a criança observa diferentes pontos de vista, vários discursos e registros da língua. Amplia sua percepção de tempo e espaço e o seu vocabulário. Ela desenvolve a reflexão e o espírito crítico, pois a partir da leitura, (…) Ela pode pensar, duvidar, se perguntar, questionar..." (ABRAMOVICH, 1997, p. 143)

Penso ser muito importante a contação de histórias por parte do professor e também por parte do aluno, como uma das formas de se trabalhar a expressão oral, que, como vimos,


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está sendo tão pouco levada em consideração mesmo sendo uma capacidade inerente ao ser humano. Pela minha experiência empírica, pude notar que nas escolas de educação infantil as narrativas vem sendo constantemente apresentadas às crianças. No entanto, a forma como são apresentadas, o que é feito depois de ler um livro ou um texto é o que mais preocupa. A contação necessariamente deve ser um momento prazeroso, como já foi mencionado em outras oportunidades. Um bom contador de história, certamente aguçará a curiosidade de seus alunos e o interesse. Para um professor ser um bom contador de histórias, é necessário que tenha tido uma formação de qualidade na faculdade. Esbarramos, então, em um outro assunto que é tema de muitos trabalhos, mas não do presente: a (boa) formação do professor. Em relação à vocalização de poesias, pudemos ver alguns dos benefícios que ela traz no capítulo 3: o contato com a obra literária e o possível apreço pela poesia depois disso seriam por si só argumentos convincentes. A vocalização da poesia pode contribuir muito para o processo de ampliação da consciência fonológica, através das rimas, dos versos, das aliterações, da sonoridade do poema, que aproximará a criança da poesia e das palavras. Novamente, encontramos o professor que será o mediador adulto que vocalizará as poesias para as crianças não leitoras. Mais uma vez, a bagagem do professor e seu entendimento de educação serão cruciais para que ele desempenhe esse trabalho de forma positiva. E isso está diretamente ligado ã sua formação pedagógica e compreensão de mundo.

6 EXPERIÊNCIA COM A LITERATURA INFANTIL NA SALA DE AULA

O projeto Ciranda dos Livros, realizado no ano de 2010 com alunos de uma turma de Educação Infantil de uma escola da rede particular, foi uma tentativa de aproximar as crianças e as famílias do universo dos livros.


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A Educação Infantil não tem por objetivo a alfabetização, mas sim motivar o interesse das crianças por ler e escrever e ir muito além: motivar o interesse por pesquisar, criar, se desenvolver de forma sadia. Quando constatei, conforme disse no início deste trabalho, que muitas crianças da minha turma não tinham contato com histórias, pensei que a melhor coisa a fazer seria propiciar a elas este contato e, quem sabe, oportunizar que se apaixonassem pelos livros. Fazer isso em sala de aula é papel do professor e da escola, certamente. Mas acreditei envolver a família seria muito mais eficaz e significativo, uma vez que elas teriam contato com as histórias, com a leitura, com a fantasia, e com tudo mais que um livro proporciona, em suas casas. O contato afetivo que existe entre mães, pais e filhos pode ser expresso também no momento de contação de histórias e isso ficará marcado para sempre no indivíduo. Por essa razão, iniciei o projeto. Na ocasião em que expus a ideia aos pais, muitos apoiaram e nenhum se contrapôs. No decorrer do ano, porém, houve aqueles que não demonstraram interesse e que, muitas vezes, pelo que os próprios filhos relataram, negligenciaram o momento da contação de história. Outros (a maioria), até o final foram muito participativos e atenciosos. O feedback que tive da maioria dos pais foi positivo. Houve mães que disseram que não tinham o costume de ler para seus filhos e que começaram a fazê-lo após o início do projeto. Outras mães relataram que sempre leram para seus filhos e que gostaram muito do projeto por terem conhecido outros autores e outros textos, selecionados por mim. A minoria, cerca de duas mães de um total de vinte e quatro, tiveram dificuldades em realizar as leituras por falta de tempo e de interesse deles (dos pais). Uma observação importante a ser feita é de que essas informações foram obtidas através de conversas informais com os pais dos alunos. Os pais que demonstraram gostar do projeto, citaram aspectos positivos em relação a ele: aproximação com seu filho(a), propiciada pelo momento da contação de história e contato com a leitura, basicamente. As crianças, todas, sem exceção, de um total de vinte e quatro, demonstraram muito interesse em realizar a atividade do projeto. A cada semana ocorria a troca de livros e esse momento era muito aguardado. Eles tinham a oportunidade de escolher qual livro queria levar


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para a casa. No início, foi um pouco complicado lidar com a troca, pois algumas crianças não queriam emprestar seus livros aos colegas. Por diversas vezes, também ocorreu de alguns não conseguirem pegar o livro que desejavam e, por isso, chorarem e não quererem levar outro. No entanto, acredito que esses fatores não estejam vinculados ao projeto em si, mas às relações que as crianças estabelecem com seus pertences e seus desejos. Foi muito interessante observá-las, e ver que interagiam umas com as outras fazendo indicações de livros e contando partes da história. Isso foi muito profícuo, tanto que, muitas crianças já sabiam as histórias de alguns livros que nem haviam levado para casa ainda – e mesmo assim não perdiam o interesse em levá-lo, pelo contrário, ficavam ainda mais curiosas. Também pude observar que a estética dos livros chama muito a atenção dos pequenos e, muitas vezes, é decisivo para o escolherem ou não. Livros mais coloridos, chamam mais a atenção e são mais populares entre eles. Procurei, sempre que tive oportunidade, chamar a atenção para o fato de, muitas vezes, a história dentro do livro ser legal independentemente disso. Um exemplo: certo dia, uma aluna estava chorando porque não poderia levar o livro que desejava para a casa, mas teria que levar um outro, que não lhe interessava (pela capa). Conversei com ela, contei-lhe alguns trechos da história e, por fim, argumentei que todos os alunos levariam todos os livros para casa e que numa próxima vez, ela poderia escolher outro. E assim ela o levou. Dias depois, quando a aluna retornou trazendo o livro, disse que havia gostado muito da história, que tinha sido legal. Procurei relatar a todo o grupo aquela situação, a fim de conversarmos sobre aquilo. A conversa foi bastante produtiva, houve vários depoimentos semelhantes por parte dos alunos. Outro ponto positivo que ressalto é a formação de um gosto literário, ou o início da mesma. Junto com o livro, os alunos levavam uma ficha para completar, na qual eram questionados sobre o que acharam da história, se tinha gostado ou não. Sempre conversei com os pais dos alunos para que não aceitassem apenas um “não”como resposta (ou um “sim”), mas que questionassem o(a) seu(sua) filho(a) do porquê de terem gostado ou não e argumentassem com eles. Um caso interessante foi de uma aluna que, após a leitura de um livro, disse à mãe que havia gostado. A mãe perguntou a se ela tinha certeza de que havia gostado da história, pois geralmente ela pedia que lesse diversas vezes e, daquela vez, não havia pedido. A menina, então, constatou que realmente não havia gostado muito, não tanto como de outras histórias. A explicação da mãe para aquilo é que a linguagem utilizada no livro era mais complexa, exigindo mais atenção do leitor. Acredito que esse exercício, de se


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identificar com o livro, saber se gosta mais de um estilo ou de outro, seja válido para estimular a vontade de descobrir cada vez mais sobre o universo da leitura. Um dos livros escolhidos foi “Um jeito bom de brincar” do Elias José, que tem uma série de poesias. Em sala de aula, conforme foi dito anteriormente, as poesias eram priorizadas e constantemente lidas aos alunos, que apreciavam bastante. No entanto, muitas famílias vieram reclamar que não tinham gostado do livro, que era chato e que os filhos também não haviam gostado. De fato, as crianças cujos pais reclamara, confirmaram que não tinham gostado do livro, no entanto, apreciavam a leitura da poesia em sala de aula. Isso me levou a refletir sobre duas possibilidades: que a intenção do leitor, ou do vocalizador de poesias pode influenciar na apreciação ou não por parte do ouvinte, ou seja, os pais que não gostam de poesias podem influenciar negativamente os filhos no contato com a mesma; e que a expectativa do leitor também exerce influencia sobre a apreciação da obra, isto é, o leitor que espera ouvir uma história, como acredito que aqueles pais esperavam, e encontram uma poesia, podem se frustrar, pois a expectativa deles não foi atendida. Em uma reunião de pais, tive a oportunidade de problematizar o assunto: falei que não podemos gostar do que não conhecemos, visto que a maioria disse não ter contato algum com poesias no dia-a-dia e nem ser um apreciador do gênero textual, portanto, é necessário conhecer mais sobre o assunto (ler mais poesias) para formar uma opinião sobre a mesma ou, ainda, cultivar o gosto por elas. A conversa foi muito produtiva e senti que muitos pais passaram a “querer ter” um outro olhar sobre o assunto, o que já é um grande avanço. A seguir, detalharei de maneira mais minuciosa como ocorreu o projeto Ciranda dos Livros.

6.1 O PROJETO

Primeiramente, foi enviado um comunicado aos pais, falando sobre a ideia do projeto e na reunião houve a possibilidade de debater com eles o assunto. Após isso, cada aluno recebeu o nome de um livro para adquirir. Os livros foram selecionados segundo os critérios: autor consagrado na área, editora que tem livros de boa qualidade ou, ainda, livros famosos. Alguns livros precisaram ser substituídos, pois não foram


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encontrados nas livrarias. Os critérios de seleção não foram os mais adequados. Certamente, se eu tivesse tido mais tempo e podido desenvolver uma pesquisa mais profunda, talvez tivesse escolhido outros livros – que não são tão privilegiados pela mídia, mas igualmente dignos de serem lidos. É possível perceber que há uma predominância de livros da Ruth Rocha, fator que se deve à escritora ser renomada no que se refere literatura infantil, e também a que é uma das autoras de minha preferência. No entanto, acredito que tantos títulos da mesma autora fizeram com que as leituras não fosse variadas, o que acabou por, de certa forma, prejudicar o projeto. Os livros escolhidos forma: “O reizinho mandão”, de Ruth Rocha, editora Qinteto Editorial, “Dona baratinha”, de Ana Maria Machado, editora FTD, “Lolo Barnabé”, de Eva Furnari, editora moderna, “O diário de uma minhoca”, de Doreen Cronin, editora Companhia das Letrinhas, “Maria vai com as outras”, de Sylvia Orthof, editora Ática, “Orelha de Limão”, de Katja Reider, editora Companhia das Letrinhas, “O homem que amava caixas”, de Stephen Michael King, editora Brinque Book, “A casa sonolenta”, de Audrey Wood, editora Ática, “Marcelo, Marmelo, Martelo e outras histórias”, de Ruth Rocha, editora Salamandra, “A galinha dos ovos de ouro e outras histórias”, de Ruth Rocha, editora Salamandra, “Macacote e Porco Pança”, de Ruth Rocha, editora Salamandra, “Um porco vem morar aqui”, de Claudia Fries, editora Brinque Book, “A história mais longa do mundo”, de Rosane Pamplona, editora Brinque Book, “Até as princesas soltam pum”, de Ilan Brenman, editora Brinque Book, “Você troca?”, de Eva Furnari, editora Moderna, “O menino que aprendeu a ver”, de Ruth Rocha, editora Quinteto Editorial, “Um jeito bom de brincar”, de Elias José, editora FTD, “Se eu fosse você”, de Richard Hamilton, editora Companhia das Letrinha, “A bela borboleta”, de Ziraldo, editora Melhoramentos, “A barba do tio Alonso”, Emma King- Farlow, editora Companhia das Letrinhas, “Atrás da porta”, de Ruth Rocha, editora Salamandra, “A arca de Noé”, de Ruth Rocha, editora Ática, “O grande rabanete, de Tatiana Belinky, editora Moderna, “Chapeuzinho Amarelo”, de Chico Buarque de Holanda, editora José Olympio. A proposta inicial do projeto era a de que, ao longo do ano, todos os alunos interagissem e ouvissem a história de vinte e quatro livros, ou seja, levariam os livros de todos os colegas. Cada aluno tinha a possibilidade de levar um livro que escolhesse para casa e trazê-lo de volta uma semana depois, com a ficha preenchida. Essa ficha, como já mencionado anteriormente, solicitava ao aluno que respondesse se tinha achado a história boa, “mais ou


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menos”, ou ruim. Após isso, era pedido que o aluno fizesse um desenho sobre uma parte da história.

7 CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como intenção justificar a utilização da literatura infantil dentro e fora da sala de aula e, ao mesmo tempo, alertar para o fato de que não somente o contato com a leitura é necessário, mas com a expressão artística, com a vocalização de histórias e de poesias (necessidade de trabalhar a oralidade na educação infantil e em outros níveis de ensino). Era objetivo desse estudo também apresentar um projeto desenvolvido no ano de 2010 com uma turma de educação infantil, envolvendo não somente os alunos, mas a família. É importante ressaltar que iniciativas como essas podem ser, quem sabe, uma alternativa para despertar o interesse das crianças pela leitura desde a mais tenra idade, o que poderá perdurar por toda a vida. Além disso, na infância, os benefícios da leitura (participação da contação de histórias) é um canal importante que ajuda a criança a lidar com questões sociais e emocionais. O papel da poesia também é muito importante, pois propicia à criança um contato diferente com as palavras e com os sentimentos – e porque não dizer com as sensações? Espero que esses aspectos sejam levados em consideração por professores e também por pais interessados no bom desenvolvimento de seus filhos. Essa monografia visa isso.


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