WOLFGANG SIMSON
IGREJA NOS LARES
CASAS que
transformam o
MUNDO
Wolfgang Simson
CASAS que
transformam o
MUNDO
IGREJA NOS LARES Tradução Werner Fuchs
Curitiba 2014
Wolfgang Simson Casas que transformam o mundo - Igrejas nos lares Coordenação editorial: Walter Feckinghaus Tradução: Werner Fuchs Revisão: Doris Körber Revisão para nova ortografia: Josiane Zanon Moreschi Edição: Sandro Bier Capa: Luciana Marinho Foto da capa: Walter Feckinghaus Editoração eletrônica: Mánoel A. Feckinghaus Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Simson, Wolfgang Casas que transformam o mundo : Igreja nos lares / Wolfgang Simson ; tradução Werner Fuchs. -- 2. ed. -- Curitiba : Editora Evangélica Esperança, 2008. Título original: Häuser, die die Welt Verändern. Biografia. ISBN 978-85-7839-003-7 1. Igreja doméstica I. Título. 08-01077
CDD-262.26
Título do Original em Alemão: Häuser, die die Welt verändern Copyright©1999 C&P Verlag, Emmelsbull, Alemanha 1ª edição - Abril de 2001 2ª edição - Fevereiro de 2008 2ª edição revisada - Março de 2014 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total e parcial sem permissão escrita dos editores. Editora Evangélica Esperança Rua Aviador Vicente Wolski, 353 - CEP 82510-420 - Curitiba - PR Fone: (41) 3022-3390 - Fax: (41) 3256-3662 comercial@esperanca-editora.com.br - www.editoraesperanca.com.br
Casas que transformam o mundo
Sumário
Igreja nos lares
Bom demais para ser verdade?...........................................................................7 15 teses sobre a reencarnação da igreja.................................................................9 Por que e para quem foi escrito o presente livro...................................................19 1. A reinvenção da igreja....................................................................................27 Será que Deus não imaginou a igreja de forma bem diferente? 2. Igrejas nos lares na história...........................................................................63 Oprimidas em nome da religião organizada, proibidas, perseguidas e ridicularizadas. Será que apesar disso a forma originária da igreja se impõe? 3. A natureza das igrejas nos lares......................................................................95 O que são, o que fazem, e como funcionam 4. O ministério quíntuplo.................................................................................115 Cooperação harmônica para a multiplicação de igrejas 5. Igrejas nos lares ou igrejas em células?.......................................................143 13 razões por que as igrejas nos lares são o caminho mais natural 6. Desenvolver uma estrutura à prova de perseguições................................167 “Bem-aventurados sois quando vos perseguirem” – Como desenvolver uma mentalidade à prova de perseguições e como crescer cada vez mais quando pressionados
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7. Nenhum avanço sem mudança..................................................................189 A arte de mudar na corrida, ou: como evitamos realizar o novo em virtude da força do antigo 8. Tirar as consequências.................................................................................203 O próximo passo depende de qual será o último passo que você dará 9. Q-E-Q..........................................................................................................229 Primeiro os valores e conteúdos, depois os métodos, as estruturas e os planos, bem por final o crescimento e os números: como aprender a pensar nas categorias Qualidade – Estrutura – Quantidade 10. A bênção dos pais para uma nova geração..................................................261 Sobre a mobilização da descendência espiritual, ou: como transformar rebeldes em revolucionários 11. Modelos de multiplicação de igrejas............................................................281 Como fundar uma igreja sem fabricá-la 12. Colocar nações em movimento...................................................................295 Como desenvolver uma massa crítica e deixar o sucesso por conta de Deus Apêndice Bibliografia recomendada.................................................................................310 Dawn International Network............................................................................313 Sobre o autor.....................................................................................................314
Bom demais para ser verdade ?
Introdução
O sonho de uma igreja que não apenas traz uma mensagem, mas que é uma mensagem
Meu pai era húngaro, mas cresci na Alemanha “cristã”, onde se vê uma igreja em cada esquina. Sempre tive a impressão de que deve existir algo de sensacional na igreja que Jesus fundou há 2.000 anos e a respeito da qual leio no Novo Testamento – mas por qualquer motivo não conseguia descobrir o que era! Junto com muitos amigos e colegas sonhei a respeito de uma igreja que fosse tão simples como “um – dois – três” e, apesar disso, dinâmica. Sonhei a respeito de algo explosivo, que fosse capaz de deixar o mundo e nossos bairros residenciais de pernas para o ar. A igreja dos seguidores de Jesus como uma invenção sobrenatural, equipada por Deus com o dom da imortalidade. A igreja como uma ferramenta para que façamos discípulos de Jesus Cristo uns dos outros e transfiramos a sua vida uns para os outros. Igreja como algo realmente integral, onde muitas coisas convergem: graça e frutas, amor e riso, alegria e bombons, perdão e diversão, poder e – afinal, por que não? – também um pouco de papel. Igreja como algo que não precisa de uma fortuna em dinheiro e que dispensa retórica religiosa, de controle e manipulação, sim, nem sequer de heróis carismáticos. Algo que seja decididamente não religioso e que precisamente por isso é capaz de tocar profundamente. Um lugar em que as pessoas, de tão pasmas, não conseguem mais ficar caladas, e no qual podemos aprender Graça e frutas, amor e riso, como se vive. Uma igreja que não apenas traz alegria e bombons, perdão e uma mensagem, mas que é uma mensagem. diversão, poder e – afinal, Algo que se alastra incessantemente como um por que não? – também um vírus, infectando tudo o que entra em contato pouco de papel. com ele, até que a terra toda esteja coberta pelo conhecimento de Deus como as águas cobrem o mar. Uma igreja, cuja força é proveniente de seu inventor, que a equipou com um genial código genético espiritual – uma espécie de DNA celestial – que lhe permite transferir valores do céu para a terra
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e reproduzi-los aqui. Dessa maneira não apenas se converte água em vinho, mas também ateus em apóstolos, policiais em profetas, motoristas de caminhão em educadores, carteiros em pastores e dignos anciãos da aldeia em radiantes evangelistas. Essa igreja, assim sonho eu, é como uma família extensa espiritual – orgânica, não organizada; centrada nos relacionamentos, não formal. Possui uma estrutura à prova de perseguições, na qual nada é impossível. Ganha em estatura quando chora. Alastra-se mesmo debaixo do tapete. É capaz de florescer Essa igreja ganha em no deserto, respirar debaixo d’água, enxergar no estatura quando chora. escuro e multiplicar-se espontaneamente no caos. Alastra-se mesmo debaixo Uma igreja que se multiplica como dois peido tapete. É capaz de xes e cinco pães nas mãos de Jesus, em que os florescer no deserto, pais voltam seus corações aos filhos e os filhos respirar debaixo d’água, se volvem para os pais, em que as pessoas são os enxergar no escuro verdadeiros recursos e na qual apenas um único e multiplicar-se nome se destaca magnificamente: o Cordeiro de espontaneamente no caos. Deus.
15 teses sobre a reencarnação da igreja
Introdução
A igreja como a conhecemos impede uma igreja como Deus a quer
Deus transforma a igreja e isso, por sua vez, transformará o mundo. Milhões de cristãos em todo o mundo sentem que uma nova e surpreendente Reforma está se aproximando. Afirmam: “A igreja como a conhecemos impede uma igreja como Deus a quer”. É admirável o grande número de cristãos que parece perceber que Deus está tentando dizer-lhes a mesma coisa. Desse modo forma-se uma nova consciência coletiva para uma revelação existente há milênios, um eco espiritual coletivo. Estou convicto de que as 15 teses a seguir reproduzem uma parcela daquilo que “o Espírito diz hoje às igrejas”. Para alguns isso será apenas uma pequena nuvem no horizonte de Elias. Outros já se encontram no meio da chuva. 1. CRISTIANISMO COMO ESTILO DE VIDA, NÃO COMO SUCESSÃO DE EVENTOS RELIGIOSOS Bem antes de serem chamados de cristãos dava-se aos seguidores de Jesus Cristo o nome de “o Caminho”. Um dos motivos era que eles literalmente haviam encontrado o caminho de como se vive. O cerne da igreja cristã não é apropriadamente espelhado por uma série de eventos religiosos em recintos eclesiásticos reservados especialmente para encontros com Deus, oferecidos por clérigos profissionais. Pelo contrário, está em questão o estilo de vida profético dos seguidores de Jesus Cristo no dia a dia, que como famílias extensas espiritualmente ampliadas respondem a perguntas formuladas pela sociedade – justamente no local em que isso é mais decisivo: em casa. 2. MUDAR O SISTEMA DAS “CATEGOGAS” Depois da época de Constantino Magno, no século 4, as Igrejas Ortodoxa e Católica desenvolveram e sancionaram um sistema religioso que consistia de um templo
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“cristão” (a catedral) e de um padrão básico de culto que imitava a sinagoga judaica. Dessa maneira, um sistema religioso não expressamente revelado por Deus, a “categoga”, uma mescla de catedral e sinagoga, tornou-se a matriz dos cultos de todas as épocas subsequentes. Tingido com um acervo gentílico de As comunidades livres pensamentos helenistas que, p. ex., faz separação libertaram do Estado esse entre o sagrado e o secular, o conceito das categosistema eclesiástico, os gas recebeu uma função de “buraco negro”, que batistas o batizaram, os suga pela raiz praticamente todas as energias de quacres o drenaram, o transformação social da igreja e que por séculos Exército da Salvação o deixou o cristianismo absorto em si próprio. enfiou num uniforme, os É verdade que Lutero reformou o conteúdo pentecostais o ungiram e os do Evangelho, mas é notório que ele deixou as carismáticos o renovaram, estruturas e formas exteriores da “igreja” intactas. porém até hoje ninguém As comunidades livres libertaram do Estado esse realmente o transformou. sistema eclesiástico, os batistas o batizaram, os quacres o drenaram, o Exército da Salvação o enfiou num uniforme, os pentecostais o ungiram e os carismáticos o renovaram, porém até hoje ninguém realmente o transformou. É precisamente essa hora que chegou agora. 3. A TERCEIRA REFORMA Por ter redescoberto o Evangelho da redenção “somente pela graça mediante a fé”, Lutero desencadeou uma Reforma – uma reforma da teologia. A partir do final do século 17, movimentos de renovação como o Pietismo descobriram novamente o relacionamento pessoal do indivíduo com Deus. Isso levou a uma reforma da espiritualidade, a segunda Reforma. Agora Deus está avançando mais um passo, ao mexer com as formas básicas do ser igreja. Dessa forma ele desencadeia uma terceira Reforma, uma reforma das estruturas. 4. DE CASAS QUE SÃO IGREJA PARA IGREJAS NAS CASAS Desde os tempos do Novo Testamento não existe mais algo como a “casa de Deus”. Deus não vive em templos, erguidos por mãos humanas. É o povo de Deus que constitui a igreja. Por essa razão a igreja está em casa no exato lugar em que as pessoas estão em casa: nos lares. É ali que os seguidores de Cristo partilham a vida no poder do Espírito de Deus, tomam refeições em conjunto e muitas vezes nem mesmo hesitam vender propriedade particular, repartindo as bênçãos materiais e espirituais com outras pessoas. Instruem-se sobre como se inserir melhor, enquanto ser humano, nas leis espirituais constitutivas de Deus em meio à vida prática – e
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justamente não por meio de palestras professorais, mas de modo dinâmico, no estilo de pergunta e resposta. É ali que oram, batizam e profetizam uns aos outros. É ali que podem deixar cair a máscara e até confessar pecados, porque conquistam uma nova identidade coletiva pelo fato de se amarem mutuamente, apesar de se conhecerem e constantemente tornarem a se perdoar e se aceitar. 5. PRIMEIRO A IGREJA TEM DE ENCOLHER, ANTES QUE POSSA CRESCER A maioria das igrejas cristãs simplesmente é grande demais para realmente proporcionar espaço para a comunhão. Foi assim que se tornaram “comunidades sem comunhão”. As comunidades eclesiais do Novo Testamento eram invariavelmente grupos pequenos, com cerca de 15 a 20 pessoas. O A congregação cristã típica crescimento não acontecia pelo inchaço aditivo, de hoje é um triste meioformando comunidades eclesiásticas grandes, termo: estatisticamente ela estacionárias e que lotavam catedrais com 20 a não é mais uma igreja no 300 pessoas, mas pelo crescimento multiplicatilar, mas tampouco já é um vo da amplitude, apresentando características de evento celebrativo. um movimento. As igrejas nos lares se subdividiam quando tinham atingido o limite orgânico de cerca de 15 a 20 pessoas. Esse crescimento multiplicativo pela base possibilitou aos cristãos que também se congregassem para reuniões celebrativas que abrangiam a cidade toda, como, p. ex., nos salões do Templo em Jerusalém. Em comparação com isso, a congregação cristã típica de hoje é um triste meio termo: estatisticamente ela não é mais uma igreja no lar, mas tampouco já é um evento celebrativo. Dessa maneira, ela perde duas dinâmicas imaginadas pelo seu Inventor: a atmosfera familiar dinâmica e relacional e o megaevento eletrizante com efeito de sucção. 6. DO SISTEMA DE UM PASTOR ÚNICO PARA A ESTRUTURA DE EQUIPE Igrejas nos lares não são conduzidas, p. ex., por um pastor, mas acompanhadas por um presbítero e por um dono de casa sábio e atento à realidade. As igrejas nos lares são interligadas em rede, formando movimentos, pela conexão orgânica dos presbíteros com o assim chamado ministério quíntuplo (apóstolos, profetas, pastores, evangelistas e mestres), que circula “de casa em casa” pelas igrejas, como um saudável sistema de circulação sanguínea. Nessa atividade as pessoas com dons apostólicos e proféticos (Ef 4.11s; 2.20) desempenham um papel fundamental.
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Sem dúvida os pastores são uma parte importante de toda a equipe, porém não podem ser mais que um fragmento dela, “para capacitar os santos para o serviço”. Seu ministério precisa ser complementado pelos outros quatro ministérios, do contrário as igrejas não apenas sofrem de enfermidades de carência espiritual, devido à dieta unilateral, mas igualmente os próprios pastores não conseguem mover nada, ficando impedidos de se realizar em sua vocação. 7. AS PEÇAS CERTAS – MONTADAS ERRONEAMENTE Num quebra-cabeça é essencial que as peças sejam montadas de acordo com o modelo certo, do contrário não apenas fica incorreto o quadro inteiro, mas também as diversas peças não fazem sentido. No cristianismo temos todas as peças à disposição, mas por tradição, lógica de poder e zelo religioso quase sempre as montamos erroneamente. Assim como existe H2O nos três estados de agregação (gelo, água e vapor) também os dons de serviço (Ef 4.11s), como, p. ex., o do pastor, ocorrem de três formas, porém muitas vezes na forma errada No cristianismo temos no lugar errado. Eles congelaram como pedras todas as peças à disposição, por meio do clericalismo eclesiástico, correm como num quebra-cabeça. como água límpida ou ainda evaporam na falta Mas por tradição, lógica de compromisso. de poder e zelo religioso Assim como a melhor coisa é regar flores com quase sempre as montamos água, também os cinco ministérios que fomentam a igreja (apóstolos, profetas, pastores, evangelistas e erroneamente. mestres) têm de reencontrar formas novas – e muito antigas – na igreja, para que o sistema todo comece a florescer e cada pessoa encontre um lugar apropriado no todo. Por isso a igreja não pode nem deve voltar atrás na História, porém precisa retornar à matriz original. 8. DAS MÃOS DOS BUROCRATAS ECLESIÁSTICOS AO SACERDÓCIO DE TODOS OS QUE CREEM As igrejas do Novo Testamento nunca foram dirigidas por um “homem santo” ou “senhor pastor”, que se encontra numa ligação especial com Deus em substituição a outros e que regularmente alimenta consumidores relativamente passivos na fé, como se fosse um Moisés do Novo Testamento. O cristianismo assumiu das religiões gentílicas – ou, na melhor das hipóteses, do judaísmo – a categoria dos sacerdotes como um espaço amortecedor de mediação entre Deus e o ser humano. Desde os dias de Constantino Magno a rigorosa profissionalização da igreja já pesou tempo suficiente como maldição sobre a igreja, subdividindo artificialmente o povo de Deus em leigos infantilizados e clero profissional. Conforme
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o Novo Testamento há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus (1Tm 2.5). Deus retém sua bênção quando profissionais da religião se imiscuem entre ele e o povo. O véu do Templo foi rasgado e Deus possibilita a todas as pessoas a terem acesso a ele diretamente por meio de Jesus Cristo, o único Caminho e Advogado. Já não precisam manter contato com ele de forma mediada e indireta através do representante de uma casta religiosa. A fim transportar para a prática o “sacerdócio de todos os que creem”, que entrementes já foi impetrado há 500 anos pela primeira Reforma, o atual sistema de uma igreja profissionalizada e burocratizada terá de ser transformado radicalmente – ou afundará na irrelevância religiosa. A burocracia é a mais diabólica de todas as formas de administração, porque no fundo levanta apenas duas perguntas: sim ou não. Nela dificilmente há espaço para a espontaneidade, a humanidade e a vida genuína cheia de variações. Essa forma estrutural pode ser adequada a empreendimentos políticos ou econômicos, porém não ao cristianismo. Deus parece estar em vias de libertar seu povo do cativeiro babilônico de burocratas eclesiásticos e de pessoas no exercício do poder religioso, bem como tornar a igreja novamente um bem comum. Faz isso ao colocá-la nas mãos de pessoas simples, chamadas por Deus para algo extraordinário e que, como nos dias de outrora, talvez ainda estejam cheirando a peixe, perfume ou revolução. 9. DAS FORMAS ORGANIZADAS PARA AS FORMAS ORGÂNICAS DE CRISTIANISMO O “corpo de Cristo” é linguagem figurada para um ente profundamente orgânico e não para um mecanismo organizado. Localmente a igreja consiste de uma pluralidade de famílias espirituais extensas, que estão organicamente interligadas em uma rede. A maneira como cada igreja está ligada à outra constitui uma parte integrante da mensagem do todo. De um máximo de organização com um mínimo de organismo é preciso passar De um máximo de novamente para um mínimo de organização com organização com um mínimo um máximo de organismo. Até aqui o excesso de de organismo é preciso organização muitas vezes sufocou o organismo passar novamente para um “corpo de Cristo” como uma camisa de força – mínimo de organização com por medo de que algo pudesse dar errado. Con- um máximo de organismo. tudo, medo é o oposto da fé, não representando exatamente uma virtude cristã sobre a qual Deus desejasse edificar sua igreja. O medo visa controlar – a fé sabe confiar. Por isso, controlar pode ser bom, mas confiar é melhor. O corpo de Cristo foi confiado por Deus às mãos fiéis de pessoas que possuem um dom carismático especial: são capazes de crer que Deus ainda mantém o
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controle da situação quando elas próprias já o perderam há tempo. Sem dúvida o ecumenismo político e as hierarquias denominacionais tiveram sua chance de mostrar resultados no passado, mas não obtiveram êxito. Hoje é necessário criar redes regionais e nacionais que se baseiam sobre a confiança, para que formas orgânicas de cristianismo possam ser novamente desenvolvidas. 10. CRISTÃOS ADORAM A DEUS, NÃO A SEUS CULTOS Visto de fora, o cristianismo se apresenta do seguinte modo para muitas pessoas: pessoas santas dirigem-se, numa hora santa, num dia santo, a um prédio sagrado, a fim de participar de um ritual sagrado, celebrado por um homem santo em vestimentas sagradas, em troca de uma oferta sagrada. Uma vez que essas promoções regulares, orientadas pelo desempenho e chamadas de “culto divino”, requerem muito talento organizativo e consideráveis recursos administrativos, os rituais formalistas e modelos de comportamento institucionalizados rapidamente se solidificaram em tradições religiosas. Em termos estatísticos, o tradicional culto dominical de uma a duas horas de duração, com cifras do porte de 20 a 300 visitantes, é extremamente voraz em termos de recursos. Apesar disso, produz bem poucos frutos na forma de pessoas que estejam dispostas a mudar de vida como discípulos de Jesus. Em termos econômicos, o culto tradicional é uma estrutura que exige muitíssimo investimento, mas produz poucos resultados. Na História, o desejo dos humanos de adorar “corretamente” a Deus levou aos constrangedores denominacionalismo, confessionalismo e nominalismo. É um enfoque que desconsidera que os cristãos são chamados a adorar “em Espírito e em verdade” – e não a repetir, em pequenas e grandes catedrais, hinos costumeiros. Essa mentalidade de programação, que se compraz em reiterar o proverbial “Amém” na igreja, ignora que toda a vida é pulsante, muda constantemente e é absolutamente informal. Sendo o cristianismo “o caminho da vida”, ele é por natureza informal e espon tâneo, e tão somente o violentamos por meio dos rituais religiosos repetitivos. O cristianismo precisa afastar-se das impressionantes celebrações teatrais em recintos eclesiásticos e recomeçar a viver de modo impressionante a vida cotidiana. É isso que verdadeiramente serve a Deus. 11. NÃO MAIS LEVAR O POVO À IGREJA, MAS A IGREJA AO POVO A igreja está se transformando de volta, saindo de uma estrutura do “vinde” para uma estrutura do “ide”. Uma das consequências é que não se tenta mais levar as pessoas à igreja, mas a igreja até as pessoas. A missão da igreja jamais alcançará seu alvo se meramente adicionar acréscimos à estrutura existente. Ela
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unicamente acontecerá em termos multiplicativos por meio da expansão das igrejas na forma de fermento, inclusive entre grupos da população que ainda não conhecem a Jesus Cristo. 12. A SANTA CEIA É REDESCOBERTA COMO UMA VERDADEIRA REFEIÇÃO A tradição eclesiástica conseguiu a façanha de “celebrar” a santa ceia em doses homeopáticas, com algumas gotas de vinho, uma bolacha insípida e um semblante triste. No entanto, segundo a fé cristã, a “ceia do Senhor” é uma refeição substancial com significado simbólico, não uma refeição simbólica com significado substancial. Deus está novamente afastando os cristãos das missas, de volta às mesas, de volta à refeição. 13. DAS DENOMINAÇÕES PARA A IGREJA DA CIDADE Jesus deu vida a um movimento – mas o que apareceu foram empresas religiosas com redes globais, que comercializavam suas respectivas marcas do cristianismo, fazendo concorrência uma à outra. Por causa dessa subdivisão em nomes e marcas a maior parte do protestantismo perdeu sua voz no mundo e tornou-se politicamente irrelevante. Muitas igrejas estão mais preocupadas com especialidades tradicionais e discórdias religiosas dentro de seus muros do que com dar um testemunho perante o mundo em conjunto com outros cristãos. Jesus jamais pediu aos seres humanos que se organizassem em denominações. Nos primeiros dias da igreja os cristãos tinham uma dupla identidade: eram seguidores de Jesus Cristo, convertidos verticalmente a Deus. Em segundo lugar, congregavam com base na geografia, quando também se convertiam localmente uns aos outros, formando movimentos eclesiais. Não somente se ligavam em igrejas de vizinhança ou nos lares, nas quais partilhavam sua vida cotidiana, mas também expressavam sua nova identidade em Cristo – na medida em que as respectivas circunstâncias políticas o permitissem. Encontravam-se para cultos festivos de abrangência local ou regional. Neles celebravam sua unidade como movimento eclesial da região ou cidade e demonstravam um testemunho conjunto perante o mundo. Deus está chamando o cristianismo de volta a essas dimensões. O retorno ao modelo bíblico da “igreja da cidade” – ou seja, uma nova credibilidade das igrejas nos lares dos bairros, aliada a cultos festivos de abrangência local ou regional, em que todos os cristãos de uma região se congregam regularmente – não apenas fomenta a identidade coletiva e credibilidade espiritual dos cristãos, mas também confere à igreja um peso político, e chamará a atenção que a mensagem cristã merece.
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14. UMA MENTALIDADE À PROVA DE PERSEGUIÇÃO Jesus, o cabeça de todos os cristãos, foi crucificado. Hoje seus seguidores estão tão ocupados com suas posições e seu papel respeitável na economia, política e sociedade, ou pior ainda, estão adaptados e quietos de forma tão pouco cristã‚ que quase não são mais notados. Jesus diz: “Abençoados sois quando por minha causa as pessoas vos injuriarem e perseguirem” (Mt 5.11). O cristianismo bíblico é uma ameaça para o ateísmo e pecado gentílicos, para um mundo que foi dominado pela ganância, pelo materialismo, pela inveja e pela tendência de crer em absolutamente tudo, a menos que esteja na Bíblia. Isso levou à aceitação social de comportamentos na esfera da moral, do sexo, do dinheiro e do poder que somente podem ser explicados na dimensão demoníaca. Até o momento o cristianismo atualmente conhecido não constitui um contraste para isso, mas em muitos países ele é simplesmente inócuo e gentil demais para que fosse digno de perseguição. Quando, porém, os cristãos começarem a redescobrir os valores do Novo Testamento, a viver a vida resultante e perder a vergonha de dar nome, p. ex., ao pecado, o mundo em seu redor será atingido no cerne de sua consciência e reagirá, como de costume, com conversão ou com perseguição. Ao invés de construir para si ninhos em zonas confortáveis de presumida liberdade religiosa, os cristãos precisam preparar-se novamente para serem descobertos como réus principais e ovelhas negras. Nada mais farão que ser um estorvo para o humanismo universal, para a moderna escravidão do entretenimento e para a descarada adoração do Eu, o falso centro do universo. É por essa razão que cristãos despertos rapidamente sentirão as consequências do liberalismo fundamentalista e da “tolerância repressiva” de um mundo que perdeu suas normas absolutas porque se negou a reconhecer seu Deus Criador com seus padrões absolutos. Em conexão com a crescente ideologização, privatização e espiritualização da política e economia, os cristãos obterão mais cedo do que esperavam uma nova chance para ocupar, ao lado de Jesus, o banco dos réus da sociedade do bem-estar. É bom que hoje mesmo já se preparem para o futuro, desenvolvendo uma mentalidadeà prova de perseguições e, em consequência, construam uma estrutura à prova de perseguições. 15. A IGREJA VOLTA PARA CASA Qual é o lugar mais simples para uma pessoa ser santa? Ela se esconde atrás de um grande púlpito e, trajado com túnicas sagradas, prega palavras santas a uma massa sem rosto, desaparecendo depois em seu gabinete. E qual é o lugar mais difícil e, por isso mais significativo, para uma pessoa ser santa? Em casa, na presença de sua família, onde tudo o que ela diz e faz é submetido a um teste espiritual automático
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e conferido com a realidade. Ali todo o farisaísmo devoto está irremediavelmente condenado à morte. As parcelas mais significativas do cristianismo fugiram do enraizamento na família como lugar flagrante do fracasso pessoal para salões sagrados, onde se celebram missas/cultos artificiais bem afastados do cotidiano. No entanto, Deus está em vias de reconquistar novamente para si as casas como locais de culto. Dessa forma a igreja retorna novamente às próprias raízes, ao lugar de onde ela procede, a um movimento de igrejas nos lares. Assim, a igreja volta literalmente para casa. Na última fase da história da humanidade, pouco antes do retorno de Jesus Cristo, fecha-se o círculo da história da igreja. Quando cristãos de todos os segmentos sociais e culturais, de todas as situações de vida e denominações sentirem em seu espírito um eco nítido daquilo que o Espírito de Deus diz à igreja, eles começarão a funcionar claramente como um corpo, a ouvir globalmente e agir localmente. Deixarão de pedir que Deus abençoe o que fazem e começarão a fazer o que Deus abençoa. Na própria vizinhança se congregarão em igrejas nos lares e se encontrarão para cultos festivos que abrangem a cidade ou região toda. Você também está convidado a aderir a esse movimento aberto e dar a sua própria contribuição. Dessa maneira provavelmente também a sua casa há de ser uma casa que transforma o mundo.
Por que e para quem foi escrito o presente livro
Introdução
Um chamado de mobilização a todos os cristãos comuns que são chamados para algo incomum
O presente livro é o produto de muitas pessoas em muitos países diferentes e agrupa as experiências de aprendizado de um sem-número de cristãos, que servem a Deus de modos muito diversos. Pesquisei durante um período de dois anos: na Colômbia, nos EUA, na Alemanha, na Suíça, na Inglaterra, no Sudão, na Jordânia, no Egito, em Chipre, na Arábia Saudita, no Dubai, na Índia, no Sri Lanka, em Bangladesh, na Coreia, na China e na Mongólia. Tive oportunidade de debater as teses acima com um sem-número de pastores, missionários e pessoas cristãs em funções de responsabilidade. No entanto, o que mais me comoveu foi dar ouvidos intensivamente aos “cristãos bem normais”, aprender de seus sonhos e experiências. Sou extremamente grato por todos os momentos inspiradores, nos quais pude ouvir a história deles, em que discutimos e tomamos chá em conjunto. Além disso, fui inspirado por tamanha quantidade de livros e materiais que seria numeroso demais citá-los todos. Na Grande Comissão Jesus incumbiu seus seguidores de tornarem todos os povos discípulos. Entre cristãos dissemina-se cada vez mais o reconhecimento de que isso somente acontecerá quando houver uma igreja cristã – uma vitrina de Deus – ao alcance de cada ser humano deste planeta. A igreja – a misteriosa e poderosa comunhão dos redimidos – precisa voltar a ser um espaço em que as pessoas literalmente enxergam o corpo de Cristo – a saber, no lugar em que conseguem sentir sua beleza da maneira mais prática possível: sobre o chão da realidade, ao lado delas, impossível de ignorar, porque estão sendo diariamente confrontadas com ela. O processo de trabalhar no sentido de que a população de países inteiros seja “levedada” por igrejas cristãs – e assim entre em contato com o Evangelho – é chamado de saturation church planting (algo como “plantação saturada de igrejas”): surgem tantas igrejas quantas são necessárias para atingir um grau suficiente de saturação. Num crescente número de países parece ser esse o caminho que o
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Espírito Santo escolhe para mobilizar o povo de Deus inteiro para trabalhar em direção desse alvo alternativo. O termo saturation significa “saciar”, ou seja, o procedimento de encher algo até as bordas, de atingir um ponto crítico. Deus é um Deus das nações e pensa em categorias globais. Rapidamente notaremos que simplesmente não é suficiente fundar algumas igrejas novas aqui e acolá. Qual é de fato o preço a ser pago para que nações inteiras sejam transformadas em discípulos, com seus milhões de moradores, milhares de aldeias, com antigas tradições e costumes gentílicos – ou, pior: pseudocristãos – bem como forças espirituais consideráveis, num mundo cheio de pobreza e urbanização, com uma multiplicidade não mais abrangível de opiniões, cores de pele, castas, clãs, tribos e grupos linguísticos? Muitos me disseram, com frequência em lágrimas, que a nação deles jamais será transformada por algo artificial. O que eles queriam dizer com a menção de algo “artificial”? P. ex., que pessoas são interpeladas por um momento fugaz através de uma versão abreviada do Evangelho, por meio de um ataque evangelístico relâmpago ou pela formatação de igrejas cristãs, como existem no respectivo contexto há 5, 50 ou 500 anos. Será necessária nada menos que a presença viva do Cristo ressuscitado em cada bairro e cada aldeia, em cada recanto de todas as nações da terra. Ele veio para viver entre as pessoas – e permaneceu presente, de modo diferente, não mais como Jesus de Nazaré com sandálias nos pés, mas como sua igreja. É essa a razão por que não podemos evangelizar apenas um pouquinho, mas deveríamos iniciar e favorecer de modo muito decidido movimentos de fundação de igrejas que por sua vez desencadeiam movimentos de fundação de igrejas. Até que, um dia, venha o momento em que não haverá mais espaço vazio para mal-entendidos a respeito do Evangelho, no qual uma pessoa não poderá mais se desviar facilmente da presença de Jesus na forma que ele próprio escolheu, a igreja cristã.
Por isso o presente livro trata da questão: que tipo de igreja conduzirá a esse alvo? E como fundaremos esse tipo de igreja? Este livro visa três coisas:
Ele é uma declaração de visão, no sentido de que ele tenta dar expressão à visão, à esperança e aos sonhos de incontáveis cristãos no globo terrestre sobre uma igreja conforme o Novo Testamento. No entanto, é quase natural que livros “visionários” tenham a tendência de pintar o novo inicialmente com pinceladas grosseiras e que às vezes questões complexas sejam conscientemente apresentadas de forma simplificada. Não o faço para simploriamente passar ao largo de realidades constituídas. Tenho plena consciência delas. Contudo, confio em que Deus levantará pessoas que são mais capacitadas que eu para inserir
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no quadro geral aqui apresentado as minúcias que pretendo ou sou forçado a deixar de lado. Ele é um manifesto, no sentido de que sintetiza uma tríplice convicção: sem um retorno à simplicidade bíblica das igrejas nos lares, sem uma colaboração autorizadora dos cinco ministérios de apostolado, profecia, pastorado, ensino e evangelismo, e sem um processo estratégico de fundação de igrejas para abranger a população toda, como um esforço concentrado conjunto de todo o corpo de Cristo, não seremos capazes de cumprir o mandamento da missão. O número de pessoas que vive hoje – mais de seis bilhões – perfaz quase 25% de todas as pessoas que já viveram em toda a história conhecida da humanidade. Logo, se há um bom momento para a redescoberta da igreja do Novo Testamento, a fim de fazer discípulos de nações inteiras, esse momento é agora. Em terceiro lugar o presente livro é uma instrução para fundar igrejas nos lares. Toda empresa sabe que é prudente desenvolver primeiro um modelo que funcione, um protótipo, antes de começar a produção em massa de um artigo. Quando soubermos de que tipo de igrejas precisamos, também será mais fácil fundá-las e multiplicá-las. POR QUE NÃO APRESENTAR MODELOS? Neste livro resisti à compreensível tentação de descrever um sem-número de modelos de igrejas nos lares, que poderíamos usar como matriz para fazer cópias. Não acredito na mentalidade de fotocópias em assuntos espirituais. Captar é mais eficiente e autêntico que copiar. Ao invés de reproduzir as receitas de sucesso Ao invés de reproduzir espiritual de outros, considero mais natural que as receitas de sucesso você persiga aquilo que Deus determinou para a espiritual de outros, concretização de formas orgânicas de igrejas para considero mais natural que você onde vive. De maneira alguma gostaria de você persiga aquilo que eximir o leitor desse processo criativo. Deus determinou como É muito mais importante captar e interiorizar concretização de formas princípios espirituais centrais do que adotar e trans- orgânicas de igrejas para por um modelo de cinco estágios comprovado “n” você onde vive. vezes. Ao invés de importar as histórias de sucesso espiritual de outros, considero mais natural que todos nós procuremos por caminhos que Deus preparou para nós e nossas regiões. Aquilo que ele visa revelar a nós não precisa necessariamente ser idêntico ao que ele revelou a outros como um ovo é idêntico ao outro.
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Muitas pessoas buscam por um método comprovado, seguro contra mancadas, já experimentado e testado por um número suficientemente grande de precursores, antes que elas próprias se “arrisquem” a um passo de fé, agindo da mesma forma como eles. Essa mentalidade “antimancadas”, que se impõe muitas vezes como um especial senso de realidade com os pés no chão, é um caminho que soa bastante espiritual, para escondermos nosso próprio medo diante do novo e do desconhecido. Contudo o medo é o oposto da fé. Um dos segredos dos seguidores de Cristo é que eles são homens e mulheres que não precisam primeiro de um impressionante acervo de dados acadêmicos e estatísticos antes de realizarem algo, mas que cumprem, com fé e – se me permitirem uma palavra incômoda – em obediência, aquilo de que Cristo os incumbe. Agem sem objeções e ressalvas, e sem exigir intermináveis e mesmo assim insuficientes provas de experiências que eles próprios ainda não fizeram. IGREJAS NOS LARES NA EUROPA? Há pessoas que, ao ouvirem falar de igrejas nos lares, pensam numa “reforma eclesiástica chinesa”. No entanto, desejo mencionar aqui pelo menos sucintamente que as igrejas nos lares de forma alguma foram, são e jamais serão um corpo estranho exótico na Europa.
Igrejas nos lares representam uma boa e antiga tradição europeia. Depois das igrejas nos lares gregos e romanos dos séculos 1 e 2 e de muitos movimentos leigos esporádicos após Constantino foi sobretudo o movimento dos celtas, parentes dos gálatas do Novo Testamento, que cristianizou a Europa (Patrício, Galo, Bonifácio etc.). O conceito espiritual integral dos celtas estava muito próximo das igrejas nos lares aqui descritas. Igrejas nos lares orgânicas, portanto, já fizeram parte da história cultural europeia desde os tempos mais remotos e de forma alguma representam algo totalmente novo. O fato de que o movimento celta foi açambarcado pela Igreja Católica nos séculos 6 a 9 faz parte das grandes tragédias da história da igreja no continente europeu. Quase todas as fundações de igrejas na Europa percorreram e ainda hoje percorrem fases orgânicas de vida em forma de igrejas nos lares. Muitos cristãos recordam-se com certa nostalgia dos meses iniciais de espontaneidade ou “dos velhos bons tempos dos fundadores”. O problema maior não é que não se tenha experimentado a igreja no lar na Europa, mas que no passado recente essa reforma da igreja não foi valorizada a contento nem buscada ativamente. Uma série de federações de igrejas (p. ex., alguns movimentos de “irmãos”) ou tendências evangelísticas, como os cursos Alfa, praticam muitos
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elementos – embora de forma alguma todos – do cristianismo das igrejas nos lares. É nisso que está baseada uma parte de seu sucesso. No passado mais recente existiram – e ainda hoje ocorrem – movimentos de igrejas nos lares na Europa. P. ex., há algumas décadas um cristão francês da Alsácia fundou cerca de 30 igrejas nos lares somente no Norte da Alemanha. Normalmente igrejas nos lares não fazem grande alarde de si mesmas, motivo pelo qual poucas pessoas as notam. Já nos tempos atuais existem muitas igrejas nos lares independentes, que se formaram nos últimos anos numa quantidade impressionante de casas. Conforme minhas informações novas estão surgindo a todo o momento. No entanto, via de regra (ainda) não estão organizadas num movimento regional. E QUE ACONTECE COM AS ESTRUTURAS EXISTENTES? Ninguém vive no vácuo, e muitos crescem em estruturas eclesiásticas ou denominacionais, ou pelo menos vivemos em áreas que apresentam uma história eclesiástica mais ou menos viva. Não nos será possível simplesmente voltar atrás na História. Contudo, em lugar algum da Bíblia somos solicitados a tolerar o status quo como imutável. Devemos ser perfeitos, como nosso Pai no céu é perfeito (Mt 5.48). O presente livro não foi escrito para transmitir a impressão de que a igreja no lar seria o único caminho viável para viver igreja. Pelo contrário, trata-se da perspectiva quanto ao que tem de acontecer para que nações inteiras sejam inequivocamente convocadas ao seguimento de Cristo e assim “povos sejam transformados em discípulos”. A partir desse ângulo de visão, que no começo talvez seja incomum para você, rapidamente se torna claro que esse alvo jamais poderá ser atingido se nós mesmos não reencontrarmos radicalmente as dinâmicas da igreja do Novo Testamento, ou se pelo menos não criarmos o espaço para que outros A igreja sempre deveria possam fazê-lo sem que lhes sejamos um estorvo. visar ser exatamente aquilo A perspectiva missionária em geral difere da para o que ela foi inventada atitude de pretender manter intacta uma certa por seu Criador – e ser tradição eclesiástica, ou de especular teológica impulsionada por uma certa e teoricamente sobre a natureza da igreja. Se as insatisfação sagrada. igrejas nos lares de fato forem uma forma válida de igreja – algo que não apenas eu estou asseverando, mas sobre o que o Novo Testamento fala com clareza – então faremos bem em aceitar esse fato e colocá-lo em prática, ou pelo menos tolerá-lo, em nossos relacionamentos. Como veremos adiante, as igrejas nos lares trazem consigo um potencial realmente explosivo no sentido
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missionário – em comparação com o que conhecemos das igrejas históricas e das igrejas livres de cunho tradicional. Estou convicto de que Deus está transmitindo bênçãos infinitas ao mundo por meio das estruturas eclesiásticas vigentes, bênçãos que transformaram de maneira duradoura a vida de incontáveis pessoas, e que dessa forma surgiram muitos benefícios e também surgirão no futuro. Porém a igreja jamais deveria se conformar e contentar com o que existe no momento. Ela sempre deveria visar ser exatamente aquilo para o que foi inventada por seu Criador – e ser impulsionada por uma certa insatisfação sagrada. Estou convicto de que existem igrejas em todas as colorações e variações e de que sempre apresentam uma mistura entre a obra de Deus e a ação humana – inclusive as igrejas nos lares! Esse projeto conjunto, sempre diferenciado, entre carne e Espírito – chamado de igreja – há de nos acompanhar enquanto vivermos. Entretanto estou igualmente convicto de que cada cristão tem a responsabilidade de constantemente aproximar-se o mais perto possível da extremidade espiritual do espectro de possibilidades neste mundo e de medir a ação humana – ou simplesmente a carne, como o Novo Testamento fala com palavras menos enDeus transforma água em feitadas! – constantemente com a Palavra de Deus vinho, é capaz de falar por e, quando necessário, corrigi-lo. É impossível meio de um burro, fazer realizar as coisas do Espírito no poder da carne. jorrar água de uma rocha e, A igreja é uma invenção de Deus. Justamente por a coisa mais admirável de isso ela não é humanamente “factível”, fabricável, todas, usar pessoas bem engendrável. Ela surge quando nós, como pessoas, normais para os seus alvos. nos colocamos à disposição de Deus e quando nós, parceiros humanos menores, cooperamos com Deus como parceiro maior, para chamar a criação toda por meio da igreja toda de volta para seu Criador. Há esperança. Deus tem uma maneira soberana de tornar possível o que é impossível aos seres humanos. Ele transforma água em vinho, é capaz de falar por meio de um burro, fazer jorrar água de uma rocha e, a coisa mais admirável de todas, usar pessoas bem normais para os seus alvos. Este livro não convida ninguém a projetar um ideal da igreja dos sonhos e descrevê-la com cores românticas, para depois admirá-la de longe. Trata-se de emitir pessoalmente um eco ao que Deus possivelmente conclama a todos nós nos dias atuais. Tentei dizer com toda a clareza de que eu dispunha o que é que Deus deseja fazer da sua igreja e para que propósito ele convoca seu pessoal. Estou disposto a responder a esse desafio pessoalmente, do melhor modo que sei, local e globalmente, embora pense às vezes que em muitos aspectos não sou muito apto para isso. Contudo, na perspectiva histórica, essas insuficiências humanas parecem até provocar a Deus. Como provavelmente acontece também com outros, carrego comigo minhas próprias hipotecas eclesiásticas, vejo tudo
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um pouco com a cor dos óculos de minhas próprias experiências e tenho manias pessoais de toda espécie. Tenho a dolorosa consciência de que o presente livro tão-somente é uma contribuição inconclusa sobre esse tema. Contudo, um livro que seja insatisfatório em vários aspectos mas que é publicado com certeza sempre será melhor que o livro perfeito, o qual provavelmente jamais escreverei. Talvez você veja, como eu próprio, a natureza inconclusa e fragmentária de uma contribuição desse tipo como parte da mensagem deus semper major: Deus é sempre maior do que nós imaginamos. Sim, vimos no horizonte algo realmente incrível. E mais, parece ser apenas uma parte daquilo que ainda há para ser visto. NÃO PRIMORDIALMENTE PARA PASTORES O presente livro intencionalmente não se dirige primordialmente a pastores – pelo que aqui rogo por compreensão. Para isso há razões de peso em termos de história da igreja e de estratégia. Com certeza cada um de meus colegas pastores concordará comigo após a leitura do livro. O livro dirige-se de modo igual a quatro grupos de pessoas, a respeito das quais creio que darão forma ao futuro da igreja:
Às mulheres. Mais de 50% do cristianismo consiste de mulheres, que nas igrejas institucionalizadas muitas vezes têm poucas chances de realmente florescer, poucas possibilidades de marcar presença com os seus serviços. Muitas vezes tiveram permissão apenas de preencher quotas no mundo das igrejas livres e territoriais dominadas e superorganizadas pelos homens. Quando eram mães de bebês permaneciam tempo demasiado trocando fraldas, à margem dos acontecimentos. No entanto, o lugar das mulheres é bem no meio do evento da igreja. Se isso não se concretiza no sistema eclesiástico existente, o que precisa ser trocado não são as mulheres, mas o sistema. Aos pais de família. Famílias jovens – e seus pais – são mercadoria estatisti camente escassa no sistema eclesiástico dos últimos 1.600 anos. Estou convictode que se desperdiça um montante irresponsavelmente grande de potencial de presbíteros nos pais de família. Esses pais não encontram o acorde harmônico que una profissão, família e colaboração na igreja. Que, porém, aconteceria se o centro das igrejas voltasse a ser transferido para as famílias? Ao invés de profissionais da igreja os pais de família e seus dons passariam, então, ao centro dos acontecimentos, e a igreja tornaria a ser parte do cotidiano. Parece que é justamente isso que Deus tem em mente. Aos cinco ministérios. Muitos que se sentem chamados por Deus para um ministério de pastor, apóstolo, profeta, evangelista ou mestre percebem
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que de certo modo não se encaixam bem no sistema da igreja. Sentem-se sozinhos, sobrecarregados ou subaproveitados, sofrem sob a pressão das expectativas da igreja, sentem-se incompreendidos. Em suma, estão em busca do molde apropriado para se encaixarem de modo sensato e com entusiasmo genuíno como uma peça de quebra-cabeça em um conjunto maior. De acordo com minha convicção, os movimentos de igrejas nos lares propiciam exatamente essa possibilidade. A pastores, mais precisamente àqueles para os quais é mais importante favorecer o Reino de Deus do que colher apenas alguns impulsos para a sua própria igreja. Se você estiver lendo o presente livro como pastor, é possível que rapidamente se reencontre diante de encruzilhadas. Você notará que trabalha como pastor mas talvez nem seja um pastor. Ou você se dá conta que de fato foi chamado por Deus para um serviço pastoral, mas que precisa de uma estrutura em que você possa trabalhar menos e alcançar mais, em que poderia dar livre vazão à sua vocação pastoral, sem constantemente entrar em atrito com a estrutura de sua própria igreja. É precisamente isso que o movimento das igrejas nos lares poderia render para você. Para mim, o mais importante é que este livro inspire, encoraje e estimule aquelas pessoas que se dispõem a serem os instrumentos de Deus para colher uma safra espiritual nesta última fase da história da humanidade. Conforme nos dizem muitos profetas, essa será uma geração de pessoas sem rosto, de pessoas sem fama, títulos e honra, que simplesmente se engrenam no movimento de Deus sobre a terra, cumprindo Os dirigentes de amanhã assim o propósito a que foram destinados. serão uma geração de Hão de fazê-lo sob as mais diversas condições pessoas sem rosto, de imagináveis: sob perseguição ou como entrevispessoas sem fama, títulos tados em programas de auditório (o que, afinal, e honra, que simplesmente seria o pior?), em dificuldades inexprimíveis ou se engrenam no movimento caminhando sobre tapetes vermelhos, desprezados de Deus sobre a terra, ou admirados, ridicularizados ou consultados, cumprindo assim o fim a enganados ou honrados, indiciados ou citados, que foram destinados. torturados ou laureados, desconhecidos ou conhecidos, viajando com pés descalços ou na primeira classe das empresas aéreas de ponta. Em outras palavras: este é um chamado de mobilização a todos os seguidores comuns de Jesus, que por seu modo humilde e de autorrenúncia são convocados para coisas extraordinárias e recebem poder de Deus para cobrir esta terra com um vagalhão de igrejas nos lares, que transmitem de forma tão duradoura a beleza e verdade de Jesus Cristo como a água cobre o mar.
A reinvenção da igreja
Capítulo 1
Será que Deus não imaginou a igreja de forma bem diferente?
É um fenômeno interessante: nunca houve na História uma época em que igrejas cristãs em todo o mundo cresceram de forma numericamente tão intensa. As estatísticas de missiólogos atestam que atualmente se formam 2.000 a 3.000 novas igrejas por semana. Conforme dados da Aliança Evangélica Mundial, os cristãos evangelicais1 passaram de cerca de 150 milhões no ano de 1974 para cerca de 650 milhões no ano de 1998. Desse modo, afirmam especialistas em Missão como C. Peter Wagner ou Ralph Winter, os cristãos evangelicais se tornaram a minoria que mais rapidamente cresce no mundo. Não obstante, numa época em que é grande a alegria ou até o triunfo sobre o crescimento de muitas igrejas, ficou ainda maior o grau de insatisfação com a “igreja como a conhecemos”. Ouvimos a respeito de muitos que “aceitam a Jesus” e nos alegramos. No entanto, normalmente não somos informados quantos deles, afinal, se tornam e permanecem membros comprometi- Ouvimos a respeito de dos de igrejas cristãs. Muito menos ficamos muitas pessoas que “aceitam sabendo acerca do silencioso êxodo de pesso- a Jesus”. No entanto, não as que entraram com lágrimas de alegria pela somos informados quantos porta da frente das igrejas e que desaparecem deles, afinal, se tornam novamente pela porta dos fundos com lágrimas e permanecem membros de decepção. Na verdade foram conquistadas, comprometidos com mas não integradas. Tornaram-se interessadas, igrejas cristãs. mas nunca assumiram um compromisso. Em termos figurados, foram “ceifadas” mas nunca 1
N.E.: Termo criado no Congresso de Lausanne (Suíça) para descrever as pessoas que nas diversas denominações estão comprometidas em viver autenticamente o Evangelho e com a evangelização mundial, levando em consideração também as pessoas menosprezadas e enfermas para socorrê-las na sua miséria.
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De um máximo de organização com um mínimo de organismo é preciso passar novamente para um mínimo de organização com um máximo de organismo. “Igreja nos lares” descreve a visão de igreja que milhares de cristãos ao redor do globo começaram a experimentar. O que diferencia esta visão de outros modelos é que ela pode ser facilmente implantada. Igreja como algo que não precisa de uma fortuna em dinheiro e que dispensa retórica religiosa, de controle e manipulação, nem sequer necessita de heróis carismáticos.