Mudanรงa de Paradigma na Igreja
Mudança de Paradigma na Igreja Como o Desenvolvimento Natural da Igreja pode transformar o pensamento teológico
Christian A. Schwarz Tradução Josué Ribeiro
EDITORA EVANGÉLICA ESPERANÇA Curitiba
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Schwarz, Christian A. Mudança de Paradigma na Igreja: como o desenvolvimento natural da igreja pode transformar o pensamento teológico / Christian A. Schwarz. – tradução Josué Ribeiro. – Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2001. Título do original: Paradigm Shift in the Church Bibliografia. ISBN
85-86249-46-7
1. Igreja – Crescimento 2. Igreja – Novo desenvolvimento I. Título 00-4141
CDD-262 Índice para catálogo sistemático: 1. Igreja: desenvolvimento natural: Eclesiologia: Cristianismo 262
Título do Original em Inglês Paradigm Shift in the Church: How natural Church development can transform theological thinking Copyright©1999 Christian A. Schwarz C&P Verlag, Emmelsbüll, Alemanha Capa Luciana Marinho Revisão Doris Körber Supervisão editorial e de produção Walter Feckinghaus 1ª edição brasileira Fevereiro de 2001 Editoração eletrônica Mánoel A. Feckinghaus Impressão e acabamento Imprensa da Fé Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados pela EDITORA EVANGÉLICA ESPERANÇA Rua Aviador Vicente Wolski, 353 82510-420 – Curitiba – PR Fone: (41) 256-0390 Fax: (41) 257-6144 E-mail: eee@esperanca-editora.com.br www.esperanca-editora.com.br
SUMÁRIO
Introdução: Sobre o que fala este livro.............................................................................. 7
PARTE 1: O CRESCIMENTO DA IGREJA ENTRE O ESPIRITUALISMO E O INSTITUCIONALISMO................................... 13 1. O ponto de partida do desenvolvimento natural da igreja: Eclesiologia bipolar.................................................................................................... 14 2. Perigo à direita: O equívoco institucionalista....................................................................................... 24 3. Perigo à esquerda: O equívoco da espiritualização.................................................................................. 32 4. A batalha entre Espiritualismo e Institucionalismo........................................................................................................ 39 5. A raiz dos equívocos: O Deus impessoal....................................................................................................... 49 6. Funcionalidade como um critério teológico?............................................................. 64 7. A abordagem interdenominacional............................................................................ 74 8. Três reformas.............................................................................................................. 81
PARTE 2:O PARADIGMA TEOLÓGICO POR TRÁS DO DESENVOLVIMENTO NATURAL DA IGREJA . ............................... 95 Diagrama do Paradigma Bipolar...................................................................................... 96
A. Fé cristã. ................................................................................................................... 99 1. O que é a verdade? Conflito sobre a doutrina correta.............................................................................. 101
2. Fé cristã e fundamentalismo: Conflito sobre as Escrituras...................................................................................... 110 3. Entre legalismo e “graça barata”: Conflito sobre lei e liberdade................................................................................... 124
B. Comunhão cristã.................................................................................................... 135 1. “O ritual faz o cristão”: Conflito sobre batismo e Ceia.................................................................................. 137 2. Entre as tendências supra-histórica e anti-histórica: Conflito sobre tradição e mudança........................................................................... 150 3. Unidade espiritual ou monopolismo? Conflito sobre implantação de igreja e cooperação.................................................. 160
C. Serviço cristão....................................................................................................... 173 1. “O sacerdócio de todos os crentes”: Conflito sobre dons e funções.................................................................................. 175 2. O sonho do Estado cristão: Conflito sobre os cristãos na política....................................................................... 189 3. “Obrigue todos a entrar”: Conflito sobre evangelismo e conversão.................................................................. 199
PARTE 3: A ABORDAGEM BIÓTICA DO CRESCIMENTO DA IGREJA ........................................................................... 213 1. O novo paradigma.................................................................................................... 214 2. Desenvolvimento natural da igreja........................................................................... 233 3. Podemos “fazer” a igreja crescer?............................................................................ 253 4. Sucesso no Terceiro Milênio.................................................................................... 265 Referências Bibliográficas............................................................................................. 273 Índice Onomástico......................................................................................................... 281
INTRODUÇÃO: SOBRE O QUE FALA ESTE LIVRO
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odo movimento de reforma é confrontado com uma força de oposição conhecida como “ortodoxia”. Foi assim nos dias da Reforma do século xvi (quando a oposição partiu da ortodoxia católica romana); foi assim também nos dias do avivamento pietista na Europa (que sofreu oposição por parte dos protestantes); o mesmo parece ocorrer com todo movimento que luta em prol de uma reforma na igreja atual. Muitas vezes a oposição mais severa vem daqueles que se erguem como defensores da “pureza doutrinária”. Por que isso ocorre? Será que os movimentos de renovação estão no caminho teológico errado? Ou será que há algo errado com aquilo que chamamos de ortodoxia? Conversando com muitos líderes cristãos, cheguei à conclusão de que o maior obstáculo ao desenvolvimento estratégico da Igreja não é a falta de know-how metodológico, mas sim os bloqueios teológicos profundamente arraigados. Não estou me referindo à teologia do “Deus está morto” nem aos grupos que contestam as afirmações absolutas de Jesus ou que advogam uma teologia sincretista. Falo sobre os bloqueios teológicos nos grupos cristãos cuja “correção” doutrinária é inquestionável. O fato de que alguns dos maiores obstáculos ao desenvolvimento da Igreja encontram-se nestes círculos é, em minha opinião, o verdadeiro dilema. Por que as pessoas falam sobre propósitos cruzados Nos últimos anos, em vários países muitas batalhas teológicas têm sido travadas sobre tópicos relacionados ao crescimento da Igreja. Entretanto, o progresso resultante de tais discussões até aqui é surpreendentemente pequeno. Em muitos casos, as pessoas estão falando sobre propósitos cruzados. Para mim, a razão parece ser que alguns defensores do crescimento da Igreja – consciente ou inconscientemente – pensam dentro de paradigmas teológicos
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diferentes dos seus críticos. Possuem outra perspectiva, a partir da que percebem a própria experiência e interpretam o Igreja (e o mundo). Modelos diferentes não podem se relacionar entre si. Cristãos que pensam e agem dentro de diferentes modelos estão, de fato, falando linguagens diferentes. Mesmo quando utilizam as mesmas palavras, estas podem ter significados totalmente diferentes. Assim, fica fácil explicar por que a mesma frase que aquece o coração de uma pessoa causa em outra um frio perturbador no estômago. Nos dois lados do debate, os envolvidos cometem o mesmo erro: criticam as afirmações teológicas originadas de outro paradigma, mas com base em seu próprio paradigma – sem perceber o quanto esta tarefa é inútil. Paradigmas diferentes são mutuamente incompatíveis. Talvez uma ilustração ajude a esclarecer: suponhamos que os únicos utensílios que temos para comer sejam garfo e faca. Os alimentos (tópicos) com os quais teremos de “tratar” são bife de um lado e sopa do outro. Pesquisas nesta área provavelmente chegarão à conclusão de que bife é um tipo de alimento totalmente adequado, enquanto sopa é um alimento duvidoso e completamente inadequado para o consumo humano. Esta ilustração mostra o dilema que enfrentamos. Para compreender o que significa o crescimento da Igreja, precisamos dos utensílios teológicos apropriados. Se não os temos, o assunto parecerá, na melhor das hipóteses, irrelevante e na pior, uma verdadeira ameaça. Há um limite para a aplicabilidade de tais ilustrações, mas mesmo esta caricatura – e é de fato uma caricatura – destaca o real aspecto da questão envolvida. Neste caso, trata-se do fato de que o paradigma teológico que serve de pano de fundo do que chamamos de desenvolvimento natural da igreja é incompatível com os padrões de pensamento teológico convencionais. Em última análise, muitas das contribuições ao debate têm sido expressões de um paradigma diferente (para alguns também completamente novo). Alguns cristãos, porém, não estão suficientemente cientes desta realidade. Alguns podem se perguntar: o que leva estas pessoas a rejeitar esta sopa saborosa e nutritiva (e tratá-la com tamanha agressividade)? Utilizando a mesma ilustração, a resposta é simples: pessoas que só possuem facas e garfos não podem apreciar o valor da sopa. Parece-me que é por isso que a discussão sobre tópicos teológicos isolados são freqüentemente infrutíferas. Gastamos tempo nos perguntando se a sopa pode ser melhor aceita se colocarmos mais tempero, mas ignoramos o fato de que o verdadeiro problema está num nível totalmente diferente. Será que a chave é o crescimento numérico? Nos últimos anos, houve muitas publicações sobre a teologia por trás do crescimento da Igreja.1 Contudo, muitas delas são surpreendentemente unilaterais no foco sobre 1
Grande parte desta discussão, porém, ocorreu fora do mundo de fala portuguesa. Neste livro,
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o aspecto do “crescimento numérico” – como se esta fosse a chave teológica para a compreensão da essência do assunto.2 A pouca atenção dada a esta questão nas próximas páginas em primeiro lugar deve-se ao fato de que provavelmente não poderei acrescentar nada de novo a tudo o que já foi escrito e dito. Em segundo lugar (mas de importância capital), a questão do crescimento numérico parece-me ser uma questão secundária – embora importante – do desenvolvimento eclesiástico. Não é o objetivoestratégico, mas uma das muitas conseqüências naturais de uma igreja saudável que experimenta crescimento. A concentração do objetivo no crescimento numérico obscurece o fato de que, no âmago do debate, há questões muito mais fundamentais concernentes ao nosso entendimento teológico básico e, em última análise, até ao nosso quadro de Deus. Decisões nesta área – podendo ou não ser consideradas – moldam nossa abordagem sobre o crescimento da Igreja e não a questão metodológica se temos ou não objetivos de crescimento numérico. Neste livro, tento criar um elo entre o desenvolvimento da Igreja e alguns dos loci classici da discussão da teologia sistemática.3 Qual é a sua relevância em relação à doutrina, à ética e ao entendimento das Escrituras? Qual é o efeito do paradigma fundamental na discussão sobre batismo, comunhão, tradições da Igreja, sobre a questão da implantação de igrejas e ecumenismo? Que conceito de dons espirituais resulta desta abordagem, sobre qual entendimento de conversão ela se baseia e qual é o desfecho deste paradigma, quando relacionado às questões sociais e políticas? Finalmente, será que os movimentos que incluem “crescimento” ou “desenvolvimento” da igreja em sua agenda estão restritos a uma escola particular de pensamento teológico ou eles apresentam um método teologicamente neutro? Será que esta “escola de teologia” (ou “método”) é ortodoxa? Todas estas questões são fundamentalmente teológicas e requerem respostas teológicas. Este é um desafio que o movimento de crescimento da igreja (Church Growth Movement) – na avaliação de seus críticos e alguns dos seus principais proponentes – ainda não encarou com suficiente seriedade.4
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quero concentrar-me nas partes do debate que considero mais relevantes para todos os interessados numa avaliação dos pressupostos teológicos por trás das metodologias supostamente “neutras”. A discussão mais ampla que conheço deste assunto continua sendo a dissertação do teólogo reformado Charles van Engen, “The growth of the true church. An analysis of the ecclesiology of Church Growth Theory” [O crescimento da verdadeira Igreja. Uma análise da eclesiologia da teoria do Crescimento da Igreja] (Engen: 1981). Aqui, o conceito de crescimento é relacionado ao clássico notae da verdadeira Igreja. Este livro, porém, é um exemplo típico de como a abordagem numérica é vista como a essência do movimento do crescimento da Igreja. Esta abordagem significa que deliberadamente utilizei a terminologia técnica que se tornou costumeira no debate teológico. Entretanto, como espero que este livro não seja lido apenas por teólogos, aventurei-me a empregar os termos técnicos de uma forma que seu significado se torne claro a partir do próprio contexto. Por exemplo, C. Peter Wagner: “Deve-se reconhecer que (a teoria do crescimento da igreja) não foi ainda envolvida num pacote teológico reconhecível… A teoria em si tem de ser traduzida em
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A necessidade de limites No passado, o movimento de crescimento da Igreja era relativamente forte na área de construção de pontes, com sua famosa abordagem “ambos” – e vejo isto como seu propósito divino. Quando havia conflitos entre “evangélicos” e “carismáticos”, ou entre os proponentes da “renovação da Igreja”e os defensores da “implantação de igrejas”, ele não tomava partido. Tentava expor a futilidade teológica e estratégica de uma abordagem “um ou outro”. Não tinha nada a ver com as divisões, segregações e acusações de heresia comuns em tantos círculos cristãos – agradeço a Deus por isto! Ao mesmo tempo, porém, esta força está ligada a uma fraqueza fundamental. Onde está o limite para a abordagem “ambos”? Creio que os defensores do crescimento da Igreja não são suficientemente claros neste ponto. É fácil concluir (erroneamente) que estão propondo a máxima não verbalizada: “Desde que a igreja esteja crescendo, não faremos muitas objeções à sua teologia”. Em outras palavras, o movimento do crescimento da Igreja pode ser o campeão na construção de pontes, mas quando se trata de estabelecer os padrões para os limites necessários e teologicamente justificáveis, ainda há muito a ser feito. Tenho certeza de que não temos tanta necessidade de nos debater com os slogans anti-crescimento-eclesiástico incisivos e muitas vezes superficiais do nosso tempo; a verdadeira tarefa é identificar as pressuposições muito mais sutis, particularmente devastadores em seus efeitos, porque são aceitas sem objeção pela maioria dos cristãos. O problema é que tais pressuposições – ao contrário dos próprios slogans – só podem ser reconhecidas mediante um esforço analítico considerável. O pano de fundo teológico do desenvolvimento natural da igreja Este livro não se concentra nas questões práticas, embora sua intenção seja prática. Seu propósito é apresentar o pano de fundo teológico daquilo que escolhemos chamar de desenvolvimento natural da igreja.5 Os livros práticos baseados nesta abordagem são conscientemente livres de argumentos teológicos (na sentido mais
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‘teologese’. Ninguém fez isto ainda porque poucos missionários são feitos à imagem do teólogo estereotipado” (Wagner:1971, p. 37). Compare também Michael Herbst: “O movimento do crescimento da Igreja espera levar o maior número possível de posições denominacionais a uma identificação com suas idéias básicas, por isso evita as definições dogmáticas exatas. O fato de que a questão dogmática não pode ser ignorada para sempre é claro para todos os envolvidos no processo […] O movimento do crescimento da Igreja não pode ser permanentemente poupado de uma reflexão doutrinária controlada dessas questões” (Herbst: 1987, p. 265). Explicado em mais detalhes em “O Desenvolvimento Natural da Igreja” (Schwarz: 1996) e “A Prática do Desenvolvimento Natural da Igreja” (Schwarz/Schalk: 1998).
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restrito da palavra). Achei mais apropriado apresentar o paradigma que se encontra na raiz do desenvolvimento natural da igreja no contexto, em vez de trabalhar com declarações teológicas isoladas cujos motivos podem ser difíceis de compreender ou tentar dar a impressão de “correção bíblica” citando numerosos versículos bíblicos aleatórios. A obra apresentada aqui é um desenvolvimento do livro Teologia do Desenvolvimento da Igreja, publicado pela primeira vez em 1984, que representa minha tentativa inicial na direção da discussão teológica da abordagem do crescimento da igreja.6 Após sua publicação este livrou conquistou muitos amigos e uma legião de críticos. Os comentários críticos mais importantes foram reunidos no livro Discussão da Teologia do Desenvolvimento da Igreja.7 Aprendi muito com as críticas dos últimos anos. Espero que este novo estudo geral sobre o assunto esclareça alguns dos mal-entendidos e também traga luz àquelas áreas onde o leitor mantém um certo ceticismo quanto ao desenvolvimento natural da igreja, ou que pelo menos o ajude a entender melhor o pano de fundo daquilo que apresentamos em nossas ferramentas práticas. Nas próximas páginas, o pronome “eu” será utilizado com freqüência. Não é algo comum em livros de teologia, mas sinto que seja apropriado devido à natureza do assunto. Quando falo sobre desenvolvimento natural da Igreja, não tenho pretensão de ser capaz de apresentar um tipo de teologia “objetiva” – com luvas, por assim dizer, para não deixar nenhuma impressão digital. Pelo contrário! Desejo que o leitor sinta que estou apresentando, deliberada e conscientemente, a teologia como é inevitável que ela seja: por mais impessoal e abstrata que seja a linguagem, por mais que o autor se refugie em formas verbais passivas e utilize pronomes na terceira pessoa, a teologia sempre será a tentativa de um ser humano individual e finito de se comunicar com o leitor. Uma nova Reforma? Mudança de Paradigma na Igreja fala unicamente sobre Reforma. Alguns críticos acham que este termo é pretensioso demais. Pode ser verdade. Entretanto, estou convencido – e espero que isso fique claro – de que não faremos progresso significativo em nossas igrejas sem mudanças tão radicais quanto as que foram feitas na Reforma. Quando uso o termo “princípio de reforma” nas páginas a seguir, quero expressar minha convicção de que nossa tarefa hoje não é apagar 2.000 anos de história eclesiástica e criar algo totalmente novo. Faríamos melhor identificando-nos com
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Schwarz /Schwarz: 1987.
Weth: 1986. O livro inclui críticas de Falk Becker, Ako Haarbeck, Michael Herbst, Eberhard Kochs, Christian Möller, Manfred Seitz, Reiner Strunk, Rudolf Weth, entre outros.
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os grandes movimentos reformadores que surtiram efeitos duradouros na história do cristianismo. Todo aquele que anseia por uma reforma – sendo que qualquer mudança fundamental na estrutura da igreja ou na teologia, afinal, é um tipo de reforma – tem todas as razões para ser humilde e aprender com seus “pais na fé”. O que precisamos hoje – e o que entendo como desenvolvimento natural da Igreja – é simplesmente a aplicação dos princípios da Reforma à presente situação. Se nos recusarmos a empreender esta tarefa desdenharemos um dos princípios centrais da Reforma: que a Igreja deve estar constantemente se reformando (ecclesia semper reformanda). Cultivar uma “herança reformada” definitivamente não é o mesmo que aplicar os princípios reformados na prática! Creio, porém, que as idéias envolvidas na expressão “princípio reformador” não serão nada mais do que uma teoria bonita, a menos que haja uma mudança radical de paradigma na Igreja e na teologia. As ferramentas práticas do desenvolvimento natural da Igreja não nos serão úteis até que nossos padrões de pensamentoestejam em harmonia com o modelo teológico que serve de pano de fundo para qualquer movimento reformador. Será que realmente poderemos experimentar algo semelhante a uma reforma em nossos dias? Sim, em muitas igrejas ao redor do globo há sinais de que isto é muito mais do que uma vaga esperança. Christian A. Schwarz Instituto para o desenvolvimento natural da igreja
PARTE 1
O Crescimento da Igreja entre o Espiritualismo e o Institucionalismo
Uma das marcas mais características de qualquer movimento de reforma é a sujeição de todas as formas institucionais à questão: o quanto são úteis para o desenvolvimento da Igreja como um organismo? Esta abordagem compete com dois outros padrões de pensamento, muito mais difundidos dentro do cristianismo: primeiro, o paradigma “espiritualista” (“instituição não é importante”) e, segundo, o paradigma “institucionalista” (“devemos usar estas formas, métodos e programas”). Na Parte 1, descreverei o padrão de pensamento que forma o paradigma do desenvolvimento natural da Igreja, colocando-o em contraste com os dois sistemas competidores. Este livro argumenta que se entendermos as pressuposições por trás dos diferentes paradigmas, os quais muitas vezes não são enunciados de forma explícita mas estão sempre presentes, muitas (ou até a maioria) das controvérsias da teologia moderna poderão ser explicadas de maneira surpreendentemente simples.
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O PONTO DE PARTIDA DO DESENVOLVIMENTO NATURAL DA IGREJA: ECLESIOLOGIA BIPOLAR
A
consideração das conseqüências teológicas de uma eclesiologia bipolar – isto é, a distinção e a inter-relação entre a igreja como “organização” e a igreja como a abordagem bipolar é essencial para um entendimento teológico do crescimento da igreja e que definitivamente é a chave teológica para a compreensão do que realmente trata o desenvolvimento natural da igreja. “organismo” – é a mais importante contribuição feita por nosso livro Teologia do Desenvolvimento da Igreja – por mais simples que possa parecer. Esta distinção, extraída primariamente das obras de teologia sistemática de Emil Brunner1, Hans-Joachim Kraus 2 e Helmut Gollwitzer 3 é, em minha opinião, um importante fundamento para a reflexão teológica sobre desenvolvimento da Igreja. Infelizmente, as implicações desta abordagem bipolar em geral não foram bem compreendidas na discussão que se seguiu à publicação. Isso ocorreu em parte devido à nossa falta de clareza terminológica naquela fase. Assim, a distinção foi interpretada como uma “divisão estrita”4, “teoria dualista da igreja”5, “ataque furioso contra a igreja estabelecida”6, “neutralização teológica da Igreja”7, “mistificação da realidade pessoal compartilhada”8 ou até “estabilização da igreja
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Brunner: 1951. Em nosso livro, porém, não adotamos o mesmo conceito unilateral de igreja de Brunner. Seguindo o especialista em lei eclesiástica Rudolph Sohm, Brunner considera o elemento institucional da igreja – pelo menos em parte do seu argumento – como basicamente negativo e incompatível com a natureza da ekklesia (cf. Brunner: 1960, p. 46). Então, trata-se de uma verdadeira proeza acrobática atribuir a esta mesma instituição a tarefa de “servir a ekklesia emergente” (Brunner:1951, p. 106ss). Num segundo momento da sua argumentação, Brunner desenvolve uma abordagem relaxada e construtiva do aspecto institucional da igreja, que está mais próximo da nossa posição; entretanto, ele não chega a unir os dois aspectos, harmonizandoosentre si. Kraus: 1975; Kraus: 1983. Gollwitzer: 1975. Strunk: 1986, p. 124. Haarbeck: 1986, p. 29. Idem, p. 24. Strunk:1986, p. 124. Strunk:1986, p. 125.
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estabelecida”9 – sendo que nenhuma destas interpretações tem algo a ver com nossa intenção. Diante de tal confusão, é compreensível que alguns críticos destaquem que o significado desta abordagem “não deve ser considerado como tão importante quanto parece ser em Teologia do Desenvolvimento da Igreja”.10 Mesmo assim, me oponho firmemente a tal declaração. Agora estou mais convencido do que nunca de que a abordagem bipolar é essencial para um entendimento teológico do crescimento da igreja e que definitivamente é a chave teológica para a compreensão do que realmente trata o desenvolvimento natural da igreja. Como eu disse, algumas das expressões que utilizei no nosso livro podem ter sido ambíguas11 (e agradeço a todos os críticos que destacaram este fato), mas a questão que este conceito procurava esclarecer continua sendo essencial. Espero que as próximas páginas expliquem com maior clareza do que as publicações anteriores por que a eclesiologia bipolar é de importância fundamental para todo aquele que esteja interessado numa reflexão teológica sobre o crescimento da igreja.12
Weth: 1986, p. 149. Herbst: 1987, p. 303. 11 Quero corrigir a terminologia que empregamos em Teologia do desenvolvimento da igreja em seis áreas. Primeiro, não é exegeticamente correto relacionar o termo do Novo Testamento ekklesia somente ao pólo “orgânico” da igreja. O conceito neotestamentário da igreja inclui “tanto a expressão de sua vida como suas estruturas permanentes” (Weber: 1964, p. 275). Segundo, o termo “instituição” no nosso livro não se destina a descrever somente as formas institucionais da igreja estabelecida. Entretanto, como o livro se desenvolveu em grande parte de nossa experiência com a igreja estabelecida, poderia dar a impressão de que tratamos com problemas que surgem apenas em uma denominação. Não expressamos com clareza suficiente que falávamos sobre um paradigma teológico com significado interdenominacional. Terceiro, agora considero nossa descrição de ekklesia, como um “fim em si mesmo”, problemática. Em contraste à caracterização da instituição como um “meio para um fim”, o termo tem justificação limitada; contudo, em seu uso tradicional, “fim em si mesmo”, tem tantas associações que não correspondem ao conceito do Novo Testamento de ekklesia que melhor se encaixa ao termo. Quarto, a despeito das nossas tentativas de esclarecimento, o conceito de “instituição” no livro Teologia do desenvolvimento da igreja permanece demasiadamente vago. Às vezes o termo é empregado para as formas e estruturas da igreja (em contraste com pessoas) e às vezes é usado como um termo genérico (incluindo as pessoas). Esta é uma das causas dos aparentes mal-entendidos nas reações ao livro. Quinto, tardiamente, ainda devo dizer que em 1984 era correto colocar tanta ênfase na distinção entre “organização” e “organismo”. Entretanto, era fácil perder de vista nossa real intenção, ou seja, usar tal distinção como um pré-requisito lógico para a descrição da inter-relação construtiva entre os dois elementos. Sexto, de muitas maneiras, os métodos que usamos para explicar esta distinção na Teologia do desenvolvi mento da igreja agora me parecem por demais estáticos – e, sem dúvida, vários conceitos ainda são demasiadamente tecnocráticos. As categorias bióticas específicas, extremamente frutíferas nas obras teóricas e práticas sobre crescimento da igreja, ainda não estavam disponíveis. O livro atual procura fazer justiça ao estado atual do desenvolvimento nestas áreas. 12 À guisa de esclarecimento, afirmo categoricamente o que não significa a distinção entre organização e organismo. Com esta terminologia, não estabeleço uma distinção entre igreja estabelecida 9
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MUDANÇA DE PARADIGMA NA IGREJA Como o Desenvolvimento Natural da Igreja pode transformar o pensamento teológico É tempo de uma terceira Reforma? Mudança de Paradigma na Igreja fala unicamente sobre Reforma. Alguns críticos acham que este termo é pretensioso demais. Pode ser verdade. Christian A. Schwarz, porém, está convencido de que não faremos progresso significativo em nossas igrejas sem mudanças tão radicais quanto as que foram feitas na Reforma de Lutero. Na Introdução desta obra o autor diz: “Todo movimento de reforma é confrontado com uma força de oposição conhecida como ‘ortodoxia’. Foi assim nos dias da Reforma do século XVI (quando a oposição partiu da oretodoxia católica romana); foi assim também nos dias do avivamento pietista na Europa (que sofreu oposição por parte dos protestantes); o mesmo parece ocorrer com todo mocimento que luta em prol de uma reforma na igreja atual”. Mudança de Paradigma na Igreja apresenta o modelo teológico que é o fundamento das ferramentas práticas e dos concentos por trás do Desenvolvimento Natural da Igreja.
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