O RA ÇÃO QUANDO O MEU CORAÇÃO ENCONTRA O CORAÇÃO DE DEUS
JOSÉ CARLOS PEZINI
O RA ÇÃO QUANDO O MEU CORAÇÃO ENCONTRA O CORAÇÃO DE DEUS 1ª edição Curitiba/PR 2020
José Carlos Pezini
Oração: Quando o meu coração encontra o coração de Deus Uma reflexão sobre o relacionamento com Deus Coordenação editorial: Claudio Beckert Jr. Revisão: Josiane Zanon Moreschi Capa: Lucas Andreas Schulze Editoração eletrônica: Josiane Zanon Moreschi
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Sueli Costa CRB-8/5213
Pezini, José Carlos Oração: quando o meu coração encontra o coração de Deus: uma reflexão sobre o relacionamento com Deus / José Carlos Pezini. – Curitiba, PR : Editora Evangélica Esperança, 2020. 144 p. ISBN 978- 65-87285-14-6
1. Oração 2. Vida espiritual I. Título.
Índices para catálogo sistemático:
CDD-242
1. Cristianismo : Oração 242
Salvo indicação, as citações bíblicas foram extraídas da Bíblia na versão Nova Almeida Atualizada © Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total e parcial sem permissão escrita dos editores.
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Agradecimento
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u não poderia publicar este livro deixando de agradecer a todos aqueles que de uma forma ou outra me inspiraram e me motivaram a colocar estas reflexões a sua disposição. Na verdade, desde que vim a conhecer Cristo e me apaixonar por ele tenho buscado meios para poder conhecê-lo melhor. Entretanto, conhecer é bom, mas somente o conhecimento não basta, é preciso desfrutar de um relacionamento para poder desenvolver uma sensibilidade para perceber seu movimento. Deus não é estático e nem indiferente. Ele não está assentado em um trono distante como mero expectador da humanidade. Ele é presente e ativo. Isso você não percebe sozinho, precisa de caminhar com alguém. Sou grato a Deus pelos companheiros de caminhada do ministério SARA. Não vou mencionar nomes aqui para não correr o risco de deixar alguém importante fora da lista. Os retiros do SARA me levaram a refletir sobre esta jornada de vida, cada um deles provocou-me de maneira diferente e através da convivência com estes irmãos queridos fui percebendo como Deus é maravilhoso e tem prazer em ser descoberto. Esses amigos de caminhada ajudaram-me a ver que Deus é quem vinha ao meu encontro. A decisão de estar com ele na verdade era uma resposta a ele, que já tinha vindo até
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mim. Por este motivo desejo agradecer-lhes e dizer que sem eles este livro não teria acontecido. Obrigado, companheiros, vocês me ensinaram que sozinho posso ir mais rápido, mas juntos iremos mais longe. Não somente isso, vocês também me mostraram que a vida cristã é uma longa caminhada na mesma direção. Em Cristo, Pezini
Sumário
Prefácio................................................................................................9 Introdução........................................................................................13
CAPÍTULO 1 - Descobrindo o prazer de estar com o Pai......................................................................19 Deus nos convida a sermos parceiros dele........................21 Certeza de ser ouvido....................................................................25 Orar sempre e não desanimar....................................................29 Deus responde às nossas orações............................................36 CAPÍTULO 2 - Repensando nosso conceito sobre oração...............................................................43 Aprendendo a orar com Jesus.....................................................47 CAPÍTULO 3 - Experimentando a paz em meio às lutas..........................................................................57
CAPÍTULO 4 - Desenvolvendo intimidade com o Senhor..............................................................71
CAPÍTULO 5 - Oração: uma resposta à iniciativa divina...........................................................................85 Respondendo a Deus......................................................................86 Lições aprendidas da experiência de Daniel.......................94
CAPÍTULO 6 - A oração estreita meu relacionamento com Deus..................................................................105
CAPÍTULO 7 - Oração como o respirar da alma......................127 A oração como alimento do povo da igreja de Antioquia....................................................................................129 Bibliografia.....................................................................................139
Prefácio
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onheci o Pezini em um encontro para pastores no Sul do Brasil. Estava bastante frio naquela manhã e como de costume levantei-me bem cedo para a oração. Quando me dirigi até a sala para esperar os demais irmãos encontrei o Pezini, que também havia levantado bem cedo para seu tempo de oração. Conversamos de forma singela sobre isso e nos identificamos nesta prática da oração da manhã como prioridade para o dia. Passados todos estes anos estamos bem mais próximos um do outro, juntos no INSTITUTO SARA, como companheiros de uma jornada na mesma direção. Talvez você esteja perguntando por que deveria ler mais um livro de oração? Afinal de contas todo cristão sabe orar! No entanto percebemos que cada vez mais no chamado mundo evangélico a oração tem se transformado em uma ferramenta para instrumentalizar Deus a fim de realizar nossos desejos de consumo, ou em uma simples ferramenta do trabalho pastoral, quase uma mera formalidade dentro do protocolo, um apêndice. O autor, com humildade, expõe seu sentimento: “Estou pensando/meditando sobre oração, algo que me propus a escrever, não porque ache que os livros que já estão disponíveis no mercado não são suficientes, mas porque sinto um grande desejo em meu coração de desfrutar da presença divina e caminhar com ele durante o dia todo”.
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Este livro não é produto de uma elaboração acadêmica, mas de uma profunda busca existencial que deseja descobrir a beleza e a profundidade da vida com Deus como resposta ao Deus que vem em nossa direção. Por isso o autor inicia este livro a partir de sua própria experiência biográfica. Sua busca pessoal, com erros e acertos, forma o ambiente fértil para compartilhar este tema, a oração. Assim, muitos irão se identificar com os sentimentos, experiências e atitudes relatados pelo autor em uma conexão singela como companheiros de caminhada. Sim, esta é a minha percepção: o autor nos convida para uma jornada que está trilhando já há muitas décadas, mas ainda se coloca como um aprendiz. Em sua angústia na busca de respostas para suas orações ele percebe que há muito mais para ser experimentado nesta dimensão da oração, porém não como uma “ferramenta religiosa”, mas como descoberta de que a oração é um relacionamento de amizade com Deus. Nas palavras do autor, orar é “responder a um Deus amoroso e bondoso que diariamente vem ao meu encontro no romper da manhã, me dá as boas-vindas à vida e promete estar comigo”. A intenção do autor ao escrever este livro é “levar você a refletir sobre seus paradigmas e suas narrativas sobre oração”, e ele faz isso não como alguém que julga ter todas as respostas, mas como alguém que está no caminho e deseja partilhar com todas as pessoas a beleza e a importância deste caminho. Aliás, o autor não se propõe a responder a todas as questões sobre oração, mas inspirar, encorajar e orientar para que o discípulo de Jesus desfrute desta dádiva: a presença de Deus conosco. Creio que há muitos motivos pelos quais você deve ler e saborear este livro.
Prefácio
Em primeiro lugar ele foi escrito por alguém que realmente prioriza oração como a prática central da sua própria espiritualidade; é alguém que realmente ora e que é apaixonado pela oração. Neste sentido, é alguém que fala de experiência vivida. Em segundo lugar a obra brota de um coração essencialmente paternal, com uma profunda preocupação pastoral. Pezini é pastor de ovelhas e pastor de pastores. Ele realmente está engajado na missão de levar as pessoas a um relacionamento mais estreito com Deus, de levá-las a novamente se apaixonarem por Deus. O título do livro denuncia essa intenção: não pretende trazer mais informações sobre oração, mas que seja uma experiência de uma transformação espiritual. Em terceiro lugar, é uma obra profundamente teológica, acadêmica, mas uma teologia bíblica e histórica que brota de uma busca disciplinada e dedicada pela realidade da oração (ele é um disciplinado e dedicado leitor das Escrituras e dos livros). Mas é também uma busca afetiva, do coração, pessoal e relacional (ele é um orante que prioriza a prática diária da oração pessoal). Embora sua preocupação não seja acadêmica, você perceberá ao longo do livro o substancial aporte que o autor faz da melhor referência teológica sobre o assunto.
Quem conhece o autor pode “quase ouvir sua voz” ao ler o livro: ele escreve como fala. Penso que essa característica é fruto de centenas de milhares de horas investidas ao longo de sua vida na orientação de discípulos de Jesus — membros de comunidades de fé e pastores. Este é um excepcional lastro para o conteúdo deste livro: as experiências de aconselhamento, discipulado, mentoria e retiros foram depurando e clareando a teologia da oração expressa pelo autor neste livro. Especialmente na prática da direção espiritual de pessoas ao longo de seu ministério, o
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autor é muito assertivo ao afirmar que “orar é estar atento ao Deus que se propõe a caminhar comigo e responder a ele em um relacionamento de amor”. É isto. Ele deseja partilhar sobre o prazer de estar com o Pai (Deus nos convida a sermos parceiro dele), sobre repensar nosso conceito de oração e construir um relacionamento de amizade profunda com Deus. Este livro também se torna precioso para quem já está cansado de orar (ou cansado de um tipo de oração estéril, formal, institucional, religiosa). Como diz o autor: “o principal fracasso da oração é desistir de orar”. Por isso, convido você a desfrutar de uma caminhada com este livro (e com o autor) na orientação e companhia do Espírito Santo, não para que você tenha mais informações sobre oração, mas para que você possa descobrir que (nas palavras do autor) “através da prática diária da oração perceberemos que Deus vive aqui no mesmo mundo, bem perto de onde eu vivo. Ele está mais próximo do que você pode imaginar”. Boa leitura. Excelente e abençoada jornada! Casso Mendonça Vieira
Um codiscípulo, também apaixonado pela oração...
Introdução
“A razão pela qual oramos é para estarmos unidos a Deus em nossa visão com aquele a quem oramos, e regozijamos da sua presença maravilhosa. A doçura e gozo de Sua presença nos deixa emudecidos, e já não oramos, a não ser que Deus o queira.” — Juliana de Norwich
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asci em uma família de pessoas religiosas e tementes a Deus. Desde minha tenra idade fui levado à igreja todos os domingos e fui educado a falar com Deus diariamente. No entanto, naquele seguimento religioso que herdei de meus pais as orações eram decoradas e orar era repetir essas orações. E se resumia basicamente em três orações que todo bom cristão repetia diariamente. Uma delas, a ave Maria, sua primeira parte é bíblica e bela. A segunda mais usada era chamada de Pai Nosso, ou a oração que Jesus ensinou a seus discípulos quando eles pediram que ele lhes ensinasse a orar, e dominicalmente, no término o culto, recitávamos o credo apostólico, que é uma reafirmação de fé.
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Aos 21 anos de idade, já casado, pai de dois filhos, comecei a perceber que aquela expressão de fé que tinha recebido dos meus queridos pais já não preenchia o anseio de minha alma. Eu tinha fome de Deus, desejava conhecê-lo e me relacionar com ele. Foi então que encontrei no meio protestante uma oportunidade de satisfazer a fome de minha alma. Neste meio a forma de relacionamento com Deus era mais pessoal. Eu era motivado a ler as Escrituras porque ela era a Palavra de Deus e através dela poderia conhecer mais a Deus e os princípios de vida por ele estabelecido. Comecei ler a Bíblia diariamente e quanto mais fazia isso, mais desejo tinha de lê-la. As orações, neste novo caminho que comecei a percorrer, não eram decoradas ou lidas como eu fazia anteriormente, mas me fora ensinado a orar de forma espontânea. Devia falar com Deus a partir do coração.
No entanto, o lugar no qual aprendi a orar foi com os irmãos que frequentavam a mesma comunidade por mais tempo e aos quais eu comecei a admirar. Via a maneira como eles oravam e observava a maneira como eles se dirigiam a Deus e comecei a imitá-los. Percebi que o objetivo da oração neste novo caminho era falar com Deus, apresentar a ele meus anseios, desejos e necessidades. Eles me ensinaram que Deus é soberano, poderoso, amoroso e que está sempre à disposição dos seus filhos para resolver seus dilemas quando eles assim pedem, suprir suas necessidades quando seus filhos precisam. Ensinaram-me a orar por tudo. Mas era sempre falar com Deus, expor a ele minhas lamúrias e esperar que ele agisse em meu favor. Deixe-me tornar bem claro: não estou dizendo que em meu tempo de oração eu não possa colocar diante de Deus
Introdução
aquilo que sinto ou falar com ele sobre as circunstâncias em que estou vivendo. Não, vejo nas Escrituras Jesus dizendo que podemos, sim, pedir ao pai. Logo depois de ensinar os discípulos a orar e dar diversas orientações ele mesmo disse: “Peçam e lhes será dado; busquem e acharão; batam, e a porta será aberta para vocês. Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra; e, a quem bate, a porta será aberta” (Mt 7.7s). O problema é quando entendemos a oração como uma ferramenta com a finalidade de obter de Deus aquilo que nosso coração egoísta deseja. O tempo foi passando e comecei a perceber que muitas das minhas orações, ou quase todas, não eram respondidas. Então comecei a questionar a razão de Deus não estar me atendendo. Será que era porque meu comportamento pessoal não lhe agradava? Será que eu tinha pecado contra ele e por isso ele estava zangado comigo e se recusava a me responder? Comecei a fazer uma reflexão sobre tudo isso, passei a orar e dizer a ele das minhas fraquezas, mas nada disso adiantava. Fui para o Seminário, estudei, tinha desejo profundo de ser instrumento nas mãos de Deus e ajudar as outras pessoas a conhecerem Deus, mas ninguém me oferecia outra maneira de pensar sobre a oração. Pelo contrário, parece que reforçou a ideia de que para eu ter orações respondidas e agora ajudar outras pessoas eu precisava gastar mais tempo diante dele clamando. Me passaram uma ideia de que Deus era mesquinho, que amava ver seus filhos mendigando aos seus pés todos os dias, implorando por sua ajuda. Se quiser ver Deus agir em sua vida e ministério, terá que orar de madrugada, ir para os montes, passar noites orando, tem que mostrar a ele que está sofrendo, etc. Somente assim Deus vai ouvi-lo e responder suas orações. Também, orando assim vai
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ficar poderoso e receber de Deus poder para fazer as coisas acontecerem. Vai ver milagres acontecendo, vai poder expulsar demônios e Deus vai começar a ouvi-lo e estar mais atento aos seus pedidos. Aprendi um chavão que era muito repetido que dizia: “Muita oração, muito poder; pouca oração, pouco poder; nenhuma oração, nenhum poder”. Se isso for verdade, Deus espera eu me desgastar, deseja que eu me esforce para ganhar seu favor. Eu me dediquei, me esforcei, trabalhei duro esperando ser recompensado pelo trabalho dedicado a ele. Se eu estava dando o máximo de mim, não tinha por que não ser recompensado. Eu era um servo fiel e merecia ser atendido. Como resultado dessa mentalidade passei por dois esgotamentos, sacrifiquei minha família e a mim mesmo. No final era só frustração. Carreguei sentimento de culpa por muito tempo. Meus filhos reclamavam porque gostaria de ter um pai presente. Mas se eu desse tempo aos meus filhos não teria tempo para orar. Naquela época eu pensava que colocar o Reino de Deus em primeiro lugar era sacrificar até minha família para estar com Deus.
No entanto, me parece que tanto a primeira quanto a segunda experiência religiosa sobre a vida de oração e o relacionamento com Deus não têm base bíblica e há equívocos que precisam ser corrigidos. Na primeira, eu orava aquelas orações decoradas porque me fora ensinado, se eu não orasse Deus não me permitiria entrar no céu depois de minha morte. Se eu quisesse escapar do inferno e ir para o céu tinha que falar com Deus diariamente repetindo aquelas orações e me comportar dignamente. Eu precisava fazer por merecer o céu. Na segunda, se eu não orasse expondo a Deus minhas
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necessidades e meus desejos, não me esforçasse lamentando aos seus pés, eu não teria nenhum poder, seria um crente medíocre e Deus não estaria satisfeito comigo. Isso me passava a ideia de que eu precisava me esforçar, clamar por sua ajuda a todo instante para convencê-lo de minhas necessidades.
Somente depois dessas experiências é que tive a compreensão de que nada disso tinha base bíblica, na verdade era uma maneira utilitarista de ser cristão. Entendi que essa compreensão transforma a oração em uma mera ferramenta: se eu souber usá-la poderei tirar o máximo de Deus. Então, descobri que orar não é tanto falar, é mais ouvir. É responder a um Deus amoroso e bondoso que diariamente vem ao meu encontro no romper da manhã (Sl 46.5), me dá as boas-vindas à vida e promete estar comigo, caminhar a meu lado, me orientar nas decisões que tenho que tomar e nas escolhas da vida. Na verdade, a oração é uma expressão de amor por aquele que abriu mão do que lhe era mais precioso por minha causa. Ela estreita meu relacionamento com Deus e me faz sensível a sua voz, mas também me leva a conhecer a mim mesmo. Não há nada de místico na oração, nada de extraordinário. Ela é a expressão de um filho amado que ama estar com aquele que o criou para um relacionamento mais íntimo com ele e deseja estar ao seu lado. Eu oro não porque se eu deixar de orar não vou para o céu e nem porque perderei ou ganharei mais poder, pelo contrário, eu oro porque amo estar junto dele e desfrutar de sua doce e meiga presença. Dessa maneira posso dizer que todo cristão deseja ansiosamente estar na presença de Deus. A oração é o meio pelo qual eu não somente desfruto de sua doce presença, mas estreito
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meu relacionamento com Deus. Através da oração passo a conhecer melhor a Deus e a mim mesmo.
Minha intenção ao escrever este livro é levar você a refletir sobre seus paradigmas e suas narrativas sobre oração. Talvez assim como eu, você tenha aprendido com seus pais ou em uma igreja que também via a oração como ferramenta utilitarista. Não tenho a pretensão e nem a petulância de dizer que aqui eu esgotarei este assunto e que descobri o diamante escondido. Nada disso, mas espero que este livro ajude você a compreender um pouco mais sobre a oração e o fortaleça no relacionamento com Deus. Que através dele você descubra o prazer de estar com Deus e possa passar mais tempo juntinho dele. Oro para que enquanto percorre estas páginas o Espírito de Deus o ilumine, capture seu coração e o leve a se apaixonar por Deus. Que seu desejo de estar com ele não seja pelo interesse de obter alguma coisa, mas uma expressão de amor, que sua sede por sua presença aumente cada vez mais e que sua vida seja transformada à semelhança de Jesus Cristo. Boa leitura
CAPÍTULO
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DESCOBRINDO O PRAZER DE ESTAR COM O PAI “Não há nada como a profundidade para nos tornar insatisfeitos com as coisas superficiais.” — Charles Swindoll
O
ano de 2007 sempre ficará em minha lembrança. Neste ano eu completei 50 anos de idade e estava realizando o grande sonho de minha vida. Tinha terminado o doutorado em ministério. No entanto, como resultado de alguns anos de trabalho sem férias, eu estava esgotado, não tinha mais energia. Para falar a verdade, até as reservas já se tinham ido. Por causa dessa minha condição
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resolvi tirar uma semana de férias. Eu e minha esposa fomos a uma praia na Flórida, em Daytona Beach. Naqueles dias que ali estivemos resolvi ler alguns livros sobre espiritualidade.
Ao final do primeiro livro fui tomado por uma fome tão grande por esse tipo de leitura que não queria parar. Li em uma semana uns três livros sobre o assunto. Esses livros ajudaram-me a perceber que eu estava fazendo o ministério “para” Deus e não “com” Deus. Como se Deus tivesse me contratado como um de seus empregados, me encarregado de um trabalho e esperava de mim um bom resultado. Tive a clara compreensão de que Deus não precisava de mim. A verdade é: Deus não precisa nem do meu trabalho e nem do meu próprio talento. Ele é altamente suficiente para fazer tudo sozinho. Se não atrapalharmos sua obra, já fazemos um grande negócio. No entanto, por causa de seu amor, ele nos convida a sermos parceiro dele, porque deseja compartilhar conosco a alegria em ver vidas sendo transformadas. O trabalho continua sendo dele. Jesus deixou isso claro a Pedro quando disse: “Também eu lhe digo que você é Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18). Jesus diz: “Eu edificarei a minha igreja”. Deixa claro que ele edifica a Igreja. O crescimento e a edificação da Igreja é responsabilidade única e exclusivamente dele. Ele não compartilhou isso com ninguém. A Igreja pertence a ele e ele cuida dela. E podemos confirmar isso através destes mais de dois mil anos. Ela é sua noiva. Ao meditar sobre o ministério de Jesus, veio a compreensão de que Jesus chamou seus discípulos primeiramente para estarem com ele e depois de haver ressuscitado deu ordem para que eles fossem e fizessem discípulos, prometeu ainda
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estar com eles todos os dias de suas vidas (Mt 28.18-20). Mas antes que tudo acontecesse, para o aprendizado deles disse Jesus: “... sem mim vocês não podem fazer nada” (Jo 15.5). Essa ordem de Jesus deixa muito claro que sendo discípulos de Cristo e obedecendo sua comissão de ir e fazer discípulos não podemos fazer nada por nós mesmos. O resultado de nosso trabalho somente acontece se ele estiver conosco e agir. Fomos convidados a ser parceiro dele.
Deus nos convida a sermos parceiros dele Devo dizer que em toda a minha vida ministerial, até aquele momento, eu tinha sido sincero, honesto com Deus, apaixonado pelo ministério, desejava profundamente ver vidas sendo transformadas. Criava meus projetos pessoais com o intuito de realizar uma grande obra para Deus. Orava diariamente pedindo que Deus me abençoasse e abençoasse meu ministério; eu desejava ver a igreja crescer. Todos os dias apresentava diante dele todos aqueles projetos e pedia sua bênção sobre eles. Eu dava o máximo de mim mesmo, desejava profundamente glorificar a Deus e produzir o máximo de fruto possível para o seu Reino. Queria ser instrumento em suas mãos, ser frutífero, agradá-lo na expansão do Reino de qualquer forma. Porém, naqueles dias, através da leitura daqueles livros, do silêncio e meditação, fui chocado com outra realidade da vida cristã até então não percebida por causa da vida agitada que eu levava. Estava tão ocupado fazendo o ministério a fim de agradá-lo que não conseguia perceber que o que Deus mais queria era ter comunhão comigo. Ele pagou pelos meus pecados a fim de restaurar meu relacionamento
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com ele e não para me fazer empregado dele. Deus não estava muito interessado em meu trabalho, ele queria, sim, que eu trabalhasse com ele, junto dele. E em sua imensa graça e misericórdia ele desejava compartilhar comigo sua alegria em ver vidas sendo transformadas e a igreja crescer. Ele nos vocaciona e nos convida para sermos parceiro dele na obra que ele está realizando neste mundo. Ele quer que nos juntemos a ele naquilo que ele está fazendo e sejamos apenas instrumentos em suas mãos, deixando-nos ser usados por ele. Compreendi por que Jesus afirma que sem ele nada podemos fazer, porque a obra é dele, a responsabilidade é dele, meu maior trabalho é estar junto dele, com ele na proclamação do Evangelho e na expansão do Reino sobre a Terra. De posse dessa verdade fui levado a repensar a maneira pela qual estava fazendo o ministério a mim confiado. Ao final daquela semana saí dali com um grande desafio em minha vida. Descobrir o que Deus estava fazendo onde eu estava localizado a fim de servi-lo com alegria, sendo apenas coparticipante em sua grande obra. Se eu conseguisse discernir o que ele estava fazendo, não precisaria estar preocupado com o resultado, porque era ele e não eu quem estava fazendo. Sendo ele quem estava à frente do trabalho, o resultado era fruto do trabalho dele e não de meus esforços pessoais. Assim seria mais fácil dar a ele a glória devida ao seu nome.
Em meios a essa crise ministerial, ou existencial, fui levado a pensar em alguns personagens bíblicos. O primeiro que considerei foi Moisés enquanto ele cuidava do rebanho de seu sogro, algo que já estava fazendo por quarenta anos. Podemos dizer que naquela altura de sua vida ele já imaginava que aquele trabalho seria o que iria continuar fazendo
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pelo resto de sua vida. No entanto, em um belo dia, enquanto o rebanho pastava no silêncio do deserto, ele percebeu que um arbusto queimava. Nada novo, nada estranho até então. Era comum essas coisas acontecerem no deserto. Mas havia algo estranho, o fogo continuava a arder e o arbusto continuava verde. Era um fogo diferente, as chamas brilhavam, mas a planta continua intacta. Então, tomado pela curiosidade chegou mais perto para observar o que de fato estava acontecendo. Naquele momento ele ouviu a voz de Deus o chamando para uma grande tarefa: libertar o povo de Israel da escravidão do Egito.
Moisés ao ouvir a palavra Egito imediatamente foi levado a pensar nos primeiros quarenta anos que havia passado lá como príncipe e os acontecimentos vieram à sua mente como filme. Ele imediatamente disse a Deus que não seria a pessoa certa para realizar aquilo que o Senhor estava pedindo que fizesse e passou a argumentar com Deus apresentando várias desculpas. Mas o que Moisés não estava compreendendo era que Deus não estava pedindo para ele ir e fazer isso com suas próprias forças. Nem mesmo usando suas habilidades humanas. Por que estou dizendo isso? Parece-me que Moisés não prestou atenção ao que Deus estava lhe dizendo, veja: Por isso desci a fim de livrá-lo das mãos dos egípcios e para fazê-lo sair daquela terra e levá-lo para uma terra boa e ampla, terra que mana leite e mel... (Êx 3.8). Deus estava dizendo: “Eu tirarei o povo”, não você. Mas Moisés respondeu a Deus: Quem sou eu para ir a Faraó e tirar do Egito os filhos de Israel? (v.11). Deus voltou a afirmar a ele: Eu estarei com você (v.12). A meu ver o que Deus estava fazendo era convidando Moisés para ser parceiro dele nesta grande missão para livrar os Israelitas
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da escravatura egípcia. Moisés seria apenas instrumento nas mãos de Deus, parceiro dele naquilo que Deus iria fazer. Na verdade Deus podia tirar o povo sozinho, não precisava de Moisés para isso. Mas ele sempre deseja que sejamos parceiro dele na obra de libertação do povo.
A esta altura talvez você já esteja se indagando: Se Deus me chamou para trabalhar com ele e não para ele, como descobrirei o que ele está fazendo? Há um caminho pelo qual poderei andar a fim de descobrir isso? Para ajudá-lo nesta caminhada rumo à descoberta desta verdade transformadora, convido você a examinarmos um texto das Escrituras no qual Jesus se propõe a ensinar a seus discípulos uma verdade bem conhecida, mas muitas vezes esquecida ou não praticada nestes dias por causa das muitas coisas em que estamos envolvidos. Jesus passou a ensinar aos discípulos sobre o meio pelo qual nós podemos descobrir o que Deus está fazendo ao nosso redor a fim de que nos tornemos parceiros dele. Examinaremos juntos a parábola do juiz iníquo (Lc 18.1-8). Jesus lhes contou uma parábola para mostrar que deviam orar sempre e nunca desanimar. — Em certa cidade havia um juiz que não temia a Deus, nem respeitava ninguém. Havia também, naquela mesma cidade, uma viúva que sempre o procurava, dizendo: “Julgue a minha causa contra o meu adversário”. Por algum tempo, ele não a quis atender, mas depois pensou assim: “É bem verdade que eu não temo a Deus, nem respeito ninguém. Porém, como esta viúva fica me incomodando, vou julgar a sua causa, para não acontecer que, por fim, venha a molestar-me”. Então o Senhor disse: — Ouçam bem o que diz este juiz iníquo. Será que Deus não fará justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado
1 - Descobrindo o prazer de estar com o Pai em defendê-los? Digo a vocês que, depressa, lhes fará justiça. Contudo, quando o Filho do Homem vier, será que ainda encontrará fé sobre a terra?
Qual foi o objetivo de Jesus em contar essa parábola? Foi para ensinar os discípulos a orar sempre e não desanimar. Aqui está o grande segredo. Se quisermos descobrir o que Deus está fazendo precisamos desvendar esses ensinamentos.
Certeza de ser ouvido Para compreendermos o que Jesus está ensinado a seus discípulos precisamos primeiro descobrir sobre o que é uma parábola, ou como ela acontecia. Parábola não era uma história pronta que poderia ser usada em momentos de pregação ou ensino, ou quando fosse necessário. Na verdade, podemos dizer que parábola era uma metodologia de ensino muito comum naquela época. Elas não foram inventadas por Jesus. Eram usadas pelos mestres muito antes de Jesus começar a usá-las em seu ministério terreno. Os mestres normalmente usavam parábolas no treinamento de seus discípulos enquanto caminhavam juntos. Parábolas eram mais ou menos como os repentes usados pelo povo nordestino. Eram estórias criadas na hora de acordo com o que estava acontecendo no momento. Na maioria das vezes, os mestres eram questionados por outros líderes por estarem incomodados com seus ensinamentos, ou eram provocados por alguma situação. Eles usavam parábolas para responder estes questionamentos, e com o intuito de corrigir alguma distorção ou reafirmar seus conceitos a respeito da vida, do relacionamento com Deus,
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etc. Os mestres estavam sempre atentos às conversas de seus discípulos ou do povo à sua volta. Até porque os ensinos não se davam em salas de aula, mas na caminhada do dia a dia. Então para compreendermos a mensagem e os princípios ensinados através das parábolas contadas por Jesus, precisamos descobrir o público envolvido em cada situação em que elas foram usadas, o que aconteceu, a finalidade que levou o mestre a contar aquela parábola específica. Parábolas eram faladas, mas nós as recebemos escritas, por isso se torna um pouco mais difícil a sua compreensão. Nesse caso, para compreendê-las precisamos descobrir o contexto anterior da parábola em questão. Aqui especificamente, precisamos olhar para Lucas 17.20s. Nestes dois versos vemos que Jesus foi interrogado pelos fariseus sobre quando viria o Reino de Deus e lhes respondeu: — O Reino de Deus não vem com visível aparência. Nem dirão: “Ele está aqui!” Ou: “Lá está ele!” Porque o Reino de Deus está entre vocês. Nesse caso fica claro que esta parábola é resultado do questionamento feito pelos fariseus a Jesus sobre quando viria o Reino de Deus.
Interessante é saber que essas pessoas que perguntaram a Jesus querendo saber quando viria o Reino de Deus eram líderes religiosos encarregados de ensinar ao povo a respeito das leis de Deus. Mesmo sendo líderes religiosos não conseguiam discernir a presença do Reino de Deus entre eles. O mais interessante é que quando olhamos para outros textos bíblicos descobrimos que os judeus tinham o costume de orar diariamente. Sete vezes por dia, eu te louvo pela justiça dos teus juízos (Sl 119.164). Parece-me que esse costume se tornou um hábito praticado de modo mecânico ou automático. Tornou-se um mero ritual religioso. Dá-me a entender que
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eles achavam que se praticassem essas orações cumpririam suas obrigações religiosas. Mas eram meras repetições. Jesus percebeu que eles haviam se tornado tão insensíveis que não conseguiam mais reconhecer o movimento de Deus e nem sua presença ao redor deles. Se eles tivessem mantido comunhão com Deus certamente teriam reconhecido Jesus como Messias, o Deus encarnado vivendo no meio deles.
Os discípulos que estavam ali presentes vendo esta discussão, e que certamente conheciam os ensinos praticados pelos fariseus, ficaram atônitos. Então Jesus usou esse acontecimento para ensinar uma grande lição aos seus pupilos. Talvez estivessem curiosos tentando entender como poderiam perceber o Reino dentro deles. Naquele momento, para ilustrar a falta de percepção da presença e da ação de Deus no mundo, Jesus lançou mão de dois fatos históricos e de épocas diferentes para mostrar como é fácil perdermos o foco. Somos tentados a todo instante a nos distanciar daquilo que é prioridade. Jesus deixou clara a razão da insensibilidade deles. No primeiro exemplo Jesus os levou a refletir sobre um fato histórico que eles bem conheciam. Mostrou que enquanto Noé construía a arca o povo não dava atenção alguma, mas “... comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca” (Lc 17.27). Então veio o dilúvio e foram todos destruídos. Por que será que o povo não deu ouvidos e nem prestou atenção enquanto a arca estava sendo construída? Eu creio que foi pelo fato de que eles estavam vivendo de forma despreocupada, ocupados demais com seus próprios negócios, voltados para si mesmos. O que Noé fazia não tinha muita importância. Enquanto Noé trabalhava, eles curtiam a vida sem
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preocupação alguma. Estavam tão envolvidos com seus próprios interesses, correndo de um lado para o outro, tão ocupados com seus míseros projetos pessoais que nem sequer conseguiam discernir o que Deus estava fazendo. Na verdade Deus estava para trazer juízo sobre a Terra e eles não percebiam por estar vivendo de maneira despretensiosa. Jesus exemplificou isso dizendo que o povo vivia comendo, bebendo, casando-se e sendo dado em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca. Seus interesses pessoais os levavam a ignorar a presença e a ação de Deus na Terra. Por isso não davam atenção ou valor algum ao que Noé estava fazendo. Não percebiam que Deus estava ativo neste mundo e reinando, seu Reino estava presente entre eles. Estavam cegos para o mover de Deus por estarem ocupados demais com suas próprias coisas. Eles somente pensavam no seu bem-estar, viviam olhando para o seu próprio umbigo. Ignoravam que o Criador estava presente no meio deles e desejava ter comunhão com eles. Mas, se isso não bastasse, Jesus ainda mostrou outro episódio histórico para denunciar a insensibilidade deles. Jesus os levou a refletir sobre a destruição de Sodoma e Gomorra. Parece-me que Jesus estava dizendo que a mesma coisa estava acontecendo. Veja o que ele diz: “O mesmo aconteceu nos dias de Ló: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam e edificavam” (Lc 17.28). O tempo passou, mas o problema era exatamente o mesmo. O povo vivia em função de si mesmo, olhando para si próprio, ocupado com seus projetos pessoais e por esta razão não conseguia perceber a presença de Deus, o mover de Deus ao seu redor.
1 - Descobrindo o prazer de estar com o Pai
Qual a lição importante que podemos tirar desses dois acontecimentos que Jesus usou para denunciar a insensibilidade dos fariseus? Parece-me que Jesus olhou para seus discípulos e disse: “Quando nos envolvemos demasiadamente com nossos próprios interesses, perdemos a sensibilidade de perceber a ação de Deus”. Por viver em função dele mesmo o povo que vivia em Sodoma e Gomorra tinha se envolvido em pecados terríveis que afrontavam o Criador. Não apresentava nenhum temor de Deus. E a falta de temor acontece quando nos afastamos de Deus. Enquanto nos movemos nele temos comunhão com ele, desenvolvemos sensibilidade para perceber suas ações. Mas quando estamos longe dele, vivemos em função de nós mesmos. Somente depois que os serem angelicais saíram com Ló e sua família da cidade e começou a chover fogo e enxofre é que aquele povo percebeu que Deus estrava trazendo juízo sobre aquela cidade. Mas era tarde demais! Todos foram destruídos.
Orar sempre e não desanimar Depois de dar estes exemplos Jesus contou a parábola do juiz iníquo para ensinar aos seus discípulos sobre a importância de orar sempre, continuamente e não desanimar. No entanto, se não lermos com muita atenção essa parábola, podemos não compreender o ensinamento de Jesus sobre oração e incorreremos em erros. Se não entendermos com clareza seus ensinamentos podemos usar a oração como ferramenta e não como um diálogo que nos leva a uma intimidade com Deus.
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