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Amor ou atração? Bruna Longobucco
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Copyright © Bruna Longobucco
Edição do autor Capa: Denis Lenzi
www.brunalongobucco.com.br blongobucco@hotmail.com
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou duplicada sem autorização expressa do autor. Os PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS infratores serão punidos na forma da lei. 2017
Ainda agora estou sentindo seus lábios É um segredo que não ouso contar Certas coisas A gente simplesmente sente Como um toque Que só se vive no olhar Não foi de noite Nem de dia Era um tempo inventado Perdido entre o medo e coragem De libertar o desejo e reescrever o passado Eu não quis viver de antes Viajei num caminho sem hora Quando, enfim, te encontrei Tornaram-se eternos alguns instantes
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Certas palavras silenciadas Sรณ podem ouvir os amantes Como o gosto de um beijo Que sobrevive ao tempo Cativo em nossas lembranรงas.
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Capítulo um Era insensato e ao mesmo tempo lógico, que um e outro só encontrassem a razão
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PERIGOSAS NACIONAIS estando assim, entregues ao amor.
Minas Gerais, setembro de 1998 Clara se afastou do espelho zangada, os olhos azuis soltando faíscas. Contrariada, a adolescente passou a mão pelo vestido de algodão, estilo vintage. Respirou fundo. Não adiantava apelar agora. Não gostava muito de vestidos, o que vira e mexe a fazia questionar sua feminilidade e não entendeu porque a mãe cismou logo com aquele. Analisou atentamente: o comprimento até que ia bem, na altura do joelho, mas tinha alcinhas. “Alcinhas nãoooo!” Fez beicinho insatisfeita. Estava mostrando mais do que queria e mais do que devia. E não dava pra usar sutiã, porque não tinha nada naquele tom ou com alças transparentes. Quando queria alguma coisa, Irma se tornava irredutível. Naquela manhã, enquanto passeavam pela Feira Hippie[1], cismou que o tom nude combinaria com a pele clara e os cabelos pretos e lisos da filha. “Além disso, filhota, é super bem acabado e tem um lindo decote”, parece ser PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS bem mais caro do que é. Sorrindo com ar de quem leva muita vantagem, pagou antes que Clara pudesse demovê-la da ideia. E afirmou: está na hora de você parar de se esconder. É tão linda... “Qual o quê?” lamentou a jovem. Ela estava se sentindo outra pessoa naquele vestido. Magra, mas não muito, tinha o corpo bem formado, seios volumosos, a pele alva. Os olhos azuis eram vivazes e tinha um sorriso de derreter corações. Ultimamente usava o cabelo Chanel com franja. No comportamento era tímida e bem discreta. Sua preferência por baby looks e calças jeans ou camisetas e leggings esportivas, o que enlouquecia a mãe. Sem falar nos pijamas de malha com estampa de gatos e corujas que colecionava. Os acessórios que escolhia eram sempre pequenos e delicados. Elas não eram ricas, de jeito nenhum, viviam fazendo economia, mas mesmo apertando o cindo daqui e dali, Irma se vestia com bom gosto e elegância e tentava impor o mesmo para a filha. Aos 39 anos, Irma ainda era jovial e muito bonita. Tinha os cabelos cor de mel, cortados um pouco abaixo do ombro, costumava fazer luzes PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS neles. A pele era clara, os olhos pretos e um corpo atraente. Aos 15 anos, Clara não partilhava as preferências da mãe. Tão jovem, mas sensível e inteligente, gostava mesmo é de se sentir livre e confortável. Vivia escondendo os vestidos e saias que ganhava no fundo do armário e só usava mesmo quando a ocasião exigia. Amava tênis. Curtia uma sapatilha e até encarava uma Anabela, mas salto alto nem pensar. Tinha 1,62 de altura, mas não queria ser maior do que era. Mas precisava confessar que naquele momento não era só o vestido de alcinhas que a angustiava. Não mesmo. O que a desinquietava era a súbita paixonite da mãe. Até ali, Clara nunca a viu com um namorado. Irma era focada. Enviuvou cedo e por ter se frustrado no primeiro casamento, fugia de compromissos. O pai foi major e morreu em uma operação policial, 10 anos atrás, antes de completar 40 anos. Agora, de repente, sem mais nem menos ela chegava e anunciava um noivado. Como assim?! Inacreditável que sua mãe, sempre tão PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS racional, tão controlada, tivesse sido atingida fulminantemente pela flecha de cupido. Insegura, Clara aguardava a chegada do tal Sr. Perfeito e de seu único filho. Embora acalentasse uma esperança de que o romance fosse só uma combustão passageira, veio a sensação de que sua vida nunca mais seria a mesma. Quando, enfim, saiu do quarto, o aroma gostoso do jantar tomava conta do apartamento. A mãe estava preparando sua especialidade: Fettuccini ao sugo. Era o único macarrão de casa que sabia fazer e quando fazia arrasava. A campainha tocou e, na intenção de abrir a porta, Clara quase tropeçou na mãe. A mãe ficou evidentemente feliz ao vê-la com o vestido. – Super gata, filha. – Opinião de mãe não conta. – Conta sim. Irma vestia uma blusa de crepe em tom creme, cinto e saia de renda azul. Os saltos eram da cor da blusa. A maquiagem leve e perfeita. Escolheu lindos brincos de pérola e ouro. Uau! Sua mãe estava linda. – Você é que está muito bonita, mãe. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Obrigada. – E antes de abrir a porta, Irma pediu: – Filha, olha só como vai se comportar, hein? Estou apostando que te eduquei como deveria. Esta noite tem que ser perfeita! Clara não conteve um murmúrio de impaciência e deu passagem para que Irma recebesse os convidados. Após abraça-los, ela se apressou em apresentar a filha: – Paulo, querido! Esta é a Clara. – Finalmente nos conhecemos. – disse ele, dando dois beijinhos na garota. – Muito prazer, Clarinha, você é ainda mais linda do que vi na foto! Não me disse que tinha uma boneca em casa, meu amor. Mas é claro, não poderia ser diferente, ela puxou a mãe. Clara agradeceu. Irma ficou orgulhosa com o galanteio. Paulo então apresentou o rapaz que o acompanhava para a futura enteada. – Deixa eu te apresentar o meu filho, Clara, o Fernando. O rapaz avançou alguns passos e trocaram três beijinhos, como de praxe em Belo Horizonte. Clara o achou um gato. Sem contar que o perfume dele era uma delícia. Logo ela que mal notava os garotos, gostou dele de cara. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Se a princípio a adolescente torceu o nariz para a ideia de ter um padrasto, a simpatia pela dupla foi imediata. Ambos eram educados, gentis e aparentemente sensíveis. Não tinham nada dos “malas” que ela esperou conhecer. Pai e filho em muito se pareciam, morenos, os cabelos encaracolados e castanhos. Ao contrário de Paulo, alto, encorpado e dono de olhos verde-claros, o que transmitia serenidade, Fernando era um rapaz de dezessete anos, cujos olhos verde-escuros tinham um brilho indefinível, suas palavras e gestos demonstravam que era impetuoso, confiante e alto astral. ***
Mas conhecer o noivo da mãe foi apenas o começo. Ainda durante o jantar, Clara percebeu que o compromisso era pra valer. E dois meses após aquela primeira “reunião de família”, por assim dizer, Paulo e Irma comunicaram aos filhos que marcaram a data para o casamento. Entre o primeiro jantar e o enlace não se passou muito tempo. PERIGOSAS ACHERON
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Capítulo dois Três meses depois
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“O problema com o casamento é que este termina todas as noites depois de fazer amor, e tem que ser reconstruído todas as manhãs antes do pequeno-almoço.” Gabriel García Márquez
O
casamento de Paulo e Irma pegou a todos de surpresa. O empreendedor bem-sucedido, viúvo e metido a Dom Juan, se encantou pela nova secretária e foi rapidamente fisgado. A cerimônia foi rápida, oficializada por um Juiz de Paz. A recepção, no entanto, com todos os detalhes pensados carinhosamente pela noiva, esbanjou bom gosto e requinte. Em meio à festa, sem saber como sua vida seria dali por diante, Clara se afastou do salão onde se concentrava a maior parte das pessoas e caminhou através das pilastras que conduziam a um lindo jardim. Sentia um vazio enorme, não dava pra explicar. Desde pequena seu mundo sempre foi solitário. Perdeu o pai tão cedo e embora na época não entendesse o significado da morte, ela sentiu-se PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS desamparada. Acompanhou a dor da mãe. A casa, a vida, os problemas e também as superações, tudo ficava entre ela e a mãe. Pouco via os tios e quase não ficava com a avó materna, sempre autoritária. Os avós por parte de pai mal conhecia. Viviam em Porto Alegre, com o resto da família. E agora? Como seria conviver com dois homens? O mundo dela estava de cabeça pra baixo. Pensativa, sentou-se em um banco branco de ferro próximo a uma fonte. No salão tocava agora a canção Sozinho, na linda voz de Caetano Veloso. Mesmo distante, ainda podia ouvir o som. Linda... tão linda que ela nem percebeu a aproximação de Fernando. – Ei Clarinha! E aí, já cansou da festa? – Um pouco. Está muito romântica pro meu gosto. – e ela riu um pouco sem graça. Ele devolveu o sorriso. – Pra mim também. Fala sério comigo. O que você sente com tudo isso, hein? Foi tão rápido esse namoro dos nossos pais... – ele desabafou. Clara concordava com ele. Foi mesmo rápido. O fixou com curiosidade, antes de responder com uma pergunta. – Posso ser sincera? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ele assentiu, balançando a cabeça. – Por favor. – Olha, até um tempo atrás uma coisa dessas nem passavam pela minha cabeça. Éramos só eu e minha mãe. Mas desde que ela conheceu seu pai, nossa, ela mudou demais. Só falava dele. Ele foi entrando nas nossas vidas sem nem saber. Ainda estou assustada com a rapidez que foi “namoronoivado-casamento”. Também não sei o que esperar e nem se tenho que esperar alguma coisa. Fernando a encarou. Ela estava ansiosa e com os olhos cheios d’água. – Pelo visto estamos sentindo a mesma coisa. Puxa, eu não acreditei quando meu pai disse que ia se casar. Sabe como é, a gente também tinha nossa vida juntos. É estranho ter que dividir a casa com duas mulheres. Pelo menos eu gosto de você. Clara gostou de ouvir aquilo. – Também gosto de vocês. Mas será que vai dar certo? – Acho que agora a gente tem que torcer pra dê certo sim. – Verdade. Ambos olharam para o salão. O casal dançava uma canção romântica completamente alheio ao mundo exterior. Disseram quase ao PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mesmo tempo: – E se depender deles, vai dar certo sim. Clara riu – Valeu, Nando. Foi bom a gente conversa. Acho que a gente vai se dar bem. Tive medo de a gente se detestar à primeira vista. De você ser um daqueles carinhas metidos e insuportáveis ou então um chato implicante, como um bônus extra que vem como parte integrante quando a gente ganha um padrasto. Madrasta no seu caso. Mas você não é nem um pouco assim. Divertido, ele confessou: – Eu também fiquei com medo de você ser uma patricinha enjoadinha. Que bom que não é. Gosto de você e gosto de ouvir você. Isso conta muito.
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Capítulo três “Todos caminhos trilham pra a gente se ver Todas trilhas caminham pra gente se achar, viu?” Maria Gadú
Três semanas se passaram. Depois de uma rápida Lua de mel em Bora Bora[2], Paulo e Irma voltaram para o Brasil. Era tempo de retornar ao trabalho e assumir a vida em família. Chamaram então Fernando e Clara para uma conversa séria. Enquanto viajavam, os adolescentes ficaram com os parentes. Nando com os avós e Clara com a tia. Agora os quatro estavam juntos novamente. De frente para os pais e diante do suspense, os adolescentes se olharam intrigados. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – O que precisa falar de tão importante, pai? Fala logo. – pediu Nando. Paulo clareou a garganta e decidiu ser objetivo. – Filho, Clara, bem, o negócio é o seguinte: durante a lua de mel, eu e a Irma decidimos nos mudar. – Mudar pra onde? Querem comprar uma casa? Já acho o apê grande demais. – respondeu Fernando. – Não, na verdade queremos sair da cidade. Clara ainda estava processando a informação. Sempre moraram de aluguel e se mudar para o apartamento em outro bairro já foi difícil, imagine sair da cidade? – Como assim, pai? E a empresa? – Meu gerente é ótimo e muito competente. Deixo uma filial aqui e transfiro a matriz para o interior, já analisei a viabilidade há algum tempo. Na realidade, um consultor fez toda a análise do negócio pra mim, enquanto eu estava fora. Era um projeto de vida que eu tinha há muito tempo e quando conheci a Irma, entendi que estava na hora de colocar em prática. – Está brincando comigo, pai?! – Não, Nando. – Sem chance de eu sair da cidade pra viver no PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS interior. – Aí é que você se engana. Ainda é menor de idade e isso quem decide sou eu. – Não está sendo justo comigo. Meus parentes e amigos estão aqui. Toda minha vida sempre foi aqui. – Você logo se forma. Quando terminar o nível médio, quem sabe você não assume os negócios em Belo Horizonte? Clara não podia acreditar. Olhou para a mãe em choque. Paulo tinha resposta pra tudo e Irma concordava plenamente com o marido. Estavam muito certos do que queriam. O problema é que nem ela e nem Fernando foram consultados. Traição! – Pode me explicar como se sente sobre essa mudança, mãe?! – Filha, é uma oportunidade incrível que a vida está nos oferecendo. – Mas não me perguntou o que eu queria. – Pelo visto, o que a gente quer não conta, Clara. – disse Fernando revoltado. – Puxa, como puderam decidir algo tão importante sem levar em conta nossa opinião? – insistiu a adolescente. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Estamos avisando agora. São nossos dependentes, têm que nos seguir, nos apoiar. – afirmou Paulo. – Tipo isso: ou a gente aceita ou aceita. – Não dramatiza, filha. – Mãe, é muito injusto a gente ter que ir para o interior só porque vocês dois surtaram na ideia de “um felizes para sempre rural”. Porque isso só pode ser um surto. – Não seja irônica! – Quê?! Tem ideia do que significa deixar nosso colégio, nossos amigos e nosso mundo de uma hora pra outra? Já saí do meu bairro contra a vontade. Aliás, tive que engolir seu casamento sem estar nem um pouco confortável com a ideia de um padrasto. Desta vez, vou ser bem sincera: não quero me mudar e detestei essa conversa. – Eu também não aceito! – Fernando protestou. O adolescente saiu da sala chutando a cadeira e Clara ficou no quarto chorando por horas. A discussão continuou por aquele e outros dias. O casal estava irredutível. Nada do que Fernando e Clara argumentaram adiantou. Eram menores de idade e não podiam fazer nada, a não ser se conformar com a decisão dos pais. PERIGOSAS ACHERON
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Passaram
dois meses entre a compra de imóveis, reformas e a mudança. Mesmo contra a vontade de Clara e Fernando, os quatro passaram a residir num condomínio rural em Esmeraldas[3]. Relutantes, precisaram mudar de colégio e se ajustar à decisão dos pais de viver em uma cidade pequena do interior e frequentar um colégio estranho, o que não estava sendo nada fácil. Os primeiros dias foram terríveis para os adolescentes. Era uma vida completamente diferente da que tinham, sem shoppings, sem idas diárias ao Mc Donald’s, sem a companhia dos amigos. E pior, como eles eram novos no colégio, se tornaram o centro da atenção de todos. Não davam um passo sem sentir inúmeros olhares curiosos sobre eles. Se no colégio se sentiam num verdadeiro “Big Brother”, ao chegar em casa era só monotonia. As tardes e noites se tornaram longas e, apesar de se tornarem cada vez mais unidos, não era fácil aceitar a mudança. Como no colégio pertenciam a turmas diferentes, o que os forçava, necessariamente, a se PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS separar, aí sim se sentiam isolados. Parecia um confronto entre dois mundos: o deles e o dos outros adolescentes, que aparentemente eles estavam invadindo sem convite. Durante o intervalo ficavam juntos, o que dificultava ainda mais a aproximação de algum colega. *** Certos de que tomaram a melhor decisão com a mudança, Paulo e Irma estavam felizes com a amizade entre os filhos. Passavam as manhãs e as tardes na firma. Recém-instalado em Esmeraldas, o negócio começava a atrair os moradores da cidade, já que era a primeira empresa moderna no ramo de construções. O único concorrente de Paulo era um pequeno depósito na rodovia, que em nada afetava suas pretensões, ambos podendo coexistir pacificamente, já que atendiam clientes com objetivos diferentes. ***
O
Condomínio Rural do Ipê Amarelo era de uma beleza inquestionável. Bem cuidado, com ótima infraestrutura e fácil acesso pela rodovia. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Além disso, era seguro, com ronda 24 horas e guarita vigiada. Após a entrada principal, uma rotatória conduzia às várias alamedas das diversas chácaras. Na praça central um imenso e majestoso Ipê que dava nome ao residencial. As casas eram mais afastadas uma das outras. A estrada larga. Havia uma grande reserva florestal e era fácil ver tucanos, micos e esquilos pelos quintais das casas. No centro de lazer do condomínio chamava a atenção uma lagoa imensa, piscinas para adultos e crianças e um playground infantil. Paulo escolheu uma chácara plana e mais afastada da entrada. Seu terreno era delimitado por cerca viva. A casa fora construída há oito anos. O antigo proprietário caprichou no acabamento. Acordar ali era bem diferente de acordar no burburinho da cidade, de respirar o ar poluído, passar horas no trânsito aguardando a vez de avançar alguns metros entre filas extensas de carros nos sinais fechados. Os sons rurais só contribuíam para a atmosfera de aconchego e quietude. Para o empresário, estar ali era a maior e melhor conquista PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS de sua vida.
Naquela
manhã, segundo sábado no condomínio, quando a família se reuniu na cozinha para o café, Paulo mencionou que havia adquirido os outros dois lotes ao redor de sua propriedade. – Uai, pai, agora é que não teremos vizinhos por perto mesmo. – Era essa a intenção. Depois, tudo é perto num condomínio. Os lotes nos dão mais privacidade. Acredite em mim, vizinho de muro pode ser um problema, meu filho. Outro ponto positivo é que quatro hectares nos possibilitam criar alguns animais. Vou mandar construir umas baias, um pequeno curral, um galinheiro. Faremos daqui uma pequena e simpática fazendinha. – Isso seria interessante. Eu e Clara já estávamos pensando no que fazer aqui depois da aula pra não morrer de tédio. Você devia fazer como o tio Nilton e plantar uma horta orgânica. É saudável e podemos ajudar no projeto. Também gosto de cavalos e precisamos de um cachorro. Sempre quis ter um Labrador ou um Pointer Inglês, como os da fazenda do tio, lembra? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Nilton era o irmão mais velho de Paulo e morava num fazendão em Corumbá. Eles sempre o visitavam e Fernando amava o Pantanal. – Lembro sim, filho. Clara não conteve o entusiasmo – Já vi que vou ter que me ruralizar também. – Tudo tem um lado bom, né? – respondeu Fernando, animado com a ideia de ter um cachorro.
Capítulo quatro Mudou meu jeito de olhar O jeito de sentir O jeito de tocar Quando eu mudei? Fui eu ou fomos nós que mudamos? Não sei dizer quando Mas sei dizer quanto Te amo muito Te quero tanto.
Dois sábados depois PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Após o almoço, quando Irma e Paulo seguiram para a loja, Clara e Fernando caminharam pelo terreno, cheios de planos e expectativas. Os pedreiros já trabalhavam e Paulo contratou um jardineiro. Um senhor aposentado, mas muito simpático, desses que como se diz por aí, têm o dedo verde. Ou seja, pessoas com o maravilhoso dom de plantar e colher.[4] Quando o céu escureceu e anunciou a proximidade de um temporal, os adolescentes correram para casa. Foi só fechar a porta e a chuva desabou. – Por sorte não nos molhamos, Nando. – Verdade, Clara. Tentaram assistir à televisão, mas houve interferência na imagem e desligaram. Trovões assustadores fizeram com que desistissem rapidamente de ficar na sala. Conversaram mais de meia hora, lado a lado no sofá. Finalmente os trovões diminuíram e a chuva serenou. – Já sei, – animou-se a garota – Vamos procurar um jogo. – Qual? A gente já jogou todos os jogos que eu trouxe. Precisamos renovar o estoque. Vou tentar pedir pela internet alguma coisa diferente e novos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS DVDs. – Mas e agora? Não tem nem um quebra-cabeça? Um baralho? – Tenho, mas acho que sua mãe guardou meus jogos no sótão. – É verdade. Vamos procurar, pode estar nos armários. Assim que entraram no sótão, os dois se surpreenderam com a transformação do local. A ampla janela, antes encardida, recebeu vidros novos. Chovia fininho agora e dava pra notar a linda visão do condomínio e da mata fechada. Ao lado de alguns flamboyants, buganvílias cresciam e se espalhavam sobre as copas, colorindo o jardim. Era lindo de se ver mesmo com o céu nublado. Com o sol e o céu azul ficaria deslumbrante. Havia uma cama de casal, com uma colcha marfim de piquet e algumas almofadas no mesmo tom com motivos florais bordados. Um tapete bege felpudo e delicioso forrava o chão. Os armários velhos foram reformados e laqueados. Tudo estava limpo e em perfeita ordem. Sem que tivessem notado, Irma havia transformado o sótão bagunçado num agradável quarto de hóspedes. – Nossa, sua mãe mandou bem! É o melhor e mais PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS legal dos quartos. Olha a vista das montanhas! Mesmo com a chuva é lindo de se ver. – Incrível. – É mesmo, mamãe tem muito bom gosto. Apesar do teto rebaixado, aqui é iluminado e agradável. Amei. Instantes depois a chuva forte voltou e num forte relâmpago, acabou a luz. Sem opção, os dois se jogaram na pequena cama de casal, a fim de acompanhar o movimento da chuva na vidraça. Conversaram mais algum tempo, até que acabaram adormecendo. Quando Clara despertou, estava aconchegada a Fernando. Perturbada, estranhou a situação. Ele então abriu os olhos e ambos trocaram um sorriso. – Ei, preciso falar que eu não me sinto nem um pouco seu irmão. – Claro, nós não somos irmãos de verdade. – Não foi isso que eu quis dizer. – Como assim? – perguntou a menina mordendo os lábios. Claro que ela sabia o que ele pretendia dizer, porque desde que o conheceu não parou de pensar nele um só minuto, mesmo assim se fez de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS desentendida para não dar na cara. – Gosto de você, Clara. Gosto muito. Entende? Tímida, ela desviou o olhar. – Eu também gosto de você. Somos... amigos, né? – Sabe que não estou falando como um amigo, não sabe? Então, Fernando puxou o rosto dela para perto do dele e colou a boca na dela. A princípio, Clara não correspondeu, ainda surpresa com o beijo que ele lhe deu. Nunca tinha beijado ninguém, mas Fernando insistiu no contato e não deixou que ela se afastasse. Pelo contrário, enlaçou o corpo dela pela cintura, invadindo a boca dela com a língua atrevida. Aí foi demais... sentindo o coração disparar e um friozinho de antecipação no estômago, ela não teve como fugir e nem quis. Aquele beijo fez com que se sentisse em alta voltagem. Uau! Clara ainda não podia acreditar que um estar nos braços de um garoto pudesse ser tão incrível. Mas não era qualquer garoto. Era o Fernando e isso explicava muita coisa. Sem dúvida, o coração acelerado denunciava que ele era seu primeiro amor e batia tão alto que ela teve medo de que ele pudesse notar isso e rir de seus sentimentos. Mas tão pertinho assim podia sentir o coração dele PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS batendo forte também. Foi um beijo demorado. Cheio de sentimentos novos e descobertas. Então acabou... ele se afastou de repente e fez um carinho no cabelo dela. “Será que ele se arrependeu do que fez?” Pensou. E surpresa o encarou. Mas viu que ele não tinha a menor expressão de arrependimento ou ironia. Pelo contrário, ela ficou assustada com a forma intensa como ele olhava para ela. Era forte aquilo. O rosto esquentou e desviou o olhar. Alguns instantes se passaram e, ainda confusa, ela saiu de perto dele e da cama. – Precisamos lanchar. Você não está com fome? – Propôs. Mas antes que ele respondesse, ela saiu do quarto e desceu as escadas apressadamente em direção à cozinha. ***
Nos
dias que se seguiram, Clara fez de tudo para evitar ficar a sós com Fernando. Aquele beijo despertou mil sensações e mil dúvidas. Era uma confusão de sentimento, gostava PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dele, mas se sentia vontade de ficar com ele, ao mesmo tempo sentia medo de estar confundindo as coisas e agindo de forma errada. Cada vez que se esbarravam sem querer no carro ou mesmo dentro de casa ela se arrepiava. O coração acelerava e pensava no beijo novamente. E que beijo... Passou a se olhar mais no espelho, a se preocupar com o que vestia, a reparar no próprio corpo, coisa que nunca fez antes. Sempre que saía do banho ficava de lingerie em frente ao espelho alguns minutos se analisando. Ela não era linda, mas também não era feia. Talvez se os seios fossem um pouco menores, mas não eram. Estava insegura. O que Fernando acharia dela se a visse assim? E o que deu nela para pensar nele vendo ela só de calcinha e sutiã? Nunca teve um namorado. Não sabia o que fazer, o que esperar. Só sabia que sentia frio na barriga cada vez que ele se aproximada dela, fosse por que motivo fosse. Será que a achava boba e fácil demais? Sabia que ele já tinha namorado. Por causa dele queria usar vestidos, saias, ficar bonita, chamar a atenção. O que estava acontecendo com ela? Nunca ligou pra isso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Queria se abrir com a mãe, mas se dissesse qualquer coisa, Irma passaria a vigiá-los como um cão de guarda e não queria ser vigiada. Fernando não entendia aquele afastamento. Clara estava correndo dele. Acabou estragando tudo quando a beijou. Por que não se segurou? Com o passar dos dias a distância foi doendo. Ele tentou várias vezes tocar no assunto, mas ela se esquivou. Clara, por sua vez, percebeu que afastá-lo a deixava mal, entendeu que tinha se apaixonado de verdade. Não dava mais pra resistir, dava? Não, estavam os dois tentados, com os hormônios a mil e enredados na paixão que sentiam. Ela resistiu até uma sexta-feira, quando Irma e Paulo saíram para um jantar na casa de uns amigos na região. Fernando se aproximou dela e perguntou por que estava fugindo dele. Ela viu que ele estava magoado com ela. Queria dizer as palavras certas, mas não sabia exatamente quais seriam. Ele chegou mais perto e perguntou se ela não gostou do beijo. – Sinto sua falta, Clara... – Ele falou de forma tão carinhosa e ficou tão pertinho PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dela que ela não conseguiu mais se segurar. Então ela contou para ele o que sentia e ele a pediu em namoro. Ela resistiu o quanto pôde. Mas olhando ali nos olhos dele, segurando a mão dele, soube que não podia se enganar e aceitou namorar com ele. – E nossos pais? Vamos contar pra eles? – Fernando questionou. – Não, Nando. Minha mãe não vai aceitar. E vai vigiar cada passo que a gente der a partir do momento que desconfiar que algo assim está acontecendo. – Então vamos manter isso entre nós. *** Irma insistia em vê-los como amigos, como irmãos e Paulo concordava que ali existia uma grande amizade. Sem que o casal desconfiasse, os filhos foram se envolvendo mais e mais. Oito meses após a mudança para o condomínio, Clara e Fernando já namoravam há seis meses e os beijos foram avançando até que os adolescentes acabaram se entregando à paixão que sentiam sem restrições. Partilhavam um relacionamento de intensa PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS intimidade, encontrando-se quase todas as noites no sótão, de onde só saíam ao amanhecer. Seus pais, no entanto, vivendo a própria lua de mel, nada percebiam. Para eles, tudo parecia perfeito.
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Capítulo quatro Belo Horizonte, novembro de 1999 O anoitecer trouxe um friozinho gostoso. Para alegria dos adolescentes passariam o fim de semana sozinhos, uma vez que Paulo e Irma viajaram para São Paulo a trabalho. – Você queria ter ido com eles, Clarinha? – De jeito nenhum, Nando, ainda bem que não PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS insistiram. – Será que eles ainda não desconfiam de nada? – Claro que não. Se tivesse qualquer dúvida, mamãe nunca nos deixaria sozinhos. Isso eu posso garantir. Ela cismou que somos os melhores amigos e confia nisso completamente. Essa é a ideia de família feliz que ela sempre alimentou. Está tão feliz com seu pai que nem sonha que estamos namorando. – Às vezes é difícil disfarçar. No colégio, quando alguém chega perto de você eu fico louco. – Eu também. Os meninos comentam que somos dois irmãos muito esquisitos. Não desminto, mas também não nego. – Não me importo com a opinião deles. Embora nossos pais estejam cegos, não somos irmãos. Não estamos fazendo nada errado. – Eu sei que não, exceto que não contamos para nossos pais que nos apaixonamos. Isso é mau. Vão ficar muito zangados quando descobrirem. Tenho medo de que a nossa felicidade acabe, Nando. – Não vai acabar, linda. E só vão descobrir se a gente contar. – O Paulo vive dizendo que você vai voltar pra Beagá assim que terminar o ensino médio, para PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fazer cursinho e se preparar para o vestibular. Se nos separarmos, não vou aguentar. – Vou dar um jeito. Posso tentar fazer vestibular na região. Sabe que temos uma faculdade a meia hora de casa? – Sei, mas ele não vai querer. Você pode estudar nas melhores faculdades, fazer os melhores cursinhos. Seu pai nunca vai aceitar que você se forme no interior. – Não vamos sofrer com antecedência. A gente vai dar um jeito de ficar junto. – Promete? – Prometo. – Ele a abraçou e Clara esqueceu o medo de perdê-lo por uns dias. ***
A
chegada do natal só fez aumentar a ansiedade de Clara. Fernando havia concluído o nível médio e Paulo só falava na faculdade do filho. Após receberem visitas de toda a região e cearem em grande estilo, Clara esperou que todos se recolhessem e subiu para o sótão. Demorou algum tempo até que Fernando viesse encontrá-la. – O que você tem? Nem parece natal, está tão PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nervosa. – Estou mesmo. Ele então notou que ela estava pálida. – Nando, estamos fritos. – Fala o que é, Clara, estou ficando nervoso. Ela mordeu os lábios. Caminhou pelo quarto aflita e as lágrimas inundaram seu rosto. – A gente foi muito irresponsável. Eu estou grávida. – Grá..vi..da? – Fernando ficou pálido. – Não pode ser. – Também não quis acreditar, mas estou. – Como você sabe? – Não menstruo há mais de dois meses. Meu corpo está dando outros sinais, meus seios estão inchados e doloridos, ando enjoada, acabei comprando um teste de farmácia e deu positivo. Comprei mais um só pra garantir e deu positivo de novo. Algumas vezes eu acabei me esquecendo de tomar a pílula e você não quis usar camisinha, enfim, não adianta negar e pelas minhas contas daqui um tempo não vai dar pra esconder. – Por que não me contou antes? – Pensei que estivesse cismada à toa. – Uma coisa é certa. Nossos pais vão nos matar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Eu sei e tenho muito medo da reação de minha mãe. Ela é careta. Não vai aceitar. Não vai me perdoar. – Não fica assim, calma. A gente se ama. Muita gente casa cedo. – Ficou louco? Eu só tenho 16 anos e você 18. Precisamos estudar, nos formar, trabalhar. Não quero ser adulta antes do tempo. – Também não, mas vamos ser pais e não somos os primeiros a casar cedo. – Ele a atraiu para si, unindo os lábios aos dela – Sou louco por você, Clarinha. Ninguém pode nos separar. – Promete? – Prometo. *** Mal o dia amanheceu, Irma acordou com um mal-estar sufocante. Havia tido um pesadelo com a filha. Ela levou a mão ao rosto e esfregou os olhos ainda sonolenta. Eram apenas cinco da manhã, mas com aquela angústia não conseguiria mais dormir. Precisava checar se estava tudo bem. Após vestir um robe, saiu do quarto pé ante pé para não acordar o marido e foi ver Clara. A PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS adolescente geralmente deixava o quarto trancado, hesitava em acordá-la, mas girou a maçaneta e a porta estava aberta. No entanto, surpreendeu-se com a ausência da filha. Foi até o quarto de Fernando, mas o do rapaz estava trancado. Procurou por toda a casa e então se lembrou do sótão. Não encontrou a chave onde habitualmente a deixava e, ao vencer o pequeno lance de escadas, descobriu a porta entreaberta. Respirou aliviada, certa de que a filha estaria ali. Porém, ao entrar no aposento, quase caiu sentada. Cobertos parcialmente por um fino lençol e nada mais, Clara e Fernando dormiam abraçados. Aquilo não podia ser verdade. Chocada, sem saber o que fazer, se devia gritar e acordá-los ou simplesmente aguardar que acordassem naturalmente, Irma desceu trêmula as escadas. Faltava-lhe o ar. Era uma cena constrangedora. Não podia ser. Com o coração acelerado, entrou no quarto e acordou o marido – Paulo! Acorde! Ele estava sonolento e custou a abrir os olhos. – O que aconteceu, meu bem? Está branca feito cera. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Nossos filhos. Você precisa ver com seus próprios olhos... não tenho nem coragem de te contar. Paulo se levantou atordoado. Lavou o rosto e a acompanhou. A cena lhe causou tanto choque quanto à esposa. – O que vamos fazer? – Irma perguntou quase sussurrando. – Vamos descer e esperar que eles acordem. Não me sinto bem em abordá-los assim, neste estado. É embaraçoso. Pra nós principalmente. Meu Deus! Precisamos pensar no que vamos fazer e falar. Temos que saber desde quando isso vem acontecendo. Uma hora se passou. Assim que Clara acordou, percebeu que já passava das oito. Entrou em pânico ao ver a porta entreaberta. – Fernando? – Oi? O que foi? – Está tarde. Não conseguimos acordar. Pra piorar a porta ficou aberta. Onde você deixou o celular? – Não sei... esqueci de trancar e agora? – Só enfrentando a situação. Talvez nossos pais também tenham perdido a hora. Ambos se vestiram e, ao vencer o pequeno lance de escadas, constataram que o quarto de Clara PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS também estava aberto. – Nossos pais já sabem. Tenho certeza. – Estou vendo. Calma, Clara. Vamos descer e encarar essa juntos. Estava mesmo na hora de contar pra eles. O casal esperava pelos dois na sala. Expressões fechadas, mal olharam nos olhos dos filhos. Irma então indagou: – Antes de qualquer coisa, Clara, quero que me fale desde quando isso vem acontecendo. E, por favor, seja honesta comigo. – Nós começamos a namorar uns três meses após o casamento de vocês. – Meu Deus! – exclamou Paulo – Por que não me contou, filho? – Tivemos medo de que nos separassem. – Então acharam melhor nos fazer de bobos. – afirmou Paulo indignado. – Pai, não foi nossa intenção fazer ninguém de bobo. A gente se apaixonou, foi isso. O que importa é que agora já sabem que nós nos gostamos e queremos ficar juntos. Furiosa, Irma se levantou – Querem ficar juntos? Vocês são praticamente duas crianças! PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Onde estão com a cabeça? – A gente se ama, mãe. – Vocês nem sabem o que é amor. Paulo não se conteve – Você vai pra Belo Horizonte ainda hoje, Fernando. E não quero ouvir nem um pio. – Você não podem fazer isso com a gente. Não vou deixá-la, Clara está grávida. Arrasados, Irma e Paulo se sentaram no sofá sem reação. – Grávida! – Irma quase desmaiou e Paulo a amparou. – Como deixamos a situação chegar nesse ponto? – desabafou Paulo após um tempo. – Sonhamos tão alto para nossos filhos e agora uma bomba dessas cai nas nossas cabeças. Nunca pensei que sentissem algo além de amizade. Vocês nos traíram. Irma não conteve as lágrimas e Clara e Fernando se afastaram dos dois. ***
Os dias que se seguiram foram de uma desarmonia total na família. Irma não conseguia PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS aceitar a gravidez de Clara e Paulo insistia em mandar Fernando para a cidade. Mãe e filha discutiam dia e noite. A véspera de ano novo chegou naquele clima de discussão. Clara já não dormia há alguns dias e podia ouvir de longe Fernando e Paulo brigando. Naquela manhã do dia 31 de dezembro ela saiu do quarto a fim de pedir um pouco de paz, mas ao se aproximar da escada, Irma bloqueou seu caminho – Eles são pai e filho, você não pode se envolver. – Posso sim, o Paulo não tem o direito de obrigar o Fernando a partir. Está errado. Se nos amam, precisam ouvir nosso lado, entender o que queremos pra nossa vida e respeitar. – Você quer privá-lo de estudar, de ver o mundo, conhecer outras pessoas? Quem você pensa que é? Acha que pode formar uma família dependendo de nós? – Me deixa ir, mãe, por favor! Não tire o meu amor de mim! – Você nem sabe o que é isso! Está é de cabeça virada. Clara tentou passar à força pela mãe. Irma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS não cedeu e a puxou pelo braço. Clara tentou se desvencilhar, mas acabou pisando em falso e tropeçou no degrau. Sem que Irma pudesse evitar, a filha rolou escada abaixo. Irma gritou apavorada. Logo, pai e filho vieram acudir, mas Clara estava inconsciente. Irma e Paulo forma implacáveis com Fernando. Culparam-no pelo incidente, ameaçaram colocar os dois na rua e deixá-los sem um real para sobreviverem caso ele não obedecesse o pai. Fernando não via outra opção a não ser morar e estudar em Belo Horizonte. Irma foi muito dura com ele, dizendo que estragou a vida da filha. Que ele era maior de idade, mas ela menor. Doía muito ele se afastar da namorada. Doía muito. Mas Irma estava certa. Ele fez muito mal para Clara. Foi irresponsável. Paulo o levou até Belo Horizonte e depois até o aeroporto, exigindo que passasse algum tempo em Corumbá. Alertou o irmão quanto ao acontecido. ***
Horas
depois, Clara acordou sozinha no
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PERIGOSAS NACIONAIS hospital. A garganta estava seca e o corpo pesado e dolorido. Uma enfermeira a atendeu e chamou o médico de plantão. Uma moça que ainda fazia residência fitou a adolescente solidária e a informou sobre seu estado, contando com pesar que havia perdido o bebê. – Não... não é verdade. – Sinto muito, meu bem. Clara desabou em lágrimas nos braços de uma estranha. Somente ao anoitecer Paulo veio vê-la e Clara implorou a presença de Fernando. – Ele se foi, Clara. Eu mesmo o levei até o aeroporto. Vai passar um tempo no Pantanal. Vai ser melhor assim. Meu filho entendeu que precisam se separar. Espero que você também entenda e respeite. – Não acredito que ele foi embora e sequer se despediu de mim depois de tudo que passei! – Ele tomou a melhor decisão por vocês dois. Já se machucaram demais. – Fala que isso é mentira, pelo amor de Deus, Paulo! Paulo desviou o olhar. Ele estava abatido. Clara achou que viu algum remorso em seus olhos, mas foi só impressão. Ela nunca se sentiu tão PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sozinha e arrasada – Sua mãe quer te ver. – Ela não! Ela matou meu bebê! Não quero vê-la! Nunca vou perdoá-los por isso, nunca! – Nunca é muito tempo. – Não fale em tempo pra mim. Eu acabo de perder meu bebê e o meu namorado. Tenho exata noção do tempo agora e mais exata ainda é a dor que estou sentindo.
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CapÃtulo cinco Tempo meu & PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Tempo seu Este mesmo tempo Diferencia-se na noção de meu e seu Embora semelhante na expectativa É igual na interrogação Como o vai e vem da vida As chegadas e partidas Que entre períodos de esperas e escuros angustiantes Brinda-nos com luzes ofuscantes Tempo, tempo Mestre tempo Que bagunça fizeste comigo! És sempre ou nunca? Inimigo ou amigo? Troca este agora Muda de hora
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Tempo, tempo Mestre tempo És quem leva o ontem És quem traz meu hoje Tempo, tempo Mestre tempo Tantos sentimentos Quantos contratempos! Tempo meu Tempo seu Dois em um nos mesmos e outros tempos Eu te entendo num instante Da mesma forma desentendo Vais e vens o sábio mestre Que pressa tiveste! Enquanto eu parado aqui Lento, fui te observar E na vasta indagação Respondo-te sem talvez: PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Tempo, tempo Mestre tempo Das perguntas que já fiz És a interrogação constante!
Esmeraldas Dezembro de 2005 “Te ter e ter que esquecer É insuportável, é dor incrível...” Skank[5]
Clara deixou a escolinha pensativa. Era período de férias e ficaria longe de seus alunos nos próximos dois meses. Optou por ser professora sem saber ao certo se aquela era sua verdadeira vocação, mas na dor de seus desencontros e indecisões, a licenciatura foi o caminho que pareceu mais fácil PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS na época. Ela concluiu o magistério no colégio e depois cursou Letras na cidade vizinha. Após três anos comprovou que realmente “Deus escreve certo por linhas tortas”. Lecionando Português viu-se talhada para a docência, era simplesmente mágica a sensação de poder oferecer àquelas crianças um mundo novo, um horizonte com mais amplitude, que se sentia capaz de desvendar, mesmo dentro das grades emocionais em que se aprisionou. Com um livro nãos mãos, a mente ia longe. A criatividade frutificava e se sentia feliz e realizada na profissão, embora não se sentisse assim como mulher. Mas quem é plenamente realizado? O ser humano complica bastante as coisas. O que importava era que se sentia útil. Amava ler. Amava formar leitores. Nada melhor do que ensinar o idioma e apresentar a Literatura para os olhinhos curiosos, alguns até indiferentes ou resistentes, que logo se envolviam e a surpreendiam, correspondendo com alegria às atividades propostas. E o melhor era a expectativa das crianças. Aquele tempo em que a gente sonha, acredita e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS espera. Quanto ela aprendeu com seus alunos, a maioria de família humilde do interior de Minas. Foram tantas lições de vida... Aquele ensinar e principalmente aprender, não tinha preço. Como disse Cora Coralina[6]: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Para quem andava há tanto tempo sem um lugar no mundo finalmente voltava a sonhar e visualizava novas possibilidades. Aproveitaria aquele tempo para descansar e depois queria se dedicar ao projeto de um livro ilustrado para crianças em fase de alfabetização: “O novo mundo das letrinhas”. O texto ela já tinha registrado no EDA (Escritório de Direitos Autorais) da Biblioteca Nacional. Agora esboçava alguns desenhos. Depois tentaria encontrar um ilustrador na internet que pudesse dar vida aos seus esboços. Quando finalmente tivesse concluído as ilustrações seria tempo de revisar, diagramar e depois publicar. Conheceu as etapas de autopublicação de um livro quando desistiu de enviar seu original para editoras, depois de recebêlo lacrado no mesmo envelope que postou sem PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS identificar sequer um sinal de que tivesse sido realmente avaliado, decidiu correr atrás do seu sonho sozinha. Já tinha feito orçamento para impressão com uma gráfica em Belo Horizonte. Precisava pensar numa forma de arrecadar fundos para distribuir os exemplares gratuitamente em algumas escolas públicas em Esmeraldas, onde exercia o magistério, parte da Grande BH. Uma vez que tivesse o arquivo digital finalizado ela pensaria naquilo. Quando chegou em casa já anoitecia. Abriu a porta do carro com dificuldade, devido à pilha de livros e material escolar que levava para casa. Observou na sala de estar os preparativos para o natal. Entristeceu-se. Veio aquele vazio, um velho conhecido. Férias, festas de fim de ano, nada daquilo a seduzia. Pela primeira vez naqueles anos pensava em deixar seus animais (tinha um cachorro e algumas galinhas) aos cuidados do padrasto, já que ele gostava de bichos e viajar um pouco. Pelo menos por um mês. Apesar do passado, ela, Irma e Paulo mantinham uma relação cordial, ainda que distante. Com a mãe ficou um grande ressentimento e uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS distância enorme. A relação de ambas mudou completamente. Foi julgada e condenada sem direito à defesa, e por isso não permitia que Irma opinasse quanto à sua profissão ou relacionamentos. De Fernando só sentia raiva. Raiva pela covardia dele. Por todos aqueles anos se esquivou de ficar frente a frente com ele novamente, tamanho o rombo que ele deixou em seu coração. Ainda discutia com o destino que o trouxe para sua vida sem pedir licença e o levou da mesma forma. Continuava morando com Irma e Paulo, primeiro porque gostava da chácara e da vida calma do condomínio. Depois, por não ter uma condição financeira privilegiada, pois era professora de uma escola municipal no interior, mas seu sonho era ter sua independência. Fez uma poupança naqueles anos e em breve pretendia financiar uma casa perto da escola e se mudar dali. Ao contrario do que sentiu na adolescência, quando se mudaram para o condomínio contra sua vontade, tornou-se uma pessoa de hábitos simples e gostava da ideia de viver no interior. Era mais do que tempo de trilhar seu caminho, sair da dependência da mãe, assim como fez Fernando PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quando a abandonou. Após se banhar e trocar de roupa desceu para fazer um rápido lanche. Encontrou Paulo e Irma na cozinha. – Temos uma novidade. – falaram os dois ao mesmo tempo. Estavam bem animados. Clara observou que a sondavam com os olhos antes de falar e soube que não gostaria nem um pouco do que ouviria a seguir. – Contem logo. Quando fazem suspense, já sei que se trata de algo que não vou gostar. – Não seja rabugenta, Clara. – Mãe, por favor. Paulo então respondeu: – É que o Fernando vai passar o natal com a gente! Ele vai ficar noivo e não poderia ser numa data mais especial. Estamos muito felizes, já que é o primeiro natal em família após cinco anos. – Noivo? – Sim. Clara tentou disfarçar a surpresa. Não sabia se ria ou chorava. “Cachorro”, pensou, no mau sentido, claro. Quem era ele para chegar aos pés do Bugão, seu dócil labrador amarelo. Gostaria de ser completamente indiferente, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mas sentiu uma sensação desagradável. Engoliu a saliva, mas pareceu que estava engolindo um elefante. Demorou até conseguir coordenar uma frase sem dizer um palavrão: – Parabéns pra ele! Fico feliz por ele e por você, Paulo. Quanto a mim, sabem que já entrei de férias na escola e pretendia avisá-los de que vou viajar por um mês. Logo, lamento, mas não estarei aqui para o noivado. – Como assim não estará aqui para o noivado? – Quis saber a mãe, nitidamente magoada. – Já disse, vou viajar. Comprei minha passagem ontem, – mentiu – e não posso cancelar. – Por favor, Clara, não faça isso. Não desta vez. É um momento especial nesta casa. Após tanto tempo, as mágoas precisam ser superadas. Vocês são dois adultos e nós sofremos com esse rompimento na família. – Que eu saiba, o rompimento foi uma opção de vocês e excluída mesmo fui só eu. Vocês se veem constantemente, já que ele está no apartamento do Paulo, em Beagá. – Claro, vamos aos eventos dos quais você não participa por um orgulho bobo e que não te leva a lugar nenhum. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ela queria explicar que a palavra não era orgulho, mas sabia que não valia a pena, já que a mãe só entendia o que queria. Ela tinha um tipo de ouvido seletivo, do tipo que não aceita ser contestado. Suspirou desanimadamente. E Irma continuou o blá-blá-blá insistente: – Nem preciso te lembrar que faz questão de nos excluir dos seus eventos e da sua vida, pois não nos deixa participar de nada. Pois agora chega! Não pode simplesmente fingir que seu irmão não existe. Paulo sofre com seu comportamento. – Verdade, Clara. – interveio Paulo. Ela quis gritar que nunca foram irmãos, mas pra que se desgastar? Concluiu que não adiantava. – Olha, não se trata de querer afrontá-los com minhas atitudes. Não tenho nada contra o Fernando, Paulo. Apenas prefiro ficar distante. Não sou hipócrita para negar o meu passado. Mas é claro que não entendem e não se importam, pra vocês foi mais fácil esquecer e superar do que para mim. Pra ele também. Só então ela notou que nem Paulo nem Irma olhavam mais para ela, alguém estava atrás dela. Então sentiu um perfume diferente e soube PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS imediatamente que ele estava ali. “Não pode ser!”, pensou. O corpo rígido com a sensação. Mas para não deixar dúvidas ele logo falou: – Eu... sinto muito, Clara, se soubesse que ainda se sentia assim a meu respeito não teria vindo. Ao som de sua voz, Clara quase engasgou. Levou algum tempo até que conseguisse se voltar na direção de Fernando. Cinco anos se passaram. Cinco longos anos de dor e mágoas. Os olhos verdes fitaram os azuis numa intensa indagação. Ambos se entreolharam buscando as transformações do tempo e alguns instantes se passaram antes que se dessem conta de que a mútua análise sofria uma atenta supervisão dos pais. Naquele momento, Clara notou que um casal chegava para se unir a Fernando na cozinha e quis que o chão cedesse sob seus pés, quando ele se adiantou e apresentou os dois. – Desculpem o mau jeito. Venha aqui, querida. – e fixou Irma e Paulo constrangido, ao dizer: – Esta é Janice, a minha noiva e meu cunhado, o Carlos. Embora vivesse uma tempestade interior, Clara procurou cumprimentá-los gentilmente, mostrando-se calma e indiferente. – Talvez tenhamos vindo em má hora... – Janice, a PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS noiva, sentiu no ar o clima tenso. – Imagina! – protestou Clara. – O Fernando tem tanto direito de estar aqui quanto eu, mais até. Apenas fui pega de surpresa, eu... bem, pretendo viajar e, se me dão licença, tenho algumas coisas para organizar. Foi um prazer conhecer vocês, Carlos e Janice. – Igualmente. – ambos responderam juntos. Clara se retirou da cozinha com o rosto queimando, odiando-se por se sentir tão vulnerável ao passado. Enquanto seguia para o quarto, a visão da loira atraente a seguia como uma sombra. “Tão fácil para os homens se envolver com uma mulher e depois descartar e partir pra outra”, pensou zangada. Fernando, por sua vez, acompanhou seus passos até perdê-la de vista. Aborrecido, aproximou-se de Paulo e comentou: – Eu bem falei que ela não gostaria nem um pouco. Janice, sem entender o que se passava, quis deixar o noivo à vontade com a família e pediu licença para caminhar com o irmão. Assim que eles saíram, Irma se levantou irritada da mesa da cozinha. – Mas que infantilidade da Clara! PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Calma, amor. Ela realmente precisa de férias. Vai ser ótimo pra ela viajar um pouco. – Pai, não é só de férias que ela precisa. Se não percebeu, a Clara não quer ficar comigo na mesma casa. – Não se preocupe, querido, sua irmã vai acabar aceitando. – justificou Irma. – Com todo respeito, Irma, Clara não é e nem nunca foi minha irmã. – É o que sinto desde que me casei com seu pai, embora no passado tenham confundido as coisas e traído nossa confiança. De qualquer jeito, o que aconteceu está morto e enterrado. Quanto a sua presença, ela terá que entender e aceitar. O que não pode é continuar como está. “Águas passadas não movem moinhos”. Se você vem, ela sai. Se você liga, ela não fala. Clara precisa superar o que aconteceu. Já faz muito tempo e quero ver minha filha feliz e completa. Ela precisa te enxergar com outros olhos. Esquecer de vez o que passou. O que vocês viveram foi uma paixonite boba de adolescentes. Só o fato de você ter seguido com sua vida e estar noivo já é uma prova disso. – É? – ironizou Fernando. – Claro. O que tiveram foi um sentimento imaturo e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS inconsequente, como tudo que fazemos na adolescência, fruto de curiosidade e hormônios. Acabou e vocês superaram. Agora é reatar os laços de amizade. Fernando não concordava. Levou muito tempo para esquecer Clara e se envolver seriamente com alguém. E mesmo que fossem muito jovens quando se apaixonaram, sabia que o que dividiram juntos foi único e especial. Suspirando com impaciência, fixou a madrasta com vontade de dizer umas boas verdades. Perguntou então: – E você realmente pode me afirmar que ela superou? Conhece tão profundamente os sentimentos de Clara? Sempre me senti mal pela forma como fui embora. Hoje sei que você e meu pai foram longe demais agindo como agiram. Não nos deram escolha. Nossas vidas se tornaram uma história com um capítulo inacabado. – Faça o favor, filho – retrucou Paulo – Você não é mais um menino. O que sua namorada vai pensar? Acaso contou para Janice essa vergonha que marcou sua vida? – Vergonha é uma palavra forte demais para se referir ao que aconteceu. Janice não conhece os PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fatos, porque não me senti bem em expor a Clara. Quanto ao que ela está pensando agora, sinceramente não sei, pai, não mesmo. Minha única certeza é que eu fui um covarde e quando ela caiu da escada não precisava ter saído daqui sem me despedir. Coisas assim deixam marcas intensas em uma mulher. Eu sei o quanto eu sofri. Faço uma ideia do que Clara sentiu quando soube que eu havia partido. Por isso ela nunca me perdoou. Tentei me explicar, tentei falar com ela, mas não consegui. Nunca me escutou mais do que o tempo suficiente para ouvir minha voz no telefone. E em minhas vindas aqui ela simplesmente sumiu e se esquivou. Eu chegava e ela desaparecia antes mesmo que eu pudesse encontrá-la. Não sei se foi uma boa ideia trazer Janice e Carlos comigo. – Foi uma ótima ideia. Um dia ela tem que parar de fugir, por que não agora? É o único modo da Clara acordar. Minha filha é linda, tão jovem, mas se tornou uma pessoa fechada, amarga. Está mais do que na hora de acabar com esse jogo de gato e rato. Afinal, já se passaram mais de seis anos. Paulo levou a mão aos cabelos num gesto claro de tensão – Vocês são adultos agora. Nada restou do que foi apenas um sentimento infantil. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Relembrar o passado trará um sofrimento inútil. Fernando sabia que não havia diálogo com Irma e Paulo. Em se tratando daqueles dois teimosos não adiantava insistir. De mais a mais, sabia, cada um vê o que quer. Pensou que daquela vez as coisas seriam diferentes, que teria poder de argumentação por não ser mais um adolescente, mas estava enganado. – Tudo bem, – afirmou – vou procurar a Janice. Fernando se afastou. Precisava tomar um ar fora daquela casa e olha que não tinha chegado nem há uma hora. Quando encontrou Janice sentiu que o passado tinha mesmo que ficar para trás. Ela foi a primeira pessoa que o conquistou depois de tudo que houve com Clara. A principio se tornaram apenas amigos, pois se conheceram num intercâmbio nos Estados Unidos, 4 anos atrás. Voltaram para o Brasil sem perder o contato e depois se tornaram namorados. Ele retomou a faculdade de administração, que começou antes do intercâmbio e depois de estagiar na Fiat um ano, assumiu a empresa do pai em Beagá. Janice passou de amiga a namorada e preencheu sua solidão. Agora, pela primeira vez PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS desde que estavam namorando, questionava seus sentimentos por ela. Porque desde que viu Clara na cozinha algo se agitou dentro dele. Ela estava mais bonita, o corpo mais cheio, os cabelos compridos até a cintura. E aqueles olhos azuis sempre tão lindos e doces agora eram melancólicos, frios. Questionou se o que sentia por ela tinha realmente morrido. Por que, afinal, nunca teve coragem de se impor ao pai e voltar? Por medo. Medo de magoála ainda mais. Medo do inútil que era. Medo de assumir um compromisso sério. Ficou cômodo viver no apartamento sozinho sem dar satisfações a ninguém, sair, viajar, curtir a vida. Será que Irma estava certa e tudo que viveram não passou de um sentimento imaturo entre adolescentes? Foi amor ou atração? Era mesmo certo se casar com Janice? Até ontem pensava que ela era a mulher de sua vida. O sexo entre eles era ótimo e se davam super bem. Tanto que cogitou se casar em após dois anos de namoro, aos 25. Sua segurança durou até rever Clara. Mas o que diabos mudou tão depressa dentro dele que agora tudo parecia uma enorme interrogação? Já não sabia se amava Janice. Sua cabeça deu um nó. PERIGOSAS ACHERON
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Clara não conseguiu viajar no dia seguinte como queria. Primeiro porque a passagem estava muito cara. Depois porque Irma praticamente implorou para que ela ficasse até o noivado. E a mãe, quando cismava, era perita em chantagem emocional. Faltava uma semana para o natal. Nos dias que se seguiram, Clara tentou levar numa boa o que estava acontecendo. Apesar de ter suas diferenças com a mãe, numa coisa ela tinha razão, precisava enterrar o passado de uma vez. Tanto Carlos quanto Janice desconheciam o passado de Fernando. Assim, Carlos acabou se encantando com Clara e passou a se desdobrar em atenção para com a jovem, sem saber que qualquer aproximação de sua parte despertava uma profunda desaprovação por parte de Fernando. Fernando até se esforçava para disfarçar seus sentimentos, mas nem sempre tinha sucesso e acabava sendo grosso com quem não merecia. A indiferença de Clara lhe fazia muito mal. Ao mesmo tempo, ver a atenção dela para o cunhado o deixava indignado. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS A verdade é que entre eles existia uma situação inacabada e talvez fosse isso que o perturbasse tanto, pois nunca discutiram o que houve e o passado ficava incomodando, cobrando, perguntando.
Capítulo seis PERIGOSAS ACHERON
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“Amor é um fogo que arde sem se ver; É ferida que dói, e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer.”
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Luís Vaz de Camões
O pôr do sol preenchia o horizonte de Esmeraldas pincelando em tons fortes e vívidos o céu. Mata e horizonte se confundiam na paisagem, em meio aos tons avermelhados e dourados do céu, uma coisa linda de se ver. Clara brincava com Bugão sem deixar escapar aquela pintura. Amava o cheiro das plantas, das flores, amava assistir a despedida do sol e fazia isso quase todos os dias de forma rotineira. Correu com o cão, depois se sentou com ele na grama. Ao longe, avistava-se um ir e vir constante de veículos que circulavam na estrada do condomínio, a fim de trazer e levar parentes e moradores para as festas de fim de ano. Foi com melancolia que Clara identificou o murmúrio de vozes e sorrisos excitados que vinha de dentro da casa. Irma estava no céu com a presença de Janice. Nesses momentos, ela se questionava sobre como sua vida seria caso não tivesse caído da escada. O bebê... PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Sentiu tanto a perda dele. Amava crianças e o filho que perdeu ficou como um vazio dentro dela. Mesmo com o passar do tempo defendia os ideais da adolescente que foi um dia e embora entendesse que foram irresponsáveis e precipitados ao se relacionar sem proteção, não se recriminava por ter se entregado tão intensamente ao que sentiu. Claro que naquela época se descuidou e a gravidez aconteceu cedo demais. Depois de tudo que passou, sofrendo sozinha, sabia o quão importante é planejar uma gravidez, estar com a idade e a renda adequada. Via casos de alunas no colégio que engravidavam antes dos dezesseis, algumas sem ter certeza do pai. Os adolescentes se descuidavam como se não existisse o risco de engravidar ou mesmo contrair doenças sexualmente transmissíveis sexualmente, como o HIV, HPV e outras. No caso dela, ambos eram inexperientes e ela realmente amava Fernando. Amava de verdade. Não foi um encanto passageiro, nem uma forte atração que veio e da mesma forma passou, porque mesmo separados precisava confessar que nunca o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS esqueceu. Chorou muito por ele. Quando ele foi embora, chorou todas as noites por mais de um ano. Depois sentiu saudade e mágoa. No fim, só a mágoa e aquele espaço inacabado de tempo que nos perturba, quando deixamos de viver o que queremos por alguma circunstância da vida que colide com a nossa vontade e anula a liberdade de escolha. Ficou aquela interrogação: Se não tivessem nos separado como teria sido? O que viveram juntos a marcou ao ponto de comparar qualquer um que se aproximasse dela com ele. O rapaz de olhos verdes e gestos delicados, divertido e inteligente, que a conquistou através de seus sorrisos e tentativas inocentes de aproximação, mesmo a distância, acabou afastando muitos de seus pretendentes. Independentemente da pouca idade, Fernando sempre foi romântico. Capaz de surpreendê-la com uma poesia, uma flor ou um chocolate. Também era educado, embora fosse genioso e gostasse de impor sua opinião. Como namorados, eles se divertiam com um simples passeio pelo condomínio ou mesmo com uma caneca de chocolate quente, que nem sempre tinha exatamente o gosto de chocolate, tão PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS desatentos ficavam. Passavam tanto tempo juntos que acabaram por se tornar parte fundamental um do outro e nada tinha graça quando se separavam. Até que o mundo de sonhos ruiu e ele se foi. A condenação de Paulo e Irma ainda hoje era evidente. E irritava-se ao perceber que viam o noivado de Fernando como uma forma de apagar o passado definitivamente. Irma nunca pediu desculpas pelo acidente que acabou causando indiretamente. Sequer se solidarizou com a perda dela. Não quis sentar e entender seu coração ferido nem por um instante. Não se esquece de um aborto, ainda que não intencional. Não se esquece da culpa por ter sido imprudente. Enfim, tinha muitas reticências no coração. Interrogações na alma. E ainda nem via um ponto final para sua inquietação.
Naquela manhã, caminhou com o cão por mais de uma hora. Quando voltou para casa, Clara sentou-se à margem do pequeno riacho que cortava a propriedade de Paulo e rabiscou com um galho PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS seco a terra que a circundava. Bugão brincava com um osso que tinha esquecido por ali na véspera. Clara acompanhou o movimento suave da água e pediu aos céus força para lidar com aquela situação. Estava mergulhada em suas reflexões e custou a perceber a presença de Carlos ao seu lado. Num primeiro momento tentou apenas ser educada com o rapaz, mas após alguns dias de convivência precisava admitir que ele a divertia. Moreno como Janice, era baixinho, mas bonito e tinha um papo agradável. – Clara, você tem muita energia. Primeira vez que te vejo relaxando. – Acho que refletindo é a palavra certa. Quando não dou aulas tenho que dar um jeito de ocupar meu tempo, escrever, caminhar, cuidar dos animais, plantar alguma árvore, sabe como é. – Também fico assim longe do trabalho. Sou dentista e ganho pela minha produtividade. Sempre que tiro férias ou uma folga penso que vou ter um mês menos farto. Ambos riram. Depois, Clara aconselhou: – Mas a gente tem que parar e descansar de vez em quando, até para recarregar as baterias. A vida é curta, mas a gente esquece disso toda hora. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Verdade. E ainda bem que vim recarregar minhas baterias aqui. – respondeu ele encantado com o sorriso dela. Clara viu o olhar dele e tentou desconversar. – Acabei de me lembrar de uma história, quer ouvir? – Muito. – É sobre o vento, que um dia esbarrou na árvore e lhe arrancou todas as flores. Sentida, a árvore perguntou por que estava tão afoito. O vento respondeu: – Mas é o meu trabalho. Sou respeitado por minha velocidade. Quem sopra de leve é a brisa. – E não gostaria de mudar? Assim você acaba provocando acidentes. Levou minhas flores. De algumas conhecidas já derrubou os frutos ainda verdes. Nem vou mencionar fatos mais tristes. – Nunca pensei em mudar. Faço o que preciso fazer. Aliás, nosso diálogo está me atrasando. – Tudo bem, quem sou pra te impedir, mas tome cuidado com o que atropela. – Eu sou o que sou. É minha natureza. Procuro sem fronteiras, na velocidade do clima. Não pretendo mudar. E disse a árvore para o vento: PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Questionar é para todos. Isso não é perder tempo, é ganhar. Porque procurando nesse desatino, corre o risco de deixar de lado o que é mais importante. E o vento se foi, intempestuoso como de hábito, ainda ERA assaz imaturo para levar em conta as palavras da árvore centenária. Carlos a admirou ainda mais pela forma como narrou o pequeno conto. – Você é linda. – E sem que ela esperasse, o rapaz sentou-se ao lado dela e, enlaçando seu pescoço, a beijou. Clara não esperava pelo beijo. Não sabia o que dizer, o que esperar daquilo. O afastou com delicadeza e se desculpou. Foi sincera e disse que não estava interessada em ter um relacionamento com ele e nem com ninguém no momento. Tudo que buscava era amizade. Carlos ficou decepcionado, mas entendeu. Clara pensou que adoraria gostar de Carlos. O conhecia há poucos dias, mas era divertido, atencioso e muito gentil. Desejou ser uma pessoa mais leve, menos melancólica, menos presa ao ontem. Enciumado, Fernando viu o beijo de longe. Franziu a testa contrariado. Ficou tão irritado que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nem ele soube entender aquele sentimento primitivo de posse. Ele não despregava os olhos de Clara e Carlos por um minuto quando estavam próximos e nem escutou quando a namorada o chamou. Viu quando Clara jogou o cabelo de lado e riu para Carlos. Com aqueles olhos e a pele tão clara ela era mesmo uma tentação. Como o cunhado podia resistir? Sem contar o decote que era de tirar o fôlego. – Fernando! – daquela vez Janice gritou e a voz brusca o arrancou das reflexões. Estava tenso. Preocupada, a namorada não o reconhecia – O que você tem? Não me ouviu chamar? – Não, meu bem. Desculpa. – Desculpa é o que vem pedindo desde que chegamos aqui. – Foi mal, Nice. O clima aqui em casa está pesado. – Isso eu pude ver. Só que nem eu nem o Carlos temos culpa. Está agindo com indiferença, nem me olha mais e anda atacando meu irmão sem nenhum motivo. Ele não reclamou, mas percebi. É por causa de sua irmã? – Ficou louca, como assim? – É o que está parecendo. Sabe que Carlos é um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cara legal. Se ele está a fim dela, que mal há nisso? Não vai me dizer que sua implicância é só porque ele é baixinho. – Para com isso. Imagine se vou determinar que alguém serve ou não pra minha irmã só porque é alguns centímetros menor que ela? Isso é coisa de gente que não tem nada melhor pra ocupar a mente. Não cria coisas onde elas não existem, por favor. – Desculpa. Sei que você não é esse tipo de pessoa que mede os outros pelo tamanho ou pela cor, mas estou vendo seu olhar em cima dos dois. Basta ele se aproximar de Clara e você já fica alerta. Nunca o vi agir assim. Nem comigo. Se tivesse me contado que as coisas com seus pais e sua irmã não iam bem, eu não teria vindo. O que aconteceu entre vocês foi tão grave assim? – Por favor, Janice, chega. – Se vamos nos casar tem que confiar em mim. Eu me sinto uma estranha em sua vida. Ainda não entendi porque me pediu em casamento se estava tão inseguro. Sempre foi tão fogoso e desde que pôs os pés aqui mudou da água pro vinho comigo, mal se aproxima de mim. – Você está exagerando, tem que entender que estamos na casa do meu pai, é diferente. Depois, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estou com muita dor de cabeça! – Pois essa dor de cabeça mais parece uma desculpa. – Nervoso, Fernando a deixou falando sozinha e foi para o quarto. Não suportava mais tanta pressão. Dela, do pai, de Irma e dele mesmo.
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Capítulo sete “Posso resistir a tudo, menos à tentação.” Oscar Wilde
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Três dias antes do natal, cansada da pressão que Irma fazia sobre ela, Clara decidiu que precisava comprar logo uma passagem e sumir dali uns tempos. Achou uma oferta para dali a dois dias e resolveu esperar num hotel em Belo Horizonte. Fez a reserva. De lá iria para o aeroporto. Aguardou o entardecer, quando todos estavam fora e, após um rápido e solitário lanche subiu para se trocar e ajeitar suas coisas. Colocou uma calça jeans justa e uma baby look branca. Calçou uma sapatilha preta. Estava justamente dobrando alguns vestidos na mala, quando Fernando entrou em seu quarto. Surpreendeu-se com a entrada intempestiva. – Não bate mais na porta? Por acaso perdeu a educação? – Preciso falar com você. – só então notou a bolsa em cima da cama – O que está fazendo com essa mala? – Primeira resposta: não, não posso conversar com você, porque não quero e não tenho tempo. Segunda resposta: Isso não te interessa. – Curta e seca. – Isso. Você não tinha saído? – ela perguntou, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS organizando agora a frasqueira. Fernando acompanhando seus movimentos com angústia. O perfume suave dela agitando seus sentidos. Há muito tempo que não ficavam tão próximos. – Sim, mas Carlos estava indisposto e pediu para voltarmos. – Entendo. Bem, se não se importa, quero ficar sozinha. Estou com pressa. – Chega disso, Clara. Está sempre fugindo de mim. – Eu? Olha só, quem fugiu foi você. Fugiu sem sequer se despedir de mim, sem uma só justificativa. – Fala sério! Você não me deu uma única chance de falar com você nesses cinco anos. O que quer provar com isso? Se quer abalar nossos pais mantendo a velha e boa indiferença, não se incomode. Eles não estão em casa. Clara não suportou. Largou a frasqueira e contornou a cama de solteiro onde dormia encarando Fernando com os olhos flamejantes – Seu covarde! Quem é você pra me questionar? – Nunca fui covarde. – Foi e é. Você me deu as costas no pior momento da minha vida. Depois sumiu. E não adianta falar que o “papai” te obrigou. Você poderia ter voltado PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS se quisesse, mas ficou bem longe e viveu sua vidinha linda, livre e feliz sem lembrar que a idiota aqui existia. – Pra quê eu ia voltar, Clara? Pra estragar sua vida mais uma vez? Ela o encarou com ódio, mas não foi cinismo que viu na expressão dele. Não. Pode ler a dor nos olhos dele e abriu a guarda por um instante, a expressão se suavizando. Fernando segurou seus braços com força e a encarou magoado: Não entende que não tive alternativa? Foi melhor assim. – Foi? Pra quem? – perguntou ela sem segurar as lágrimas furtivas que desciam em seu rosto. – Pode ter sido melhor pra você, para os nossos pais, não pra mim. Ai, Fernando, você me fez sofrer tanto e tanto. Não tem ideia do quanto. – Me perdoa, Clara. Me perdoa pelo covarde que eu fui. Nunca me perdoei pelo mal que te causei. – agora ele estava abalado de verdade e os olhos marejados não podiam fingir tão bem a dor. – Não posso. Não consigo. – Não viaje agora. Fique só até o natal. Tivemos quase a vida de um casal e um relacionamento que nos marcou para sempre. Sei que tudo ficou mal resolvido, sei que fui imaturo, pra ser honesto eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fui covarde sim, não lutei por você, mas será que não suporta passar nem mais um dia ao meu lado? É tão ruim assim me ver aqui novamente? Não acredito que só tenham restado lembranças tristes. Antes de tudo éramos amigos. – Prefiro não falar em lembranças. Elas só me machucam. – ela comprimiu os lábios num gesto nervoso, fato que não passou despercebido a Fernando. – Quer passar o resto da vida me evitando? Acha que isso vai apagar o que aconteceu? – Não aceito o fato de que me deixou. Não aceito o fato de que levou sua vida adiante sem olhar pra trás. E, principalmente, não aceito o fato de que me esqueceu. Ele era mais alto. A cabeça dela batia no ombro dele. Ele a segurou pelo queixo e fez com que o encarasse. – E quem te disse isso? – Como assim? – Eu nunca te esqueci, Clara. Fui embora porque meu pai não me deu opção, depois quando tentei voltar ele me convenceu de que o tempo tinha passado e que era melhor não causar mais problemas pra você e, óbvio, não vou negar que me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS adaptei a vida longe deles, longe daqui. Mas não teve um dia em que eu não pensasse em você, em nós. – Mentira! Ele falou, mas você pensou e escolheu sozinho. Que eu saiba, viajou, curtiu sua vida e está noivo. Isso fala muito sobre o tanto que lembrou de mim. – Parece que não, mas estou sendo sincero. Os olhos de Clara pareciam soltar faíscas quando ela o encarou. Livrou-se das mãos dele em seus braços e recuou alguns passos. – Quer mesmo a verdade? – sem esperar resposta, ela desabafou: – Você me fez um favor saindo da minha vida. Sabe opor quê? – Ele balançou a cabeça negando. – Porque não me merece. – Nisso você tem razão. – Então sai daqui! – Não saio. – Acha que consigo ignorar o que aconteceu entre nós? Não dá! Não posso esquecer e muito menos perdoar o que me fez. Não posso e nem quero aceitar que me deixou no momento que eu mais precisava de você e tudo isso não vai mudar. A gente sempre tem uma escolha. Você fez a sua PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS enquanto eu ainda estava no hospital e simplesmente me excluiu da sua vida, como quem deleta um arquivo de computador. – Pelo amor de Deus, Clara! Não fiz o que eu queria, nós dependíamos dos nossos pais, eu não estava pronto pra ser pai e muito menos encarar aquele aborto. – O que eu sei é que caí da escada, perdi o bebê e ainda por cima fiquei sem você. Você que tinha jurado que nunca ia me deixar. Tem noção da minha dor? Fui obrigada a ficar nesta casa e conviver com a solidão. Eu te via em cada canto disso aqui. Nem sei quantas vezes chorei naquele sótão. Senti tristeza, desespero, saudade. E uma raiva que quase me matou cada vez que eu tinha uma noticia de você viajando, namorando etc. E o pior é que nunca mais me apaixonei. Ninguém consegue tocar meu coração porque você é um fantasma rondado minha vida. Acabo comparando todos com você. – Desculpa, Clara. – ele agora tinha os olhos cheios d’água. Sentia-se um crápula. – Não dá. É como uma ferida que não cicatrizou, sabe? Você está noivo, viajou, viveu, teve outras mulheres. Está ótimo e quer se casar, enquanto pra PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mim ainda dói, Fernando. Muito. Eu não queria que fosse assim, mas não sei fingir que está tudo bem quando não está. Não posso ficar com você e sua linda noiva na mesma casa sem me sentir estranha, artificial, ridícula. E isso me incomoda, acredite, como me incomoda o fato de você conseguir se envolver com outras pessoas e eu não. Ele não respondeu. Seus rostos agora estavam próximos e os olhos dela transbordavam. Clara nem viu como ele chegou tão perto. Antes que ela pudesse se esquivar, Fernando não se conteve e a tomou nos braços. Ela se debateu, tentou se soltar. Então choraram juntos. Quando finalmente esgotaram palavras e lágrimas, se olharam mais calmos, mais leves. Sentaram-se na cama. Fernando então secou seus olhos com a palma das mãos. Tocou o cabelo. Eles se olharam. Antes que ela o afastasse novamente, ele a puxou para mais perto e abraçou. Então, quando ela ia falar mais alguma coisa, cobriu sua boca num beijo roubado e atrevido. Clara tentou afastá-lo, mas ele não a soltou, pelo contrário, as línguas se enroscaram e ele finalmente venceu sua resistência. Ele sabia como tocá-la e acordar seu corpo para o desejo. As mãos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS fortes tocaram seus seios. Não soube dizer quando, mas de repente, estava no colo dele. Sentiu sua ereção, mas não o empurrou e ele estreitou ainda mais o contato entre os dois enlouquecendo-a com as mãos e com a boca. Como uma viajante do tempo, enlaçou seu pescoço e tocou seus cabelos com carinho, moldando o corpo ao dele. Que falta sentiu daquele beijo. Daquelas mãos. Incrível, mas o corpo dela entrou novamente em combustão, como se ainda fosse uma adolescente. Justo naquele momento Janice passou pelo corredor e viu a porta do quarto de clara entreaberta. Queria perguntar se ela viu Fernando, mas não precisou abrir a boca. Presenciou aquela cena completamente chocada. Nos braços dele, Clara se conscientizou de que sofreu mais do que pensava com sua ausência. E só então a lembrança fez com que deixasse o estado de abandono em que se encontrava e, num lapso de lucidez, o empurrou bruscamente, interrompendo aquela loucura, antes que o juízo fugisse de vez. – para com isso! Chega! PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ela ajeitou a blusa e o sutiã e perguntou: – Não tem juízo? O que está fazendo?! E sua noiva? Vai contar isso a ela? – Ele não precisa me dizer nada! Acho que vi o suficiente... vocês são doentes! – disse Janice com os lábios trêmulos e olhar assustado, a voz entrecortada pela respiração acelerada. Ao ver Janice na porta do quarto, Fernando se deu conta da decepção que causou à namorada. E da relação incestuosa que ela pensou ter presenciado. Ela saiu correndo. Atordoado, ele se desculpou com Clara e a seguiu. Fernando alcançou Janice no quintal e a segurou pelas mãos, evitando que se afastasse ainda mais – Por favor, me perdoa, Nice, fui um canalha com você. – Meu Deus! Que decepção! Você e Clara é uma coisa nítida. Seja lá o que existe entre vocês, não é um sentimento normal para dois irmãos. – Não somos irmãos. Irma fala assim e acabei falando assim também para evitar explicações, para evitar falar sobre ela, mas a verdade é que quando nossos pais se casaram já éramos adolescentes e nos apaixonamos. Ela engravidou e nossos pais nos separaram. Clara perdeu o bebê e tudo mudou. Meu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pai me obrigou a ir embora e nunca mais consegui me aproximar dela novamente. Eu cheguei a pensar que a tinha esquecido. Você me fez tão bem. Pensei que era a mulher da minha vida, mas quando voltei e a vi pela primeira vez depois de todos esses anos, algo mudou dentro de mim. Mudou ao ponto de eu ficar inseguro quanto ao nosso compromisso. Senti ciúme de Carlos. Fiquei louco. Olha, não posso dizer o que ainda sinto por ela, mas é forte, não vou mentir. – Dá pra ver. Por que não me contou isso antes? Honestamente, Fernando, estou decepcionada com você. Deveria ter me situado antes de me fazer cair numa fria dessas. Eu te amo e acreditei no seu amor por mim. Íamos nos casar. Acabou me magoando, assim como fez com a Clara no passado, porque ao deixá-la agiu como um covarde e a verdade é que continua sendo tão covarde quanto antes. Aquilo doeu profundamente nele. Ela estava certa. Clara estava certa. Ele era um covarde. – Pra mim deu. O que sei é que não quero fazer parte dessa história. Desde que chegamos você agiu como um idiota comigo, grosso, indiferente. Não posso nem vou aceitar alguém pela metade. Pensando bem, nesses meses em que estamos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS namorando foi uma sensação que sempre tive em relação a você, que era bom demais pra ser verdade. Agora tenho certeza. Resolve sua vida antes de ferir outra pessoa, Fernando. Vou chamar o Carlos, quero sair daqui o mais rápido possível. Ainda bem que ele insistiu em vir de carro, porque eu detestaria ter que te pedir esse favor. Aliás, qualquer outro favor. Não suporto ficar um minuto a mais em sua presença.
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PERIGOSAS NACIONAIS Ele tentou segurá-la, mas ela o empurrou decidida: – Me solta! – Janice, eu... – Chega! Fica longe de mim. Não diz mais nada. Não me faz pensar que é ainda mais canalha do que estou pensando agora. Não era pra ser. Ainda bem que não ficamos noivos. Nunca seríamos felizes juntos, não com você sendo essa pessoa confusa e insegura que eu não conhecia. Não me escondendo o passado como fez. Agora entendo porque você tem um olhar tão triste. Você está incompleto. Seu olhar foi o que primeiro chamou minha atenção. Achei que era solidão e tive a pretensão de ser a pessoa certa pra você. O modo como agiu com a Clara e comigo não foi correto. Precisa ser homem antes de se aproximar de uma mulher, homem de verdade e não um rato. Arrasado, Fernando acompanhou seus passos com o olhar. Janice não merecia aquilo. E ela estava certa. Precisava crescer. Entrou em casa e se refugiou no sótão. Não se passou muito tempo e, da janela, viu quando o carro de Carlos partiu. Ficou arrasado. Quando Irma e Paulo voltaram, estranharam a quietude da casa. Porém, como Clara estava no PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quarto sozinha, concluíram que Fernando havia saído com Carlos e a namorada.
Naquela
noite, Clara adormeceu profundamente e quando acordou o sol iluminava o aposento, infiltrando-se pelas cortinas de renda. Lavou-se e se vestiu. Optou por um vestido leve, já que estava muito calor. Evitou pensar na véspera e quando passou pelo corredor a fim de descer para o café, notou que Fernando não estava no quarto. Questionou como teria ficado a situação entre ele e Janice. Sabia que haviam discutido, mas se trancou no quarto, colocou um fone de ouvido e se concentrou nas músicas para não ouvir uma só palavra do que disseram. Assim que chegou à cozinha, encontrou um bilhete da mãe avisando que ela e Paulo almoçariam com uns amigos, na cidade vizinha. Irma recomendava que descongelasse uma lasanha para o almoço. Certa de que não estaria ali quando a mãe voltasse, Clara tomou um suco de laranja, comeu uma fatia de bolo de chocolate e subiu para terminar de organizar suas coisas. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Assim que pôs os pés no corredor deparouse com Fernando que descia do sótão numa aparência nada amigável. Ela passou rapidamente por ele, como se ignorasse sua presença, mas ao contrário do que pensou, ele não a seguiu. Uma hora depois, Fernando bateu na porta do quarto de Clara. Ela fingiu não escutar, mas as batidas se tornaram insistentes e irritantes. – Pode parar com isso? – ela pediu. – Vamos conversar você querendo ou não. – Já conversamos demais. – Se prefere agir como criança vou agir da mesma forma. E daqui a algum tempo vai estar com uma enxaqueca insuportável de tanto eu bater na porta. Clara acabou cedendo. Abriu a porta e Fernando entrou com um olhar irônico. Pelos cabelos úmidos tinha acabado de sair do banho. – Fala logo, depois de ontem não achei que ficaria para o natal. – Não pude evitar aquele... beijo. – Ah, não pôde evitar? O que você pensa que eu sou? – Alguém que me enlouquece. Sobre ontem, sabe que eu não agi sozinho. Você correspondeu. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – E sua noivinha compreendeu e aceitou? – Nós terminamos e ela foi embora. Assim que eu cheguei percebi que estava tudo errado. Agi mal com ela, comigo e com você. Janice me fez enxergar o quanto tenho sido imaturo todo esse tempo. Aliás, não só imaturo como covarde e egoísta. – Ainda bem que sabe, mas não se preocupe. Talvez ela possa reconsiderar. – Não quero que ela reconsidere, entendo que nosso compromisso acabou. Agora quero apenas entender o que ainda existe entre nós: eu e você, Clara. – Não existe mais nada! – Não minta pra mim. Não depois de ontem. – Se ainda existe alguma coisa é raiva. E não brinque mais com os meus sentimentos! – Clara apontou o dedo para ele de forma ameaçadora. Fernando venceu a distância entre os dois, mas Clara recuou até a janela – Ei! Fique longe de mim! – Queria, mas não posso. – Clara olhou para a cama, na intenção de fugir por ali, mas Fernando percebeu e a alcançou antes que conquistasse seu objetivo. Caiu por cima dela sobre a colcha branca de Piquet e a impediu de sair. Ela se debateu por PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS alguns instantes, dizendo tudo que lhe vinha à cabeça, mas Fernando parecia não ouvi-la. Ela estava de costas para ele, que aspirou o perfume de seus cabelos levando os lábios à nuca delicada. O toque suave a enlouqueceu. Então ele insinuou o corpo de encontro ao dela e tocou seus seios. Amava os seios dela, a suavidade da pele, o som de seu sorriso, o modo como mordia o lábio quando estava nervosa ou arqueava as sobrancelhas quando estava curiosa. Adorava o cheiro do xampu que ela usava. Na realidade, adorava tudo nela. Novamente, Clara pôde sentir o quanto ele ficou excitado. Sentiu uma necessidade absurda de tê-lo dentro dela. Não dava pra resistir. Fernando então fez com que ela ficasse de frente para ele e buscou seus lábios avidamente, um beijo que ela respondeu com ansiedade. Não era de ferro. Não dava pra resistir. Clara o enlaçou pela cintura com as pernas e ambos afastaram as roupas para se tocar. Toques que se tornaram cada vez mais ousados e os levou a perder a noção de tempo e lugar. Então ele tirou a roupa e depois a ajudou a se livrar da dela, deixando apenas a delicada peça de lingerie a cobrir seu sexo. Sentiu ainda mais PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS desejo e a provocou, puxando a calcinha para o lado, tocando-a, explorando sua intimidade. Viu o quanto ela o queria. Não resistiu e buscou seu sexo com a boca. Depois continuou a torturá-la com a mão enquanto a boca subia em direção aos seios agora expostos. Da mesma forma, Clara tocou seu membro rígido e quase o fez gozar. Após tantos anos afastados experimentaram um sentimento tão intenso que pareceu transportá-los a outra dimensão. Um lugar onde a história que viveram parecia não existir e nada superava o desejo forte que ainda sentiam um pelo outro. A cama era pequena demais para comportar os dois, mas não importava o espaço quando os dois se tornavam um. Nem mais uma peça de roupa os separava. O corpo masculino invadiu o dela sem reservas, amaram-se com desespero, as línguas se buscando numa entrega total ao prazer. Chegaram ao êxtase em poucos instantes. Permaneceram intimamente unidos, sentindo o cheiro um do outro. Os corações descompassados. Os corpos suados, exaustos e satisfeitos. Algum tempo se passou e nem um dos dois conseguia formular uma frase, ainda surpresos pela PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS intensidade do que experimentaram. No passado sempre foi bom entre eles, mas aquela tarde tinha superado qualquer sonho erótico que pudessem ter. Quando ela fez menção de se levantar, Fernando a impediu e se posicionou sobre ela novamente, segurando seus pulsos de forma atrevida – Se sair daqui, sei que vai se arrepender do que fez e não posso permitir que isso aconteça. – Por favor, Fernando. Nós nem fechamos a porta. – Eles saíram, vão demorar. Não se afaste de mim, Clara. Quero você como nunca quis ninguém e tudo que vivemos hoje neste quarto prova que você também me quer. Clara tocou seu rosto com ansiedade. Como negar? O que viveu com ele dispensava palavras. Mergulhou as mãos nos cabelos castanhos perdendo-se completamente nos carinhos deliciosos. O coração estava acelerado. Ele estava excitado novamente, podia sentir. Queria aquela boca na dela. Queria ele dentro dela. Como era possível que o desejo entre eles não se esgotasse? Daquela vez ela inverteu as posições e o cavalgou como sempre quis fazer. Sentiu-se linda, desejada, porque viu nos olhos dele o quanto ele a queria. Aquele tipo de olhar que a gente nunca mais PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS esquece. Acordou na cama uma hora depois. Estava sozinha e questionou se foi tudo um sonho, até se conscientizar de que apenas um lençol cobria seu corpo. Ainda sentia o cheiro dele na pele dela. Ela se levantou. Os seios estavam sensíveis, aliás, toda ela estava sensível. Também... tanto tempo sem fazer amor. Tomou uma ducha para ver se caía na real, mas só a possibilidade de esbarrar com Fernando a deixava em brasas. Ela procurou alguma coisa bem confortável para não cair em tentação novamente e vestiu um moletom. Estava prendendo o cabelo num rabo, quando ele entrou no quarto com uma rosa vermelha, que certamente colheu no jardim. Ao encará-lo, o rubor foi inevitável. – Vim para ter a certeza de já esqueceu essa ideia de viajar. – Tudo bem, não vou, mas é só por enquanto. E, por favor, vamos tentar disfarçar o que aconteceu aqui esta manhã. – Acontece, linda, que não tenho intenção nenhuma de disfarçar. Ele beijou a rosa e lhe entregou. Ela viu que os espinhos foram arrancados e cheirou o perfume PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS suave. Colocou sobre a mesa de cabeceira, em cima da Bíblia Sagrada. Só então ela pensou que não tinha tomado nenhuma precaução para não engravidar. Felizmente não estava em seu período fértil, mas nunca se pode confiar, até porque ele andou com outra smulheres. – Agimos novamente como dois irresponsáveis. Por acaso pensou em se proteger? Ele negou, a responsabilidade o chamando à realidade. Nunca deixou de se proteger com nenhuma outra mulher. Por que com Clara ele saía de si? Clara levou a mão ao rosto sentindo-se a mais alienada das criaturas – Depois de tudo que passei, como podemos agir assim? Sem contar que você teve uma vida sexual bem ativa nestes cinco anos. Já eu não. – Quanto a isso não se preocupe, eu sempre me cuidei, dou minha palavra. Com você perdi a cabeça. Foi mais forte do que a razão. – ele então se aproximou dela, segurando o rosto delicado com as duas mãos – Se cinco anos não destruíram o que sentíamos um pelo outro, agora tenho certeza de que devemos ficar juntos. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Está louco? – Não, estou falando o que realmente quero para minha vida. Pela primeira vez nesses cinco anos eu me sinto completo novamente. Você é parte de mim, Clara. Sempre vai ser. Eu juro que tentei te esquecer, mas a verdade é que nunca consegui. Você me enlouquece, menina. Basta sentir seu cheiro, basta olhar nos seus olhos e tocar em você. Ele mergulhou o rosto em seus cabelos. A abraçou apertado. Ela não conseguiu segurar o choro e o encarou emocionada – Será que não estamos confundindo as coisas? – Não. Depois de hoje não tenho dúvidas. Eu sei que não me esqueceu. Durante todo esse tempo eu acreditei que sim, mas quando te vi lá na cozinha e senti a mágoa em sua voz eu entendi que de alguma forma eu ainda estava vivo aí dentro. – Não quero sofrer mais uma vez. – Nem vai. – E se estiver enganado? E se for só sexo? – Nunca foi só sexo, nunca foi só atração. Nós dois estamos tentando nos enganar ou enganar nossos pais? Eu te amo, Clara. Sempre amei. Eu me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS apaixonei do dia em que a vi pela primeira vez. Tive medo do que senti por você. De me amarrar cedo. Fiquei apavorado quando soube que estava grávida e depois quando perdeu o bebê. Fui tolo em me afastar, inseguro e tudo o mais que me falar, mas posso dizer sem dúvida: sexo sem amor não passa nem perto do que a gente faz juntos, acredite em mim. Sim, ela acreditava. Ambos estavam próximos demais. Tanto que Clara podia sentir a respiração de Fernando em seu rosto e o perfume cítrico masculino que ele usava. Ela queria gritar: “você me tira do chão sem me levantar”. Relutava contra a vontade de se jogar em seus braços, de se entregar novamente e sem reservas ao que sentia. Quando as bocas finalmente se buscaram, ouviram o chamado de Irma e se afastaram. – Agora me senti como uma criança assustada. – disse ela, confusa. Fernando afirmou que se sentiu da mesma forma e não conseguiram conter uma gargalhada. Irma e Paulo entraram no quarto instantes depois analisando os dois com curiosidade – Do PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS que estão rindo? Lá de baixo pudemos ouvi-los. Cheguei a me lembrar da época em que morávamos todos juntos. Você era tão diferente, minha filha. – Nós dois éramos diferentes, Irma. Éramos felizes. – retorquiu Fernando – Somos melhor juntos do que separados e estou tentando convencer a Clara disso. – Que bom que pensa dessa forma, meu filho. Vejo que finalmente podem voltar a ser amigos. – Amizade não é minha intenção. Pai, Irma, amo a Clara, sempre amei. E hoje tão ou mais intensamente do que antes. – Como assim? Está brincando com a gente? – indagou Paulo sem acreditar no que ouvia. – Não. – Mas e a Janice? – Terminamos tudo ontem. Eu e a Janice, nossa história foi boa enquanto durou, mas casar com ela seria um engano terrível. Machucaria a nós dois, porque nunca a amei. Desde que voltei entendi que nunca esqueci a Clara e por mais que tudo isso pareça loucura para vocês, acabei de pedir a ela uma nova chance. E se me aceitar, – e disse isso olhando nos olhos de Clara – vou me dedicar a te fazer feliz. Mas desta vez se trata de uma escolha PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nossa e não vou deixá-los interferir. Clara podia dizer não e seguir em frente, mas não seria feliz se não vivesse tudo que tinha pra viver ao lado dele. Ele que foi seu primeiro amor. Ele que ainda fazia seu coração disparar. Irma fitou a filha magoada – Não acredito no que estou vendo. Concorda com esse absurdo? – Absurdo pra você, mãe, não pra mim. Independentemente do que nós dois decidirmos, ou seja, se vamos ou não ficar juntos, está na hora de fazermos nossas próprias escolhas. Somos adultos e temos nossas vidas e nossos trabalhos. Nada impede nosso amor, a não ser essa sua neura de achar que a gente precisa se enxergar como amigos, como irmãos. Não somos irmãos. Nunca fomos. Já nos conhecemos adolescentes. Isso é forçar a barra. Nós quatro já nos machucamos demais e nosso relacionamento nunca mais foi o mesmo. Vocês não podem decidir quem podemos amar. Acho que na realidade os dois têm medo de aceitar que o que aconteceu entre nós não foi só uma atração de adolescentes, mas um sentimento real. Erramos ao esconder de vocês o que sentíamos, fomos irresponsáveis sim, mas naquela idade não é difícil se entregar ao coração sem restrições e tudo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS aconteceu de uma forma bonita e natural. Acho que por isso não consigo ter um relacionamento sério com mais ninguém, porque o Nando sempre foi meu único amor. Está mais do que na hora de aceitarem o passado sem recriminar o que sentimos. E quanto a você, mãe, apesar de nunca ter me pedido desculpas por tudo que aconteceu naquela escada, saiba que te perdoo. Sei que não foi intencional. A questão é se você é capaz de se perdoar e de enxergar os fatos com clareza. Aliás, o melhor é perguntar se vocês se perdoam, já que o Paulo correu com o Fernando daqui só pra nos separar, usando o dinheiro e sua condição de provedor como uma moeda de troca. – O que está insinuando, Clara? – A verdade. Só porque nós dependíamos de vocês forçaram nossa separação, como se o nosso amor fosse um pecado. – Vocês traíram nossa confiança. – E vocês a nossa. Pensem nisso. Clara achou melhor dar um tempo na discussão e Fernando a seguiu. Saíram e almoçaram na cidade. Estavam famintos. Depois voltaram e passearam algum tempo com Bugão. Quando entraram em casa, não quiseram mais retomar a PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS conversa. Dormiram cedo e no dia seguinte os quatro se dedicaram aos preparativos para a ceia. Fernando saiu algumas horas para comprar frutas, castanhas e uma surpresa para Clara. Enquanto ele esteve fora, Clara fez a sobremesa. Na casa também trabalhava uma faxineira e uma auxiliar de cozinha contratadas por Paulo, especialmente para ajudar nos preparativos da festa de natal. Irma analisou a atitude da filha que parecia outra pessoa desde a véspera. Clara estava radiante, tão linda. Naquele momento, soube que ela e Paulo já não tinham o direito de interferir no que eles sentiam. Estavam adultos e se impedissem o relacionamento afastariam seus filhos de forma irremediável. Paulo a abraçou e, pelo seu olhar, assentiu, sabendo exatamente o que se passava com a esposa – Se quer saber, assim que Clara e Fernando se reencontraram notei que aquele noivado não iria dar em nada. – Eu também. – ela confessou. Ambos riram. – É meu bem, erramos tentando acertar. – Verdade, Paulo. Eu só queria o melhor pra minha filha. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Eu sei, mas os pais também metem os pés pelas mãos. Pra falar com sinceridade, estou aliviado. Tinha muito medo de ter estragado a vida deles. – Olhar pra trás agora não vai adiantar. Vamos em frente, querido. Foi que fizemos antes. É o que devemos fazer agora.
Ao entardecer, Irma falou com a filha, que organizava alguns arranjos ao lado de Fernando. – Convidei alguns amigos para cearem com a gente. É bom porque vocês terão a companhia de moças e rapazes da idade de vocês. Intrigado, Fernando olhou para Irma. – Não se precisava se incomodar. – então murmurou para Clara: – Será que sua mãe não consegue entender que queremos ficar sozinhos? – Ah... tenho certeza de que sim, mas vamos ser compreensivos e dar um tempo para ela aceitar nossa decisão.
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Capítulo oito “Tudo tem começo e meio. O fim só existe para quem não percebe o recomeço.” Luiz Gasparetto
Mal anoiteceu as pessoas começaram a chegar. Cada família trazendo um petisco. A casa se encheu rapidamente. Clara passou horas diante do espelho pensando no que vestir. Se na adolescência não gostava de vestidos, depois de adulta eles se tornaram uma opção certeira. Acabou optando por um vestido vermelho de crepe, com a reprodução de pequenas flores de cristal bordadas nas mangas curtas. O decote valorizava os seios fartos e o vestido realçava o corpo esbelto e atraente. Duas pequenas argolas de ouro e uma delicada sandália dourada complementaram o traje. Os cabelos ela deixou soltos e fez uma leve maquiagem. Constatou que pela primeira vez em muito tempo sentia vontade de se arrumar. Ao ver o resultado final, indagou se PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS o decote do vestido não estaria muito ousado. Estava quase trocando de roupa, quando Fernando veio chamá-la. Assim que ele abriu a porta, pareceu ter perdido o fôlego. – Uau! Você está linda! – Não exagera. – Não estou exagerando. Pra falar a verdade olhar pra você agora me dá vontade de passar a noite aqui dentro. – Nem brinca. Nossos pais vão surtar. E analisou a calça de sarja preta que ele usava e a camisa branca com a gola preta. Os sapatos pretos italianos brilhavam. – Você também está um gato e acho melhor a gente sair daqui rapidamente. Não podemos cair em tentação. – Agora não. Riram um para o outro. Desceram as escadas de mãos dadas, mas ao chegar ao primeiro andar acabaram se separando para cumprimentar os presentes. Alguns dos convidados haviam estudado com Clara e Fernando. Outros eles não conheciam. Durante toda a noite ambos foram insistentemente assediados e, como no tempo de escola, nada surtia efeito. Porém, a presença de alguns amigos mais PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS chegados de Clara incomodou Fernando profundamente. Cansado de representar a família perfeita que Irma almejava, Fernando tirou Clara para dançar, a estreitou entre os braços e ela logo entendeu o que ele pretendia. Decidiu aceitar o desafio e trocaram um beijo tão ousado, que Irma e Paulo levaram mais de uma hora explicando aos amigos mais íntimos que eles não eram irmãos. Após a meia-noite, muitas pessoas se despediram. Irma e Paulo se recolheram e Fernando e Clara fizeram companhia aos últimos convidados. Quando todos se foram e Clara manifestou intenção de ir se deitar, Fernando a impediu. – Ei, você não sabe o que esse vestido causou em mim... – ela riu e respondeu – Hm... não sei se quero saber. – Ah, eu sei que quer. Ela tentou enganá-lo fingindo que se aproximava e correu para a escada, mas Fernando foi mais rápido e a alcançou antes que subisse o primeiro degrau. – Tenho uma ideia melhor para nosso fim de noite. – Não podemos, Fernando. Nossos pais estão em casa e na presença deles não tenho coragem. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS – Existe um lugar onde eles não podem nos ouvir. – De jeito nenhum. No sótão não. Você se lembra do que aconteceu na última vez? – Então eu vou para o seu quarto ou você vai para o meu. Mas não vou te deixar ficar nem um minuto longe de mim. – No seu então, é mais longe do quarto deles, mas tranque nossas portas para que não sejamos surpreendidos outra vez. – Se quer saber, já não me importo. – Mas eu sim. – Depois cuido disso. – mal terminaram de subir a escada, Fernando pegou Clara no colo e a levou para o quarto – Assim você não tem a menor chance de fugir de mim... – afirmou, sorrindo. – Eu não quero. Mas com proteção daqui pra frente, certo? – Claro.
Clara
acordou com o braço dormente devido ao peso do corpo de Fernando que estava sobre ela. Delicadamente, ela conseguiu se mover e deixar a cama de solteiro em que se encontravam. Embora tentasse se acalmar sabia que o reencontro PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS com Fernando mexia com seus sentimentos. Mais do que gostaria de admitir. Mais do que conseguia suportar. Durante cinco anos guardou tanta mágoa, tantas palavras não ditas eagora tudo que queria era deixar as lembranças tristes pra trás e viver o presente. Como disse Fernando Pessoa: “Vivo sempre no presente. O futuro, não o conheço. O passado, já o não tenho.” Precioso tempo é o que se tem agora e Clara bendisse o presente que trouxe seu amor de volta e cicatrizou as dores do passado. Como lutar contra algo tão forte? Ela se derretia com qualquer aproximação daquele homem, o admirava como ninguém e era incapaz de dizer não a ele, porque se negasse a ele o direito de se aproximar, se negaria também o de ser feliz. Mordeu os lábios com ansiedade, precisava de um copo de água, de sentir nas faces o ar fresco da noite. Poetizou: “Somos contradição Calma e tempestade Aceitação e ao mesmo tempo dúvida”. PERIGOSAS ACHERON
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Então, entendeu. Em matéria de amor, todos sentem medo. Medo que em cada um vem um pouco mais ou um pouco menos. Ninguém quer se machucar e de se decepcionar, mas como disse o poeta “viver com medo é viver pela metade” e não se pode existir pela metade. Se o que estava fazendo com a própria vida era certo ou errado só o tempo diria. Mas e depois do natal, quando ele se fosse, como seria? Ela vestiu a camisa dele para encobrir sua nudez e desceu as escadas pé ante pé. Realmente queria água. Foi até a cozinha e após saciar a sede, abriu a porta que levava à varanda. Sentou-se na rede. Não se passou muito tempo e Fernando a encontrou. – Hum... Agora entendo porque não encontrei minha camisa. Por que está aqui sozinha? – Precisei de água e ar fresco. Sabe quando o coração da gente entra em conflito com a mente? – Sei. Você sempre faz isso comigo. – Ai, Nando, embora seja maravilhoso estar com você, a sensação que tenho é de que perdemos o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS juízo de vez. – Nós não perdemos o juízo. Nós encontramos. – Hein? – Nós nos amamos. – Não quero te perder de novo. Entende meu receio? – Não vai. Ela tentou sair da rede, mas ele não deixou – Por favor, Clara. Ouça o que estou dizendo. Não vai mais me perder. A luz fraca que vinha da janela da cozinha desenhou a expressão de Fernando e Clara tocou o rosto dele com carinho – Não temos que falar sobre o passado, não mais. – Como não? Sei o quanto ele ainda te faz sofrer. Ou não teria esse medo de me perder. Não se afastaria de mim se pudesse lidar com o que aconteceu. Ela deu o braço a torcer. – É inevitável. Desculpa. Não posso apagar que você seguiu sua vida, estudou, trabalha na empresa de seu pai, tem amigos e até onde sei não foi só com Janice que se relacionou. – Você também estudou e de certa forma seguiu com sua vida. Também não fugiu daqui para me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS procurar, não me deu uma chance de eu me explicar, o que não me deixa assim tão mal na fita. – Sério que disse isso? – Sério. Clara, nãos e ofenda, quero ter a conversa que nunca tivemos. Preciso falar que eu sempre me preocupei com você, tentei falar com você por telefone, um ano depois do que aconteceu estive aqui algumas vezes, mas quando eu chegava você já não estava, sabe que se recusou a me ouvir. Acabei pensando que me manter longe era o único jeito de te deixar em paz. E, de fato, foi cômodo pra mim, não nego. Quando vim com a Janice pra cá eu realmente acreditei que tudo podia ficar pra trás. Eu me sentia seguro, apaixonado por ela, maduro, então te vi e minha cabeça virou. Entendi exatamente que nada era como eu pensava. Te ver e não te ter, nossa, isso me enlouqueceu. E aí percebi que eu não amava minha noiva, eu só amei uma mulher até hoje e foi você. Resta saber se você seria capaz de me perdoar. – E se for passageiro. E se de repente acordar e entender que não me ama? – Sabe que não é passageiro. Acho que pode sentir. Nossos pais erraram muito com a gente, passaram por cima dos nossos sentimentos, da nossa vontade, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mas agora somos adultos e não cabe mais a eles interferir. Está em nossas mãos, Clara, porque nós crescemos. Não podemos fugir a vida inteira do que houve e do que ainda pode ser. Sinto-me em dívida com você e comigo e se eu tinha qualquer dúvida sobre o que sentíamos um pelo outro, após esses seis anos separados, agora já não tenho. Eu fui sim um covarde porque acreditei quando meu pai disse que eu havia estragado sua vida e que era melhor me afastar. O bebê não planejado, o aborto, eu compreendi que nada seria igual entre nós. Nossos pais fariam de nossas vidas um inferno e eu não tinha nada pra te oferecer. Não naquele momento. – Mas eu só queria você. Estava perdidamente apaixonada. Nunca aceitei o fato de ter me deixado sem se despedir, sem chorar comigo aquela perda. Não foi justo o Paulo te levar daqui enquanto eu passava por um momento tão traumático e sofria sozinha de forma dolorosa. – Eu sei. Fomos irresponsáveis e eles nos castigaram achando que era o papel deles, achando que nos afastar era uma forma de nos proteger. A verdade dói, mas é só uma: o que passou já foi. Esses anos não vão voltar atrás. Agora estou aqui ao seu lado e não podemos negar o laço que ainda PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nos une. Não é só desejo, não é só atração, afinidade ou amizade. É tudo isso junto, porque é mais do que isso, é amor, Clara. Eu te amo. Já disse isso para os nossos pais e estou repetindo pra você. Olhos marejados, Clara o abraçou emocionada. Depois saiu da rede. Jogou os cabelos pra trás olhando as estrelas. Respirou fundo. Fernando a seguiu. Avançou alguns passos até ela e fez com que se virasse para ele, envolvendo-a num abraço afetuoso. – Ah, Clara, nunca pense que foi fácil ficar longe de você. No início, juro, cada dia parecia um pesadelo. Foi difícil me adaptar a uma nova vida, mas eu sabia que precisava estudar, ter um emprego, minha independência e ficar lá foi minha única opção. Tive outros relacionamentos sim, não vou negar, mas nenhum deles mudou ou apagou o que vivi ao seu lado, o que tivemos, o que ainda temos. – E agora, Fernando? Como vai ser? Vamos nos separar depois do natal? – Não vamos nos separar. Você me segue ou eu fico com você. Mas, por favor, tem algo que eu preciso ouvir. Diga se ainda me ama. – E não sabe? – Não se não me disser. – Ela olhou nos olhos dele PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS e simplesmente falou: – Claro que eu te amo. Eu sempre te amei, Fernando. Feliz ele a abraçou e a rodopiou. Beijaramse apaixonadamente. Então, ele a colocou no chão alguns instantes depois e pediu: – Vem comigo, linda, tenho um presente pra você. – O que é? – Surpresa. Clara o acompanhou até a árvore de natal. Esperou enquanto ele se ajoelhou e procurou um pequeno presente em meio aos outros. Logo ele lhe estendeu uma caixinha vermelha de veludo com um laço marfim. Clara mal pôde acreditar quando duas alianças reluziram sob seus olhos e no interior das mesmas viu seus nomes gravados. Na dela havia um brilhante em forma de coração. – Quando você fez isso? – Ontem, no fim da tarde. Fugi enquanto vocês decoravam a casa. O oureiro da cidade não teve coragem de negar meu pedido e gravou na hora. E então, quer se casar comigo? E não vale um não como resposta. – Quando você decidiu se casar comigo? – Quando te vi pela primeira vez. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ela riu e ele riu junto. Clara então pediu: – Fala sério comigo. Você estava noivo dias atrás. – É sério. E quando voltei pra cá e percebi o quanto ainda te amava, aí sim eu soube que não podia me casar com mais ninguém. – E nossos pais, será que agora vão levar numa boa? – No fundo eles já sabem e não penso que queiram lutar contra o que sentimos. Não mais. Eles também têm seus fantasmas. – É tudo ilógico e ao mesmo tempo tão certo. Parece que nunca nos separamos. – É o que sinto. Sofremos, mas o tempo passou, a gente cresceu, amadureceu, estamos mais fortes. – Isso prova que nunca foi só uma atração. – De certa forma foi sim uma atração. – ela não gostou da resposta e arqueou as sobrancelhas confusa. Ele estava dizendo que o que sentiam não passava de atração? Já ia responder um desaforo, quando ele a abraçou e disse baixinho em seu ouvido – Sua boba. Eu quis dizer que foi uma atração sim, entre nossas almas. – Ah, bom... nisso concordo plenamente. Embora... – Embora? – interrompeu ele. – Você seja minha tentação. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ele inclinou a cabeça pra trás e sorriu. – Você é que me tenta, menina. Desde sempre. Mas de um jeito muito bom. Eles se abraçaram. Então ela sussurrou em seu ouvido: Eu te quero agora... Ele a pegou nos braços e colou a boca na dela. Foram para o sofá, mas ambos queiram mais do que beijos e carinhos e logo subiram para o sótão.
Quando o amanhecer chegou, o sobrado estava em perfeita harmonia. E, naquela manhã, ao acordar nos braços de Fernando e sentir os primeiros raios de sol, Clara teve a noção de que estava tão feliz que podia até tocar o céu, ainda que por um ínfimo e sublime instante.
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PERIGOSAS NACIONAIS para o autor nacional. Conheça também os outros romances da autora:
O meu melhor amigo, 2006; O vale da liberdade, 2007; Sem destino, 2009; Centúrias, 2010; Duas Luas, 2011; Uma nova chance, 2012; Mais que uma escolha, 2016; Um motivo pra sorrir, 2016.
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A Feira Hippie é uma grande feira de arte e artesanato que acontece em Belo Horizonte, na Avenida Afonso Pena, todos os domingos. [2] Bora Bora é uma ilha na Polinésia Francesa. [3] Esmeraldas é um município de Minas Gerais, que fica na Região Metropolitana de Minas Gerais. [4] Sobre isso recomendo o livro infantil O Menino do Dedo
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PERIGOSAS NACIONAIS Verde, de Maurice Druon. [5] A música “Te ver” é composição de Francisco Eduardo Amaral e Samuel Rosa. [6]
Cora Coralina, cujo nome de batismo era Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas (1889-1985), foi uma poetisa e contista brasileira. Além do talento literário, exerceu o ofício de doceira até o fim da vida. Saiba mais em: <https://www.ebiografia.com/cora_coralina/>
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