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Cartas para você Prefácio Quando eu tinha dezenove anos e estava sentada na minha cama como uma alucinada chorando por causa do fim do meu namoro de um ano e meio achando que eu nunca mais conseguiria ser feliz meu pai disse pra mim: “Filha, vai passar. A dor de terminar um namoro é como quando a gente perde alguém. Sofremos por um tempo e depois nos acostumamos”. E eu concordei com meu pai. Porque ele sempre estava certo. Quase três anos depois descobri, do jeito mais difícil, que meu pai se enganou: levar um pé na bunda nem se compara a perder alguém. Lembrando meus dias de trevas por causa do meu ex-namorado idiota – que, diga-se de passagem, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS não me merecia nem um pouco meu sofrimento! – até me sinto ridícula. O dia em que meu pai faleceu, sem dúvida alguma, foi o pior dia dos meus vinte e dois anos e nem depois de sete meses a dor diminuiu. Alguns me dizem que é hora de seguir em frente, outros me dizem que ainda é muito cedo. Passei por tantos estágios de luto que já nem consigo contar, tento enquadrá-los com os números e nomes que os especialistas dão nesses livros de autoajuda e fico perdida. Todo dia meu pai morre de novo e eu passo pela negação, raiva, barganha e depressão. A aceitação ainda não apareceu por aqui. Tenho vontade de virar pra ela e dizer: “Quem sabe você dá uma passadinha aqui em casa? Estou precisando, querida. Não aguento mais essa PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS montanha-russa diária em que me encontro. Pode ser ou tá difícil?”. Minha psicóloga diz que eu tenho que escrever, por isso estou por aqui. Ela diz que ajuda, mas não sinto nada diferente. Fico imaginando se alguém por aí está se sentindo com eu me sinto agora e quem sabe, talvez, eu não me sinta tão sozinha. Sei que minha história não é melhor nem pior que a de ninguém, mas ela é minha. E tanta coisa aconteceu nesses sete meses... Penso que, se você tiver um tempinho, querida Aceitação, irei contar a você. Quem sabe depois de ler este projeto de autobiografia, você mude de ideia e passe aqui em casa.
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Capítulo 1 Querida Aceitação, Depois que eu li As vantagens de ser invisível fiquei com vontade de escrever cartas. Aliás, eu sempre gostei de escrever cartas quando eu era mais nova. Guardo todas que eu recebi até hoje! Não sei bem o porquê, mas esse livro me tocou de um jeito. Acho que é pela empatia que eu senti pelo personagem principal e como me sinto um pouco como ele, embora por motivos diferentes. O fato é: sinto que cartas são chiques, dramáticas e despretensiosas. E eu me sinto assim: embora mais dramática do que chique e despretensiosa. Explicado o motivo da minha escolha, nem um pouco criativa – eu sei, começarei contando um pouco da minha vida de novela mexicana, acredite PERIGOSAS ACHERON
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Aceitação, você vai ver o quanto minha vida é mexicana. Bem emocionante, eu arriscaria dizer. Não que seja algo extraordinário que eu ache que você queira ler, mas o caso é que eu fiz uma promessa pro meu pai: eu que iria escrever a história dele com a minha mãe. E nada melhor do que começar pelo início, ou seja, a história antes de mim. Porque sem ela, convenhamos, eu não estaria aqui e não estaria doendo tanto. Então, vamos lá: Era uma vez um estudante de Engenharia Elétrica e Administração, 21 anos, gordinho, cabelos cacheados, extremamente inteligente e tímido, filho caçula de uma funcionária pública e um professor de matemática e física, irmão de uma interesseira e um destrambelhado (você irá entender mais tarde, querida amiga) e, muito importante, de uma família de classe média alta e católica. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Esse estudante, meu pai, obviamente, trabalhava em um escritório e lá ele conheceu minha mãe: uma secretária de 21 anos, magrinha, cabelos lisos escorridos, extremamente extrovertida e cativante, filha caçula de uma dona de casa e um sapateiro, irmã de uma alma maravilhosa - que hoje se encontra junto com o meu pai no Céu e, muito importante, de uma família humilde e Testemunhas de Jeová. Podemos perceber que essa era uma combinação para o desastre, mas não foi. Porque eu estou aqui e minha irmã mais velha também. Só que foi difícil. Dificuldade número 1: Minha mãe foi demitida porque o dono da empresa era amigo da família e a família do meu pai não aceitava. Dificuldade número 2: Quando finalmente meus avós paternos aceitaram minha mãe e meus PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pais foram casar depois da formatura do meu pai, com 24 anos, (minha irmã já existia então) minha mãe foi expulsa da religião e ninguém foi ao casamento. Minha vó materna (meu avô faleceu quando minha mãe tinha 18 anos) ficou na porta da igreja, mas não entrou. Dificuldade número 3: Meu pai é demitido da empresa e fica desolado (quando meus pais eram noivos ainda, só para esclarecer). Dificuldade número 4: Meu pai consegue um emprego bom de novo e eles casam. Depois de dizer “Eu aceito” e partir para lua de mel, meu pai fica com as mãos e pés inchados e ao voltar para casa ele descobre que está com câncer. Dificuldade número 5: A luta contra o câncer começa. Meu pai tira o baço, faz radioterapia em todos os locais que tem os gânglios linfáticos. Os PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cabelos caem no travesseiro, todo mundo chora... Enfim, o ritual maldito que é essa batalha. Dificuldade número 6: Meu pai entra em remissão. Eles esperam nove anos para ter um filho e eu apareço na história (Finalmente!). Meu pai decidi abrir uma empresa em Florianópolis e quando eu faço um ano nós três sofremos um acidente de carro e eu praticamente quebro meu pescoço. Era pra eu ter ficado tetraplégica ou morrido, então pode-se dizer que meu anjo da guarda é hardcore. Dificuldade número 7: Demora um tempo pra descobrirem o que tem de errado comigo, mas finalmente tudo dá certo e eu volto a andar. E a vida é linda (com contratempos naturais da vida) até o meu pai fazer 40 anos e eu ter 10 anos. Meu pai sofre dois ataques cardíacos e perde praticamente todo o lado esquerdo do coração. Ele PERIGOSAS ACHERON
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quase morre, mas, eu e meu pai temos sete vidas, como ele sempre deixou bem claro. Dificuldade número 8: Após toda a reabilitação cardíaca e a vida segue um fluxo novamente. A empresa do meu pai é pioneira em Santa Catarina, tudo está dando certo... Até uma empresa que não deve ser nomeada sacanear com meu pai (corrupção é uma merda!) e a empresa falir. Dificuldade número 9: Meu pai ainda está debilitado e está pra perder tudo que a gente tem, e em uma atitude desesperada de um pai de família pede ajuda para minha tia. Meu tio tem uma empresa que não vale nada e a família deles mal sobrevive, porque não unir o útil ao agradável? A vida segue mais uma vez, até meu pai ter que fazer outra intervenção e colocar uma ponte de safena e uma mamária, eu tinha 17 anos e recém tinha entrado na universidade. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Dificuldade número 10: Meu tio vira um inferno. Não mostra as contas da empresa pro meu pai e só falta dinheiro e não entendemos o porquê. Meu pai vai convivendo com isso durante anos até que quando eu faço 21 o médico anuncia que meu pai terá que trocar a válvula e é uma cirurgia bem arriscada. Não preciso dizer o que acontece depois né, Aceitação? Acho que você consegue ter uma ideia. Eu não contei nem de longe tudo pelo quê minha família passou, só das coisas que eu passei já dão um livro, quem dirá de nós quatro. Mas, foi só para você ter uma ideia do quão difícil foi para os meus pais conseguirem viver o amor deles e mesmo assim eles nunca desistiram. Meus pais ficaram casados por quase 30 anos e tiveram duas filhas razoáveis, em minha opinião. A nossa vida era linda. Meu pai amava minha mãe de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS um jeito que filme de amor nenhum já conseguiu mostrar e minha mãe era tão dedicada para meu pai que era de dar inveja em qualquer pessoa. Eles são meu casal favorito e de muita gente que eu conheço. E uma simples carta é pouco para eu expressar a imensidão desse amor. Então, para não correr o risco de eu não fazer jus ao que realmente foi o casamento dos meus pais, porque isso, na verdade, só eles sabem. Eu termino essa carta dizendo que você nunca verá um amor mais puro e sincero, nunca verá opostos tão complementares, nunca verá uma amizade mais companheira e uma relação mais honesta. Meu pai e uma mãe tiveram um amor que muita gente nem vai chegar a conhecer, um amor que transcende passado, presente ou futuro por mais clichê que isso possa parecer. Meus pais juntos foram únicos e eu só rezo a Deus para PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS conhecer alguém que um dia me complete assim também.
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Capítulo 2 Querida Aceitação, Apesar de estar um sol de rachar lá fora, o mundo está cinza. Assim como no dia em que meu pai foi enterrado. Me lembro perfeitamente como o dia foi frio, cinzento e melancólico. Apenas quando meu pai foi efetivamente enterrado as nuvens se abriram no céu e um raio único de sol apareceu, como que dando boas vindas ao meu pai. Obviamente, eu sempre soube que ele seria bem recebido no céu. Meu pai era, de fato, um anjo. Ao escrever essa carta penso no quanto a minha letra é feia e como eu não sei escrever em linha reta. Duas coisas que meu pai sempre reclamou e chegou até a me comprar um caderno de caligrafia! Dignidade zero para mim – porque eu já era velha. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Hoje eu combinei de tomar um café com uma amiga e ao tentar escolher meu look do dia eu só consegui pensar no quanto é difícil me arrumar sem meu pai aqui. A única opinião que eu confio é a dele. Minha irmã reclama demais e minha mãe reclama de menos. O senso de moda dele era o que eu mais confiava. Não que eu não saiba me arrumar, mas ele me ajudava no toque final, na personalidade da minha roupa. O pior de tudo, entretanto, não é o toque final. O meu terror são as camisas. Eu tenho uma paixão por usas camisas desde que eu estagiei no banco. Só que eu não sei dobrar os punhos da minha camisa, ele fazia isso pra mim. Minha mãe não dobra como eu quero e minha irmã tenta me ensinar a dobrar, o que se você quer saber, me irrita profundamente porque eu nunca consigo e ela simplesmente podia dobrar pra mim! Ou não? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Você não pode simplesmente deixar de aparecer aqui porque me recuso a dobrar meus punhos sozinha, não é mesmo, Aceitação? Não me venha com a mesma ladainha da minha psicóloga dizendo que isso faz parte do processo: fazer as coisas diferentes do que você costumava fazer com seu pai. Eu não quero fazer as coisas de um jeito diferente, eu só quero voltar a me sentir como antes. Já me sinto diferente o bastante. Essa sensação de que nada mais vai ser como antes me corrói por dentro e eu nem consigo chorar de tão alucinada que eu estou. Penso novamente em minha caligrafia e falta de coordenação motora. Meu pai ficava mal humorado ao corrigir meus exercícios com letras e números bizarros e minhas tentativas patéticas de cortar o pão de trigo em rodelas. Dependendo do nível de PERIGOSAS ACHERON
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mal humor, ou ele dizia que eu tinha que aprender a cortar sozinha ou cortava para mim. Às vezes eu acho que meu pai sempre ficou dividido entre me prender e me largar pro mundo. Mas, na maioria das vezes ele cortava o pão, passava a manteiga e colocava pra derreter e outras vezes até inventava umas firulas a mais. É ridículo como um simples pão consegue me deixar deprimida. Não gosto de me sentir assim, é como se meus dias fossem passando sem eu nem perceber. E isso me incomoda. Tudo passa cinzento e sem graça. Às vezes eu melhoro, mas aí algo ou alguém me coloca para baixo e eu nem sei explicar direito o porquê. Como vai ser meu aniversário? Nós sempre comemoramos juntos porque só tem um dia de diferença. Eu adorava aniversários, e agora...
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PERIGOSAS NACIONAIS Às vezes não parece verdade que ele morreu. É algo surreal. Me pergunto como as pessoas conseguem passar por isso sem surtar ou se perder no meio do caminho. Penso em um cara que eu fiquei – alguém que ainda é muito especial para mim, que perdeu a mãe. Ela cometeu suicídio, na verdade. Como ele conseguiu ser essa pessoa que ele é hoje? Vejo uma certa tristeza nos olhos dele, mas ele é uma boa companhia. E eu, definitivamente, não me sinto uma boa companhia. Gostaria de saber como ele fez, mas não tenho coragem de perguntar porque sei como dói! É como se eu ainda pudesse sentir a parede do hospital contra as minhas costas enquanto eu deslizava por ela no corredor. Quando o médico nos contou primeiro eu gritei, surtei, parei de respirar e depois saí correndo. Também consigo lembrar do último beijo que eu dei em meu pai, foi PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS na testa porque ele já tinha feito a assepsia para a cirurgia. Ele me olhou meio sonolento e sorriu. Aquele sorriso de hospital que eu já conhecia desde os meus 10 anos. Um sorriso fraco por causa dos efeitos dos remédios mas com aquele olhar que ele tinha. “Ah, o olhar daquele homem, Meu Deus! Ele tinha um olhar né, Georgia?” foi o que minha cabeleireira Mari me disse quando nos encontramos depois do acontecido. Meu pai tinha um olhar. Meu pai tinha um carisma. Meu pai tinha um jeito de falar, de se postar que eu nunca vi em nenhum político na minha vida. E não era pelo fato de ser meu pai. Ele podia ser qualquer homem no mundo, mas ele continuava sendo o cara. Não tinha como ele entrar em um lugar e passar despercebido.
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PERIGOSAS NACIONAIS Quem diria: meu pai, o cara tímido - que se não fosse minha mãe tomar a iniciativa eu não teria existido, era um homem de presença. Quando eu exaltava as qualidades dele, meu pai só ria. Me olhava com aquele olhar divertido e dizia: “Meu pai, meu herói, né filha?” E eu concordava. Porque ele era. Mas, era mais que isso. E então, eu acrescentava: “Pai, se tu acreditasse em ti só metade do que eu acredito, acho que tu iria dominar o mundo.”. E ele iria mesmo. “Filha, tu é bem melhor que o pai.” Ele preferiu me ensinar os truques e me dar o mundo. Mas será que eu consigo conquistar esse mundo sozinha? Sem o meu pai, meu coaching , meu melhor amigo? Hoje, com certeza, é um dia cinzento. PERIGOSAS ACHERON
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Capítulo 3 Querida Aceitação, Se antes eu estava tão chocada que não conseguia chorar. Hoje eu estou tão gelatina que acho que vou me desmanchar sentada no chão do meu quarto. Minha ansiedade está no teto, já. E se eu pudesse comia umas três barras de chocolates seguidas uma da outra. Mas tenho consciência de que 1) eu iria passar tão mal que provavelmente vomitaria por um mês e; 2) meu personal trainer, o Rafa, iria me trucidar. Eu sofro de ansiedade. Meu pai entendia essa comigo minha condição, foi ele me me incentivou a procurar uma psicóloga. Mas, às vezes, até ele perdia a cabeça comigo. Quando a gente brigava... PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Minha mãe até fechava a porta do quarto e deixava os dois loucos gritando na sala. Estudar juntos era uma luta. Ele dizia que eu era teimosa e não conseguia olhar pros lados. Tinha que ser do meu jeito e pronto. E então a gente gritava. E gritava mais um pouco para então fazer as pazes. Nunca demorava muito. A família sempre dizia que nós dois éramos um grude. Mesmo quando meu pai perdia a cabeça com a minha ansiedade, mesmo quando ele gritava que eu queria matá-lo. Mesmo assim tudo sempre acabava bem. Ele sempre me defendeu do mundo, dos meus professores, da minha mãe, da minha irmã, de mim mesma. Eu não sei existir em um mundo em que meu pai não existe. Não é real. A cena do hospital sempre volta na minha mente e eu tento refrear. Eu não quero sentir. É PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS como um filme ruim passando e passando... E então eu estou no avião escutando a mesma música durante todo o trajeto porque apertei o botão do repeat e não tenho condições de ajeitar. E então acordo em uma cama que não é minha, em Porto Alegre. E então o enterro acontece. E então eu estou de volta no chão do meu quarto olhando para o nada e torcendo para que nada disso seja real. Foi ser real só depois desse um mês, quando o trabalho voltou, a faculdade voltou, enfim, a vida voltou a acontecer e as pessoas pararam de vir aqui em casa todos os dias, seguindo o rumo. As pessoas seguiram, como tem que ser... só que eu não. Eu não tenho para quem ligar e contar como foi meu dia, reclamar do chefe ou pedir uma ajuda em Macroeconomia. Eu não tenho porque ninguém é meu pai, ninguém chega nem perto do que ele era e isso me dá raiva. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu me ressinto de todo mundo que não é ele, de todo mundo que não me trata como ele e prevejo que nunca mais vou ser feliz. Terei alguns momentos que esquecerei de tudo, mas serão raros. Eu nunca mais saberei o que é ter a felicidade plena e essa é a mais pura e dolorosa verdade. Eu nunca mais vou ser a mesma pessoa. Até porque depois do meu namoro com o cara ridículo que não deve ser nomeado (tipo o Voldemort , só que pior) eu nunca voltei cem por cento a ser quem eu era. Eu me sinto escapando por entre meus dedos logo quando eu recém estava me reencontrando. Eu me perco de novo e agora não tem meu pai pra acertar meu prumo. Meu pai era uma parte de mim. Quando ele morreu, um pedaço de mim foi junto, arrancado às pressas, sem aviso. Uma parte de mim morreu também. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS As viagens em família, a espontaneidade, a criatividade, as festas... Acabaram. Minha mãe e minha irmã continuam. Elas acham que eu me entreguei. Eu não me entreguei. Eu fui entregue. Deus me entregou, me deixou à mercê da vida. E me pergunto, porque me abandonaste? Frase da Bíblia que meu pai sempre achou tão angustiante, intrigante e interessante. Porque no momento que eu mais precisei que Deus escutasse minhas preces Ele preferiu ignorá-las? Minha mãe fica brava porque estou desacreditada e acha que eu devo fazer as pazes com a minha fé. Mas eu pergunto novamente: porque me abandonaste?
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Capítulo 4 Querida Aceitação, Eu tenho quase certeza de que não me conheço mais. Não sei explicar... Não sei se eu vivo com uma imagem de mim como eu era, de como os outros me vêem. As expectativas são tantas, principalmente vindas de mim, e eu não sei o que fazer. Eu que sempre sou tão cheia de palavras não sei explicar porque eu to me sentindo assim, tão desconectada de mim. Não consigo controlar a negatividade dentro de mim, não consigo encontrar respostas. Será que com meu pai se foi o meu rumo e eu nunca mais vou ser capaz de encontrar as respostas sozinha? Minha psicóloga diz que a minha ansiedade faz com que eu perca a noção e diz que eu nunca fui sombra do meu pai. E mesmo assim, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS parece que sozinha eu não consigo. Algo me prende, algo me controla, me estremece e me vira do avesso até eu não ser mais capaz de nada. Quando eu vou encontrar algo que me motive? Quando eu vou ser capaz de ME motivas de novo? Eu queria ser capaz de sustentar minha família, queria que nós não tivéssemos essas preocupações. Não consigo arranjar uma explicação espiritual para todo esse sofrimento na minha vida e isso me deixa frustrada e desacreditada em Deus. Me sinto triste por perder minha fé porque meu pai tinha de sobra, mas como ter fé quando tudo está do avesso? Nada ficou no lugar e eu tenho vontade de me encolher na minha cama e ali ficar. Eu gostaria de estar me divertindo, vivendo um pouco sem essas preocupações. Sem me preocupar PERIGOSAS ACHERON
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com a possível solidão da minha mãe, as brigas fenomenais da minha irmã com a minha mãe, a situação financeira, a empresa, meu tio louco que não aparece na empresa, não nos diz nada... Só que como meu pai sempre disse: “Fazer sempre a mesma coisa e achar que algo vai mudar é burrice.” Eu estou sendo burra ao ficar vegetando na minha cama e pensando no que eu gostaria de mudar porque só pensar não vai me adiantar de nada. E, sinceramente, acho que está na hora de tomar consciência de que minha vida nunca vai ser simples por causa das malditas dívidas que a gente tem e sempre terá porque elas são impagáveis. Fico navegando pelos facebooks alheios e invejo pessoas que nem conheço porque elas parecem ter uma vida tão melhor que a minha. Para começar, invejo qualquer um que tenha fotos com
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seu pai. O dia dos pais está chegando e me sinto mal. Minha psicóloga diz que não é saudável eu ficar bisbilhotando pessoas aleatórias porque “tudo é lindo online”. E racionalmente eu sei disso. Mas, emocionalmente, eu não sei. Emocionalmente eu estou um caco. Não consigo achar uma saída para mim. Eu sinto que cada vez vou afundar mais, emburrecer mais e me sentir mais sozinha. Nada expressa melhor o que estou sentindo além da tão famosa frase de Clarice Lispector nas minhas aulas de português do ensino médio, parafraseando: “Em que, maldito espelho, ficou perdida a minha face?”. Não sei mais quem eu sou, não reconheço essa pessoa que estou sendo e queria achar um caminho. PERIGOSAS ACHERON
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Capítulo 5 Querida Aceitação, É incrível que nada está tão ruim que não possa piorar, não é mesmo? Ultimamente meu copo sempre anda meio vazio. Meu pai sempre disse que eu sou meio pessimista, mas nesses dias eu tenho me superado. Até eu me espanto comigo mesma (e sim, eu até tenho direito a fazer um pleonasmo). O caso é que hoje, com certeza, não é um dia fácil pra mim. Gostaria de ter aqui comigo o meu companheiro de conversas sobre Harry Potter, o meu melhor amigo para xingar meus exnamorados, o meu pai. Não existe palavras pra expressar o quanto ele me faz falta, o quanto ele
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PERIGOSAS NACIONAIS significa pra mim, o quanto eu gostaria de ter ele aqui comigo, em corpo. Tento me consolar com o fato de que mesmo não o vendo ou ouvindo, ele está aqui comigo. Mas acho que não existe consolo que me faça sofrer menos. Agradeço por meus amigos não me dizerem “Eu sei como você se sente”, “Já passei por algo parecido” porque isso me deixaria louca. Não, vocês não entendem. E, não, vocês não passar por nada que se compare algo que eu estou sentindo. Primeiro: porque a dor é minha. Segundo: porque de todos os meus amigos, nenhum pai foi como o meu. Nenhum pai vestiu de verdade a camisa como o meu. Terceiro: nenhum deles teve o meu pai. Acho que nem minha irmã consegue me entender, porque cada uma sente de um jeito. E ele PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS não foi para ela o pai que ele foi para mim, porque ele foi o que cada uma precisava que ele fosse. Então, nada mais justo do que cada uma sentir falta do que ele era. Estou pensando, Aceitação, pensando mesmo. E começo a achar que você não existe. Sei que você pode retrucar e dizer que faz pouco tempo, pouco mais de um mês. Mas mesmo assim: eu sinto que você não existe. As pessoas me dizem que vou me acostumar com a dor, então me viro para você e pergunto: “Aceitar e se acostumar é a mesma coisa?”. Eu respondo por você: não, não é. Eu posso chegar a me acostumar algum dia com a dor, mas isso não quer dizer que eu vou aceitar. Ainda mais porque meu pai sempre disse que sou teimosa. Dessa vez não acho que vá ser diferente. Posso até ouvir ele falando: “Filha, vai passar.” Mas, não vai, Aceitação. Ah, não vai. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Fico me perguntando se você gosta de me ver sofrer? Porque não tem outra explicação plausível. Lembre-se que eu sou quase uma economista e pra mim as coisas são preto no branco (embora Economia não seja uma ciência exata, eu sou uma pessoa extremamente exata). Se você é real, porque demora tanto tempo pra vir? Já deveria estar aqui faz tempo, criatura! Você deveria estar aqui antes de chegar esse dia. Antes de chegar esse dia em que comemoramos o prazer de ter um pai pra chamar de seu e eu não tenho ninguém pra comemorar comigo. A única coisa que posso fazer é uma singela homenagem ao meu pai no mural do meu facebook (não tem nada mais frustrante que isso!): “Feliz dia dos pais para o melhor pai do mundo, e uma das pessoas mais inteligentes e maravilhosas que já PERIGOSAS ACHERON
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existiu e ainda existe, muito forte, no meu coração. Te amo para sempre!”. E nada nunca mais vai ser como antes. Me diz que isso é só um sonho ruim e eu vou acordar?
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Capítulo 6 Queria Aceitação, Estou quebrada. É a única resposta que eu encontro para explicar o que estou sentindo. Nada me motiva, nada me fortalece. E eu deveria ser o pilar da casa. A única coisa que eu ainda faço é ir à academia, mas sempre acabo descontando minhas frustrações na comida. Não tanto quanto antes, mas já engordei três quilos e isso me deprime. O que não me deprime hoje em dia, afinal? O Rafa me diz que é normal eu engordar devido as coisas que eu estou passando e isso me acalma um pouco. Ele só diz pra eu não descuidar da minha saúde, tenho que continuar correndo e fazendo dança. É bom poder reclamar com ele, porque não consigo conversar com a minha mãe e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS me sinto chata reclamando o tempo todo para a Bela e a Ju, minhas melhores amigas. Não sei o que eu fiz, o que a minha família fez para merecer isso. Só posso ter jogado ping pong na mesa da Santa Ceia e grudado chiclete na cruz, como diria a Bela. Não tem outra explicação! Não basta meu pai ter morrido, não basta o Cristiano ter cortado relações comigo porque meu pai faleceu e ele “não podia lidar com isso” (depois eu volto nisso, querida Aceitação, tenho a leve impressão de que você irá gostar dessa história), meu tio ainda por cima tinha que nos dar o bote! E agora, três meses depois que meu pai faleceu, minha mãe não tem emprego, eu saí do banco e minha irmã tem um emprego que não dá para sustentar nós três. E eu me sinto responsável. Eu queria passar em um concurso e poder sustentar nós três, assim não teríamos que nos preocupar... PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Minha tia, meus primos... Todos eles acham que tudo está lindo. Como eles conseguem dormir à noite sabendo que meu tio nos deixou com uma mãe na frente e outra atrás? Como? Depois de tudo que meu pai fez por eles, deu um padrão de vida que eles nunca sonhariam em ter! Meu pai deu o sangue pela empresa e meu tio se aproveitou da bondade dele. Sinto uma raiva crescer dentro de mim porque estaríamos com a vida tranquila agora, meu pai era tão talentoso! Cativava os clientes, dava inveja aos concorrentes e sabia ganhar dinheiro. Meu tio não tinha direito de fazer o que fez. Aquele sem vergonha se fez de bonzinho, deu a empresa pro meu pai, disse que não tinha problema. Mas nunca quis fazer um contrato de gaveta! E meu pai, fragilizado, deixou. Afinal, ele precisa nos
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sustentar e não podia colocar o nome dele em uma empresa nova. Isso me corrói por dentro. Sinto um ódio tão grande, tão grande... Eu nunca faria isso com eles. Como eles podem fazer isso comigo? Tudo que tem dentro daquela empresa, todos os carros, clientes e obras são nossos, não deles. Porque Deus nos faz passar por essa provação? Porque ele deixa aquele homem que se diz meu tio ficar com tudo o que a gente tem, falar mal da minha mãe para todos os clientes? Eu sempre tive razão. Meu tio vem nos roubando há anos e sempre dizia pro meu pai que estava faltando dinheiro! A gente podia ter uma vida bem confortável agora se não fosse as mentiras daquele canalha. E agora nós três começamos do zero de novo. Eu abri uma empresa nova e vamos reaver tudo que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS é nosso, ou não me chamo Georgia Castro. Sei que vai ser difícil, vai ser apertado e eu ainda vou chorar muito por tudo que aquela família me fez, mas eu vou conseguir. Minha mãe vai conseguir. Minha mãe é a mulher mais forte que eu conheço no mundo inteiro. Ela é uma guerreira, luta com unhas e dentes. Me entristece ver ela ter que passar por isso tudo sendo que acabou de perder o marido. Mas ela está lá, firme e forte, conseguindo os clientes de volta, um por um. Tenho pena da minha avó também, mãe do meu pai, que tem que ver isso acontecer no fim da vida dela. Mas, fazer o que? A filha dela, esposa desse meu tio ridículo, nunca passou de uma interesseira e sanguessuga. Ela está lá acampada na casa da minha avó em Porto Alegre só se certificando que não estamos recebendo dinheiro nenhum. Claro, sobraria menos pra ela, não é? Tenho nojo de todos PERIGOSAS ACHERON
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eles que ficam igual a urubus em cima da carne seca, no caso, minha avó. Então me diz, Aceitação, como você quer me eu me sinta com tudo isso acontecendo? Como você espera que eu reaja? Porque tenho que ser bombardeada de problemas e responsabilidades? Eu não consigo ter 21 anos, não tenho tempo. Todo esse peso de dívidas da empresa antiga (obrigada governo querido e amado!), o inventário (obrigada advogadas mais queridos e amados ainda!), a criação de uma nova empresa (obrigada família cretina!) e a morte do meu pai (obrigada Deus!) você espera que eu simplesmente convide você pra entrar na minha casa, Aceitação? Espera que eu abaixe a cabeça e diga: vem, querida, estou te esperando de braços abertos! Pois eu digo que não. Acho que não quero mais você aqui.
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PERIGOSAS NACIONAIS Estou com muita raiva, Aceitação. Raiva de você, raiva de Deus, raiva da minha família que roubou o trabalho de toda uma vida. Espero que meu pai não esteja vendo isso tudo lá de cima. Às vezes, penso que ele morreu exatamente para não ter esse desgosto. Acho que meu tio estava se preparando para fazer isso tão logo meu pai fizesse a cirurgia. Sei que meu pai deveria ter insistido em um contrato de gaveta. Ou melhor, sei que meu pai nunca deveria ter aceitado a empresa do meu tio, porque ele nunca bateu bem da cabeça, mas consigo entender que meu pai estava desesperado e tinha uma família para cuidar. A culpa não foi dele que a outra empresa faliu, foi uma série de infortúnios que culminaram nesse ponto. Em resumo, a falência da empresa foi um efeito colateral da corrupção. O governo não quis ouvir PERIGOSAS ACHERON
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nossa história. Ou melhor, ele ouviu, mas quem ganha é quem molha a mão do juiz, certo? Certíssimo. Estou cansada dessa sociedade sem excrúpulos, dessa pessoas mal intencionadas como meu tio, dessas pessoas inteiresseiras como minha tia e das pessoas que preferem se omitir a fazer coisa certa, como todo o resto dos meus primos e tios por parte de pai. Quando eu, minha mãe e minha irmã vamos ser recompensadas pela nossa honestidade, pelo nosso trabalho? Não consigo compreender porque são sempre as pessoas boas que sofrem tanto, que morrem mais cedo, que são injustiçadas. Queria entender porque as pessoas que supostamente deveriam de dar a mão ao invés disso te viram a cara. Alguém me explica? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Mas é como sempre dizem: é o dinheiro que revela a verdadeira essência das pessoas. E a essência dessa até então chamada família se revelou ainda pior do que eu imaginava. Por isso eu digo, não me procurem nunca mais, porque a conversa agora é com o meu advogado.
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Capítulo 7 Querida Aceitação, “Só tinha te visto de longe na faculdade, até agora. Você é muito linda e o pessoal da minha turma te adora”. E assim começou a minha tarde. O Daniel me deixou esse inbox no facebook, assim, do nada. O mais estranho? Eu me senti bem com isso. Acho que isso se deve pelo simples fato de ter alguma novidade na minha vida, nem que seja um elogio de um colega de sala completamente aleatório. Eu nunca falei muito com o Daniel, mas como agora estou terminando a faculdade com uma turma abaixo da minha, comecei a conversar um pouco mais com ele, nada demais.
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PERIGOSAS NACIONAIS Gosto dessa turma. Embora eles sejam um pouco alternativos demais para mim, são muito inteligentes e simpáticos. Achei que eu ficaria isolada e não teria com quem conversar, mas não, consigo interargir. Ainda sinto falta de ter realmente um amigo na turma, o que eu não tenho, mas é melhor que nada. Tem dias que eu não tenho muita vontade de falar e passo quase a manhã inteira de boca fechada. E então, quando chego em casa, passo a tarde inteira dormindo. Logo, fico quase o dia inteiro sem falar. O que realmente me salva é o facebook. Acho meio patético a minha vida estar se resumindo às minhas atividades virtuais, mas acho que, no momento, é tudo com o que eu consigo lidar.
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PERIGOSAS NACIONAIS Acho incrível que alguém ainda consiga me achar linda e que tenham pessoas que “me adoram” me conhecendo nesta atual conjuntura da minha vida. Me dá uma sensação de que nem tudo está perdido e eu ainda posso juntar meus pedaços, por mais que vários obstáculos tentem me provar o contrário. Será que é possível mesmo?
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Capítulo 8 Querida Aceitação, Hoje minha irmã dormiu aqui em casa. Sinto muito falta dela agora que as férias do trabalho dela acabaram e eu não estou trabalhando. Minha irmã vem sendo uma incrível surpresa pra mim. Obviamente, eu sabia que ela estaria do meu lado. Eu só não estava esperando me sentir tão melhor quando ela está comigo. É uma sensação estranha e reconfortante. Nós nunca fomos muito próximas. Ou melhor, sempre conversamos e saímos juntas, mas eu nunca me abri completamente com ela. Ultimamente temos conversado sobre tudo, principalmente sobre a falta que meu pai faz. A Ju me falou que eu tinha que ver o lado positivo das coisas e que talvez meu pai tivesse PERIGOSAS ACHERON
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morrido porque nós três – eu, minha mãe e minha irmã – precisávamos criar um laço entre nós, uma relação mesmo. Meu pai sempre foi o elo entre todos nós e agora ele não está mais aqui. Deito na minha cama e me reviro mais do que o normal por entre as cobertas. Como vou conseguir superar esta saudade que me transborda? Como as outras pessoas conseguem? Muita gente morre, o tempo todo. Muita gente está olhando pro lado vazio da cama, pra mesa do café que só está servida pra três – quando antes eram quatro, muita gente está sofrendo assim como eu, minha mãe e minha irmã. Todo dia entro no quarto onde a minha mãe agora dorme sozinha vejo os bonés do meu pai em cima da cômoda. Sinto como se a qualquer meu pai fosse entrar e pegar um boné, dizendo: PERIGOSAS ACHERON
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“Vou ali na padaria e já volto.” Ou quem sabe: “Filha, vou ali na locadora, quer ir com o pai?”. Eu sempre queria. Eu ainda quero. Sinceramente, não me importa que diversas pessoas ao redor do mundo estejam sentindo exatamente a mesma coisa que eu, não me importa se exista outra “filhinha mimosa do papai” que esteja se sentindo exatamente como eu: um trapo. Tudo o que me importa é que eu queria ir à locadora com o meu pai. E não paro de pensar que sempre terei essa sensação daqui pra frente. Durante todos os anos da minha existência. Minha vida toda, a partir do momento em que meu pai morreu, eu vou ter que viver sem ele. E levando em conta a minha saúde, isso vai ser muito tempo. Essa realidade me invade de supetão e sinto uma onda de pânico atravessar todo o meu corpo. A PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mesma onda que me invadiu aquele dia no hospital. Minha respiração fica descontrolada e tenho uma vontade imensa de chorar. Minha alma foi rasgada ao meio e hoje sou apenas uma metade. A outra metade se foi com o meu pai. Eu nunca mais vou ter essa metade roubada de volta. E agora eu vejo isso. A metade que me falta vai ter que se construída passo a passo, com novas memórias, novas pessoas, novos sentimentos. Minha mãe e minha irmã fazem parte dessa nova metade. E essa minha nova metade terá que aprender a tomar decisões sozinhas, elogiar a si mesma e tentar aceitar que algumas coisas da vida não tem explicação. Eu não sou burra, Aceitação. Eu sei de tudo isso. Eu sempre sei o que eu tenho que fazer. Mas o que é que a gente faz quando não consegue fazer o que deve ser feito? Me diz! PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Como minha psicóloga mesma diz, eu tenho uma consciência muito grande dos meus sentimentos. Minha fisioterapeuta dizia que eu tenho uma conciscência corporal muito boa. Meus professores diziam que eu tinha muita consciênia por si só. Meus amigos, vizinhos... Eu sempre sei o que fazer. Eu sempre faço o que eu devo fazer. Só que dessa vez eu não consigo e não quero fazer, o que é mais importante. Eu não quero viver em uma realidade onde a sensação de ausência preencha todos os meus dias. Eu não quero a ausência de um pai que foi tudo na minha vida, menos ausente. Não é justo comigo. Não é justo com ele. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Porque meu tio ganha a chance de viver até não sei quando sendo uma pessoa tão mau caráter e meu pai que foi uma alma tão boa precisa morrer? Parafraseando Renato Russo, é estranho para caramba, os bons morrem antes. Num mundo criado por Deus, isso não faz sentido algum. Ou faz?
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Capítulo 9 Querida Aceitação, Quando eu tiver uma filha (se Deus quiser eu vou conseguir encontrar um homem decente) eu queria poder dizer para ela que o mundo é cor de rosa e quando o céu está cinza chove glitter . Queria poder dizer que ela é uma princesa e todos que ela ama vão ser felizes para sempre. Mas isso não vai acontecer. Eu era uma princesa. Meu pai fazia tudo por mim. Tudo. Minha mãe também faz, mas ela tem um defeito que nunca poderá ser corrigido: ela não é o meu pai. Nunca vai ser. Ninguém vai. E sinceramente, eu já estou enjoada de mim mesma. Como diria meu pai, parece que eu travei o disco. Acho que se ele estivesse lendo minhas PERIGOSAS ACHERON
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cartas agora ele ficaria extremamente entediado de tão repetitiva que eu estou. Estou dando pulos de alegria por ter atrasado um semestre e não me formar com a minha turma. Essa turma não me conhece direito, não sabe o quanto eu sou artista e posso dar um sorriso maravilhoso e estar estilhaçada por dentro. Nessa turma eu sou só Georgia Castro, aluna de Economia da última fase. Nessa turma eu posso ser a garota solteira que está flertando (eu gosto dessa palavra e daí?) com o colega do lado e está até sorrindo. Minha cara Aceitação, você não tem ideia do quanto eu me sinto ridícula com o fato da única alegria do meu dia ser trocar algumas palavras com meu colega do lado, o Daniel, aquele que “me acha linda”. É a única coisa diferente que me acontece. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ele tem uma moto, tatuagens pelo corpo e tem uma família problemática. Resumindo: não tem nada a ver comigo e não é o meu futuro marido. Mas eu me divirto. Eu não quero mais me sentir como a garota que perdeu o pai. Será que esse é o meu resumo de vida a partir de agora? Será que eu nunca vou conseguir me libertar? Não estou com vontade de escrever hoje. Não tenho muitas palavras em mim. Eu só quero deitar e vegetar na frente da televisão. Aparentemente, é o que eu faço de melhor nos dias de hoje.
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Capítulo 10 Querida Aceitação, Como você sabe, eu atrasei meio semestre e não estou mais na minha turma. Estou nessa turma nova com um cara que eu sempre achei curioso, o Daniel, mas ele sempre tinha namorada. Agora ele não tem mais. Agora ele está conversando comigo. Agora ele me acha bonita e interessante. E agora eu não sou mais eu. Eu não sei quem eu sou. Estou em um curso de Fluxo de Caixa Gerencial – tentar fingir que a vida continua acontecendo lá fora, e estou falando com ele. “O que você vai fazer hoje?” ele me pergunta pelo chat do facebook. “Estou em um curso, porquê?” e eu sinto que aí vem uma resposta da qual eu vou gostar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS “Eu ia te chamar para sair comigo.” BINGO! Ele me convida pra sair e mesmo eu passando por uma crise existencial e sentindo todos os músculos do meu corpo doerem, eu quero aceitar. Eu quero aceitar porque eu quero parar de sentir. Eu quero aceitar porque eu quero ser normal de novo. E eu aceito porque eu não quero que seja real nada do que se passa dentro de mim. Eu quero esquecer que fui esquecida pelo último cara que me envolvi (e que eu achava que ia dar em alguma coisa por mais que todo mundo me dissesse que ele não valia nada). Eu quero esquecer que nunca vou esquecer todas as lembranças do meu pai. Eu quero só esquecer, nem que seja com um colega aleatório da minha nova sala, que não tem nada a ver comigo e provavelmente não vai querer nada demais comigo.
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PERIGOSAS NACIONAIS Não importa, porque eu também não quero nada demais com ninguém. Eu não tenho condições de “demais” agora. Não sei nem quando vou voltar a ter. Será que vou? Minha psicóloga diz que sim, mas tenho minhas dúvidas. Eu não posso sair com ele hoje, mas quero sair com ele logo.
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Capítulo 11 Querida Aceitação, O Daniel não pára de me convidar para sair nessas duas últimas semanas, mas eu nunca podia por causa dos dois cursos que eu estava fazendo. Achei ele meio insistente demais, não que eu tenha me preocupado com isso. Mas é, no mínimo, estranho. Você não acha? Quem quer sair com a guria que acabou de perder o pai? Ninguém em sã consciência! Só que eu já percebi que ele é meio problemático... Novidade né? Depois daquele que não deve ser nomeado eu venho aperfeiçoando meu imã para atrair problemáticos! Enfim, a história da vida dele é a seguinte: o pai dele e a mãe dele são duas crianças que só brigam entre si e brincam de namorar de vez em PERIGOSAS ACHERON
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quando, a mãe dele é meio louca, ele não se dá bem com a mãe dele e algo na vibe dele me diz que tem mais problemas no meio de tudo isso. Mesmo assim, como eu estou querendo esquecer um pouco dos meus problemas, nem que seja para escutar o dos outros, quando ontem ele disse: “vamos sair mais tarde, depois que você estudar?”, eu disse que sim. Não tenho mais curso para preencher minha cabeça, preciso de alguma outra coisa: ele. E eu saí. Ficamos andando de carro por aí afora, conversando sobre várias coisas. Eu gosto de conversar com ele. O Daniel tem várias opiniões sobre tudo e assiste algumas séries que eu também assisto. Logo, temos assunto. Gosto de ouvir o sotaque dele e gostei quando ele pegou na minha mão enquanto dirigia. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Não sei dizer porquê, mas tem algo nesse gesto que me atrai. Sei que ele só estava tentando me seduzir, mas não me importo. Finalmente, ele parou o carro de frente à beiramar e ficamos conversando mais um pouco. Foi ótimo! Pela primeira vez eu me lembrei de como eu era antes, de relance, mas eu lembrei. Lembrei de como eu me sentia autoconfiante e interessante e que eu realmente sou um bom partido. Só que ele já deixou claro que não quer nada comigo. “Você é uma garota legal, mas eu não quero namorar.” Costumo ouvir muito disso, aliás. Quem disse que eu queria namorar com ele? Acho muito pretensioso da parte dele achar isso. “Querido, eu acabei de perder o meu pai. Estou no último semestre da minha faculdade, tentando tocar uma empresa, achar um emprego que me estimule e voltar a ser eu mesma. Você acha PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mesmo que eu tenho tempo para pensar em namorar com você?”. Sério, às vezes esses caras que se acham “você não conseguirá não se apaixonar por mim” me tiram do sério. Vocês não são o centro do universo! Ele não é nada do que eu sonhei pra mim. Nada do que eu quero. Mas eu não estou no meu momento normal. E como eu não me sinto eu, eu quis ficar com ele. Quando ele me olhou algo se mexeu dentro de mim, como se uma luz acendesse. Eu que ando tão apagada pude sentir um pontinho de iluminação dentro de mim, bem de leve, mas senti. Não sei explicar exatamente como aconteceu, mas quando vi estávamos nos beijando. E foi como se nada tivesse mudado em mim nesses últimos meses. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ele me abraçou, passou as mãos nos meus cabelos e disse todas aquelas coisas que a gente gosta de ouvir mesmo sabendo que é só conversa fiada. Sinceramente, eu não me importei. Gostei de sentir os braços dele em volta de mim e aquele olhar que diz “nossa, quero muito te beijar agora”. Algo me puxa em direção a ele. Gosto quando ele senta perto de mim na aula, mesmo que a gente nem fale nada. Mas gosto principalmente quando conversamos. Não sei explicar o que é que acontece dentro de mim, mas não é nem que eu goste dele. Eu gosto do que ele representa: uma fuga. O sorriso dele me promete um universo de coisas que eu não quero nem em sonho, não sou esse tipo de guria. Mas, mesmo assim, eu queria ser. Queria esquecer de tudo e só me perder naqueles braços por uma noite, ou duas... E PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS esquecer da existência dele no dia seguinte. Mas não sei fazer isso. Quero ligar para ele, mas algo me prende. O Rafa diz que eu devo ligar, mas eu não ligo. Quando eu pensei que tinha achado o cara pra mim, meu pai faleceu... E acabou que o cara achou que por isso eu não era a guria pra ele. Claro que não foi só por isso, eu sei. Mas foi tudo ao mesmo tempo, como geralmente costuma ser na minha vida. E quando eu achei que iria ficar assim, à devira, me sentindo feia e indesejada aparece essa luz no fim do túnel. Alguém que me acha linda e interessante, embora eu me ache deprimente e louca. Não acho que vá dar em alguma coisa. Antes que você me pergunte, não estou sendo pessimista. O Daniel apenas deixou bem claro que o objetivo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dele é transar comigo e ponto final. Como eu não acho que sexo seja um assunto tão leviano quanto ele, não vai rolar. Mas como todo homem, acredito que ele pensa que estou fazendo doce. Não, querido, não estou. Eu só queria sair com você como uma pessoa NORMAL. Entretanto, nem tudo está perdido, aconteceu alguma coisa hoje: eu me senti viva.
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Capítulo 12 Querida Aceitação, Sinto como se eu estivesse interpretando um papel. Eu não sou essa garota que conversa e fica flertando como se não tivesse nenhum problema no universo. Mas o que eu mais queria era ser essa garota. Não sei. Eu tenho esses momentos em que gostaria de ser uma pessoa completamente diferente da que eu sou. Acredito que todo mundo deva ter desses momentos. Ao menos eu espero. Eu gostaria de não me preocupar tanto com tudo e viver mais o presente. Meu pai achava que eu me preocupava demais. Minha mãe também. Desde pequena. Porque será que eu sou assim?
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PERIGOSAS NACIONAIS Minha psicóloga diz que eu não devo ver isso como um defeito e sim como uma qualidade. Ela diz que sou muito mais madura do que muita menina da minha idade e que certamente eu pulei algumas fases da vida, mas que isso já aconteceu e eu devo pensar no agora. É tão difícil pra mim viver no presente! Ou eu estou pensando no passado ou me preocupando pelo futuro. É tão estranho sentar na frente dele na sala e fingir que nada aconteceu. Eu não ligo, sinceramente. Porque eu não quero nada demais, não tenho emocional pra isso. Mas é muito estranho porque eu nunca fiz isso antes. Eu nunca fiquei com alguém que eu não me importasse o suficiente. Eu sempre fico com alguém que eu acho que vai dar em alguma coisa. Mas ele não.
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PERIGOSAS NACIONAIS Será que é algo que pessoas em luto fazem? Agir de um jeito completamente diferente do que você normalmente agiria? Fugir da realidade? Talvez. Sinto ainda mais falta do meu pai porque é com ele que eu conversaria sobre esse tipo de coisa. Eu conversei algumas vezes com o Daniel pelo chat do facebook . Engraçado que sempre acabam se tornando conversas profundas ou então ele tentando me convencer a transar com ele. Eu não esperava nada dele, sinceramente. Eu só queria me divertir. Sair algumas vezes e tal, mais nada. Porque ele teve que ser tão idiota a ponto de dizer isso? Sério. Qual é o cara que em sã consciência diz um negócio desses achando que tá tudo normal? Porque pra mim não é normal! Eu posso até estar PERIGOSAS ACHERON
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ultrapassada por causa dessas piriguetes de plantão etc e tal, mas tá na cara que eu não sou uma delas. Então porque ele quis ficar comigo? Ele se acha tão especial a ponto de pensar que eu vou mudar minha maneira de pensar só porque ele é tão lindo ? E não, ele não é tão lindo assim. Ele só tem um corpo muito bonito. Mas, enfim. Parece que mesmo quando eu só quero me divertir o universo conspira contra mim. Finalmente eu mandei uma mensagem pro celular dele convidando ele pra sair e ele responde: “Acho que não devemos.”. Acho que não devemos porque – depois eu descobri, ele não queria nem conversar comigo, aparentemente. Ele não pode sair como uma pessoa normal, né? Ele tem que ter a certeza de que eu vou transar com ele senão ele nem se dará ao trabalho de sair comigo! PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Bom, Aceitação, ambas sabemos o final dessa história: eu não sai mais com ele, mas mantive a “amizade” porque ele é inteligente e assim eu podia tirar algumas dúvidas na aula, caso eu precisasse. “Manter o rebanho” é o que eu sempre digo às minhas amigas.
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Capítulo 12 Querida Aceitação, Eu e minha mãe estamos em pé de guerra. Nenhum ser humano no mundo consegue me irritar mais do que ela. Tudo bem, posso até estar sendo dramática, mas realmente estou enfurecida. Sinceramente, acho que ela não consegue entender o que é ser ansiosa. Apesar de eu achar que ela seja extremamente ansiosa, se você quer saber, Aceitação. Acontece que ela lida de um jeito diferente de mim. Ela não sabe o que é acordar todo dia tendo que se policiar e lembrar de todos os ensinamentos do seu pai, da sua psicóloga e do seu eu interior pra sobreviver a mais um dia sem entrar em colapso.
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PERIGOSAS NACIONAIS Tudo bem, sei que não vou entrar em colapso. Mas mesmo assim. Tem dias que são muito difíceis pra mim. Tem dias que eu estou tão ansiosa que quero ficar deitada na cama e me encolher. Tem dias que tudo o que me falam me faz sofrer, faz eu pensar em variados cenários e nenhum deles me faz com que eu me sinta em paz. Minha mãe me chamou de louca e isso doeu. Ela disse que se eu continuasse assim teriam que me internar. “É isso o que tu quer?”, foi o que ela disse. Em momentos como esse meu pai a chamaria num canto para conversar e explicaria a ela como eu estou me sentindo. Talvez até chamasse a atenção dela porque eu fiquei muito chateada. Loucura é uma palavra muito forte. E por mais que às vezes eu realmente acho que minha ansiedade PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quer levar a minha sanidade mental embora, isso não vai acontecer, eu não vou deixar, por mais escuro que meu emocional possa parecer. Eu só queria que ela me abraçasse e me dissesse que tudo vai ficar bem, só que ela não é muito carinhosa. Meu pai era carinhoso. Mas minha irmã está suprindo bem isso pra mim. Ela está sendo extremamente cuidadosa, atenciosa e carinhosa comigo e isso me surpreende. Não que ela me tratasse mal antes, mas estou me sentindo mais amada por ela do que nunca senti antes. Não estou dizendo que minha mãe não me ama, muito pelo contrário. Sei que ela só explodiu com medo de me perder pra minha tristeza e isso deixa ela com medo. E sei que todo esse medo só demonstra o quanto ela se preocupada comigo. Racionalmente eu sei de tudo isso! Mas ouvir a palavra “louca” acabou comigo. Ninguém quer PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ser chamada de doida varrida, né? Eu não quero ser internada. E minha psicóloga diz que está longe disso acontecer comigo. Ela me disse que eu melhore bastante a cada dia que passa, mas que o melhorar que eu estou buscando pode não ser o mesmo que minha mãe está esperando. E aí vem a velha história de que ela quer conhecer minha mãe, mas minha mãe nunca vai... Porque minha mãe e minha irmã ficam receosas em relação à minha psicóloga? Sinceramente, não entendo. Meu pai nunca teve esse tipo de receio. Minha psicóloga diz que é porque meu pai tinha certeza que eu não tinha coisa ruins pra falar deles. Mas acontece que eu também não tenho coisas ruins pra falar dela. Eu amo as duas demais. Sei que temos nossas desavenças porque as duas são muito diferentes de mim e às vezes me sinto sozinha, incompreendida. Mas eu PERIGOSAS ACHERON
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sei que não importa o que aconteça elas não vão me abandonar. As duas são tudo pra mim por mais que eu tenha negligenciado as duas durante todo esse tempo, só tendo olhos pro meu pai. Eu realmente quero parar de ficar irritada o tempo todo por elas estarem aqui e ele não e aproveitar o tempo que eu tenho com as duas. Eu só queria sentir que eu não sou “a louca” e que elas entendem que quando eu “dou a louca” é porque eu não consigo controlar, é mais forte do que eu e que por dentro eu estou tentando desesperadamente ser quem eu sou quando meus sentimentos não me dominam e despertam o pior de mim. Sabe aquela história de que somos nossos piores inimigos? Pois é, é uma péssima história, acredite quando eu digo, Aceitação. PERIGOSAS ACHERON
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Capítulo 13 Querida Aceitação, Ultimamente eu estava sentindo uma vibe diferente do Daniel. Acho que todo homem é assim: quando percebe que a gente tá se desinteressando eles puxam a cordinha novamente, como quem diz “Ei, olha eu aqui!”. Eu sempre sinto muito sono pela manhã, então na hora do intervalo costumo ficar com a cabeça deitada na mesa. Mas hoje eu senti uma presença perto de mim enquanto eu fazia isso. Não precisava nem levantar para saber que era ele. O Daniel sorriu para mim daquele jeito que faz com que eu derreta um pouco por dentro, mas não o suficiente para acreditar que o sorriso dele vale alguma coisa. Mesmo assim, sorri de volta. Ele tocou o meu braço e perguntou o que eu tinha: PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS “Estou com sono.” Em outras palavras, vai embora. Mas então começamos a conversar. Essas conversas que eu aprecio porque ele tem uma cabeça boa, ao menos em assuntos relevantes. Eu tinha certeza que aquela história não ia parar por ali... No meio da tarde, enquanto eu vegeto na minha cama, o Daniel deixa um inbox para mim no facebook: “Suas unhas estão bem bonitas hoje.” Golpe baixo, só o que eu tenho a dizer. Minhas unhas são quase como meu alter ego e quando um cara repara nelas (minha querida manicure Cris cuida muito bem delas toda sextafeira!) eu me sinto bem. E então, no meio da nossa conversa, ele me chama pra sair. Ele só pode ser louco. Primeiro diz que a gente não deve sair e então me convida pra PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sair mesmo sabendo que eu não vou transar com ele. E a melhor parte – você vai adorar essa, Aceitação – é que quando eu expliquei isso para ele, dizendo que eu concordava com o que ele tinha dito, ou seja, não deveríamos sair porque não estamos procurando as mesmas coisas, ele me vem com a seguinte resposta: “Não foi isso que eu quis dizer. Eu quero sair contigo. É só que quando eu te vejo de manhã na aula é complicado, porque é o período que eu estou mais ativo.”. Não quero nem saber o que esse ativo quer dizer! Agora todas as vezes que ele sentar atrás de mim na aula vou ficar pensando no que será que ele está pensando. Sério, isso é uma situação, no mínimo, bizarra. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS As pessoas realmente falam isso umas às outras? Não entendo porque ele acha que pode falar isso pra mim e que eu vou achar normal. Obviamente depois disso eu não aceitei sair com ele e fiz a minha “poker face” virtual e mudei de assunto, como se nada fosse realmente nada. Se antes eu achava que tinha o dedo podre para homens, agora eu tenho certeza. Eu não sei o que acontece, mas parece que meu subconsciente acha que só merece esse tipo de cara. Só pode!
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Capítulo 14 Querida Aceitação, Minha irmã disse pra eu esquecer que esse Daniel existe. Antes ela tinha dito pra eu seguir em frente e sair com ele sem compromisso, mas como ele é um retardado e não sabe fazer isso... A Bela, a Ju, o Gustavo e o Rafa concordam. Não faz sentido algum eu dar corda pra alguém que não está me fazendo bem nem mal, ou seja, não está fazendo nada! Nada eu posso fazer sozinha vegetando no sofá da minha sala. Não era, na verdade, sobre isso que eu queria escrever pra você. Estou adiando o assunto de propósito porque o que eu tenho pra falar hoje não é nada agradável.
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PERIGOSAS NACIONAIS Como não tem nenhum jeito fácil de dizer isso, vou só dizer: esvaziamos o guarda-roupa do meu pai. E só de escrever essa sentença já sinto uma pontada no peito. E parando pra pensar, é isso mesmo o que essa situação é: uma sentenção. Estamos finalmente concordando com a sentença de que meu pai não vai voltar. Minha mãe foi a que nos convenceu de que era hora. Afinal, já faz quase seis meses. “O quarto está começando a cheirar a mofo” foi o que ela disse. Algo bem típico da minha mãe, na verdade, ela adora limpeza e é uma pessoa prática, sem muito sentimentalismo. Mas eu sei que doeu tanto nela dizer essa frase como doeu na gente escutar. Fomos nós três então até o quarto e abrimos o guarda-roupa. Conclusão: doamos para as pessoas que meu pai se importava tudo o que não pegamos de recordação. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS De todas as coisas que fiquei, a que mais me dói é o moletom de Harvard . Eu e meu pai tínhamos brincadeiras à parte sobre essa universidade. Sobre como seria quando eu conhecesse Boston e fosse até lá. E como ele teria que vender o rim dele e mais dois carros para eu poder estudar lá. Sempre foi meu sonho, na verdade. Mas nós dois sabíamos que era só isso: um sonho. Porque por mais inteligente que eu possa ser, nunca fui brilhante o suficiente para conseguir ganhar uma bolsa e nem rica o suficiente para poder pagar minha entrada lá. Chorei tanto, mais tanto que minhas lágrimas poderiam ter acabado com a seca do Nordeste. Todo mundo me disse que no processo de luto precisamos passar por essa experiência, que nos libertamos. Eu não me sinto livre. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu nunca vou ser livre dessa dor porque ela nunca vai passar. As pessoas não entendem, sinceramente! Meu pai não era só um pai. Ele era o melhor pai que alguém poderia ter. E quando perdemos alguém assim... Não sei se a recuperação total é possível. Não sei mesmo. Foi uma experiência horrível. É o que eu tenho pra dizer a todos esses especialistas com Ph.D em sei lá o que da mente que publicam mil e um artigos na internet. Se alguém quiser saber a verdade nua e crua sobre essa experiência, eu digo aqui e agora: É uma merda. Não, você não vai se sentir livre. Não, você não vai se sentir aliviada.
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PERIGOSAS NACIONAIS Não, você não vai sentir uma doce melancolia nas recordações que cada peça de roupa de traz. Sabe o que você vai sentir? Dor. Angústia. Medo. Saudades. E mais dor. Mais uma vez a realidade de que nada mais vai ser como antes irá te atingir e vai ser como ser levada pela correnteza de uma maré de azar. Forte. Turbulenta. Interminável. Nada do que você viveu até hoje vai te preparar pra isso e as lágrimas que serão derramadas vão ser diferentes de qualquer uma que você já derramou. Pode ser até que você nem chore e permaneça em choque, estagnada no mesmo lugar. Afinal, cada um lida com a perda de um jeito. Aqui em casa nós três choramos, Aceitação. Minha irmã foi a primeira e minha mãe abraçou-a e
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começou a chorar também. Eu olhei a cena e tentei me manter forte. Mas, advinha? Não consegui. E sinceramente, eu nem deveria tentar. Chorar compartilhando a dor, isso sim é libertador. Foi um momento em que eu não precisei fingir que estava tudo bem. A conclusão que eu tiro dessa experiência, querida Aceitação, é que você é uma concepção ridícula que algum especialista com Ph.D em sei lá o que da mente publicou em um de seus mil e um artigos da internet. Porque se você realmente existisse, eu teria achado essa experiência libertadora e não uma experiência dolorosa. A única coisa que admito é que ela é sim, necessária. Não podemos nos enganar pra sempre e nem adiar o inevitável. Meu pai não vai mais usar nenhuma daquelas roupas e ele iria ficar irado se a PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS gente não doasse para pessoas que com certeza vão fazer bom uso delas. Afinal, ele nunca foi muito apegado aos coisas materiais que ele tinha. Chega a ser tristemente cômico que nós três somos muito apegadas à essas coisas materiais dele. Depois dessa tragédida toda fomos comer tacos na lanchonete aqui perto de casa e conseguimos rir um pouco novamente. Meu pai sempre soube rir da própria desgraça e em sua memória, devemos fazer isso também.
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Capítulo 15 Querida Aceitação, Finalmente a Bela e a Ju me convenceram a sair. Na realidade, a Bela só faltava me arastar de casa pelos cabelos, então quando eu convidei-as pra sair, elas toparam na hora. Foi o primo da Ju que falou que ia numa boate sertaneja que eu adorava ir. Eu adorava dançar, aliás. Mas faz bastante tempo que não faço isso... Se antes eu me sentia velha, acho que agora sou uma idosa master. Minha mãe diz que só quero ficar intocada dentro de casae que isso não é saudável. Então, eu decidi ir. Fabrício Carpinejar escreveu que “Na vida, a gente depende de alguém que confie na gente, que não desista da gente. Uma âncora, um apoio, um PERIGOSAS ACHERON
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ferrolho, um colo”. Meu pai era tudo isso e eu não quero seguir em frente sem ele, por mais que eu devesse. Encontramos o Marcos na boate (sei que não falei dele aqui ainda, mas é um cara bem decente que eu conheci na época que eu ainda saía de casa), mas aparentemente ele estava acompanhado de alguém. Me senti meio decepcionada, mas conversei com ele normalmente. Ele é divertido e o primo da Ju também. Me surpreendi o quanto eu me diverti saindo. Acho que eu pensava não ser possível ter uma noite de 21 anos normal e descobri que é. Alguns caras me tiraram pra dançar, ri bastante e dancei muito. Só pela dança já valeu a minha noite. Não percebi o quanto eu senti falta de dançar até agora. Eu me sinto livro. E esqueço da minha tristeza. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Esse fato é muito importante: eu não esqueço do meu pai nem por um segundo, mas consigo sufocar minha tristeza com toda a música alta ecoando nos meus ouvidos e por todas as fibras do meu corpo. Albert Scheitzer disse que “felicidade é nada mais que boa saúde e memória ruim”. Infelizmente, tenho uma ótima memória que acaba me gerando uma péssima saúde. Fico pensando se hoje vou deitar minha cabeça no travesseiro e dormir tranquila porque tive uma boa noite. Só que esse é exatamente o meu problema: eu fico pensando nas cenas dos próximas capítulos ao invés de viver a cena que está rolando na minha frente. Isso faz de mim uma péssima atriz? Eu costumava ser uma ótima atriz, se você quer saber, Aceitação. Sempre escondi muito bem os PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS meus sentimentos, sempre com um sorriso no rosto que o meu médico diz que é o meu charme, o meu plus que encanta todo mundo. A minha pilha acabou porque minha luz não está brilhando mais, não consigo enganar ninguém e nem dissimular a verdade: estou triste. Sou tão transparente quanto a blusa de todas as mulheres que estavam na balada. Mas, pelo menos, posso dizer que ainda consigo dançar bem. E se tudo o mais está diferente, pelo menos isso não mudou. Já é uma constante na minha vida no meio de todas essas variáveis que me deixam louca! Eu queria que o Marcos tivesse olhado pra mim de um jeito diferente, mas não sei bem porquê. Acho que é porque eu sinto falta de alguma coisa e acho que se alguém gostar de mim eu consigo preenher esse não sei o quê dentro de mim. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Será que eu sou louca por querer que alguém preencha algo que eu nem sequer sei o que é? Acho que sim. Ando me sentindo louca ultimamente. E eu que sempre me senti bem na solidão, de repente só quero uma âncora, um apoio, um ferrolho, um colo. Talvez não seja algo tão louco assim.
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Capítulo 16 Querida Aceitação, Stephen Chbosky de um dos meus livros preferidos, o que deu origem a toda essa onda de cartas para você escreveu “Eu não sei se você já se sentiu assim. Querendo dormir por mil anos?”. Agora que minha irmã voltou a trabalhar – acabou as férias, e eu fico sozinha em casa, não sei. Depois da aula, depois que durmo, depois que faço o que eu tenho que fazer, depois de tudo... depois de tudo isso vem a saudade. Sinto saudades do meu pai. Sinto saudades da minha irmã. Ela não pode mais vir aqui todo dia e me sinto triste. Estranho que durante minha infância eu sentia um verdadeiro terror de passar uma tarde com ela – coisas de irmãs que brigam PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS demais e agora eu daria tudo para ter ela aqui comigo. Tem um trecho de “O melhor de mim” do Nicholas Sparks que descreve bem o que eu sinto agora: “Passo metade do tempo perguntando quem sou de verdade, ou o que estou fazendo, ou se minha vida tem sentido”. E é muito difícil pra mim quando as coisas não fazem sentido. Queria que minha irmã estivesse aqui pra ficar vendo televisão comigo – leia-se: vegetando no sofá da sala – e comendo porcarias. Eu sei que estou engordando, sei que estou descuidando de mim e que minha mãe diz que assim só vou ficar cada vez mais doente. A chuva lá fora, com os pingos batendo irritantemente na janela do quarto. Na verdade, o PERIGOSAS ACHERON
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barulho de chuva era algo que eu costumava apreciar. Parece que depois daquele dia , tudo me incomoda e nada me agrada por mais do que cinco segundos. Meu pai era um grande pedaço da minha vida. Na verdade, se eu for ser bem sincera, durante todos esses meus 21 anos, meu pai foi a minha vida. E é incrível que mesmo agora, mesmo não tendo ele aqui do meu lado, ele continua sendo. Tudo que eu penso em fazer, eu penso nele. Penso no que ele me diria nesse momento de desamparo. Só que eu não consigo pensar no que ele poderia dizer, porque eu não consigo parar de chorar. Nesses meses que se passaram eu segurei tanta, mas tanta coisa... E agora simplesmente parece que eu vou desabar. “Luto é para ser vivido.” Foi o que a Bela me disse em uma conversa por inbox no facebook. em PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS uma quarta-feira à noite, depois um treino pesado na academia. Então, eu me pergunto como vou viver o luto se a minha vida, meu pai, não está mais aqui para viver comigo? A minha única certeza é que ninguém morre de tristeza, nem de solidão. E são as emoções mais constantes em mim, quando eu consigo expressar alguma. Ando apática: sem palavras, sem vontade. A vontade que eu tenho é me deitar e ligar a televisão. Ou melhor, me ligar na televisão e não pensar em mais nada. Algumas pessoas dizem que é melhor sentir dor a não sentir nada. Talvez. Porque a dor que eu sinto significa que o amor foi e ainda é muito maior do que qualquer coisa que eu já senti dentro de mim. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Meu pai realmente vestiu a camisa, ele foi o melhor pai que alguém poderia sonhar em ter. Quantas pessoas podem abrir a boca para dizer isso do pai que tem ou teve? Eu posso. Como curar a dor de perder a pessoa mais importante da minha vida? Eu não posso. Eu li em algum lugar que na verdade, o tempo não cura nada mesmo, ele só tinha o incurável do centro das atenções. Até mesmo na série que eu adoro, The Walkind Dead, o escritor Kirkman descreve: “A dor não passa, você só se acostuma com ela”. Quem sabe isso aconteça para mim, em algum momento dessa minha jornada em viver o que eu preferia não ter que viver. Mas não tem como PERIGOSAS ACHERON
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passar para frente essa fase, porque a vida não é um filme. Apesar de que ando me sentindo em uma novela mexicana de tantas surpresas que a vida está me aprontando... É tudo ao mesmo tempo e eu fico me perguntando “o que eu faço agora?”. Eu sinto uma pressão enorme. Um medo enorme. Tenho medo de tudo. Tenho medo de perder. Só que eu já perdi. O que a gente faz depois que perde o mais importante da nossa vida, Aceitação?
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Capítulo 17 Querida Aceitação, Hoje eu pensei o que aconteceria caso minha vida acabasse. Caso de repente eu dormisse e não acordasse mais ou então caso eu me jogasse da janela ou despencasse de algum lugar. Obviamente nenhuma dessa situações vão ocorrer e eu continuarei aqui por um bom tempo, eu pressinto isso. Assim como sempre pressenti que alguma coisa muito ruim iria acontecer na minha vida um dia. Estranho eu pressentir isso, mas sempre fui um estilo de pessoa “copo meio vazio” se é que você me entende, Aceitação. Antes que você se manifesta – o que eu acho difícil, já que você não se manifestou até agora – eu sei que não é justo comigo, muito menos com meu
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PERIGOSAS NACIONAIS pai que eu me sinta assim, querendo morrer, mas não consigo evitar. Na realidade, não é que eu queira morrer, eu só não quero que meu pai esteja morto. Entretanto, não é possível reverter essa questão. Só que eu nunca iria tirar minha vida, isso é fato. Apesar de eu não estar no meu melhor momento com Deus, eu sei que tirar a vida é pecado. E mesmo se não fosse, eu acho isso uma covardia e não faria por nada no mundo. Acho que o que eu quero dizer é: fique sossegada, Aceitação, você ainda vai ler muitas das minhas cartas. Eu não desisti ainda, por mais que cada dia que passe pareça que eu deva desistir de tudo, eu nunca fui de desistir e não vai agora que eu vou começar. Ao menos é o que eu espero.
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Capítulo 18 Querida Aceitação, Nem acredito que depois do fiasco com o Daniel eu decidi tentar de novo, mas dessa vez é diferente. Como eu te contei antes, o Marcos é um cara decente. Ele é simpático e uma pessoa boa. Posso ver isso só de olhar pros olhos dele. Eu não estou apaixonada, obviamente. Afinal, acabei de ficar com ele. Sim, era isso que eu tinha pra contar. Saí novamente com as meninas e ele foi lá também. Achei que nem ia rolar nada, mas dançamos bastante... eu adoro dançar com ele! Nunca achei que fosse dar em alguma coisa porque nunca mais tínhamos nos visto, mas gosto bastante de conversar com ele. E quando a gente dançou, ele foi tão carinhoso... E me abraçou de um jeito tão bom. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu não vi estrelas e nem senti meu sangue ferver como foi com o Daniel. Não foi algo explosivo. Isso porque não estou mais na minha fase explosiva, como foi logo que meu pai faleceu. Agora estou em uma fase morna, eu me sinto morna e isso é péssimo. Não sei o que aconteceu, mas não sinto as coisas com tante intensidade. Não sei dizer se é porque o Marcos não é o cara pra mim ou porque eu não sou a guria pra ele. Não sei dizer se é porque eu estou em uma fase péssima que nada me satisfaz. E isso me entristece um pouco, porque sei que ele é um cara muito legal e a Ju super me incentiva a tentar alguma coisa. Minha psicóloga diz pra eu não pensar muito sobre isso e deixar rolar, mas eu não consigo. Eu sempre preciso saber aonde estou pisando e aonde
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minhas histórias vão me levar, o que acaba fazendo com que eu não vá a lugar nenhum. Mal fiquei com ele e já fico pensando em todos os contras possíveis e em como eu deveria ter me sentindo muito mais animada e exultante. O problema é que não estou no meu normal e eu fico tentando fugir depois que conheço a pessoa porque eu tenho medo. Não sei do quê exatamente, mas tenho. Antes e depois do Voldemort eu nunca durei muito com ninguém, ele foi uma exceção. Eu que sou tão romântico, nunca consigo ter relacionamentos muito duradouros. Não é esquisito? Acho que nunca me apaixonei de verdade. Claro que já me apaixonei, já amei... Mas não esse amor que faz a gente querer de um jeito bom. Porque amor de querer é só paixão, luxúria. E
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amor de criança não conta. Logo, depois de adulta eu nunca tive um amor. Não sei porque estou falando todas essas coisas se eu nem sei se vou ver ele de novo. Apesar de que ele me ligou, conversou comigo por quase duas horas... Era tudo o que eu queria em alguém, só que agora eu não quero. Fiquei nervosa por ele me ligar e me senti meio mal por ele estar me contando o dia dele. Em outro momento eu iria querer ouvir tudo e participar da conversa, mas me senti sufoca. Senti como se eu não devesse estar escutando nada daquilo. Quando foi que eu me tornei tão vazia por dentro? Eu sinto como se eu não quisesse conhecê-lo e sim que ele me conheça. Mas ele não parece estar interessado em me conhecer, pareça que ele quer que eu o conheça. Parece que ele quer uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS testemunha pra vida dele. Será que eu to fazendo sentido? Ou será que sou eu que não consigo deixar ele me conhecer? Porque minha vida é sempre tão do avesso? Quando eu conheço a única pessoa que aparentemente gostaria de participar da minha vida, eu já estou pronta pra recusar. Não sei o que tem de errado comigo. Acho que eu tento repelir qualquer coisa boa que possa acontecer pra mim só pra eu poder reclamar depois. Ao menos é o que minha mãe me diz, com outros palavras, menos poéticas, mas diz. Ela gosta do Marcos mesmo sem conhecê-lo. E eu começo a arrumar empecilhos: nenhum dos dois tem carro e moramos longe um do outro, ele fuma de vez em quando, ele não parece ser 100% feliz com a vida dele. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Minha mãe tenta me dizer que nem todos são como o Voldemort e só porque a gente mora longe não significa que ele não daria um jeito e que fumar ele pode parar. Ela diz que ninguém é perfeito e eu espero perfeição. Já a minha irmã diz que eu atraio pessoas meio depressivas porque eu estou depressiva. Minha psicóloga diz que isso não é verdade e um nó se forma na minha cabeça. Será que eu não sei mais conviver com as pessoas porque eu não consigo conviver nem comigo mesma? Minha mãe diz que ele apenas se sente sozinha porque mora longe da família. E eu não sei o que é isso. Me sinto péssima porque ele é uma ótima pessoa e merecia me conhecer na época que eu também era uma ótima pessoa. Queria que ele me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS conhecesse no tempo em que eu acharia um doce ele chorar em filmes e ficar envergonhado por ter tentado ficar comigo enquanto estava bêbado. Queria que ele me conhecesse no tempo em que eu teria várias coisas divertidas pra dizer e sabera lidar com a timidez dele. Porque hoje em dia eu não sei lidar com nada que não seja preto no branco. Não sou como todas essas meninas que estão enlouquecendo com “cinquenta tons de cinza”. Eu queria chamar ele pra ir ao cinema, comer uma pizza que eu nem gosto ou então não fazer nada no sofá da minha sala além de conversar. Porque sinceramente, se tudo desse errado e a gente não tivesse nada a ver romanticamente, ele poderia se tornar um dos meus melhores amigos. Na primeira vez que pus meus olhos nele naquele final de semana congelante que a gente se PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS conheceu, senti que ele era uma pessoa boa. Uma pessoa que eu ainda teria na minha vida por muito tempo porque ele tem um coração bom. Olha, Aceitação, você já deve ter notado, com toda essa minha turbulência familiar, é muito difícil pra mim achar pessoas com corações bons e puros por esse mundo afora. Só que infelizmente eu me conheço e duvido que eu vou deixar ele passar por todas essas camadas que eu crio e então me conhecer melhor. Sempre vai faltar uma camada pra descascar. E o próprio Voldemort reconheceu isso uma vez.
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Capítulo 19 Querida Aceitação, Como minha vida precisa ser uma novela mexicana. Não sei qual foi o contrato que eu assinei quando eu nasci, mas com certeza essa era uma das cláusulas dele: muito drama. A irmã da minha mãe, a única tia boa que me restou faleceu. Hoje mesmo, no dia em que eu iria sair com o Marcos novamente. Depois de tanto me remoer, tinha decidido sair com ele. Desisti. Obviamente. Ainda bem que a Melissa estava aqui comigo para me consolar. Ela é uma amiga muito boa e eu gosto muito dela, por mais que a gente não se veja tanto. Nos conhecemos na época em que fazíamos cursinho de inglês e nunca mais nos largamos! PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Ficamos assistindo filmes de comédia romântica pra eu me distrair um pouco. Minha mãe está em Porto Alegre e eu não queria ficar sozinha em casa. Avisei o Marcos mas não gostei da resposta. Eu não sei o que eu esperava. Afinal, não tem muito o que as pessoas possam dizer pra mim nesse momento. Mas é óbvio que eu iria arranjar algum defeito pro que ele disse que agora nem lembro direito o que foi, mas foi algo do tipo: “Eu e o fulano temos uma despedida pra ir.”. Ok, minha tia faleceu mas você tem uma despedida pra ir. Tudo bem, na verdade. Eu não queria que ele viesse aqui nem nada do tipo, mas esperava um pouco mais de romantismo e sensibilidade. Mas já percebi que por mais sensível e coração bom ele seja, romantismo não está nas características dele. Não existe essa preocupação: PERIGOSAS ACHERON
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“como você está?”. Ele só conta como ele está estressado e irritado com o trabalho dele, como ele acha que isso e aquilo e etc etc... Não sei porque estou tão irritada com isso. Sério. A gente ficou só uma vez e eu nem fiquei tão alucinada por isso. Mas acho que é porque eu queria que ele estivesse apaixonado por mim e querendo me fazer feliz e ver como eu estou e tudo o mais. Não é ridiculo? Eu não estou apaixonada por ele mas queria que ele se apaixonasse por mim. Acho que tudo volta a mesma questão de quando eu estava naquela lenga-lenga do Daniel: “eu só quero ser notada por alguém”. Porque o meu pai me notava, ele fazia com que eu confiasse em mim e ressaltava todos os meus pontos positivos. E me sinto girando em círculos quando dentro de mim vem esse sentimento de que só um outro homem – obviamente um namorado – pode fazer PERIGOSAS ACHERON
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isso por mim. Aliás, eu não deveria precisar de ninguém pra fazer isso por mim. Me sinto triste, ridícula e sozinha. Moral da história? Não quero mais ficar com o Marcos. Quero me enrolar de volta na minha concha e ali ficar. E advinha, Aceitação? Não tem ninguém aqui pra me impedir de fazer exatamente isso.
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Capítulo 20 Querida Aceitação, Fiz uma entrevista de emprego. Minha primeira entrevista de emprego. E passei. Me senti feliz por alguns segundos, mas passou. Eu não queria ter que trabalhar. E me sinto mal, porque antes eu gostava de trabalhar, sempre gostei de ser produtiva. Não sei o que se passa comigo agora, não sinto vontade de ir, quero só ficar em casa. Mas eu fui. As pessoas me olham de um jeito estranho. Os homens são legais, mas as mulheres deram a entender que me acham muito chique ou sei lá o quê para andar com elas. Eu sei que não estou ali para fazer amigos, mas mesmo assim. Não sei explicar, não me sinto bem.
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PERIGOSAS NACIONAIS Meu chefe disse que minha entrevista foi ótima e que ele considera o trabalho perfeito para mim. Gostaria de me sentir perfeita também, mas não me sinto. Me sinto uma grande farsa, como a ótima atriz que sou parece que engano todos com as minhas habilidades enganosas. Será que eu sou uma farsa? Minha psicóloga diz que eu não reconheço minhas habilidades, que quando eu me sinto assim, eu perco a noção de tudo. E eu me sinto meio alucinada, às vezes. Parece que estou ficando louca, não sei. Eu gosto de me sentir útil. Gosto de me sentir reconhecida. Mas porque será que parece que estou me sabotando? Porque será que parece que não quero que as coisas evoluam? Não estou mais com vontade de escrever. PERIGOSAS ACHERON
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Capítulo 21 Querida Aceitação, Sexta-feira depois do trabalho é um horário sagrado pra mim. Quem me conhece bem já sabe: é o horário da beleza. Vou para o salão e fico lá por quase duas horas. Conversando com as meninas e me divertindo. Especialmente com a Cris, que é minha manicure há quase dez anos. Somos amigas, na verdade. É mais do que uma prestação de serviços. A Cris sempre consegue fazer da minha sexta um dia melhor só porque eu converso com ela, recebo uma massagem nas mãos e nos pés e os desenhos de unhas mas invejados de toda a cidade. Minhas unhas são famosas, sabia? A Cris é uma artista e eu sou a musa. Me sinto bem com isso porque ela faz com que eu me sinta importante. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Gosto de ser importante pras pessoas. Especialmente pras pessoa que são importantes pra mim, como ela. A Cris esteve comigo quando meu namoro acabou, quando eu fiquei triste, quando eu reprovei em uma matéria na faculdade, quando eu conheci pessoas novas e deu errado e claro, quando meu pai faleceu. Ela é muito importante porque ela sempre sabe do que eu preciso pra começar meu final de semana com mais energia ou simplesmente ficar em silêncio ouvindo as famosas histórias de salão. E é assim com as duas meninas mais fofas que trabalham na loja onde eu mais compro roupas. Elas me vestem por completo e sempre saio de lá me sentindo magra e linda. Eu também converso com elas sobre várias coisas e são minhas amigas. Às vezes eu e a mãe passamos lá sábado à tarde só pra conversar e eu já me sinto melhor. Ir na loja PERIGOSAS ACHERON
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delas sempre melhora meu humor, mesmo quando estou me sentindo inchada e sem vontade de provar nenhuma roupa. O que estou tentando dizer é que eu só não piro porque existem muitas pessoas boas na minha vida. Pessoas que fazem com que eu siga em frente mesmo querendo ficar estagnada no lugar. Minha psicóloga diz que eu não parei nenhum minuto de pensar no futuro, mesmo quando meu pai faleceu e que isso é importante. Por mais que eu me sinta perdida, nem tudo está perdido. Será mesmo? Acho que às vezes eu realmente fico cega e perco a noção, exatamente como minha psicóloga diz que eu faço. Acho que é por isso que eu gosto tanto de finais de semana. Sempre espero ansiosamente as sextas pra fazer uma trança no cabelo, pintar as unhas, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS receber uma massagem, uma conversa amiga e carinho. Porque me sinto querida lá. A Cris tem essa energia contagiante. E ela sempre sabe a coisa certa pra se dizer. Ela sabe me dizer que “vai doer” ou então “é hora de ir pra balada”. Fico feliz em ter uma pessoa como ela na minha vida que muita gente não tem. Fico pensando em todas as clientes que passam por ela e não tem essa mesma relação que temos. Me sinto abençoada por ter tantas pessoas especiais na minha vida. Mas é impossível não sentir meu coração despedaçar sempre mais um pouquinho quando penso na pessoa mais especial de todas que deveria estar aqui comigo. Meu pai costumava me levar e buscar no salão e ria da maneira perfeccionista com que eu cuidava das minhas unhas. Mas ele sempre dizia: “Vai filha, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tu precisa disso.” E agora eu entendo o que ele quis dizer. Eu preciso desse momento de descontração na minha vida porque eu levo tudo tão a sério que são poucos os momentos em que eu consigo esquecer de todos os meus sofrimentos e problemas e apenas rir – nem que seja da minha desgraça.
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Capítulo 22 Querida Aceitação, Hoje eu chorei no trabalho. No meu segundo dia! Almocei sozinha e me senti tão mal por tantas coisas que comecei a chorar. Quando voltei para o trabalho meu chefe me chamou para conversar, menti que encontrei alguém na rua e tive que contar que meu pai faleceu. Mas não foi isso. Meu pai ainda morre todos os dias para mim e em qualquer lugar, a qualquer hora eu sinto uma vontade enorme de chorar. Sou praticamente uma bomba-relógio. Meu chefe por super compreenssivo e legal, conversou comigo e disse que o que precisasse eles estavam ali e que se eu precisasse sair um pouco, respirar, enfim, eu podia. Me senti um pouco PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS melhor e o resto do dia correu tranquilamente, na medida do possível. Minha mãe me levou no médico depois do trabalho e conclusão: agora estou tomando antidepressivos. Mais uma vez. A primeira você já deve imaginar qual foi o motivo né... Voldemort. Não me orgulho disso, mas enfim. Acho que depois que se tem depressão uma vez, para ter de novo é um pulo... E não faz nem dois anos que eu parei de tomar remédios. Nem preciso dizer que me senti uma fracassada por alguns momentos. Depois passou. Não adianta me enganar, do jeito que eu estou, não consigo sem eles. E eu preciso me reeguer. O trabalho vai ser bom pra mim, tem que ser. Não é o meu sonho, eu gostaria de estar ganhando muito mais, de ter passado em um concurso público (mas eu não fiz nenhum, então nem tinha como eu PERIGOSAS ACHERON
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passar!) só que isso é o que eu tenho pra hoje e preciso lidar com o que está disponível para mim hoje. Minha mãe disse: “Pensa em quantas pessoas gostariam de estar no teu lugar. Quantas pessoas querem um emprego e não consegue e tu, quando tu decidiu arranjar um emprego, não demorou nem duas semanas. Tu é muito inteligente e não pode desperdiçar isso!”. Eu concordo com ela. E naquele momento eu realmente concordo e não me sinto tanto uma farsa. Eu consegui sozinha. Isso é fato. Eu só gostaria de me sentir melhor do que eu me sinto hoje.
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Capítulo 25 Querida Aceitação, Se antes eu estava achando que ficaria louca, agora tenho certeza. Tive uma crise de pânico no trabalho. Conclusão: além de ter aumentado a dose dos meus remédios, agora eu também tenho um tarja preta para quando me der um ataque. Maravilha, não? A sensação que eu senti foi terrível. Ainda pior do que no Natal e Ano Novo. Foi uma sensação de puro pavor, pânico mesmo. É incrível o que a minha mente consegue fazer comigo. É incrível o quanto eu posso sentir medo. Não sei dizer o que desencadeou esse medo em mim. Medo de nada dar certo, medo de chorar no trabalho, medo de alguém perceber que eu não estou cem por cento, medo de enlouquecer, medo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS de nunca ser eu de novo, medo de me isolar para sempre. Tem tantas emoções conflitantes dentro de mim e acho que ninguém realmente sabe. Ninguém ao olhar pra mim consegue enxergar. Ninguém sabe que por dentro eu estou gritando a plenos pulmões. Ninguém escuta. Eu estou no trabalho, identificando pagamentos, fazendo relatórios, atendendo telefones...E ninguém me escuta. Como eu consigo transparecer essa calma quando por dentro eu sou uma tormenta? Muitas pessoas que me conhecem dizem: “Nossa, como você é calma, Georgia. Sério, acho que tu é a pessoa mais calma que eu conheço!”. E eu sorrio, aceno. Por dentro na verdade estou pensando: “Meu Deus, como eu sou uma farsa.”. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu gostaria de ser calma e que o medo e a ansiedade não me dominassem por inteiro. Às vezes eu me reencontro, devo dizer que é quando eu te escrevo, querida Aceitação, que eu me reencontro. Eu lembro da pessoa que eu fui, cheia de sonhos e palavras, cheia de histórias para contar. Essa pessoa se perdeu no meio do caminho e chego até a pensar que ela nunca existiu. Eu digo para as minhas amigas: “Eu costumava ser tão boa em fazer isso.” E elas me retrucam: “Tu ainda é, tu só pensa que não é.”. Será que depois que meu pai morreu eu não consigo me ver por inteiro? Era ele que me colocava pra cima, que me impulsionava, que dizia a palavra certa na hora exata. Quem vai fazer isso por mim agora? Tenho medo de responder essa pergunta. Tenho medo porque isso soa definitivo. Isso soa PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS como eu aceitando o inaceitável. Eu aceitando que meu pai não vai voltar mais e que vou ter que começar a fazer as coisas de um jeito diferente, me refazer. Meu médico me deu o resto da semana de atestado para os remédios fazerem efeito e eu ficar um pouco mais calma. Me senti segura quando ele disse isso, a única palavra que veio a minha mente foi “casa” e isso fez com que certa paz passasse por todo o meu corpo, como uma energia. Minha cama é meu refúgio. Quando eu durmo me transporto para um mundo melhor, um mundo em que eu e meu pai estamos juntos. Sonho com ele todo dia. Sonhos que estamos em casa tomando café, ou então ele está andando comigo na rua ou fazendo um cruzeiro... Mas sempre um pouco antes de acordar do meu sonho eu descubro que ele está para morrer. É sempre a mesma coisa. E então ele PERIGOSAS ACHERON
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me diz algo como: “Você sabe que daqui há pouco eu vou ter que ir embora, né filha?”. E eu digo que sim. Mas eu não sei. Ou melhor, eu sei mas não entendo. E pior, diferente dos meus sonhos, na vida real ele nunca me avisou que daqui há pouco ele iria embora, ele não deixou nenhum recado. Eu só fiquei aguardando notícias em um sala de espera do hospital e ele nunca mais voltou.
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Capítulo 23 Querida Aceitação, Todos os dias são iguais. Parece que eu não sinto mais nada. Todos os dias é a mesma emoção passando pelo meu corpo. Se antes eu era uma montanha-russa, agora sou o carrosel. Minha psicóloga diz que é extremamente natural, é o remédio fazendo efeito e eu não sou a primeira e nem a última pessoa a me sentir assim. A me sentir como se eu não fosse eu. E ela levantou uma boa questão: “Eu sei que essa sensação não é agradável. Mas, é melhor assim ou como estava antes?”. É melhor assim. Não é como se tudo estivesse melhor. Eu ainda preciso respirar fundo, o medo ainda me assola de vez em quando, mas me sinto razoavelmente melhor. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS É estranho o quanto eu preciso me manter ocupada para a minha cabeça ficar no lugar. É como se caso eu decidisse parar um minuto sequer tudo irá por água abaixo. Me sinto vulnerável e não gosto disso. Minha psicóloga novamente diz que eu não gosto de expor o que considero minhas fraquezas. E eu concordo. Não gosto mesmo. Vejo uma colega de trabalho que perdeu a mãe há pouco tempo também e está melhor do que eu. Não gosto de saber que existem pessoas que lidam de uma maneira melhor do que eu em situações similares à minha. No fundo, acho que não gosto de parecer fraca porque sou competitiva. Eu sempre quero estar cem por cento e exigo demais de mim. Eu me frustro porque não consigo seguir essas regras que me imponho. É tão difícil. Todo dia acordo com aquele desânimo no corpo e tento mentalizar: “Hoje vai ser um dia bom. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu não vou surtar. Vou ter coisas pra fazer no trabalho. Vou sobreviver mais um dia”. Me sinto como uma alcoólatra: um dia de cada vez. E pior de tudo: me sinto cansada. É exaustivo lutar contra a minha mente que insiste em ter pensamentos negativos o tempo inteiro. Comecei a ler o livro “Você pode curar sua vida” que a minha colega de trabalho me indicou e estou sendo “O segredo” também. Busco formas de encontrar a fórmula mágica que vai fazer com que eu me sinta eu de novo. Mas não tem fórmula mágica, não tem nenhum tipo de mágica, na verdade. Eu sinto muita vontade de largar tudo pro alto e ficar deitada em casa, lendo. Dormindo por horas e horas a fio. Minha psicóloga também diz que isso é natural, que pessoas em depressão tendem a querer
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ficar em sua concha, no lugar onde se sentem seguras. Eu me sinto segura em casa. Por mim, virava uma eremita e só saía com a minha mãe. Não sinto vontade de ver meus amigos. Ou melhor, eu até sinto, mas não é uma vontade tão grande que me faça querer sair de casa. Quando saio do trabalho tudo o que eu penso é em ir dormir. Quando eu acordo de manhã penso quantas horas faltam para eu poder ir dormir de novo, para chegar o final de semana, para acabar com essa angústia. Quantas horas faltam para acabar tudo isso, Aceitação? Quando é que você vem?
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Capítulo 24 Querida Aceitação, Hoje voltei a falar com o Marcos. Fui falar para ele da minha formatura e aproveitei e conversei um pouquinho. Eu gosto de conversar com ele pelo facebook. E gosto de dançar com ele, me sinto bem. Eu não quero mais ficar com ele. Aquela vez foi boa, mas depois conversando com ele aquelas vezes pelo telefone deu para ver que não estamos em sintonia. Mas eu gostaria de tê-lo como amigo. Não foi legal a maneira como eu sumi no final do ano, por mais que eu não estivesse me sentindo bem. Eu não gosto que sumam, então eu não deveria ter feito isso. Me senti bem melhor porque pude falar isso para ele hoje. Expliquei que não estava no meu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS melhor momento, mas que ele podia contar comigo. E é verdade. Gosto muito dele e quero ver ele bem e feliz, assim como todos os meus outros amigos. Eu queria gostar dele. Gostar de verdade, eu digo. Ele é uma pessoa tão bom, um cara tão bacana. Todo mundo diz para eu dar um chance, quem sabe? Mas não sei, alguma coisa simplesmente não bate. Minha psicóloga diz que eu estou muito fechada para as pessoas, que eu deveria me abrir mais, sair. Parece que cada vez eu me fecho mais na minha concha. Eu me sinto tão desconectada! Não consigo entrar no ritmo dos outros. Lembro que uma vez eu disse pro Leonardo (aquele meu amigo que perdeu a mãe) que cada um tem seu ritmo, a gente só em que achar o nosso. Eu deveria fazer isso. Mas é tão estranho perder o ritmo! Eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sempre fui tão ligada aos outros, ao mundo. Não sei o que acontece comigo!
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Capítulo 25 Querida Aceitação, E então o Marcos vai embora. Vai voltar para terra dele para estudar. É a melhor coisa que ele poderia fazer por ele, fico muito feliz. Eu gostaria de poder dizer a ele: “Não vai, eu quero que você fique.”. Mas não consigo, porque não gosto dele o suficiente. E acho que mesmo se eu gostasse não conseguiria dizer estas palavras. Nunca fui assim. Não consigo pensar apenas no meu bem-estar, por mais que eu tente. Por mais que às vezes eu seja uma pessoa até bem egoísta, esse tipo de coisa não consigo fazer. Lembro de quando eu tinha dezesseis anos e estava namorando com um menino muito legal. Ele gostava de escrever e tocar instrumentos, como eu. Conversávamos por horas a fio e eu gostava muito PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dele. Só que ele ia fazer um intercâmbio no outro ano e me perguntava o que eu achava sobre isso. Nunca consegui dizer que não queria que ele fosse, porque eu sabia que era uma ótima oportunidade. E então eu terminei com ele. Como dizer para não ir alguém que eu nem gosto no sentido romântico? Eu queria gostar do Marcos nesse sentido, porque ele é um cara muito bacana. Mas não consigo. Não dá. E não adianta eu forçar, me enganar ou engana-lo. Por isso eu me calo. Não digo nada e fico na minha. Hoje fui na formatura da melhor amiga da minha mãe, casada com o melhor amigo do meu pai. Foi legal, eu me diverti. Mas em determinado momento do jantar, com todas aquelas pessoas falando, eu comecei a passar mal. Leia-se: tive uma pequena crise de ansiedade. Minha irmã percebeu e foi comigo para o lado de fora. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS “Acho que não me faz bem ver eles, às vezes.” Foi o que eu disse. “Me lembra muito o pai e como ele gostaria de estar aqui.”. É um misto de felicidade, melancolia e saudades. Eu adoro estar com eles e nunca conseguiria deixar de estar com eles, eles são a minha família. E talvez por isso doa. Porque eu sei que a família não está completa. Só que o importante, como as minhas amigas dizem, é que o saldo da noite foi positivo. Em suma, eu me diverti, não tem como negar. Dancei bastante, fui elogiada, até. E isso me fez muito bem. Eu vi o primo da Dani, filha da melhor amiga da minha mãe. Ela me fala desse primo há séculos, mas ele estava namorando. Eu até encontrei com ele num dos aniversários, mas nem conversamos. Cumprimentei ele e os pais dele, que são uns PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS amores e ficou por isso mesmo. No jantar ele sorriu para mim, ou eu imaginei, não sei bem, mas sorri timidademente de volta. Me sinto até patética falando essas coisas, mas isso é o máximo que acontece na minha vida nesses últimos tempos em relação a homens. Eu achei que iria conseguir conversar com ele um pouco, mostrar algum dote meu e fazê-lo ficar interessado, mas isso não aconteceu. Depois do jantar ele foi embora (provavelmente tinha algum compromisso, sei lá) e eu não tive chance nenhum de dizer qualquer coisa. Mas também, o que eu iria falar? Nunca conversei com ele, o guri nem me conhece e porque ele ficaria interessado? Sinceramente, eu não me interessaria por mim. Eu sei que sou interessante e tudo mais, não vou ser hipócrita de dizer que não. Só que ultimamente os caras vivem preferindo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS outra pessoa a mim, então começo a achar que deve ter alguma coisa de errado. Não é possível. É claro que tem o Marcos e tudo mais, mas estou falando dos caras com quem eu gostaria de tentar algo romântico. Tudo bem que eu nem conheço esse primo e nem sei se eu gostaria de ter algo com ele, mas imaginando que eu quisesse... aposto que ele não iria querer. Sei que não devo ser negativa, minha psicóloga, minha mãe, meu pai, minha irmã e meus amigos não gostariam disso, o que é muita pressão para eu ser positiva. Mas não consigo. Ultimamente ando meio copo vazio mesmo. E não é pra menos né? Que zica! Meu amigo Gustavo tenta me convencer de que é só uma fase ruim, de que eu conheci os caras errados e todas essas coisas que o seu melhor amigo deve te dizer. E eu sei que ele acredita no PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS que ele está dizendo. Mas eu não. Eu quero acreditar e às vezes até acho que eu acredito, mas meu subconsciente não deixa. Parece que algo muito estranho acontece comigo e eu tenho repelente aos homens. Não costumava ser assim, eu costumava ter o cara que eu quisesse. Nunca aconteceu de um cara que eu querer e conseguir, de repente não me quisesse mais. Bastou eu namorar com aquele traste que tudo mudou. Peguei um carma de homens que não duram, até fiquei com uns caras decentes no meio do caminho, mas não durou mesmo assim. Aí eu não quis. Não que tenham sido tantos assim, foram uns sete ao total, em quase três anos. Sou bastante seletiva e não acho isso uma coisa ruim. Mas sei que isso também significa que a probabilidade de eu passar longos tempos sozinha é muito grande. E é o que está acontecendo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Porque é tão difícil arranjar alguém que combine quimicamente comigo, tenha os mesmos gostos que eu e queira passar algum tempo comigo? Algum tempo que seja mais do que um dia, uma semana ou um mês? Não precisa namorar comigo, me prometer a vida eterna ao seu lado e dizer que me ama, basta ser um cara decente e uma companhia interessante. Não é pedir demais, é? Mas como o Gustavo falou para mim e minhas amigas: “Do jeito que as coisas estão hoje em dia, sendo limpinho e cheirosinho vocês já tão no lucro!”. Se isso for verdade, eu estou ferrada. É só o que tenho a dizer.
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Capítulo 26 Querida Aceitação, Cheguei cedo no trabalho como venho fazendo desde o Carnaval, para compensar as horas e estou morta. Não tenho nem tempo para respirar direito no trabalho! Estou em uma constante tensão. Tenho medo que o meu chefe não esteja gostando do meu trabalho... Não estou completamente no ritmo ainda: erro algumas coisas, não sei fazer outras. Mas penso se isso não é normal, afinal, hoje faz só três meses que estou trabalhando ali. Mas, enfim, mesmo nesse ritmo alucinado eu estou gostando. Como eu sonhei com esse dia! O dia em que eu não iria acordar tão deprimida por ter que ir trabalhar. O dia em que as horas iriam passar bem rápido e que quando eu me desse conta, já PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estaria na hora de voltar para casa. Eu gosto, na medida do possível, de trabalhar. Me sinto bem. Me sinto produtiva. Alívio. Não tem palavra melhor para expressar como estou me sentindo. Estou aliviada por ter uma parte de mim de volta. A parte produtiva. A parte trabalhadora. Eu estava começando a achar que não iria encontrar uma razão para levantar, que nunca iria gostar de trabalhar de novo. É incrível como tudo pode mudar... Sei que é o remédio fazendo efeito. E que tudo tem seu preço. Eu não sinto mais muita coisa, mas fazia muito tempo que eu não tinha essa sensação de calma. Estou calma por estar sempre ocupada, chega até a ser engraçado. Mas é como se essa ocupação me devolvesse minha sanidade. Como se de alguma maneira, ao saber que minhas horas vão
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estar todas preenchidas por atividades e que o tempo vai passar rápido, eu me sinta segura. Novamente eu começo a ver graça em pequenas coisas. Meu pai sempre falou que eu sou uma pessoa fácil de agradar. E sinceramente, fazia tempo que eu não conseguia ser assim. Fazia tempo que nada me agradava realmente, que tudo me irritava. Não digo que sou novamente aquela pessoa que meu pai conheceu, mas também não sou aquela de meses atrás. Hoje pedi para uma das minhas colegas de trabalho: “Liz, você sabe fazer tranças em cabelos alheios?”. Ela riu e respondeu: “Sei, mas não sei se vai ficar bom.”. Ela traçou o meu cabelo e eu me senti bem. Me senti fazendo parte. Sempre gostei de me sentir pertencente a algum lugar. Essa sensação faz com que as coisas tenham sentido, ao menos por algumas horas. Embora eu não saiba se PERIGOSAS ACHERON
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você esteja entendendo o que eu quero dizer, Aceitação. Será que você me entende? Hoje almocei com quatro colegas de trabalho. Me sinto bem na presença delas, tenho vontade de conversar. Esses dias, até meu chefe brincou: “Saudades do tempo em que a Gê entrava muda e saía calada.” no que eu retruquei: “Aquela não era eu.”. E não era mesmo. Hoje também percebi que consegui falar do meu pai sem sentir tanta dor. Incrível como eu não passo um dia sem falar nele. Meu pai está sempre presente no meu dia-a-dia. Em qualquer coisa que eu pense em fazer, ele está lá. Uma foto, uma música, um comentário inocente... Qualquer coisa me remete a alguma situação que vivemos juntos ou que ele me contou. Minha psicóloga diz que é natural eu sentir tantas saudades porque ele foi uma figura muito PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS forte na minha vida, e ainda é. Eu só gostaria de poder conversar com ele de novo, nem que por apenas um minuto. Eu tenho tanta coisa pra dizer! Ultimamente me sinto muito calada. Não no sentido de conversar, mas no sentido de me abrir. Estou mais reservada do que eu achava possível pra mim. Era com meu pai que eu desabafava mais... Tem certas coisas que não consigo conversar nem com as minhas amigas, porque não é o mesmo sentimento, a mesma sensação de certeza. Em outras palavras, quando alguém me dá um conselho, eu vou refletir sobre ele. Quando meu pai me dava um conselho, eu nem pensava, só fazia. Porque meu pai sempre estava certo. Ele sempre quis meu bem. Ele sempre fez de tudo para me ver crescer, para eu atingir meu potencial máximo. E agora eu tenho medo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Tenho medo de não conseguir atingir tudo o que eu deveria, tudo o que eu consigo. Fico louca ao pensar na saúde financeira da empresa, nas despesas da casa, no futuro da minha família. Eu sei que nós nunca vamos morrer de fome e eu tento racionalizar isso. Tento racionalizar que minha família é iluminada por Deus e que sempre vamos dar um jeito. Mas medo é que nem chiclete, quando ele gruda... Ultimamente eu ando sentindo muito medo das coisas, eu era mais confiante. E isso me deixa frustrada. Eu quero ganhar bem. Eu quero continuar aprendendo. Eu não quero estacionar na vida, entende, Aceitação? E parece que foi isso que aconteceu, eu me sinto parada. O meu ritmo não volta e eu começo a ficar ansiosa com isso! Embora eu esteja feliz por estar cheia de trabalho, ando sempre cansada. Durmo super cedo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS e nem vontade de ir à academia eu tenho. O Rafa já está querendo me bater! E meu corpo também sente: estou com tendinite, dores nas costas... Eu tenho que voltar! Até porque eu adoro dançar... Sinto falta da dança. Todo mundo me elogiou na minha festa de formatura, comentaram como eu danço bem. E eu me lembrei de como isso me faz bem. Eu adoro dançar! Eu preciso de energia. Eu me sinto sugada, algumas vezes. Quando será que eu vou encontrar meu equilíbrio de novo?
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Capítulo 27 Querida Aceitação, Gostaria de contar para você da minha formatura. Comentei rapidamente a questão da dança, mas não contei todo o resto. E o resto foi maravilhoso! Sabe o sentimento que a gente sente por dentro quando à noite é perfeita? Pois é, foi isso que eu senti. Mais perfeita do que ela foi, somente se meu pai estivesse vivo. A decoração estava bem como eu queria. Linda! E todos estavam arrumados e felizes, a comida estava muito boa e os docinhos eram fabulosos! Tocou todas as músicas que eu queria e praticamente todo mundo que eu convidei e que é importante pra mim estavam lá. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS O melhor de tudo foi que eu organizei sozinha. Nunca achei que fosse capaz de fazer isso antes e eu ter feito fez com que eu me sentisse realizada. Quando recebi meu diploma apontei para minha mãe e para minha irmã e então para o céu. Meu pai. Postei no meu facebook a seguinte mensagem: “E amanhã faz 8 meses que o galã da minha vida não está mais aqui comigo. Essa semana eu finalmente viro Economista, pai. E metade desse diploma com certeza é seu! Queria que você estivesse aqui pra gente dançar como sempre sonhamos, mas noite passado eu sonhei contigo e a gente dançou. Não é curioso? Gosto quando você vem me visitar, mesmo que dure tão pouquinho... Te amo hoje e sempre, cada vez mais!” PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Oito meses. Às vezes tenho a sensação de que isso é muito pouco tempo. E às vezes tenho a sensação de que realmente é muito tempo. Não importa realmente, a tristeza é sempre desesperadora porque o desfecho de ambos os cenários é que não dancei com meu pai na minha formatura em corpo, apenas em alma. Graças aos meus amigos e minha família – o que restou dela, eu me diverti muito. Não preciso acrescentar mais nada às minhas memórias dessa noite, porque foi uma noite de princesa. Eu sou uma princesa, querida Aceitação. Acredito que ainda não mencionei isso pra você, o que é um tanto quanto engraçado, porque quase todo mundo que me conhece sabe essa minha característica. Aproveito então este momento, para te explicar esta questão, mostrando meu discurso do meu jantar de formatura: PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Quando eu era pequena, meu pai disse que eu era uma princesa. E eu acreditei, porque meu pai sempre foi o dono de todas as verdades do universo. Por esse motivo, desde então, eu fui uma princesa. E ainda sou, para quem não sabe. Meu reino fica (meu endereço) e se chama Castroland. Entretanto, ser uma princesa é uma tarefa muito difícil! E eu não seria metade da princesa que eu sou hoje se eu não tivesse toda uma equipe de apoio. A equipe principal é composta de três pessoas: meu pai, minha irmã e minha mãe. E são eles a quem eu mais tenho a agradecer por hoje ser uma princesa economista. Ao meu pai, eu agradeço por ele ser inteligente, carismático e extremamente carinhoso. E acima de tudo, por ele ter escolhido como sua profissão principal a de pai. Porque de tudo que ele foi e ainda é pra mim, pai é a que mais se PERIGOSAS ACHERON
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destaca. Meu pai vestiu a camisa e me acompanhou em todo o meu percurso até aqui. Ele me ensinou a resolver probleminhas de matemática da sétima série, escreveu ensaios de Macroeconomia comigo, me ensinou a nunca ficar amiga demais do cara que eu estou afim e que deu a autoconfiança (que minha irmã chama de dudocentrismo) que eu tenho hoje. Meu pai foi meu herói, meu coaching e meu melhor amigo. E eu agradeço todos os dias por isso. Sem meu pai eu não seria a princesa nerd que eu sou hoje. Em segundo lugar, agradeço a minha irmã, por ela ser fashion, uma ótima fotógrafa e companheira. E acima de tudo, por ela me amar mesmo quando eu sou chata! Porque irmãs são assim. Minha irmã me ensinou a dançar, a me maquiar e a me vestir bem. Foi ela que assistiu PERIGOSAS ACHERON
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comigo Barbie Fairytopia num sábado à noite, me segurou nos ombros no show do Rouge e me mando vomitar e não dormir, em hipótese alguma, quando eu tive meu primeiro e único porre. Minha irmã é minha companheira, minha amiga e minha consultora de moda. Sem ela eu não seria a princesa perua que eu sou hoje. Em terceiro lugar, mas não menos importante, eu agradeço a minha mãe. De toda a minha equipe, a minha mãe é o membro mais importante. Minha mãe é aquela que acorda antes de mim e prepara todo o meu café da manhã e lanche para o trabalho, ela passa todas as minhas roupas, arruma a minha cama e realiza todos os meus desejos. Não tem nada no mundo que eu queira, que ela não se mata para conseguir. Minha mãe é a pessoa mais maravilhosa que eu conheço e me exemplo de vida. Ela é minha amiga, minha PERIGOSAS ACHERON
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companheira. Ela canta, dança e representa só para me fazer brilhar. Não existe pessoa no mundo que acredite em mim mais do que ela. Sem ela, eu não seria nem a princesa nerd, nem a perua. Minha mãe é a minha força e estou pra ver uma mãe que seja mais mãe do que ela. Por último, uma princesa que se preze também tem outra equipe. E tenho o orgulho de dizer que essa equipe é bem grande, de modo que não vou conseguir agradecer um a um. Eu que sou sempre tão cheia de palavras, hoje me encontro sem saber ao certo o que dizer, me faltam as palavras certas que expressem todo o carinho que eu tenho por cada um de vocês. Portanto, na falta de palavras mais adequadas, apenas digo muito obrigada pela presença de todos e se não fosse por cada um de vocês, em diferentes momentos da minha vida, eu com certeza não estaria aqui hoje e não me sentiria PERIGOSAS ACHERON
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como uma princesa: amada, feliz e completamente realizada. Consegui me manter sem lágrimas durante o discurso e falei bem, embora eu não goste muito de falar em público. Eu adoro ser o centro das atenções, isso não é novidade nenhuma, mas falar em público... Outro ponto auge da minha festa foi o presente da Bela. Eu simplesmente adorei! Foi super temático e super a cara dela, lógico. Ela fez uma foto comigo acenando como uma princesa e colocou uma tiara em mim. Além disso, a ela me deu um cartas rosa de papel crepom escrito minha frase favorita: “Bitch, please, I’m a princess!”. A mãe dela falou que a Bela ficou até às duas da manhã fazendo. Já a Ju, minha outra amiga, fez um texto maravilhoso para mim e quem leu foi o Gustavo, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS porque ela ficou com vergonha. Ele ficou nervoso e tremeu um pouco no início, mas depois deu tudo certo. E foi aí que eu quase chorei e coloquei todo o trabalho da minha cabeleleira e maquiadora maravilhosa a perder! Quando eu achei que as surpresa tinham acabado, minha irmã me presenteou com a minha primeira jóia, da Vivara. Totalmente digna de uma princesa! Mesmo sendo um bem material, a jóia me passou uma sensação a mais, uma sensação de amor por parte da minha irmã. Nunca duvidei do amor dela por mim, é claro. Mas agora que minha família diminui tanto, estas demonstrações de afeto significam ainda mais pra mim. Essa noite só serviu para eu perceber como eu sou sortuda de ter tantas pessoas queridas perto de mim. São noites como essa que fazem eu perceber
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que nem tudo está perdido, mesmo que você não esteja por aqui, Aceitação.
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Capítulo 28 Querida Aceitação, Hoje eu estou incrivelmente deprimida. E não é pelo mesmo motivo de sempre. Quer dizer, é. Mas tem mais. Minhas duas melhores amigas voltaram com os ex-namorados. E por mais que eu fique feliz por ela, afinal todas estávamos no mesmo barco com a maré de azar do amor. Só que não é legal ser a única que continua afogada! Não tenho ninguém para sair comigo sexta e sábado. Quer dizer, até tenho, pessoas que eu tenho que procurar, só que é claro que não é a mesma coisa. O meu grupo mais chegado de amigos estão todos namorando. O único que não está é o Gustavo, mas ele mora em Porto Alegre, aí não me adianta muito.
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PERIGOSAS NACIONAIS Enfim, fiquei triste e fui me divertir com a minha mãe olhando roupas. Afinal, não tinha mais nada para fazer nesse sábado chuvoso. Conclusão: tédio master. As primas da minha mãe vieram nos visitar e foi legal. Eu gosto dela. Só que sempre me dá essa sensação que eu não sei nomear. Penso que não tenho mais a familia do meu pai, não que eu queira eles de volta, mas eles representavam meu pai, querendo ou não. E então é como se agora eu não tivesse nada. Porque eu não tenho essa conexão com a família da minha mãe, nunca fomos tão próximas, até por eles serem de outra religião. Todas as datas comemoramos com a família do meu pai. Agora é como se eu não tivesse paradeiro. Penso em todas as Páscoas, Natais e tantos outros feriados e comemorações que passaremos assim, PERIGOSAS ACHERON
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perdidas na imensidão dessa maré que tá me levando. É isso mesmo, estou me deixando levar pelas marés da vida mesmo. Não sei se minha mãe e minha irmã se sentem assim ou se sou eu que sinto de mais. Só sei dizer que isso me perturbar. Me perturba a ponto de eu sentir uma certa necessidade de sair correndo e gritar: “Pára que eu quero descer!”. Só que daí eu lembro que não tenho para onde ir. Agora somos só nós três e meu cachorro. Com esses pensamentos em mente fui navegar um pouco no facebook me sentindo patética por estar em casa sábado à noite. Não que eu seja muito baladeira, mas quando você se sente sozinha, a necessidade de sair parece aflorar. E então, quem eu encontro online? O tal primo. O que, raios, eu poderia falar para começar a falar com ele? Sério. Alguém que eu nunca troquei PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mais do que “Oi” “Tchau” e foi uma vez na vida num aniversário há uns seis meses atrás! Mas, como eu estava determinada a chegar na minha próxima sessão de terapia com uma história de superação para contar decidi falar com ele. Minha psicóloga diz que eu não corro atrás das coisas que eu quero quando se trata da minha pessoal, que ultimamente ando muito fechada... então era questão de honra. Fui falar com ele e inocentemente pedi para ele curtir a fanpage da minha empresa e ele respondeu. Fiz mais um inocente comentário e ele então ele disse: “Quando voltei para a formatura me disseram que tu tinha acabado de ir embora”. Quis dar com a minha cabeça na parede. Na verdade, não quis fazer isso. Mas é só para dar um tom mais dramático (como se minha história de vida não fosse dramática o suficiente). PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Isso foi o que bastou para eu começar e enchêlo de perguntas e iniciar uma conversa. Eu sou boa de conversar, até. É um dos meus passatempos preferidos, mesmo que seja online. E nossa conversa rendeu bastante, praticamente sábado à noite inteiro! Ele é bem simpático e divertido e temos bastante coisas em comum. Ao menos uma pessoa decente que pode vir a ser meu amigo, ele é. O que já é bom, porque minha vida anda muito parada e eu preciso conhecer pessoas novas pelo simples fato de conhecer pessoas novas e só. Não quero e nem vou me empolgar muito porque não adianta. Ele é dois anos mais novo (por mais que não pareça) que eu e está na quinta fase da faculdade então duvido muito que ele queira ser uma companhia legal para alguém. Ele deve querer curtir a vida loucamente, e sinceramente, ele tá certo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu até poderia curtir, se eu soubesse como. Mas a minha ideia de curtição é um pouco diferente da maioria das pessoas. E mesmo se não fosse, nem tenho mais amigas para isso. Não é culpas delas, início de namoro é sempre assim, as pessoas tendem a não se desgrudar e esquecer dos outros. Não que elas tenham me esquecido, mas obviamente não é a mesma coisa. Me sinto meio de lado. Já estava me sentindo meio deslocada entre meus amigos, agora então, nem se fala. Pelo menos tenho minhas colegas de trabalho durante a seman para almoçar e rir um pouco. Criamos um grupinho e tenho me divertido. O dia até passa rápido e eu dou muitas gargalhadas com elas e com os outros também, é um ambiente legal de trabalhar, por mais que ultimamente todo mundo
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esteja muito tenso por causa da correria (três pessoas saíram do setor). Eu gostaria de poder dizer que me sinto feliz e que tudo vai dar certo. Mas não consigo. Queria ter meu pai para conversar e saber o que fazer em seguida. Eu estou carente, admito. Só queria sair com alguém, conhecer alguém, sentir que alguém quer me conhecer melhor. Estou precisando disso. Sair para me divertir, ter uma companhia agradável. Não preciso de um amor de virar minha cabeça do avesso. Nem quero. Eu só quero algo suave, leve e bem-humorado. Se uma paixão crescer daí, ótimo. Se não crescer, ótimo também. Mas pelo menos quero que alguma coisa aconteça. Será que eu não mereço que nada aconteça para mim de um jeito fácil ao menos uma vez na vida? Eu já cansei das coisas do jeito difícil, eu só quero me despreocupar um pouco, ao menos por PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS um tempo.
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Capítulo 32 Querida Aceitação, “The winter is coming” como diria na promo de The game of Thrones. E isso significa que cada vez mais as pessoas vão começar a namorar e eu vou ficar aqui, sozinha. Sei que é chato ficar sempre batendo na mesma tecla e parece que a minha vida gira em torno de encontrar um romance pra mim. Isso me irrita, de verdade. Mas eu estou sozinha há tanto tempo, há tanto tempo que ninguém me nota, que começo a me sentir invisível. O meu pai me notava, por mais que fosse do jeito de pai, amigo, enfim, mas eu era notada. Ele fazia com que eu me sentisse especial. Nunca mais eu vou ter um pai para fazer eu me sentir assim, nunca mais eu vou ter meu pai. Acho que é por isso que eu foco no romance. Porque vai PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ser a única maneira de eu ter algo que tente preencher um pouco esse vazio. Esse vazio que ninguém preenche. Eu tenho consciência de que esse vazio nunca vai ser completamente preenchido, mas minha psicóloga diz que é perfeitamente natural eu querer preencher algumas partes dele, as partes que eu consigo, pelo menos. Eu sempre amei o inverno. É a minha estação preferida. E eu nunca tive problemas em passar ela solteira, nem um pouco. Eu nunca liguei muito para estar solteira, não mais do que o normal para uma garota caseira e que não curte muito baladas. Só que eu tenho a sensação de que esse inverno vai ser o mais frio da minha vida. O inverno passado já foi. Esse então, parece que vai ser pior. Por mais que digam que com o tempo as coisas melhoram, eu não acredito. Eu não estou mais PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vegetando no sofá da sala e nem enfurnada o dia inteiro na minha cama, mas isso não quer dizer que as coisas melhoraram, não quer dizer que eu me acostumei. Quer dizer apenas que eu fui obrigada a seguir o fluxo. Eu sou boa em seguir o fluxo, sempre fui. Minha vida virou isso mesmo. Acordar, ir trabalhar, dormir. Fico pensando quando eu for mais velha e lembrar dessa fase da minha vida. Só que eu estou tão cansada emocionalmente que não tenho muita vontade de fazer qualquer outra coisa durante a semana. Até porque, fazer com quem? Mas eu sei que tenho que voltar a dançar e a malhar com o Rafa, pelo menos. Minha mãe se ofereceu para caminhar comigo. Não posso dizer que tudo foi ruim, também. Porque por mais que eu fique em casa, eu e minha mãe criamos uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS relação que antes não tínhamos. Obviamente não é como era com o meu pai e sei que nunca vai ser, até porque eu não sou mais a mesma pessoa que eu era. Mas mesmo assim, somos amigas de um jeito que não éramos antes. Não passamos horas conversando, nem tendo diálogos profundos porque não possuímos os mesmos gostos. Minha mãe não lê, não entende nada de economia e não se oferece para ler meus textos. Mas eu aprendi a apreciar as outras qualidades da minha mãe. E minha psicóloga diz que isso é muito importante. Minha mãe é uma pessoa maravilhosa e muitas vezes eu não reconheci isso porque estava muito focada na minha relação com o meu pai. Meu pai sempre foi uma pessoa fácil de conviver, até porque ele era muito parecido comigo. Minha mãe já é muito diferente de mim. Ou ao menos eu achava que era, hoje eu vejo que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tem muitas coisas que eu puxei a ela e que fazem de mim uma pessoa melhor por isso. Não gosto de pensar que minha vida é um drama sem graça desses do Hallmark Channel (que eu sempre choro, aliás) ou pior, uma novela mexicana no SBT (que eu também adorava, por sinal). Mas, sinceramente, ultimamente está parecendo uma mistura dos dois e eu não sou uma heroína muito interessante, não. Minha vida é um caos, me sinto sem graça e bem longe da pessoa que eu era. Eu sei que nem todos os dias acordo pensando dessa maneira sobre mim e minha vida, o que me alegra. Minha vida é feita de altos e baixos, e hoje é um dia de baixo. Domingos são assim. Especialmente porque amanhã faz nove meses. Não deveria me sentir assim, é só uma data. Todos os dias deveria ser o mesmo entindo. Afinal, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS cruamente falando, meu pai estará tão morto amanhã como esteve mês passado e estará mês que vem. Não é uma data que vai mudar isso. Mas como sou romântica, acho que tenho algo com datas.
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Capítulo 29 Querida Aceitação, Como saber se alguém está afim de você? Faz tanto tempo que os caras ficam afim de mim em um jeito tão distorcido que eu já não sei como é um “afim normal”, entende? Ou pior, como saber se alguém NÃO está afim de você? Porque nessa minha reclusão da vida social acho que nem isso eu sei mais. Na minha loucura pode ser que eu esteja imaginando coisas, achando que alguém está me achando interessante, quando na verdade só está sendo simpático. Sim, estou falando do tal primo. Nunca saí com ele. Nunca conversei com ele pessoalmente. Não faço a mínima ideia de como ele é na “vida real”, só na virtual. Mas, mesmo assim,
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eu gostaria que a gente saísse. Nem que seja só por sair e não dar em nada. Eu gostaria muito disso porque ele é uma pessoa diferente, alguém que não sabe como eu me sinto por dentro, que não sabe todo o meu histórico familiar e que não faz a mínima idéia do que eu passei nesses últimos noves meses. E sinceramente, isso é o que eu mais quero no mundo. Alguém que me veja como uma página em branco pronta para ser colorida. Ando em um mundo tão preto e branco, ou pior, tão cinzento, que uma cor viria a cair bem. Ele me parece ser animado, cheio de amigos, cheio de atividades. Enfim, cheio de vida. Cheio de algo que eu costumava ter também. Às vezes me sinto tão velha. Mas aí quando estou com meus amigos, quando eu danço ou quando estou contando piadas no trabalho, eu me sinto eu de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS novo. São esses momentos que me fazem ver que não estou louca, não estou perdida. E que sim, é possível eu me recuperar. Por mais que você ainda não tenha decidido aparecer, Aceitação. Começo a achar que tenho que fazer acontecer sozinha, porque você está me deixando na mão há algum tempo. Se você existesse mesmo, eu estaria novinha em folha. Eu teria passado em um concurso, teria emagrecido meus três quilos, estaria dançando, conhecendo pessoas novas, me divertindo e quem sabe, até, conhecido alguém. Talvez essas oportunidades até tenham passado por mim e eu não vi porque você não apareceu. Já pensou nisso? Já pensou em todas as coisas que eu estou perdendo porque você acha que ainda não é hora de dar uma passada por aqui?
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PERIGOSAS NACIONAIS Eu sei que você existe. Eu sei que você vai vir. Não sei como vai ser, se vai ser uma reviravolta na minha vida ou vai apenas acontecer, nem suave, que nem vou perceber. Eu só fico ansiosa demais e esperando ansiosamente o dia em que eu vou ser inteira de nova. Nem que seja o único inteira que eu consiga ser, ou seja, um pouco pela metade. Mas uma metade mais parecida com como eu era quando inteira.
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Capítulo 34 Querida Aceitação, Minha vó materna veio passar um tempo com a gente e o caos se instalou em minha residência. Não entendo como as mulheres dessa família (leiase: minha mãe e minha irmã) adoram brigar. Não que eu não seja briguenta, eu sei que eu sou, mas eu não gosto. Na verdade briguenta não seria palavra certa, seria mais uma questão de ansiedade que faz com que eu saia do meu ponto de equilíbrio e ninguém entende muito bem isso. Além de mim e minha psicóloga. Mas tudo bem, não importa. Estou aprender a lidar com isso. Acontece que minha vó e minha mãe não se dão muito bem. Na verdade, minha mãe está em um nível de tolerância a zero, que até fico com pena da minha vó. Não posso julgar ninguém, sei que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS minha vó não foi a mãe dos sonhos e que muita coisa rolou entre elas. Sei que minha mãe saiu de casa com dezessete anos para nunca mais voltar. Mas, mesmo assim, eu gosto tanto de família. E essas cenas só me deixam deprimida, porque eu vejo como estamos fora de sintonia com a família da minha mãe. Fico pensando em todo tempo perdido com uma família que não sabe o que essa palavra quer dizer. Todos esses anos que eu dei atenção para a família do meu pai, que eu nutri amor e carinho por ele despedaçados em questão de segundos. E o que me restou agora? Lembranças e recordações que eu nem gosto de lembrar porque me dão raiva. Raiva de tudo o que eles estão fazendo para minha família agora. Já a família da minha mãe tenho pequenos flashes de quando criança. Perdemos quase PERIGOSAS ACHERON
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completamente o contato com o passar dos anos. E agora é como se minha vó fosse uma estranha e me sinto meio esquisita em sua presença. Enquanto com a minha vó paterna tudo me é familiar, com minha vó materna parece que estou pisando em ovos. É tudo novo e desconhecido, e na minha atual situação não me sinto preparada para desbravar esses caminhos. Não porque eu não queira, mas porque isso me lembra de que hoje em dia eu não tenho uma família para chamar de minha. Sim, eu tenho minha mãe e minha irmã, mas não é a mesma coisa. E por mais que eu estreite meus laços com a família da minha mãe, elas não comemoram as datas que a gente comemora (por causa da religião) e para mim isso é muito coisa de família. São pequenas coisas, mas que para mim tem uma bagagem emocional enorme. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu adoro minha prima materna. E adorava minha tia. Só que não tive muito contato. Então, é como se fossem pessoas distantes de mim que eu sinto um carinho daqueles de recordação, não é algo intenso e presente da minha vida. Mas eles são mais família do que os que eu considerava tão intensamente como meus familiares, jamais vão ser. Minha família materna nunca nos apunhalaria pelas costas. Sinto muita falta de uma casa mais cheia, de mais viagens, mais programas em família. Porque foram esses eventos que sempre preencheram meus anos de vida. Meu pai sempre foi bom em unir a família, ele sempre foi o elo entre todos. Então acho que no fundo eu sabia que isso iria desaparecer quando ele se fosse. Mas não achei que seria um desaparecer completo e tão rápido. Eu não estava preparada. E parece que só agora, depois de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS algum tempo, é que eu realmente estou sentindo isso. Agora que estou começando a me sentir sozinha, por mais que eu tenha tantas pessoas queridas que gostem de mim e se preocupam comigo. Queria poder explicar melhor essa sensação de abandono. Mas nada explica melhor do que a palavra traição. Me sinto traída. É isso mesmo. E ser traída pelo sangue do meu sangue, é muito pior do que qualquer outro tipo de traição.
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Capítulo 35 Querida Aceitação, Acho que percebi que esse ano não é o ano do amor. Ao menos não para mim. Enquanto todo mundo ao meu redor tem alguém, nem precisa ser um namorado, eu não tenho ninguém, muito menos um namorado. O tal primo não vai dar em nada, acho que nem amizade. Ao menos não uma amizade que passe do virtual. Hoje joguei um verde com ele, para ver se podíamos fazer alguma coisa e a resposta foi extremamente frustante. Nada do que eu esperava. Ele é super ocupado, cheio de festas, eventos sociais e provas. Em outras palavras, ele não precisa de mais nada. E ele tá certo mesmo, tem que aproveitar.
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PERIGOSAS NACIONAIS Então, comentei: “É, desisto. Tua carga horária me dá medo. Acho que desse jeito para fazer alguma coisa só em dezembro.” E ele: “Dá-se um jeito.” Mas não falou mais nada sobre isso. O que é dar um jeito? Acho que não tem jeito nenhum. Mandei uma mensagem privada no facebook para as meninas e disse: “É, o primo não está na minha vibe.” Ele comentou da festa do curso dele e até posso ir. Mas não sei. Perguntei para o Rafa a opinião masculina sobre esse assunto. Se há alguma mensagem a ser desvendada por detrás desse convite para a festa que vai ser daqui há um mês. “Rafa, você acha que isso quer dizer alguma coisa?”
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PERIGOSAS NACIONAIS “Claro. Quer dizer que ele quer que tu vá, senão ele nem tinha comentado!” Será? Acho que faz tanto tempo que não interajo com caras que não são completos lunáticos, afobados, mentirosos ou conquistadores que não sei mais o que é um cara normal convidando a garota pra sair, mas sem promessas. Só para se conhecer. Só que perdi um pouco o encanto. O encanto que minha psicóloga disse para eu não deixar se perder. Mas como não deixar? A festa para qual ele me convidou é só daqui há um mês. Eu que comecei a falar com ele, eu pedi o telefone dele e eu dei a crer que quero sair com ele. Mesmo assim ele não me convida! Achei que ele pudesse estar interessado e de repente ser tímido, mas não. Claro que nunca fui ingênua de achar que ele estava afim de mim ou algo do tipo, porque faz muito pouco tempo. Sinceramente, nem eu estou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS afim dele. Eu gostaria de estar afim dele porque ele parece ser o que eu procuro. Mas, enfim, acho que realmente este não é para ser o ano em que eu vou conhecer alguém legal. Ou melhor, até vou conhecer pessoas legais, mas não vou ficar com elas. Talvez Deus esteja querendo me dizer que não é para acontecer agora, mas eu não estou querendo escutar. Porque simplesmente não entendo. Parece que todo mundo segue em frente e eu me sinto parada no mesmo lugar e isso me desanima muito. Fico ansiosa. E penso em todas as coisas que eu não devo pensar porque não tenho controle sobre elas e pensar não vai mudar isso. Estou cansada do desinteresse das pessoas em mim. Eu nunca tive problema em deixar alguém interessado em mim, sempre tive quem eu queria ter. Porque essa maré de azar não sai de mim? Que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS raio de trauma meu ex-namorado colocou em mim que não consigo mais ninguém? Minha colega de trabalho diz que uma linha da psicologia defende que para conseguirmos ter alguém temos que admitir que precisamos. Tudo bem, eu reconheço: eu preciso de alguém. Acho que nunca neguei isso para você, Aceitação. Quer dizer, eu sempre fui mais daquela que acredita que eu não preciso de ninguém, mas prefiro ter a companhia de alguém. Só que ultimamente ando pensando que eu preciso, porque me sinto muito sozinha. Nunca me senti mais sozinha na minha vida e isso dói um pouco. Ou muito. Não sei dizer porque estou mais adormecida com os remédios. Eu sinto de tudo, menos tristeza. Parece que os remédios que estou tomando barram a tristeza de mim. E isso é bom, eu acho. Não tenho mais aquele turbilhão de emoções que avançam por dentro de PERIGOSAS ACHERON
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mim. Às vezes ainda tenho uma sensação de angústia, vestígios daquela montanha-russa, mas nada comparado ao início desse ano. E acredito que isto é bom, por mais que me sinta meio estranha com esse controle forçado de emoções. Hoje minhas colegas de trabalho vieram jantar aqui e me diverti horrores. Foi muito bom, eu realmente estava precisando de gente nova na minha vida. Novas histórias, novas amizades. Me sinto renovada. Nós quatro analisamos essa história com o tal primo e percebemos que é muito estranho ele me convidar para uma festa só daqui há um mês. Embora, até pareça que ele tem um certo interesse e seja tímido. Mas, sinceramente, não adianta me enganar... me sinto naquele filme “Ele não está tão afim de você” e a garota não quer admitir. E isso é ridículo, é só o que eu tenho a dizer. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Resumindo: acho que vou cair fora. Não gosto de joguinhos, não gosto de sumir para o cara correr atrás... isso não funciona comigo. Não adianta, acho que não to com uma energia que esteja atraindo as pessoas.
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Capítulo 36 Querida Aceitação, Hoje o tal primo me procurou. Só porque eu decidi que não queria mais saber dele. Como algo além de amigo, eu quero dizer. Mas ele pode ter em procurado como amigo também... Enfim, o fato é que ele veio falar comigo. Me contou sobre o time de futebol em que ele é goleiro, e que agora ele está cuidando do marketing. Me mostrou as fontes para o novo uniforme e basicamente conversamos sobre isso. Gosto de conversar com ele porque sinto a empolgação dele passar para mim durante nossas conversas. Ele é tão apaixonado sobre as coisas que ele fala, principalmente sobre o time. Isso me agrada. Me dá vontade de me empolgar com alguma coisa também. PERIGOSAS ACHERON
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Não sei o que me empolga atualmente. Sei que me empolgo com livros e com filmes, mas parece que é apenas porque eles me transportam da minha realidade. Gosto de comprar roupas também, principalmente saias longas. Estou viciada! Eu gostava bastante de dançar. Eu me empolgo com dança do jeito que ele se empolga com o futebol. Eu apenas deixei de lado, sei disso. O cansaço dominou meu corpo e deixei de fazer certas coisas que eu gosto. O Rafa diz que quanto mais eu me entregar pro cansaço do dia-adia, menos disposição meu corpo vai ter. Se eu quiser ter disposição, tenho que praticá-la. Em outras palavras, voltar a fazer exercícios, me mexer. Até porque eu aceitaria perder três quilos! Meu chefe, o Davi, diz que eu sou uma senhora de 22 anos. E acho foi a melhor descrição que recebi para esse meu momento! PERIGOSAS ACHERON
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Aliás, falei para o Davi do tal primo e ele me deu duas opções: Opção número 1: “Georgia, desiste porque ele não tá afim!”. E novamente me senti no filme “Ele não está tão afim de você”. Opção número 2: “Georgia, ele é gay.” Obviamente, preferi ficar com a opção número dois: “Eu tenho essa teoria: se um cara não gosta de mim, ele é gay.” O Davi e o Zé começaram a rir. E eu ri também. Não vou chorar pela minha desgraça. Afinal, eu também não sou afim do tal primo. Ele apenas preenche meus pré-requisitos: tem uma profissão que eu aprovo, é educado, tem uma família decente, é inteligente e tem gostos similares aos meus. Não faço a mínima idéia se teria uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS química entre a gente, só gosto de fantasiar que ainda há alguém que combine comigo nesse mundo afora. Não acho que esse alguém seja o tal primo, eu nem conheço ele, ele nem me conhece. Apenas gosto de conversar com ele e sei que podemos vir a ser amigos, conhecidos ou algo do tipo. É só porque minha vida tá tão parada que eu preciso inventar uma emoção. Assim, pelo menos eu tenho alguma coisa para te contar, querida Aceitação. Hoje ele falou comigo e me sinto uma guria de doze anos escrevendo isso. Ao menos quando eu tinha doze anos a vida era mais movimentada...
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Capítulo 30 Querida Aceitação, Acredito que você não sabe o que é sentir saudades. Aquele tipo de saudade que te dá uma sensação de angústia e desamparo, porque você sabe que nada irá sanar essa saudade. Hoje eu acordei assim. Angustiada, acelerada, desamparada. É tão estranho não ter para quem recorrer. Ou pior, não ter vontade de recorrer a ninguém. Tenho medo de ser tão boa atriz que estou enganando até a mim. Será que eu realmente estou melhor ou os remédios fingem por mim? Estou sentindo uma vontade tão grande de chorar, de me escabelar e me esconder em minha cama. Entretanto, meu choro não tem aquele rio de PERIGOSAS ACHERON
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lágrimas, é um choro contido, de quem não quer chorar. Eu simplesmente não consigo chorar mais do que isso, meus olhos apenas ficam mareados. Em situações como essa parece que eu não estou no controle dos meus próprios sentimentos e sensações, o remédio toma essas decisões por mim. Embora eu saiba que seja melhor para mim assim, não posso deixar de me sentir estranha em minha própria pele. Eu não choro nem em filmes e livros, como eu sempre fiz. Eu sempre fui uma manteiga derretida e sinto que estou me tornando o que me tornei da outra vez que tomei antidepressivos: insensível. Essas foram as palavras que meu pai utilizou. Será que estou insensível ou apenas estável, saudável? Se minha psicóloga fosse responder a essa questão, aposto que ela diria que é perfeitamente natural a maneira como estou me sentindo e que é PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS melhor eu estar mais apática a sentir que vou desmoronar a qualquer minuto. E convenhamos, querida Aceitação, ela realmente deve estar certa. Escutar as constante brigas da Larissa com a minha mãe só pioram a situação. Não sei mais dizer de quem é a culpa, o porquê delas começarem a se tratar assim ou o que elas deveriam melhorar... Sinceramente, não sei mais dizer. Convivo com essas brigas desde que me conheço por gente, mas agora que não tenho mais o meu pai para fugir das duas, afinal, elas são só o que eu tenho, parece que isso me afeta mais. Minha psicóloga diz que eu não devo me meter, e eu não me meto. Mas dói muito ver a minha mãe sofrer desse jeito porque minha irmã é grossa com ela. E dói ver minha irmã sofrer por achar que minha mãe não a apóia.
PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu queria que a relação delas se consertasse. Que eu acordasse em um belo dia e o mundo fosse cor de rosa. Mas, sinceramente, acho que elas nunca vão se entender e eu falar para elas que isso me magoa só vai fazer com que as duas se sintam mais culpadas. Hoje a Lari me questinou o que eu falava dela na psicóloga. Eu respondi: “Eu não converso muito com a minha psicóloga sobre você. Eu apenas falo sobre como tu e a mãe brigam e como isso me afeta.” Ela ficou em silêncio e eu mudei de assunto. De que adianta? Minha mãe não suporta mais essa situação. Minha irmã não suporta mais essa situação. Eu não suporto mais essa situação. Só que tudo continua no mesmo lugar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Me canso às vezes de manter a família unida. Mas, se eu não fizer isso, quem vai fazer? Meu pai não está mais aqui. Minha colega de trabalho, a Cláudia, diz que não devemos inverter os papéis familiares, que ela aprendeu isso na terapia. Eu concordo com ela e tento fortemente evitar que isso aconteça. Parece que aqui em casa é uma briga entre as duas para ver quem vai assumir o papel de chefe da família, quem vai tomar as decisões, quem tem mais voz. E às vezes eu acho que quem acaba tendo voz sou eu, porque pelo menos consigo conviver com as duas. Eu não queria ter essa voz ou ao menos não queria sentir esse senso de responsabilidade de manter todas juntas e esse medo de que meu desejo não se realize. Eu prezo muito pelo bem-estar da minha família, pela nossa relação familiar. Será que Deus PERIGOSAS ACHERON
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não pode me ajudar só dessa vez? Sei que não ando rezando mais e é pretensão da minha parte querer que Ele me ajude. Sei que estou muito desacreditada e talvez por isso tudo pareça estar desmoronando ao meu redor, como se nada tivesse mais solução. Eu sei que deveria voltar a ser a pessoa religiosa que eu era. Eu deveria voltar a ser e fazer várias coisas, mas ainda estou trabalhando em recuperar minha força de vontade.
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Capítulo 31 Querida Aceitação, Hoje foi nosso amigo secreto de Páscoa e eu tive momentos de diversão. Digo momentos porque hoje não é um dia bom. Tem certos dias que acordo assim e não sei explicar bem o porquê de hoje ser diferente dos outros. É claro que eu tenho consciência de que datas comemorativas são piores, só não entendo porque um data pode causar tanto reboliço dentro de mim. Tenho inveja de todo mundo que tem a família completa e irá celebrar amanhã. Não digo só quem tem um pai, mas quem tem primos, tios e tias para comemorar. Porque eu costumava ter. É como se eu não tivesse perdido só meu pai em uma cirurgia, mas toda a minha família. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu tento dizer a mim mesma que não sinto falta deles, apenas do meu pai. Só que em noites assim eu vejo que não é verdade. Sinto uma falta que eu nem sabia que existia. Não consigo entender direito o que eu sinto, para falar a verdade. Não sei o que é. Não sei se são eles que eu sinto falta ou eu acho que é. Simplesmente não sei! É essa angústia que me toma desprevenida e me vira do avesso. Eu sinto um vazio que ninguém preenche e penso em milhões de maneiras e pessoas diferentes que poderiam me ajudar. Só que não encontro. Não é de uma família que eu sinto falta. Não é de um namorado que eu sinto falta. Não é das minhas amigas que estão namorando que eu sinto falta. Por mais que todos os itens mencionados acima me abalem, a causa não é essa. Eu sinto falta
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do meu pai. Simples assim, por mais complicado que seja. Preciso racionalizar essa sensação dentro de mim ou cada vez mais vou encontrar motivos para me angustiar. Cada vez mais vou me sentir vulnerável, sozinha e deslocada. Nada mudou de verdade entre eu e meus amigos. A minha vida amorosa continua a mesma desde sempre. Minha família nunca foi tão perfeita assim e nunca me apoiou realmente. Então, porque deixo essas questões me abalarem? Porque eu tenho que sentir tanto tudo todo o tempo? Eu não quero mais sentir. Talvez seja bom mesmo o fato de que eu não conseguir mais chorar tanto, porque senão eu
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sentiria demais. Eu sempre senti demais e meu pai dizia que era porque eu tenho “alma de artista”. Eu posso não estar mais chorando, mas batalho todo dia contra essa angústia que cisma em querer me dominar. Essa angústia em sentir falta de algo que sempre vai faltar, de alguém que nunca mais vai vir. Sinto saudade do olhar, da voz, do cheiro...Eu só queria meu pai de volta, por um milagre dos céus. “Você não tá bem hoje né, amiga.” A Bela comentou. Provavelmente eu dei um sorriso amarelo, porque minha amiga sorriu com simpatia. Não, hoje eu não estou bem.
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Capítulo 32 Queria Aceitação, Minha psicóloga acredita que estou me fechando um pouco para as pessoas. Eu senti isso também. Esse medo de me relacionar e também a falta de vontade, porque ninguém vai ser meu pai. Eu percebo isso também. Eu queria conhecer pessoas novas, sim. Pessoas que me mostrassem uma outra realidade, que me fizessem esquecer de todas essas coisas que não vale à pena se apegar. Pessoas para ficar horas conversando e apenas rir. Eu tenho meus amigos, mas é muito difícil esconder qualquer coisa deles. E eu gostaria de poder esconder tudo em um canto tão escuro que nem eu mesma me lembraria aonde foi parar minhas tristezas. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Gostaria de sentir algo novo. Ter aquela sensação de quando tomo champagne e me sinto borbulhar por dentro. É isso mesmo: eu gostaria de estar borbulhando, só que tudo anda muito calmo aqui dentro de mim. E então me bate uma certa apreenssão, porque depois da calmaria sempre vem a tempestade, não é mesmo? Desde que os remédios começaram a fazer efeito nunca estou nem muito feliz, nem muito triste. Na maoria dos dias, é uma sensação até agradável. Mas quando paro para pensar, isso me dá uma certa angústia. Me dá uma angústia porque eu não me sinto borbulhar por dentro, não tenho grandes emoções. Meu pai costumava dizer que eu era fácil, me divertia com pouco. E eu ainda me divirto. Só que nada é tão divertido sem ele por aqui.
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PERIGOSAS NACIONAIS Assistindo meus seriados preferidos, penso naqueles que ele acompanhava comigo. Ele nunca vai saber o final! Nunca vai saber se o Peter e a Olívia terminaram juntos em Fringe e nunca vai poder assistir o Epílogo de Lost que eu só descobri há alguns meses atrás que existia. Eu conheci várias pessoas novas que meu pai nunca vai saber da existência, como meus colegas de trabalho, por exemplo. E consequentemente, ele nunca vai poder me aconselhar sobre elas ou o meu atual trabalho. Essa realidade despedaça.
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A realidade de que as pessoas conseguem viver normalmente em um mundo que meu pai não existe. A realidade de que eu tenho que fazer isso também, pelo meu próprio bem. Eu tenho que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS andar com as minhas pernas, pensar com a minha cabeça e trabalhar com a minha experiência. É difícil ser só uma pessoa, quando antes eu era duas. Era como se meu pai fosse uma extensão de mim, era dele que vinha minha força e energia, ele era meu gerador. E agora acabou a luz. Será que você, querida Aceitação, poderia me emprestar uma caixa de fósforos e uma vela?
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Capítulo 33 Querida Aceitação, Estou com um milhão e meio de contraturas na coluna. Em outras palavras, ficarei de atestado por 15 dias. Ficar dez horas sentada trabalhando para compensar as horas que eu faltei por causa da minha formatura e minha escoliose querida não combinam. Quando a Ju veio fazer massagem em mim algumas semanas atrás e sentiu minha lombar – que estava super quente, ela falou: “Georgia, isso vai dar merda.”. Minha querida amiga e fisioterapeuta é uma profeta. Dito e feito: deu merda. Não consigo ficar sentada e nem muito tempo em pé, apenas na horizontal. Conclusão: já li três livros, vi todos os episódios disponíveis de Suburgatory e fiquei stalkeando todas as pessoas possíveis no facebook. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Além disso, arrumei um novo hobbie para este meu momento enferma: procurar estampas legais de Tshirts. Esse é meu novo vício, aliás. Pena que este vício é muito caro e não posso sustentá-lo. Sendo assim, apenas fico entrando em sites de compra online e namorando as peças. Quando passeávamos no shopping, eu, minha mãe e minha irmã ficávamos olhando as vitrines e meu pai negando a maioria de nossos pedidos. Então, no final do passeio ele dizia: “Viu o quando conseguimos economizar hoje?”. E então a gente ria e já nem lembrava mais o que nós queríamos tanto comprar quando chegamos. Essa foi uma das coisas que eu aprendi com meu pai: nunca comprar por impulso. Não aprendi na primeira, nem na segunda e nem na terceira vez que ele tentou ensinar porque eu era muito novinha.
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Mas hoje, com certeza, tenho essa lição na “massa do sangue”, como ele dizia. A gente nunca aprende nada a não ser que o conhecimento fique gravado na “massa do sangue”. Se não estiver lá, não aprendemos, apenas decoramos ou então esqueceremos em duas semanas. Eu aprendi muitas coisas com o meu pai, mas tem outras tantas que ainda me sinto meio perdida. Gostaria que ele estivesse aqui para me explicar, especialmente sobre o que eu faço em relação a Lari, minha irmã. Acabei de sair do telefone com ela e me sinto mal. Estou ansiosa. Ela tem esse poder sobre mim e eu me odeio por isso. Odeio ficar ansiosa por coisas insignificantes ou pior, coisas que não tem como eu resolver. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS A culpa não é dela que eu me sinta assim. Os meus sentimentos são de minha responsabilidade. A maneira como eu lido com eles não de minha responsabilidade. Não dela. Desde que meu pai faleceu, o que mais me deixa ansiosa é o dinheiro. O dinheiro que eu gasto, o dinheiro que eu deixo de gastar, o dinheiro que eu gostaria de ter, o dinheiro que eu não tenho... Tudo isso roda em minha cabeça até eu ficar enjoada. Eu não sou a chefe da família, minha mãe é. Sendo assim, ela deve se preocupar com a questão do dinheiro. Mas às vezes a Lari me pergunta como andam as coisas e isso me deixam ansiosa. São assuntos tão importantes e as duas vivem me pedindo opiniões sobre essas coisas e por mais que eu banque “a adulta”, às vezes eu não acho que eu seja tão adulta assim para entender a responsabilidade dessas opiniões que eu dou ou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS deixo de dar. Eu não sou a mãe, não sou o pai, sou só a irmã. Eu gostaria de poder dizer isso a elas sem que elas achasse que estou sendo egoísta e malvada. Só que não me sinto à vontade de dar minhas verdadeiras opiniões para minha irmã em determinados assuntos da maneira como ela consegue fazer comigo. Minha irmã sempre me fala as coisas, mesmo que eu fique triste. É nesses momentos que eu sinto ainda mais falta do meu pai, porque ele saberia o que falar e o que fazer, enquanto eu continuo perdida. Minha mãe deve ou não emprestar o dinheiro? Queria que dinheiro não fosse um assunto tão complicado. Hoje em dia até tenho medo dele, porque só trouxe desavenças para a minha família. É quando se fala em dinheiro que as pessoas realmente mostram quem são. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Mas o caso é que eu não deveria estar pensando nessas coisas porque isso não é a minha responsabilidade. A responsabilidade dessas decisões é da minha mãe. E agora eu entendo o que minha colega de trabalho, a Cláudia, quis dizer sobre inversão de papéis. Aqui em casa os papéis estão todos misturados e todo mundo é pai, mãe e filha ao mesmo tempo. Isso me confude e me deixa extremamente ansiosa. Muito dessa inversão de papéis atrapalhou meu relacionamento com minha irmã ao longo dos anos. Eu só comecei a realmente criar uma relação com ela com meus vinte anos, creio eu. Antes disso, eu chegava a suar frio de ter que ficar um dia com ela e não estou exagerando! Minha irmã pode estar extremamente carinhosa e gentil em um minuto e no outro, caso eu fale alguma coisa que ela considere inapropriado, o PERIGOSAS ACHERON
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mundo acaba. Passei por isso minha infância toda. Eu ligava chorando para minha mãe, eu tentava me esconder da minha irmã e ao mesmo tempo torcia por atenção e um pouco de carinho. Eu admirava ela, afinal, era minha irmã mais velha. Eu também não devia ser fácil, suponho. Porque eu era a irmã mais nova. E também porque eu estou contando a minha visão da história, não sei o que ela sentia ou pensava. Não sei o que a levava a agir dessa forma. Depois que eu cresci, as coisas melhoraram drasticamente. Quando eu era mais nova era muito pior esses sentimentos. Talvez porque quando somos mais novos as brigas com os irmãos sejam mais constantes. É natural. Meu pai dizia que eu tinha que me impor e brigar de volta. Minha mãe dizia era ciúme normal de irmão e eu não deveria dar bola. Mas é muito PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS difícil não dar bola para alguém que é tão próximo da gente. Eu gosto da companhia da minha irmã, me divirto com ela. Ela é uma das poucas pessoas no mundo que eu sei que posso contar, ela faz de tudo pra mim. Muitas irmãs não fazem nem metade do que ela faz. O único problema é esse aspecto da personalidade dela, que afeta muito esse aspecto sensível da minha personalidade. Algumas vezes, minha irmã consegue me colocar pra baixo em menos de cinco segundos e o pior, é que eu acho que ela nem percebe. Assim como tem horas em que ela faz tudo por mim e faz com que eu me sinta a pessoa mais legal do planeta. Mas meu pai também me dizia que quando eu era pequena eu falava algumas coisas desagradáveis pra ela. Talvez irmãos devam se PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tratar assim mesmo, mas eu não consigo me adaptar. Talvez sejam os nove anos de diferença de idade, não sei. Eu estou sempre pisando em ovos e não é agradável. Mas o problema é que sou eu que sinto isso, eu que não deixo a relação progredir. Eu fico analisando essas questões do passado que não vão trazer nada de bom, nada de novo. Eu amo a minha irmã e ela me ama. Não temos a melhor relação do mundo, é fato. Mas nós temos uma relação, diferente de muitos irmãos que eu conheço por aí. Eu vejo que desde que meu pai faleceu minha irmã tenta criar um vínculo comigo. Ela faz muitas coisas por mim e na maioria das vezes, me trata bem. Só não gosto como ela e minha mãe se tratam, mas minha psicóloga diz que não devo me meter nessa questão. Isso é assunto delas.
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PERIGOSAS NACIONAIS “Você não deve ficar doente por causa disso, filha.” Minha mãe falou esses dias na frente da minha irmã. Nem preciso dizer que foi a terceira guerra mundial aqui em casa! Minha irmã deveria respeitar mais a minha mãe e brigar menos com ela. Minha mãe nunca vai mudar, não adianta. Sei que ela é difícil, mas o melhor para todos seria aceitar. Eu sei que é fácil falar quando não se está na pele da minha irmã, também. Então eu também não posso julgar, eu só gostaria que elas não brigassem tanto, porque isso realmente me deixa doente. Acho que as pessoas não entendem que ansiedade é uma doença e que é algo que eu trabalho todos os dias para tentar me manter em equilíbrio. Eu sempre vou ser ansiosa e sempre vou ter que controlar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Minha mãe já começou a entender isso e tem me ajudado bastante, sou muito grata por isso. Não me sinto bem falando essas coisas porque minha irmã provavelmente é a melhor irmã do universo. Ela faz coisas por mim que nunca vi nenhuma irmã fazer e ela me ama incondicionalmente. Mas acho que é por ela ser uma irmã tão boa que me dói tanto quando ela age como uma irmã ruim. Porque são situações tão diferentes e isso me deixa angustiada. Eu não gosto de brigar, nunca gostei. Mas meu pai sempre me disse que nada é preto no branco. Todo mundo tem um lado negro. Eu bem sei que eu mesma tenho um lado super negro. Eu realmente chego a ser maligna. Eu só gostaria que meu pai estivesse aqui para decidir por todas nós, a vida seria muito mais PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tranquila e sem tantos obstรกculos. Em outras palavras, eu seria muito mais feliz.
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Capítulo 34 Querida Aceitação, Nesses dias em que estou de atestado. Sete dias, mais precisamente. A minha única companhia é a Douglas. Douglas é a tartaruga de pelúcia que eu ganhei da minha irmã de Páscoa no final de semana passado. Sete dias atrás, mais precisamente. Nunca fui muito ligada em bichinhos de pelúcia, principalmente porque minha rinite não me permite esse luxo. Mas quando eu olhei para essa tartaruga na lojinha do Projeto Tamar – que é bem legal, diga-se de passagem, eu me apaixonei. Não sei dizer porquê, talvez eu realmente esteja precisando me socializar mais. Só sei que me conforta dormir abraçada com a Douglas. E sim,
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PERIGOSAS NACIONAIS nomeei minha tartaruga fêmea com um nome masculino. Não interessa. Ficar todo esse tempo na horizontal, já que não posso ficar nem sentada e nem muito tempo em pé porque dói minhas costas e meu médico me proibiu... Fiquei deitada pensando na minha vida, na minha rotina, no meu trabalho... Ao me acordar pela manhã, meu pai sempre me empurrava para o lado e deitava um pouco comigo. Eu ficava resmungando e ele me fazendo cócegas no pescoço com a barba dele. À noite meu pai vinha me colocar na cama e me cobrir e eu sempre dizia: “Quer dormir aqui? Tem espaço.”. E ele ria e deitava um pouco comigo e eu ficava fazendo meus monólogos sobre minha vida amorosa, minhas provas e meus amigos. Quando eu saía do trabalho eu sempre ligava para o meu pai e contava como tinha sido e ele me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dava dicas para o dia seguinte. Conversávamos durante quase todo meu trajeto dentro do ônibus, quando ele não estava em reunião ou algo do tipo. Isso me faz pensar que não estou sendo tão boa assim no meu novo trabalho. Não tenho me dedicado tanto quanto eu poderia porque eu mesma não estou comprometida comigo mesma cem por cento ainda. Tenho medo de perder meu emprego, não porque preciso dele, mas porque eu gostaria de sentir que ainda sou capaz de receber elogios pelo meu trabalho, que eu ainda sou competente e não só suficiente. Estou sem um setor que estava defasado e bem atrasado, de modo que não posso fazer milagre. Mas mesmo assim, queria ter a certeza de que estou ali porque eu faço a diferença e não porque não tem mais ninguém que queira. Eu sei que provavelmente estou exagerando e por mais que eu PERIGOSAS ACHERON
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não seja um espetáculo também não sou uma obra de caridade do meu chefe. Afinal, ele precisa de resultados. Acho que essa questão do meu atestado me deixou insegura, porque ficarei quinze dias afastada e isso faz com que eu me sinta mal. Fico pensando em um milhão e meio de besteiras, de que quando eu voltar não vai ser a mesma coisa, meus colegas não vão gostar de mim do mesmo jeito, meu chefe não vai mais fazer palhaçadas comigo e alguém vai ser melhor do que eu no meu trabalho e eu não vou mais ser necessária. Obviamente não posso ser demitida por estar doente. Mas eu posso me sentir excluída emocionalmente. Acho que nunca me senti tão vulnerável na vida! E quando eu leio as coisas que eu escrevo, percebo que é muita ansiedade para uma pessoa só. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS As coisas não acontecem do jeito que eu estou pensando, duas semanas não é uma vida e ninguém vai esquecer de mim porque fiquei em casa por duas semanas! Afinal, as pessoas tiram férias por dez, quinze, vinte dias... e quando voltam tudo continua a mesma coisa. É como se eu tivesse tirado férias! E se por acaso as pessoas fizerem fofoca de mim, como se eu tivesse fazendo corpo mole (eu morro de medo dessas coisas, embora seja ridículo), eu sei que eu não estou fazendo corpo mole. Eu sei que chorei de dor nas costas e que nunca tive uma dor tão forte que não consigo nem fazer menção de sentar. Estou com saudades dos almoços com as minhas colegas, de fofocar durante a laboral e de encher a paciência do meu chefe. Estou até lendo algumas dicas de cobrança de pessoa jurídica na PERIGOSAS ACHERON
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internet para ver se eu encontro algo que me ajude nas negociações. Não vou negar que é bom ficar em casa, mesmo que o tempo inteiro deitada. Eu estava tão esgotada por causa das horas extras que paguei durante cinco semanas que é até um alívio não ter nada para fazer. Mas ao mesmo tempo, fico pensando nessas bobagens e nos meus problemas sem solução. Hoje o Rafa veio me alongar e foi a única interação que eu tive o dia inteiro. Não que seja muito diferente de quando eu estou trabalhando. Eu realmente não estou interagindo muito com pessoas diferentes. Minha psicóloga tem razão, estou meio fechada. Estou construindo muros ao invés de pontes. Porque é mais fácil colocar um tijolo em cima do outro e sufocar minhas emoções. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu escolho não dividir porque não achei ninguém que esteja disposto a escutar. Ou será que eu não estou prestando atenção? Não estou nem falando de romance, pode ser até amizade. Mas me sinto distante da Bela e da Ju, não estou no mesmo ritmo que elas. Estou formada, trabalhando, pensando nos meus próximos passos na vida adulta. As duas estão na faculdade, namorando e com outras preocupações na cabeça. O Gustavo, além de estar estudando feito um louco, mora a quinhentos quilômetros daqui. Logo, não me sobra muitas opções. Ou melhor, esta é uma desculpa que eu uso para não sair da minha zona de conforto. Isso me faz pensar que talvez o tal primo seja isso: minha zona de conforto. Porque eu sei que ele não gosta de mim romanticamente e nunca vai me chamar pra sair com esse objetivo. Assim, eu posso PERIGOSAS ACHERON
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continuar reclamando da vida e não fazer nada sobre isso. Eu deveria sair para me divertir sem ter na cabeça a idéia de que eu preciso de alguém pra preencher esse vazio dentro de mim. Eu deveria procurar maneiras de eu mesma preencher esse vazio, nem que apenas uma parte. Eu fico me metendo sempre na mesma história. Não adianta eu procurar quem não me procura. Estou começando a pensar que isso não é ser autoconfiante e sim, burrice. Se um cara está interessado, ele vai me ligar. Eu queria ser interessante ao ponto dele me ligar pra conversar ou abrir um inbox no facebook. Não interessa para quê. Apenas para conversar. Acho que de todas as coisas que eu sinto falta, conversar é a principal. Eu gosto de conversar. Meu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pai sempre conversou muito comigo e não tenho mais ninguém assim na minha vida. Minha psicóloga diz que estou procurando pedaços do meu pai nas outras pessoas e não vou encontrar. Ou melhor, posso encontrar pedaços, mas mesmo juntando todos esses pedaços de diversas pessoas que eu irei conhecer, esses pedaços nunca resultarão no meu pai. Não adianta.
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Capítulo 43 Querida Aceitação, Não sei porque continuo cometendo os mesmos erros. Eu deveria tirar meu facebook de mim mesma até aprender a controlar meus dedos diante das teclas. Parece até tique nervoso. Sério. Percebi pela milésima vez que o tal primo é mega esquisito e embora eu não me importe muito com isso, acho que ele percebeu que sou esquisita mini. Ou seja, não combinamos. Mal combinamos como amigos. Mas, amigos não precisam combinar. Eu gostaria que minhas amigas não estivessem namorando e que o Gustavo não morasse longe. Assim, eu não precisaria mendigar amizade. Eu to com essa necessidade de alguém querer me conhecer. Quero contar um pouco mais de mim, PERIGOSAS ACHERON
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dos meus gostos e desgostos. Quero que alguém ria das minhas piadas e me ache cult . Acredito que essa minha necessidade venha do fato de que nem eu mesma me conheço, no momento, porque tudo está mudando. Talvez eu não esteja desconectada dos outros e sim de mim. Incrível como uma pessoa pode ser tão importante assim. Eu sempre soube que meu pai era importante pra mim e ainda é, mas eu realmente estou uma bagunça. Acho que parte de mim sempre soube que isso iria acontecer. Que meu pai iria ficar no meio do caminho e que eu me despedaçaria. Acho que eu nunca vou me sentir inteira de novo, e talvez seja para ser assim mesmo. Porque Deus decidiu fazer as coisas deste modo? Acho que no momento, a pior parte não é perder meu pai, porque eu não perdi. Ele continua PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nos pequenos detalhes. A pior parte foi que eu me perdi. É estranho eu dizer que me perdi porque meu pai não está mais aqui. Mas é assim que me sinto. Como se eu estivesse caminhando no escuro e só meu pai tem a lanterna. Na nossa última sessão, minha psicóloga me jogou a seguinte questão: “E se Deus na realidade não possa controlar quem vive e quem morre? E se for algo que acontece independente da Vontade ele?”. Se for assim, então qual o sentido de eu rezar? Aliás, desde que meu pai faleceu posso contar nos dedos quantas vezes eu rezei. E naquele dia eu rezei tanto, mais tanto. E Deus não atendeu minhas preces. Será mesmo que não tinha mais nada que ele pudesse fazer? Eu quero acreditar que foi feito todo o possível e que não foi PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS culpa de ninguém... Que eu não poderia ter feito nada diferente.
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Capítulo 44 Querida Aceitação, Já estou ficando até com dor no ombro por estar escrevendo no computador em uma posição nada apropriada. Mas se eu não escrever ou ler, não tem muitas outras coisas interessantes que eu possa fazer deitada e com dor nas costas. Então, na falta do que fazer por causa do meu atestado e a necessidade de permanecer na horizontal, fiquei pensando que talvez você não entenda realmente a necessidade de você passar aqui em casa. Além de meu pai ter falecido, o que já é motivo o bastante para você vir, gostaria de compartilhar uma breve história que eu gosto de chamar de “Eu e meus treze namorados”. Obviamente eu não namorei todos eles, mas acho o nome impactante e foi o número de caras com PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS quem eu fiquei. Ficar, no meu vocabulário, quer dizer que eu beijei. Nada mais do que isso, fique claro. Namorado número 1: Não durou duas semanas. Eu tinha doze anos, então nem era para durar mesmo. Terminei com ele no dia dos namorados porque ele bebia horrores. Sim, bebia. Soube depois que ele até entrou em coma alcoólico. Hoje ele é um DJ até famosinho e é mais bonito do que quando eu fiquei com ele. Embora, ainda seja feio. Conclusão: não faço a mínima ideia do porquê eu fiquei com ele, não faz o menor sentido e meu pai quase teve um infarto porque o guri era um perdido na vida e porque eu era muito nova. Namorado número 2: Eu tinha treze anos. Durou um mês. Terminou quando ele me pediu em namoro pelo messenger e antes que eu pudesse dizer qualquer coisa – expressar minha indignação PERIGOSAS ACHERON
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pela falta de romantismo, no caso – ele disse: “Vou tomar banho.”. E eu poderia estar esperando ele voltar do banho até hoje, se eu quisesse. Na realidade, ele até me procurou depois, mas o encanto já tinha passado. Conclusão: não faço a mínima ideia do porquê ele me pediu em namoro. Namorado número 3: Eu tinha quatorze anos. Durou cinco meses. Na verdade, ele era bem legal, a não ser pelo fato de que naquela época ele era considerado meio malaco e usava um milhão e meio de correntes de bali – era moda. Na minha formatura ele não falou direito com meus pais, parecia um bixo do mato e nem falou que eu estava bonita (lembro disso porque foi o que escrevi no meu diário) e então, um mês depois terminamos por mensagem porque ele sugeriu “dar um tempo” e eu não quis. Ele tentou voltar comigo por um tempão, mas eu era muito orgulho sa. Hoje em dia somos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS amigos e ele é advogado. Conclusão: Nós éramos muito crianças, mas ele era uma pessoa decente. Namorado número 4: Eu tinha dezesseis anos. Durou três meses. Meus pais adoravam ele. Acho que no fundo, esse foi o problema. Porque adolescentes são assim, quando os pais gostam, a gente acha um problema. O problema dessa vez foi o meu medo, medo porque o namorado era capaz mesmo de dar certo... a não ser pelo fato de que no ano seguinte ele iria para o Canadá. Decidi terminar antes de saber o final da nossa história. Hoje ainda conversamos, mas não somos mais tão amigos porque somos muito diferentes das pessoas que éramos antes. Conclusão: continua não sabendo o final da história. Namorado número 5: Eu tinha dezessete anos. Durou um ano e meio. É o Voldemort e tudo desandou depois dele. Fez eu perder o único amor PERIGOSAS ACHERON
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que vale à pena: o próprio. Conclusão: não merece uma. Namorado número 6: Eu tinha dezenove anos. Primeira cara que fiquei depois daquele que não deve ser nomeado. Era um colega de faculdade que não estava mais cursando Economia. Eu nem queria ficar com ele, foi um acidente. Alguém me empurrou sem querer para cima dele, ele estava bêbado, ficou insistindo... eu fui ficando nervosa e fiquei com ele para me livrar. Pensando agora, ele tentou ser querido: me apresentou por amigos dele, quis dançar comigo e pediu meu telefone. Só que eu não dei a minima bola. Eu só queria sair correndo dali. Cheguei em casa e liguei chorando pro meu pai que estava viajando e na pressa de desabafar meu pai entendeu que eu tinha sido abusada e eu tive que explicar que não aconteceu nada além de um beijo. Conclusão: Depois disso PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS eu aprendi a me impor e a dizer “não”. E “não” quer dizer “não”. Namorado número 7: Eu tinha vinte anos. Durou um mês. Foi o primeiro cara legal que eu conheci depois do Voldemort que eu pensei que daria em alguma coisa. Ele mandava mensagem, ligava quando dizia que ia ligar, era super paceiro... Só que não tinha muito assunto a não ser matemática – que foi onde nos conhecemos, no curso de Matemática. Mas, pensando agora, talvez ele tivesse mais assuntos, só que eu não estava preparada para conhecê-lo. Conclusão: ele era um cara legal e fico feliz que atualmente ele esteja namorando. Namorado número 8: Eu tinha vinte anos. Foi o primeiro cara que fiquei só por ficar na balada. Eu só queria ter essa experiência... e ele dançava bem. Ele me disse que ia no banheiro e nunca mais PERIGOSAS ACHERON
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voltou. Eu não me importei e voltei a aproveitar a festa com meus amigos. Conclusão: não achei uma experiência enriquecedora. Namorado número 9: Eu tinha vinte anos. Não durou nada. Eu conhecia ele há dois anos e sempre tive um imenso carinho por ele. Nunca ficamos porque eu não queria trair o Voldemort . Mas ele sempre me deixou balançada, principalmente quando recém nos conhecemos, porque meu namoro não ia bem. Então, finalmente solteira e pronta para a vida real, ficamos. Ficamos algumas vezes aleatórias em festas mais aleatórias ainda. E eu sempre achando que ia dar em alguma coisa...Foi a primeira pessoa que eu realmente gostei depois do meu namoro mal sucedido. Só que ele não queria nada com nada. Nem comigo, nem com a vida... E eu vi que não adiantava eu tentar algo com alguém tão confuso. Hoje eu ainda tenho PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS um imenso carinho por ele, e nos falamos. Somos amigos. Fico feliz porque ele está se encaminhando na vida e tem até uma namorada. Conclusão: ele não era o cara pra mim e eu não era a mulher pra ele. Namorado número 10: Eu tinha vinte e um. Durou um dia. Quis ficar com ele porque conhecia o primo dele, então, sabia que ele era uma boa pessoa. Era engenheiro e até então bem humorado. Depois de ficarmos e conversando mais com ele descobri que ele tinha depressão e não trabalhava... Eu já tinha dito minha cota de problemáticos, não queria mais um! O fim da picada foi quando ele me contou que o último trabalho dele tinha dado “muitas caspas” e então, nós estávamos na webcam, ele se levantou para fechar a janela e eu vi a cueca dele. Não, não era uma boxer. E ele era bem gordinho. E quando eu digo bem, eu quero PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dizer muito. Nada contra, não tenho preconceitos e não sou ligada na beleza. Mas quando você não está apaixonada pelo cara, isso conta. As caspas e a visão da barriga dele sobre a cueca estilo “vô” foi muito pra mim. Conclusão: a webcam pode terminar um relacionamento muito antes dele efetivamente começar. Namorado número 11: Aquele que não quis mais ficar comigo porque meu pai faleceu. Conclusão: tira suas próprias conclusões, Aceitação. Namorado número 12: Daniel, aquele que só quer me levar pra cama. Conclusão: eu tenho um dedo podre. Namorado número 13: O Marcos, que foi legal comigo, mas eu não fui tão legal assim com ele. Conclusão: acho que eu devo ficar sozinha. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Acho que com isso deu para você entender, querida Aceitação, que eu realmente preciso que você apareça por aqui. Eu já tenho confusões emocionais suficientes, e o fato de eu não ter meu conselheiro amoroso por aqui (leia-se: meu pai) as coisas ficam mais complicadas!
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Capítulo 45 Querida Aceitação, Não sei se é por causa do relaxante muscular que estou tomando que me deixa meio zonza, mas acontece que nesses dias deitada na minha cama estou refletindo muito sobre a minha vida. Minha psicóloga me fez pensar que talvez haja um motivo para eu ter ficado ruim das minhas costas. Então, talvez o motivo fosse este: me reencontrar. Faz tempo que não me sinto tão criativa. A criatividade é o alimento dessa minha “alma de artista”, expressão que meu pai costumava usar para me descrever. Há dois meses atrás li um texto no facebook e essa frase me chamou muita atenção: “ Por fim entenda que você pode ser uma pessoa super PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS charmosa, educada, inteligente ou qualquer outro adjetivo, mas se a outra pessoa não for equivalente, ela não irá perceber o quão valiosa você é.” Não sei quem é o autor, mas gostaria que tivesse sido eu porque realmente captou o que eu sinto por dentro. Eu me sinto uma pessoa de valor, mesmo que às vezes eu esqueça disso e eu quero do meu lado pessoas que sejam valiosas também. Quem sabe então, eu não esteja procurando nos lugares errados. Quem sabe então eu devesse parar de procurar. Talvez eu devesse parar de tentar controlar tudo à minha volta e ficar louca quando as coisas não funcionam da maneira que eu gostaria. Porque nada é perfeito, nem meu pai era. Eu tento ser perfeita e acabo me frustrando. Eu tenho apenas que fazer o que me dá prazer e felicidade. E quando eu tiver que fazer algo que não me proporcione isso, PERIGOSAS ACHERON
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arranjar maneiras parar tornar esse algo prazeiroso e me deixar feliz. Acho que você deve estar até me estranhando, né Aceitação? Eu costumo ser sempre pessimista e hoje estou um poço que palavras positivas. Pareço até a Pollyana (é, não vamos exagerar...). O caso é o seguinte: Ontem à noite eu retomei minha leitura de “Você pode curar sua vida” da Louise Hay. Sinceramente, nunca fui muito desses livros de auto-ajuda e quando eu vi que estava melhorando, acho que meu subconsciente (esse meu subconsciente acaba comigo! Sério mesmo.) empurrou o livro pra um cantinho da minha vida e fez eu seguir em frente. Só que ontem o meu consciente ganhou a conversa por acaso e eu encontrei uma meditação na internet. Também
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nunca fui muito de meditação. Afinal, como uma pessoa ansiosa vai conseguir meditar? O bom dessa meditação que achei no youtube, é que posso ouvir deitada e não preciso me concentrar exatamente nela. Posso só ouvir e relaxar o corpo e a mente. Aliás, relaxar não é algo que venha facilmente pra mim... Não é uma palavra do meu vocabulário. Em determinado ponto da meditação, a narradora diz: “Desapegue-se do medo. Desapegue-se da culpa. Desapegue-se da tristeza. Desapegue-se da inveja. Desapeque-se da tensão. Durante alguns instantes, sinta-se completamente em paz. Não há necessidade de lutar. Você não precisa esforçar-se demais. É só pensamento que você precisa mudar.” Eu percebi que preciso parar de pensar no que eu (acho) que eu quero para pensar no que eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mereço. E eu mereço minha paz de espírito. É extremamente cansativo ser dominada pelo medo. E pior, eu nem percebi o quanto o meu medo me manipula até eu escrever sobre isso pra você. Eu tenho medo de perder o emprego, tenho medo de não conseguir arrumar meu cabelo, tenho medo do que os outros possam pensar porque estou de atestado, tenho medo de não conseguir passar em um concurso, tenho medo dos meus amigos me interpretarem mal, tenho medo das brigas da minha irmã com a minha mãe, tenho medo de não conhecer alguém legal. Acima de tudo, eu tenho medo de fracassar, de não ser exatamente o que eu acho que eu preciso ser. Esse medo me mata, me consome e me vira do avesso. Esse medo me angustia a ponto de me deixar paralizada, que foi o que aconteceu no meu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS segundo dia de trabalho há alguns meses atrás. Toda essa corrente de emoções que flue dentro de mim se mistura e vira uma coisa só: medo. “Você não precisa resistir. Você está em completa segurança.” É o que a narradora diz. E eu percebo que é isso que eu queria ouvir há muito tempo. Eu posso relaxar por algum tempo, nem que seja por cinco minutos. Eu tenho direito. Eu preciso. Eu preciso estar completamente relaxada. Eu preciso estar ciente de que estou segura e posso abaixar a guarda um pouco. Isso não vai me tornar fraca. E eu não vou enlouquecer por causa disso. O mundo vai continuar girando, as pessoas vão continuar trabalhando, minha família vai continuar vivendo. Eu não sou o centro do universo e nem preciso ser.
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PERIGOSAS NACIONAIS É tão bom escrever isso, mesmo que você nem compreenda totalmente o que estou querendo dizer com isso, Aceitação. Não sei exatamente o que deu em mim, mas acho que só cansei de ser estilo “alma atormentada”.
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Capítulo 46 Querida Aceitação, Começo o dia com o seguinte pensamento: eu não preciso de alguém para ser feliz. Eu posso ser feliz sozinha. Eu consigo. Isso significa que eu não preciso do meu pai para ser feliz; não preciso de um namorado para ser feliz; não preciso dos meus amigos para ser feliz; não preciso da minha mãe para ser feliz; não preciso da minha irmã para ser feliz; não preciso da Douglas – meu bichinho inanimado de estimação – para ser feliz e não preciso do Flake – meu bichinho de verdade de estimação – para ser feliz. Isso porque existem diversas formas e níveis de felicidade. Quando se tem todas as coisas acima, podemos afirmar (eu, pelo menos) que somos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS plenamente felizes. Quando não temos tudo, ainda somos felizes. Quando não temos nada, ainda (devemos) ser felizes. Conclusão? Eu preciso exercitar a forma mais simplória de felicidade: a felicidade de ter a minha própria companhia. Eu nunca tive muito problema com a minha própria companhia, mas quando entramos na fase em que “supostamente” devemos ter um companheiro, para que essa forma de felicidade é humilhante e sem propósito, quando é justamente ao contrário. Você nunca vai conseguir ser feliz com alguém antes de ser feliz consigo mesma. Sinceramente, acho que eu fico buscando tantas formas de me fazer feliz que esqueço de ser feliz, de fato. O tal primo deve ser um cara muito bacana mesmo e um ótimo amigo. Ele pode até ser um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ficante decente e um namorado maravihoso. Ele preenche vários requisitos que eu tenho no meu “perfil de cara perfeito para se namorar”, mas isso não garante que ele vai preencher o quesito mais importante que é “eu me apaixonar por ele”. Porque eu não gosto dele. Eu nem conheço ele, de verdade. Eu quero conhecê-lo, mas apenas porque ele é uma pessoa tão curiosa, com gostos e opiniões tão peculiares, que me sinto instigada a conhecê-lo melhor. Talvez ele vire um amigo ou quem sabe só um personagem de uma das minhas histórias de papel e caneta. Eu não sei. O caso é que eu o transformei em uma pessoa muito mais importante do que ele realmente é. Isso se deve ao meu medo de não haver ninguém interessado em mim no momento (romanticamente falando) e isso nunca aconteceu antes. Isso se deve ao fato de eu ter medo de ele ser a única pessoa “diferente” que vou PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS conhecer nesse futuro próximo e assim, vou permanecer esse ano sozinha. Mas eu me pergunto: e daí? É assim tão horrível ficar comigo mesma? Se a possibilidade de ficar sozinha comigo me angustia tanto, como é que eu vou mostrar para alguém que me namorar é bom? Acho que o ponto de tudo isso é voltar a ser como eu era antes, ao menos nesse aspecto. Se eu quiser conversar com ele, converso. Se eu quiser sair com ele, convido. Se eu achar que ele é um babaca, ignoro. Mas não vou ficar pensando nos diversos cenários prováveis pro desenrolar da nossa história. Porque essa história não é nossa (minha e dele), essa história é só minha.
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Capítulo 47 Querida Aceitação, Minhas costas ainda estou doendo e estou começando a ficar preocupada. Não consigo ficar sentada que dói! Tudo bem que foi uma contratura bem forte, mas mesmo assim... Hipocondríaca do jeito que eu sou fico me descabelando! Além disso, já estou cansada de ficar deitada. E minha tendinite está atacando de tanto que fico escrevendo porque não tem nenhuma outra coisa que eu queira fazer... Minha cabeça anda cheia de pensamentos e preciso colocá-los para fora. Hoje eu realmente me sinto uma senhora de 22 anos com todas essas dores pelo meu corpo. O Rafa veio me alongar, mas mesmo assim ainda estou toda entreverada. PERIGOSAS ACHERON
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De acordo com o livro que estou lendo – da Louise Hay, as dores do corpo vem da nossa mente, logo, eu gostaria de saber porque essa tensão toda no meu corpo. O que será que meu subconsciente está escondendo de mim? Às vezes penso que somos inimigos mortais, porque ele sempre vive me aprontando alguma coisa. O que você pensa sobre isso, Aceitação? Queria que minha irmã estivesse aqui porque ela faz uma massagem muito boa. Só que ela morre de medo quando encosta nas minhas contraturas porque acha que vai fazer alguma coisa errada e me deixar aleijada para o resto da vida. Eu quis chamar um osteopata para me dar umas estaladas, mas minha mãe ficou com medo de o cara estalar algo errado e me deixar desconjuntada pra sempre. Ou seja, tipo o primo desossado do PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS desenho “A Vaca e o Frango” que eu via quando era menor. Resumindo, não consegui nenhuma solução para minhas dores a não ser continua a fisioterapia e os alongamentos. Odeio ter paciência! A única coisa boa nisso tudo é a existência da minha mãe, senão eu estaria perdida. Ela faz todas as minhas vontades. Compra ruffles e chocolícia para eu comer à tarde e também trás filmes pra eu assistir. Ultimamente tenho gostado muito de ficar com a minha mãe. Nove meses atrás eu não acreditaria que me sentiria assim. Minha mãe é minha companheira. Adoro sair pra fazer compras com ela, comer sorvete ou ir ao cinema. Me divirto muito. Nós sempre estamos rindo e ela me faz feliz mesmo quando estou nos meus dias negros. PERIGOSAS ACHERON
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Ela me entende melhor e lida melhor comigo e isso faz com que eu me sinta aquecida por dentro. Ela me ama de verdade e é muito reconfortante sentir isso em todas as células do meu corpo. Eu sei que ando muito carente e é por isso que sinto tudo com ainda mais intensidade, mas mesmo assim. A realidade de estar finalmente criando um relacionamento com a minha mãe é indescritível, sempre sonhei com esse dia. Acho que eu sempre fui tão focada no meu relacionamento com meu pai que nunca parei para pensar nas coisas que eu poderia ter em comum com ela. Ou melhor, nas coisas que eu poderia aprender com ela. Confesso que no início tinha medo. Novidade, né? Eu e meus medos...
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PERIGOSAS NACIONAIS Eu tinha medo de que minha mãe fosse entrar em uma depressão profunda e nada seria capaz de tirar ela de lá. Eu tinha medo de que ela não iria conseguir reerguer nossa família e nem prover nosso sustento. Nunca estive tão enganada em toda a minha vida! Minha mãe realmente é a mulher mais extraordinária que eu conheço. Perdeu o marido, a empresa, a irmã... e ainda sim mantém a cabeça erguida e segue em frente. Eu também não devo ter sido nada fácil no meu período mais negro, sei que foi difícil pra ela me ver daquele jeito. Sei que é difícil pra ela quando eu tenho minhas crises. A verdade é que relacionamentos são difíceis. A graça da coisa está em aprender a lidar com essas dificuldades. Posso dizer com total segurança que minha mãe vai ser sempre minha amiga e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS companheira porque criamos um vínculo inabalável durante esses meses que passaram. Ela não é perfeita e com certeza me tira do sério muitas vezes. Ela é teimosa, não escuta e fala coisas que machucam porque ela não pensa antes de falar. Mas ao mesmo tempo ela está se tornando uma pessoa mais carinhosa comigo, ela escuta minhas histórias e tenta entender um pouco mais sobre os meus gostos, que envolve livros, filmes e moda. Eu posso não ter mais meu pai, mas tenho uma mãe que nem todo mundo tem a sorte de ter, o que já é muito. Não vou negar e dizer que minha vida está completa e me sinto preenchida, porque não é verdade. Esse vazio no peito ainda me acompanha, alguns dias mais presente do que outros. Queria PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS poder apagá-lo mim por completo, mas acho que não vai ser possível. Nem quando você aparecer... Estou certa, não estou, Aceitação? E é disso que eu falo: esse vazio nunca vai desaparecer por completo porque nada é como antes. Por mais que algumas coisas tenham mudado para melhor. Isso só refuta a minha afirmação: nada é como antes. Dizem que se você repetir uma sentença 100 vezes ela finalmente vai penetrar na sua mente. Eu já falei muitas e muitas vezes essa frase, mas ainda não consigo captar totalmente o significado disso tudo e entender que certas coisas na vida simplesmente são assim.
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Capítulo 48 Querida Aceitação, Essa semana eu assiti a palestra do Matt Cutts em que ele afirma que se você fizer alguma coisa todos os dias por trinta dias isso se tornará um hábito e o mesmo vale para caso você deixe de fazer alguma coisa. Achei uma ideia interessante e bem intrigante. Desafios sempre me estimulam a tentar realizá-los. Pensei bastante sobre o que eu gostaria de tentar por trinta dias e resolvi que será a minha meditação noturna com aquele vídeo da Louise Hay. Me senti muito bem durante esses dias que tenho escutado aquela mensagem. Uma sensação de paz que perdura ao longo do dia e não sei se é bobagem ou não, mas sinto que depois que eu fiz a PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS meditação é como se eu tivesse uma certeza crescendo dentro de mim. Uma certeza de que as coisas vão dar certo pra mim dessa vez. Uma certeza de que coisas boas estão a caminho. Obviamente eu tenho que me esforçar pra isso. E já estou criando um plano de ação. Depois que eu vi que faltou apenas 0,2 pontos para eu passar no concurso que eu fiz, ou seja, uma questão – e eu nem estudei, percebi que é uma boa oportunidade de eu me dedicar a algo que não seja cassar um namorado e lamentar a morte do me pai, o possível descaso de Deus comigo e os cretinos da minha família paterna. Eu preciso focar todas essas minhas descontentações em algo produtivo. E o que seria mais produtivo do que estudar, né? Afinal, eu sempre gostei de estudar e eu era muito boa nisso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Minha irmã acredita muito em mim e é a pessoa que mais me apóia. Quando eu estava sem emprego e não sabia o que fazer da minha vida ela se ofereceu para pagar um cursinho para concurso pra mim. Ela me ajudou a pensar o que eu poderia fazer da minha vida, por mais que isso me deixasse ansiosa e fizesse eu me voltar contra ela. Eu sei que algumas vezes ela fala coisas que me magoam. Mas algumas dessas coisas são necessárias. Outras nem tanto, mas a vida é assim. O fato é que hoje eu parei pra pensar que minha irmã realmente é muito boa pra mim. Ela é prestativa, atenciosa, carinhosa e engraçada. Acho que nesses últimos meses eu andei focando tando nas partes negativas das pessoas que me esqueci do que elas tinham de bom. Várias PERIGOSAS ACHERON
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vezes me peguei pensando nas coisas que me irritavam na minha mãe, na Ju, na Bela, na minha irmã... Porque, sinceramente, tudo me irritava, me magoava ou me deixava triste. Acho que o problema foi muito mais eu do que elas. Eu mudei enquanto elas continuaram as mesmas pessoas, com os mesmos defeitos que eu sempre aceitei – assim como elas sempre aceitaram os meus. Eu as amo. Muito. Acho que a meditação está funcionando pra mim, mesmo que só tenham passado alguns dias. Estou percebendo coisas que não conseguia enxergar antes e vendo as situações de uma maneira mais positiva e construtiva. Na nossa última sessão, minha psicóloga me aconselhou a tentar fortalecer ainda mais o vínculo com a minha irmã e agora eu vejo o porquê dela ter dito isso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS De que adianta eu me prender ao passo ou nas coisas que eu não gosto dela? Do que adianta eu me preocupar com as decisões financeiras que não cabem a mim e sim a nossa família como um todo? Nós nunca vamos passar fome, disso eu tenho certeza. Minha irmã merece tudo o que ela quiser, e eu desejo todo o sucesso pra ela do fundo do meu coração. Não posso deixar o meu medo pelo nosso futuro afetar a vontade que eu tenho de celebrar as conquistas da vida dela. Eu tenho minhas opiniões e o meu modo de ver a vida e ela tem o dela. Isso não importa. Nada disso importa. Nós somos família.
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PERIGOSAS NACIONAIS Eu sou a pessoa que mais acredita no potencial dela. Eu sei que ela vai crescer muito na vida e será uma pessoa muito influente onde quer que ela trabalhe. Eu quero que ela seja feliz e livre de preocupações. Você consegue entender aonde eu quero chegar, Aceitação? Eu quero dizer que estou livre dessas cicatrizes emocionais as quais eu me apeguei por tanto tempo. Foi assim com a minha mãe, estava sendo assim com a minha irmã. Isso porque acredito que eu estava procurando nelas o que eu tinha com o meu pai, como minha psicóloga mesmo disse. Eu não quero mais me fechar pra elas, pro mundo. Eu não quero mais me fechar por causa do medo. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS A palavra liberdade é extremamente forte. E eu percebo que é isso o que eu quero pra minha família e pra mim. Eu quero que nós nos libertemos de todo esse mal que nos cerca, de todas essas pessoas invejosas e mal intencionadas. Eu não tenho mais que ter medo porque eu sei que eu posso. Eu sei que minha irmã pode. Eu sei que minha mãe pode. Meu pai deixou uma herança mais importante do que qualquer outra coisa: a capacidade de se reinventar, se reerguer e de sermos pessoas de bem. Quando fazemos o bem, quando trabalhamos honestamente não tem como as coisas darem errado. Pode demorar, mas um dia tudo fica no seu devido lugar. Eu sei que posso estar falando tudo hoje e amanhã acordar meio desanimada, mas o desânimo também é natural. Quando isso acontecer, eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sempre vou ter minha mãe e minha irmã para me animarem. Eu não estou sozinha. Na realidade, eu nunca estive. O que mudou hoje é que eu não me sinto sozinha. Sentimento é uma coisa muito forte e só ele é capaz de fazer a gente enxergar as coisas com clareza. Hoje eu me sinto livre. Livre do medo que estava me consumindo por dentro. “Eu me desapeguei de todas as coisas negativas, de todas as pessoas negativas, de todas as situações negativas, de todos os pensamentos negativos.” Se a minha mente conseguiu criar todo esse medo, toda essa angústia, ela também é capaz de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS criar uma bolha de positividade em minha volta e atrair só o que eu mereço. É um grande alívio sentir que eu tenho duas pessoas maravilhosas na minha vida: minha mãe e minha irmã. E se um dia elas chegarem a ler isso, quero que elas não se apeguem as coisas ruins que eu disse. Afinal, isto é um desabafo. Quando eu escrevo, meu dedos se desfazem de tudo que está dentro da minha cabeça. E ninguém pensa só em coisas boas sobre todo mundo o tempo todo, não é verdade? O que importa é que o eu escrevo aqui e agora. Eu não quero viver no passado ou no futuro. Eu quero ficar bem aqui onde eu estou, porque pela primeira vez em muito tempo, eu me sinto segura. Não sei se você compreendeu alguma coisa do que eu disse, Aceitação. Foi só uma epifania que eu tive nessa madrugada de insônia. Se você quiser PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS esquecer tudo o que eu disse, tudo bem. Só queria que você refletisse sobre uma coisa: Depois de tudo o que eu falei, será que já não está na hora de você chegar?
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Capítulo 49 Querida Aceitação, Estou cansada de ficar na cama. Me sinto uma enferma na época da Peste Negra. Não sei porque escolhi particularmente essa época, mas é como eu me sinto. Fico o tempo todo deitada com as cortinas fechadas. Parando pra pensar, estou mais para uma vampira com um sério problema de escoliose. Eu só não gosto de ficar no meu quarto deitada com a luz da rua entrando pela janela. É mania minha, não sei explicar. E mania não se explica, né? Estou morrendo de medo de não melhorar em quatro dias, que é quando devo voltar a trabalhar. Mas como estou meditando e treinando meu pensamento positivo, tenho fé de que até lá estarei bem melhor. Hoje já acordei bem melhor, para falar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS a verdade. Só não consigo ficar muito tempo sentada... Meu chefe me ligou hoje. “Como é que tu tá? A Liz tá irritada porque estou enchendo o saco dela. O pessoal chegou a conclusão de que é porque tu não tá aqui, daí eu fico muito calado.”. Nunca pensei que eu fosse dizer isso, mas estou com saudades de trabalhar. Me sinto produtiva e tenho pessoas para conversar. Posso incomodar meu chefe, por exemplo. É um dos meus passatempos favoritos no trabalho. Meu chefe não entende nada sobre ser uma princesa e também acha que minhas teorias sobre como arranjar um namorado não vão dar certo. “Quando tu chegar aos quarenta, Ge, tu vai perceber que essa tua macro tem filtros demais.” foi PERIGOSAS ACHERON
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o que ele me disse quando eu comentei sobre os meus pré requisitos. Meu chefe é o gênio do excel, é meio que o super poder dele, por isso a comparação com macros e filtros, caso você não tenha entendido, Aceitação. “Ah não tem mesmo!” foi o que eu disse. “Se eu sou uma princesa e me preocupei em me tornar um bom partido porque eu tenho que aceitar menos do que um bom partido?”. A Raquel concordou comigo. Ela senta de frente pra mim e é muito engraçada. Acho que não tinha falado dela para você ainda. Mesmo sem perceber, ela faz um bem enorme pra mim. “Davi, tu não entende, a Ge é independente e vai ser difícil pra ela arranjar um homem que acompanhe!”. A Raquel diz que eu estou sempre surpreendendo porque eu cheguei quieta e hoje em PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS dia não calo a boca. Ela ri das coisas que eu sei fazer e fala: “Ah, Ge, e o que tu não sabe fazer?”. Eu rio e digo: “Tenho que compensar por ser meio bixada, né.”. Leia-se: Minhas mil e uma alergias, minha escoliose, minha tendinite... O caso é que ela faz com que eu me sinta bem sobre quem eu sou. Ela faz com que eu me veja como uma mulher inteligente e forte. Nunca vou esquecer quando veio um colega de outro setor perguntar um negócio pra mim e olhou pra ele e disse: “Cuidado com essa daí: ela é brava, teimosa e tu não vai conseguir enrolar ela!”. Eu fiz uma cara pra ela de espanto e disse: “Nossa, Raquel, mas eu sou tão legal contigo!”. “Comigo tu é, sim. Mas eu to falando alguma mentira?”. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Nós duas rimos, porque ela estava falando a verdade. Só que fazia muito tempo que eu não me via dessa forma. Fazia muito tempo que eu não era parecida com a minha mãe. Eu me senti bem. Eu gosto bastante do meu ambiente de trabalho, por mais que às vezes fique meio tenso por causa da pressão ou então por causa das fofocas (muita mulher no mesmo ambiente). Até sobre as minhas doenças eu não encano mais. Antigamente eu ficava extremamente chateada quando alguém comentava a quantidade de vezes que eu ficava doente. Na escola, por exemplo. O Zé, eu chamo ele assim porque ele me apelidou de “Zé Meningite” por causa daquela música e eu nem liguei. “Quando aparece uma doença nova no mercado a Georgia já pega pra ela!” diz ele, tirando sarro de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS mim. E o melhor? Eu rio junto. Eu finalmente aprendi a rir das minhas desgraças, como meu pai me ensinou. E eu nunca deixo por menos, também, como minha mãe me ensinou. “Essa aí dá nos dedos mesmo!” é o que dizem de mim. É, eu realmente estou com saudades do meu trabalho. Mesmo que calcular os impostos me deixem louca, mesmo que os clientes adorem me xingar porque eles estão devendo e eu estou cobrando, mesmo quando não consigo descobrir que quem é o pagamento que entrou no nosso sistema e fico horas procurando às cegas. Sabe porque eu gosto de todas essas coisas acima? Porque quando saio para almoçar com as minhas colegas eu posso reclamar de tudo isso e ainda pedir a opinião delas sobre a conversa que eu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS tive com o tal primo ou então perguntar que roupa eu deveria usar num jantar que tenho pra mim. E isso significa que eu faço parte de alguma coisa. E essa sensação é extremamente agradável.
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Capítulo 50 Querida Aceitação, “O que é que está acontecendo? Qual o propósito? Há alguma razão para isso? Porque, se você conseguir pensar em uma razão, qualquer razão, de porquê o universo é tão imperfeito, tão sem propósito e cruel, agora seria uma boa hora para me dizer, porque eu realmente estou precisando de respostas!” . Essa é uma cena no elevador de uma série que eu adoro assistir, Grey’s Anatomy. E este pequeno parágrafo expressa com clareza o que eu sinto quando penso sobre tudo o que vem acontecendo comigo nesses nove meses que se passaram. Digamos que, por um momento, apenas por um momento, eu acredite que meu pai cumpriu sua missão na terra – como a Ju uma vez me sugeriu – PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS e que sua morte tenha servido para eu, minha mãe e minha irmã ficarmos mais próximas. Ok, recado dado. Posso tentar digerir isso ao longo do tempo e com a minha terapia. Mas, porque três meses depois meu tio tinha que roubar todo o nosso patrimônio, nos deixando com uma mãe na frente e outra atrás? Meu pai sempre foi honesto, ele devia e não negava, tentava pagar como podia... Mas tudo que tinha na empresa foi resultado do esforço dele. Logo, o que sobrou do esforço dele seria nosso. Meu tio não moveu uma palha pra nada! Para piorar ainda mais o cenário, porque seis meses depois minha tia também teve que morrer? Isso não foi nem um pouco legal com ela – cancêr não é uma maneira muito agradável de se morrer, se é que tem uma – e nem com a minha mãe!
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PERIGOSAS NACIONAIS E para ser ainda mais (im)perfeito, porque meu tio tinha que alegar na justiça que o carro era dele, que meu pai era empregado e mais um monte de mentiras e barbaridades sobre o meu pai e minha mãe? Eu não entendo a lógica disso tudo. Eu não entendo como a matemática pode ser exata se o nosso universo conspira de uma maneira tão aleatória a favor de um e contra outros. Eu tenho certeza absoluta que não mentalizei de uma maneira tão negativa para puxar essas coisas ruins pra mim. Mas, se tem uma coisa que eu aprendi com toda essa meditação que eu venho fazendo é que não adianta eu buscar os porquês ou ficar querendo achar os culpados (meu tio, na maioria das vezes) porque não vai mudar o que já aconteceu até aqui. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS O que eu tenho que fazer é rezar muito e fazer de tudo para apoiar minha mãe durante essa fase difícil na nova empresa, estudar muito para passar em um bom concurso e ir atrás dos meus sonhos, que incluem me curar de corpo e alma e ser feliz, ter paz de espírito. Agora eu percebo que pensar no meu tio e em tudo o que ele me fez já é uma forma de negatividade, porque ele sozinho já é uma alma tão negativa que provavelmente deve ter uma nuvem negra em cima da cabeça dele – que só Deus consegue enxergar. O que eu quero dizer, Aceitação, é que eu entendi acredito que finalmente eu tenha entendido: o tempo não cura tudo. Na verdade, o tempo não cura nada. Não existirão cicatrizes enquanto eu não quiser ser curada.
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PERIGOSAS NACIONAIS Eu acho que eu não quero quero acreditar que o tempo cura tudo porque isso significaria deixar você entrar por aquela porta. Não é verdade? Pensando sobre isso agora, acho que você provavelmente está aí fora, sentada, me esperando. Eu não te vejo porque ainda não estou preparada pra te ver. Eu não sei quando vai ser isso e nem se realmente vai acontecer, porque só estou dando um palpite. A verdade é que eu quero que você exista, só assim eu vou ter certeza de que um dia voltarei a ter controle sobre as minhas emoções somente por mim mesma, sem remédios, sem meditação, sem livros de autoajuda, só eu e meus pensamentos. Durante muito tempo eu tive medo de escrever, por isso não comecei a escrever desde o primeiro mês. A verdade é que tem gente que sente para então escrever. Já eu, eu escrevo para me permitir PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS sentir. Se eu não escrevo, eu não sinto. Alma de artista, tá lembrada? Minha psicóloga diz que se eu me permito sentir, então estou no caminho da cura. Eu espero profundamente que ela esteja certa porque eu realmente cansei de ser uma pessoa pra baixo, doente e negativa. Eu quero voltar a ser eu mesma antes disso tudo. Mas uma versão melhorada de mim. Será que é possível?
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Capítulo 35 Querida Aceitação, Acho que eu descobri porque eu achava que o tal primo era o amor da minha vida (ok, nem tanto assim, mas ele preenchia vários dos requisitos da minha lista). Eu estava lendo despretensiosamente o livro da Bruna Vieira, Depois dos quinze, e me deparei com o capítulo “Eu te amo e enter” e percebi que isso define muito essa minha procura por alguém que preencha o meu vazio. Nesse capítulo, ela descreve essa era virtual em que eu nasci. Basta umas duas ou três horas de conversa já sabemos tudo o que se tem pra saber um do outro. Os sonhos, os medos, as frustrações. Ou pode nem ser tanta coisa assim, mas já sabemos PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS muito mais do que saberíamos se estivéssemos em uma conversa olho no olho. O que antes seriam segredos ou sentimentos íntimos se tornam coisas tão banais porque é muito fácil você contar uma coisa encarando uma tela de computador. Você não vai ver a reação da pessoa e o mais importante, ela não irá ver a sua. Eu sempre achei que tudo fosse lindo online, mas a Bruna diz exatamente o contrário: “as pessoas nunca são felizes na internet. Caio F. Abreu nunca foi tão citado.” E é verdade. Eu mesma já citei ele umas troncentas vezes desde que meu pai faleceu. É sempre mais romântico sofrer com classe né? Por mais que as conversas por inbox tenham facilitado a vida profissional, acadêmica ou até mesmo pessoal (afinal, telefone gasta muito né? E muitos amigos moram longe...), essas conversas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS virtuais também fizeram com que a gente pulasse muitas fases quando se trata de relacionamentos. Eu já briguei por facebook com minha melhor amiga, já discuti relação, já terminei relacionamentos que nem começaram, já levei cantada, já fiz amizade, já desfiz amizade. E em nenhuma dessas situações acima eu sei se a pessoa ficou triste, se ela riu da minha cara, se ela chorou ou se ela foi indiferente. Estranho, né? Eu, como um projeto de escritora, sou muito ligada nas expressões, nos sentimentos das pessoas. E a internet deixa tudo tão sem... nada. Eu gosto de palavras, mas também gosto de sentir pele na pele, ver sorrisos e até mesmo lágrimas. A verdade é que ninguém pode dizer que conhece alguém só porque conversa com ela todo dia pelo facebook e sabe tudo o que ela fez e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS deixou de fazer nesse meio tempo. Uma pessoa não conhece alguém até segurar na mão dela, dar um soco camarada em seu ombro, fazer um cafuné no cabelo dela e dar um beijo em seu rosto. Você não conhece uma pessoa se não sabe a expressão que ela faz quando você diz “sinto saudades do meu pai” ou “estou morrendo de dor nas costas hoje”. E acho que o que eu quero dizer, talvez mais pra mim do que pra você, Aceitação, é que eu tenho me enganado e muito. Eu achei que se uma pessoa curtisse o meu status do facebook, comentasse nas minhas fotos e conversasse comigo por inbox todos os dias queria dizer que ela gosta de mim. Mas não necessariamente. Só quer dizer que ela gosta de mim online. Acho que eu estava, assim como tantas outras pessoas que eu conheço – tanto online como na PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vida real, procurando alguém para ser o meu “em um relacionamento sério com” e não alguém para “vamos só ficar em casa assistindo um filme no sofá hoje?”. Não estou dizendo que a internet é maligna e que não serve pra nada. Também não estou dizendo que não posso conhecer pessoas relevantes através dela. Só estou dizendo que eu não posso ficar presa a ela. Eu preciso sair. Olhar para olhos diferentes e conhecer sorrisos novos. Não adianta eu forçar uma amizade com um primo de uma amiga só porque ela disse “vocês tem tudo a ver”. Não adianta eu forçar isso só porque estou cansada do meu status do facebook. Mudá-lo não vai mudar o status dentro de mim. Talvez ele realmente tenha tudo a ver comigo, talvez não. Sinceramente, eu não estou inspirada PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS para descobrir porque cansei de relações online. Podemos conversar, podemos ser amigos e nada mais. Eu iria gostar muito disso porque ele parece ser uma pessoa normal (e ultimamente não ando conhecendo muita gente normal). Mas se for pra se conhecer e conversar sobre o episódio da série que eu assisti hoje ou então sobre como está o time de futebol dele que seja tomando um café e olhando nos olhos. Só assim eu vou saber se ele é digno de ser meu amigo ou se é só um conhecido em festas de família. Antes disso, ele só é bonito online.
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Capítulo 36 Querida Aceitação, Acho que minha meditação realmente está funcionando. Hoje é o quinto dia e algumas coisas peculiares me aconteceram. Primeira coisa: minhas costas melhoraram de maneira considerável desde que comecei a ouvir a meditação. Segunda coisa: eu estava passeando na livraria porque meu médico disse que eu tinha que caminhar um pouco. Assim, resolvi unir o útil ao agradável. Em primeiro momento, não achei nada ao que minha mãe perguntou: “Porque não filha?” “Ah, sei lá. Eu queria algo... extraordinário.” Foi o que eu respondi. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Assim que eu disse isso, nós duas olhamos pra frente e estava o livro “Extraordinário” na seção dos mais vendidos. Percebi isso como um sinal e comprei o livro. Não me arrependi. Terceira coisa: essa noite sonhei com o Gustavo e ele me dizia que tinha vindo para Florianópolis de última hora neste final de semana. Quando eu acordo e vejo meu celular, é uma mensagem do Gustavo dizendo exatamente isso. Curioso, não? Como diz minha mãe, acho que estou com a “percepção aguçada”. Não sei o que pensar sobre isso e mesmo sem saber o como explicar, sinto que tem coisas boas vindo na minha direção. Você já teve essa sensação? Acabei de abrir o facebook e a primeira frase que vi foi: “Você mais forte do que você pensa e PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS será mais feliz do que imagina”. Talvez isso seja verdade mesmo. Não virei a princesa da positividade, mas sinto como se tivesse saído de uma prisão: da prisão do medo. Ainda estou em regime domiliciar, digamos assim, mas não sinto mais as algemas. A única coisa que ainda assola minha mente e me deixa um pouco receosa é essa questão: a felicidade é algo que passa rápido, mas quando estamos tristes o momento parece ser eterno. Eu não quer mais voltar para essa eternidade. A Louise Hay diz que podemos curar nosso corpo e nossa mente se quisermos, basta pensarmos positivamente sobre isso. Preciso falar todos os dias para mim mesma que meu corpo e minha mente são livres até que não irei ter mais que me convencer disso e encararei isto como uma afirmação, não uma motivação. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu sempre soube que se esse dia chegasse – meu pai falecer, não iria ser fácil pra mim. Eu sei disso porque poucas coisas na minha vida aconteceram de um modo fácil. Está sendo muito difícil, mas as pessoas ao meu redor dizem que estou lidando muito bem com a situação. Quando dizem isso pra mim tenho vontade de rir na cara deles porque por muito tempo senti como se eu fosse enlouquecer, explodir, me espatifar em um milhão de pedacinhos no sofá da minha sala de estar. Nada disso aconteceu, mas ainda não me sinto um modelo de sanidade mental. Só que agora eu tenho consciência de que isso não é uma corrida e com certeza não é uma competição. Não preciso me comprar com outras pessoas que já passaram por essa situação, porque não tem como realizá-la em uma situação tão única.
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PERIGOSAS NACIONAIS Ninguém é igual, Ninguém sofre igual. Mas todo mundo tem a capacidade de dar a volta por cima. Eu tenho essa capacidade e estou começando a avistá-la lá no finalzinho da minha caminhada. Sei que não vou chegar lá hoje, nem amanhã. Afinal, como já disse, não estou correndo. Mas é reconfortante saber que eu vou chegar lá, que eu vou te encontrar, Aceitação. Eu tenho uma frase: “se é pra fazer algo, que seja bem feito.”. Essa foi uma das lições que meu pai me ensinou, na verdade.Eu nunca faço nada pela metade, e não vai ser agora que vou começar. Então, é isso que eu você não vier até mim, duvide disso nem por consigo o que eu quero isso, é claro).
tenho pra te dizer hoje: se eu vou te encontrar. Não um segundo. Eu sempre (quando me empenho pra
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Capítulo 53 Querida Aceitação, Finalmente vou sair desse mundo de atestado sem fim que me encontro. Sinceramente, minha coluna ainda não está pronta para trabalhar. Entretanto, minha cabeça já está mais do que pronta para trabalhar porque ela não aguenta mais permanecer em repouso. Eu não aguento mais permanecer em repouso. Além disso, pega muito mal ir parar na perícia no primeiro emprego, né? Dor eu vou sentir em casa ou trabalhando, tanto faz. Repousar é melhor, é claro. Mas não posso passar o resto da vida deitada (dramática, eu sei). Resultado: continuarei minha fisioterapia, meus alongamentos e espero estar pronta para semana que vem começar o fortalecimento da minha coluna. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Porque minha coluna tem que ser similar a de uma velha caquética de 97 anos? No fim das contas, meu chefe tem razão: eu sou uma senhora de 22 anos. Tenho um módulo do tamanho de uma uva – daquelas grandes que comemos no ano novo, pra comprovar minha velhice. Apelidei meu nódulo de “uva-bola”. “Te encontrei!” foi o que a Ju disse, toda feliz, me apertando até fazer sair lágrimas nos meus olhos. “Sabia que você estava aí.” Continuou ela, conversando com a “uva-bola” e apertando um pouco mais. A Ju é uma das poucas pessoas que consegue me fazer rir mesmo quando eu quero chorar. E acredite, quando ela encontrou a minha “uva-bola” eu realmente quis chorar, Aceitação. Não aguento mais ser essa pessoa tão tensa. Eu sinto a tensão nas minhas costas se remexendo, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS querendo entrar mais e mais dentro de mim. Talvez seja impressão minha ou sei lá. Mas sinto a tensão me espreitando, preparando-se para dar o bote. E eu não quero deixá-la me dominar. Desde que comecei a meditação, prometi que não deixaria mais nenhum sentimento negativo me dominar. Nenhuma situação que provoque algum desconforto me dominar. Eu estou no controle do meu corpo e da minha mente, nada pode me atingir de maneira a interromper o fluxo de equilíbrio que sinto estar se instalando na minha vida, mesmo que esse fluxo só esteja dando um “olá” por enquanto. Eu sei que minha tensão é mais do que apenas uma má postura e muitas horas de trabalho sentadas desconfortavelmente em uma cadeira. Essa tensão também é fruto de toda tensão acumulada desses últimos meses. Como tudo na vida, chega uma hora que simplesmente explode. A “uva-bola” decidiu PERIGOSAS ACHERON
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explodir hoje, que bom que havia a Ju para guiar meu corpo em meio aos destroços. E pensando um pouco sobre isso, me guiar por entre os destroços é algo que a Ju é boa em fazer. Ela me incentivou a arrumar um emprego quando eu achava que não ia conseguir, ela me incentivou a escrever um livro quando eu achava que não ia dar em nada e agora ela está me incentivando a sair com uma pessoa que eu não sei porque não saio. O tal primo da amiga não deu em nada mesmo. Não deu porque não faz nem um mês que eu o conheço – virtualmente, é claro – e enjoei. Enjoei porque a coisa não desenvolve e relacionamento virtual não é comigo. Até porque minha tendinite não permite tantas horas teclando desse jeito! Sabe o que me dá vontade de dizer? “Tudo bem, querido: eu não sou o amor da sua vida. Aliás, eu posso nem ser o teu tipo. Mas, pensa PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS bem! Eu sou uma pessoa normal, sou razoavelmente bonita, sou inteligente e tenho bastante assunto. Qual o problema de me convidar pra tomar um café? Ou melhor, qual é o problema de aceitar o meu convite para tomar um café? Olha, não é um pedido de casamento. É uma coisa bem simples, na verdade. Desse jeito podemos virar amigos e eu tiro do meu sistema que algum dia achei que você podia ser mais do que isso. Retiro o que eu disse: não nem ser amigos depois disso, podemos ser só conhecidos. Só que você precisa sair comigo antes pra podermos decidir ir por esse caminho. Sinceramente, acho que você só vive nesse mundo virtual. Vive à base de facebook, videogames e sei lá mais o que você faz sozinho no seu quarto. Então, se posso dizer só mais uma coisa antes de você fechar meu inbox, é o seguinte: do PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS jeito que sua vida está indo, acho que você vai acabar é namorando um avatar. E querido, isso não é real. Acorda pra vida, nem que seja pra dizer: Georgia, sinto muito, mas não quero nada com você. Só que fala isso cara a cara, tá? Assim você aproveita e sai um pouco do seu mundo e entra no mundo real.” Mas é claro que eu não digo nada disso. Já me sinto bem em apenas dividir isso com você, Aceitação. Aparentemente, só consigo dividir as coisas com você. Eu costumava dividir tudo isso com o meu pai e então ele viria com alguma tirada que faria com que eu começasse a chorar de tanto rir. Quando eu quis terminar com o “namorado número 7” e não tinha a mínima ideia de como fazer isso. Afinal, nem tínhamos nada muito sério... PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Mas eu sentia que devia dar explicações, pedi à opinião do meu pai. Primeiramente, resumidamente falando, ele me disse: “Apenas fale com ele e explique que não quer mais.” Então, um dia que eu estava na aula de francês, recebi um e-mail do meu pai com o seguinte assunto: “Dicas de como terminar um relacionamento” e no corpo do texto ele dizia “acho que essas opções são bem úteis”. A primeira opção era: “Fui sequetrada por ninjas. Não me procure mais ou eles irão me agredir matar. Isso não é uma brincadeira. Obs: Não vá à casa dos meus pais e nem procure a polícia, esses olho puxado estão em todo lugar”. A segunda opção era: PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Um desenho com um casal onde a menina estava com uma expressão triste seguida da legenda: eu e você. Logo abaixo, um desenho da mesma menina com uma expressão feliz e com vários amigos seguida da legenda: eu e meus amigos. E embaixo dos dois desenhos a seguinte frase: Vamos terminar. Não me lembro muito bem das outras, mas seguiam este estilo. Conclusão: resolvi apenas conversar com o “namorado número 7”, mas meu pai fez com que eu risse mesmo quando estava chateada. Afinal, terminar com alguém nunca é legal. Agora não tenho mais com quem dividir essas minhas angústias além de você. E não é que eu esteja reclamando, Aceitação, porque pelo menos você me escuta. Mas é triste não receber uma resposta, um e-mail com opções desastrosas de PERIGOSAS ACHERON
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como terminar um relacionamento ou simplesmente uma piada que me faça rir por alguns minutos. Você não faz nada disso. Eu sei que minha psicóloga disse que este é o exato motivo pelo qual me fecho às pessoas: fico comparando com meu pai. Mas é difícil não fazer isso, sabe? Extremamente difícil. O caso é que agora a Ju está me incentivando a sair com essa tal pessoa. Essa pessoa é um amigo meu que eu gosto muito, mas não de uma maneira romântica. Eu poderia fazer isso. Afinal, não tenho nada a perder. Mesmo se não desse em alguma coisa, continuaríamos amigos. Tenho certeza disso porque já dei uma fora nele no passado e continuamos amigos depois disso. Agora não seria diferente. É nessa hora que meu pai entraria e me ajudaria a decidir. Você pode me ajudar, Aceitação? PERIGOSAS ACHERON
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Não, você não pode. E já estou cansado desse silêncio que chega a me deixar surda. Hoje minha companhia é só a minha “uvabola”. Nunca a frase “antes só do que mal acompanhada” fez tanto sentido como hoje.
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Capítulo 53 Querida Aceitação, Hoje não me senti confortável em minha própria pele. Sabe aqueles dias negros? Então. Todo dia 18 é assim. É estranho, mas acho que depois de tanto tempo usando uma máscara ninguém ao redor percebe que você a está usando. Interpretamos um papel. No meu caso, o de uma funcionária competente, tranquila. Fingir que não dói. Mentir que não sente. Todo dia é assim. Olhar no espelho e mentalizar: “Você é feliz e não vai entrar em pânico hoje.” Deitada na minha cama, aqui e agora, sinto um leve tremor no meu peito. Queria não ter que trabalhar amanhã. E me sinto apavorada de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS começar a não gostar de trabalhar de novo. Queria continuar na cama, deitada, escrevendo. Tento mentalizar que muito disso é por causa da minha dor nas costas e porque hoje é dia 18. Engraçado como uma data pode fazer isso com a gente. Nem parece que se passaram dez meses. Hoje meu chefe não é engraçado. Minha parceira de trabalho não é simpática. Os clientes no telefone estão todos de má vontade. Mesmo que tudo isso esteja acontecendo apenas na minha cabeça e hoje seja mais um dia como qualquer outro. Pra mim não é. Nem para minha mãe, nem para minha irmã. Me irrito por ser um dia qualquer para qualquer outra pessoa. Não deveria. Eu queria tirar tudo isso que está dentro do meu peito e jogar pela janela. Todos essas sensações PERIGOSAS ACHERON
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estranhas e sentimentos confusos. Quero encontrar minha paz interior novamente. E espero que minha meditação funcione esta noite. Amanhã é um novo dia e eu quero enxergar um dia de luz, não mais um dia negro. Parece brincadeira, mas justo hoje fui visitar minha conta do twitter há muito tempo abandonada. Nunca entendi muito bem o objetivo de twitar, sinceramente. Mas confesso que gostaria de ter coisas interessantes para falar em apenas 140 caracteres. Enfim, reparei em um trend topic bem interessante e que me deixou refletindo por algum tempo: cinco coisas das quais você sente saudade. Como tudo hoje em dia gira em torno das saudades que tenho do meu pai, nada mais justo do que eu dividir com você cinco delas. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Primeira saudade: escutar meu pai cantando (leia-se: fazendo o som de uma corneta com a boca) o hino dos Estados Unidos enquanto levanta a cortina. Segunda saudade: das cócegas de controle remoto que me deixavam tensa. “Tira a mão. Confia no pai.” Era o que ele dizia quando eu queria proteger minha barriga. Terceira saudade: dele me pegar pela mão para atravessar de um quarto ao outro e dizer: cuidado com os carros. Quarta saudade: do ratinho Piluliu, o personagem que meu pai fazia quando eu era pequena. Era basicamente o dedo indicador e o médio da mãos esquerda do meu pai (ele era canhoto) fazendo travessuras. Quinta saudade: meu pai dançando no meio da sala e eu imitando as coreografias dele. Porque meu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pai sempre tinha as ideias mais legais para coreografia, na minha opinião, é claro. Clarice Lispector escreveu: “Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la.”. Tudo o que eu consigo sentir agora é o quanto eu gostaria de poder abraçar meu pai, deitar do lado dele na cama e assistir um episódio de House. É incrível que quanto mais o tempo passa, mais a minha mente me enche de memórias. O tempo todo. Chego até a me sentir idiota porque, algumas vezes, por alguns segundos, esqueço de que não posso mais ligar pra ele e contar alguma coisa totalmente banal do meu trabalho. E então eu faço aquela poker face (leia-se: cara de paisagem total) e então é como se eu olhasse pra todas as pessoas ao meu redor e dissesse: PERIGOSAS ACHERON
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“Meu pai não está mais na minha cabeça.” Mas não importa o que eu diga, quando eu olho nossa mesa do almoço de domingo com apenas três pratos, eu entendo. Eu entendo que ainda não superei essa fase. E sinceramente, Aceitação, eu nem sei em que fase eu estou. Você sabe?
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Capítulo 54 Querida Aceitação, Hoje me diverti horrores no trabalho. Por mais que minha lombar esteja doendo tanto que eu queira deitar no chão e chorar – no meio do meu horário de expediente, eu posso dizer que realmente me diverti. Além de angariar mais de dois milhões de reais – que infelizmente, não são pra mim. Meu dia não começou muito bem porque, para variar, as tecnologias me odeiam. Ontem trocaram a impressora do nosso setor e hoje eu não conseguia imprimir uma folha! Meu colega chamou o cara da TI para consertar e me senti ridícula: minha impressora estava pausada. “A Georgia disse que a impressora dela estava com problema apenas pra ver o cara de novo” o Pedro comentou. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS E todo mundo concordou. “Gente, será que eu vou ter que colocar uma lista das profissões aceitáveis para o meu futuro namorado no mural?”. “Os médicos estão no topo da lista, né?” comentou meu chefe. “Não mesmo, primeiro vem os engenheiros mecânicos. Os médicos vem em terceiro porque o horário deles é meio complicado...” foi o que eu respondi. “Ah, não!” a Priscila rebateu. “Engenheiros são tudo grosso. Meu irmão é engenheiro.” “E ele é grosso?” perguntou meu chefe. “Tá, ele não é grosso, ele é estúpido.” Como conclusão da manhã: descobrimos que o grosso está em um nível acima do estúpido. Palavras do meu chefe. E com chefe a gente não PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS discute. Aliás, eu sempre discuto, mas isso não vem ao caso... Todo mundo acha que a minha lista vai começar a ficar menos criteriosa com o passar do tempo e isso me deixa pensando. Será que vai mesmo? Comecei a assistir Drop Dead Diva e simplesmente me apaixonei pelo Tony Nicaro. Ele é exatamente o tipo de homem que eu queria pra mim, sem ser o Wagner Moura em Tropa de Elite e o Tony Corbet em Raising Helen. Eu gosto de homens fortes, mais robustos, com senso de humor, inteligentes e carinhosos. Em outras palavras, o Tony Nicaro. Infelizmente, não posso me apaixonar por um personagem de um seriado. Me frustro um pouco porque nenhum dos caras que eu conheço parecem ser suficientes pra mim. E PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS os que eu até considero suficientes não dão certo. Sinto como se eu estivesse em um poema triste de Carlos Drummond de Andrade. “João que amava Maria, que amava José...” e sinceramente, isso não é nada divertido! Mas acho que o pior mesmo é não estar apaixonada por ninguém. Algumas vezes me sinto sem sentimentos, o que é meio idiota, porque eu sou uma das pessoas com mais sentimentos que eu conheço. Um turbilhão deles! Só que se eu avaliar bem, a maioria dos meus sentimentos são tristes, confusos e volúveis. Definitivamente não é uma boa combinação. Por mais que eu me sinta super confortável estando na cama às oito horas da noite de uma sexta-feira com uma bolsa de água quente nas costas e minha tartaruga de pelúcia Douglas como PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS companhia não consigo deixar de ter inveja da Georgia ideal. A Georgia ideal é a imagem que eu tenho de mim mesma em minha cabeça. A imagem da pessoa que eu aspiro a ser: uma mulher independente, elegante, com um sorriso cativante e uma conversa inteligente. Uma mulher que sai para tomar um café com as amigas para a balada na sexta, tem vários convites de caras para sair no sábado, embora ela só queira aceitar o de um cara em especial e tem um café programado para domingo à tarde com os amigos mais íntimos e um cinema com a família. Gostaria de poder criar uma macro na vida real e colocar uma fórmula que gerasse tudo isso dentro de mim. A vida seria tão perfeita e finalmente eu não diria que o Excel está errado. Entretanto, eu não sou o meu chefe: o gênio do Excel. E acredito PERIGOSAS ACHERON
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que nem mesmo ele conseguiria criar essa macro pra mim. Por isso mantenho o meu pensamento: “O Excel está errado até que me provem ao contrário.” E se eu estivesse falando com o Zé neste momento, ele diria: “O Excel nunca está errado, Georgia.” Sabe o que eu respondo? “Chega e morre. Eu sou uma princesa e sempre estou certa.” Infelizmente, a Castroland só funciona dentro da minha casa e eu não estou sempre certa. Se eu sempre estivesse certa, eu falaria para o juiz que o carro do meu pai é meu, que a empresa que meu tio roubou é minha e que minha família não deve nada pra ninguém porque o governo é que fez sacanagem. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Quem vai me ouvir, né? Eu queria ter feito Direito. Meu pai achava que eu deveria fazer. Assim eu conseguiria fazer a justiça com as minhas próprias mãos, literalmente. Não sei porque hoje eu estou com tantas coisas na cabeça, mas é um daqueles dias que eu não consigo parar de sentir. Minha manicure, a Cris, me disse que pessoas sensitivas (como eu) não devem usar cruz porque absorvem tudo. Eu realmente absorvo tudo sem nem perceber e quando dou por mim, estou exausta. Só que eu adoro cruzes e não sou espírita! De qualquer maneira, sendo a cruz ou não, estou tensa da minha ponta do pé até o meu último fio de cabelo. Estou com essa dor insuportável há um mês e minha intolerância já está chegando às alturas. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Meu pai provavelmente saberia o que me dizer agora. Eu encaro a Douglas, mas ela não me diz nada. E hoje, em meio a tantos pensamentos aleatórios, eu não sei o que dizer a mim mesma. Porque a minha vida parece um livro que li na minha pré-adolescência: “Tudo ao mesmo tempo agora”? Eu realmente gostaria de saber.
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Capítulo
55
Querida Aceitação, Será que eu nunca me recuperei? É o que eu penso. Não me recuperar no sentido de ainda estar apaixonada, mas no sentido de não ter me perdoado. Sim, Aceitação, estou falando do Voldemort. E de tantos outros que vieram depois dele e me decepcionaram. A Louise Hay diz que temos que nos perdoar, só assim iremos curar nossa vida. E eu sinto que eu cobro muito de mim. Eu sei. Todo mundo sabe, aliás. É como se ao ser decepcionada, eu estivesse decepcionando a mim mesma por ter caído nessa. Me sinto idiota por todas as vezes que eu chorei, que eu implorei, que eu me abri, que eu tive PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS esperança de que ia mudar ou de que ia dar certo. Não importa. Minha psicóloga diz que eu não devo me prender a essas coisas porque tudo é um aprendizado. E racionalmento eu entendo. Eu concordo. Mas como controlar o meu emocional? Como controlar algo que parece não ser controlável? Eu queria saber o segredo para tirar essas expectativas que eu tenho de cima de mim. Hoje eu li uma frase que a Ju postou no facebook e combina muito comigo: “A maior cobrança que existe é a expectativa que achamos que os outros têm sobre nós. Livre-se dela e seja apenas quem você quiser.”. E talvez esse seja o meu problema. Eu tenho uma imagem tão específica criada sobre mim. Ou ao menos eu costumava ter, antes de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS virar uma ansiosa alucinada e em pânico. Ok, estou sendo dramática. Convenhamos, teve momentos em que eu realmente achei que iria ficar louca. Meu pai era o meu suporte. Ele que sustentava minhas costas quando eu estava com a musculatura cansada (desvantagens de ter usado colete por 5 anos: você perde os músculos do seu abdômen e costas). Ou seja, meu pai era literalmente meu suporte em alguns momentos. Eu me culpo por ter namorado alguém que ele não aprovava e por nós termos tido tantas brigas desnecessárias por alguém que não valeu o esforço. A única coisa que me consola é que nossas brigas nunca duraram mais do que uma hora. Meu pai sempre foi benevolente e sensato. Muito mais sensato do que eu, mas ele dizia que era pra isso que pais serviam. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu me culpo pelas vezes que menti. Não foram muitas, mas geraram conflitos. Eu me culpo por ter discutido com ele enquanto estudávamos, porque eu sempre fui teimosa como uma mula, de acordo com meu pai. Eu me culpo por talvez não ter sido totalmente a filha que ele queria quando ele foi cem por cento o pai que eu precisava. Se meu pai estivesse no meu lugar e eu tivesse morrido, ele não teria nada do que se culpar ou desculpar. Talvez ele achasse que sim, mas eu sei tenho certeza de que ele não tem. Será que ele acharia isso de mim também? No fundo, prefiro acreditar que sim. Mas o meu subconsciente não colabora muito quando eu fico pensando fixamente sobre isso. Eu queria poder abraçá-lo uma última vez, ver o seu sorriso, suas mãos gordas, a mancha de PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS nascença atrás do pescoço, a cicatriz no braço, o olhar profundo e o sorriso caloroso. Eu queria poder viver tudo de novo, voltar no tempo, rebobinar 10 meses atrás. Viver aquela última vez que eu, ele, minha mãe e o Gustavo deitamos na cama de casal deles e conversamos até altas horas. Olha, Aceitação, talvez eu não tenha nada mal resolvido com o meu pai porque nossa relação foi maravilhosa. Mas, com certeza, eu tenho algumas coisas mal resolvidas com meu ex-namorado e com a fila de canalhas irritantes após. Ou melhor, não tem nada a ver com eles e sim comigo. Eu preciso me resolver. Eu não tenho que resolver nada com eles porque eles não me acrescentam em nada. Aquele ditado que diz que todo mundo te acrescenta alguma coisa? Mentira. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Então, se você não pode me ajudar com minhas questões sobre meu pai, acho que pelo menos essa questão da minha vida amorosa você poderia me ajudar. Não dá pra me aconselhar um pouco? Não sei se você está aqui pra isso. Se você realmente está aqui. Pra ser sincera, tem dias que eu tenho minhas dúvidas. Não sei se depois da primeira carta você me achou entediante demais e agora joga toda minha vida, em cartas, sem nem se dar ao trabalho de lê-las. Eu só peço que, se você as ler, por favor, me dê um sinal. Uma resposta. Eu sei que Deus trabalha por meios misteriosos. Mas minha vida tá tão misterisa ultimamente que eu gostaria de ter pelo menos uma certeza em meio há todas as incertezas da minha vida.
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Capítulo 37 Querida Aceitação, Hoje fiquei pensando em algo que a Cláudia disse bem no ínicio da nossa amizade. Curioso que só hoje eu tenha pensado nisso, mas viagens de ônibus – sim, ir do meu trabalho até a minha casa é um evento, fazem eu refletir. O pensamento dela foi o seguinte: “Quando meu namorado briga comigo eu simplesmente digo: na minha casa todo mundo me trata muito bem. Então, se for pra ti me tratar assim, eu vou embora. Não preciso disso.”. Como eu nunca pensei nisso antes? Quer dizer, claro que isso já deve ter passado pela minha cabeça, mas nunca analisei este pensamento de fato. Se eu tivesse analisado, teria me evitado muito sofrimento com o Voldemort . PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu aceitei todas as migalhas de amor (será que foi mesmo?) que ele me ofereceu. As pessoas te tratam do jeito que você deixa elas te tratarem. E eu deixei. Deixei ele me tratar como se eu não fosse quase nada quando na verdade eu sou muito mais do que ele merecia. Sempre fui. Eu deveria ter me virado pra ele e dito: “Eu não preciso de você. Não preciso de um cara frustrado com a profissão, que se esconde atrás de um atestado fingindo ter depressão, que não consegue entender minha relação familiar porque a família dele é uma vergonha. Sinto muito se teu pai bateu na tua mãe, se tu era pobre e sofreu na vida. Eu posso te escutar, mas não me culpe por seus traumas e desgostos da vida! Eu não preciso disso. Não preciso de um cara que não entende nada de música, literatura e esteja tão vidrado no próprio umbigo que foi a pessoa mais egoísta que eu já PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS conheci. Pior, tudo o que tu achava que tu era, adivinha? Era mentira. Tu não é o cara mais carinhoso, mais romântico, mais boa pinta, mais carismático, mais alto, mais gostoso ou mais bonito que eu já conheci. Tu não é aquele cara que as meninas lembram com saudade. Tu é aquele que elas lembram como uma vergonha do passado, uma vírgula entre os pontos finais da história. Tu é desnecessário, mas algo que acontece de vez em quando na vida de alguém. E sabe o que mais? Brochar todo dia não é normal, querido. Isso significa que tu não é homem o suficiente para me namorar. E agora todo mundo sabe disso.” Não sei se ele era gay, mas a psicóloga dele desconfiava que sim, porque ele me disse. Qual a psicóloga que pergunta pro seu paciente se ele é gay? Isto é um fato, no mínimo, curioso. Mas eu não tenho a mínima intenção de saber. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Não vou mentir, aprendi bastante. Só me arrependo do tempo que passei discutindo com meu pai querendo dizer que o Voldemort valia à pena. Meu pai me disse “Nunca confie em alguém que não te olha nos olhos quando fala. E teu namoradinho não olhou nos meus.”. E hoje eu entendo: ele era um mentiroso patológico que tem sérios problemas de inferioridade e não consegue ver que precisa de ajuda. Tenho pena dele. Tenho pena de qualquer pessoa que precisa trair o companheiro para se sentir mais homem, mais mulher, mais superior. Não existe sucesso em uma relação de superioridade ou inferioridade. Só existe sucesso – e amor, em uma relação igualitária. Não preciso nem falar do machismo dele aqui, acho que já deu pra perceber... Obviamente só estou listando aqui os fatos negativos do meu namoro. Afinal, se tivesse mais PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pontos positivos do que negativos, eu ainda estaria com ele, não é mesmo? Então, fulaninho, onde quer que vocês esteja, espero que você leia este livro e entenda: eu não te odeio. Hoje sou uma pessoa melhor – apesar de você. Cresci muito e estou pronta pra conhecer o homem certo. Você virou um fato totalmente insignificante pra mim. Só não é mais insignificante, porque sou um projeto de escritora, e é muito divertido escrever sobre você. Afinal, escritores sempre escrevem melhor sobre amores fracassados, desilusões e caras que brocham no dia dos namorados.
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Capítulo 38 Querida Aceitação, Sinto saudades da Bela e da Ju. Mas não adianta, eu não quero estar com elas quando elas estão com os namorados. Eu gosto deles. Fico feliz por elas. Só que é como um tapa na cara. Porque eu estou sozinha? Me sinto meio infantil com esses sentimentos e pensamentos me rondando. Hoje estou sentindo uma agitação muito grande, meu peito está comprimido e me sinto sufocar. É como se eu não conseguisse puxar o quantidade de ar suficiente para os meus pulmões. A única forma que posso me expressar é que me sinto como O Inverno das Quatro esstações do compositor Vivaldi. Fazia muito tempo que eu não escutava, mas a melodia explica em notas musicais PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS o que estou tendo dificuldade em colocar em palavras hoje. A inquietação dos três primeiros minutos da composição é o que persiste em mim desde o nascer do dia. Sinto uma insatisfação dentro de mim que não sei de onde vem o motivo. Quero estudar, mas não consigo. Fico deitada e me irrito. Procuro filmes e livros para me distrair, mas nenhum me agrada. Tudo o que me agrada hoje é ouvir música. Fazia tempo que eu não recorria a este recurso para me acalmar. Ontem à noite baixei diversas músicas de reaggaeton e fiquei até tarde escutando e me imaginando em alguma boate de Miami me divertindo até o sol nascer – por mais que eu nunca tenha feito isso. E hoje acordei com vontade de ouvir Bach e Vivaldi, meus preferidos. Obviamente deve soar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS estranho para você, Aceitação, eu ter gostos tão distintos. Mas eu sempre fui assim. Sou oito ou oitenta, ou os dois multiplicados, divididos e misturados. Meu avô sempre gostou de música clássica. Lembro quando eu ia visitá-lo em Porto Alegre e ele deixava a música super alta em seu gabinete porque era surdo. Todo mundo reclamava, a não ser meu pai. Ele ficava dentro do gabinete com o meu vô ouvindo as músicas e vendo as imagens na televisão. “É incrível como podemos distinguir os sentimentos por dentre as notas. Você consegue reparar, filha?”. Eu não devia ter nem dez anos, mas eu conseguia. Não sei o que tem em mim mas nasci com meu lado sensitivo extremamente aguçado. Eu sinto tudo e sinto amplificadamente. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu sinto o desespero em cada nota, cada pausa e embora eu não saiba tocar instrumentos de corda, muito menos violino. Meu professor de música sempre me disse que o clarinete era o violino da banda marcial. Então, de certo modo, sempre fui apaixonada. Não sei se eu já havia mencionado isso, Aceitação, mas eu aprecio muito os instrumentos musicais. Uma paixão cultivada pelo meu pai também. Não sei se eu nasci parecida com ele ou se ele me fez assim. Não importa, realmente. Gosto de me sentir uma pessoa culta. Conheço os clássicos da literatura e da música, sei conversar sobre cinema, arte e arranho um pouco na política. Se eu vivesse nos tempos da Rainha Vitória da Inglaterra – assisti um filme sobre ela ontem, provavelmente eu seria considerada um bom
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partido. Provavelmente eu realmente poderia ser uma princesa. Só que não parece que ninguém hoje em dia compartilhe dessas idéias. Minhas amigas não são tão fanáticas por livros ou música clássica como eu. Acho que nenhuma nunca escutou as Quatro Estações até o fim, na verdade. Acho que nenhuma leu dez livros em um final de semana, como eu. Mas não tem problema, porque isso não quer dizer que eu sou melhor ou pior que elas. Só quer dizer que tem algo em mim que é muito diferente, algo em mim que me faz desse jeito meio fora do contexto, alguma vezes. Principalmente nesses dias em que eu acordo com essa agonia dentro do peito e uma inquietação na mente. Nesses dias me sinto um peixe fora d’água e não tenho vontade de ver ninguém que eu conheço. A não ser meu pai.
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PERIGOSAS NACIONAIS Eu gosto de cachorro-quente, coca-cola, gosto de funk, pagode e samba. Gosto de ouvir piadas e falar sobre sexo. Eu sou igual a qualquer outra das minhas amigas nesse ponto. E nesses dias, em que consigo perceber as semelhanças, me sinto confortável em minha pele. Me sinto calma. Acho que hoje só estou divagando sem chegar a nenhum lugar, realmente. Eu sinto saudades da Ju e da Bela. Mas a verdade é acima de tudo, me sinto frustrada porque mesmo se eu sair com elas não vou suprir essa saudade. Porque elas não vão conseguir suprir devido a maneira como me sinto hoje. Hoje eu só queria meu pai. Queria conversar sobre Júlio Verne, assistir um filme histórico e ouvir ele contar sobre a fase Ernest Heminghay que ele teve quando ainda era muito novo. Acho que somos os dois muito precoces. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Meu médico fala que eu e ele somos coraçõs mole. Minha mãe disse que eu sou meu pai todinha e chega até a ficar impressionada: “Meu Deus, ele foi e me deixou outra dele.”. É o que ela costuma dizer. Ela diz que ele foi sossegado porque me deixou no lugar dele. Eu tenho todas as manias dele, tanto as boas como as irritantes. “Vocês eram almas gêmeas.” Minha mãe disse. E eu sei que era verdade. Então não adianta eu buscar em outras conversas, outros olhares, outros abraços e outras discussões o que eu tinha, sentia e via nele, porque nunca vou encontrar. Eu vou ter sempre minhas melhores amigas, minha irmã, minha mãe, vou conhecer o amor da minha vida. Mas a minha alma gêmea eu já tive e esse tipo de amor é insubstituível. É mais do que amor de pai. É um amor de respeito, de reconhecimento, de amizade. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS E enquanto escuto o quarto minuto de Outono das Quatro Estações sinto as lágrimas em cada nota prolongada pelo violino. É uma sensação de desamparo, de tormento e solidão. Muitas vezes vi esse olhar no rosto do meu pai ao ver um filme. Quando assistimos “Quer dançar comigo?” com o Richard Gere e a Susan Sarandon e ela olha pra ele na pista de dança como se aquele não fosse o marido dela, meu pai chorou. “Ela consegue dizer tudo com apenas um olhar.” Meu pai sentiu o que ela sentiu e eu senti o que ele sentiu. Porque meu pai era tudo pra mim de um jeito que chega a doer. Eu tinha pelo meu pai um amor cego, aquele amor que sentimos pelo nosso super herói, nosso exemplo de vida. Meu pai sabia e ele sempre ria, com orgulho. Porque no fundo, eu sei que ele sentia esse mesmo amor por mim. Ele PERIGOSAS ACHERON
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sentia isso quando eu escrevia, quando eu tocava, quando eu chorava vendo filme, quando eu estudava doze horas direto e chorava com uma nota baixa. Minha persistência, que ele tinha também e nem percebia Acho que sempre foi assim. Eu via nele coisas que ele dizia não ter. E ele via em mim coisas que eu achava que não tinha. Minha psicóloga diz que é por essas e outras que eu sinto tanta falta, porque ele era a única opinião na qual eu confiava. Porque ele me guiava com seus conselhos, pensamentos e opiniões. Eu era um reflexo do que ele queria que eu fosse. Eu queria ser esse reflexo. Mas o melhor de tudo, era que esse reflexo foi criado por mim. Eu inventei a pessoa que eu gostaria de ser. Eu inventei o tipo de pessoa que faria eu me sentir orgulhosa de mim mesma. E meu PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS pai, por acreditar no meu potencial e querer me fazer feliz, quis que eu fosse essa pessoa que eu tanto queria: uma pessoa de sucesso. “Filha, tu vai muito longe.” É o que ele me dizia. “Tu pode fazer qualquer coisa que eu queira fazer porque tu tem força de vontade, disciplina e determinada.” Agora com o meu trabalho eu estou recuperando essas minhas características que antes eram tão marcantes em mim. Gostaria de não saber tão afetada pelas minhas emoções. Perdi uma parte de mim quando comecei a namorar, perdi outra quando terminei, perdi mais uma quando meu pai faleceu e outra quando caiu a ficha. Quantas partes mais eu tenho que perder antes de poder colocar elas de volta em seu lugar? Mas quanto mais o tempo passa mais eu vejo que estou cada vez mais longe da pessoa que eu era PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS antes da primeira parte de mim se perder. Outras vieram no lugar. E o estranho é que mesmo eu tendo consciência disso, mesmo sabendo que nunca estive tão diferente de que eu era, nunca me senti mais perto de voltar a ser eu. Não é estranho? Não sei porque te falo essas coisas, Aceitação. Não acho que tenha nada a ver. Essas coisas que te conto agora acontecem dentro de mim muito antes do meu pai falecer, muito antes de eu querer você aqui. Mas talvez por eu ter todas essas sensações dentro de mim é que agora eu me encontro precisando de você. Como eu posso fazer pra não sentir tanto? Eu sinto tudo todo o tempo de todo mundo. Eu não consigo não perceber os sentimentos a minha volta. Eu gostaria de não sentir essa onda de sensações me invadir cada vez que alguém me olha. Porque eu consigo sentir tudo só de olhar pra alguém? PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Só que eu sei que se eu não sentir, eu não vou ser mais eu. Não vou mais escrever, nem ouvir música ou conversar do mesmo jeito. Não vou mais ser essa pessoa que muitas outras gostam de ter por perto. Eu apenas gostaria de não me afetar tanto quando eu olho para alguém do meu lado e percebo que aquela pessoa estão tão perdida quanto eu ou mais feliz que eu. Você entende? Você me entende?
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Capítulo 58 Querida Aceitação, Algumas vezes acho que estou um arraso e outras acho que não melhorei nada. Hoje, por exemplo, estou num dia em que acho que não melhorei nada. Tive um ataque durante o trabalho porque um funcionária ridícula de outro setor foi grossa comigo. Obviamente não foi por isso em si, não ligo a mínima pra ela e quero mais é que ela “chegue e morra”, mas o caso é que estou sensível. Eu gostaria que alguém me notasse e me abraçasse. Fiquei feliz que a Gabi veio me perguntar se estava tudo bem e meu chefe não me achou louca e tentou me animar. Sinceramente, acho que se eu fosse o meu chefe eu me acharia louca. Mas por algum motivo que eu desconheço, PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS ele entende. No fundo, acho que é aquilo que minha psicóloga sempre me diz: eu sou muito exigente. Eu exijo demais demais e não me permito nem chorar. E é tão bom quando eu choro! Eu não deveria me sentir mal por isso e muito menos refrear. É claro que o meu ambiente de trabalho não é o local mais propício para fazer isso, mas se eu não me impusesse tantos limites emocionais dentro de casa, talvez eu não se sentisse tão presa quando estou trabalho. Ultimamente veio me sentindo meio assim mesmo, presa dentro de mim. Parece que eu estou em “A hospedeira” e fico gritando dentro da minha cabeça tentando me fazer ouvir – ou enlouquecer. Eu sei que nem tudo é ruim e eu também sei que apesar de estar muito perto de fazer um ano isso não quer dizer nada. Doze meses não é um horizonte de tempo mágico que faz tudo ficar PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS maravilhoso. Simplesmente não é assim o andar da carruagem. E quer saber de uma coisa, Aceitação? Minha coluna mexeu comigo. Parece que todas as minhas alergias, dores e pessimismos decidiram acompanhá-la. A minha saúde é algo complicado pra mim. Eu odeio não ter ela do jeito que eu quero: saudável. Eu realmente sou o “Zé Meningite” e isso me incomoda demais. Quando meu chefe comentou surpreso que eu sei escrever em três idiomas diferentes, eu disse: “Eu tenho que compensar as minhas alergias.” E ele riu e disse: “Pode ficar tranquila que tu tá compensando.” E eu fico aliviada, sinceramente. Porque eu acho que eu sempre procurei compensar todas essas
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minhas adversidades alérgicas e afins com meu cérebro e nem percebi.
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Capítulo 39 Querida Aceitação, Finalmente marquei com o homeopata, a Cláudia conseguiu falar com a recepcionista e ela me ligou rapidinho. Fiquei bem feliz. Cansei de me entupir e remédios e não ter resultados. Eu sou uma pessoa movida por resultados! “Não existem doenças, existem doentes.” Foi o que o médico me falou e fez todo o sentido pra mim. Eu me sinto doente, mas não consigo identificar exatamente a minha doença, fora essas tantas outras que eu tenho. Elas doenças são todas derivadas de uma que eu não consigo achar. E obviamente, eu não acho porque eu estou doente mas não tenho doença.
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PERIGOSAS NACIONAIS O meu corpo é um simples reflexo da minha alma, da minha confusão dentro do peito e da minha cabeça. Essa minha ânsia por chocolate, minhas dores de cabeça infernais, meu estômago irritado, minha digestão inexistente que me deixa inchada feito uma bola. E é incrível que quanto mais pessoas eu converso, mais eu vejo que não estou sozinha. Minha mãe sempre fica brava quando eu fico doente e eu sei que é o jeito dela de me dizer que está preocupada. Mas isso causa em mim um pânico de ficar doente porque eu sei que eu vou ouvir. Como se eu fosse a culpada! Eu queria poder olhar pra minha mãe nos olhos e dizer tudo o que eu sinto. Só que eu não consigo. Eu não acho que ela entenderia. E aposto que minha psicóloga diria que não importante
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realmente que minha mãe entenda, o que importa é que eu tente construir pontes ao invés de muros. Nunca pensei em mim como uma pessoa reservada porque eu falo até os cotovelos. Mas uma vez uma amiga da faculdade me disse que eu sempre estou com um sorriso no rosto. Eu engano fácil. Eu falo o que eu quero, minha vida é um livro aberto, mas não quando se trata dos meus sentimentos. O que eu penso e o que eu sinto são dois cenários bem distintos. E por mais que eu fale da minha inexistência de vida amorosa no trabalho ninguém sabe como eu realmente me sinto por dentro. Como eu não gosto de estar sozinha e não me sentir amada, interessante ou desejada. Eu sei que não é o momento e que eu estou melhor sozinha. Eu não estou preparada para me doar a alguém se eu ainda nem consigo me doar pra mim mesma. Eu tenho tantas regras, tantas PERIGOSAS ACHERON
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exigências que imponho a mim, aos meus amigos, a minha família, ao futuro amor da minha vida... Eu não sei como é deixar a minha me levar e parar de querer levar a vida. Eu não sei o que não me deixar controlar pelo meu medo, minha ansiedade e a minha inconstância de sentimentos. Eu gostaria de sentir o gosto da espontaneidade e ser por dentro o que eu sou por fora. Eu quero ser a pessoa agradável, a piadista do grupo, aquela que ri das tragédias porque é a única coisa que se pode fazer. Eu digo para os outros que me acho o máximo, que sou linda, um bom partido e mereço tudo o de melhor. Será que se eu repetir isso cem vezes vai se tornar uma realidade cem por cento real? Hoje uma das novas colaboradoras que eu me dei bem logo de cara disse: “Tu e tua mãe são bem próximas, né.”. Acho legal que uma pessoa que está PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS andando comigo há apenas uma semana tenha dito isso. Normalmente as pessoas não falariam isso de mim com a minha mãe. Eu fiquei feliz. Esse simples fato faz com que eu sinta que estou progredindo, que estou caminhando para o lugar certo, que há algumas pontes a serem percorridas, afinal e menos muros a serem escalados.
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Capítulo 60 Querida Aceitação, Meus colegas, o Zé e o Eduardo me chamaram para dar uma palestra sobre empreendedorismo para turma de faculdade deles. Fui porque faz tempo que não me desafio. Afinal, não gosto muito de falar em público, embora eu adore ser o centro das atenções. Então eu fui, com a minha mãe. O resultado da noite não poderia ter sido melhor para o meu psicológico, para minha autoestima e pra minha vida. Todo mundo me escutou atentamente como se o que eu estivesse dizendo fosse realmente relevante, interessante e inteligente. O professor deles em elogiou e disse que não entendia como uma garota da minha idade poderia ter tanto conhecimento e experiência.
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PERIGOSAS NACIONAIS Percebi que eu não sou uma mentira no fim das contas. E que mesmo perdendo meu pai minha família conseguiu dar a volta por cima. Minha mãe é um exemplo de vida pra mim e fiquei super orgulhosa quando o professor quis entrevistar ela também. Ele disse que a turma tinha que tirar de lição que eu e minha família nunca nos deixamos abater e que sempre tentamos buscar o lado positivo das situações que apareciam a nossa frente. E não é que é verdade? Meu pai sempre foi assim e não me admira que nós sejamos também. Mas eu nunca tinha pensado dessa forma. Meus colegas comentaram com meu chefe que eu parecia o Steve Jobs lá na frente e que se surpreenderam na minha desenvoltura para conversar, palestrar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Eu contei piadas, contei experiências, contei a verdade, contei a minha história. E fiquei tão satisfeita que tantas pessoas quiseram ouvir e que gostaram do que ouviram. Minha mãe disse que ficou abobada no quanto eu parecia meu pai e se ninguém mais tivesse falado nada, só esse comentário já teria feito valer minha noite inteira. Eu sou parecida com meu pai em um dos aspectos que eu mais admirava nele: o poder da comunicação e de transmitir lições. Hoje eu percebi que é isso que eu sou: uma contadora de história. Seja dando uma palestra sobre empreendedorismo, contando sobre casos amorosos no trabalho, escrevendo sobre minhas emoções ao tentar superar o luto ou então simplesmente contando sobre o meu dia para minha mãe. Eu sempre tenho uma história para contar. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Minha psicóloga sempre me disse que minha comunicação é fantástica. Minha irmã disse que talvez esse seja meu futuro. Quem sabe? Não tenho como expressar o quanto eu fiquei feliz com isso e o quanto eu percebi que tem tanto de mim que ainda está escondido aqui por dentro, tirando um cochilo. Talvez se eu começar a me enxergar mais como os outros me enxergar. Talvez se eu começar a sentir mais o que eu faço os outros sentirem. Talvez se eu começar a perceber que meu pai estava certo e eu realmente sou especial. Talvez assim eu consiga finalmente entender que eu não sou um caso perdido, que eu não sou louca e que eu não sou doente. Que eu tenho cura, no fim das contas. E que eu não estou sozinha mesmo sem meu pai. Porque desde que eu mantenha o legado dele vivo, desde que eu faça dessa experiência uma PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS motivação para que eu alcance a grandeza que meu pai sempre previu para mim, desde que eu volte a ser aquela pessoa que eu era antes de todos esses obstáculos sugirem e numa versão ainda mais melhora, talvez assim eu consiga mesmo abrir a porta para você, Aceitação. Talvez então eu entendo o significado maior que isso tudo tem pra mim.
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Capítulo 61 Querida Aceitação Hoje nossa vizinha Cíntia nos chamou para ir à missa com ela. Uma missa de agradecimento porque o filho dela, o Alexandre, voltou vivo da viagem da escola dele. Ele tem 12 anos e despencou quarenta metros no ônibus escolar. Fiquei bem feliz por ele estar são e salvo. Mas a guia turística deles não sobreviveu, infelizmente. Isso me faz pensar nessas escolhas arbitrárias de Deus. Você vive, você não. Como exatamente isso funciona? Eu gostaria de entender. Não quero dizer que meu vizinho merecia ou não viver. Obviamente eu fico feliz que ele tenha sobrevivivo. Mas porque a guia turística morreu? Ela merecia? Pelo pouco que eu entendo do espiritismo, eles diriam que sim. Ela merecia morrer porque era um PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS espírito elevado e estava na hora de ir para um mundo melhor. Só que eu não sou espírita, embora a maioria das pessoas que eu conheça seja. Eu também não sou Testemunha de Jeová como a família da minha mãe e não consigo encontrar consolo na minha fé. Eu sou católica, assim como meu pai. E não ia à missa deste o sétimo dia da morte dele. Qual não foi a minha surpresa, Aceitação, é que quase um ano depois eu acho uma resposta para todas essas minhas questões em uma missa despretensiosa na igreja da escola do meu vizinho? Eu chorei. E chorei muito. A Cíntia teve que me emprestar o lecinho dela de tanto que eu chorei. Fiquei com o nariz vermelho, os olhos inchados e as sombrancelhas desordenadas, mas valeu à pena. Não lembro exatamente as palavras do padre, mas foi um ótimo sermão. Hoje vagando pelo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS facebook encontrei um trecho que um livro chamado “O agir invisível de Deus” do autor Luciani Subirá explica muito bem a mensagem que o sermão que ouvi tentou passar: “Há muitas pessoas cobrando de Deus uma explicação para o que não entendem. No entanto o nosso Pai Celestial nunca nos prometeu que ele daria explicações de como Ele operaria. A única coisa que Ele prometeu foi que ele agiria! Assim sendo, enquanto Ele opera de forma invisível aos nossos olhos, Ele espera que nós creiamos.” Quando eu fui ao homeopata e ele mediu minhas energias, minha espiritualidade estava com uma energia ótima. E eu não entendi como eu poderia estar tão em paz com o meu espiritual se tinha todas essas questões perambulando na minha cabeça. Agora eu entendo.
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PERIGOSAS NACIONAIS Por mais que eu me sentisse desacreditada e não entendesse a forma de Deus agir na minha vida, eu nunca deixei de crer que Ele existe. Eu nunca deixei de acreditar que há alguém que cuida de mim mesmo quando eu própria não sinto vontade de me cuidar. Eu ainda me sinto triste e sem entender. Eu ainda gostaria que meu pai estivesse aqui e gostaria de ter uma resposta para as minhas perguntas. Afinal, nunca gostei de ficar sem uma resposta. Só que não posso deixar de concordar com Subirá quando ele diz que Deus nunca me prometeu respostas, Ele nunca me prometou que eu teria plena confiança no plano divino traçado para todos nós. Eu não culpo Deus pela morte do meu pai. Não acho que ele tenha sido o culpado. Há certas coisas que simplesmente acontecem e que deviram de uma PERIGOSAS ACHERON
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série de escolhas feitas na nossa vida. Eu também não acho que meu pai tenha feito nada para colaborar em sua própria morte. Ele simplesmente escolheu o que era melhor para a família dele, mesmo que isso pudesse custar alguns anos de sua saúde. Meu pai continua sendo meu herói e continua fazendo muita falta. Deus continua estando presente na minha vida e eu ainda creio. Meu pai sempre me fez rezar antes de dormir. Ele sempre batia palmas nos hinos da igreja. E quando eu estava na missa, ainda me lembrava de todas as músicas. Quando eu toco saxofone, ainda sei todas as músicas de cor. A igreja me trouxe uma paz tão grande, senti uma força reconfortante lá dentro, mesmo não compreendendo tantas coisas que eu gostaria de compreender. Percebo agora que nunca vou conseguir fugir da minha espiritualidade. E asism como nunca PERIGOSAS ACHERON
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consegui ficar brava com meu pai por mais do que cinco minutos, nunca conseguirei virar minhas costas para Deus porque no fundo, eu sempre soube que ele não virou suas costas pra mim. Não vou ser hipócrita e dizer que toda a minha raiva simplesmente se dissipou. Não sou santa, nem de longe! Mas aquele ódio crescente por tudo o que me aconteceu parou de crescer, e isso já é muito. Talvez agora ele comece a diminuir, enfim. Gostaria de entender porque as coisas sempre acontecem do jeito mais difícil para minha família e porque ainda estamos passando por tantas provações ao mesmo tempo, e enquanto ainda não tenho minhas resposta, me consolo com este outro trecho do livro do Subirá: " Se você está enfrentando as noites escuras anime-se! Reconheça que o agir invisível de Deus em nossas PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS vidas vai muito mais além do nosso entendimento limitado!" Minha mãe sempre me diz que “ontem” já passou, “amanhã” ainda não chegou e “hoje” é com o que eu tenho que me preocupar, ou melhor, viver. Porque preocupação é apenas um desperdício de tempo e saúde. “Tu é igual ao teu pai.” É o que ela diz, e não de um jeito bom. “Teu pai se preocupava demais e olha o que aconteceu.” É difícil eu fugir da minha natureza, porque eu sou uma economista e como tal, gosto de prever cenários. Mas tanta previsão é capaz de me levar à loucura. Jay Asher escreveu em seu livro “Thirteen Reasons Why” que “Não dá para voltar atrás, para o jeito que as coisas eram. Do jeito que você pensava que elas eram. Tudo que a gente realmente PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS possui… É o agora.”. E por mais que minha mãe não goste de ler, parece que ela tirou as palavras dela deste livro. Acho que é isso que ela tenta me dizer e eu nunca escuto. Tenho mania de nunca escutar o que ela ou a minha irmã dizem. Na verdade, eu nunca escuto nada do que alguém me diz. Eu só escutava meu pai. Só que tudo o que eu tenho é o agora. E no meu agora, me pai não está mais aqui fisicamente para me fazer ouvir. Não adianta eu esperar meu princípe encantado para finalmente ter uma pessoa com quem dividir meus pensamentos e emoções, preciso começar a olhar para os lados, porque existem outras pessoas por aqui. A vida não se resume a príncipe e sapos, por mais que eu seja a eterna princesa do meu pai.
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Capítulo 40 Querida Aceitação, Sabe aquele dia escuro em que a gente sente vontade de se enrolar no cobertor e ficar por ali mesmo? Pois é. Domingo faz dessas comigo. Principalmente hoje que estou com uma dor de garganta vinda não sei de onde. Sinto vontade de gritar pro mundo “Chega e morre.”. O jargão do Zé do meu trabalho. Gritar algo do tipo “Obrigada, vida!” quando na verdade tudo o que eu quero dizer é: “O que foi que eu fiz pra merecer isso?”. O Zé é engraçado e me diverte no trabalho. Ele sempre tem umas tiradas assim e faz com que eu fique pensando que história posso escrever com tal frase... Sempre estou pensando em uma boa história pra contar, essa é a verdade. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS E falando em história, hoje voltei a falar com o Marcos e gostaria que ele estivesse por aqui. Sinto saudades de algo que nunca foi e que parece que poderia ser agora. Está tão mais fácil e agradável conversar com ele, esses dias despejei todas as minhas frustrações por estar sozinha e conversamos como se sempre fizéssemos isso. É reconfortante saber que agora que ele está com a família a vida dele é plena e feliz. O Marcos está correndo atrás dos sonhos dele e isso me deixa alegre por ele. Minha irmã diz que ele só está feliz online. Acho que ela tem medo de que eu pense em ficar com ele. Mas a verdade é que eu o considero uma pessoa especial pra mim porque é difícil achar pessoas com quem eu tenho uma boa conversa e que seja uma cara legal.
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PERIGOSAS NACIONAIS Esses dias ele comentou comigo que tinha lido “O Presidente Negro” do Monteiro Lobato e que tinha gostado do livro e se lembrou de mim. Achei que ele tinha se lembrado apenas pelo fato de que eu sou uma devoradora de livros, mas ele disse que eu era parecida com a personagem Miss Jane. Nas palavras dele “super inteligente, educada, linda e muitos outros adjetivos”. O que eu não dei durante todo esse tempo para alguém me enxergar dessa maneira? Me apaixonei pelas palavras sinceras dele, embora eu não seja apaixonada por ele. São duas maneiras muito distintas de se apaixonar. E então ele disse que a personagem também tinha perdido o pai e que o pupilo dele era apaixonado por ela. Não sei o que foi que aconteceu exatamente, mas quando ele falou isso comecei a chorar. Me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS senti como em “Querido John” na passagem que o autor Nicholas Sparks escreve “A cada dia que passa fica mais difícil ser o protagonista da minha própria vida. Acho que estou perdendo o jeito. Já não sei mais interpretar o papel “sou forte””. É difícil me manter forte por aqui. Difícil me manter forte com as minhas amigas mais distantes porque estão namorando, longe do Rafa por causa das minhas costas, longe do meu melhorar amigo que mora a quinhentos quilômetros daqui. E agora longe do Marcos que é a única pessoa que me vê do jeito que eu queria que alguém me visse. Porque ele não era feliz e falava essas coisas doces quando morava aqui? Ou será que ele era e eu nem percebi? Acho mais provável. Eu gosto dele porque agora ele “me escuta” ao invés de falar pelos cotovelos, ele me acha linda e também gosta de sertanejo. Eu gosto dele porque PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS finalmente ele está seguindo os sonhos dele e está feliz perto da família. Eu gosto dele porque o Marcos é uma cara decente. E isso hoje em dia é muito em uma pessoa. Decência não está no vocabulário rotineiro das pessoas. Acredite em mim quando eu digo. Mas não adianta eu me apaixonar pelas palavras e não pelo autor. Eu me apaixono por palavras todos os dias em cada livro novo que eu leio, em cada página virada. Acho que é isso que eu faço, Aceitação. Porque quando ele estava aqui eu o evitava e só porque agora é mais seguro, parece que tudo fica mais fácil. Eu não quero ter relacionamentos linguísticos. Eu preciso de alguém que me abrace quando minha garganta está doendo, como hoje, nesse domingo negro. PERIGOSAS ACHERON
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Capítulo
41
Querida Aceitação, Eu sinto falta de ter uma família e fico feliz que os vizinhos do prédio estejam cada vez mais próximos de nós, eu os consideram família, aliás. Ganhei um tios e primo. E mais um casal de primos e um primo em segundo grau. Finalmente o melhor amigo do meu pai nos convidou para comer pizza na casa dele. Embora eu não tenha um afeto muito grande por pizza, fiquei feliz. Sinto saudades dele, da esposa dele e da filha dele. Eles eram nossa família. Ainda são, é claro. Mas é difícil pra ele sair com a gente, eu sinto, eu sei. Não é fácil olhar pra gente e ver tudo o que ele não tem mais. Não é fácil perder um pai. E não é fácil perder um amigo também. Não é fácil perder e ponto final. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Tudo o que posso dizer é que eu sinto uma grande necessidade de pertencer a algum lugar, mais precisamente a uma família. Incrível como o meu pai representava tanto e segurava tanto com a presença dele. Porque não demorou muito pra minha família desabar na ausência dele. Obviamente eu tenho a minha mãe e minha irmã e nesse ano que passou, não consigo nem expressar em palavras tudo o que elas se tornaram pra mim. Eu as amo com toda a minha alma e achei que nunca amaria ninguém assim além do meu pai. Se alguma coisa boa resultou disso tudo é que eu aprendi a apreciar mais a companhia de outras pessoas e a valorizar a minha relação com minha mãe e minha irmã. Acho que no fundo, está todo mundo tentando reconstruir seus pedaços e tentando superar tudo isso que aconteceu. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS No jantar conversamos sobre como esse ano que passou tão turbulento e não nos deixou sentir direito. Sei que depois de tudo que eu escrevi aqui parece mentira, mas quando eu escrevo são praticamente os únicos momentos em que eu me permito sentir. Primeiro eu tive que lidar com meu tio maluco – ainda estou tendo que lidar, na verdade, então tive que montar uma empresa nova, aí depois tive que terminar a faculdade, então eu tive que achar um emprego, aí eu tive um surto de ansiedade e então passaram-se seis meses no trabalho que eu nem vi passar. E então fez um ano e eu me sinto meio abalada de novo. Sinto muita vontade de chorar, principalmente aos domingos quando deito no sofá com a minha irmã e ela me olha. Incrível como a minha irmã passou a me ler tão bem! Será que eu ainda estou sendo tão PERIGOSAS ACHERON
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transparente? Eu gostaria de estudar de novo, passar em um concurso e ter um sentido em minha vida novamente. Eu adoro estudar e sinto falta. Sinto falta de um propósito, como disse meu médico em minha consulta de hoje. Agora sou oficialmente faixa preta no mundo dos ansiolíticos. Espero profundamente que agora eu tome vergonha na cara de vez e consiga superar tudo isso que sinto dentro de mim: refluxo, ansiedade, dor de cabeça, dor de garganta... Eu acho que nunca fui mais Zé Meningite do que agora. Meu médico diz que estou sentindo falta de carinho e deve ser mesmo. Quando alguém toca na minha mão ou então me elogia, eu sinto algo estranho dentro de mim. Não sei explicar. Faz três semanas que não vou em minha psicóloga e preciso conversar com ela sobre isso. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Estou carente de tudo. E curiosamente, namorado é o último dos meus pensamentos no momento. Talvez porque esteja tão longe de eu conseguir um trancada dentro de casa... Postei uma foto do meu pai no facebook e vi o quanto as pessoas se importam comigo. A Cláudia do trabalho se tornou uma amiga tão querida! A Bela que sempre sabe quando eu estou mal mesmo sem falar comigo. O Marcos com as palavras doces de sempre. O Gustavo que mesmo estando longe sempre está bem perto. Cheguei a conclusão de que alguma coisa muito boa deve estar reservada para mim no futuro. Em um futuro muito próximo, eu espero. Digo isso, porque é a única conclusão a qual eu chego para explicar porque a minha vida tem que ter tanta reviravolta. Ou pior, ser tão monótono que até em mim dá sono. Não sei o que é essa força que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS atrai essas coisas para mim e qual a força que eu não temho para atrair o que eu quero. “O futuro há de ser justo” é o que me diz o Gustavo nessa madrugada no facebook. E eu quero muito acreditar que sim. Afinal, se minha vida é uma novela mexicana, tudo sempre acaba em casamento e sonhos se tornando realidade, certo?
Capítulo 42 Querida Aceitação, Decidi que não gosto dessa história de equilíbrio. Apesar de algumas coisas boas terem acontecido comigo esse ano, percebi que perdi outras tantas...
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PERIGOSAS NACIONAIS Meu emprego não está mais tão legal porque é muito operacional e eu preciso pensar pra ser feliz. Logo, meu emprego está me deprimindo e estou buscando novas formas de ser feliz lá dentro. Tenho crises de identidades porque quero fazer outra faculdade mas estou sempre muito cansada quando chego em casa. E o pior? Não tenho com quem conversar sobre isso além da minha irmã e não quero saturá-la. Até porque só consigo falar direito com ela aos domingos, no seu dia de folga. Sabe com quem fui falar sobre isso, Aceitação? Com o Marcos. Isso mesmo! E aí que entra a história do equilíbrio. Nesse ano que passou eu deixei de conhecer uma pessoa muito legal: ele. E agora que ele mora longe estamos conversando mais do que quando ele morava perto. Acho que eu sou doida assim... Só consigo me PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS aproximar das pessoas quando sei que há uma distância segura entre eu e elas. Conversamos quase diariamente pelo facebook e ando despejando minhas frustrações em nossos bate-papos virtuais. Não sei se estou enchendo o saco, mas ele deixa eu falar. Diferente de antes, eu até falo mais do que ele algumas vezes. Será que no passado, de repente, eu não ficava quieta demais e ele só preenchia os meus espaços vazios com histórias? É bem provável. Tudo bem, talvez eu tivesse que passar por tudo isso pra dar valor a amizade dele agora. Nesse momento que a Bela e a Ju estão namorando e eu me sinto sozinha, ele se tornou um bom amigo. Gosto das histórias dele e da experiência de vida. Ele é sempre tão bom, sempre querendo o bem dos outros, querendo ajudar os outros. E eu fico tão feliz que ele esteja com a família dele e que PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS agora, por mais que seja virtualmente, eu já consiga ver que ele não está deprimido. É sempre bom ver quem a gente gosta bem. Fico feliz por minha irmã estar bem profissionalmente e que minha mãe esteja forte como nunca. Fico feliz que as meninas estão apaixonadas. Fico feliz de verdade por todo mundo. Mas eu ainda não consigo ser feliz por mim mesma. E, sinceramente, Aceitação, eu ainda acho que vai demorar. Tenho consciência de que percorri um grande caminho e hoje sou melhor do que ano passado. Tive que deixar certas coisas passar pra aprender outras tantos. E talvez agora eu seja uma melhor amiga pro Marcos do que eu fui no passado, sumindo do nada. Eu só fico feliz por meus amigos ainda estarem ao meu lado, mesmo quando eu desmorono PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS frequentemente. Dane-se o equilíbrio, então. Vou fazendo meu malabarismo diário, como sempre. Eu tento sufocar minhas emoções negativas e deixar as positivas transbordarem e é assim que vai ser por enquanto. Acho que não adianta lutar contra isso. É muito cedo pra mim e eu não sou tenho que me respeitar. Tenho que respeitar a decisão do meu coração, por mais que minha cabeça queira agilizar todo esse processo doloroso que é se recuperar de uma perda.
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Capítulo 43 Querida Aceitação, Cansei do meu trabalho. Eu ainda adoro as pessoas, por mais que todo o resto me irrite. Eu adoro a Eduarda porque ela me faz rir mesmo quando eu quero chorar. Ela que me diz pra ir lá fora, tomar um ar... E é minha companhia certa para todos os almoços. Tem sido uma experiência muito legal trabalhar com ela durante esses sete meses e não esperava que fôssemos nos tornar tão próximas. Ela consegue fazer com que o trabalho pareça menos irritante. Ela e a Cláudia, aliás. Sei que o trabalho continua o mesmo e fui eu quem mudou. Eu quero coisas novas, utilizar mais as minhas qualificações e crescer ainda mais. Só que isso é minha ansiedade falando, porque talvez ainda não seja o momento e eu sempre quero tudo PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS agora. Eu só sinto que parece que estou desperdiçando tudo o que meu pai me ensinou, ele me criou para eu criar, comandar, escrever, me comunicar – que é o que sei fazer de melhor. E sinto que não estou fazendo nada disso. Só que então eu paro pra pensar que talvez eu possa fazer isso no meu trabalho mas estou tão cega pela rotina, pela operacionalização que não enxergo. Até criei umas ferramentas novas, organizei algumas coisas e tentei cobrar uns clientes do fundo do baú. Só que nada pra mim é suficiente. Para que quando não estamos satisfeitos nada preenche essa insuficiência, sabe? E no momento, eu sinto como se eu pudesse muito mais e não estou utilizando tudo o que eu posso e me sinto frustrada. Eu sempre quero mais. E não é só no trabalho.
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PERIGOSAS NACIONAIS Sou assim na academia. Com os livros que eu leio. Com as histórias que escrevo. Comigo mesma. E comigo mesma eu sou a pior, eu exigo a melhor versão possível de mim e isso me desgasta. Minha psicóloga diz que preciso manter metas pequenas e vibrar com as pequenas conquistas. Parece que sempre tenho que me lembrar dos primeiros mandamentos porque algumas vezes é como se eu esquecesse de tudo e deixo o pânico me dominar. Não é fácil. E acho que essa é a questão, no fim de tudo: não vai ser fácil. E não adianta eu esperar qualquer outra coisa. Eu sempre vou ter que batalhar pra me manter equilibrada, pra ficar centrada e entender que eu não preciso carregar o mundo nas costas. Minha meta deve ser meu equilíbrio de cada dia e eu tenho que parar de me preocupar com minhas inconstâncias emocionais, elas não vão sumir do PERIGOSAS ACHERON
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dia pra noite. É exatamente como em uma dieta: eu não engordei cinco quilos ontem, então não vou conseguir emagrecê-los hoje. É um processo lento, gradual, mas que servirá para consolidar meu peso. E é assim com meu emocional, não é hoje que eu vou ser a rainha do equilíbrio, mas todas essas pequenas metas, pequenas conquistas e novas descobertas vão me consolidar como pessoa. E isso foi o que meu pai sempre quis pra mim: minha certeza como indivíduo. Hoje eu tenho que relembrar todas as minhas lições aprendidas na terapia. Hoje eu vou chorar e me escabelar e vou querer largar tudo. Amanhã eu vou estar pronta pra ir ao cinema, feliz e contente. E no outro dia? Só o tempo vai dizer. Porque só o tempo faz com que a memória descanse um pouco mais e me mostra que é possível preencher minha
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PERIGOSAS NACIONAIS mente com novas lembranças, não relevando a importância das antigas. Meu pai vai ser meu herói, pra sempre. E nada vai mudar isso. Nem a minha almejada estabilidade emocional. Muito pelo contrário, ela só vai me mostrar mais o quanto meu pai foi e continua sendo importante pra mim, mas que não preciso me descabelar mais por isso. Meu pai sempre gostou dos meus cabelos arrumados e não ia gostar de me ver assim. Eu tenho consciência disso e é disso que eu tenho que me lembrar todos os dias. Meu pai me ama e iria me dar um xingão porque ele sempre esperou nada menos do que o melhor que eu posso dar. E eu não estou dando o meu melhor, não ainda.
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Capítulo 44 Querida Aceitação, O Marcos falou uma coisa que me deixou pensando... Ou melhor, ele escreveu “ainda existem anjos na terra” que estão na minha vida. E não é que é verdade? Minha tia, meu tio e meu primo emprestado que sempre estão dispostos a sair com a gente e dar boas gargalhadas. Meus novos primos também e o filho deles, meu outro priminho, que começaram a sair com a gente também. Aliás, me identifiquei muito com a Alice... Ela é um amor e gosto muito de conversar com ela, assim como com todos eles. O Murilo, o marido dela, elogiou o meu currículo profissional, o que me deixou super feliz! São meus vizinhos, mas viraram mais que isso pra mim. Fico pensando e acho que foi Deus quem PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS colocou-os no caminho da minha família e principalmente no meu. Todos me acham inteligente, gostam de ,mim e fazem com que eu me sinta bem com quem eu sou, por mais que eu esteja meio capenga. Nesse momento em que eu mais me sinto carente de família eles apareceram pra mim. E eu sou muito grata por isso. Não sei se você entende, Aceitação, o que é ter uma família. Meu pai sempre incutiu isso em mim e ter família pra mim significa pertencer. Significa que não importa o quanto as coisas estejam ruins – ou boas, porque família é pra dividir momentos bons também, a gente tem um porto seguro. Sempre achei engraçado como minha família antiga – aquela que existia antes dessa sem vergonhice toda, só nós queriam para os momentos ruins (leia-se: resolver todos os problemas PERIGOSAS ACHERON
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emocionais e financeiros da vida deles). E essa nova família, não. Eles querem dividir tudo e isso é tão mais divertido, dá uma sensação tão melhor, uma sensação de pertencer, como eu sempre quis. Eu e a Lari sempre nos sentíamos deslocadas nas festas de família. Eu nem tanto porque meus primos ainda “me aceitavam” por causa da minha alma de artista. Mas só porque nós duas gostávamos de nos vestir bem e nos portar como verdadeiras princesas que somos, não éramos dignas de participar das conversas deles. Eu sei tanto quanto eles sobre literatura inglesa, samba de raiz e filmes alternativos. Nem por isso eu preciso andar com de chinelo e meia, por favor, eu tenho meu estilo! Não vou ser hipócrita e dizer que eu achava maravilhoso o fato de minha prima ser uma escabelada que andava com sapatos estranhos e PERIGOSAS ACHERON
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parecia que vendia bijuterias na Lagoa, mas nunca tratei ela melhor ou pior por causa disso. É apenas quem ela era. Porque eu não podia ser tratada da mesma maneira também? Batom, mousse para o cabelo e sandálias de marca não vão me fazer menos inteligente. Eu sempre trabalhei pra isso. Minha irmã também. Ela sempre ralou muito! O que mais me indigna é que minha família sempre ralou muito e era mal vista por gastar. E eles nunca ralaram nada, ganham dinheiro até hoje da minha avó e se acham maravilhosos. É muita ganância e hipocresia! Eu sei que não vou conseguir esquecer tão rápido todas essas coisas que tenho dentro de mim. Se estivessem só na memória era mais fácil, mas são feridas abertas que estão cicatrizando lentamente. Eu os amava, acima de tudo. Porque eu sempre considerei família muito importante. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Fico triste porque não fui eu que os perdi. Não se perde algo que a gente nunca teve realmente. Se nossos laços fossem tão fortes como eu achava que eram, nunca teriam se rompido. Eu fico triste porque eles me perderam. Eu sim era uma sobrinha, prima e amiga de corpo e alma. Eu sempre estava presente e genuinamente contente em tê-los como família. Tenho pena porque agora eles são uma família apenas no papel porque não convivem como eu convivo com minha nova família. E então, quando penso mais um pouco no assunto, fico feliz. Não quero mais ficar triste por pessoas que não ficam pensando em mim, não pensam se eu estou triste ou feliz. Vou ficar feliz porque eu fui capaz de passar por cima disso tudo e conquistar pessoas maravilhosas para permanecer do meu lado. Elas consideram uma honra me ter como prima, sobrinha e amiga de corpo e alma. E PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS eu considero maravilhoso ter um lugar emocional pra pertencer.
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Capítulo 45 Querida Aceitação Olhando minhas fotos desse ano que passou e os pensamentos que compartilhei com você, percebo que muita coisa aconteceu. Eu tive muitos dias bons e vários sorrisos. Houve muitas lágrimas também, nem tem como contabilizar. Talvez se alguém me conhecesse hoje iria achar que eu não sou uma boa companhia. Embora em alguns dias eu consiga enganar bem em público. Sou uma garota de vinte três anos entupiada de antidepressivos e ansiolíticos, que tem crises de ansiedade esporádicas e engordou três quilos devido sua compulsão por chocolate. Sou uma personagem desses sitcons sobre heroínas fracassadas. Entretanto, como eu disse desde o PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS início, sei que minha história não é melhor nem pior que a de ninguém e ainda vivo em uma montanha-russa diária. Eu gostaria que você estivesse aqui, Aceitação. Porque meu pai eu sei que não vai poder comparecer ao recinto. Não em corpo, ao menos. Mas ele sempre me visita nos sonhos, o que já é um privilégio. Acho que o que eu estou querendo dizer, é que não tem mais nada que eu possa dizer que faça você vir me ver agora. Não sei dizer se já está na hora, se já passou da hora ou se ainda tem muitas horas pra passar. E então, eu tento me dizer que não adianta eu querer chegar no fim da minha história, no felizes para sempre ou querer adiantar uma reviravolta do meu destino. E mais do que tudo, não adianta eu me esconder atrás da tela de um computador. PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS Hoje eu estou muito melhor do que há um ano atrás, por mais que eu ainda não esteja digna de sua visita. Então tudo bem: pode não ser hoje, nem amanhã ou então nem nos próximos seis meses. Mas pra mim, assim como pro Capitão Nascimento, missão dada é missão cumprida e eu ainda vou fazer com que você mude de ideia e passe aqui em casa. Enquanto isso, eu te deixo com o meu “até logo”.
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