REVISTA-LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO DA FACULDADE CÁSPER LÍBERO #51 – 1º SEMESTRE DE 2012
SÃO PAULO Os problemas da maior cidade da América do Sul às vésperas das eleições municipais
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ESQUINAS – 1º SEMESTRE 2012
EDITORIAL
Fundação Cásper Líbero Presidente Paulo Camarda Superintendente Geral Sérgio Felipe dos Santos Faculdade Cásper Líbero Diretora Tereza Cristina Vitali Vice-Diretor Welington Andrade Coordenador de Jornalismo Igor Fuser Professor responsável Heitor Ferraz Mello Monitoria Editor Tiago Mota Assistente editorial Mariana Marinho Editora de Arte e Fotografia Mariana Oliveira Diagramação Camila Luz, Mariana Oliveira e Rafaela Malvezi Revisão Caroline Mendes, Gabriela Sá Pessoa, Karina Goto , Lucas Campacci e Patrícia Homsi Participaram desta edição Alessandra Campos, Aline Rocha, Amanda Grecco, Amanda Martins, Amanda Massuela, Ana Carolina Neira, Ana Flávia Bardella, Ana Gabriela Verotti, Andrea Wirkus, Anna Beatriz Pouza, Anne Bollmann, Avana Salles, Beatriz Dias de Moraes, Beatriz Atihe, Beatriz Avila, Beatriz Cano, Beatriz Coppi, Beatriz de Fátima, Camila Baos, Camila Sanser, Carmencita Rodrigues, Carolina Muniz, Caroline Luchesi, Caroline Mendes, Clara Maia, Daniel de Souza Zalaf, Débora Pinho, Dora Andreáos, Eugenia Kimura, Fabianne Rocha, Fábio de Nittis, Flávia Sartori, Francini Vergari, Gabriel Fabri, Gabriel Oneto, Gabriela Valdanha, Gabriela Bocaccio, Gabriela Frones, Gabriela Monteiro, Gabriela Neri, Gabriela Sá Pessoa, Gabriela Zocchi, Giovana Schlüter, Giovanna Cartapatti, Giovanna Fontes Marafei, Giselle Moreira Porto, Giulia Ebohon, Giulia Afiune, Guilherme Burgos, Helder Ferreira, Igor Seiji Rezende Utsumi, Isabela Duarte, Isabela Zangrossi, Isadora Couto, Ivan Oliveira, Izabel Tebar, Jaqueline Gutierres, Jéssica Ferrara, Jéssica Miwa, Jéssica Tabuti, Júlia Barbon, Júlia Daher Marques, Júlia Faria Ribeiro, Júlia Mello de Resende, Juliana Arreguy, Karen Goulart, Ketlyn Taddeucci de Araujo, Laura Gallotti, Leonardo da Silva Lima, Leonardo de Escudeiro, Leonardo Miazzo, Leonardo Uller, Letícia Dias, Lucas Campacci, Lucas Mariano, Luísa Massa, Luisa Russo, Marcella Lourenzetto, Maria Cortez, Maria Zelada, Mariana Moreira, Mariana Zoboli, Marianne Takana, Marina Gomes, Marina Panizza, Marina Pedroso, Melissa Lulio, Melissa Vaz, Monique Alves, Nathália Aguiar, Nathalia Levy, Nathalie Provoste, Paola Perroti, Patrícia Homsi, Patrícia Orlando, Patrícia Rodrigues Alves, Paula Comessetto, Pedro Annunciato, Priscila Kesselring, Rafael Augusto Cornachione, Rafael Faustino, Rafaela Marchetti, Rodrigo Russom Sarah Uska, Sophia Winkel, Stella Vaco, Suellen Bontoura, Talita Franzão, Talles Braga, Thaís Helena Reis, Thaís Varela, Tiago Suhai Navarro, Tomás Silveira Fernandes, Victor Puia, Victória Freitas Tackahaschi, Victoria Matsumoto, Vitor Leite, Vitor Valêncio, Yan Resende e Yohana Scaranare Imagem de capa: Guilherme Burgos Agradecimentos Carlos Costa, Claudio Arantes, Daniela Ramos, Ester Rizzi, Helena Jacob e Igor Fuser Núcleo de Redação Avenida Paulista, 900 — 5º andar 01310-940 — São Paulo — SP Tel.: (11) 3170-5874 E-mail: revistaesquinas@gmail.com www.casperlibero.edu.br
Além das
urnas HEITOR FERRAZ MELLO
Com a aproximação das eleições municipais deste ano, resolvemos fazer um número da revista Esquinas inteiramente dedicado às questões mais importantes da cidade de São Paulo. A ideia não era a de fazer um dossiê que falasse sobre as curiosidades, os fatos mais pitorescos de São Paulo, mas sim tratar dos problemas que a cidade enfrenta e relatar em matérias jornalísticas. Uma forma de colaborar objetivamente com a discussão, que já começou, dos vários projetos de cada um dos candidatos à Prefeitura. Os repórteres da revista também procuraram os candidatos para ouvir deles as suas propostas e conhecê-los melhor. No entanto, nem todos nos receberam. A revista abriu o mesmo espaço para cada um deles. Lamentamos, obviamente, as ausências. Mas não foi por falta de insistência de nossa equipe. A matéria “Raio-X da Megalópole”, onde esses depoimentos foram incluídos, em box a parte, procuramos esquadrinhar as principais áreas da administração municipal, apresentando tanto dados oficiais, obtidos nas próprias secretarias, como a da Educação, da Saúde e outras, como também as opiniões de especialistas e dos cidadãos – aqueles que convivem com os problemas de perto, no seu duro cotidiano. Além desta matéria, que abre a revista, Esquinas traz ainda duas entrevistas importantes: uma com o arquiteto João Whitaker, que esteve na Faculdade Cásper Líbero falando com os alunos sobre os problemas urbanos, e com o cientista político Humberto Dantas, conselheiro do Movimento Voto Consciente, que analisa o quadro eleitoral deste ano, bem como a importância na escolha dos vereadores. Procurando abordar os diversos aspec-
tos do cotidiano da cidade que conta hoje com mais de 11 milhões de habitantes, a revista também traz reportagens sobre temas específicos: moradia, locomoção, esportes, meio ambiente, etc. Para cada um dos temas, um enfoque diferente e humano. Para falar sobre moradia, por exemplo, os repórteres foram ver de perto o processo de reurbanização do bairro de Paraisópolis; para tratar diretamente do cotidiano, com seus problemas típicos, como a difícil locomoção pelas vias da cidade, deficiências no sistema de saúde, a solução encontrada foi fazer o retrato do dia a dia de três famílias paulistanas, de classes sociais diferentes. Outra bonita matéria é “O rei do luxo”, que traça um perfil de Sergio Longo, um homem que morou nas ruas, foi usuário de drogas e hoje preside uma cooperativa de reciclagem, a Coopere Centro. O desafio para os alunos foi o de lidar com aspectos políticos e sociais, procurando trazer para o leitor reportagens mais humanas, com depoimentos de pessoas do nosso cotidiano, aquelas que vivem e conhecem as mazelas da cidade – esta cidade muitas vezes abandonada por aqueles cuja ambição pelo poder é muito maior do que o desejo de construir uma cidade melhor e mais igualitária. Para fazer este número, Esquinas contou com a colaboração de 117 estudantes do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. A edição ficou a cargo de Tiago Mota, do terceiro ano, que durante quase seis meses aprendeu a lidar com uma pauta abrangente, com uma equipe heterogênea de repórteres e com a edição direta dos textos escritos e apurados por seus colegas. Como deve ser no bom jornalismo.
Na edição #51, a Revista Esquinas buscou aprofundar o debate sobre as maiores deficiências da capital paulista. Desde a situação dos imigrantes latinos até o conturbado Projeto Nova Luz, aqui o leitor encontra o resultado de um semestre de trabalho e apuração sobre a cidade
GUILHERME BURGOS
Revista-laboratório do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero
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SUMÁRIO
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22 06 O RAIO-X DA MEGALÓPOLE
28 A QUEM PERTENCE A LUZ?
16 POBREZA ESTRUTURAL
32 O REI DO LIXO
20 CIRCO DE ESCÂNDALOS
42 SÃO PAULO A FIO
22 MISCELÂNEA URBANA
45 PARAISÓPOLIS EM TRANSFORMAÇÃO
Conheça os maiores problemas da cidade e confira as propostas de Celso Russomanno, Fernando Haddad, Netinho de Paula e Soninha Francine
João Sette Whitaker, doutor em Arquitetura e Urbanismo, comenta as principais carências das cidades e critica a falta de mobilização política para enfrentá-las
As situações pitorescas dos políticos de São Paulo e as leis mais inusitadas já propostas na Câmera Municipal
Três famílias de diferentes classes sociais refletem em seus cotidianos as contradições da capital paulista
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Os interesses e as queixas que circundam o projeto Nova Luz
Sérgio Longo: de ex-morador de rua e usuário de drogas a presidente da Coopere, uma das maiores cooperativas de reciclagem de São Paulo
Exposta e emaranhada, fiação elétrica da cidade pode ser enterrada. O problema é: como?
Desde 2005, moradores e Poder Público divergem sobre o andamento da reurbanização da segunda maior comunidade carente do município
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48 PROJETO ITAQUERA
Legado? Moradores de Itaquera temem as consequências das obras para a Copa de 2014 na região
54 CORRIDA PELO OURO
Em São Paulo se repte um cenário de todo o país: ausência de planejamento público atrapalha a largada dos jovens atletas que buscam carreira profissional
62 SEÇÕES 36 ENSAIO 52 TRÂNSITO 56 RIOS DE SÃO PAULO 66 POLUIÇÃO 68 ALI NA ESQUINA 70 CONTO
58 A ESPERANÇAS NAS URNAS
PSD, Lei da Ficha Limpa, Hadadd e Serra chegando de última hora. Humberto Dantas, doutor em Ciência Política, analisa o cenário político de São Paulo em ano de eleições
62 AMÉRICA LATINA, SP
As histórias de bolivianos, haitianos, paraguaios e peruanos que compõem a cidade
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CAPA
Raio-X da
MEGAL
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LÓPOLE
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VOCÊ CONHECE
?
REPORTAGEM BEATRIZ COPPI, EUGENIA KIMURA, GABRIELA NERI, JÉSSICA FERRARA, JÉSSICA TABUTI, LEONARDO ULLER, MELISSA LULIO, PEDRO ANNUNCIATO (1o ano de Jornalismo) PATRÍCIA HOMSI , RAFAEL FAUSTINO, RODRIGO RUSSO e SARAH USKA (3o ano de Jornalismo) COLABORAÇÃO MARIANA MARINHO (2º ano de Jornalismo) e CAROLINE MENDES (3o ano de Jornalismo)
É PROVÁVEL QUE qualquer um dos 11.244.369 habitantes do município responda que sim. Mas só o fato de residir e circular pela maior cidade da América do Sul não nos torna peritos em todos os potenciais e deficiências presentes neste espaço de 1.530 quilômetros quadrados. São Paulo tem no deslocamento urbano um grande gargalo. A cidade conta com 62 quilômetros de trilhos do Metrô, 270 quilômetros de trens e quase 15 mil ônibus municipais circulando em 1.348 linhas. Segundo a SPTrans, em 2011, 2.490.855.147 passageiros foram transportados pela frota de ônibus e, de acordo com o Metrô, 811.657.000 utilizaram a rede metroviária. Porém, a superlotação, as falhas constantes nos sistemas de trens e a demora são problemas que irritam o cidadão paulistano. A cidade também conta com 40 centros culturais, dos quais apenas dois são mantidos pela prefeitura: o Centro Cultural Vergueiro, no centro, e o Centro da Juventude, na Zona Norte. No entanto, bairros afastados, como Guaianazes e Capão Redondo, mal são atendidos. Uma vez por ano, a Prefeitura organiza a Virada Cultural na tentativa de saciar a avidez do público por cultura. Já no campo da educação, mais de 100 mil crianças esperam na fila para conseguir uma vaga nas creches municipais. Entre os 7.068 estabelecimentos públicos e particulares de ensino, são quase 3 milhões de alunos matriculados e mais de 150 mil docentes em São Paulo. A educação possibilita reduzir a marginalização em São Paulo e contribuir para livrar a cidade de boa parte dos 1.023 homicídios e 306 roubos seguidos de morte ocorridos na cidade em 2011. Segundo os Indicadores de Referência de Bem-Estar no Município (IRBEM), divulgados pelo Ibope no início de 2012, a avaliação da população para aspectos relacionados à segurança piorou. Para 89% dos entrevistados, viver em São Paulo é pouco ou nada seguro. O destaque fica por conta dos que consideram “nada seguro” que, em 2010, eram 24% e saltaram para 35% em 2011. A rede municipal de saúde é composta por 18 hospitais, 16 prontos-socorros, 439 Unidades Básicas de Saúde (UBSs), 118 unidades do Serviço de Atendimento Médico Ambulatorial (AMAs), 23 ambulatórios de especialidades, 30 unidades de saúde bucal e 4 laboratórios de diagnósticos. Parece muito, mas mesmo assim os 7 milhões que dependem do sistema público reclamam do atendimento fornecido pelos 14.378 médicos da rede. Esquinas procurou os candidatos à Prefeitura para comentar sobre os problemas nestes setores. Soninha Francine (PPS), Netinho de Paula (PCdoB), Fernando Haddad (PT) e Celso Russomanno (PP) responderam aos nossos pedidos. Os demais foram contatados, mas se recusaram a conceder entrevistas.
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MELISSA LULIO MELISSA LULIO
MELISSA LULIO
Desafios educacionais Educação infantil é a maior carência do município. Mais de 100 mil crianças esperam por vagas nas creches municipais
UM DOS MAIORES problemas da rede de ensino do município de São Paulo é a falta de vagas na educação infantil. Segundo a Secretaria Municipal, 114,3 mil crianças estão na fila de espera. Visando solucionar essa questão, a Prefeitura recorre a convênios com organizações filantrópicas. São alugadas casas, que funcionam como Centros de Educação Infantil (CEIs), tendo cada uma seus profissionais. Segundo Claudete Alves, presidente do Sindicato da Educação Infantil (Sedin), “o governo opta pelos convênios, a maioria deles sem nenhuma qualidade digna de atendimento”. Nesse sentido, Cida Perez, ex-secretária de educação da gestão da ex-prefeita Marta Suplicy, afirma que “não dá para abrir mão dos convênios, mas é necessário ter critério e supervisão. As casas que são conveniadas têm de seguir uma legislação que, atualmente, não estão seguindo”. A respeito da qualidade das creches conveniadas, Sueli Mondini, chefe da Assessoria Técnica e de Planejamento da Secretaria Municipal de Educação, garante que “existe uma portaria de convênio fiscalizadora cada vez mais exigente”. “Nós temos, hoje, entidades que se equiparam tranquilamente ao atendimento da rede pública. E, aquelas que ainda não estão adequadas, são eliminadas a partir de denúncias de convênios”, completa. Maria Lucia Vasconcelos é presidente do Conselho Municipal de Educação, instituição que assessora a Secretaria na tomada de decisões. Segundo ela, “a forma de convênio é uma das modalidades que existem para sanar a carência. Precisamos executar as alternativas possíveis e buscar chegar à
ideal, não apenas fazer críticas. De qualquer forma, o poder público tem de atender as demandas. A inação é uma tragédia”.
NOVOS PLANOS O Educação para Jovens e Adultos (EJA), sistema de ensino que atende pessoas desde os 15 anos completos, gera polêmicas. De acordo com Alexandre Cordeiro, o EJA “pode acontecer em qualquer horário, mas a maioria funciona à noite para atender a população que trabalha durante o dia”. Além disso, o supervisor afirma que existe uma demanda por maior número de escolas que disponham de aulas de EJA. Para a presidente do Conselho Municipal de Educação, “existe uma preocupação no sentido de buscar um modelo de EJA que atenda, de fato, às necessidades do grupo”. Como esses alunos são adultos e trabalhadores, “engessar demais o sistema, como se fosse o ensino regular, faz com que eles se afastem da escola novamente”, comenta. Buscando a flexibilização do ensino e a modernização do sistema, nasce o projeto EJA Modular. “Ele tem um viés diferente, porque o aluno não fica as cinco aulas da noite – que são quatro horas – com o professor em sala. Há três aulas todos os dias e, na primeira e na última, há outros projetos, como de cidadania ou de informática, para prepará-los”, explica Sueli. O EJA Modular foi escrito por coordenadores pedagógicos das Diretorias Regionais e, de acordo com a Secretaria, o teste do projeto teve início em 2 de fevereiro de 2012 e ainda não pode ser avaliado. “Se der certo, o modelo será ampliado”, assegura.
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TIAGO MOTA
Trio urbano Superlotação e demora são principais reclamações da população quando o assunto é transporte público
O TRANSPORTE PÚBLICO de São Paulo vem passando por um processo de expansão desde 2009, o Expansão SP. O investimento total previsto é de 454,19 milhões de reais, dos quais 368,57 milhões destinam-se à Companhia de Trens Metropolitanos (CPTM) e 85,6 milhões ao Metrô, segundo informações do governo do estado de São Paulo. A principal linha da CPTM beneficiada é a 9-Esmeralda, com a aquisição de oito novos trens e um processo de modernização que dispensará o uso de condutores, como na linha 4-Amarela. No entanto, problemas na composição das linhas se tornaram comuns. “Está um verdadeiro caos. Preciso esperar passar uns quatro trens para poder embarcar. Quando consigo, fico completamente amassado”, queixa-se André Vargas, usuário da linha 9-Esmeralda. O número de ocorrências graves na CPTM deve aumentar neste ano, admite Jurandir Fernandes, secretário estadual de Transportes Metropolitanos. A média de panes é de uma por semana desde o início do ano. Apesar disso, Fernandes afirma que “a CPTM está sob controle. O sistema não está em colapso”.
POR BAIXO No Metrô, a concentração de queixas está na superlotação. No horário de pico, entre 17 e 20 h, os trens levam 785 mil pessoas. São 8,6 passageiros por metro quadrado nos vagões – o índice aceitável é de até seis pessoas por metro quadrado. Na Linha 4-Amarela, inaugurada em 2010, a tecnologia e a aparente organização disfarçam os problemas. A estação Paulista, por exemplo, foi projetada para receber diariamente 145 mil passageiros, mas recebe 300 mil. “A linha é conhecida como de ‘integração’ por cruzar três outras linhas do
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Metrô e da CPTM. É natural que haja uma nova acomodação da rede e algumas estações fiquem mais carregadas do que outras”, informa a Companhia do Metropolitano de São Paulo em nota. Além disso, ocorrem panes e paralisações. Segundo Rogério Belda, diretor da Associação Nacional dos Transportes Públicos, esses tipos de falhas são normais em linhas novas. “Não é incomum. É o que chamamos de ‘doença infantil’, porque leva-se tempo para adaptação”, explica Belda. Fernandes acredita que a inauguração da Linha 4 do Metrô e a integração com os trens causou um “tsunami” de passageiros. “A rede de trens está no limite”, admite.
POR CIMA “Esses dias, no Terminal Bandeira, fiquei esperando um ônibus por mais de 30 minutos”, reclama o estudante Samuel de Souza Lima. A demora dos ônibus para passar no ponto ou chegar ao terminal foi a principal reclamação dos usuários em 2011. “Colocar mais ônibus para rodar em um sistema viário que já está saturado pode até melhorar o conforto, mas o tempo de viagem iria aumentar”, pondera Jaime Waisman, professor de engenharia de transportes da Universidade de São Paulo (USP). Para Waisman, a velocidade média dos ônibus é mais importante do que a quantidade de veículos em circulação, pois, andando mais depressa, maior é o número de pessoas tranportadas. Contudo, tanto Jurandir Fernandes como o presidente do Metrô, Peter Walker, destacam a necessidade de um sistema de linhas expressas e a construção de corredores de ônibus para aliviar a demanda pelos trens. “A capacidade de transporte ficou comprometida”, afirma Fernandes.
RAFAELA MALVEZI
Um sistema doente A administração municipal tem alcançado avanços na saúde, mas filas e gestão deficiente fazem atendimento permanecer longe do ideal
ENQUANTO CERCA DE 5 milhões de paulistanos contam com uma rede privada de saúde – 78,8% dos hospitais, clínicas e laboratórios da cidade são particulares –, 7 milhões dependem do sistema público. No entanto, a qualidade do serviço público é questionada pelos usuários. Simone da Silva Duarte, 37 anos, avalia o sistema como péssimo. “A demanda de pacientes é muito grande para o número de profissionais. O serviço é feito no atacado, sem qualidade”, conta. Como muitos paulistanos, Simone também reclama do tempo de espera. “Cheguei aqui há mais de uma hora. Essa demora seria resolvida com a construção de novas unidades e a contratação de profissionais”, sugere enquanto aguarda o atendimento da filha no pronto-socorro do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, na Bela Vista. Apesar das queixas de Simone, o prontosocorro do hospital público Menino Jesus conta com uma parceria com o privado Sírio-Libanês. “Moro no bairro do Brás, mas venho até a Bela Vista trazer meu filho para ser atendido nesse hospital. Aqui a estrutura para a realização de exames é melhor e a fila de espera não é tão grande”, aponta Rosangela Felix, mãe de Felipe, de 4 anos. O Sírio-Libanês selou a parceria em 2005 e, desde então, investe recursos na recuperação e modernização do hospital. Os governos estadual e federal são responsáveis por 2,2% da saúde pública. O restante é mantido pela Prefeitura, o que corresponde a 19% de todos os serviços existentes na cidade. Na opinião de Juliana Cardoso, vereadora (PT) e presidente da Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher da Câmara Municipal, “a prefeitura não vê a saúde como um serviço público que deve ser de qualidade. O que vale é a quantidade de pa-
cientes que foram atendidos”. Criadas em 2005 pelo prefeito José Serra, os Atendimentos Médicos Ambulatoriais (AMAs) foram pensados para atender casos emergenciais de baixa e média complexidade com o objetivo de desafogar os prontos-socorros e hospitais. Os AMAs são administrados pela Secretaria Municipal da Saúde em parceria com as entidades privadas conhecidas como organizações sociais.
ABRINDO MÃO A Lei Municipal nº 14.132/2006, sancionada por Serra, qualifica como organizações sociais as entidades sem fins lucrativos com atividades na área de saúde aptas a participar da administração de estabelecimentos municipais. Estas organizações ficam obrigadas a prestarem contas à Câmera Municipal e ao Tribunal de Contas do Município. Juliana Cardoso questiona a transparência desse modelo: “A prefeitura se blinda de todas as formas para não dar satisfação”. Segundo ela, casos de má administração por parte das organizações sociais prejudicam a saúde pública na cidade. A vereadora aponta, ainda, uma discrepância salarial que existe entre os médicos contratados pelas entidades privadas e os que são servidores da prefeitura. “Um médico dentro de um AMA pode ganhar de 9 a 12 mil reais, enquanto um funcionário público ganha 2,5 mil, 3 mil reais.”, explica. Procurado pela reportagem, o secretário municipal de Saúde, Januário Montone, não respondeu aos pedidos de entrevista. A Secretaria, no entanto, se pronunciou, defendendo que os AMAs desafogaram os prontos-socorros, pois “passaram a se dedicar exclusivamente aos casos compatíveis com a natureza do serviço”.
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TIAGO MOTA
Com medo, sem opção Embora os números da criminalidade tenham diminuído, moradores ainda temem viver na capital
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O VENDEDOR JOSÉ Lúcio dos Santos trabalha em um pequeno mercado no Parque Santo Antônio, Zona Sul de São Paulo. “Já vi acontecer de tudo aqui na região: de assassinato a estupro. E a cada dia a situação piora. Trabalho com medo, mas tenho outra opção?”, pergunta. Também chamada de “Triângulo da Morte”, a região do Parque Santo Antônio abrange os bairros Capão Redondo, Jardim São Luiz e Jardim Ângela. Nos dois primeiros meses de 2012, foram registrados oito homicídios, oito estupros, 341 roubos, 312 furtos e sete tentativas de homicídio na região, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública. As ruas que dão acesso aos bairros são íngremes. Ao longo da subida do morro surgem casas de classe média, bem conservadas e pintadas. Já o caminho de volta é bem menos colorido. O avermelhado dos tijolos à mostra leva até os riachos da região, entrecortados pelas moradias de mais de um milhão de pessoas. No entanto, o aposentado João Aparecido Rodrigues, morador da região há mais de 30 anos, conta que jamais teve problemas relacionados à violência. “O segredo é cada um viver feliz sua vidinha sem ficar se metendo com as coisas erradas ou querendo consertar os outros”, aconselha o exmotorista de ônibus. “Aqui já foi mais perigoso, mas de uns anos para cá as coisas melhoraram”, relembra. Em 2011, a capital paulista registrou 1.023 casos de homicídios, contra 1.196 em 2010, o que representa uma queda de 14,4%, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública. A taxa de homicídios da capital é de nove por 100 mil habitantes, inferior à média estadual, de dez por 100 mil, e à na-
cional, de 22,3 por 100 mil. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera aceitável o número de homicídios igual ou menor a 10 por 100 mil habitantes.
MUITO MAIS QUE UM CASO DE POLÍCIA Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em segurança pública, André Zanetic publicou, em 2005, ao lado do também pesquisador Tulio Kahn, o estudo O papel dos municípios na segurança pública. A análise confirma que, diferentemente das secretarias estaduais de Segurança, as municipais surgiram num momento histórico que compreende as diferenças entre “políticas de segurança pública” e “políticas públicas de segurança”, estas últimas muito mais amplas e mescladas com questões de cidadania e direitos humanos. De acordo com Zanetic, ainda há muita dificuldade para conseguir implementar uma cultura específica de planejamento e integração da guarda civil e das polícias estaduais com as questões de infraestrutura. “As áreas que têm mais crimes são aquelas com maior degradação do espaço urbano. São dessas áreas que a prefeitura tem de resolver primeiro os problemas”, garante. Carolina de Mattos Ricardo, coordenadora de Gestão de Segurança Pública do Instituto Sou da Paz, defende uma maior participação da sociedade na administração das políticas de segurança. “Quando falamos em segurança, precisamos pensar também em promover cidades mais seguras, com espaços de convivência pacífica, e incentivar as pessoas a ocupar esses espaços”, afirma. Até o fechamento desta edição, a Secretaria de Segurança Urbana de São Paulo não atendeu à reportagem de Esquinas.
Enquanto a Prefeitura não amplia seus projetos, o cidadão continua sem muitas alternativas culturais gratuitas
NÃO É O BASTANTE Mesmo nos programas mantidos pela Secretaria, a mobilização social é necessária. Ney Piacentini, presidente da Cooperativa Paulista de Teatro e ex-vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura de São Paulo, é um crítico do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. “A lei só é respeitada porque a categoria dos atores se manifesta constantemente para que isso aconteça”, revela. Segundo Piacentini, as formas de expressão de cultura e o contato com a comunidade ainda têm muitas outras possibilidades
BEATRIZ COPPI
BEATRIZ COPPI
BEATRIZ COPPI
Cultura fora dos planos
SÃO PAULO NÃO distribui bem suas atividades culturais. A população se concentra nos poucos espaços para ter contato com meios culturais subsidiados pela Prefeitura, como o Centro Cultural São Paulo (CCSP), na Rua Vergueiro, na região central. Anualmente, uma média de 800 mil pessoas frequenta o local. Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, os pontos de cultura já existentes são de fácil acesso e suprem as necessidades dos chamados “bairros dormitório”, como o distrito de Guaianases, entre outros. Sobre a carência de atividades culturais em alguns bairros da Zona Leste, por exemplo, a Secretaria considerou que os Centros Educacionais Unificados (CEUs), iniciativas da Secretaria de Educação, e as Fábricas de Cultura, projeto do Governo Estadual, suprem as necessidades culturais. Esta também é a opinião da gestora do CEU Butantã, Eliane Aparecida dos Santos Luscri: “Eles cumprem um papel cultural, fornecendo atividades para pessoas de todas as condições sociais”. Entretanto, a programação não tem o envolvimento dos frequentadores.
não exploradas. “O que falta é um conceito, uma proposta. A atuação da Prefeitura ainda é muito tímida para uma cidade desse tamanho. São Paulo merece ações à altura da sua capacidade, dimensão e orçamento”, comenta. Ele também opina sobre a frequência dos eventos culturais na cidade. A tão comentada Virada Cultural, por exemplo, acontece somente uma vez por ano e surpreende pela falta de estrutura. “A Virada representa uma ótima oportunidade para os turistas e para os próprios habitantes, mas é um evento que vem e que passa. A Cultura deve permear a vida do cidadão”, defende Piacentini.
CULTURA PARA TODOS Se as ações não atingem toda a população, o povo se mobiliza em prol de novos projetos que buscam o desenvolvimento cultural para todos. Uma tentativa civil de mudar a estatística cultural na Zona Leste é o projeto de um Centro Cultural e Ambiental no terreno do antigo shopping Artur Alvim, um movimento apartidário que não saiu da fase de abaixo-assinado. Sua responsável, Paula Cristina Rodrigues, afirma: “Não gostaria de relacionar o projeto a uma gestão ou um candidato à Prefeitura para que não haja mudanças conforme o resultado de eleições”. No entanto, na Zona Leste, está sendo construído o Centro de Formação Cultural de Cidade Tiradentes, obra que se arrasta desde junho de 2009 e deve ser concluída até setembro. Seu orçamento já teve um acréscimo de cerca de 4 milhões de reais. Segundo José Rollemberg, arquiteto responsável pela concepção e estudo preliminar do projeto, “a nossa unidade está projetando novos equipamentos para o bairro de Piraporinha, Vila Prudente e Pompéia”.
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Netinho de Paula
Soninha Francine 14
A carreira política de Sonia Francine Gaspar Marmo, a Soninha, começou em 2004, quando foi eleita vereadora ainda pelo Partido dos Trabalhadores (PT). A ex-apresentadora da MTV, formada em Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), dedicou-se à defesa dos direitos humanos dos Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestias (LGBT) e jovens. Trocou o PT pelo Partido Popular Socialista (PPS) em 2008 e, em 2009, tornouse subprefeita da Lapa na gestão de Gilberto Kassab. Desde fevereiro de 2011, chefia a Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades (Sutaco). Sobre a saúde pública, ela propõe que sejam realizados multirões para agilizar o atendimento. “Uma pessoa não pode esperar uma consulta no ginecologista por três meses e um ultrassom para daqui seis meses”, ressalta a candidata. “O segundo passo é melhorar o sistema de marcação de consulta. Hoje, com toda a tecnologia existente, os pacientes só podem marcar consultas pessoalmente. Precisamos de um sistema mais ágil de agendamentos.” Na questão da segurança, ela pretende reformular a Guarda Civil Metropolitana. “A GCM não deve ser uma guarda armada. Ela deve dar proteção na porta de escolas, nos parques municipais, nas vias públicas de um modo geral, ajudando na repressão de crimes, mas sem violência”. A respeito da educação, Soninha acentua: “A reforma das instalações é urgente e os professores devem ter reconhecimento, seja no aumento responsável da remuneração, seja no incentivo feito com bonificações”. Buscando atender à demanda por cultura e lazer nas periferias, ela sugere parcerias com o setor privado. “Seja com uma entidade parceira, seja com recursos da prefeitura ou patrocínios de empresas, temos que melhorar os espaços que já existem imediatamente”. Mas, para Soninha, o caminho para a solução do problema passa por outras questões. “Devemos tomar providências para promover a verticalização. Se não transformarmos casas em apartamentos, não teremos terrenos para o lazer e a cultura”.
Dos palcos ao gabinete. Esse foi o salto dado por um dos candidatos à Prefeitura. José de Paula Neto, mais conhecido como Netinho de Paula, é ex-integrante do grupo de pagode Negritude Júnior. Desde 2008, é vereador da cidade pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Entre suas propostas, Netinho considera o principal problema de São Paulo a falta de investimento nos transportes coletivos. “A atual gestão resolveu colocar recurso para ajudar o Governo Federal e Estadual na construção do metrô tardiamente”, afirma o candidato. “O principal erro foi privilegiar o transporte individual ao transporte coletivo”. Outro equívoco que o vereador enxerga na atual gestão é a aprovação automática dos alunos nas escolas públicas. O candidato propõe que as escolas sejam um espaço para a família, algo como “mini CEUs”. Netinho pretende adquirir recursos para esses avanços na educação fazendo mudanças na administração da dívida da cidade com o Governo Federal. “Agora, essa dívida toda é parcelada. Estamos estudando a possibilidade de mudar o indexador que a corrige”, afirma. O candidato vê a tecnologia como solução para a Guarda Civil Metropolitana. Netinho pretende integrar a GCM e as polícias Militar e Civil, criando um centro unificado de monitoramento. “Ainda existe uma disputa muito grande de atribuições entre as polícias. Se equipo a GCM, diante do delito consegue informar as demais [polícias], ou agir imediatamente. Ela passa a ter poder de fato”, comenta. Outro tipo de parceria que o candidato defende é na gestão da saúde paulistana. Ele acredita que os convênios entre a Prefeitura e as organizações sociais (OS) trouxeram avanços para a saúde. “Através das OS, podemos contratar profissionais, valorizar salários e criar ações que, muitas vezes, dependem da legislação federal. Tudo fica mais rápido”, afirma o candidato. Outra crítica é a má centralização dos hospitais públicos no centro de São Paulo. “São poucos os hospitais com atendimento de alta complexidade. Podemos levá-los para as periferias, isso vai desafogar o centro”, propõe Netinho.
Celso Russomanno
Fernando Haddad FOTOS DIVULGAÇÃO
Mais conhecido por ter sido ministro da Educação entre 2005 e 2012, Fernando Haddad foi o escolhido do próprio presidente Lula para as eleições municipais, pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Durante seu mandato como ministro, Haddad foi responsável pela criação do programa “Universidade para Todos” (ProUni) e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu). Como ex-ministro, fica claro para Haddad que não houve grande atuação nesta área na cidade. “São Paulo tem direito a bilhões de reais que não foram acionados simplesmente por falta de iniciativa da Prefeitura. Nós vamos recuperar esses recursos”, promete. Haddad também pretende fazer as escolas irem além do ensino, transformando-as em centro culturais, com turnos de atividades durante a manhã e a tarde. “A cidade precisa acolher as pessoas com museus, praças e parques. Esses espaços devem estar conectados com uma visão renovada de educação”, explica o candidato. Para que essa conexão seja possível, ele propõe meios de transporte entre as escolas e esses espaços, como bicicletas, vans e micro-ônibus públicos. Essas são pequenas conexões de que a cidade precisa. O trânsito na cidade, porém, permanece caótico. “Não é porque seu antecessor deixou uma marca em uma determinada modalidade do transporte que você vai, por pirraça, deixar de investir nisso. Foi o que fez as gestões do PSDB em São Paulo”, comenta Haddad referindo-se aos investimentos no transporte da prefeita Marta Suplicy (PT) em seu mandato, de 2000 a 2004. Já na questão da segurança, o candidato afirma que as gestões anteriores acabaram por desprestigiar a GCM para valorizar a Polícia Militar. “A GCM quer apenas reconhecimento. Nós vamos continuar trabalhando com a PM, mas vamos resgatar o orgulho e a dignidade da GCM”, diz o candidato. Outra preocupação é com a saúde pública municipal. “Nós temos que impedir essa iniciativa do Governo do Estado de privatizar leitos do SUS, mas podemos contar com parcerias privadas. Isso desde que tenhamos regras para a utilização dos recursos, sobretudo o que diz respeito à transparência”.
Popular na figura de defensor dos direitos do consumidor na televisão, o jornalista e ex-deputado federal Celso Russomanno já concorreu ao Governo do Estado nas eleições de 2010 pelo Partido Progressista (PP), mas não chegou lá. Agora se lança como candidato à Prefeitura pelo Partido Republicano Brasileiro (PRB). Russomano apresenta o quadro Patrulha do Consumidor, na TV Record, em que medeia reclamações de consumidores lesados por alguma empresa. E é como se estivesse em seu programa que o jornalista expõe suas propostas para a cidade. Ele se indigna com as condições dos ônibus. “Nossa primeira ação será acabar com esse tipo de transporte ruim, que balança, e introduzir ar condicionado em todos os ônibus”, promete o ex-deputado. Além disso, o candidato enxerga nos táxis uma alternativa de transporte para os paulistanos. “Vamos isentar os táxis da parte do ICMS na gasolina que cabe ao município. Assim, podemos baixar o preço da tarifa”. Ainda sobre transporte, declara-se um “apaixonado por bicicletas” e propõe o aumento do número de ciclovias. Entretanto, as complicações no trânsito são apenas uma parte do que precisa ser melhorado. Outro problema que ele observa é a fraca relação entre a Guarda Civil Metropolitana e as polícias Civil e Militar. “Pretendo fortalecer esse frágil convênio criando um sistema de rádio em que a GCM possa conversar com as duas polícias, a fim de que tenhamos um trabalho em conjunto”. No setor da saúde, Celso Russomanno afirma que a chave é investir em saúde preventiva. Segundo ele, esse modelo é mais barato e eficiente, pois resulta na diminuição de internações (inclusive em UTIs). Ele também aposta na melhor remuneração dos profissionais. “Hoje o funcionário público não é prestigiado, mas sim os convênios.” Para a educação, Russomanno pretende equipar as escolas para torná-las de período integral. “Vamos verticalizar as creches abrindo vagas para compensar o déficit de mais de 170 mil crianças [sic]. Já no ensino fundamental, não vou permitir a progressão continuada [aprovação automática].”
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ENTREVISTA
Pobreza
estrutural
REPORTAGEM AMANDA GRECCO, GABRIELA MONTEIRO (1o ano de Jornalismo) e JAQUELINE GUTIERRES (4o ano de Jornalismo) IMAGENS MARIANA OLIVEIRA (2o ano de Jornalismo) e CAMILA LUZ (3o ano de Jornalismo)
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João Sette Whitaker, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), aponta as causas dos problemas espaciais e segregacionistas da cidade de São Paulo
“A ELITE BRASILEIRA não aceita que não se construam pontes para carros em lugar de metrôs, que atrapalham o trânsito com obras que duram anos. Ela não aceita que se priorizem as demandas para a cidade se tornar mais democrática.” Essa questão, levantada pelo economista e arquiteto-urbanista João Sette Whitaker, é um dos fatores que determinam medidas governamentais e que colaboram para que a situação da metrópole seja desigual. A segregação e a disparidade espacial de São Paulo, segundo Whitaker, são reflexos do modo como se estruturaram as cidades brasileiras desde que se formaram. Membro do Conselho Municipal de Política Urbana e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), Whitaker resgata a teoria de subdesenvolvimentismo do sociólogo Celso Furtado, afirmando que a lógica de crescimento econômico do país é baseada no descaso com o bem-estar social, principalmente das classes baixas. Assim, os problemas deixam de estar ligados apenas ao espaço urbano e a interesses econômicos. “A questão se estende para a área da saúde, frente à precariedade desse setor. E também para a área da educação, pela insuficiente oferta educacional aos mais pobres”, ressalta o professor. O currículo de João Whitaker é dos mais extensos: doutor em Arquitetura e Urbanismo e mestre em Ciência Política, ambos os títulos pela Universidade de São Paulo (USP) – sem falar na graduação em Economia, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Além disso, é consultor nas áreas de Políticas Habitacionais e Desenvolvimento e Economia Urbana. Com toda esta bagagem, Whitaker recebeu a reportagem de Esquinas para uma entrevista, comentando os principais problemas da cidade e a falta de iniciativa política para saná-los.
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Como os fatores históricos levam à atual situação conturbada do urbanismo em São Paulo e em outras cidades brasileiras? O processo histórico, político e econômico das cidades brasileiras, principalmente São Paulo, é marcado pelo subdesenvolvimentismo. Ou seja, a lógica de desenvolvimento do país é baseada no antagonismo entre dois extremos: o país cresce ao se alimentar da pobreza. A renda é concentrada, a mão de obra barata é explorada e é de interesse do Estado que a pobreza se mantenha para que este processo não se interrompa. Nunca se trabalhou na direção de diminuir estas contradições, porque são elas que giram a economia. Essa lógica garante que o Brasil não tenha um Estado de bem-estar social, atento às necessidades da população em sua amplitude. A situação é refletida no espaço da cidade pela enorme desigualdade espacial e pela segregação, onde a riqueza existe em função da própria pobreza.
Existe alguma atitude que realmente mudaria este quadro? O país vem passando por mudanças que escancaram estas contradições e colocam dificuldades para os governantes. Porém, mesmo que existam mudanças no campo da política, no urbanismo elas são mais demoradas. Mudar essa lógica significa opor-se à classe mais alta. A primeira atitude a ser
tomada é por parte dos governos, de ter a coragem de encampar uma mudança radical nas prioridades das políticas urbanas. É preciso uma inversão dos investimentos públicos, favorecendo as classes mais baixas. Em vez de gastar 1,2 bilhões de reais em novas vias para carros na Marginal, gastassem esse dinheiro para fazer dez quilômetros de metrô. Mas são obras que demorariam para ficar prontas e a construção de novas vias tem um ganho eleitoral muito mais rápido. Há também uma parte de aceitação da população. Ela pode até reclamar do quadro político e econômico, mas nem sempre vai reclamar da questão urbana. Levar as pessoas a terem atitude de mudança é um processo bastante complexo.
Quais os primeiros passos para diminuir o trânsito de São Paulo de modo efetivo? Não há primeiro nem segundo passo. É preciso fazer uma única coisa: uma inversão radical nos investimentos, levando-os maciçamente para o transporte público. A partir do momento em que o investimento trouxer uma qualidade melhor do serviço público, pode-se começar a taxar a utilização do carro, diminuindo a circulação. Por enquanto é muito complicado. Cria-se um preço alto para a pessoa sentir no bolso o uso de um carro, mas o que se oferece em contrapartida é muito ruim. Não existe condição política de se colocar em prática esse tipo de atitu-
de, mas a partir do momento em que houver investimento pesado em transformação da modalidade do transporte, pode-se fazer com que as pessoas migrem para o serviço público. Essa é a única solução possível depois de um período de seis ou oito anos.
O centro da cidade foi esquecido pelo poder público? E o que dizer sobre os novos projetos para a região?
MARIANA OLIVEIRA
Lá é o espaço de uma grande tensão, porque foi aos poucos sendo abandonado pelos setores de alta renda. A região ficou popular a partir da década de 1940, à medida que todos os investimentos em infraestrutura no transporte iam para lá – como em qualquer cidade do mundo – atraindo o comércio popular e uma população mais pobre. Esse movimento fez com que, aos poucos, as elites que moravam lá se deslocassem para outros locais. O centro foi deixado de lado pelo próprio governo e, ao longo desse processo, foi considerado degradado. Na verdade, ele é provavelmente a área da cidade mais vitalizada, com mais empregos, só que de caráter mais popular. Atualmente, com a falta de terrenos para o mercado imobiliário, passou a ser visto com olho gordo. Nesse atual governo, temos um Estado típico patrimonialista, que defende os interesses dos grupos dominantes e trabalha junto com o mercado para transformar o centro em um espaço atrativo para os investimentos. E, para isso, precisa promover a retirada da população mais pobre, sobretudo daquela que está onde eles chamam de Cracolândia. Esse é um processo chamado de gentrificação, com a retirada da população pobre e a valorização do perfil econômico de quem mora ali.
Essa valorização de determinadas áreas da cidade feita pelo mercado imobiliário tende a ser um ciclo? Ou a terminar em uma crise?
Para Whitaker, o centro de São Paulo passou a ser visto com “olho gordo” pelo mercado imobiliário.
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É um ciclo e pode terminar em uma crise. Porém, é exatamente essa a lógica do mercado, de abrir novas frentes imobiliárias. Ao mesmo tempo, abre pouco para as classes mais populares, a não ser quando há auxílio do poder público, como aconteceu durante o governo Lula com as mudanças no crédito imobiliário. O mercado acaba sempre reinventando o produto imobiliário para quem já mora ou já pagou. Um bom exemplo é a questão da segurança pública. Os índices de criminalidade de São Paulo são altos, mas são iguais aos de qualquer grande cidade do mundo, como Nova Iorque. Então, na verdade, essa ideia de que é preciso viver dentro de uma fortaleza urbana é meio relativa, e muito disso foi o mercado que criou. Com isso, cria-se um efeito “bola de neve”, porque os assaltantes vão se interessar pelos prédios que parecem fortalezas.
Apesar dos possíveis novos “elefantes brancos” construídos na cidade, o que a Copa do Mundo pode trazer de melhorias? Esta é uma questão muito polêmica. As pessoas imaginam que as cidades se bene-
“Ela [a população] pode até reclamar do quadro político e econômico, mas nem sempre vai reclamar da questão urbana”
MARIANA OLIVEIRA
ficiam dos eventos esportivos, mas isso é muito relativo. Primeiro porque o equipamento principal, motor da transformação, é o estádio, que nem sempre será aproveitado em futuros jogos. Em segundo lugar, a localização e os equipamentos que eles [os estádios] trazem dos outros municípios não são discutidos pela sociedade para saber se são mais necessários do que outros investimentos. Normalmente, o que vêm junto são prédios de negócios e linhas de metrô que levam às arenas. Mas será que não é preciso fazer linhas que vão pra outros lugares mais urgentes da cidade? Será que não é mais necessário fazer saneamento para toda a população? O problema é que esses grandes eventos subordinam os planejamentos aos interesses privados dos organizadores dos eventos. Quem manda nos planejamentos urbanos hoje é a FIFA [Fédération Internationale de Football Association], mas quem deveria mandar é a população por muito de seus governantes eleitos.
Em 2011, foi aprovado pela prefeitura um
projeto de urbanização da favela de Heliópolis. A polêmica sobre esse projeto é o custo e a utilidade, já que o orçamento foi alto. Qual é a sua opinião? É importante que haja a urbanização da favela, mas o foco dessa ação foi fazer marketing em cima da política. Em vez de realizar um projeto eficaz e racional, com um custo bem pensado, foi convidado para tal tarefa um arquiteto de renome [Ruy Ohtake] que tem pouquíssima experiência com urbanização de favela. A obra tem o intuito de aparecer, e não de resolver o que foi posto em pauta. Desconectado da realidade, é um projeto um pouco estranho. Não é só caro, como é muito pouco funcional.
“É preciso uma inversão radical dos investimentos públicos, favorecendo as classes mais baixas”
Os maiores problemas de São Paulo são moradia e transporte? Quais outras questões você apontaria? É isso mesmo: moradia, transporte e saneamento. E depois, educação e saúde para todos. Se fizéssemos essas cinco revoluções, estaríamos em um novo país. Os nossos problemas são simples, a questão é que não existe a mobilização política para enfrentá-los.
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ESCÂNDALOS POLÍTICOS
CIRCO DE ESCÂNDALOS
Leis irrelevantes e situações comprometedoras que tornaram os políticos motivo de piada
REPORTAGEM GIOVANNA FONTES MARAFEI, GISELLE MOREIRA PORTO, ISABELA ZANGROSSI, KETLYN TADDEUCCI DE ARAUJO, PATRÍCIA ORLANDO, SOPHIA WINKEL (1o ano de Jornalismo), AVANA SALLES, CAROLINA MUNIZ, MARCELLA LOURENZETTO, MARINA GOMES, TALITA FRANZÃO e YOHANA SCARANARE (2o ano de Jornalismo) ILUSTRAÇÃO TALITA FRANZÃO (2o ano de Jornalismo)
“SAIA DAQUI, VAGABUNDO!” Os políticos até tentam, mas nem sempre conseguem manter o equilíbrio. Em 2007, o prefeito Gilberto Kassab expulsou aos gritos um manifestante de uma unidade de saúde. Kaiser Paiva Celestino da Silva aproveitou a presença de Kassab na inauguração da Assistência Médica Ambulatorial (AMA) Pereira Barreto, em Pirituba, para protestar contra a Lei Cidade Limpa. O resultado? O prefeito perdeu o controle e, com berros de “Saia daqui, vagabundo! Respeite os doentes!”, obrigou-o a deixar o local. Procurado para dar esclarecimentos sobre o acontecido, Kaiser não quis se pronunciar. QUE HONRA! FUI EXPULSO PELO PREFEITO
Parada gay? Onde o mundo vai parar...
MORAL E BONS COSTUMES Desde 1969, 28 de junho tornou-se oficalmente o Dia Internacional do Orgulho Gay. Realizada há 14 anos, a Parada Gay atraiu quatro milhões de pessoas em São Paulo no dia 26 de junho de 2011. Entretanto, em uma tentativa de “resguardar a moral e os bons costumes” o vereador paulista Carlos Apolinário, do Democratas (DEM), propôs à Câmara Municipal de São Paulo a criação do Dia do Orgulho Heterossexual. Ligado à instituição religiosa Assembleia de Deus, o vereador alega que os homossexuais não querem conquistar direitos, mas sim, privilégios. Para Paulo Fernandes de Aguiar, militante da causa Lésbica, Gay, Bissexual e Transexual (LGBT), 23 anos, o projeto “é uma tentativa de confronto direto com a luta gay e com o pouco conseguido nela”. A prefeitura vetou o projeto, alegando incitar a homofobia. Procurado pela reportagem, o vereador não se manifestou.
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FÃS DE SÉRIES AGORA TÊM SUA VEZ Roger Lin, do Partido do Movimento Democrático do Brasil (PMDB), colocou em pauta de discussões, na Câmera de Vereadores em setembro de 2003, um projeto de lei que tinha como principal objetivo instituir em São Paulo o dia do fã de séries de TV e cinema. De acordo com o vereador, o número de admiradores desse segmento televisivo é crescente. Em passagem retirada do seu próprio projeto de lei, ele defendeu: “Tendo em vista tamanha dedicação vinda desses grupos, com o intuito de promover a reunião, integração, troca de informações e material, a presente propositura vem com o objetivo de organizar e homenagear esses amantes das telas”. Por incrível que pareça, a lei foi aprovada.
MICHAEL JACKSON POR SÃO PAULO O vereador Agnaldo Timóteo, do Partido da República (PR), propôs que o nome do astro norte-americano Michael Jackson fosse acrescentado ao Parque do Ibirapuera e à Sala São Paulo. Em entrevista à Folha de S.Paulo, no dia 5 de outubro de 2009, o vereador declarou que, além disso, seria interessante fazer uma estátua do rei do pop. Como se não bastasse, também idealizou a construção de duas praças, uma de frente para a outra: a Praça Michael Jackson e a Praça Clodovil Hernandes. Os projetos não foram aprovados pela Câmara. Agnaldo Timóteo não cedeu entrevista a reportagem.
O SILÊNCIO DOS FEIRANTES Tradicionalmente cheia de cores vibrantes e sons variados, a feira livre emudeceu após lei sancionada pela prefeitura de São Paulo Já imaginou chegar a uma feira livre e não ouvir aquele típico “Olha aí freguês, hoje tem! Moça bonita não paga, mas também não leva!”? É esse estranhamento que o decreto de lei muncipal nº 48.172 causa na população. Proposta em 2007, pelo prefeito Gilberto Kassab, a lei que prevê a regulamentação dos feirantes em São Paulo possui um inciso peculiar: a proibição do famoso grito dos comerciantes. Durante as feiras livres, muitas táticas são usadas para se vender um produto. Negociacões de preço e promoções são válidas, mas é a boa e velha disputa de berros que esvaziam os produtos das prateleiras. Segundo o feirante Franscisnei Alves de Andrade, 55 anos e 34 de feira, o comerciante é o articulador e a própria propaganda. “A feira é livre, você trabalha do jeito que você quer! As propagandas na TV não divulgam o produto assim: ‘Tá barato pra caramba’, ‘Quer pagar quanto?’, por que a gente não pode?”, ressalta o feirante. No mês em que a proibição foi colocada em prática, sem o grito como aliado, Dona Ana Maria Conde, 60 anos, produziu pôsteres com fotos de receitas que podem ser feitas com as batatas que vende. Contudo, a maioria dos feirantes não encontrou soluções como as dela. Segundo o Sindicato dos Feirantes do Município de São Paulo, não houve nenhuma mudança significativa nas vendas decorrente da lei. Mas calma! O feirante não precisa ficar preocupado. A Prefeitura promete não ser tão radical na fiscalização da norma. Isto é, o feirante pode continuar com o seu grito, desde que não haja reclamações dos moradores próximos aos locais de feira livre.
rás rita ! g o ra Nã a fei n
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COMPORTAMENTO
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MISCELÂNEA
URBANA O dia-a-dia de três famílias paulistanas revela as muitas faces de uma cidade em constante mutação
REPORTAGEM ISABELA DUARTE, ISADORA COUTO, IZABEL TEBAR, MARIANNE TAKANO, MARIANA MOREIRA, NATHALIA LEVY, NATHALIE PROVOSTE, RAFAELA MARCHETTI e VICTOR PUIA (1o ano de Jornalismo), AMANDA MASSUELA, GABRIELA VALDANHA e TIAGO SUHAI NAVARRO (2o ano de Jornalismo) IMAGENS ISADORA COUTO, NATHALIA LEVY, RAFAELA MARCHETTI (1o ano de Jornalismo)
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O DIA COMEÇA cedo na capital paulista. Os primeiros raios de sol levam às ruas uma mistura de rostos, ideais e histórias que se juntam ao frenesi diário da cidade. Em meio à correria matutina, milhões de paulistanos seguem em direção ao trabalho. Acostumado a essa rotina, Lindevan Damasio, de 27 anos, ajusta o seu trajeto de acordo com o cliente. O carpinteiro deixa a sua casa, no bairro do Belém, Zona Leste de São Paulo, às 7h30 todos os dias, e segue para o Tatuapé sem horário fixo para voltar. “Ele vai de carona com o chefe que mora aqui no bairro e só chega em casa perto das dez da noite”, comenta Priscilla Barboza, sua esposa. Assim que o marido sai de casa, a jovem de 26 anos leva Ingrid, a filha mais nova, à creche da Casa Transitória Fabiana de Cristo, no próprio Belenzinho. Priscilla costumava trabalhar como operadora de caixa, mas a falta de tempo e a constante mudança de horários fizeram com que abandonasse seu emprego para dedicar mais tempo à família. A cerca de 20 quilômetros dali, no bairro de Campo Belo, na Zona Sul, Roberto Venturini também inicia seu dia de trabalho logo cedo. O representante comercial de 49 anos está habituado a manhãs metódicas. Todos os dias, por volta das seis horas, é a voz de sua esposa Inês que substitui a balbúrdia do despertador. A partir daí, desenrola-se uma série de tarefas: Roberto leva sua filha Andressa, de 18 anos, à estação de metrô Conceição, retorna à casa, toma café da manhã com Roberto, seu filho de 16 anos, e só depois de levá-lo até a escola é que segue para o trabalho. “Ele trabalha até as quatro horas da tarde. Às vezes um pouco mais, às vezes um pouco menos”, narra a esposa Inês, já
acostumada à dinâmica da casa. Foi uma mesma rotina atribulada e repleta de horários apertados que acabou restringindo o ambiente de trabalho de Ricardo (que prefere não publicar seu sobrenome), 50 anos, à sua própria casa nos arredores do Parque Ibirapuera, em um dos tantos condomínios fechados da Zona Sul da cidade. O empresário, que costumava passar cerca de 15 horas de seus dias trabalhando, decidiu vender a editora da qual era proprietário em troca de mais tempo livre – e uma boa quantia em dinheiro. “Como editor, fui muito mais um administrador de empresas. Eu não era um intelectual, e sim o chato de gravata que ficava cobrando prazos e orçamentos de todo mundo”, conta Ricardo, cuja formação acadêmica nada tem a ver com literatura ou administração: formou-se em engenharia química pelo Instituto Mauá de Tecnologia, em 1984. Hoje, mexendo com investimentos a partir da tela do computador, tem a possibilidade de montar sua própria agenda de acordo com os compromissos de sua esposa Lorna e seus filhos Guilherme, 17 anos, e Henrique, 14 anos. “Agora tenho mais tempo para os meninos e consigo ajudar a Lorna a resolver os problemas de casa quando ela não pode”, diz Ricardo, que acredita ter melhorado muito sua qualidade de vida desde então. Ao ouvir a esposa o chamando para que levasse Henrique ao curso de inglês, murmura: “Se fosse antes, eu não poderia fazer isso.”
AGENDA FAMILIAR O caminho que se faz até a casa de Lorna e Ricardo, próxima ao Parque Ibirapuera, nem parece ser paulistano. O misto de poluição atmosférica, sonora e visual que acomete a cidade fica para trás no momento em que
ISADORA COUTO
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ISADORA COUTO
Lorna, esposa de Ricardo, divide seu tempo entre a dedicação aos filhos e a agenda social
Dirigindo carro de luxo, Ricardo diz ter melhorado a qualidade de vida desde que passou a trabalhar com investimentos, em casa
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se cruza uma longa praça junto de ruas exclusivamente residenciais. As calçadas são limpas, o movimento de carros é menos intenso e o verde das árvores predomina sobre o cinza do asfalto. No entanto, a paranoia dos centros urbanos se instaura ali por meio de um grande sistema de segurança: câmeras de vigilância cobrem os muros à espera de qualquer sinal de violência. “Vivemos em uma área privilegiada, numa espécie de bolha”, reflete Ricardo. É em uma rua de acesso restrito por uma chancela que moram Lorna, seu marido e os dois filhos, Guilherme e Henrique. A casa, que segue o alto padrão da vizinhança, é ampla e tem olhos eletrônicos vigilantes nas duas portas. Em seu interior, uma sala de estar repleta de livros e objetos decorativos recebe as visitas. A agenda familiar segue lotada de compromissos. Após um almoço descontraído na última terça-feira do mês de março, eles se dividem entre suas respectivas atividades, como em todos os outros dias da semana. “Vocês vão ver que nós não somos uma família comum”, avisa Guilherme, preparando-se para a sua aula particular de redação, enquanto o irmão mais novo aguarda a chegada do professor de violino. Os garotos, além das aulas regulares no colégio, mantêm uma série de afazeres paralelos, que inclui trabalho voluntário, curso de inglês e treinos de polo aquático. Ainda que formada em Filosofia pelo Centro Universitário Salesiano de Lorena, sua cidade natal, Lorna, matriarca da família, não trabalha. Dedica-se em tempo integral aos filhos, à casa e à saúde, além de manter uma rotina social bastante movimentada: “A gente acha que vai ter o fim de
NATHALIA LEVY
Vista da janela dos Venturini; de um lado, seis quadras de tênis e, de outro, a Favela do Buraco Quente
semana para descansar, mas ele acaba sendo tão agitado quanto os dias de semana”, conta a dona de casa, que se junta todas as manhãs a um grupo de amigas no chamado “Clube do Café da Manhã”.
ÚNICO CÔMODO Cerca de 700 famílias integram a comunidade do Belenzinho, algo difícil de imaginar quando se olha de fora. Os problemas de espaço e estrutura são tantos que as casas, posicionadas frente a frente, separam-se por um corredor de, no máximo, dois metros de largura. Tamanha proximidade entre a vizinhança dificulta a convivência: “Aqui as pessoas passam olhando para dentro das casas. Eu já bati de frente com gente que passou bisbilhotando”, descreve Priscilla. Os problemas estruturais complicam o
cotidiano e a dinâmica da família. A casa onde vivem Lindevan, Priscilla, Ingrid, 4 anos e Gabriel, 7 anos, resume-se a um único cômodo. Ali, a cama do casal e o berço da menina dividem o pequeno espaço com um armário. O banheiro é improvisado: logo acima do vaso sanitário, posiciona-se o chuveiro. Todos os dias após o banho, é preciso que se recolha a água acumulada no chão e a despeje no vaso sanitário. “O esgoto é a gente quem faz”, comenta Priscilla. Ao todo, o lar da família tem 24 m². A comunidade não possui saneamento básico. A solução encontrada pelos moradores foi cavar pequenos buracos em frente às casas, por onde o esgoto seria escoado. Ao menor sinal de chuva, todos se mobilizam: “Quando entra água aqui, entra água do esgoto. Eu já perdi o berço da Ingrid, colchão,
armário. Imagina o desespero”, revela Priscilla. Para evitar esse tipo de situação, um pequeno muro teve de ser construído, logo na porta da casa. Porém, a família permanece em estado de alerta, uma vez que as vielas costumam alagar e, dependendo da quantidade de água acumulada, o muro não mais cumpre a sua função.
DUAS CIDADES Já em Campo Belo, onde vive Roberto Venturini e sua família, os dias se estendem sem muita movimentação. A paisagem é um retrato do mau planejamento espacial típico das grandes capitais brasileiras: casebres amontoados dividem o espaço da rua com suntuosos prédios, como o que vive a família Venturini. “Toda essa área já foi favela. Havia uma rua ou outra, mas ainda
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RAFELA MARCHETTI
Na casa de Lindevam e Priscilla Damásio, o banheiro é improvisado. “O esgoto é a gente quem faz”, comenta Priscilla
não tinha avenida nem nada do tipo”, explica Roberto, referindo-se à Favela do Buraco Quente, que costumava ocupar toda a área. “Os prédios foram sendo construídos e eles empurrados para esse pedacinho que ocupam hoje”, continua. Tal dicotomia social fica ainda mais evidente se observada da varanda da família Venturini: uma piscina e seis quadras de tênis, localizadas no térreo do prédio onde moram, dividem o muro com as casas de tijolos à vista que se proliferam a perder de vista. O casal, residente do bairro há 23 anos, mantém uma relação dúbia com a cidade. Inês, nascida e criada na Pauliceia, não se vê longe da vida urbana que a envolve. “Sou paulistana e jamais me mudaria”, conta Inês, enquanto é interrompida pela voz convicta de Roberto, que de longe revela: “Eu me mudaria amanhã”. O tom de certeza na fala vem da própria vivência. Durante quatro anos, morou em algumas cidades do nordeste junto do pai, que costumava trabalhar em hidrelétricas. “Ele já não é tão enraizado em São Paulo. Morou em Itaparica, Sobradinho e Paulo Afonso”, diz Inês.
PATOLOGIA URBANA Todos os dias, Inês segue em direção ao trabalho pela estrada de Itapecerica da Serra,
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a 40 quilômetros de São Paulo. Formada em enfermagem pela Universidade de São Paulo (USP), ela trabalha para a Prefeitura, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einsten, no posto de saúde Vila Prel, na Zona Sul. Mesmo sem depender do serviço público, está em contato diário com o sistema. “O salário do servidor público e do profissional da área médica no Brasil é baixo”, relata. Em São Paulo, segundo a Secretaria de Saúde, o salário base para enfermeiros de rede pública é de R$ 1.115,60. A enfermeira reconhece que o sistema público de saúde oferecido aos paulistanos é problemático em muitos sentidos, principalmente no que se refere aos cuidados preventivos: “No posto onde trabalho, oferecemos caminhada, orientador físico, ensinamos como prevenir algumas doenças, mas não adianta. A cultura do povo brasileiro não está voltada para a prevenção”, diz, afirmando que a “construção de postos e hospitais ‘dá ibope’ para campanha política”. Hoje, a família de Inês não utiliza tanto o serviço médico como quando seu filho, Roberto, atualmente com 16 anos, nasceu. Portador da Síndrome de Down, eles encontraram dificuldades para contratar um plano de saúde que o aceitasse sem restrições em relação a períodos de carência. Devido à ur-
gência de cuidados, os Venturini recorreram a médicos particulares e especializados. “Se eu dependesse do serviço público, sei que a história seria diferente e muito mais complicada”, admite a mãe. Tamanha falta de estrutura não é novidade para Lindevan Damásio e sua família. Longe da segurança oferecida pelos planos de saúde, o casal recorre, constantemente, aos hospitais públicos da região, como o Hospital Infantil Cândido Fontoura. Foi da fala de Gabriel, filho de Lindevan e Priscilla, que surgiu o mais recente impasse enfrentado por eles: “Ele tem a língua presa e, como já completou 7 anos, está pronto para fazer a cirurgia”, conta Priscilla, enquanto passa um café forte. A mãe enfrenta dificuldades para encontrar ajuda especializada, como a fonoaudiologia. O tempo escasso, apertado entre os afazeres domésticos e o cuidado com os filhos, impede-a de vasculhar os postos de saúde em busca de tais profissionais. Roberto Venturini acredita que um problema puxa o outro: a falta de tempo característica das metrópoles seria “amenizada se o investimento em transporte, por exemplo, aumentasse, melhorando a qualidade de vida das pessoas”. Já pelas redondezas do Ibirapuera, a saúde não é um problema para a família de Lorna, que mora na região há dez anos. “Não tenho do que reclamar. Aqui você encontra todos os tipos de médicos que precisar. Essa é uma das partes positivas de se morar em São Paulo”, declara a esposa de Ricardo. Distantes da realidade superlotada e precária que circunda o sistema público de saúde, eles possuem quatro médicos diferentes, mais o terapeuta que os acompanha semanalmente – todos inclusos nos gastos relativos ao convênio médico.
LOCOMOÇÃO PROBLEMÁTICA Lorna passa cerca de quatro horas dentro de seu carro, todos os dias. O trajeto entre sua casa e a escola do filho mais velho, Guilherme, 18 anos, levaria apenas quinze minutos – pelo menos na teoria. O tempo necessário para o percurso de apenas dois quilômetros é de uma hora e meia, todas as manhãs, graças ao trânsito. Já que ambos os filhos realizam várias atividades fora da escola ao longo da semana, a matriarca e seu marido Ricardo não têm como escapar do trânsito de sua região, portanto, fazem o mesmo caminho diversas vezes num mesmo dia. Já Gabriel, 7 anos, o filho mais novo de Lindevan e Priscilla Damásio, aproveita o serviço da perua escolar para chegar à escola. Antes de ter condições para arcar com o transporte, a família pagava uma pessoa para levar e buscar o menino todos os dias. Aliviada com a drástica mudança na rotina do filho, Priscilla afirma: “Ele é bem pequenininho, ia no sol, na chuva. E você imagina o coração, né? Atravessar aquelas quatro pistas já é um perigo para uma pessoa adulta, imagine para uma criança”. A necessidade de percorrer grandes distâncias em um curto espaço de tempo faz
ISADORA COUTO
DISPARIDADES ACADÊMICAS As opiniões das três famílias sobre educação se diferem. Segundo Ricardo, “o que está em falta é o ensino de qualidade, pois escolas existem. Tudo isso desencadeia em uma profunda falta de interesse por parte da população, que opta pelo conformismo”. Inês Venturini faz uma comparação com o ensino de anos atrás, ao que seu marido, Roberto, afirma: “Antigamente as escolas públicas eram melhores do que as particulares”. Já Priscilla Barboza afirma com veemência: “A educação continua a mesma, pois o que está em jogo é a dedicação de cada pessoa, não importa a escola.” Vários fatores influenciam na escolha da escola dos filhos. A primogênita dos Venturini cursa Publicidade e Propaganda na Universidade Metodista de São Paulo, em São Bernardo do Campo. Já sua mãe, Inês, além de considerar uma instituição com mensalidade cabível e localização viável para a escola do filho, também se preocupou com a inclusão social de Roberto, que é portador de Síndrome de Down. Roberto, o pai, preocupa-se com a preparação das escolas para lidar com a diferença: “A lei diz que todas as escolas públicas e privadas regulares devem aceitar alunos com deficiência, porém é preciso ter profissionais capacitados para realizarem essa educação inclusiva.” No Belenzinho, Ingrid e Gabriel, filhos de Priscilla e Lindevan, contam, respectivamente, com vagas em uma creche do Governo e em uma escola pública. Os pais afirmam
estar satisfeitos com a creche de sua filha, alegando ser o principal motivo de se manterem pelos arredores do bairro. Porém, essa é uma condição temporária: ano que vem terão de procurar outra instituição para sua menina. Já Gabriel é esforçado nos estudos, contando com a ajuda da mãe nos deveres de casa. Para Priscilla, o estudo é de extrema importância: “Ainda não consegui completar o ensino médio, parei no segundo ano. Esse ano quero terminar, fazer um supletivo. Queria ter feito faculdade, mas às vezes a vida dá uma volta”. O contraste entre a formação acadêmica dos jovens de cada família fica mais evidente ao se considerar os planos de Henrique e Guilherme, filhos de Lorna e Ricardo, de 14 e 18 anos, respectivamente. Ambos possuem planos para estudar no exterior: o mais novo irá à Londres em julho para um fazer um curso de inglês na Universidade de Oxford e o primogênito se prepara para fazer o ensino superior nos EUA. “Vou prestar vestibular aqui no Brasil, mas a minha intenção é ir para fora, ter a experiência universitária”, planeja Guilherme. “Aqui eu veria as mesmas pessoas e faria as mesmas coisas. Não é um campus, não tem aquela clima de dormitórios. Quero essa experiência”. E Ricardo, pai dos meninos, aprova as intenções deles: “Espero que os meus filhos, vivendo por um tempo num país do primeiro mundo, vejam as divergências com o Brasil e tragam mudanças”.
Gabriel e Ingrid dependem do serviço público de educação
Henrique, 14, pratica violino em sua casa, em Moema
Roberto Venturini, portador de Síndrome de Down, faz o dever de casa com sua mãe, Inês
NATHALIA LEVY
com que o transporte público na cidade de São Paulo seja a principal saída para muitos. No entanto, os obstáculos encontrados durante este percurso não são poucos. A insatisfação dos que dependem das linhas mantidas pela prefeitura abrange desde a tarifa da passagem até a superlotação dos veículos. Andressa, filha de Inês e Roberto Venturini, por exemplo, reclama do alto preço cobrado em um bilhete de metrô e reforça o descaso dos governantes com as pessoas que não se encontram em uma condição financeira privilegiada. “É tudo muito caro para a minha realidade. É complicado pagar esta taxa todos os dias, mas o trajeto com o metrô é a única opção que eu tenho para conseguir voltar para casa.” Apesar de não utilizarem o transporte público, a família de Ricardo também se indigna com as condições do serviço prestado. “Uma vez a empregada ligou dizendo que não tinha como vir para o trabalho. Simplesmente tiraram a linha de ônibus que ela usava para vir da casa dela até a nossa”, diz Lorna.
RAFAELA MARCHETTI
“Ainda não consegui completar o ensino médio, parei no segundo ano. Esse ano eu quero fazer um supletivo. Queria ter feito faculdade, mas às vezes a vida dá uma volta”
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NOVA LUZ
Luz? a quem pertence a
Como tentativa de revitalizar o centro de São Paulo, o projeto Nova Luz apresenta contradições e opõe o Poder Público e o mercado imobiliário aos interesses sociais REPORTAGEM BEATRIZ CANO, MONIQUE ALVES, PRISCILA KESSELRING, VICTORIA MATSUMOTO (1o ano de Jornalismo), JÚLIA DAHER MERQUES (2o ano de Jornalismo), FLÁVIA SARTORI e LUCAS CAMPACCI (3o ano de Jornalismo) IMAGENS VICTORIA MATSUMOTO (1o ano de Jornalismo)
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O ANO DE eleições municipais começou com a atenção voltada ao centro de São Paulo. A controversa ação policial para a retirada de dependentes químicos da Cracolândia, iniciada em janeiro de 2012, trouxe a questão da complexidade do bairro da Luz para o debate político. É justamente essa região que se pretende reformular por meio do Projeto Nova Luz, em processo de aplicação desde 1997, conforme detalhou Luiz Ramos, coordenador do projeto urbanístico e assessor de planejamento da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU). “Há uma demanda já prevista de intervenções na área central e a Nova Luz está inserida nesse perímetro”, explica. A gestão do prefeito Gilberto Kassab dá continuidade ao projeto e pretende retirar os obstáculos que afastam os investimentos na área. Demolições e desapropriações estão previstas para os próximos 15 anos a fim de valorizar economicamente o centro da cidade. Segundo a Prefeitura, 378 unidades habitacionais serão desapropriadas e demolidas dentro das 45 quadras atingidas pelas reformas. Cia City, AECOM, Concremat e Fundação Getúlio Vargas são as empresas que ganharam licitação aberta em 2009 e assumirão as obras e a posição de apoio financeiro do projeto já estabelecido pela Prefeitura. Procuradas, nenhuma das empresas se manifestaram. A heterogeneidade de grupos envolvidos e afetados pelo projeto implica em um conflito de interesses referentes ao território. Mercado imobiliário, Prefeitura, Câmara Municipal, comerciantes locais, moradores de cortiços, de ocupações, pessoas em situação de rua e dependentes químicos têm visões diferentes desse espaço. Todos querem ter voz na discussão do projeto. “É aquela questão: o que é bom para nós não é bom para eles [governantes] e vice versa. É por meio de muita luta, muita ação que a gente irá reverter esse papo”, diz Manoel Pedro de Santos Filho, representante do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC).
ESTADO DE INTERESSES Nas disputas pelo espaço urbano, três atores exercem papéis diferentes: a sociedade civil, o mercado e o Estado. É o que afirmou o arquiteto, urbanista e professor doutor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), João
Whitaker, em palestra na Faculdade Cásper Líbero. Segundo o urbanista, “temos um Estado típico patrimonialista, que defende os interesses dos grupos dominantes, então trabalha junto com o mercado para transformar o centro em um espaço atrativo para os investimentos. Esse é um processo chamado de gentrificação, com a retirada da população pobre e a valorização do perfil econômico de quem mora no centro.” Essa aliança se dá com o auxílio da Lei da Concessão Urbanística – prevista nos artigos 198, XII e 239, da Lei Municipal nº 13.430/2002. A Legislação permite o desenvolvimento do Projeto Nova Luz e a intervenção da iniciativa privada, nacional e internacional, em áreas consideradas de interesse público. Luiz Ramos, coordenador do projeto, afirma que a concessão “é uma forma de fazer uma transformação, uma requalificação e levar mais qualidade a diversos pontos urbanos existentes nessa área”.
NA RUA DOS BOBOS, NÚMERO ZERO O modo como se dará a inserção da população local nos planos da Prefeitura para a região da Nova Luz é objeto de intenso debate. O arquiteto e urbanista Arnaldo de Melo, pesquisador em Urbanismo com foco na região da Luz, é contra o projeto. “É um trabalho perverso e excludente que passou a ser um modelo de embelezamento urbano no lugar de atenção às questões sociais.” Esse também é o ponto de vista compartilhado pelos habitantes locais, que vivem atualmente em uma situação de insegurança jurídica e política. As discussões das associações dos moradores, de lojistas e de movimentos de ocupação são voltadas principalmente para essa falta de atenção às questões sociais. “Cada movimento tem um pleito, mas é evidente que quando há um instrumento como a concessão urbanística, todo mundo se une frente ao inimigo maior: o poder público”, afirma Paulo Garcia, presidente da Associação de Lojistas da Santa Ifigênia. Para o arquiteto João Whitaker, o problema não é só a omissão por parte do poder público, mas também a falta de planejamento urbano. “Nega-se o direito à moradia a uma parte da população, que deverá sair da área de zoneamento do projeto sem destino previamente definido”, expõe o urbanista (Leia entrevista na página 14).
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Ocupação Prestes Maia está entre as áreas que podem ser desapropriadas. Para Arnaldo Melo, o projeto procura a requalificação dos habitantes do centro
É nesse contexto que as questões sobre as demolições e desapropriações da Nova Luz tomam forma. Paula Ribas, jornalista e fundadora da Associação dos Moradores e Amigos da Santa Ifigênia e Luz (AMOALUZ) diz que “até hoje não se sabe quanto dinheiro público será injetado no projeto Nova Luz ou o que será feito em 60% dos terrenos demolidos ou com os moradores e comerciantes destes lugares”. Porém, Luiz Ramos comenta que não serão todos os edifícios desapropriados ou demolidos para dar lugar a novos moradores e empreendimentos. “A ideia do projeto é que ele possa ser altamente heterogêneo em termo de público que venha a morar na região, além de acrescentar moradores. A proposta nunca foi de substituição”, explica Ramos. Um exemplo dessa busca pela heterogeneidade seria a tentativa do governo em diminuir os impactos previstos pelo projeto. A Zona Especial de Interesse Social 3 (ZEIS 3), referente à região da Luz e Santa Ifigênia, será uma área construída como alternativa de moradia para as famílias desapropriadas e moradores de baixa renda. De acordo com Ribas, apesar de não atender a toda a demanda social, a ZEIS viabilizará um acesso mais fácil à educação, hospitais e transporte. “Você não consegue sanar o problema dos sem-teto, mas já é um começo para a descentralização das periferias”, afirma a jornalista. Porém, o arquiteto e urbanista Arnaldo de Melo defende que o que está previsto no projeto não é o suficiente. Segundo ele, se fosse ampliada, a ZEIS seria vista como o início de uma solução para a questão da moradia no centro de São Paulo. “Começaria desenhando a ZEIS como um projeto ur-
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banístico, arquitetônico, em atendimento às questões sociais, à população de baixa renda.”
“PARA GENTE DO TIPO CERTO” A questão da possível elitização da região é um assunto envolto por contradições, inclusive entre as vozes oficias a favor do projeto. O vereador Floriano Pesaro (PSDB) já coloca: “a ideia é repovoar”. Ele diz que faz parte do projeto criar polos comerciais mesclados com escritórios e moradias, principalmente, de classe média. “É evidente que quando o bairro for requalificado, automaticamente ele será valorizado e atrairá pessoas com maior poder aquisitivo”, constata. Em contrapartida, o arquiteto e coordenador do Projeto Nova Luz, Luiz Ramos, declara que a ideia é apenas viabilizar que pessoas de diferentes classes se mudem para a região sem que os atuais moradores tenham que sair. “O projeto trabalha com questões heterogêneas. Não vamos homogeneizar a área, tampouco trabalhar com a ideia de substituição. Pelo contrário, trabalhamos com a ideia de adição”, explica. Porém, Arnaldo de Melo não acredita que seja possível falar de revitalização sem uma pretensão de requalificação, ou seja, substituição de um perfil de habitantes por outro. “O que eles querem é um projeto em que no futuro a área seja ocupada pela elite. Como diz o famoso geógrafo David Harvey: Um projeto destinado à ‘gente do tipo certo’.”
DO CENTRO PARA TODOS Não somente questões sociais permeiam o projeto. Grande parte do investimento do consórcio será voltada para aumentar o capital cultural da região. O bairro da Luz já con-
centra diversas atividades, como na Sala São Paulo, na Pinacoteca e no Museu de Língua Portuguesa. Com a concretização do projeto, a área terá ainda mais opções. “Construirão um prédio enorme de quase 600 milhões de reais, onde será a São Paulo Escola de Dança e a Escola de Música Tom Jobim”, afirma o vereador Pesaro (PSDB). Além disso, serão demolidos cortiços e prédios para dar lugar a um parque integrado com a Praça Princesa Isabel. “Ela está ao lado de um terminal de ônibus, que também será destruído e irá para algum outro lugar”, descreve o vereador. Não se sabe onde serão realocadas as construções e as pessoas delas dependentes. A inclusão social nesses novos locais é questionada por moradores. “Não significa nada para eles a inserção das pessoas da região na cultura. Os equipamentos culturais do centro são extremamente elitizados e intimidadores”, contesta Paula Ribas. Exemplo disso são alguns entraves encontrados pela jornalista ao tentar levar os moradores de um movimento social para os museus do centro. “A Sala São Paulo não nos recebeu, porque estávamos levando 30 pessoas de ocupação. A única que nos recebeu foi a Pinacoteca. Foi um dia maravilhoso para todo mundo”, lembra Paula. De acordo com o vereador Pesaro, os altos investimentos culturais na região visam o melhoramento da cidade como um todo e não é intenção do poder público beneficiar mais ou menos uma determinada classe social. “Aquela região é da cidade, não é exclusivamente dos moradores. Não podemos pegar essa área totalmente degradada e deixar de revitalizá-la só porque é daqueles
que residem lá”, explica o vereador a respeito da participação da população local nos equipamentos culturais. Mas não é só da parte de órgãos públicos que as propostas culturais são desenvolvidas. Existem outras vias de acesso. A fim de tornar pública a discussão sobre o projeto Nova Luz, a AMOALUZ promove oficinas de fotografia e sessões de cinema, em que, além da atividade proposta, esclarecem-se e são debatidas as origens e possíveis consequências do projeto para a população.
Moradora pede por respostas durante reunião do Conselho Gestor de ZEIS. A falta de participação pública nos projetos é a principal queixa da população local
NA CALADA DA NOITE No geral, os moradores e lojistas não parecem estar totalmente de acordo com o projeto ou com a forma como ele está sendo desenvolvido. Para Ribas, a falta de participação é um fator extremamente negativo no processo de implantação da Nova Luz. “Precisa ficar bem claro que nós não concordamos com o projeto, porque é arbitrário e não houve participação social no seu início”, explica a jornalista. A falta de espaço para discussão do projeto é um das principais reclamações. De acordo com a Associação de Comerciantes, as audiências públicas normalmente ocorrem nas vésperas de feriados e na “calada da noite”. Todos são pegos de surpresa. Além disso, muitas questões que devem ser amplamente discutidas ficam sem respostas nessas audiências – como a quantidade exata de dinheiro público que será investida e o real valor dos imóveis que deveriam ser desapropriados. Na última reunião do Conselho Gestor da ZEIS, ocorrida no dia 4 de abril, o plano urbanístico foi votado sem consentimento da participação popular. A ex-moradora da Luz, Rafaela Rocha, filha de comerciantes locais e membro do conselheiro gestor, critica esse aspecto das reuniões. “Em todos os
trabalhos do Conselho, não foi respeitada a legislação. Eles apenas enfiaram o projeto ‘goela abaixo’”, protesta Rafaela. O representante do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) fica ultrajado com a postura do governo, que parece tentar banir os moradores da região. “A gente precisa agir. Isto aqui não se trata mais de luta social, é luta política”, interpreta Manoel. Os moradores da região tentarão barrar a licitação do projeto até as eleições municipais. “As reuniões estão ficando cada vez mais agressivas, não queremos que esse governo aprove o projeto porque não é ele que vai continuar. Eu não sei até quando vamos adiar, mas vamos fazer essa força”, afirma a jornalista Paula Ribas.
O que será da Luz? Abaixo, lista das reformas que serão feitas na região
A Praça de Entretenimento e Cultura B Largo General Osório C Boulevard Mauá D Rua Vitória E Praça Nébias F Praça Triunfo G Boulevard Rio Branco H Praça Julio de Mesquita
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o rei do lixo
PERFIL
Sergio Longo teve uma história de vida cruel, mas encontrou na reciclagem a oportunidade de reescrevê-la
REPORTAGEM GABRIELA FRONES, JÉSSICA MIWA, JÚLIA MELLO DE RESEND (1o ano de Jornalismo) e DÉBORA PINHO (3o ano de Jornalismo) COLABORAÇÃO MELISSA VAZ (3o ano de Jornalismo) IMAGENS JÚLIA MELLO DE RESENDE (1o ano de Jornalismo)
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SERGIO ACORDOU ASSUSTADO ao perceber que estava sendo chutado. Abriu os olhos e viu rostos estranhos, pensou que estivesse sonhando. Remotamente, conseguiu captar uma voz se sobressaindo ao caos. “Por que você não vai dormir na sua casa?”, perguntaram. A única resposta que tinha era uma frase que ecoava há algum tempo em sua mente: “Eu não tenho casa.” Hoje, com 37 anos e casado, ele é o presidente de uma das maiores cooperativas de reciclagem de São Paulo, a Coopere Centro, situada no bairro Armênia. Sergio comanda 100 funcionários, a maioria ex-moradores de rua. “Para uma pessoa se recuperar, sair da rua e das drogas, não adianta só dar tratamento psicológico e dinheiro. Ela tem que trabalhar também”, declara Sergio.
A TRAJETÓRIA SINUOSA Nascido em 1975, em Itapira, no interior de São Paulo, Sergio Luis Longo teve uma jornada difícil. Passou a adolescência em Mogi Guaçu, onde teve o seu primeiro contato com a cocaína e, em seguida, com o crack. Aos 13 anos, tornou-se dependente químico. Em decorrência disso, começou a ter problemas com sua família. Passou por muitas casas de parentes: avós, tios e tias, mas nunca se adaptou. Era agressivo, temperamental e não conseguia controlar o vício. De toda a sua família, a última pessoa que tentou ajudá-lo foi sua irmã, com quem morou em Santo Antônio de Posse. Mas mesmo que ela tentasse protegê-lo, não conseguia. Na situação em que estava, nem ele mesmo poderia resolver tantos problemas. A última casa em que morou foi a de um traficante, na mesma cidade de sua irmã, mas o seu gênio forte não permitiu, novamente, a sua permanência. “Minha irmã tentava me ajudar, mas quando ela viu que não conseguiria, me colocou numa fazenda no meio do nada. Foi aí que eu percebi que estava sozinho”, narra Sergio. “Nunca dava certo, porque sempre tentavam me matar. Fui morar nas ruas da cidade, mas todos ficavam me olhando com o ‘rabo dos olhos’. Passava tanta vergonha que resolvi sumir do mapa.” Aos 20 anos, sem ter mais para onde ir, foi tentar a sorte nas ruas. A única pessoa com quem poderia contar, a avó, já estava idosa e impossibilitada de lidar com as crises de Sergio. Era ela quem necessitava de cuidados e Sergio não poderia oferecer esse apoio, por mais que quisesse. Dormia em túneis, pontes, casas desertas e cemitérios. Ali, longe daquele passado atordoante, se deliciava com a ideia de liberdade que a rua lhe permitia ter. Sem dever nada a ninguém, dono de si mesmo, Sergio se entregou ao mundo das drogas. Durante muito tempo viveu com vergonha e humilhação. Além da mendicância, em suas constantes peregrinações, encontrava conhecidos de infância e via que eles tinham casa, emprego e família. Sergio pensava que, talvez, esse pudesse ter sido o seu destino. “Dormia no banco da praça em frente à escola onde estudei quando era pequeno. As
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pessoas que estudaram comigo passavam e indagavam: ‘Justo você, que era o cara que parecia que mais daria certo?’. Eu não tinha mais escolha. Quando olhava para trás, via que mais ninguém poderia me ajudar. Esqueci de tudo e de todos, virei bicho, achei que ia morrer debaixo de uma ponte”, conta.
O REI DAS RUAS A rua era sua casa, ali sabia sobreviver. “Quando estava na rua, achava que era o rei”, revela Sergio. Nunca roubou, mas tinha muita habilidade para pedir dinheiro. Qualquer pessoa lhe dava esmola, porque inventava histórias para sensibilizá-las. “Tinha velhinha que chorava me dando dinheiro, só não dava quem não tinha”, relembra. Muitas vezes, Sergio passou por momentos de sufoco devido a esta habilidade. Quando chegava a uma nova cidade, os pedintes que nela estavam percebiam que ele conseguia muito mais dinheiro, e, por isso, era ameaçado, coagido e foi expulso diversas vezes de diferentes cidades. “Eu dizia que tinha vida de gato. Já escapei mais de nove vezes, e uma delas foi por ser melhor que os outros.” Ele conta que, certa vez, estava mendigando em uma nova cidade e os moradores de ruas locais – que sempre tinham um líder – o abordaram dizendo que para ficar ali, teria que entregar parte do dinheiro que conseguisse. Prontamente concordou. Porém, à noite, ao arrecadar mais dinheiro que os outros, estava tão alucinado pelas
“Sérgio é uma pessoa batalhadora. Não tem interesse em nada para si próprio. Quer ajudar. Tudo o que ele tem, ele dá”, define Olinda Pedro da Silva
drogas que se esqueceu do acordo. A única coisa da qual se lembra é de acordar no meio de uma mata e estar diante dos mendigos da noite anterior. Eles o agrediam furiosamente. Seu raciocínio estava muito lento por causa do uso excessivo de drogas. Sergio só acordou de fato quando, em meio à confusão, ouviu a ordem de um deles para matá-lo. Mas o líder do bando não permitiu a execução por medo de ser descoberto pela polícia. Ao tentar dialogar, Sergio descobriu que o motivo de todo o ódio era porque devia um real. Ele garantiu o pagamento, foi libertado e em minutos conseguiu a quantia necessária para quitar a dívida. Após isso, mais uma vez, mudaria de cidade, indo para Ribeirão Pires.
UMA NOVA HISTÓRIA: A REABILITAÇÃO Durante a jornada de 17 anos nas ruas, Sergio passou por sete casas de recuperação e um hospício. Ele não sabia o que era gentileza, e só conversava com as pessoas se recebesse algum trocado por isso. A convivência e paciência do diretor da última casa de recuperação pela qual passou o ajudaram a controlar sua constante ira. Sentia raiva de tudo, até dos abraços que recebia das pessoas da igreja. “Ele me obrigou a ser gentil. Antes eu ficava escondido para não ter que falar com ninguém e ele me mandava abrir o portão e receber os convidados. Eu tinha dificuldade em receber abraços.” A confiança e amizade nunca encontra-
Para Julierme Sales Gomes, trabalhar com Sérgio na Coopere alterou a maneira como encara a vida. “Antes eu era o tal, o único, e não aceitava ser corrigido”
das na rua o fizeram resistente ao abrigo que lhe era concedido nessas casas. Francisco foi um dos expoentes na recuperação de Sergio, sempre confiando em sua recuperação. Conforme os dias passavam, Sergio começou a receber um “tipo de iluminação”, nas palavras dele, uma paz interior que o fazia ignorar os problemas em volta e se concentrar em sua melhora. “Eu achava que todos me odiavam, até ser eleito o coordenador da casa de recuperação. Naquele dia eu senti uma mudança inexplicável dentro de mim. Depois que ele me deu essa oportunidade, eu deslanchei.”
O REI VOLTOU Quando saiu da clínica, acreditando que havia se recuperado, voltou para Itapira, sua cidade, para mostrar a todos que “o rei havia voltado”, nas palavras do presidente da Coopere. Logo viu que a convivência com os antigos amigos não daria certo. Resolveu tentar a sorte em São Paulo. Durante o redirecionamento de sua vida, percebeu que, talvez, a boa vontade não seria o suficiente. Cedo ou tarde acabaria retornando para as ruas. O desejo de voltar às drogas, somado à falta de oportunidade de emprego, fez com que seu desespero aumentasse. “Não tinha documento, experiência e habilidade em nada. Depois de uma semana procurando trabalho, percebi que ia voltar ao crack. Passadas duas semanas, eu já olhava para os lugares pensando onde eu poderia dormir. Entrei em pânico.” Enquanto esperava conseguir dinheiro suficiente para comprar passagens para alguma cidade sem cracolândia, Sergio trabalhou em uma cooperativa de reciclagem, a Corpel. Todas as tardes, após o trabalho, ele pedia a uma irmã de caridade por uma passagem para ir embora da cidade. “Ela perguntava para onde eu queria ir, com um mapa na mão. De cidade a cidade eu recusei, porque
já tinha passado pela maioria ou sabia que tinha ponto de droga”, lembra Sergio. Eles fizeram um acordo: todos os dias ela lhe daria três reais e um lanche. Ao fim de uma semana teria dinheiro suficiente para uma passagem. Porém, “ela sempre falava que me daria no dia seguinte e não dava. Assim, fui sentindo amor na reciclagem, vendo que as pessoas eram iguais a mim.” Ele se acostumou com a rotina. Mais que isso, se apaixonou pelo ofício da reciclagem. O morador de rua não acreditava mais na vida, mas o trabalho com o lixo transformou a sua percepção do mundo. “A reciclagem te faz parte desse planeta. Faz você acreditar no mundo de novo”, reflete Longo. Sergio não imaginava, mas, o cargo de coordenador na Coopere, seria o divisor de águas em sua vida. “Eu nunca mais fui o mesmo. Nunca mais ninguém conseguiu ganhar de mim e eu nunca mais consegui perder para ninguém. Também nunca me senti menos do que sou”, explica. Somente nesse momento ele percebeu há quanto tempo não erguia a cabeça – sequer para olhar o céu. “Eu fiquei 15 anos sem ver as estrelas”, conta emocionado. O trabalho com a reciclagem mudou até a maneira com que tratava as pessoas. “O lixo me tornou educado”, assume. O ex-morador de rua percebeu que não era apenas um lixeiro, que seu trabalho ajudava a transformar o mundo. “Eu descobri que era melhor do que um médico”, afirma ele com empolgação. Sergio não tem ambição de enriquecer, mas, sim, de continuar tendo uma vida digna. Com uma casa simples para morar, tendo o que vestir e comer. Sonhos, ele aprendeu a ter: quer construir, com seriedade, uma grande casa de recuperação para dependentes químicos.
VIDAS RECICLADAS Após ter permanecido quase toda a juventu-
de à margem da sociedade, Sergio, hoje, se dedica também a ajudar moradores de rua e das cracolândias. Entre estes está Julierme Sales Gomes, 35 anos, um ex-transformista. “Antes as pessoas me amavam pelo o que eu tinha, pelo dinheiro e glamour. Aqui não, aqui eles me amam pelo Sales, não pelos meus strass e paetês”, conta. Há dois meses, Sales conheceu a Coopere. “Passei aqui e eles me acolheram com muito amor. Logo comecei a trabalhar”, conta. Recém-chegado da Itália – onde morou por quatro anos no luxo fazendo shows como transformista –, a primeira impressão que teve sobre Sergio foi a de ser um homem rígido. E por mais controverso que possa parecer, ele acredita que essa característica do coordenador lhe está “fazendo bem”. “Eu o admiro porque é sincero. Estou aprendendo com ele. Antes eu era o tal, o único, e não aceitava ser corrigido. Quem ama, disciplina. E eu não sabia disso”, comenta Sales. Assim como Sergio e Sales, Olinda Pedro da Silva, 66 anos, encontrou na reciclagem uma oportunidade de transformar a própria história. Ela trabalhou das mais variadas formas para criar sozinha os dois filhos: vendeu cafezinho, foi cabeleireira, manicure e diarista. Mas num determinado momento se viu desempregada e desamparada. “Eu não era moradora de rua, era uma cidadã que perdeu tudo e tinha filhos para criar”, conta. Na Coopere Centro há oito anos, seis como coordenadora-secretária, Olinda dá palestras em diversos locais, inclusive em órgãos públicos, como a Câmara Municipal. Ela diz que o material reciclado salvou a sua vida. “Assim como o Sergio costuma dizer, aqui nós reciclamos vidas. Reciclamos a vida dele, a minha e a de várias pessoas”, garante ela. “Eu cheguei aqui e só vi aquele monte de lixo. Não sabia que lixo dava dinheiro”, relata. Aos 66 anos, Olinda deseja realizar muitos sonhos, como terminar o ensino médio e cursar faculdade de Gestão Ambiental. “Tenho um projeto: quero fazer sabão para aumentar a renda do pessoal.” Se não der certo, já que os utensílios são caros, ela pretende sair da cooperativa e se manter como palestrante.
O MELHOR QUE PODERIA SER Quando Olinda chegou à Coopere, Sergio já estava lá. “Ele é uma pessoa batalhadora. Não tem interesse em nada para si próprio, não quer guardar nada. Quer ajudar. Tudo o que tem, ele dá”, revela. Ela conta que Sergio só anota o horário que chega à cooperativa, nunca o de saída, já que trabalha muito além do horário que, de fato, seria o seu dever. Trabalhando juntos há oito anos, eles criaram um ambiente agradável na cooperativa. Colaborando um com o outro, fazem a Coopere se destacar. Dão palestras juntos e programam atividades para enriquecer o dia a dia dos cooperados. “Eu brinco falando que quero ficar rica. Ele não. Fala que é rico de amor, de querer cuidar das pessoas, não de dinheiro”, sintetiza Olinda. Com humildade, Sergio confessa: “Eu não falo que sou melhor que os outros. Sou o melhor que posso ser.”
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ENSAIO
por que eu
?
AMO
SP Da cinzenta capital inrrompem as mais variadas relações de cada cidadão com a cidade. Nossos repórteres foram às ruas em busca de imagens que traduzissem este vínculo: entre eles e o cenário urbano
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Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/8.0 - 28mm - ISO 100 - 8s com luz natural - Manifestação pró-bike feita a giz na Avenida Sumaré ESQUINAS – 1º SEMESTRE 2012
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Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/7.1 - 17mm - ISO 640 - 1/8s com luz natural - Interior da Galeria do Reggae, no centro da cidade
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Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/2.8 - 130mm - ISO 500 - 1/80s com luz natural - Pedestre caminha sobre Avenida 23 de Maio
Mariana Oliveira usou uma SONY W55 - f/2.8 - 6.3mm - ISO 200 - 1/8s com luz natural - Dançarino se apresenta na Avenida Paulista ESQUINAS – 1º SEMESTRE 2012
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Guilherme Burgos usou uma CANON 7D - f/32.0 - 70mm - ISO 100 - 1.3s com luz natural - Automóveis trafegam na Avenida 23 de Maio
Mariana Marinho usou uma NIKON D80 - f/6.3 - 50mm - ISO 100 - 1/160s com luz natural - O Ateliers Abertos intervém na Vila Madalena, Zona Oeste
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Mariana Oliveira usou uma NIKON D3100 - f/6.3 - 45mm - ISO 100 - 1/100s com luz natural - Travessa da Avenida Consolação, no centro da capital ESQUINAS – 1º SEMESTRE 2012
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FIOS DE SP
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SÃO PAULO A FIO Perigosos, menos eficientes e mais suscetíveis a intempéries, os fios e cabos aéreos ainda são um aspecto mal resolvido na paisagem paulistana. O desafio: enterrá-los REPORTAGEM IVAN OLIVEIRA (4o ano de Jornalismo) COLABORAÇÃO MARIA ZELADA (4o ano de Jornalismo) IMAGEM IVAN OLIVEIRA (4o ano de Jornalismo)
QUANDO VEIO À cidade, em junho de 2011, a atriz francesa Catherine Deneuve observou: “Nossa, são muitos fios de eletricidade!”, referindo-se à imensidão de cabos e fios elétricos que compõem o céu de São Paulo. A impressão da atriz condiz com a realidade: são quase um milhão de postes espalhados pela cidade, sendo que alguns sustentam até 20 cabos transmissores, provenientes da AES Eletropaulo (distribuidora de energia elétrica para a região metropolitana de São Paulo) e das operadoras de telefonia, internet e TV a cabo. Levando em conta também as gambiarras e linhas clandestinas instaladas pela cidade, a configuração das redes aéreas parece caótica. “São Paulo é extremamente indisciplinada nessa questão; uma zona repleta de emaranhados de fios de todas as bitolas que tanto deixam esta cidade tétrica e vencida aos olhos nus”, protesta Vagner Landi, engenheiro urbanista especialista em Política Urbana e desenvolvedor de visão estratégica para as cidades. Ter uma fiação exposta permite que fenômenos naturais como uma tempestade, raios ou uma ventania comprometam a transmissão de informações feita pelos fios, provocando quedas de sinal e energia. Isso ocorre também após acidentes, quando um veículo bate em um poste e o derruba, por exemplo. Em outros casos,
o rompimento de um fio que demora a ser consertado aumenta o risco de choque elétrico em pedestres. Para Renato Cymbalista, arquiteto e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), os aspectos negativos da fiação aérea revelam uma cidade contraditória: “Por um lado, há uma parte de São Paulo que vai se modernizando absurdamente, a partir da criação de enclaves com prédios de altíssima tecnologia, fibra óptica e etc. Mas ainda existem algumas relações arcaicas que a gente vai reproduzindo. A relação com os fios é uma dessas”, argumenta Cymbalista, para quem a quantidade de cabos aéreos ainda prejudica a paisagem em muitas dimensões. “Não vemos a qualidade da arquitetura, o horizonte, o paisagismo possível, prejudicamos a simetria [nos casos de cabos em um só lado da rua] e até a iluminação é bem mais resolvida se você não tem fios aéreos”, explica. A densidade urbana e a alta demanda por energia e serviços de telecomunicação justificam, em parte, a grande quantidade de cabos. “Há também uma oferta grande. Hoje, não há um número fechado de empresas, como em anos passados, quando só havia estatais. Cadastramos uma empresa de telecomunicação por mês praticamente”, revela Antonia Guglielmi, diretora do Depar-
tamento de Controle de Uso das Vias Públicas (Convias), órgão municipal responsável por cuidar das redes de água, esgoto, energia e telecomunicações. Hoje, há 20 empresas do setor cadastradas para usar os cabos aéreos. “Verificamos um excesso de fios e admitimos a possibilidade de que alguns não estejam operando. Esse controle não é nada simples”, diz Guglielmi.
SOLUÇÃO NO ANDAR DE BAIXO A fim de limar os malefícios da fiação aérea, em 2005 a prefeitura criou o Programa de Enterramento das Redes Aéreas, o PERA, instituído pela Lei 14.023/05, que é, em suma, um cronograma dos trabalhos de enterramento dos fios. Antes, em 2003, uma Lei (13.614/03) já impedia a instalação de novos cabos aéreos e regulamentava obras que envolviam postes. Várias metrópoles globais, como Nova York e Paris, já possuem a maioria dos fios enterrada, longe de intempéries e acidentes. Porém, tornar os cabos subterrâneos é mais difícil do que parece e pode necessitar de estratégias diferentes a depender da região de São Paulo. “Não acredito em soluções universais para esse tipo de problema. A cidade não é um purê de batata, que é todo igual. Ela é diferenciada e assimétrica. Cada pedaço funciona de um jeito”, explica
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o arquiteto Renato Cymbalista. “Na Granja Viana, por exemplo, onde há dez casas por rua, talvez não valha a pena arcar com o alto custo do enterramento.” O preço elevado de uma operação como essa – enterrar um quilômetro de fio custa em torno de 8 milhões de reais – se deve às especificidades técnicas exigidas. É necessária a abertura de valas e a colocação de caixas de concreto, por onde correrão os conduítes (tubo de metal flexível que conduz a fiação elétrica) e outros tipos de cabeamento. Os transformadores, conectores e cápsulas são de material mais sofisticado, o que encarece as obras. “O custo está na ordem de 12 a 17 vezes o de uma rede normal”, calcula Otávio Rennó Grillo, diretor de Operações da AES Eletropaulo que, além de ser responsável pelos fios de eletricidade, também aluga os postes para as concessionárias que usam cabos aéreos.
QUEM PAGA A CONTA? Em 2005, a rua Oscar Freire, na Zona Oeste da cidade, passou por um projeto de reurbanização para enterrar a fiação aérea. Financiadas pela associação de lojistas, as obras totalizaram um investimento em torno de R$ 8 milhões. Além da iniciativa privada, há outras formas de financiar um grande investimento público: repassar o valor à sociedade como um todo, por meio do aumento de tarifas, dividir o custo entre as concessionárias que usam o poste ou remanejar para o consumidor final, meio em que pagará mais o cliente da concessionária que usa a tecnologia subterrânea. Antonia Guglielmi, diretora do Convias, lembra que um decreto emitido em 2006 determinou que as concessionárias deveriam enterrar até 250 quilômetros de fiação por ano, coordenadas pelo PERA (Programa de Enterramento da Rede Aérea). “Se ela repas-
sará ou não esse custo para o consumidor, dependerá de sua vontade e de sua regulação, também definida pelas agências reguladoras [Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) ou Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)]”, diz Guglielme. O engenheiro urbanista Vagner Landi defende que as ruas de maior comércio tenham apoio formalizado por meio de isenção de impostos, a fim de que transformem o incentivo em investimento no visual da calçada, dando espaço para o mobiliário urbano e paisagismo. “Tudo para tirarmos os postes e colocarmos árvores no lugar”, projeta Landi. Já Otávio Grillo, diretor de Operações da AES Eletropaulo, crê que dificilmente a solução financeira escapará da equação Estado + sociedade + concessionárias. “Os gastos devem ser equilibrados. Nossos investimentos refletem no preço da tarifa [de energia elétrica], que é controlada pela ANEEL, até por uma questão de segurança inflacionária”, pondera Grillo. Dos 6 milhões de clientes da Eletropaulo (de usuários domésticos a empresas), apenas 600 mil (10%) são atendidos por redes subterrâneas.
CADASTROS EM CURTO-CIRCUITO Para enterrar os cabos de maneira organizada, também é imperativo saber quais são as empresas que utilizam fiação aérea, conhecer os detalhes de seus cadastros e verificar a qual concessionária pertence cada cabo. A tarefa é árdua, já que algumas dessas empresas não se cadastraram devidamente e estão em situação irregular com a prefeitura. “O trabalho [de enterramento] teria que começar por aí: com o reajuste e recadastramento das redes. Queremos regularizar essa situação para coordenar ações conjuntas, já que, considerando os vários cabos expostos, pode haver de cinco a dez empresas [atuando] em um poste”, explica Antonia Gugliel-
SOLUÇÕES SUBTERRÂNEAS Enterro caro Em alguns lugares da cidade, o empresariado paulista, incomodado com os fios aéreos, financiou o enterramento dos cabos. É o caso das ruas Amauri e João Cachoeira, no Itaim, da Rua Oscar Freire, em Pinheiros, e da Rua 25 de Março, no centro da cidade. Nos quatro casos, a união dos lojistas patrocinou as obras. Fios aquecidos Cidades europeias, como Londres e Paris, possuem a maior parte de sua fiação enterrada. A decisão obedece a um planejamento urbano que considera as condições climáticas: não é praticável ter neve caindo no cabo, por exemplo. Becos Sabe aquelas vielas das metrópoles americanas, para onde os mocinhos e heróis correm em cenas de perseguição ou onde há confronto entre gângsters? Pois se trata das chamadas “ruas de serviço”, espaços que ficam entre as ruas e abrigam as caçambas de lixo, tubulações e parte da rede elétrica, liberando as ruas principais do entulho e de emaranhados caóticos. kWh A Siemens é uma das empresas que estão investindo em tecnologia para baratear os processos de enterramento. A empresa tem criado novos materiais para a proteção da canalização e disjuntores inteligentes com comandos motorizados.
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mi, diretora do Convias, que emite em torno de duzentas autorizações de obras por mês. “Às vezes, uma empresa locatária do poste está acertada com a Eletropaulo [proprietária do poste], mas não possui autorização da Prefeitura”, completa. A própria Eletropaulo obteve sentença judicial dispensando-a do cumprimento da lei que proibia a instalação de novos cabos. Guglielmi ainda esclarece que o esforço de fiscalização de fios desnecessários, gambiarras ou instalações clandestinas não compete apenas à Convias, mas também às subprefeituras e ao cidadão que, ao presenciar uma instalação ilegal, pode fazer uma denúncia pelo 156 na Central de Atendimento e Informações da Prefeitura de São Paulo.
APAGÃO SUBTERRÂNEO Outro empecilho ligado à precariedade dos sistemas de monitoramento está na insuficiência do que se conhece do subsolo da cidade, pelo qual passam também cabos telefônicos e tubulações de água, esgoto e gás. São Paulo não possui um Centro de Comando onde todas as redes de cabos subterrâneos possam ser vistas. Não há mapeamento preciso. “É um fenômeno de desinformação”, classifica o arquiteto Renato Cymbalista. “O mapeamento existe, mas é falho porque cada uma das empresas presentes no subsolo usa uma base cartográfica diferente [oriundas de satélites diferentes] para instalar suas linhas”, justifica Antonia Guglielmi, do Convias. A padronização das representações das redes é, então, passo importante para a implantação do PERA. Além dela, Guglielmi destaca a necessidade de revisar o Código de Obras, estruturar órgãos que darão suporte ao andamento do plano e regulamentar critérios de compartilhamento de redes. “Entendo que a população fique frustrada e ache que o PERA não está andando, mas, no fundo, o que queremos é ter uma ação responsável: gerir um plano que vire solução, e não mais um problema”, declara Guglielmi.
BAIXA ENERGIA De acordo com Renato Cymbalista, arquiteto, há outras causas para o problema. “Historicamente, a lógica de urbanização de São Paulo foi a da exploração da terra: ao invés de termos uma calçada grande e bonita, elas ficaram menores para que o solo privado renda mais”, conta. Além disso, ele sente falta de pessoas e organizações defendendo causas da paisagem urbana. “No geral, estamos mais preocupados com o ruído, por exemplo”, diz, apontando um problema para o qual há órgãos públicos atentos, como o Programa de Silêncio Urbano (PSIU) e um ativismo de militância individualizada: “Se estou dentro de casa, relaxando, e há uma boate em frente fazendo barulho, vou me mobilizar. A loucura da rua e a desorganização dos fios incomodam menos o paulistano, talvez porque as pessoas estejam pensando mais no individual do que no coletivo”, opina.
HABITAÇÃO
Paraisópolis em transformação
Desde 2005, projeto de reurbanização é executado na comunidade carente Paraisópolis, a segunda maior da cidade. A falta de participação popular e preço dos aluguéis geram polêmica entre moradores e poder público REPORTAGEM GIOVANA SCHLÜTER e GIULIA AFIUNE (3o ano de Jornalismo) IMAGENS GIOVANA SCHLÜTER (3o ano de Jornalismo)
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DO ALTO DA Avenida Giovanni Gronchi é possível enxergar a infinidade de casinhas de dois a três andares e de tijolos aparentes que se amontoam para abrigar os 60 mil moradores da favela de Paraisópolis, segundo o Censo de 2010. As construções sobem pelas encostas como seus donos fazem diariamente em direção à avenida – um dos únicos pontos em que é possível embarcar em uma lotação rumo ao centro da cidade. Do outro lado, no Morumbi, esparramam-se altos edifícios de luxo salpicados de verde, uma regalia da elite paulistana. Mas os contrastes não são privilégio de quem olha do alto: eles existem também dentro da favela. É o que se observa comparando as habitações precárias aos apartamentos com sala ampla, dois quartos, cozinha, banheiro e área de serviço construídos nos últimos anos pela Secretaria Municipal da Habitação (Sehab). Destinados à população que morava em áreas com risco de desabamento ou enchentes, eles estão distribuídos em seis condomínios dotados de boxes comerciais, áreas verdes, salão de festas e outros espaços de convivência. 839 unidades habitacionais já foram entregues e mais 1.220, 60% do total, estão em construção. Marilena Soares da Silva, 40 anos, aguarda um desses apartamentos ficar pronto para se mudar da Viela Passarinho, uma das áreas de risco mais severas de Paraisópolis. A empregada doméstica divide uma casa de dois cômodos com os quatro filhos, o irmão e a cunhada. “Lá é cheio de becos, vielinhas, o lixo fica na rua e tem um monte de casas rachadas, como a do meu irmão”, conta Marilena.
Para Sérgio Magalhães, arquiteto, ex-secretário municipal da Habitação do Rio de Janeiro e coordenador do Programa FavelaBairro, implantado nas favelas cariocas, “urbanizar significa dotar a favela de infraestrutura básica: rede de esgoto, energia, água, vias de acesso e, se precisar, equipamentos públicos como escolas e postos de saúde”. A área de Paraisópolis começou a ser estudada em 2002. Desde 2005, o projeto está sendo executado. Até agora, grande parte da infraestrutura básica já foi instalada, exceto a avenida perimetral. Ela contornará a favela e, no futuro, abrigará duas estações de metrô, facilitando o acesso ao local. Também está finalizada a reforma do campinho de futebol, o Palmeirinha, e o Complexo de Saúde – que dispõe os serviços de Atendimento Médico Ambulatorial 24 horas, Unidade Básica de Saúde e Centro de Apoio Psicossocial – inaugurado no fim do ano passado graças à pressão dos moradores.
PONTO POLÊMICO No entanto, a maior parte do plano ainda está em obras. É o caso da Estação Elevatória de Esgoto e da Central de Triagem de Lixo; da canalização do córrego Antonico; do Pavilhão Social, que abrigará as ONGs cujas sedes serão removidas no processo; e do Parque Sanfona, que abrigará uma Escola de Música. A previsão é que tudo seja concluído até 2013, mas os moradores duvidam. “É muita coisa. Eles não analisaram direito. E se acontecer algo no meio do caminho?” questiona o eletricista Leonardo Luis da Silva, de 20 anos, morador de uma área de risco. Outro ponto polêmico é o valor total do
plano, orçado em 510 milhões de reais, provenientes dos governos municipal, estadual e federal. Para Maria Teresa Diniz, arquiteta e coordenadora da urbanização da Sehab, o valor é devido à construção tanto de moradia como de equipamentos públicos, o que não costuma ser feito em outras urbanizações. “Como Paraisópolis é um dos projetos estratégicos do governo, sempre ganhamos força na Prefeitura. Pode ser que para outras áreas não tão estratégicas você ouça que não tem dinheiro. Mas para nós nunca foi negado”, comentou. Por outro lado, Elisabete França, superintendente de Habitação Popular da Sehab, avalia que falta verba e que será necessário um novo aporte de dinheiro. “A Sehab não pode colocar todos os seus recursos em Paraisópolis”, argumenta. O investimento na urbanização da favela pode se reverter na redução da pobreza do local. Para a diarista alagoana Telma Gomes dos Santos, 49 anos, atualmente é difícil viver e trabalhar em Paraisópolis. “O meu aluguel é alto. Pego um trabalho fora e consigo ganhar 500 reais por semana. Aqui pagam 150, 200 reais. Eu não vou trabalhar de domingo a domingo por isso.”
MAIS RESPEITO Apesar dos benefícios trazidos com a urbanização, o plano divide opiniões. No início de 2009, a Prefeitura Municipal empreendeu a Operação Saturação na favela. De acordo com a Polícia Militar, quase 52 mil habitantes de Paraisópolis foram abordados. A ação da polícia foi alvo de críticas de moradores e organizações de direitos humanos, provocando o surgimento do movimento Pa-
São 1325 famílias que esperam novos apartamentos em Paraisópolis, comunidade em reurbanização desde 2005
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raisópolis Exige Respeito, pela ONG Filhos de Paraisópolis. Preocupada em reagir à truculência policial, a mobilização também demonstrava grande receio em relação às expropriações realizadas pela Prefeitura. Elas procuravam viabilizar a urbanização que começaria meses mais tarde. Muitos moradores não viam como poderia ser vantajoso abandonar as casas em que haviam investido anos de economias para serem construídas. A coordenadora Maria Teresa reconhece que no início foi difícil, mas afirma que a Sehab sempre se preocupou com isso. “As construções têm uma história e o morador tem uma relação afetiva com a sua casa. Não é só chegar e remover.” Ao serem informados de que o local não era seguro, os habitantes das áreas consideradas de risco tinham duas opções: receber uma indenização de 5 mil reais pelo imóvel expropriado ou esperar até que os apartamentos da Sehab fossem construídos enquanto recebiam o aluguel social, uma bolsa mensal de 400 reais por família. “Chegou uma hora em que comecei a duvidar de que fosse mesmo para o apartamento. Tinha medo de mudar o prefeito e a gente não ir”, afirma Josefa Limeira da Costa Penido, atual moradora e zeladora do condomínio C. Josefa contou que morava em uma casa apertada para sua família. “Paraisópolis é caro!”, observa. “Qualquer dois cômodos você paga 400 reais”. A Sehab não possui dados sobre o valor do aluguel regular no resto da área, mas os moradores do condomínio de Josefa pagam em torno de 90 reais de aluguel e 35 reais de condomínio. “Os apartamentos de 50 m² custaram 75 mil para serem construídos, mas serão vendidos por cerca de 25 mil para os moradores. O resto é subsidiado pela Sehab”, explicou Maria Teresa Diniz, coordenadora do projeto. Atualmente, 1.325 famílias estão no aluguel social esperando que seus apartamentos fiquem prontos.
CONSELHO DE URBANIZAÇÃO Paraisópolis possui um Conselho Gestor de Urbanização, formado por moradores do local e do entorno e representantes do poder público. “A participação da população ao longo de todo o processo é fundamental para que ele dê certo. E é difícil porque nem todo mundo fica satisfeito”, assinala Eduardo Nobre, pesquisador do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). As reuniões do conselho gestor de Paraisópolis acontecem na unidade do Hospital Albert Einstein na comunidade, que além de ambulatório, conta com um espaço para eventos. “O projeto já chega pronto para a comunidade”, aponta Waldemir Marcondes Luz, ex-membro do Conselho Gestor, militante do Paraisópolis Exige Respeito e assessor do deputado federal Cândido Vacarezza (PT-SP). “Falta de transparência da Prefeitura, falta de realmente escutar a população”, critica.
De acordo com o Censo 2010, São Paulo possui 2 milhões de pessoas morando em favelas, das quais 60 mil estão em Paraisópolis
A urbanização não lida só com os interesses dos habitantes de Paraisópolis e seu entorno. O Programa de Urbanização de Favelas da Sehab foi reconhecido internacionalmente ao integrar a Jornada da Habitação, projeto que vem trazendo profissionais de sete países a São Paulo para trocar experiências sobre os processos de urbanização de assentamentos informais. Ricardo Pereira Leite, Secretário Municipal da Habitação e colega do prefeito Gilberto Kassab na Escola Politécnica da USP, acredita que esse fato deve ser considerado mais relevante em detrimento das críticas ao projeto de Paraisópolis. “Dá para enxergar um copo como meio cheio ou meio vazio. Mas os jornalistas são sempre pessimistas. Na Faculdade os ensinam a ser amargos, mentirosos, polêmicos, críticos, só para chamar atenção”, afirmou o engenheiro enraivecido. De acordo com o Censo de 2010, a região metropolitana de São Paulo possui 2 milhões de pessoas vivendo em favelas, o que corresponde a 11% de sua população total. Resta saber se todas elas receberão o mesmo tratamento especial que o de Paraisópolis.
ETAPAS DE URBANIZAÇÃO DE UMA FAVELA 1 Contato com a população Analisar as demandas e abrir um canal para os moradores participarem do processo 2 Avaliação do risco Definir quais são os locais precários de onde a população tem que ser retirada 3 Busca de locais para realocação Procurar áreas na favela ou nas suas proximidades que possam receber a população removida 4 Elaboção dos projetos Traçar os planos para implementar infraestrutura: luz, água, esgoto, pavimentação e habitações 5 Execução Realizar todas as obras previstas nos projetos também com acompanhamento da população 6 Ocupação e regularização fundiária Levar a população para suas novas casas, regularizando a documentação da propriedade ESQUINAS – 1º SEMESTRE 2012
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ITAQUERÃO
PROJETO
ITAQUERA Na contramão das comemorações pela construção da Arena Timão, palco da abertura da Copa do Mundo de 2014, a população de Itaquera teme desapropriações no bairro carente da Zona Leste de São Paulo REPORTAGEM DORA ANDERÁOS, GABRIEL ONETO, JULIANA ARREGUY, JULIANA ORTEGA, LUCAS MARIANO, MARIANA ZOBOLI, VITOR LEITE (1o ano de Jornalismo), ALINE ROCHA (2o ano de Jornalismo) e VITOR VALÊNCIO (4o ano de Jornalismo) IMAGENS DORA ANDERÁOS e VITOR LEITE (1o ano de Jornalismo)
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BENEFÍCIOS PARA QUEM? De acordo com a Prefeitura de São Paulo, serão investidos cerca de 17 bilhões de reais na implantação do Polo Institucional Itaquera. No projeto, a região deve receber um novo terminal rodoviário, um centro de convenções e eventos e um parque linear, entre outras coisas. No entanto, a comunidade local ainda custa a acreditar no que está no papel. Francisco Carlos da Silva, o Fran, é um dos fundadores do Movimento Nossa Itaquera, que se contrapõe aos planos do poder público para o bairro. Para Fran, “o que se vê hoje é o estádio do Corinthians, essa é a única realidade. Em matéria de benefícios para região, nós não temos nada”, elucida. De modo irônico, o que poderia ser um benefício faz com que as comunidades da região afetada pelos projetos da Prefeitura sejam prejudicadas. Assim como na Usina Progresso e Pacarana, as cerca de 320 famílias da Comunidade da Paz temem perder suas moradias para a urbanização do local. “A construção do estádio é boa, mas dá para realizar as obras da arena e do parque linear sem mexer com a gente e nos deixar aqui. Como a área está se valorizando, não vão deixar ninguém onde está”, lamenta Pedro Furtado, 55 anos, líder comunitário na Comunidade da Paz. “Parece que São Paulo só vai até a Copa. Passou a Copa, não tem mais nada.” Seu filho, Jânio Maciel, de 26 anos, afirma que famílias já começaram a ser desalojadas nas outras comunidades. “Algumas na comunidade Usina Progresso já foram retiradas, mas deram a justificativa de que ficavam em áreas de risco. Agora eu não sei se deram algum auxílio, como bolsa aluguel ou algo assim”, comenta. “Em relação ao estádio, a gente sabe que vai ocorrer isso um dia. Sabemos que eles não têm interesse em ter uma comunidade do lado de um dos mais modernos estádios
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VITOR LEITE
ANOS ATRÁS, a realização de uma Copa do Mundo no Brasil seria considerada uma utopia até pelo mais otimista dos amantes do futebol. Entretanto, o país foi escolhido sede do evento para 2014. A final da competição já tinha o cenário previamente definido, o Maracanã. Porém, outra polêmica tomou conta dos noticiários: onde seria a abertura da Copa? A escolha do palco para o pontapé inicial do campeonato girava em torno de opções como o estádio Mané Garrincha, em Brasília, o Mineirão, em Belo Horizonte e o até então favorito estádio do Morumbi, em São Paulo. Mas, em 2011, contrariando todas as previsões, um novo e audacioso projeto foi apresentado pelo Sport Club Corinthians Paulista, a Arena Timão, popularmente aclamada como Itaquerão. Parecia estar decidido que o estádio da primeira partida da Copa de 2014 seria na Zona Leste de São Paulo. Com a implantação deste projeto, até então pouco divulgado pelas autoridades, a arena, construída em terreno privado, ocupará áreas residenciais.
Aos 55 anos, Pedro Furtado, líder da Comunidade da Paz, e sua esposa temem desapropriações em virtude das obras para 2014
do mundo. Como é para 2014, acho que bem antes tiram a gente”, completa Maciel. Segundo Fran, o estádio pode trazer uma série de benefícios para a região, como desenvolvimento estrutural, além de melhorias para educação, saúde, turismo e comércio locais. Entretanto, a questão não mexe apenas com o direito fundamental de moradia, mas também com a possibilidade de ir e vir dos itaquerenses. “De repente as comunidades estão sendo removidas, famílias estão perdendo suas casas. Bem ou mal, moram a 800 metros da estação de trem”, reflete. Fran ainda completa: “Toda estrutura de amizade e de família foi construída aqui. De repente se arranca todo mundo e manda para um lugar totalmente diferente, longe de tudo, da escola dos filhos ou do emprego”, indigna-se. “Levava 10 minutos a pé para ir até o metrô, agora vai demorar uma hora e meia ou mais para chegar ao trabalho.”
NOS RIGORES DA LEI Em caso de desapropriação ou remoção de famílias de uma determinada região, os desapropriados têm o direito de receber uma indenização pelo imóvel ou terreno perdido. Entretanto, a grande maioria dos afetados pode não ter este benefício. “Em certas situações, as pessoas estão lá de boa fé, mas foram enganadas por alguém desonesto que fez um loteamento clandestino. As situações são variadas”, explica o doutor Fernando Menezes, da Faculdade de Direito da Uni-
versidade de São Paulo (USP). Nestes casos, os residentes não possuem as escrituras da habitação e, portanto, não teriam direito a pleitear qualquer pagamento. A única alternativa seria o bolsa-aluguel, nada viável, de acordo com o professor Valter de Almeida da Costa, historiador e pedagogo da Universidade Camilo Castelo Branco, próxima às imediações do estádio. “O que aconteceu de 2004 até hoje é que a administração que começou com José Serra abandonou o projeto que previa, além das obras, o investimento em moradias populares. O poder público só tocou o que interessa a determinados segmentos da sociedade local e a ele próprio, mas que causam prejuízos para as famílias que não têm condições de conseguir outra casa”, denuncia. “Há a expectativa de ridículos 300 reais para que consigam alugar uma moradia por um prazo indeterminado. Quanto tempo a Secretaria de Habitação demoraria para, em vez da bolsa-aluguel, dar uma casa para essas milhares de famílias?” Diante disso, Fran também questiona os planos do governo. “Eu não tenho a escritura da minha casa. Será que, depois de uma avaliação, vou receber quanto ela realmente vale?”. Ele mesmo acrescenta: “O terreno está bom para quem vende, porque o valor triplicou. Mas baseado em quê? O que eu tenho hoje de melhoria no bairro? O que foi acrescido na questão de renda ou na questão de custo-benefício? As famílias que moram aqui têm direito à moradia.”
DE CARENTE PARA CARO Mesmo com os problemas a serem solucionados até a abertura da Copa, há quem vislumbre o lado positivo da situação. Com tamanha expectativa para o desenvolvimento da região, espera-se que Itaquera experimente alterações substanciosas nos valores de imóveis e de aluguéis. Mas de acordo com o corretor de imóveis José Carlos Barison, as mudanças ainda não são tão evidentes mesmo depois do anúncio da construção da Arena Timão. “Após essa divulgação realmente houve alguns aumentos, que não chegaram a ser de 30%, nos imóveis novos. Em relação aos usados, os preços quase não subiram, o que acabou obstruindo um pouco as negociações. As casas que ficaram mais caras acabaram não sendo vendidas”, explica. Além da variação de valores dos imóveis, a população local ainda pode sofrer com reajustes de impostos e aluguéis praticados pelos proprietários. “Acaba havendo um aumento de IPTU nas regiões onde há maior valorização de imóveis. Os aumentos de aluguéis já existem nos imóveis novos, em torno de 15 a 20%”, explica o corretor. Porém, se a evidente especulação imobiliária virar realidade, o sonho da casa própria pode nunca se tornar real. “Imagine aquele trabalhador que ficou 40 anos juntando o dinheirinho dele. Contando com a aposentadoria, sofrendo, trabalhando dia e noite, economizando, deixando muitas vezes de comprar um carro melhor ou um bem para a casa dele, como uma geladeira legal ou uma TV. Isso tudo porque ele tem o sonho de comprar um terreno”, exemplifica Fran, do Movimento Nossa Itaquera. “Até que ele consegue guardar 40 mil reais, que era o valor de um terreno. Da noite para o dia, sai a notícia que a Copa vai ser aqui em Itaquera e os terrenos sobem de 40 mil para 120 mil. Quanto tempo mais essa pessoa vai ter que trabalhar para conseguir juntar mais 80 mil?” Para os habitantes da Comunidade da Paz, a questão parece muito mais grave e, paradoxalmente, mais simples. “Em vez de construir esse estádio e outras coisas, deviam gastar esse dinheiro com moradia para os pobres. Se dessem moradia para a gente, iríamos pagar por isso. Nós não pagamos aluguel, e não temos nem luz e nem água”, destaca Maria de Lourdes, 49 anos. Desde a década de 1980, o Sport Club Corinthians recebeu a concessão para fazer uso de um terreno localizado ao lado do que viria a ser a estação de Metrô Corinthians-Itaquera, contanto que ali construísse seu estádio. O objetivo era trazer desenvolvimento para
uma região há muito tempo carente. Agora, a Arena Timão está sendo construída no local pela Odebrecht, com um financiamento bancário de cerca de 400 milhões de reais. Valor que se estima chegar a 730 milhões, se acrescidos os juros a serem pagos pelo clube paulista até 2027, ano de quitação da dívida. Além do estádio, a expectativa da população é que outros benefícios reais sejam apresentados. Porém, com um prazo tão apertado, a desconfiança já antecede uma nova frustração social. “Metrô, ônibus, trânsito. Desde que foi anunciada a construção da arena, nada foi feito. Não duplicaram nenhuma avenida, não aumentaram nenhuma linha de ônibus e o Metrô continua a mesma coisa”, reclama Jânio Maciel, da Comunidade da Paz. A realização de um evento de tamanha magnitude leva a outras discussões cruciais, como, por exemplo, a acessibilidade ao novo estádio. Hoje, são três as principais vias de acesso ao local: a Avenida Doutor Luis Aires, mais conhecida como Radial Leste, principal ligação da região com o restante da cidade; a Avenida Jacu-Pêssego, que conecta o bairro à Marginal Tietê, à rodovia Airton Senna e a outras regiões do extremo leste da cidade; a linha vermelha do Metrô de São Paulo, que
congrega o terminal da malha metroviária da capital com a linha Rubi da CPTM, levando a interligações com cidades da Grande São Paulo, como Mogi das Cruzes, Poá, Suzano e Ferraz de Vasconcelos. Tal afunilamento é motivo de grande preocupação para quem está na região de Itaquera, mas as informações corretas quase nunca chegam aos ouvidos dos maiores interessados, como Pedro Furtado, líder da Comunidade da Paz. “Olha, pelo que eu fiquei sabendo, vão fazer a duplicação da Radial Leste que iria até a Avenida Itaquera e também falam de um viaduto até a Jacu-Pêssego. Tudo isso onde está a comunidade. Mas eu não sei se é correto ou não, e quem deve saber é o subprefeito, que não informa a população. A preocupação deles não é com a gente, e sim com o estádio que deve ficar pronto até 2014”, afirma de maneira categórica. Mesmo diante da insistência de entidades como o Movimento Nossa Itaquera e das lideranças das comunidades, os moradores não conseguem contato sério com as autoridades. “Até levamos um bolo na última reunião que fui com o novo subprefeito. Fazia um ano que não nos reuníamos. Ele disse para não nos preocuparmos”, ironiza Jânio Maciel.
DORA ANDERÁOS
Apesar de qualquer aparente euforia da cidade com o evento esportivo, a realidade destes moradores pode ser muito mais cruel diante da ameaça constante de desapropriação ou reintegração de posse. “Não sabemos quando isso pode acontecer. Essa comunidade existe há mais de 17 anos. Eu vivo aqui há uns dez anos. O pessoal tem medo de uma reintegração“, descreve Pedro Furtado.
Ao todo, são 320 as famílias da Comunidade da Paz que podem perder suas moradias
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TRÂNSITO REPORTAGEM ANNE BOLLMANN, GIOVANNA CARTAPATTI, JÚLIA FARIA RIBEIRO, NATHALIA AGUIAR, THAÍS HELENA REIS (1º ano de Jornalismo), MARINA PEDROSO, VICTÓRIA FREITAS TACKAHASCHI (2º ano de Jornalismo), CAMILA BAOS, FÁBIO DE NITTIS e SUELLEN FONTOURA (3º ano de Jornalismo) COLABORAÇÃO PAOLA PERROTI (2º ano de jornalismo) IMAGEM GUILHERME BURGOS (4º ano de jornalismo)
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sinal
vermelho O trânsito caótico de São Paulo fecha o sinal não apenas para os veículos de quatro rodas. Como ficam os pedestres e ciclistas em meio aos carros?
NO COMPLEXO CENÁRIO do trânsito em São Paulo, um grupo parece ficar em segundo plano: os pedestres. Segundo dados da Companhia de Engenharia de Trânsito (CET), quatro pessoas morrem diariamente em acidentes de trânsito na cidade, sendo que duas são pedestres. Pesquisa feita pelo mesmo órgão registrou 3.491 atropelamentos no ano de 2010, resultando na morte de 303 transeuntes. Em 2011, os números recuaram: foram 3.234 atropelamentos para 278 mortes. Para Hugo Pietrantonio, doutor em Engenharia de Transportes e professor da Universidade de São Paulo (USP), a grande dependência do automóvel gerou essa cultura de desrespeito ao pedestre. “O ritmo da urbanização do século passado pode ser relacionado aos problemas de trânsito na cidade. A civilização baseada no automóvel tem gerado esse padrão.” Ele acredita que as melhorias direcionadas aos transeuntes devem estar atreladas à qualidade de vida dos moradores, e não somente às questões estruturais da cidade. No ano passado, foi lançado o Programa de Proteção ao Pedestre. Implantado inicialmente na região do centro expandido até a Avenida Paulista, o objetivo do programa era criar a cultura de respeito ao pedestre em São Paulo. Nessas áreas, foram feitas a manutenção e a criação de novas faixas de pedestre, a limpeza da calçada e a remoção de obstáculos, como bancas de jornal, e a implantação de 470 placas educativas. Desde maio de 2011, a CET registrou queda de 42,8 % no número de mortes na região central. Em abril de 2012, o programa foi ampliado: a fiscalização abrange agora as 14 vias que mais registraram atropelamentos nos últimos anos, entre elas a Avenida Sapopemba, na Zona Leste, e a estrada do M´Boi Mirim, na Zona Sul. A empregada doméstica Mariza de Oliveira, 52 anos, escolheu caminhar diariamente de sua casa até o trabalho, ambos localizados na Zona Oeste de São Paulo. “Dá uns 40 minutos de caminhada. É um trajeto um pouco perigoso, porque os carros passam perto e sempre tem comerciantes de rua atrapalhando a passagem na calçada”. Mariza reforça que não vale a pena utilizar o transporte público, porque, devido ao trânsito, ela acabaria levando ainda mais tempo. “Muitos preferem a liberdade de perder tempo e dinheiro no congestionamento a alterar hábitos”, afirma Roberto Scaringella em seu estudo A Crise da Mobilidade Urbana em São Paulo, de 2001. Já Pientrantonio acredita que as pessoas utilizam o automóvel mesmo em curtas distâncias
por causa da rapidez, segurança e conforto. De acordo com o engenheiro Scaringella, fundador e ex-presidente da CET, em qualquer sistema viário saturado a retirada efetiva de 20% dos veículos durante os horários de pico já melhora o trânsito. Logo, a ação deveria ser discutida pelas autoridades. “A solução para a escassez crescente de espaço para circular tem de ser tecnicamente viável e, socialmente, o mais justa possível. Hoje quem não tem veículo próprio e é usuário cativo de ônibus acaba sendo penalizado pelo congestionamento provocado pelo carro particular. É injusto.” E SE FOR EM DUAS RODAS? No ano passado, foram registrados 49 acidentes envolvendo bicicletas, mesma quantidade de 2010. Antonio Bertolucci, ciclista de 68 anos, faleceu no dia 13 de junho de 2011 atropelado por um ônibus na Av. Sumaré. No mesmo local, ativistas penduraram em um semáforo uma bicicleta branca, a ghost bike, em sua memória. Os grupos pró-bike cobram mais respeito e visibilidade para esta nova realidade. O Bike.tv é um exemplo e trabalha na produção de vídeos e na elaboração de conteúdos para todos os segmentos do ciclismo. Segundo Ednei Sulzbach, fundador do Bike.tv, a nova postura da CET e da Prefeitura “mostra que as bicicletas já começam a figurar nas decisões públicas da cidade.” Sulzbach acredita que viabilizar o uso da bicicleta como meio de transporte em larga escala só será possível com políticas “que permitam que tal fenômeno aconteça”. Isso porque o processo envolve um planejamento bem organizado e a atuação conjunta entre governantes e sociedade, uma vez que, para ele, o processo leva à “quebra de verdadeiros paradigmas culturais.” O principal problema na divisão do espaço das ruas é o desrespeito. A ciclista Silvia Oliveira conta: “Várias pessoas mandam ir à pracinha e falam para andar na ciclofaixa. Você não está ali brincando, você está se transportando, indo ao trabalho ou à faculdade.” Thiago Guimarães, economista e especialista em planejamento urbano, acredita que para adotar a bicicleta como meio de transporte é necessária toda uma infraestrutura capaz de suportar a demanda de espaço, como ciclofaixas, ciclorotas, paraciclos e bicicletários. “O projeto de implantação de ciclovias na Avenida Paulista é um bom começo, mas não deve ser isolado.” ESQUINAS – 1º SEMESTRE 2012
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ATLETISMO
Corrida pelo ouro
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Longas distâncias, alto custo e falta de planejamento público são empecilhos para jovens que buscam se tornar atletas profissionais na cidade REPORTAGEM CAROLINE LUCHESI, DANIEL DE SOUZA ZALAF, IGOR SEIJI REZENDE UTSUMI, LEONARDO DE ESCUDEIRO, YAN RESENDE (1º ano de Jornalismo), BEATRIZ DIAS DE MORAES, LEONARDO DA SILVA LIMA, MARCELLA MERIGO, RAFAEL AUGUSTO CORNACHIONE (2º ano de Jornalismo) e PATRICIA RODRIGUES ALVES (3º ano de Jornalismo) IMAGEM LEONARDO DA SILVA LIMA (2o ano de Jornalismo)
EM SÃO PAULO se repete um grave sintoma do esporte em todo país: a ausência de planejamento para a formação de atletas. Gilberto Almeida, 14 anos, sente na pele quão difícil pode ser seguir esta carreira. O adolescente busca se profissionalizar nas provas de corrida, uma das modalidades do atletismo. Incentivado pela mãe, teve como porta de entrada as corridas gratuitas de diversas subprefeituras da cidade. Uma de suas principais dificuldades, porém, é a distância de sua casa, no Capão Redondo, Zona Sul, para o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa de São Paulo (COTP), localizado no número 1.315 da Avenida Ibirapuera, onde treinaria. Para praticar, o garoto teria que, três vezes por semana, pegar duas conduções na ida e mais duas na volta. A falta de centros em outras partes da cidade acaba dificultando a continuidade de seus treinamentos. Às vésperas dos Jogos Olímpicos de Londres e com projetos em andamento para os de 2016, no Rio de Janeiro, as categorias de base no Brasil estão esquecidas pelos poderes executivos. Segundo o Comitê Olímpico Brasileiro (COB), um terço dos 277 atletas olímpicos que representaram o Brasil nos Jogos de Pequim, em 2008, era do estado de São Paulo. Apesar de a capital paulista possuir modernos centros e equipamentos esportivos, eles são, em sua maioria, propriedade dos clubes privados e não podem ser usufruídos pela maioria da população. As opções gratuitas de qualidade são escassas e isso se agrava quando a modalidade em questão é o atletismo. Sobre a participação da prefeitura neste cenário, Bebetto Haddad, secretário de Esportes, Lazer e Recreação da cidade de São Paulo, explica: “Sabemos que nossa função social é o investimento na base. Queremos formar esses atletas. Agora, se eles tiverem condição de se profissionalizar fora dos nossos centros, ganhar um salário, não temos como competir com os clubes. Aqui, não dá para eles serem profissionais”.
LARGADA No Centro Olímpico do Ibirapuera, técnicos de diferentes modalidades de atletismo pre-
param jovens atletas, além de treinar profissionais. O processo de seleção ocorre mensalmente, atendendo desde crianças de 8 anos a adolescentes de 17 anos. Após um cadastro gratuito, segue-se uma série de exames médicos e testes físicos de velocidade, salto, lançamento e resistência. Se aprovado, o candidato é encaixado em uma categoria, de acordo com sua idade. A carga de treinos respeita o desenvolvimento pessoal de cada aluno. Marcela Carvalho Gonçalves, técnica de atletismo do centro, explica que, inicialmente, os treinamentos procuram aprimorar o desempenho geral do atleta. “Ainda que não seja tão bom em todas as capacidades físicas, quando um jovem vem treinar com a gente, exercita todas elas. Ele pode melhorar em todas as suas habilidades”, acrescenta. Só por volta dos 15 anos é que se definem as especialidades de cada um, observando seu destaque, ao longo dos anos, em arremessos, saltos horizontais ou verticais e corridas por distância. Embora proporcione o ensino do esporte, não há ajuda financeira para os jovens por parte do Centro Olímpico, como conta Marcela Gonçalves. A alternativa é a inscrição em uma distribuição de bolsas-atleta cujo valor mensal é de 370 reais, fornecidas pelo Governo Federal. O programa de incentivo financeiro é válido para o país inteiro e contempla adolescentes entre 14 e 19 anos, mas só é garantido para quem treina em um clube privado que não pague o atleta. Assim, os alunos do COTP de São Paulo precisam se contentar com o vale-lanche que recebem após os treinos e com o vale-transporte de até duas conduções.
CORRIDA COM BARREIRAS Mesmo com o potencial de revelar novos medalhistas, a cidade de São Paulo não investe na formação de atletas de base. Não existe um programa que permita o surgimento do interesse pelo atletismo ainda na escola. Elson Miranda, ex-atleta e técnico da saltadora com vara Fabiana Murer, retrata essa deficiência: “Deveria haver técnicos só para fazer escolinha, só para o intermediário e só para trabalhar com atletas de alto nível. Se quero formar uma outra
Fabiana, preciso buscar aqueles que possuem este terceiro perfil, garimpá-los”. O capital necessário para treinar é um dos fatores que pesam no exercício da modalidade. Fabiana Murer, atual campeã mundial de salto com vara e medalhista brasileira em PanAmericanos, foi obrigada a mudar de cidade para encontrar condições mais favoráveis à prática do esporte. “O salto é complicado porque precisa das varas, que são um material caro”, relata. Uma vara custa em torno de 400 a 500 dólares, valores que podem chegar ao equivalente de quase mil reais. Esmeralda de Jesus, ex-atleta e vice-presidente da Federação Paulista de Atletismo (FPA), critica o amadorismo com qual o esporte ainda é visto: “Há empresas no país que poderiam investir em clubes já existentes, com um poder de realização grande no atletismo”, sugere. “A própria Prefeitura precisa de um apoio privado para a continuidade do trabalho, já que a verba que vem para o esporte é muito pequena.”
CHEGADA Na opinião de Fabiana Murer, faltam centros de treinamento em São Paulo, mas a atleta não acredita que esse seja o único empecilho para o destaque no esporte. “Quanto mais pistas na cidade, mais gente vai participar. Mesmo assim, não falamos de uma modalidade que vejo as crianças procurarem muito. Muitas vezes elas vão fazer por incentivo dos pais, não porque pedem”. Já o maratonista Marilson dos Santos sente o reflexo da falta de informação. “É normal receber uma criança que pergunta onde tem uma escolinha, onde faz um teste. Elas não sabem”, expõe. O secretário Bebetto Haddad acredita que um meio para a popularização das modalidades é a melhoria estrutural de clubes privados. “Exercício é saúde. Se você tem qualidade no clube perto de sua casa, é provável que você o frequente”, argumenta. Esmeralda de Jesus, vice-presidente da FPA, defende que a falta de conscientização acerca da função do esporte é o maior dos problemas. Para ela, “é preciso entender o esporte como ferramenta que permite o desenvolvimento de uma criança”.
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RIOS DE SP REPORTAGEM ANA GABRIELA VEROTTI, CAMILA SANSER, JÚLIA BARBON, MARINA PANIZZA (1º ano de Jornalismo), ALESSANDRA CAMPOS, AMANDA MARTINS, GABRIELA ZOCCHI, LUÍSA MASSA e MARIA CORTEZ (2º ano de Jornalismo) IMAGENS ALESSANDRA CAMPOS e MARIA CORTEZ (2º ano de Jornalismo)
asfalto
Projetos como a renaturalização dos rios e o Hidroanel buscam alternativas para melhorar a qualidade das águas e da vida dos paulistanos O CHEIRO E o aspecto podre dos rios de São Paulo os tornam uma parte da cidade da qual ninguém se orgulha nem conhece a fundo. Aliás, não conhece porque estão escondidos. O Tamanduateí, por exemplo, costumava ser “o rio de muitas voltas”, da tradução do tupi para o português. Hoje, nem tanto. As áreas por onde já correram suas águas agora são cobertas pela Av. São João e o Vale do Anhangabaú. Canalizado e poluído, corre e deságua no rio Tietê, cercado por avenidas cujo índice de oxigênio é de apenas 0,6mg/l em alguns trechos de sua extensão, sendo o índice considerado ideal a partir de 5 mg/l. Para Pérola Felipette Brocanelli, doutora em Paisagem e Ambiente pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), a sociedade paulistana não discerne a importância de seus recursos hídricos. “A educação ambiental precisa
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trabalhar a questão do reconhecimento do rio como um espaço público, do cidadão”, defende a arquiteta. Buscando a solução do problema, a renaturalização é vista como uma alternativa para os rios quase sem vida da cidade. Tratase de medidas para ampliação do leito e recuperação da continuidade do curso d’água, além do restabelecimento e proteção da mata ciliar e construção de áreas de lazer próximas às margens. “Se fizéssemos uma recuperação dessa área úmida da cidade junto aos rios, teríamos melhores condições de saúde pública”, argumenta Brocanelli. CAMINHOS TORTUOSOS Nos anos 1920, a demanda por energia elétrica aumentava com o crescimento industrial e urbano de São Paulo. Neste contexto, a companhia Light construiu a usina Henry Borden e a represa Billings, situadas na Serra do Mar. Durante toda essa
década, a empresa investiu na concessão para reverter o curso do rio Pinheiros e no controle do fluxo do Tietê para alimentar a represa, iniciando o processo de degradação dos rios. Nos anos 1940, o prefeito Francisco Prestes Maia implantou o Plano de Avenidas. O novo sistema transformou o projeto urbanístico de São Paulo beneficiando o transporte em quatro rodas. Os rios se tornaram obstáculos ao crescimento e acabaram confinados em canais ou galerias subterrâneas. Sobre eles, foram construídas avenidas como as dos rios Tietê, Pinheiros e Aricanduva. Às margens do Tamanduateí, há 75 anos o Mercado Municipal emprega comerciantes que se mostram insatisfeitos com a falta de preocupação do governo com o rio. Presente nas enchentes que inundaram o Mercadão até a década de 1970, quando o rio foi canalizado, o mercador João Levi Miguel acredita que “deveria-se investir mais
ALESSANDRA CAMPOS
Escondidos pelo
ANEL D’ÁGUA Um projeto apresentado pelo Governo do Estado de São Paulo é o Hidroanel Metropolitano de São Paulo, cujo estudo de pré-viabilidade técnica foi licitado em 2009 pelo Departamento Hidroviário da Secretaria Estadual de Logística e Transportes. A iniciativa foi do grupo de pesquisa Metrópole Fluvial (GMF) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), que planeja uma rede de vias navegáveis, compondo um anel com 170 quilômetros de extensão formados pelos rios Tietê e Pinheiros, pelas represas Billings e Taiaçupeba e por um canal artificial. Os estudiosos procuram dar uma função aos principais rios de São Paulo e às suas margens. “O Hidroanel se baseia em três políticas nacionais: a de resíduos sólidos, a de recursos hídricos e a de mobilidade urbana”, declara Alexandre Delijaicov, um dos coordenadores do GMF. As mudanças consistem na transformação dos rios em vias para transporte e em um atrativo de lazer e turismo, já que as várzeas dariam lugar a parques e bulevares para o uso de toda a população. Entretanto, a ideia principal é utilizar o Hidroanel para transportar lixo urbano, ou seja, restos de comida, papéis, plásticos, vidros, entre outros resíduos sólidos. Sistemas como este já foram adotados por grandes cidades ao redor do mundo, como Londres e Paris. A iniciativa ainda inclui a construção de três Tri-portos para a conexão de três tipos de transporte: ferroviário, rodoviário e hidroviário. Neles, o lixo seria reciclado, processado ou biodigerido, buscando acabar com os aterros da cidade. O projeto seria concluído em 2040 devido às suas dimensões, e é considerado totalmente possível. “O problema não está na infraestrutura física, e sim na infraestrutura das mentalidades”, esclarece Delijaicov. RESSUSCITEM OS RIOS As várzeas, áreas planas nas margens de rios e córregos, têm funções ecossistêmicas importantes. Elas ajudam no processo de despoluição natural feito por bactérias que vivem nesses locais e se alimentam de matéria orgânica. Porém, Pérola Felipette Brocanelli explica que, por ser vivo, esse sistema tem um limite. “As bactérias têm uma capacidade de digestão. Se você lançar muito esgoto nesse rio, as águas ficam poluídas e impedem este processo”, elucida. A vegetação que fica nas várzeas ajuda ainda na diminuição da temperatura do ar. “A argila segura a água para que ela evapore e refrigere a cidade, transferindo a umidade”, declara a especialista. Assim como ocorreu com o Tamanduateí, os processos de canalização e retificação são os que modificam os cursos dos rios, diminuindo suas voltas e contornos. Por outro lado, tal feito elimina as várzeas e seus benefícios. Para Brocanelli, transformações na paisagem urbana mudariam a ideia de espaço público para o cidadão. “Vai ficar mais fácil para entender o que é isso”, afirma a arquiteta. “Como respeitar um rio que não se conhece? Um canal de esgoto a céu aberto? ”
AO REDOR DO MUNDO Despoluir um rio pode parecer uma tarefa impossível. Mas não é! Coreia do Sul, Inglaterra e Estados Unidos conseguiram deixar suas águas limpas novamente Coreia do Sul O rio Cheonggyecheon, que atravessa a capital Seul, era uma área ambiental bastante degradada. Com investimentos de 380 milhões de dólares e medidas radicais da prefeitura, como a retirada de um viaduto de cima do rio (620 mil toneladas de concreto foram ao chão), ele voltou à sua forma original em apenas dois anos (de 2003 a 2005). O resultado foi um espaço de convivência social e valorização urbana. O número de espécies de peixes, aves e insetos aumentou, a poluição e a temperatura média do ar da região diminuíram e o rio ainda serviu de atração para visitantes. Todos os dias, 90 mil pedestres circulam pela região. Londres Na Inglaterra, o rio Tâmisa, de 346 quilômetros de extensão, era um antigo exemplo de rio poluído. Conhecido como o ‘’Grande Fedor’’, chegou a levar o Parlamento a suspender suas sessões em 1858 por causa do mau cheiro. Além disso, era um dos responsáveis pelas epidemias de cólera da época. Preocupado com a saúde pública da população, o governo britânico decidiu investir na despoluição do rio. Após 150 anos de esforços, o rio londrino é considerado agora um exemplo na luta contra a poluição e até abriga 121 espécies de peixes. Estados Unidos O Rio Cuyahoga, na cidade de Cleveland, Ohio, serviu de depósito de dejetos químicos para um dos principais centros industriais americanos. Durante cerca de 100 anos, indústrias causaram altas concentrações de substâncias tóxicas, como o metano. O ápice da situação foi em 1969, quando labaredas foram vistas na superfície do rio. O governo iniciou uma política de combate à poluição industrial e orgânica, investindo em tratamento de esgoto e aplicando altas multas diárias a empresas que poluíssem o rio. A recuperação também contou com a ajuda da população, que passou a ajudar no monitoramento da qualidade das águas. Aos poucos, as atividades nas margens do Cuyahoga, como as competições de esportes aquáticos, retornaram.
MARIA CORTEZ
dinheiro para levantar muros [nas margens do rio] e deixar as pessoas passarem por cima, de carro.”
O rio Aricanduva, um dos principais afluentes do Tietê, é um dos rios poluídos da cidade. “Como é que o cidadão vai respeitar um rio que não conhece? Um canal de esgoto a céu aberto?”, diz a especialista Pérola Felipette Brocanelli
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ENTREVISTA
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a
esperança
urnas nas
Para Humberto Dantas, doutor em Ciência Política, governar São Paulo proporciona aos prefeitos “o sentimento de que se pode ir além”
REPORTAGEM BEATRIZ ATIHE, CLARA MAIA, GIULIA EBOHON, KAREN GOULART, LEONARDO MIAZZO e THAÍS VARELA (1º ano de Jornalismo) IMAGENS KAREN GOULART (1º ano de Jornalismo)
ESTE ANO DE eleições municipais está fora do comum. De um lado, o Partido dos Trabalhadores (PT) abre mão das prévias para a escolha do candidato à prefeitura, acatando a indicação de Fernando Haddad, ex-ministro da Educação, pelo ex-presidente Lula. Do outro, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) aceitou a pré-candidatura de José Serra, ex-prefeito e ex-governador de São Paulo, às vésperas das prévias, em março – desrespeitando a data limite para inscrições. Serra ganhou com 52% dos votos de apenas 6.229 militantes, no dia 25 do mesmo mês, e se confirmou como candidato. Além dos dois, a disputa de 7 de outubro também envolverá os nomes confirmados de Gabriel Chalita (PMDB), Soninha Francine (PPS), Celso Russomano (PRB), Carlos Giannazi (PSOL) e Netinho de Paula (PCdoB). Para comentar o cenário político em São Paulo, Esquinas conversou com o cientista político Humberto Dantas. Doutor em Ciências Políticas, Dantas é professor e coordenador de ações de educação política na ONG Oficina Municipal. Além disso, é conselheiro do Movimento Voto Consciente, que, desde 1987, acompanha o trabalho do poder Legislativo, predominantemente nas câmaras municipais e em algumas assembleias legislativas, para aperfeiçoá-lo e torná-lo público. Para ele, governar uma cidade com mais de 35 milhões em receita orçamentária é o que mais fascina os candidatos. “São Paulo acaba se tornando atraente por conta do grande contingente eleitoral e da abundância de recursos”, elucida. Dantas também analisa a controversa criação do Partido Social Democrático (PSD) com a participação do atual prefeito Gilberto Kassab, sob denúncias de fraudes na coleta de assinaturas para a fundação. Em setembro de 2011, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu, por seis votos a um, pela criação do PSD, permitindo-o disputar as eleições municipais deste ano. “Os partidos são criados desse jeito”, lamenta o cientista político.
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“Reforma política de verdade é aquela que coloca o cidadão como o centro da questão, que se preocupa em educá-lo e capacitá-lo no que tange a consciência política”
Nestas eleições o PT optou por não realizar as prévias, lançando o candidato Fernando Haddad. Já José Serra entrou como candidato de última hora pelo PSDB. Em ambos os casos, pode-se observar um desconforto gerado por estas decisões dentro dos próprios partidos? PT e PSDB estão ferindo aspectos centrais associados àquilo que entendem como valores fundamentais. Sobre o PT, é costume realizar uma consulta para a escolha dos principais candidatos. Porém, desde que Lula se tornou algo maior que o próprio PT, o ex-presidente tem utilizado sua força política para impor certas situações que vêm causando alguns constrangimentos. No que diz respeito ao PSDB, o objetivo era dar um semblante mais democrático nas buscas por novas direções, mas o partido abriu mão disso quando uma velha liderança, José Serra, resolveu voltar. Tão sério quanto o PT desrespeitar sua tradição é o PSDB desrespeitar uma ferramenta que estava usando como sinônimo de democracia. “Do além”, o Serra resolve brincar mesmo tendo estourado o prazo de inscrições para as prévias. É necessário fazer concessões para que isso ocorra. Ambos os partidos passam por cima de vários aspectos democráticos.
Muito tem se falado sobre o chamado “trampolim eleitoral”. Inclusive comentaristas como Murillo de Aragão, cientista político na empresa de consultoria Arko Advice, já chamam a disputa de uma “preliminar da eleição presidencial de 2014”. Até que ponto isso se confirma? E de que forma pode acarretar má administração pública? O último prefeito que São Paulo teve dedicado efetivamente à cidade, a despeito de nós gostarmos ou não – e São Paulo não gostou, visto que não a reelegeu – foi Marta Suplicy. Ela se elegeu em 2000 e governou até janeiro de 2005, quando passou a prefeitura para o José Serra, que preferiu ser candidato a governador e abandonou São Paulo. Kassab era vice, governou dois anos e se reelegeu, porém se preocupou mais em fundar um novo partido. Tivemos exemplos pouco razoáveis de políticos que se dedicaram realmente à cidade. Poderíamos dizer que governar São Paulo proporciona o sentimento de que se pode ir além. São dez milhões de habitantes com sete milhões de eleitores. É efetivamente um trampolim, mas não há alguém recentemente eleito prefeito e que tenha ganhado sequer o governo do estado de São Paulo, com exceção do José Serra.
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Qual a importância das eleições municipais de São Paulo no cenário nacional? É uma cidade que tem um peso expressivo principalmente se levarmos em consideração o seu caráter econômico. Infelizmente, sabemos que grandes fornecedores se tornam financiadores de campanhas. São Paulo acaba se tornando atraente por conta do grande contingente eleitoral e abundância de recursos.
Qual a sua opinião sobre a polêmica criação do PSD? Os partidos são criados desse jeito. Há uma desconfiança grande sobre como essas assinaturas foram colhidas e sobre como esse processo andou tão rápido, mais do que com outros partidos. Mas sabemos também que é um partido que nasce já dentro do poder, com muitos políticos eleitos envolvidos. Talvez isso tenha facilitado o trâmite. O PSD é criado com um semblante governista absoluto, interessado em fazer parte do poder – uma característica geral dos partidos políticos brasileiros. É um partido que arregimenta, coleta pessoas insatisfeitas em ser oposição, principalmente no DEM, e as leva para dentro do governo. Ele busca escapar de uma discussão ideológica em um país que sempre criticou muito a existência da esquerda – e que hoje critica muito a existência da direita também. Mas qualquer idiota que saiba ler e interpretar política vai perceber, na carta de princípios do PSD, que ele é um partido de direita, por razões óbvias, como a defesa pelo direito à propriedade, por exemplo.
O cenário político brasileiro é composto por diversos partidos. Até que ponto as alianças políticas podem atrapalhar e influenciar no dever atribuído a cada um deles? O Brasil tem 29 partidos que disputarão as eleições de 2012. Desde a primeira eleição em que os partidos estiveram livres para se organizar, em 1982, tivemos mais de 100 partidos políticos. Não há longevidade razoável dessas legendas, que sequer existem em todo o país. Em 2008, existiam 11 partidos e 2,5 candidatos, em média, por cidade. Logo, precisam formar alianças para sobreviver. A coligação é uma característica natural e esperada em um sistema partidário que optou por ofertar maior liberdade de associação às pessoas, fundamental à democracia, em detrimento de inteligibilidade, o entendimento dos cidadãos deste cenário, e governabilidade, visto que hoje são 22 partidos na Câmara dos Deputados.
A troca de governos confere descontinuidade nas políticas públicas e descumprimento do Plano Diretor. Como deve ser pensado tal plano estratégico a fim de garantir sua execução? Despersonalizando a política. Quando o cidadão muda um governante no poder, ele não está negando tudo o que o antecessor fez. É preciso fazer uma análise apurada do que funcionou na administração anterior. De certa maneira, o governo Serra/Kassab fez isso com os CEUs, que permaneceram e novos foram construídos. A Câmara Municipal possui um papel fortíssimo na organização e na implementação do Plano Diretor. Observa-se descontinuidade e isso é preocupante. Temos a sensação de que esses planejamentos são ignorados. O Movimento Nossa São Paulo tem pedido planos de metas aos governantes no momento em que assumem o poder. Sou contra. Creio que o candidato tenha de apresentar um plano de governo ao buscar a eleição. E se o que ele prometer depois não for verdadeiro ou for diferente do prometido antes? É louvável a organização da sociedade e a criação de um movimento que chame a cidade de “nossa”, mas existe uma miopia nessa história.
A decisão do Tribunal Superior Eleitoral de proibir campanha eleitoral no Twitter antes do início oficial em 5 de julho foi notícia internacional. O senhor concorda com a proibição? É óbvio que o Twitter vai cair para esse uso obviamente por ser mais um meio. Proibir campanha nas redes sociais antes do seu início oficial é o mesmo que proibir um candidato de fazer uma caminhada num bairro dizendo que é candidato. As campanhas no Brasil, em termos legais, começam a partir de julho. Antes existem apenas pré-candidatos, que podem anunciar isso no microblog, por exemplo.
A aplicação da Lei Ficha Limpa nas eleições de 2012 gerou no Supremo Tribunal Federal uma grande discussão se esta alteraria ou não o processo eleitoral. Em sua opinião, o que ela altera neste processo? Altera o critério de elegibilidade. Eu assinei, noticiei no rádio, mas hoje tenho minhas dúvidas acerca da credibilidade dessa lei. Por uma simples razão: quando você começa a olhar para o Judiciário com um pouco mais de atenção, começa a perceber que lá tudo tem um preço. É um poder bem corrupto e
eu não tenho o menor constrangimento ou medo de falar que é, assim como o Legislativo e o Executivo. Quanto vale limpar uma ficha? Quanto vale acelerar um processo? Quanto vale a impunidade? Teremos de descobrir. Vamos começar a passar o Judiciário a limpo nesse país. Temos ainda a questão do apego às lideranças por parte do eleitorado que não tem necessariamente uma relação direta com a questão da honestidade. No Brasil, se aceita o “rouba, mas faz” com muita tranquilidade em alguns casos. A minha dúvida é: um “ficha suja” pode ser cabo eleitoral? Ele continua filiado ao partido? Não pode se candidatar, mas pode pedir voto? O controle nas cidades menores vai continuar a ser exercido por verdadeiros “caciques eleitorais”? O Ficha Limpa pode ser um passo importante, mas ainda é cedo para comemorar. Precisamos passar por pelo menos dois processos eleitorais para descobrir o que vai acontecer.
As eleições municipais elegem, além de prefeitos, também vereadores, cargo que chega a ter quase 60 mil representantes no Brasil. Por que é importante que a população preste atenção neles na hora de elegê-los? É importante prestar a devida atenção aos vereadores, assim como nos deputados estaduais, federais e senadores. Tendemos a desprezar o Legislativo porque não sabemos qual é a sua função. Em suma, é um órgão de fiscalização de aplicação orçamentária. Exemplo: eu tenho um orçamento que é uma peça aprovada por esse Legislativo e que deve ser implementada. Cabe ao legislador cobrar a execução do processo encaminhado e, se assim não for feito, entrar com a abertura de processos de averiguação no Tribunal de Contas cobrando explicações dos secretários. Essa seria a função, mas ela não é cumprida. Na realidade, o Legislativo carimba o que o Executivo quer e não fiscaliza. Ele oferece para o Executivo o poder de legislar da forma como quiser com a sua cumplicidade na execução orçamentária sem grandes questionamentos. Isto em troca de recursos liberados para que ele, legislador, promova favores paroquiais nos seus redutos eleitorais, as tais emendas parlamentares. Não à toa assistimos a um adensamento expressivo das vantagens pessoais dos parlamentares, sob forma de salários adicionais, carros e viagens.
O PMDB, que tem Gabriel Chalita como candidato a prefeito de São Paulo, não consegue repetir entre os paulistanos o mesmo sucesso atingido em outras importantes cidades do país. Como o senhor explica a pouca influência, a nível municipal, de um partido tão representativo em âmbito nacional? O PMDB é forte municipalmente pelo Brasil. O partido governa 1,2 mil cidades e tem uma capilaridade muito significativa. É o mais presente nos municípios. É quase uma legenda neutra ideologicamente e adere aos governos com facilidade com um viés quase sempre governista. Porém, o PSDB nasceu
Para Dantas, no Brasil se aceita o “rouba, mas faz” com muita tranquilidade. “A minha dúvida é: um ‘ficha suja’ pode ser um cabo eleitoral?”, questiona
do PMDB, o que enfraqueceu muito o partido em São Paulo. O PSDB apareceu forte na cidade, tirando do PMDB lideranças muito importantes, por meio de Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Franco Montoro e José Serra. Aqui, é um partido médio que não assusta tanto quanto já assustou.
Qual é a importância do cidadão na discussão da reforma política? Quando se fala em reforma pautada em mudanças institucionais, de regras, em mo-
mento algum tem se preocupado em mudar a cabeça do cidadão. Eu defendo a ideia de que se não educarmos politicamente a sociedade, não vamos para frente. Reforma política de verdade é aquela que coloca o cidadão como centro da questão, que se preocupa em educá-lo e capacitá-lo no que tange à consciência política. Decidir entre sistemas proporcional, distrital, se tem um ou dois turnos, isso tudo é secundário a partir do momento em que o cidadão alcance a consciência da importância do voto.
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IMIGRANTES
América Latina, SP Segundo o Ministério da Justiça, o Brasil acolhe 86 mil imigrantes regulares, entre, paraguaios, peruanos e bolivianos, cada qual com um relato diferente. São Paulo é a cidade que concentra a maioria dessas histórias REPORTAGEM ANA FLÁVIA BARDELLA, BEATRIZ AVILA, LETÍCIA DIAS (1º ano de Jornalismo), TOMÁS SILVEIRA FERNANDES (2º ano de Jornalismo), ANA CAROLINA NEIRA e HELDER FERREIRA (3º ano de Jornalismo) COLABORAÇÃO VITOR DALSENO e LETÍCIA LARIEIRA (1º ano de Jornalismo) IMAGENS ANA CAROLINA NEIRA (3o ano de Jornalismo)
TODA A AMÉRICA Latina pode ser encontrada em São Paulo. Há um mês no Brasil, a haitiana Betty Fills Jerôme quase não fala português. Nascida e criada em Porto Príncipe, capital do Haiti, ela viu sua vida se transformar drasticamente após o terremoto de 2010. Sem perspectivas para o futuro em meio às ruínas de sua terra natal, resolveu tentar a sorte em outro país. Pegou um ônibus e cruzou parte das Américas Central e do Sul até chegar a São Paulo. “Vim para cá pelas oportunidades e também por causa do terremoto. Não conseguia emprego lá”, relata. Jerôme, longe de ser única, simboliza a atual conjuntura brasileira. A partir dos anos 1980, vieram ao país os bolivianos e, depois deles, números crescentes de perua-
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nos e paraguaios. Recentemente, após o terremoto do Haiti em 2010, os haitianos. A Lei nº 11.961/2009, responsável pela Anistia Migratória, foi outro importante fator para o crescimento de imigrantes no Brasil. Por meio dela, cerca de 45 mil deles foram regularizados. A lei promulgada em 2009 dava direito aos estrangeiros que haviam adentrado o país até fevereiro do mesmo ano a se oficializarem cidadãos brasileiros. O fluxo migratório intenso também foi consequência do Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados parte do Mercosul, em vigor desde o início de 2009, mediado pelo Estatuto do Estrangeiro e o Conselho Nacional de Imigração (Cnig). O acordo garante aos cidadãos do Mercosul o direito de
requerer visto de permanência em países do bloco que não são de sua nacionalidade, ou pedir residência caso já esteja habitando em outro país, mesmo que irregularmente. Em consequência disso, houve um aumento de 69% da concessão de vistos de permanência e residência no Brasil a imigrantes nos últimos dois anos, de acordo com um levantamento do Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça. Ainda segundo dados da instituição, a concessão de nacionalidade brasileira também aumentou em 90%, de 2008 para 2010. O imigrante que passa a residir no Brasil possui os mesmos direitos assegurados a todos os brasileiros, inclusive os direitos trabalhistas. Porém, o governo estima que
Artesanatos, comidas típicas e instrumentos musiciais . Praça Kantuta é um pedaço da Bolívia em São Paulo
ainda existam entre 60 e 300 mil imigrantes ainda irregulares no país.
A PRAÇA KANTUTA Todos os domingos, quem passa pela Rua Pedro Vicente, no bairro do Pari, encontra um pedaço da Bolívia: é a Praça Kantuta. Semanalmente, o local recebe uma feira, das 11h às 19h, com cerca de 2 mil frequentadores. Nas barracas é possível encontrar itens de artesanato, como quadros, bijuterias, malhas andinas e instrumentos musicais, além de pães caseiros, refrescos e as salteñas – espécie de pastel assado recheado com carne, ovos e diversos temperos. Marisa Yula, 38 anos, está em São Paulo desde 1989. Veio de La Paz, capital da Bolívia, aos 15, com sua família, todos com a intenção de trabalhar e estudar. Chegando aqui, descobriram que nem tudo seria simples: “Na época eu não consegui estudar. Precisava ajudar em casa e não tive como entrar no ensino médio. A coisa ficou difícil”. A família se estabeleceu na Zona Norte da cidade e arranjou emprego na confecção de uma família coreana. “A gente trabalhava com eles, mas às vezes pegávamos o serviço de até três firmas. Era bastante trabalho e sem garantia nenhuma, sem carteira assinada”, descreve a imigrante. Hoje ela vê com otimismo o fato de as filhas terem conseguido estudar e se formar aqui, mas gostaria de voltar para a Bolívia. “Eu estaria melhor lá. Não consegui ter o que eu queria aqui. Fui forçada a vir, mas fico”, lamenta Yula. Após 15 anos trabalhando com costura e não tendo o retorno financeiro desejado, resolveu ajudar a mãe, uma das mais antigas vendedoras da feira Kantuta. Hoje, Yula tem sua própria barraca, onde vende pães, especiarias e grãos. “Meu plano é um dia ter uma mercearia”, revela. Verônica Quispe Yujira, ativista do movimento dos imigrantes, iniciou um projeto de orientação e aconselhamento na parte
acadêmica e de formação para quem vem de outros países. Yujira atende os interessados na própria feira, indicando cursos gratuitos de informática e idiomas. “Às vezes a gente acha que o imigrante chega aqui e quer ficar daquele jeito [sem conseguir melhores condições de vida], mas é difícil a informação chegar. Simplesmente não sabem onde encontrá-la”, pondera. Além de vender artesanato na feira, o xamã Inti Roman realiza um trabalho junto aos imigrantes de valorização da cultura andina e orientação espiritual. Roman acredita que os bolivianos se sentem inferiores. “Há um choque cultural muito forte, a ponto deles não se integrarem com a sociedade brasileira”, elucida. Iara Rolnik Xavier é socióloga e integrante do grupo de pesquisa Observatório Experimental Sobre as Migrações Internacionais Nas Áreas Urbanas da América Latina (MIUrb-AL). Xavier destaca que os bolivianos trabalham essencialmente na área de costura, dado confirmado no Censo de 2000. Na época, 48% trabalhavam no setor têxtil. Segundo a pesquisadora, “muitas vezes, os imigrantes já trabalhavam no setor têxtil em seus países de origem. Também há as ‘redes’: se conhecem alguém que trabalha com isso, fica mais fácil conseguir emprego”, explica Xavier. A socióloga ainda afirma que o preconceito existe, sem dúvida, já que muitas pessoas acreditam que os imigrantes vêm para cá ocupar o lugar de brasileiros no mercado de trabalho. “Mentira. Eles não dominam a área da costura. Quem majoritariamente trabalha com isso são os brasileiros. Eles formam uma parcela ínfima”, expõe.
Para Humberto Jara, “o maior problema do imigrante paraguaio é estar em uma cidade grande, vindo de um país pequeno”
EXISTE YUNSA EM SP O dia 18 de março de 2012 poderia ser apenas mais um domingo no Parque Ecológico do Tietê não fosse a presença maciça de imigrantes latino-americanos que prestigiavam
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o Yunsa, também conhecido como “Carnaval Andino-Peruano”. Todo ano, a festa é organizada pela Associação Latino Americana de Arte e Cultura Andina (Alac) e pelo Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), com apoio do Consulado do Peru. Eduardo Perez, cônsul do Peru, estava entre os que passaram pelo local para provar os quitutes típicos da culinária peruana e escutar a música folclórica andina. Perez conta que tem enfrentado problemas em sua administração. “Muitos imigrantes peruanos ainda estão em situação irregular no Brasil”, informou o cônsul, que estima que existam 14 mil peruanos vivendo na cidade. Perez acredita que o problema da irregularidade seja resultado da dificuldade de
comunicação. “Grande parte dos migrantes não possui telefone fixo, e-mail ou casa própria, o que dificulta informar sobre como exercer seus direitos e conseguir seus documentos”, afirma ele. A fim de tentar reverter essa situação, o CDHIC dispunha de um estande no evento no qual ensinava os interessados a se regularizar no país. O senador Eduardo Suplicy também esteve presente no Yunsa. Entre um discurso e um ceviche (prato de origem peruana feito com peixe cru marinado em suco de limão), declarou: “É importante que a legislação brasileira reconheça a contribuição dos imigrantes latino-americanos. Devemos assegurar o direito à cidadania para essas pessoas”. O senador também acredita ser possível
uma forte integração entre as Américas com direitos sociais mais homogêneos e livre circulação de pessoas, tal qual ocorre na União Europeia. “Acredito que, no máximo, em sete anos do governo Dilma, possamos ter esta real integração”, prevê.
A CASA DO MIGRANTE Na Baixada do Glicério, no Centro de São Paulo, fica a Casa do Migrante. Mantida pelos padres da Igreja Nossa Senhora da Paz, lá vivem imigrantes sem lar, como moçambicanos, colombianos e equatorianos. Das mais de cem pessoas que vivem na Casa – mais do que suporta sua estrutura –, quase metade são haitianos. O roteiro de viagem é quase sempre o mesmo: do Haiti partem para o Panamá, seguem para o Peru ou a Bolívia e, finalmente, chegam ao Brasil de ônibus. Alguns vêm por conta própria, porém muitos chegam com a ajuda dos chamados “coiotes”, traficantes de pessoas que atuam entre as fronteiras. Carla Aparecida Silva Aguilar é assistente social e gerente da Casa do Migrante. Para ela, o fato de o exército brasileiro estar no Haiti é um dos motivos para que os haitianos queiram vir para cá. “Quer propaganda melhor do que essa?”, indaga Aguilar. Segundo ela, o perfil de quem vem de outro país é sempre de alguém sozinho que pretende, no futuro, trazer mais familiares. Conforme conta a assistente social, a maioria dessas pessoas fica pouco tempo na Casa: “A ideia é que seja um local de passagem. Eles vêm, arrumam um emprego, alugam uma casa e vão embora. É questão de um ou dois meses, alguns ficam mais. É raro, mas já aconteceu de a pessoa sair, perder o emprego e precisar voltar”, detalha. Na opinião de Carla Aguilar, a legislação brasileira para imigrantes ignora a questão da moradia: “O governo pensa em tudo, mas não pensa onde essas pessoas vão ficar. Como alguém vai procurar um emprego se não tem nem onde morar? Imagine como é para uma família viver num albergue”, se indigna. Dirceu Cutti, pesquisador do Centro de Estudos Migratórios (CEM) da Casa do Migrante, explica que o Centro faz uma mediação entre estudos teóricos e a realidade dos imigrantes. “Nós precisamos ligar esses dois eixos, eles precisam ajudar um ao outro”, opina. Graças ao CEM, Cutti conseguiu ter uma visão melhor da imigração em São Paulo. “Cidade nenhuma está completamente de braços abertos para o imigrante pobre. O mito da cordialidade brasileira passa a ser questionado”, acredita.
JAPAYKE
A Casa do Migrante oferece abrigo para mais de cem imigrantes. Destes, mais da metade são haitianos
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Em guarani a palavra “japayke” significa “despertar”, e foi justamente com o intuito de despertar a comunidade paraguaia em São Paulo que Humberto Jara criou a Associação de Integração Paraguai-Brasil Japayke. Há dois anos, com o apoio de centrais sindicais, ela auxilia imigrantes e faz uma ponte entre as necessidades deles e as autoridades brasileiras.
Grupo se prepara para apresentação de dança típica boliviana na Praça Kantuta. Além de produtos, feira também recebe atividades culturais
Jara está na cidade há 38 anos. Ao contrário de outros imigrantes, não chegou aqui buscando emprego ou melhores condições de vida, mas fugindo da ditadura militar do Paraguai. “Eu era estudante, estava na militância e chegou um ponto em que precisei sair de Assunção”, conta. Formado em Engenharia Mecânica, o primeiro emprego de Jara em São Paulo, fazendo desenhos para uma indústria, era informal e na base da confiança. “Não tinha contrato. Eu confiava neles e eles em mim. Era o jeito”, recorda Jara. Nos anos seguintes ele passou por empresas multinacionais, tendo empregos formalizados e, no final dos anos 1980, ingressou no movimento sindical. Atualmente trabalha com artesanato e na administração da Japayke. “Não quero deixar os paraguaios passarem pelo o que eu e muitos outros passamos: a dificuldade de ter documentação, de conseguir emprego, de não saber a quem recorrer”, expressa. Criar um meio de ajudar outros imigrantes em situação de dificuldade também era um sonho antigo do estudante Leo Ramirez, que veio para São Paulo em 2004, aos 18 anos, em busca de emprego e de uma universidade. “Lá no Paraguai a gente não arrumava emprego nem como pedreiro. A situação estava muito difícil”, descreve. Ramirez ressalta que naquela época os jovens não
encontravam boas oportunidades no país e muitos decidiram sair de lá: “Eu morava em Luque, perto de Assunção, uma cidade onde não dava mais para viver. Lá o jovem não tinha oportunidade nenhuma. Cheguei aqui de ônibus e fui fazendo amigos. Arrumei meu primeiro emprego como costureiro”, narra. E foi por meio desses amigos que Ramirez conheceu Jara, com quem fundou a Japayke, na região da Barra Funda. O ônibus que o trouxe era de contrabandistas. “Eu achava que era turismo, mas era ilegal. Eram pessoas trazendo produtos de lá para cá”. Após conhecer Humberto Jara, foi ao Ministério do Trabalho regularizar sua situação e tentar um emprego melhor. Hoje trabalha em ONGs, faz traduções e serviços administrativos em um portal de notícias, além de cursar o terceiro ano do curso de Relações Internacionais na Universidade Paulista (UNIP). Para Humberto Jara, “o maior problema do imigrante paraguaio é estar em uma cidade grande, vindo de um país pequeno. A segunda dificuldade é o idioma e, depois, a documentação, que é a mais grave”. Ele afirma que mesmo com acordos políticos e apoio, as autoridades brasileiras ainda dificultam muito o acesso e o processo necessário. “Em cada lugar falam uma coisa. O paraguaio chega aqui e fica perdido”, relata. Segundo o presidente da Japayke, demora em média um
ano para que a documentação fique pronta. “A demora e a burocracia acaba fazendo com que muitos imigrantes desistam ou adiem essa parte da documentação”, analisa Jara. Rosana Joana, outra imigrante paraguaia, integra o grupo daqueles que desejam voltar ao país de origem, apesar de gostar de São Paulo. Sua vinda para o Brasil foi atribulada.“Uma loucura! Eu briguei com o meu marido e quis vir para cá. Fiz contato com uma amiga e em uma semana eu já estava aqui. Cheguei de ônibus”. Rosana deixou além do marido, dois filhos: um menino de cinco anos e uma menina de onze, suas maiores motivações para voltar. “Se eu fosse solteira, não tivesse filhos, eu até pensaria em ficar aqui, mas preciso pensar neles. Há dias em que eu acordo e me pergunto o que eu estou fazendo aqui. Gosto muito da cidade, mas preciso voltar, apesar de não saber como está a vida no Paraguai depois de dois anos longe”. Estevão Rosas, amigo de Leo Ramirez, viveu dez anos na Argentina, saiu de lá em 2002 por conta da crise financeira e trouxe os filhos para viver em São Paulo. Sua volta ao país de origem acontece apenas para as festas de final de ano, mas ele afirma que não pretende abandonar o Brasil. “Apesar de ser um processo lento e humilhante, minha família está toda legalizada aqui. Não saio mais, não vale a pena”, relata.
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POLUIÇÃO TEXTO CARMENCITA RODRIGUES, FABIANNE ROCHA, PAULA COMASSETTO, LAURA GALLOTTI (1º ano de Jornalismo), STELLA VASCO (2º ano de Jornalismo), FRANCINI VERGARI (3º ano de Jornalismo) e ANDREA WIRKUS (4º ano de Jornalismo) IMAGEM CARMENCITA RODRIGUES (1º ano de Jornalismo)
Rafael Guimarães/ Creative Commons
sem
Sexta maior cidade do planeta em número de habitantes, São Paulo registra níveis altos – e preocupantes – de poluição atmosférica SÃO PAULO É a maior metrópole brasileira e carrega consigo os benefícios e malefícios deste status. Ser grande também significa registrar um dos piores níveis de qualidade do ar. De acordo com um estudo do Centro de Informações e Pesquisa Atmosférica da Inglaterra, que analisou 20 metrópoles com a pior qualidade do ar, São Paulo é a quinta mais poluída do mundo. “Viver aqui hoje é equivalente a fumar, em média, dois cigarros por dia”, afirma o professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) e coordenador do Instituto Nacional de Análise Integrada de Risco Ambiental. Por muito tempo, o parque industrial de São Paulo foi o responsável por mais de 70% das emissões poluidoras na região metropolitana. Nas duas últimas décadas, entretanto, a cidade se transformou em um centro de troca e venda de serviços, fator que deslocou as fábricas para
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as periferias. “Hoje, na proporção, pelo menos 80% da poluição do ar é gerada pelos veículos”, esclarece a climatóloga Maria de Fátima Andrade, chefe do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia (IAG) da USP. “Em São Paulo”, continua Fátima, “temos dois poluentes que ultrapassam os padrões de qualidade do ar: o material particulado e o ozônio”. De acordo com Carlos Eduardo Komatsu, gerente do Departamento de Qualidade Ambiental da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), “no inverno, a qualidade do ar é mais influenciada pelo material particulado, pois há longos períodos de seca e uma condição de dispersão mais crítica. A primavera e o verão são os períodos críticos da formação do gás ozônio, pois há alta intensidade de radiação solar.” Apesar de benéfico na estratosfera, na qual forma uma proteção à radiação ultravioleta, o
ozônio apresenta efeitos tóxicos nas camadas mais baixas da atmosfera, onde reage com gases e partículas liberadas, sobretudo, durante o processo de queima de combustíveis em veículos e fábricas. O material particulado, composto por partículas sólidas e líquidas que formam a poeira, a fumaça e a fuligem, também pode ser inalado, prejudicando o processo respiratório. A cidade sofre com o modelo de mobilidade urbana que estimula o transporte individual, reforçado pelas carências do transporte público e pelo pouco uso de meios alternativos, como bicicletas. Como resultado, a frota paulistana registra, atualmente, 7 milhões de veículos – sendo mais de 5 milhões de carros e, destes, 1,5 milhão em situação irregular diante das normas de emissão de poluentes, segundo o Departamento de Trânsito do Estado de São Paulo (DETRAN-SP).
“Muitas pessoas desconhecem quais os benefícios que um projeto de restauração florestal pode trazer. Eles vão desde a valorizacão da propriedade até a melhoria na qualidade da água” QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA De acordo com dados da CETESB, na década de 1980, o complexo industrial de Cubatão liberava, mensalmente, cerca de 30 mil toneladas de material poluente no ar. Casos registrados na época de má formação de bebês representavam uma taxa 15 vezes maior que a média de qualquer outro município de mesmo porte no mundo. Exemplos como este são extremos, mas indicam que a quantidade de poluentes presentes no ar pode ser nociva ao organismo. “Estudos comprovam que a exposição à poluição atmosférica pode desencadear e piorar problemas respiratórios, cardiovasculares e mesmo reprodutivos. Vários poluentes entram pelas vias aéreas e podem comprometer o funcionamento de tecidos, caso que se agrava com a possibilidade de algumas partículas atingirem a corrente sanguínea”, explica o doutor Luiz Fernando Ferraz da Silva, professor de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, especializado em doenças pulmonares. A má qualidade do ar de São Paulo contribui para o agravamento de doenças cardiorrespiratórias, como asma, bronquite e hipertensão arterial, cujas crises podem ocasionar infartos e derrames. Especialistas no estudo da qualidade do ar atentam para a necessidade de políticas voltadas à saúde da população. Maria de Fátima Andrade, professora no Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG, explica que “o Brasil segue uma legislação antiga que estabelece padrões de qualidade do ar para diferentes poluentes: ozônio, material particulado, monóxido de carbono, dióxido de enxofre”. Para Paulo Saldiva, coordenador de projetos do Instituto Nacional de Análise Integrada do Risco Ambiental, a cidade é uma área que precisa de planejamento ambiental. “Não é a falta de apoio governamental que prejudica a conscientização, é a falta de demanda, pois a maior parte da agenda ambiental é baseada em ambientes remotos, como florestas”, comenta. Desse modo, projetos que visem ao reflorestamento de áreas na cidade são deixados em segundo plano – isso quando existem. PENSAR VERDE Não existe uma solução imediata para o problema que São Paulo enfrenta em relação à qualidade do ar. Há, no entanto, maneiras de amenizar os males causados pela poluição. A mais efetiva é a arborização da cidade, que serve como um meio de compensação para o dióxido de carbono (CO2) emitido. Em São Paulo, os projetos que visam compensar o ar são realizados por ONGs que organizam plantios coletivos em parceria com a Prefeitura e, principalmente, com empresas privadas. A tarefa, porém, não é fácil. Muitas das vezes, a população não aceita o plantio das árvores.
Segundo Rafael Bitante, biólogo e coordenador técnico do programa Florestas do Futuro, da S.O.S Mata Atlântica, falta informação. “Muitas pessoas desconhecem quais os benefícios que um projeto de restauração florestal pode trazer”, destaca. No entanto, Bitante explica que, após mostrar para as pessoas que “estes benefícios vão desde a valorizacão da propriedade até a melhoria na qualidade da água”, elas se tornam mais receptivas.
A implantação de mais áreas verdes na cidade traria melhorias para outros graves problemas enfrentados pela capital, como as enchentes e o desequilíbrio térmico. Não basta, porém, plantar qualquer espécie de árvore para que haja a reposição. “É necessário criar uma harmonia, pois, em meio a tanta alteração do ambiente, prédios, postes de energia, tubulações subterrâneas, tudo deve ser considerado”, ressalta Bitante.
Dos cinco milhões de carros da capital paulista, mais de um milhão não respeita as normas de emissão de poluentes. Segundo Maria de Fátima Andrade, “80% da poluição do ar é gerada pelos veículos”
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ALI NA ESQUINA TEXTO GABRIEL FABRI, GABRIELA BOCCACCIO, LUISA RUSSO (1º ano de Jornalismo), BEATRIZ DE FÁTIMA e TALLES BRAGA (2º ano de Jornalismo) IMAGENS GABRIEL FABRI (1º ano de Jornalismo)
SEGUNDO ANDAR DO
CAOS Há 41 anos acima das ruas da capital paulista, o Minhocão é uma insistente dor de cabeça para a administração pública. De modo paradoxal, acaba sendo também reduto de lazer e cultura nos finais de semana e feriados
Música, comida e até piscinas substituíram os carros no Minhocão durante o Festival Baixo Centro
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MAIS CONHECIDO COMO o “Sombra” do Programa do Ratinho, o radialista Alvino Batista Soares vê São Paulo de modo um tanto quanto caótico do segundo andar de seu prédio, localizado bem em frente ao Elevado Costa e Silva, o Minhocão. A via de 3,4 quilômetros liga o centro à Zona Oeste de São Paulo. Se durante a semana só é possível ouvir motores roncando e buzinas ensandecidas, produtos de um trânsito congestionado, aos domingos, o Minhocão é fechado para o tráfego de veículos e dá lugar a pedestres e ciclistas. No entanto, o apreço de Sombra pelo local em nada se relaciona com a sensação de desordem proveniente do elevado. Morando desde 1996 na mesma região e há dois anos no mesmo apartamento, com direito a vista de frente para o trânsito, o radialista considera essa a melhor alternativa para o trânsito local. “No que o Maluf fez, não se mexe”, afirma com convicção. Para ele mais vale se entreter com os eventos culturais aos domingos. A única reclamação é sobre a situação de moradores de rua e o tráfico de drogas na região. Sombra não é o único que convive com o Minhocão. O pernambucano José Carlos mora em São Paulo há 23 anos e há sete administra uma loja de restauração de móveis sob o elevado. “Se não estivesse em cima das ruas, não teria outro jeito de trafegar”, pondera. No entanto, assim como Sombra, contrapõe com um pensamento típico de um dono de comércio na região: “Moradores de rua são complicados. O pessoal rico não faz compras aqui.”
Coral se apresenta no elevado Costa e Silva. No repertório, “Ai, se eu te pego”, do sertanejo Michel Teló
DE MÃO EM MÃO O Elevado Costa e Silva foi inaugurado em 1971 pelo então prefeito Paulo Maluf, resultando em uma degradação do centro da cidade até a Barra Funda. Além do barulho dos carros, muitos moradores de rua e usuários de drogas se espalham na parte de baixo do Minhocão. Com isso, partes da cidade, como praças e museus localizados naquela região foram desvalorizados e o comércio, em baixa, tomou seu rumo para a Avenida Paulista. Em 1993, Luiza Erundina, outra prefeita, defendeu a demolição do elevado, mas não conseguiu levar seu projeto para frente. Já em 2006, o mesmo debate levou a organização do Prêmio Prestes Maia de Urbanismo, na gestão de José Serra, a escolher um projeto urbanístico que apresentasse a melhor solução para a via. Os arquitetos José Alves e Juliana Corradini ganharam o concurso com a proposta de manter o elevado, porém com a colocação de estruturas metálicas sobre as pistas já existentes. No “novo elevado” seria criado um parque público ao custo de 86 milhões de reais. No entanto, o polêmico projeto não vingou pelo custo e pelo receio de prejudicar ainda mais o tráfego de veículos. Em 2010, o prefeito Gilberto Kassab anunciou um novo plano de demolição do Minhocão, mas, para isso, seria necessário “enterrar” 12 quilômetros de linhas de trem, construir uma via expressa entre as zonas Leste e Oeste e estimular a ocupação do mercado imobiliário nessa região.
UM TEMPO PARA RESPIRAR Foi ainda da gestão de Erundina a ordem para o fechamento do elevado aos domingos e feriados e, desde então, o Minhocão tem sido usado nesses dias para atividades de lazer. No final de março, a região central foi tomada por atrações de cultura e lazer no Festival Baixo Centro. Ao todo, cerca de 120 atividades foram realizadas em dez dias, entre shows musicais, projeção de filmes, intervenções urbanas, espetáculos teatrais e performances. Para o jornalista Lucas Pretti, um dos organizadores do evento, “o Minhocão é o retrato concreto do caos da cidade. Porém, realizamos um movimento que ém vez de denunciar, anuncia possibilidades”. O festival, financiado de maneira colaborativa por meio da internet, foi desenvolvido por uma rede de coletivos e produtores independentes. Para a produtora cultural Barbara Trugillo, organizadora do Baixo Centro, a ideia é ocupar os espaços públicos da cidade. “O Minhocão está aí, fecha aos domingos, mas não oferece atividades que rolam sempre. Viemos aqui para mostrar que com pouquíssimo dinheiro conseguimos fazer isso de forma criativa e colaborativa”, diz. No último dia do festival, 1º de abril, em meio a uma intervenção do coletivo cultural Ecolmeia, circulou um abaixo-assinado para a construção de um terceiro andar sobre o Minhocão. A proposta, que não passava de uma brincadeira, serviria para abrigar os moradores de rua que vivem sob o elevado. Samara Costa, integrante do grupo, explica: “É uma provocação para refletirmos sobre o lugar onde vivemos.”
Entre as atividades do Festival Baixo Centro, um tapete de grama sintética foi posicionado no Minhocão – um “jardim suspenso” em São Paulo
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CONTO TEXTO GABRIELA SÁ PESSOA (3º ano de Jornalismo) IMAGEM JULIA LATORRE (1º ano de Jornalismo)
Sr. Bicudo não
anda de ônibus
Sr. Bicudo completava 70 anos de idade numa manhã nebulosa de 2012. Naquela mesma data também celebrou, como todos os dias, as décadas a perder de vista que não andava de ônibus. Já havia desfrutado de todos os meios de transporte existentes no planeta – inclusive pássaros de pluma azul adestrados. Menos ônibus. Ninguém pode precisar o motivo de tamanha ojeriza ao transporte público – suspeitou-se de algum possível trauma, náuseas esporádicas, labirintite, claustrofobia, pauperofobia. Sr. Bicudo por sua vez, nunca foi homem de explicar suas razões. Elas, logicamente, se explicavam matematicamente. Economicamente. – Quem pode questionar a veracidade dos dados? Dois mais dois é igual a quatro e por isso precisamos construir mais pontes – assim respondia, pronta e automaticamente, a quem perguntasse os motivos de seus porquês. Sim, Sr. Bicudo construía pontes. Pontes, rodovias e túneis. Porque Sr. Bicudo era do tempo em que crianças se espremiam contra as janelas para observar a robustez com que um Ford modelo Superdeluxe podia saudar seu primo, Ford Deluxe, ao dobrar a esquina que enlaçava os caminhos de paralelepípedo. Durante as aulas, esboçava, entre um e outro cálculo da tabuada (esta ele sabia de cor, ao contrário e em inglês), desenhos de sua cidade ideal, onde se viam pontes, vias elevadas e carrinhos a perder de vista. – Mal vocês podem esperar pelo dia grandioso em que esses automóveis dominarão vias sobre o rio Tietê! – deslumbrava-se Sr. Bicudo. – Duvido. Fazer isso com o Tietê é fácil, mas e o Pinheiros, como fica? Muito longe – retrucava um colega. – O Pinheiros também, esperem só. Ninguém acreditava muito nas palavras de Sr. Bicudo. Porém, ele tinha planos e era firme em suas ideias. Amava a cidade em que vivia, sobretudo pelo fato de ser a única que até então conhecia com tantos automóveis. A palavra
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“automóvel”particularmente lhe chamava atenção. Um objeto movimentandose sozinho com o controle do motorista; homem e máquina fundindo-se, juntos, rumo ao progresso – não sem deixar charmosas baforadas de fumaça por onde passavam. Ainda que o ônibus fosse uma categoria automobilística, o argumento que Sr. Bicudo utilizava contra esse gênero jamais era questionado. – No entanto – prosseguia dessa forma a tréplicas –, nem todos podem conduzir o ônibus a seu destino. Apenas o motorista. A condução humana é um mistério... Fato é que Sr. Bicudo cumpriu suas ambições. Com mais ou menos saúde, governou a cidade, o estado e, não fosse uma confusa série de mal-entendidas propostas de canalização do Amazonas, governaria o país. Mesmo assim, enquanto administrou, construiu pontes, duplicou vias e finalizou trechos inacabados de obras arquitetônicas. “Eis o discreto charme das vigas de aço, meus caros”, regozijava-se a cada inauguração. Tolerava a construção de linhas de trem, apesar de algumas objeções (“É muito démodé, muito século XIX”, dizia), pois considerava esse meio de transporte um antecessor do automóvel, importante ao desenvolvimento do capitalismo. Essa leniência, contudo, era limitada: emperrava a ampliação da malha ferroviária. Todo dinheiro ao automóvel. Depois de Sr. Bicudo, Tietê deixou de ser rio e se tornou marginal. Muitos especulam o que Sr. Bicudo perde por não andar de ônibus. Talvez por isso não saiba o que é coletividade em sua enésima potência. Não sabe dividir espaços, tampouco conhece o alívio (ainda que efêmero, diante das condições em que isto acontece) de ouvir a celestial frase “Quer que segure tua bolsa?” de um passageiro sentado, solidário à causa dos-que-vão-em-pé. Não conhece, de todo, os pequenos alívios da vida. Minto. Sr. Bicudo conhece um alívio: encontrar, finalmente, um lugar para estacionar.
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“Não tem como sobreviver uma cidade que gasta milhões homem em“O túneis e pontes, em muitos dos quais, pasmem, os está farto ônibus são proibidos. E que faz desaparecer seus rios e de árvores, mudar adevorados Terra suas pelas avenidas expressas” É tempo João Whitaker, em “São Paulo vai morrer” de que a Terra mude o homem”