Vértices (v24n2 - 2022) Dossiê A pesquisa em Educação Profissional e Tecnológica

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Editorial(v24n2)

Em setembro de 1997 foi lançado o primeiro número da revista Vértices, na então Escola Técnica Federal de Campos, por um grupo de servidores que aceitaram o desafio de criar a primeira publicação técnico-científica da instituição. Importante lembrar que nesse primeiro número, no texto de apresentação da publicação, o então Diretor da Instituição, o Prof. Roberto Moraes, apresenta a revista e esclarece sobre a origem da escolha do nome Vértices, a qual reproduzimos aqui, de forma a retomar o seu significado. “Vértice”, segundo o “Aurélio” representa ponto culminante, ápice, ponto comum a duas ou mais retas”. Segundo Moraes, “as conceituações sinônimas refletem com muita clareza os propósitos da revista, que objetiva ser um ponto de convergência deste ideal de desenvolvimento da nossa ‘Federal’ e da nossa região, o interior do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo e não contraditoriamente, pretende ser o ‘ponto comum’ que permite unir outros diferentes pontos, representados por diferentes ideias, concepções, abordagens, numa vontade única de disseminar conhecimento e cultura.” Retomamos e reforçamos os dizeres do Prof. Moraes, ressaltando um dos objetivos principais da revista que é ser um ponto para convergência plural e diverso de disseminação do conhecimento. Nesses 25 anos, com seus 57 fascículos publicados e inúmeras contribuições de autores nacionais e estrangeiros, pertencentes a diversas instituições, com a participação de mais de cinco centenas de avaliadores, com o prestígio de ter conosco milhares de leitores e pelo empenho e afinco da equipe editorial, só temos a agradecer pelas muitas conquistas da Vértices e comemorar a sua permanência como uma publicação que prima pela qualidade e lisura nos seus processos. E para comemorar esses 25 anos temos a honra de disponibilizar o presente número da Vértices, o v.24, n.2 de 2022. Trata-se de um dossiê temático especialíssimo intitulado A pesquisa em Educação Profissional e Tecnológica: temas, abordagens e fontes, composto por vinte e cinco artigos, de sessenta autores de dezoito diferentes instituições de ensino que passaram por cerca de oitenta avaliadores. Assim, iniciamos a apresentação deste número, voltando um pouco no ano de 2021, quando, no Edital 37/2021 para seleção de dossiês temáticos para revista, a presente proposta foi classificada, e os organizadores, os Profs. Francisco das Chagas Silva Souza, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Leonardo Leonidas de Brito, do Colégio Pedro II (CPII), e Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), aceitaram o desafio de organizar uma edição comemorativa dos nossos 25 anos. Foram doze meses de trabalho, com reuniões e trocas de ideias que resultaram na presente publicação. Desse modo, não poderíamos deixar de registrar os nossos mais sinceros agradecimentos aos organizadores e manifestar a imensa alegria dessa parceria e da confiança em nós depositada. O dossiê trata de estudos realizados no contexto da Educação Profissional, de pesquisas originadas em várias instituições da Rede Federal Trata-se de rico material, com importante potencial para utilização por estudantes, pesquisadores, professores e leitores em geral, considerando as diversas abordagens teóricas e metodológicas propostas.

Finalizamos o presente editorial, agradecendo mais uma vez, as importantes contribuições e participação de todos vocês: organizadores dos dossiês, autores, avaliadores, equipe da Essentia Editora e leitores da revista Vértices. Os nossos mais sinceros agradecimentos!!!

Uma ótima leitura dos artigos presentes neste número e em nossas publicações!!!

209 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 209-210, maio/ago. 2022

Ana Paula de Castro (IFF)

Fernanda Soares Luz (IFF)

Inez Barcellos de Andrade (IFF)

Editoras Assistentes

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210 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 209-210, maio/ago. 2022

EditorialdoDossiêTemático(v24n2)

ApesquisaemEducaçãoProfissionaleTecnológica:temas,abordagensefontes

Em 1909, nasciam as primeiras instituições que viriam, ao longo do século XX, a se constituir em uma rede de escolas voltadas à formação para o mundo do trabalho, embora, na maioria das vezes, atendesse às demandas do mercado e às políticas educacionais atreladas aos interesses do capital.

Mais de um século depois da criação das 19 Escolas de Aprendizes Artífices, hoje, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) abrange mais de 600 unidades espalhadas em todo o território nacional fruto de um processo de expansão, interiorização e verticalização dessas instituições. Diante disso, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) tornou-se um campo científico com produção do conhecimento em ascensão, que tem se fortalecido no Brasil, sobretudo no século XXI.

Aspecto também digno de ressaltar são as políticas de formação específicas, a exemplo do Mestrado em Rede em Educação Profissional e Tecnológica – ProfEPT, presente em quarenta instituições da Rede, além de outros Programas de Pós-Graduação stricto sensu e de cursos de especialização nessa área. Sem dúvida, os cenários temáticos, metodológicos e teóricos emergentes podem nos dar pistas importantes sobre os protagonistas contemporâneos da EPT no Brasil, bem como sobre miradas renovadas sobre práticas, sujeitos e experiências.

Foi partindo dessas premissas que nasceu a ideia do dossiê A pesquisa em Educação Profissional e Tecnológica: temas, abordagens e fontes. Assim, ao tempo em que se comemoram os 25 anos da Revista Vértices, reunimos 25 artigos que tratam de temas variados e que têm relação direta com essa modalidade de educação e de ensino. Agrupamo-los em três eixos: 1- artigos que tratam da história e da memória da EPT; 2- artigos que abordam o currículo nas suas mais diversas facetas; e 3- artigos que tratam de inclusão e alguns temas sensíveis, presentes na sociedade contemporânea e que urgem serem discutidos nas instituições escolares como um todo e nas de EPT, em particular, haja vista o compromisso de essa modalidade formar sujeitos emancipados e que pensem e ajam para além do mercado de trabalho.

Assim, o dossiê que ora apresentamos tem contribuição de autores que vêm se destacando nesse campo de pesquisa no Brasil. A diversidade espacial que procuramos dar ao dossiê evidencia o nosso esforço em privilegiar a produção nas diversas regiões do país, mostrando, desta forma, como as políticas de implementação e interiorização da EPT têm ocorrido nas duas primeiras décadas deste século.

Que a organização deste trabalho seja acolhida pela sociedade e pela academia como um campo de possibilidades de transformações em um cenário em que, a cada dia, temos que acreditar na esperança de que dias melhores virão, pois, como muito bem afirma o patrono da educação brasileira, Paulo Freire, em Pedagogia da esperança: “a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do mundo”. Portanto, não sejamos esperançosos por pura teimosia, “mas por imperativo existencial e histórico”.

Por fim, agradecemos à Revista Vértices pela oportunidade de deixarmos um pouco de esperança nesses seus 25 anos de existência. Que venham outros!

Mossoró, Natal e Rio de Janeiro, agosto de 2022.

211 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 211-212, maio/ago. 2022

Francisco das Chagas Silva Souza (IFRN)

Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti (IFPA)

Leonardo Leônidas de Brito (Colégio Pedro II) Os Organizadores

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212 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 211-212, maio/ago. 2022

Submetido em: 1 dez. 2021

Aceito em: 15 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p213-235

Sandra Maria de Assis https://orcid.org/0000-0002-0091-6161

Mestre e Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional (IFRN). Professora de história no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) – Natal/RN – Brasil. E-mail: acgeml@hotmail.com.

Olivia Morais de Medeiros Neta https://orcid.org/0000-0002-4217-2914

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e atua como professora-orientadora no Programa de Pós-Graduação em Educação (UFRN) e no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) – Natal/RN – Brasil. E-mail: olivianeta@gmail.com.

Resumo

Esta pesquisa teve como objetivo apresentar um levantamento da produção do conhecimento relacionado às viagens pedagógicas, realizadas ao exterior por engenheiros educadores e financiadas pelo governo brasileiro, entre os anos de 1909 e 1946, com finalidades relativas à estruturação do ensino técnico. Foram analisadas produções acadêmicas disponibilizadas no Catálogo de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no Google Acadêmico. Optou-se pela busca em artigos científicos, dissertações e teses utilizando os descritores “Viagens Pedagógicas”, “Ensino Técnico”, e “Circulação de ideias e modelos pedagógicos”. A escrita do artigo ancora-se nos conceitos de viagens pedagógicas (VIÑAO FRAGO, 2007; VIDAL, 2017; CUNHA, 2012), redes (FUCHS, 2007; PORTUGAL, 2007) e ensino técnico (FONSECA, 1961; MANFREDI, 2002; PEDROSA; SANTOS, 2014).

Os resultados revelam que a pesquisa e a produção do conhecimento acerca do tema viagens pedagógicas, especialmente, as que foram realizadas com fins relacionados à estruturação do ensino técnico, é, relativamente, modesta, justificando a necessidade e a relevância de novas pesquisas que abordem essa temática.

Palavras-chave: Viagens pedagógicas. Ensino Técnico. Circulação de ideias. Engenheiros educadores. Modelos educacionais.

Abstract

This research aimed to present a survey of the production of knowledge related to the pedagogical trips abroad by educator engineers and funded by the Brazilian government between 1909 and 1946, for purposes related to the structuring of technical education. We analyzed academic production available in the Catálogo de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), in the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD) and in Scholar Google. We chose to search in scientific articles, dissertations and theses using the descriptors "Educational Trips", "Technical Education", and "Circulation of ideas and pedagogical models".The writing of the article is anchored in the concepts of educational trips (VIÑAO FRAGO, 2007; VIDAL, 2017; CUNHA, 2012), networks (FUCHS, 2007; PORTUGAL, 2007) and technical education (FONSECA, 1961; MANFREDI, 2002; PEDROSA; SANTOS, 2014). The results reveal that the research and the production of knowledge about the theme of educational trips, especially those carried out with purposes related to the structuring of technical education, is relatively modest, justifying the need and the relevance of new researches that address this theme.

Keywords: Educational Trips. Technical Education. Circulation of ideas. Educator Engineers. Educational models.

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Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionaisparao ensinotécniconoBrasil(1909a1946)
Pedagogical trips and the circulation of ideas about educational models for technical education in Brazil (1909 to 1946)

Los viajes pedagógicos y la circulación de ideas sobre modelos educativos para la enseñanza técnica en Brasil (1909 a 1946)

Resumen

Este estudio objetivó presentar una investigación de la producción de conocimiento relacionado con los viajes pedagógicos realizados al extranjero por ingenieros educadores y financiados por el gobierno brasileño entre 1909 y 1946, con fines relacionados con la estructuración de la enseñanza técnica. Analizamos la producción académica disponible en el Catálogo de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), en la Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) y en Google Académico. Elegimos buscar en artículos científicos, disertaciones y tesis utilizando los descriptores "Viajes educativos", "Educación técnica" y "Circulación de ideas y modelos pedagógicos". La redacción del artículo se basa en los conceptos de viajes pedagógicos (VIÑAO FRAGO, 2007; VIDAL, 2017; CUNHA, 2012), redes (FUCHS, 2007; PORTUGAL, 2007) y educación técnica (FONSECA, 1961; MANFREDI, 2002; PEDROSA; SANTOS, 2014). Los resultados revelan que la investigación y la producción de conocimiento sobre el tema de los viajes pedagógicos, especialmente los realizados con fines de la estructuración de la educación técnica, es, relativamente, modesta, lo que justifica la necesidad y relevancia de nuevas investigaciones del tema.

Palabras clave: Viajes educativos. Enseñanza técnica. Circulación de ideas. Los ingenieros educadores. Modelos educativos.

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1Introdução

Os educadores, professores com ou sem formação pedagógica, pelo que nos confirmam as pesquisas, sempre se valeram das viagens e dos contatos estabelecidos com seus pares de outros lugares para fazerem intercâmbio de ideias e de modelos pedagógicos. As viagens sobre as quais nos referimos, e conforme o conceito de viagens pedagógicas elaborado por Viñao Frago (2007), abarcam aquelas que se ocorreram por iniciativa própria, por missão governamental e, até mesmo, as que aconteceram em situação de exílio.

Algumas dessas viagens se deram com destino ao estrangeiro promovidas com participação governamental, na busca por referências para o ensino técnico a ser oferecido no Brasil, de uma forma que atendesse às demandas socioeconômicas e políticas do país no período correspondente ao recorte cronológico da pesquisa que ora pretendemos. Assim, faz-se necessário iniciar o presente texto expondo seu objetivo, qual seja: apresentar um levantamento da produção do conhecimento relacionado às viagens pedagógicas, realizadas ao exterior por engenheiros educadores e financiadas pelo governo brasileiro, entre os anos de 1909 e 1946, com finalidades relativas à estruturação do ensino técnico. Diante disso, a pergunta que nos cabe, ao término do levantamento, é: a referida produção acadêmica e científica sobre o tema proposto, obtida após a pesquisa, pode corroborar a ideia inicial acerca da relação presumida entre as viagens pedagógicas e as interações dos educadores viajantes com a circulação de ideias que influenciaram a organização do ensino técnico industrial no Brasil?

Foram consideradas nesse processo inicial da pesquisa as missões dos viajantes com finalidade de visitas para conhecer a experiência de outros países, de sondagens para contratação de funcionários e de participação em eventos. Nesse ponto, a pesquisa não tenciona aprofundar sobre o impacto que essas viagens tiveram no ensino técnico, mas se propõe a expor as possibilidades de investigação pela sistematização do que se sabe até então acerca dessas viagens.

O texto discute, inicialmente, o sentido de se pesquisar o estado do conhecimento para a pesquisa acadêmica; a importância das viagens pedagógicas na constituição de redes de sociabilidades e seu estudo pela história da educação, bem como a reestruturação do ensino técnico em curso no período de abrangência da pesquisa, e por fim, apresentam-se os resultados da busca de artigos científicos, dissertações e teses disponibilizadas no Google Acadêmico, no Banco deTeses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). A escolha das referidas plataformas de repositórios deve-se ao fato de elas serem depositárias da maior parte da produção do conhecimento acadêmico realizada no Brasil. A busca foi realizada utilizando os descritores “Viagens Pedagógicas”, “Ensino Técnico”, “Ensino Industrial” e “Circulação de ideias e modelos pedagógicos”.

2Sentidodaproduçãodoconhecimentoparaapesquisaacadêmica:asviagens,apossível constituiçãoderedeseacirculaçãodeideias

Sobre o estado do conhecimento como ponto de partida para a pesquisa acadêmica e científica, convém esclarecer seu significado e contribuição. Morosini e Fernandes (2014) afirmam que é uma ferramenta essencial ao possibilitar tanto a leitura do que se está discutindo na comunidade acadêmica quanto o aprimoramento da escrita e formalização metodológica inerente ao percurso da pesquisa. Assim, para as autoras, “o estado de conhecimento é identificação, registro, categorização que levem à reflexão e

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946) Sandra Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta 215 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago. 2022

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946)

síntese sobre a produção cientifica de uma determinada área, em um determinado espaço de tempo, congregando periódicos, teses, dissertações e livros sobre uma temática específica.” (MOROSINI; FERNANDES, 2014, p. 155).

Ressaltamos que neste estudo, optamos por fazer um levantamento da produção do conhecimento e não, propriamente, um estudo de estado do conhecimento, embora atenda um de seus requisitos, que é a síntese do levantamento da referida produção.

Para o corpus de análise desta pesquisa, optamos pela busca da temática em artigos científicos, dissertações e teses disponibilizadas no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)1 no Google Acadêmico. Considera-se, pois, que a construção de uma pesquisa se relaciona ao pesquisador e as influências da instituição em que está inserido, bem como às perspectivas do seu lugar de fala no plano local e global. Neste caso específico a produção científica insere-se no campo da Educação Profissional.

A pesquisa sobre viagens pedagógicas e circulação de ideias e modelos educacionais para o ensino técnico no Brasil (1909 a 1946) pressupõe uma discussão sobre redes na perspectiva de interação e sociabilidades. Nesse sentido, Fuchs (2007) aborda a questão de como as teorias desta plataforma e redes podem ser aplicadas à pesquisa histórica, especialmente de uma perspectiva transnacional, afirmando que as redes são relações condensadas e pretendidas entre atores confinados a espaços específicos.

Para o referido autor, a análise de redes históricas é a reconstrução de redes, seus modos de interrelações, e a base de sua estabilidade, bem como de sua gênese e mecânica. Os historiadores abordaram a questão das redes e forneceram estudos que remontam ao século XVI. A maioria desses estudos objetivou a investigação de redes de correspondência, redes familiares, redes acadêmicas, redes religiosas.

As teorias das redes ainda não encontraram seu caminho na história da educação, mas levantam questões mais gerais a serem consideradas em pesquisas futuras sobre a história da educação. Fuchs (2007) questiona o que realmente define uma rede educacional e se as rotas de viagem ou meios de divulgação e comunicação constituem redes. Nesse sentido, temos indícios que podem corroborar a ideia de que educadores de diferentes países, que tinham em comum o fato de lecionarem em escolas de ensino técnico e que mantinham contatos uns com os outros compartilhando saberes e expectativas e que se encontravam em eventos como congressos ou visitas técnicas e às vezes até chegavam a trabalhar juntos, poderiam constituir uma rede de sociabilidades.

Portugal (2007), ao abordar a teoria das redes, discute o seu impacto na análise sociológica. De acordo com sua abordagem, a análise das redes permite focar a atenção no comportamento individual sem perder de vista a sua inserção nas estruturas sociais. A investigação sobre redes sociais mostra como as trajetórias sociais dos indivíduos não são determinadas integralmente nem pelas suas posições estruturais, nem pelas suas decisões individuais.

Aproximando-se o conceito de redes com o conceito de capital social e tomando-se por base a perspectiva de Bourdieu (1980), a autora mostra que as redes são construídas através de estratégias de investimento nas relações sociais, passíveis de serem utilizadas como fontes de benefícios. A definição do autor torna clara a existência de dois elementos no capital social: as relações que permitem aos indivíduos aceder aos recursos e a qualidade e quantidade desses recursos.

1 Para a busca na CAPES e BDTD optamos por uma busca ampla sem delimitações em relação aos referidos repositórios, uma vez que ambas contêm repositórios de muitas universidades.

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Do ponto de vista metodológico, a abordagem à luz da teoria das redes permite usufruir de um conjunto de dispositivos analíticos solidamente estruturados e testados. A linguagem, os conceitos, os indicadores, os métodos de recolha e tratamento de dados da network analysis constituem um corpo analítico que oferece inúmeras possibilidades heurísticas e grande flexibilidade temática.

A network analysis trouxe novos princípios analíticos, novas linguagens e novos dados para a teoria sociológica, permitindo analisar a estrutura social a partir de uma perspectiva relacional e (re) colocando no centro do questionamento o elemento básico da sociologia: a interação social.

O que realmente define uma rede educacional? As 'rotas de viagem' ou meios de divulgação e comunicação já constituem redes? De acordo com o referencial técnico-social da noção de rede que permanece até os dias de hoje,

[…] as redes descrevem as relações entre entidades sociais em interação e seus padrões e as implicações dessas relações. Em geral, pode-se afirmar que as redes são elos comunicativos e principalmente horizontais entre agentes interdependentes - atores individuais, corporativos ou coletivos - que são relativamente iguais, confiam uns nos outros e compartilham interesses ou valores semelhantes. Essas ligações ou laços diretos ou indiretos entre atores (ou nós) - tais como interação comportamental, relações de parentesco, troca de produtos, fluxo de informações, transferência, migração e comunicação - são os meios pelos quais ocorre a transferência de recursos materiais ou não materiais. No entanto, os laços são frequentemente recíprocos assimetricamente e variam em relação à densidade, intensidade, duração, etc. Eles podem ser fortes, principalmente dentro de um grupo (por exemplo, amigos), ou fracos, principalmente entre diferentes grupos de atores (por exemplo, conhecidos). Eles fornecem capital social de quatro maneiras: solidariedade particular específica de grupo; confiança na autoridade dos valores; acesso a informação; e autonomia estrutural (FUCHS, 2007, p. 187).

As relações criadas pelos sujeitos, em nível nacional e internacional, favorecem os intercâmbios através de exposições, congressos, associações com instituições transnacionais, cooperações diversas. O autor afirma que os congressos internacionais se tornaram, no início do século XX, a principal forma de internacionalizar o saber científico, fornecendo não só a possibilidade dos encontros para trocas e divulgação de descobertas recentes, como também a oportunidade para a criação de organizações científicas e internacionais. Ou seja, essa cooperação entre os sujeitos de diferentes lugares, mas compartilhando interesses comuns, concorria para a constituição das redes.

Da mesma maneira, Caruso (2014) refere-se ao surgimento de um nível supranacional na educação, a partir de 1850, em que organizações governamentais e não governamentais atuaram em nível internacional possibilitando o surgimento de redes internacionais. Isso pode ser percebido nas exposições, feiras e congressos internacionais como a Feira Mundial da Filadélfia em 1876. Esses eventos geraram impacto na internacionalização através de “reuniões e organizações que reuniram identidades, tradições, estereótipos nacionais, etc.” (CARUSO, 2014, p. 21).

Outras formas de cooperação internacional como intercâmbios de alunos e professores, por exemplo, ajudaram a criar uma ideia de ordenamento da diversidade do mundo. A prática de enviar professores e outros estudiosos da educação brasileiros ao exterior também tinha, algumas vezes, o objetivo de divulgar por meio de missões e congressos, o que se fazia aqui, assim como professores estrangeiros também estiveram no Brasil com o mesmo objetivo. É certo que esses encontros e trocas de experiências iam forjando a constituição das redes transnacionais.

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946) Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago.

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Rabelo (2019), em estudo sobre a viagem que o educador Isaac Kandell fez na década de 1920 à América do Sul, afirma que foi possível identificar indícios que sinalizam para a constituição de redes no processo de intercâmbio, de ideias e sujeitos, entre os EUA e o Brasil. A ida de vários educadores brasileiros nos anos seguintes para temporadas de estudos, breves ou longas, nos EUA indicaria que a tessitura de uma rede de educadores estaria a se formar. No entanto, como assevera Fuchs (2007), as conexões formadoras de redes são frequentes e assimetricamente recíprocas, indicando que sua intensidade é variável, assim como sua densidade e duração, mas independente de qual tenha sido a natureza dessas relações, se intelectuais, profissionais ou sociais, importa destacar a relevância da viagem de Kandell pelo Brasil nesse contexto em que se busca clarificar a questão da constituição das redes transnacionais de educação.

Vidal (2017) diz que há registros de viagens de professores brasileiros ao exterior da época do Império: Abílio César Borges para a Europa em 1866, 1870 e 1879 com o objetivo de aprender sobre pedagogia, práticas e modelos de escola que ele esperava adotar em suas escolas; Antonio Herculano de Souza Bandeira Filho à França, Áustria e Alemanha em 1883, onde foi contratado para visitar jardins de infância e escolas normais; Maria Guilhermina Loureiro de Andrade entre 1883 e 1887, para estudar a pedagogia de Friedrich Fröbel, métodos e processos de aprendizagem intuitivos; além de Joaquim José Menezes Vieira que viajou para a França, Itália, Bélgica, Alemanha e Suíça em 1882 e em 1888-1889 em busca de inovações pedagógicas no estrangeiro.

Os viajantes e os objetivos de viagem indicam

[…] que a natureza impressionante dos novos desenvolvimentos na educação e pedagogia […] mobilizou indivíduos e o governo para investir em tais viagens, e revitalizou o comércio entre nações. Essas visitas ao exterior estavam associadas à propagação de práticas de ensino seguindo a instituição de ensino obrigatório na maioria das nações durante a segunda metade do século XIX, incluindo o Brasil (VIDAL, 2017, p. 231).

A mobilização de educadores brasileiros na busca por conhecer as possíveis inovações educacionais, aprender novas práticas, atualizar-se sobre novos métodos e teorias pedagógicas sugere que estes educadores também foram agentes da circulação das ideias trazidas dessas viagens.

A participação de educadores nas Exposições Universais, o comissionamento de professores viagens ao exterior e as visitas ao exterior realizadas com recursos próprios demonstram o interesse em aprender sobre inovações educacionais e modelos pedagógicos em circulação na Europa e nos EUA. Educadores e governos reconheceram a importância das missões no exterior como forma de promover a modernização da educação por meio da aquisição de materiais, e pelo contato com soluções pedagógicas exógenas (VIDAL, 2017, p. 241).

Havia a preocupação, no Brasil, que os modelos trazidos do exterior não fossem reproduzidos aqui como meras cópias, mas que fossem adaptados ao ambiente educacional nacional, ou seja, houvesse uma “hibridização cultural, mesclando-se especificidades e ideias pedagógicas que circularam internacionalmente” (VIDAL, 2017, p. 241).

Na perspectiva de que as viagens pedagógicas favorecem a constituição de redes de interações e sociabilidades, busca-se amparo em Viñao Frago (2007), para quem as viagens “educam, mesmo que seja para abrir ao viajante uma realidade diferente da sua. Mas umas educam mais que outras, ou de forma diferente” e algumas são mais representativas para a compreensão desses processos, podendo ser entendidas como viagens pedagógicas.

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O autor discute viagens e viajantes que, na Espanha do século XIX, viajaram ou residiram em outros países, com a intenção, ou não, de conhecer seus sistemas e instituições de ensino, elaborando algum tipo de relatório, livro ou redação em que, em decorrência das referidas viagens ou estadias, deem conta da situação da educação no exterior, seja com intuito meramente informativo, seja para contribuir, desta forma, para a melhoria da educação em Espanha

A amplitude do conceito de viagens pedagógicas elaborado por Viñao Frago (2007) abarca aquelas que se deram por iniciativa própria, por missão governamental e, até mesmo, as que aconteceram em situação de exílio. Nesta pesquisa, contudo, serão consideradas apenas viagens ao estrangeiro promovidas com participação governamental no período entre os anos de 1909 e 1946, na busca por referências para o ensino técnico a ser oferecido no Brasil, de uma forma que atendesse às demandas socioeconômicas e políticas do país. Foram consideradas nesse processo missões com finalidade de visitas para conhecer a experiência dos outros países, de sondagens para contratação de funcionários e de participação em eventos.

3AreestruturaçãodoensinotécnicoemcursonaprimeirametadedoséculoXX

Quando, nas primeiras décadas do século XX, o processo de desenvolvimento industrial tomou impulso no Brasil, tornou-se evidente a necessidade de construir, no país, uma estrutura para garantir a oferta de ensino profissional. A exemplo dos países europeus e dos EUA, que já vivenciavam seus processos industriais, e, consequentemente, tinham consolidado suas redes de ensino e formação de trabalhadores, visando às demandas das indústrias.

O Brasil, embora já tivesse algumas poucas escolas de formação para o trabalho, ainda carecia de instituições que pudessem formar mão de obra em larga escala e a curto prazo, que suprisse as demandas da indústria em ascensão. A favor do Brasil, nessa corrida para atender essas demandas da indústria, havia experiências bem-sucedidas, na Europa e Estados Unidos da América (EUA), nas quais os gestores e técnicos poderiam se inspirar para dar forma a um modelo de educação profissional a ser aplicado no Brasil.

No seio do governo do Presidente Getúlio Vargas (1930-1945) existiam disputas, de natureza política e ideológica, entre os agentes que foram responsáveis pela concepção, planejamento e montagem das duas redes nacionais de ensino industrial constituídas no Brasil: as escolas técnicas e o SENAI2. Essas diferenças se expressaram nas escolhas dos modelos e das referências que influenciaram as duas redes. (GAMA, 2016).

As redes de ensino profissional eram uma realidade em países como Alemanha, França e Suíça, assim como nos EUA. Como afirma Pedrosa e Santos (2014), a Europa, nessa época, tinha escolas para o trabalho com oficinas, testes psicotécnicos e uma pedagogia do trabalho. Os EUA, por sua vez, contavam com escolas profissionalizantes com metodologias destinadas ao ensino industrial e psicologia para os docentes que atuavam no ensino industrial.

De acordo com Pedrosa e Santos (2014), a organização do ensino industrial brasileiro foi definida por debates/embates perpetrados nos anos de 1920 e 1930 motivados pelo desejo que seus agentes tinham de oferecer uma educação de bases modernas, amparada em concepções práticas e racionais. Distinguem-se

2 Por meio do Decreto-lei n. 4.048 de 1942, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) foi criado, com a participação dos industriais e em convênio com a CNI (Confederação Nacional da Indústria). Quatro anos depois, foi criado o Serviço de Aprendizagem Comercial (SENAC), pelo Decreto-lei n. 8,621 de 1946, dirigido pela Confederação Nacional do Comércio (CNC). Ambos foram criados para atender as demandas de qualificação para o trabalho. Cf. Batista (2015).

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946) Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago.

Sandra
219 | VÉRTICES,
2022

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946)

nomes como Leon Renault, Rodolfo Fuchs, Francisco Montojos, João Luderitz, Roberto Mange, Faria Góes Filho, Horácio da Silveira, Lourenço Filho, Anísio Teixeira e Fernando de Azevêdo, sendo os dois últimos, expoentes do movimento “Escola Nova” e partícipes da construção do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, cujas ideias influenciaram as discussões acerca da educação profissional do período.

Convém ressaltar que a sociedade brasileira, em 1930, ainda carregava as marcas da estrutura herdada de séculos de colonização europeia (1500-1822), que persistiram no período imperial (1822-1889), entre eles a escravidão e a economia centrada na agroexportação. Essas marcas começaram a ser lentamente apagadas, para dar espaço a outros sujeitos sociais, como a burguesia industrial e o operariado urbano, no período republicano, bem recente.

Ideias pedagógicas e modelos de ensino industrial circularam no Brasil e referenciaram a experiência brasileira de preparação das redes nacionais de ensino na década de 1940. Sobre tal, Pedrosa e Santos (2014) apontam os intercâmbios, viagens técnicas, participação em congressos, celebração de acordos, importação e adaptação de modelos, tradução de livros e contratação de professores como elementos essenciais para a estruturação dessas redes de ensino industrial, bem como a mobilização de educadores e engenheiros que se tornaram os agentes dessas ações. Os autores trazem evidências de que o ensino industrial brasileiro, no período citado, espelhou-se em modelos europeus e americanos. O foco da abordagem eram os agentes do ensino industrial e suas referências internacionais e um movimento dos anos 1920-30-40 em diante, relacionado à educação para o trabalho, que culmina no ensino industrial em diferentes sistemas: o industrial e o técnico.

Sobre o ensino técnico, convém lembrar que Cunha (2000) discute o significado da expressão técnico que, segundo ele, quase sempre é empregada de forma equivocada, definindo, ora uma pessoa que desempenha uma função determinada, ora pessoas que concluíram estudos em escola que forme técnicos e que possa utilizar os conhecimentos teóricos e práticos para desempenhar funções produtivas no mundo do trabalho. Portanto, o ensino técnico a que nos referimos neste texto é o que o governo brasileiro, os empresários da indústria, os trabalhadores, os sindicatos buscavam construir no Brasil, nas décadas de 1920, 1930 e 1940. A esse propósito, as viagens pedagógicas dos professores, engenheiros educadores e políticos serviram: buscar referências para o ensino técnico e industrial a ser oferecido no Brasil. De uma forma que atendessem as demandas econômicas e políticas do Brasil num contexto diverso.

O ensino voltado à formação profissional, outrora chamado de ensino de ofícios, existira no Brasil desde os tempos coloniais e foi passando por mudanças e adaptações conforme a ação do tempo e as necessidades socioeconômicas e arranjos produtivos o exigiram. E nesse processo de mudanças o ensino profissional se assume técnico, para formar técnicos no âmbito de uma sociedade que também se transformava.

3

Assim, a produção do conhecimento acerca das viagens pedagógicas realizada nas bases de dados informadas anteriormente, foi analisada a partir de uma caracterização dos trabalhos sem a análise textual deles4, tendo o cuidado de organizá-los de acordo com a cronologia das produções, o quantitativo, os tipos de trabalhos (se artigos, dissertações ou teses) e seus respectivos repositórios.

3 Para aprofundar os estudos sobre a formação para o trabalho no Brasil ver Medeiros Neta et al. (2018).

Sandra Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago. 2022

4 A análise referida demandaria um tempo de que não dispúnhamos na ocasião em que escrevemos este texto. Por essa razão optamos por apresentar o resultado do levantamento realizado na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), no Banco de Teses e Dissertações da CAPES e no Google Acadêmico.

220 |

4Sistematizandoosdadosobtidospelapesquisanasplataformaserepositóriosdigitais

Da pesquisa digital nas plataformas do Google Acadêmico; da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) e no Catálogo de Dissertações e Teses da CAPES - utilizando os descritores: “viagens pedagógicas”; “viagens pedagógicas” and “ensino técnico”; e “circulação de modelos e ideias pedagógicas” – foram obtidos os resultados apresentados na sequência do texto.

Sobre o Google Acadêmico, Ciriaco (2022) informa que se trata de um sistema do Google que oferece ferramentas específicas para que pesquisadores busquem e encontrem literatura acadêmica. Artigos científicos, teses de mestrado ou doutorado, livros, resumos, bibliotecas de pré-publicações e material produzido por organizações profissionais e acadêmicas. O buscador indexa conteúdos de bases de acesso abertos como a Scielo, Altametric e Wiley ou de materiais que estejam disponíveis no Google Livros permitindo, inclusive, que os próprios usuários adicionem suas produções científicas.

Na plataforma do Google Acadêmico, por ser mais ampla, encontramos muitos trabalhos que aparecem como resultados gerais (Quadro 1). Utilizamos como filtro o critério de ser artigo já publicado, tese, dissertação, livro ou capítulo de livro publicado. Não obtivemos nenhum resultado para os descritores “viagens pedagógicas” e “circulação de modelos e ideias pedagógicas” que atendesse ao referido critério. Todas as pesquisas foram realizadas e publicadas entre os anos de 2007 e 2020.

Quadro 1. Levantamento do Google Acadêmico DESCRITOR RESULTADO GERAL RELACIONADOS AO TEMA

“Viagens Pedagógicas” Técnico” publicações 16 publicações

Fonte: Elaboraçãodas autoras

TIPODEPUBLICAÇÃO PERÍODO DAS PUBLICAÇÕES

Artigo 06 2007-2020 Livro 02

Capítulo de livro 02 Dissertação 02 Tese 04

O portal da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) constitui um acervo público que reúne e dissemina, em acesso aberto, textos completos de teses e dissertações defendidas em instituições brasileiras de ensino e pesquisa, assim como teses e dissertações defendidas no exterior por brasileiros. O acesso a essa base pode ser realizado através do endereço eletrônico https://bdtd.ibict.br/vufind/

O referido acervo foi desenvolvido e é coordenado pelo IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia) integrando os sistemas de informação de teses e dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa brasileiras, estimula a publicação de teses e dissertações em meio eletrônico, dando maior visibilidade à produção científica nacional podendo ser utilizado pela comunidade científica, bibliotecas e pelo público em geral.

No levantamento realizado na base da BDTD, utilizando os descritores “viagens pedagógicas” e “circulação de modelos e ideias pedagógicas”, optamos por levantar o quantitativo de pesquisas, o título, o objetivo, o tipo (se tese ou dissertação), o ano da defesa pública e qual o repositório (instituição), conforme aparece nos Quadros 2 e 3. Verificamos que todas as pesquisas encontradas foram

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago.

paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946) Sandra
221 | VÉRTICES, Campos dos
2022
and “Ensino
40

finalizadas/defendidas entre os anos de 2006 e 2020. Obtivemos os seguintes resultados: com o descritor “viagens pedagógicas encontramos 02 teses e 02 dissertações (Quadro 2); com o descritor “circulação de modelos e ideias pedagógicas” encontramos 11 dissertações e 08 teses (Quadro 3).

Quadro 2. Levantamento da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) – Descritor “viagens pedagógicas” (continua)

TÍTULO DA PESQUISA TIPO ANO/INSTITUIÇÃO OBJETIVO

Viajar é inventar o futuro: narrativas de formação e o ideário educacional brasileiro nos diários e relatórios de Anísio Teixeira em viagem à Europa e aos Estados Unidos (1925-1927)

As viagens pedagógicas de Nestor dos Santos Lima e a educação no Rio Grande do Norte na Primeira República.

Um professor em dois mundos: a viagem do professor Luiz Augusto dos Reis à Europa (1891)

Dissertação 2011 - USP

Este trabalho tem por pretensão analisar as viagens de Anísio Teixeira à Europa em 1925 e aos Estados Unidos em 1927. Anísio partiu a países estrangeiros com o propósito de peregrinação, passeio e lazer, mas, também com o objetivo de entrar em contato com uma cultura diferente da sua, civilizada e conhecer um modelo educacional referencial, sobretudo, o norte-americano, considerado um dos mais eficazes neste momento. De suas viagens ele produziu uma escrita diarística, cujos registros são do cotidiano a bordo, dos sujeitos americanos, das cidades, de suas reflexões em relação à vida, à si, à política, à educação, à religião católica, à América, além dos objetivos e propósitos de suas viagens.

Dissertação 2020 - UFRN

O trabalho investiga a apropriação e influência das viagens pedagógicas de Nestor dos Santos Lima, nos anos de 1913 e 1923, na escrita e na prática do intelectual durante a Primeira República. Advogado, historiador e educador, Nestor Lima integrou uma elite cultural que pensava a educação do Rio Grande do Norte nesse período.

Tese 2011 - USP

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946) Sandra Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago.

Esta tese examina o relatório produzido pelo professor primário Luiz Augusto dos Reis que, em 1891, partiu do Rio de Janeiro para a Europa com destino a Portugal, Espanha, França e Bélgica, a fim de verificar as condições da instrução pública nas regiões descritas como representantes do mundo civilizado.

222 | VÉRTICES, Campos dos
2022

TÍTULO DA PESQUISA TIPO ANO/INSTITUIÇÃO

Por uma pedagogia da viagem, do turismo e do acolhimento: itinerários pelos significados e contribuições das viagens na (trans) formação de si.

Tese 2008 - UFBA

OBJETIVO

A educação em turismo é uma alternativa para a transformação do processo de acolhimento em espaços de viagem, turismo e lazer. E o acolhimento é o elemento capaz de unificar os significados da viagem e do turismo. Este estudo, na interseção da educação, da viagem e do turismo, aborda experiências de aprendizagem, de formação e de educação pelas viagens (EAFEV) a fim de contribuir para a formação do docente e do profissional bem como dos viajantes confrontados a outras culturas e a uma possível (trans) formação deles próprios. Centrado nas realidades brasileira e francesa, reflete um panorama tanto nacional quanto internacional que poderá informar outros estudos em diferentes regiões e países.

Fonte: Elaboração dasautoras

Conforme o Quadro 2, as pesquisas sobre as viagens pedagógicas corroboram a importância desses estudos para a compreensão dos movimentos educacionais e para a circulação das ideias que tais eventos proporcionavam. Embora nenhum desses trabalhos versem diretamente sobre o ensino técnico, eles nos mostram a relevância dessas viagens para o intercâmbio e a renovação das ideias pedagógicas dos viajantes, dada a influência que eles exerceram sobre os seus pares à época.

Houssaye (2007) diz que, ao mesmo tempo que reconhecemos que há circulação de ideias, precisamos sublinhar oslimitesdessesintercâmbiose considerá-los,tanto quanto,constitutivosdapedagogia. Conforme o autor, para implantar-se e desabrochar, cada pedagogo se fixa num dado lugar, numa dada época, numa dada situação. Ilustrar esse aspecto é relativamente simples, tão numerosos são os exemplos.

As pesquisas indicam que as viagens dos educadores, mesmo quando à primeira vista não tinham esses objetivos pedagógicos, contribuíram para alargar seus horizontes formativos, bem como as suas redes de sociabilidades, como podemos observar nos textos pesquisados. Sobre isso Houssaye (2007), diz que a pedagogia só pode ser concebida no âmbito internacional e os pedagogos sempre foram grandes viajantes que funcionaram em rede.

Quadro
Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946) Sandra Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta 223 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago. 2022
2. Levantamento da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) – Descritor “viagens pedagógicas” (conclusão)

TÍTULO DA PESQUISA TIPO ANO/INSTITUIÇÃO

José Scaramelli: um bandeirante do ensino paulista na implementação e divulgação de uma didática e metodologia da educação nova para a infância brasileira.

Dissertação 2013 - UFSC

A Aritmética no ensino primário de Brasília: 1957-1970

A circulação do ideário escolanovista no Estado de Goiás: a revista de educação (1937-1962)

Tese 2018 - Universidade Anhanguera

Dissertação 2013 - UNESP

OBJETIVO

A pesquisa tem por tema o estudo do movimento das ideias pedagógicas em circulação no Brasil no período da Primeira República, mediante a trajetória de vida e das interlocuções de um intelectual da educação brasileira, José Scaramelli, intelectual partícipe das missões de professores paulistas. Seu objetivo consiste em apreender, analisar e compreender como os ideais do Movimento da Educação Nova adentram no cenário educacional brasileiro, sendo apropriados e adaptados.

A tese teve por objetivo analisar, na perspectiva da História Cultural, como se constituiu o ensino de aritmética nas escolas primárias de Brasília no período de 1957 a 1970.

O estudo apresenta uma descrição de como circulou o ideário escola novista no Estado de Goiás por meio da Revista de Educação no período de 1937 a 1962. Essa delimitação temporal corresponde aos anos datados nos números da Revista que foram localizados. O objetivo foi apresentar como o poder público colocou em circulação o novo modelo pedagógico para o Estado de Goiás, por meio da Revista de Educação.

Quadro
Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946) Sandra Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta 224 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago. 2022
3. Levantamento da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) – Descritor “circulação de modelos e ideias pedagógicas” (continua)

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946) Maria Morais Medeiros

TÍTULO DA PESQUISA TIPO ANO/INSTITUIÇÃO

A escola, o esporte e a energização do caráter: projetos culturais em circulação na Associação Brasileira de Educação (1925-1935) Tese 2006 - UFMG

OBJETIVO

Este estudo aborda as relações estabelecidas entre o esporte e a educação escolar e tem como lugar da narrativa as práticas discursivas e institucionais produzidas e realizadas pela Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1920 e 1930. Ao estabelecer esse recorte, meu principal propósito foi compreender como e por que as práticas esportivas, na época já disseminadas como experiência moderna e urbana, participaram de um projeto cultural que apostou na eficiência da escola como possibilidade de organização e disciplinarização da vida social.

O ideário da escola nova na Paraíba: circulação de novos saberes nos discursos de José Baptista de Mello (1930-1936)

Dissertação

2015 - UFPB

Saberes em viagem nos manuais pedagógicos: construções da escola em Portugal e no Brasil (1870-1970)

Dissertação 2011 - PUC -SP

O objetivo principal é analisar a circulação do ideário da Escola Nova no estado da Paraíba, através dos discursos do professor José Baptista de Mello encontrados nos jornais A União e A Imprensa. Considerando a influência desses discursos na circulação e propagação de um novo ideário pedagógico, que rompe com um modelo de ensino tradicional, para métodos de ensino moderno, enriquecido pelo pragmatismo e interesses comuns da época. Colecionando livros, formando mestres: a Biblioteca Pedagógica da Escola Normal de São Paulo (1883)

O objetivo deste estudo foi mapear as principais ideias pedagógicas que os livros adquiridos pelo professor Paulo Bourroul colocaram em circulação e assim conhecer os modelos por eles apontados para a formação dos professores da Escola Normal de São Paulo no último quartel do século XIX.

Tese 2006 - USP

Nesta tese de doutorado foram tomados como objeto de análise os livros usados pelos normalistas quando eles estudaram as questões relativas ao ofício de ensinar. Chamados aqui de manuais pedagógicos, esses textos começaram a ser publicados em períodos muito próximos em Portugal e no Brasil.

Quadro 3. Levantamento da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) – Descritor “circulação de modelos e ideias pedagógicas”
Sandra
de Assis, Olivia
de
Neta 225 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago. 2022
(continuação)

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946)

TÍTULO DA PESQUISA TIPO ANO/INSTITUIÇÃO

Um professor em dois mundos: a viagem do professor Luiz Augusto dos Reis à Europa (1891)

Educar para o desenvolvimento: críticas a esse modelo em consolidação na educação infantil

Leituras das regras de escrita de cartas: manual epistolar novo secretario portuguez ou código epistolar como dispositivo de formação pedagógica

O modelo militar no ensino de Enfermagem: um olhar histórico sob a perspectiva foucaultiana

Tese 2011 - USP

Tese 2008 - UNESP

Dissertação 2015 - UFPB

Tese 2014 - USP

Sandra Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta 213-235,

OBJETIVO

Esta tese examina o relatório produzido pelo professor primário Luiz Augusto dos Reis que, em 1891, partiu do Rio de Janeiro para a Europa com destino a Portugal, Espanha, França e Bélgica, a fim de verificar as condições da instrução pública nas regiões descritas como representantes do mundo civilizado.

Este trabalho discute a função educativa desenvolvida com as crianças de 03 a 06 anos de idade nos Centros de Recreação do Município de Araraquara-SP, com vistas a evidenciar as semelhanças entre o projeto educacional que subsidia as práticas ali desenvolvidas e as discussões em âmbito internacional e nacional quanto ao papel das instituições de Educação Infantil.

O tema da pesquisa de mestrado é a educação para a civilidade, analisada por meio do dispositivo de formação educacional e fonte da pesquisa, o manual epistolar Novo Secretario Portuguez ou Código Epistolar, de J. I. Roquette, buscando contribuir com as pesquisas em História da Educação, evidenciando-se a importância histórica dos manuais na constituição do ensino da leitura e da escrita.

O estudo resgatou a reconfiguração da Escola de Enfermagem da Cruz Vermelha Filial Estado de São Paulo (EECVB-FESP) nos anos de 1940-1945, cuja instituição foi propagadora do modelo militar de ensino na enfermagem, caracterizado por relações disciplinadas e hierarquizadas dos saberes e das práticas da enfermagem.

Quadro Levantamento Digital Teses Descritor de modelos e ideias pedagógicas”
226 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p.
maio/ago. 2022
3.
da Biblioteca
de
e Dissertações (BDTD) –
“circulação
(continuação)

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946)

TÍTULO DA PESQUISA TIPO ANO/INSTITUIÇÃO

História e memórias de uma escola maranhense: Colégio Santa Teresa

História da educação primária na Atenas Norte-Rio-Grandense: das escolas de primeiras letras ao Grupo Escolar Tenente Coronel José Correia (1829-1929)

Letramento literário: materiais didáticos e o ensino da literatura

Arquitetura dos edifícios da escola pública no brasil (1870- 1930): construindo os espaços para a educação

Dissertação 2016 Universidade Metodista - SP

Dissertação 2017 - UFRN

Dissertação 2008 - UEM

Tese 2010 - UFMS

Sandra Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago.

OBJETIVO

Esta pesquisa pretende reconstruir a história e as memórias da experiência educacional popular, que ocorreu no final da década dos anos de 1970, em um pequeno povoado maranhense, denominado Santa Teresa do Paruá, hoje, Presidente Médici. Nesta pequena vila de agricultores, movida pelos ideais comunitários, foi construído o Colégio Santa Teresa – protagonizando o nascimento de uma educação popular de qualidade. Acrescenta-se, ainda, recorrer às memórias, para saber quais os efeitos e contribuições da presença da Pedagogia Lassalista no colégio.

O objetivo desta dissertação é analisar a importância da História da Educação Primária para a construção da identidade da cidade do Assú (RN) como Atenas Norte-rio-grandense. Dentro dessa proposição de trabalho, consideramos o movimento de interação que se estabelece entre as práticas culturais e literárias desenvolvidas na cidade e o processo de escolarização.

O objetivo principal deste trabalho foi traçar as orientações e os modelos de letramento literário em materiais pedagógicos e que também fazem a mediação do texto literário. O conceito de letramento pode ser entendido, aqui, como um conjunto de práticas sociais que utilizam a escrita como sistema simbólico.

A pesquisa concentra-se em analisar a arquitetura e a educação, a partir das relações históricas entre a normatização na produção do edifício escolar público no Brasil e como ele passou a existir como produto de um processo histórico, especificamente a partir do surgimento das Escolas do Imperador, no ano de 1870 até os anos de 1930

Quadro 3. Levantamento da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) – Descritor “circulação de modelos e ideias pedagógicas” (continuação)
227 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ,
2022

TÍTULO DA PESQUISA TIPO ANO/INSTITUIÇÃO

Representação e subjetividades infantis nos livros para crianças em Salvador no início do século XX

A partir da inspetoria de Educação Física de Minas Gerais (1927-1937): movimentos para a escolarização da educação física no estado

Pop management jornalístico e espírito do capitalismo: os cadernos de emprego no jornal Zero Hora (2012/2013).

Minicontos multimodais a partir de tiras da Turma da Mônica

Fonte: Elaboração dasautoras

Tese 2017 - UFSC

Dissertação 2009 - UFMG

Dissertação 2014 Universidade Federal de Pelotas

Dissertação 2015 - UFS

OBJETIVO

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946) 213-235,

Este estudo tem como objetivo analisar o surgimento de uma rede de produção e circulação de livros infantis em Salvador no final do século XIX e início do século XX. A literatura infantil desse período caracterizou-se pelo caráter pedagógico e pela vinculação de modelos ideais de infância, que influenciaram a formação de meninos e meninas na Bahia republicana.

Este estudo aborda o movimento de criação, de atividade e de declínio da Inspetoria de Educação Física de Minas Gerais, instituída no Regulamento do Ensino Primário em 1927 e que teve seu decaimento em 1937. O propósito principal foi compreender como tal órgão investiu no processo de escolarização da Educação Física no Estado.

Este estudo discute as transformações no mundo do trabalho, a partir do conceito de “novo espírito capitalismo” como a ideologia que justifica o engajamento no capitalismo. Revela aspectos de como se configura o novo espírito do capitalismo no Rio Grande do Sul, de acordo com o discurso difundido pelo pop management jornalístico.

O relatório tem o propósito de apresentar os resultados da primeira aplicação, realizada numa turma de 7º ano, do Caderno Pedagógico intitulado Produzindo minicontos multimodais a partir de tiras da Turma da Mônica.

Quadro de modelos
Sandra Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta 228 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p.
maio/ago. 2022
3. Levantamento da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) – Descritor “circulação
e ideias pedagógicas” (conclusão)

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946)

A circulação das ideias e dos modelos e práticas pedagógicas se dava no movimento das viagens tanto no âmbito nacional como no âmbito internacional, mas também através das publicações de revistas e livros. Entender o itinerário, as razões e os efeitos das viagens, nos parece um caminho bastante promissor para a compreensão de quando e quanto dessas ideias circularam e se foram relevantes nos processos de organização do ensino técnico no Brasil.

Assim como a BDTD, o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)5 é uma plataforma que tem como objetivo facilitar o acesso a informações sobre teses e dissertações defendidas junto a programas de pós-graduação do país, além de disponibilizar informações estatísticas acerca desse tipo de produção intelectual, e faz parte do Portal de Periódicos da Instituição. Para acessá-lo utilizamos o endereço eletrônico http://bancodeteses.capes.gov.br/, mas também é possível acessá-lo através da página inicial do Portal de Periódicos da Capes.

Na busca na referida plataforma utilizamos os descritores “Viagens pedagógicas”, “viagens pedagógicas” and “ensino técnico” e “viagens pedagógicas” and “ensino industrial”. Os resultados obtidos foram organizados no Quadro 4 em que constam o descritor, o quantitativo, o tipo de pesquisa, assim como o repositório e ano de defesa ou publicação do trabalho.

Quadro 4. Levantamento no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES (continua)

DESCRITOR RESULTADOS TIPO DE PESQUISA

“Viagens Pedagógicas”

“Circulação de modelos e ideias pedagógicas”

“Circulação de modelos e ideias pedagógicas” and “Ensino Técnico”

04 Pesquisas Dissertações 02 USP (2011) UFRN (2020)

REPOSITÓRIO/ANO

Teses 02 USP (2011) UFS (2019)

13 Pesquisas Dissertações 07 UFMG (2019); PUC_SP (2011); UFSC (2013); UNESP (2013); UFRN (2014); UFPB (2015; UFPB (2015)

Teses 06 USP (2006, 2011 e 2014); UFMG (2006); UFMS (2010 e 2017)

02 Pesquisas Teses 02 PUC-SP (2018) USP (2019)

Sandra Maria de Assis, Olivia Morais de Medeiros Neta | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 213-235, maio/ago. 2022

5 Trata-se de uma fundação do Ministério da Educação (MEC), que é responsável pela expansão e consolidação da pós-graduação – mestrado e doutorado – em todos os estados da Federação. É a responsável pela avaliação quadrienal de todos os cursos de pós-graduação do País. É a única entidade que tem tradição de determinar o descredenciamento (na prática, o fechamento) dos cursos que apresentam nota baixa ou deficiente.

229

Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946)

Quadro 4. Levantamento no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES (conclusão)

DESCRITOR RESULTADOS TIPO DE PESQUISA REPOSITÓRIO/ANO

“Viagens pedagógicas” and “Ensino Industrial”

20 Pesquisas Teses 05 USP (2004; 2011); UERJ (2008); UNICAMP (2010); UFRS (2017);

Dissertações 15 CEFET-MG [ 2000 (1); 2013 (2); 2014 (4) e 2017 (2)]; UFU (2008); UFS (2002); PUC-RJ (2002); UNIVERSIDADE DE TUIUTI DO PARANÁ (2014); UNICAMP (2012 e 2019)

Fonte: Elaboração dasautoras Na pesquisa com o descritor “viagens pedagógicas” encontramos 04 trabalhos, sendo uma dissertação e três teses; já com os descritor “viagens pedagógicas” and “ensino técnico” encontramos apenas 01 tese; e por fim, os descritores “viagens pedagógicas” and “ensino industrial” encontramos um quantitativo de 20 pesquisas realizadas sendo 05 teses e 15 dissertações das quais 09 foram realizadas por pesquisadores vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica (PPGET) do CEFET-MG que oferece o curso de Mestrado, cujas linhas de pesquisa estão assim distribuídas:

a) Ciência, tecnologia e trabalho: abordagens filosóficas, históricas e sociológicas;

b) Processos formativos em educação tecnológica;

c) Tecnologias da informação e educação;

d) Práticas educativas em ciência e tecnologia.

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Nesse levantamento as pesquisas foram finalizadas/defendidas entre os anos de 2000 e 2020. Observamos que há algumas coincidências em relação às buscas realizadas no portal da BDTD, ou seja, aparecem em mais de uma plataforma, mas optamos por preservá-los na forma em que aparecem.

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5Algumasconsiderações

Não obstante a existência de algumas fontes bibliográficas, visto que alguns pesquisadores já percorrerem essa trilha das viagens pedagógicas; de sabidamente outras fontes como jornais e documentos oficiais nos indicarem a existência e a importância das viagens pedagógicas dos engenheiros educadores ao exterior, sobretudo Europa e Estados Unidos6, na busca por ideias, modelos, contratação de docentes e técnicos e inspiração para o que seria a reestruturação do ensino técnico, constatamos que a produção acadêmica, no que se refere a teses e dissertações que se debrucem sobre o tema, ainda é modesta e bastante recente, considerando que os trabalhos encontrados foram produzidos entre os anos de 2000 e 2020. No entanto, é perceptível um aumento progressivo dessas produções, o que pode indicar um maior interesse dos pesquisadores do campo da História da Educação e consequentemente novas abordagens e novos resultados poderão surgir.

No que se refere à pesquisa da qual deriva essa busca pelo estado do conhecimento: viagens pedagógicas e a circulação de ideias e modelos educacionais para o ensino técnico no Brasil (1909 a 1946), da consulta às fontes, depreende-se a importância das viagens, inicialmente como observatório das experiências de ensino técnico no exterior, e, posteriormente, para a adoção dos modelos que seriam utilizadosna reformado ensino profissionale técnico que o governo brasileiro implantounadécadade 1940.

O levantamento da produção acadêmica relacionada ao tema citado revelou que: sobre as viagens dos engenheiros educadores, bem como dos demais envolvidos com a estruturação do ensino técnico e a própria reforma educacional pretendida e realizada no período de abrangência da pesquisa, sobretudo nas década de 1930 e 1940, não é tão vasta, se considerarmos a sua importância histórica, mas os resultados encontrados nos imprime relevância à temática investigada na produção do conhecimento aqui apresentada Percebeu-se que os objetivos das pesquisas convergem no sentido de mostrar a importância das interações dos viajantes com a cultura de formação dos lugares visitados e a preocupação em produzir relatórios dando conta disso para seus interlocutores ou autoridades a quem se reportavam a fim de que pudessem tirar proveito desse conhecimento e influenciar a organização do ensino e das escolas no Brasil.

Os indícios permitem vislumbrar certo protagonismo dos agentes que atuaram na constituição do ensino técnico brasileiro. Dessa forma, os dados obtidos no levantamento das fontes e das pesquisas da produção acadêmica e científica sobre o tema proposto, nos sugerem que sim, que há uma relação possível entre as viagens pedagógicas e as interações dos educadores viajantes com a circulação de ideias que influenciaram a organização do ensino técnico industrial no Brasil, que inclusive contribuíram com a organização da estruturação física e jurídica desse ramo do ensino profissional no recorte cronológico no qual se inseriu a busca. Por fim, reiteramos que se trata de pesquisa de tese, ainda em curso, e espera-se que tenha desdobramentos com contribuições efetivas para o campo da história da educação profissional no Brasil.

6 A relação do Brasil com os Estados Unidos da América no que se refere à formação para o trabalho se apresenta como tema emergente à historiografia da educação profissional, sendo um desses temas que carece estudo o financiamento dos Estados Unidos, mediante os acordos MEC-USAID para os Ginásios Orientados para o Trabalho, também conhecidos como Ginásios ou Escolas Polivalentes, planejados e implantados nas décadas de 1960 e 1970, portanto, no contexto da ditadura civil-militar brasileira e da Lei 5.692/1971. (SOUZA, 2019).

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Viagenspedagógicasecirculaçãodeideiassobremodeloseducacionais paraoensinotécniconoBrasil(1909a1946)

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Submetido em: 18 jan. 2022

Aceito em: 26 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p236-266

Francisco das Chagas Silva Souza https://orcid.org/0000-0002-9721-9812

Doutor em Educação (UFRN) e Pós-doutor em Educação (UFF). Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino (IFRN/UERN/UFERSA), do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (Mestrado Profissional em Rede Nacional), Polo IFRN/Mossoró e do Programa de Pós-graduação em Educação (IFRN/Natal). Professor titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte Campus Mossoró/RN Brasil. E-mail: chagas.souza@ifrn.edu.br.

Edilana Carlos da Silva https://orcid.org/0000-0001-6714-7558

Mestra em Ensino (POSENSINO) Associação ampla entre a UFERSA, a UERN e o IFRN (2021) Rio Grande do Norte Brasil. E-mail: edilannacarlos@hotmail.com.

Resumo

Considerando os mais de cem anos da oferta da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) em nível federal, no Brasil, o artigo objetiva compreender a trajetória da atual Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica no decorrer do século XX e XXI, com ênfase nos cenários históricos que exigiram mudanças nas políticas públicas e possibilitaram a verticalização nas ofertas de cursos nessas instituições. Trata-se de uma investigação bibliográfica e documental, visto que foram utilizadas publicações no campo de pesquisa em trabalho e educação, como também uma consulta e análise da legislação da EPT. Observou-se que as várias mudanças ocorridas na oferta da EPT, em mais de um século de existência, vincularem-se às pautas políticas do governo brasileiro e aos interesses do mercado de trabalho. Constata-se uma verticalização na Rede que, há um século, formava apenas para o ensino primário e o básico e, hoje, volta-se para a oferta em vários níveis, inclusive de pós-graduação stricto sensu. Todavia, a Rede luta interna e externamente por uma formação profissional para além das demandas do capital.

Palavras-chave: Institutos Federais. História da Educação. Pesquisa documental. Verticalização.

Abstract

Considering that more than a hundred years has passed since the offer to Professional Education and Technology (TVET) on a national level, in Brazil, the article seeks to comprehend the trajectory of the current Federal Network of Professional, Scientific and Technological Education in the 20th and 21st century, with emphasis on the historical contexts that demanded changes in public policies and allowed the verticalization in courses offers on those institutions. It is a bibliographical and documental investigation, since publications in work and education field of research were used, as also a consultation and analysis of the TVET law were made. It was observed that the many changes that happened in the TVET offer in more than a century of existence was bound to the political agenda of the Brazilian government, and the interests of the job market. A verticalization in the Network a century ago used to complete only the primary and basic education and, today, it focuses on the offer of several levels, including stricto sensu postgraduate level. However, the network fights internally and externally for a professional education beyond the capital demands.

Keywords: Federal Institutes. History of Education. Documentary research. Verticalization.

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PolíticaseducacionaiseverticalizaçãodaEducaçãoProfissionaleTecnológica noBrasil(séculosXXeXXI)
Educational politics and the verticalization of Professional and Technologic Education in Brazil (20th and 21st centuries)

Políticas educacionales y verticalización de la Educación Profesional y Tecnológica en Brasil (siglos XX y XXI)

Resumen

Considerando los más de cien años de oferta de la Educación Profesional y Tecnológica (EPT) a nivel federal, en Brasil, el artículo pretende comprender la trayectoria de la actual Red Federal de Educación Profesional, Científica y Tecnológica durante los siglos XX y XXI, con énfasis en los escenarios históricos que exigieron cambios en las políticas públicas y posibilitaron la verticalización en las ofertas de cursos en esas instituciones. Se trata de una investigación bibliográfica y documental, puesto que fueron utilizadas publicaciones en el campo de pesquisa en trabajo y educación, además de una consulta y un análisis de la legislación de la EPT. Se observó que los varios cambios ocurridos en la oferta de EPT durante más de un siglo de existencia, se vincularon a las pautas políticas del gobierno brasileño y a los intereses del mercado de trabajo. Se constata una verticalización en la Red que, hace un siglo, formaba solo para la enseñanza primaria y lo básico y, hoy, se vuelve para la oferta en varios niveles, incluso posgrado stricto sensu. Sin embargo, la red lucha interna y externamente por una formación profesional para más allá de las demandas del capital.

Palabras clave: Institutos Federales. Historia de la educación. Investigación documental. Verticalización.

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1Introdução

Ao longo de um século, as instituições que compõem a atual Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) passaram por cinco institucionalidades, conforme as necessidades e conveniências políticas e socioeconômicas brasileiras. Assim, desde a criação das Escolas de Aprendizes Artífices, em 1909, essas instituições assumiram outras denominações (Liceus Industriais, Escolas Industriais, Escolas Técnicas Federais, Centros Federais de Educação Tecnológica) até se constituírem em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF) por meio da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008b).

Neste artigo, discutimos a trajetória da Educação Profissional e Tecnológica1 (EPT), considerando os contextos históricos que suscitaram mudanças nas políticas educacionais voltadas à formação para o trabalho, no decorrer do século XX e no atual. Ressaltamos a verticalização das ofertas nessas instituições de EPT, que, há um século, formava apenas aprendizes e artífices e, hoje, oferta cursos em vários níveis, inclusive de pós-graduação lato e stricto sensu.

Considerando que a EPT vem ganhando espaços na academia, principalmente a partir do crescimento da Rede, no início do século XXI, ressaltamos a importância de se conhecer, ainda que de forma breve – haja vista a limitação de um artigo – o histórico desse conjunto de instituições, salientando a verticalização que ocorreu, nas últimas décadas, em suas ofertas.

2Metodologia

Trata-se de uma pesquisa exploratória que visa oferecer uma visão panorâmica sobre a história da EPT. Quanto às fontes de informação, a pesquisa caracteriza-se como bibliográfica, pois utilizamos fontes secundárias (livros e artigos de periódicos) e documental, mediante o uso da legislação que marcou a história dessas instituições.

É importante destacar que esses documentos, sob a forma de leis, decretos e portarias, apesar de serem considerados fontes diretas, pois estão disponíveis para os pesquisadores no Portal do Governo Federal, e voluntárias, por terem uma intencionalidade clara, precisam ser analisados cuidadosamente, buscando conhecer o contexto político e econômico em que foram produzidos e, nesse exame, possivelmente, encontrar o não dito, o contraditório, o que ficou nas entrelinhas. Nesse sentido, Barros (2020, p. 8) realça a importância de o historiador olhar para um texto e ver nele “a sociedade que o produziu, a humanidade que passou e passa por ele […], os processos que o moldaram e constituíram no tempo, as ideias e ações que o atravessam de muitas maneiras deixando suas marcas ou inscrevendo-se como possibilidades de reapropriações no futuro”.

Quanto ao referencial teórico, fazemos uso do materialismo histórico e dialético. Partimos de um resgate acerca do que foi produzido a respeito da história da EPT. Para Frigotto (2010, p. 97), “Esse conhecimento se expressa por ideias, conceitos, categorias que precisam ser revisitadas tanto no sentido de ruptura […] quanto de superação, por inclusão”. A análise busca estabelecer conexões, mediações e contradições entre os fatos, pois “É na análise que se estabelecem as relações entre a parte e a totalidade” (FRIGOTTO, 2010, p. 98).

1 Educação Profissional e Tecnológica é a denominação dada à educação para o trabalho no Brasil a partir da Lei n.º 9.394/1996 (BRASIL, 1996b), que estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional. Em outros períodos da nossa história, essa formação recebeu denominações diferentes, tais como: ensino técnico, ensino industrial, ensino profissional e ensino profissionalizante. Diante da dificuldade de usar cada um desses termos conforme a época em que foram criados, optamos por utilizar a forma atual.

PolíticaseducacionaiseverticalizaçãodaEducaçãoProfissionaleTecnológicanoBrasil(séculosXXeXXI) Francisco das Chagas Silva Souza, Edilana Carlos da Silva 238 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 236-266, maio/ago. 2022

Segundo Ciavatta et al. (2019, p. 19-20), a totalidade social construída é “um conjunto dinâmico de relações que passam, necessariamente, pela ação dos sujeitos sociais. Seus referentes são históricos, quais sejam, materiais, sociais, mentais, morais ou afetivos, de acordo com as relações que constituem determinada totalidade”.

O tratamento historicizado dos fenômenos envolve diferentes temporalidades, tanto em relação ao tema de estudo, quanto ao espaço-tempo em que ocorrem os acontecimentos tratados e aos sujeitos em foco nas pesquisas. Ter como fundamento o método da economia política e a história como produção social da existência significa considerar os objetos, fenômenos e acontecimentos na totalidade social de que fazem parte. São as mediações, isto é, os processos sociais complexos que os constituem enquanto tais, são as contradições que se apresentam pelas ações e interesses que se opõem entre os diferentes sujeitos, grupos e classes sociais (CIAVATTA et al., 2019, p. 23).

Nessa direção, a busca por essa totalidade nos levou a investigar o porquê das mudanças no ensino voltado para o trabalho, considerando o cenário histórico, político e socioeconômico brasileiro que permitiram mudanças nas instituições de EPT. Sem essa discussão, a nosso ver, é impossível entender a criação das Escolas de Aprendizes Artífices (EAA) e das mudanças que ocorreram nesse ensino ao longo de mais de um século.

Em face do exposto, o desenvolvimento deste artigo apresenta, além dessa introdução e das considerações finais, uma seção dividida em três subseções. O critério para tais subdivisões foi a verticalização das ofertas da EPT ao longo de mais de um centenário de história.

3.1 As Escolas de Aprendizes Artífices e o ensino das “primeiras letras”

O marco para a constituição de um conjunto de escolas com fins de formar para o trabalho, como uma política do Governo Federal, deu-se mediante o Decreto n.º 7.566, de 23 de setembro de 1909 (BRASIL, 1909), sancionado pelo então presidente Nilo Peçanha. Assim, as 19 Escolas de Aprendizes Artífices (EAA) constituíram o primeiro sistema nacional de EPT criado no país.

Conforme o artigo 1º do Decreto n.º 7.566/1909, a delegação da Rede ficou designada da seguinte forma: “Em cada uma das capitaes dos Estados da Republica o Governo Federal manterá, por intermedio do Ministerio da Agricultura, Industria e Commercio uma Escola de Aprendizes Artífices, destinada ao ensino profissional primario e gratuito”2 (BRASIL, 1909, não paginado). Três meses depois, esse decreto foi alterado com a ressalva de que as instalações dessas Escolas só ocorreriam naquelas capitais em que ainda não dispusessem de uma instituição com fins semelhantes.

Gradativamente, as 19 EAA foram instaladas ao longo de 1910 e todas começaram a funcionar entre os meses de janeiro e outubro daquele ano. Tinham por finalidade formar operários e contramestres por meio do ensino prático e conhecimentos técnicos para que os menores tivessem interesse em aprender ofícios nas oficinas de trabalho mecânico ou manual, determinados conforme a conveniência do lugar em que estivesse instalada cada escola (CUNHA, 2005).

2 Neste artigo, manteremos a grafia dos documentos conforme a da época em que foram produzidos.

3Deaprendizesadoutores:averticalizaçãonaofertadaEPTnoBrasil
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Para Cunha (2005), o industrialismo foi o principal motivo para a criação das EAA, percebidas como importante iniciativa republicana em matéria de ensino profissional, haja vista que a indústria já era sinônimo de desenvolvimento científico, progresso e emancipação econômica e política para parte dos políticos brasileiros. Chegou-se a pensar na obrigatoriedade do ensino profissional nas escolas primárias, uma vez que “os industrialistas diziam que o Estado deveria cogitar do ensino obrigatório antes mesmo de instituir leis sociais. Ao lado do esperado efeito moralizador das classes pobres, o ensino profissional era visto como possuidor de outras virtualidades corretivas” (CUNHA, 2005, p. 16).

Em fins do século XIX, o centro-sul do Brasil possuía o maior número de indústrias, sendo, no Rio de Janeiro, que se concentravam as fábricas mais importantes (57% do capital industrial do país estava na então capital federal). Isso se devia a fatores como: o acúmulo de capitais provenientes da empresa agrícola ou dos negócios do comércio exterior, principalmente da produção do café no Vale do Paraíba; a abundância de mão de obra (população pobre, imigrantes, migrantes internos), apesar da baixa qualificação; produção de energia a vapor, antes da elétrica (FAUSTO, 1995, 2006a, 2006b).

Fausto (1995) faz uma síntese de como se apresentava a produção industrial no Brasil nas primeiras décadas do século XX: em 1907, o Distrito Federal (Rio de Janeiro) estava à frente com 33,2% da produção, seguido de São Paulo, com 16,6%, e Rio Grande do Sul, com 14,9%. Em 1920, São Paulo ocupava o primeiro lugar, com 31,5%, o Distrito Federal caiu para 20,8%, e o Rio Grande do Sul, para 11%.

Prado Júnior (1981), assinala que, em São Paulo, a concentração industrial ocorreu em função do desenvolvimento do setor cafeeiro no Oeste do estado, trazendo-lhe riqueza e população; da imigração, que contribuiu com melhorias na habilitação técnica, pois o trabalhador europeu, nesse quesito, era bem superior ao nacional recém-egresso da escravidão ou de outras formas de trabalho similares àquela; e, pela abundância de energia hidráulica, que já poderia ser aproveitada sob a forma de eletricidade.

Contudo, com relação ao papel exercido pelo Estado na industrialização, Fausto (1995, p. 289) destaca que:

A principal preocupação do Estado não estava voltada para a indústria, mas para os interesses agroexportadores. Entretanto, não se pode dizer que o governo tenha adotado um comportamento antiindustrialista. Houve proteção governamental em certos períodos à importação de maquinaria, reduzindo-se as tarifas da alfândega. Em alguns casos, o Estado concedeu empréstimos e isenção de impostos para a instalação de indústrias de base. […] Resumindo, se o Estado não foi um adversário da indústria, esteve longe de manter uma política deliberada de desenvolvimento industrial.

Os comentários de Fausto (1995) vão ao encontro das análises tecidas por Luz (1978). Essa pesquisadora frisa que Rui Barbosa, por ser liberal, declarava-se, no parlamento imperial, “intransigentemente hostil” a qualquer proteção à indústria. No entanto, ao assumir o Ministério da Fazenda quando da Proclamação da República, Barbosa transigiu com as suas ideias e reconheceu a necessidade de desenvolver a indústria nacional, vendo-a como importante para a consolidação do novo regime. Para que esse desenvolvimento se processasse, Rui Barbosa realizou “um protecionismo moderado e lento, apenas suficiente para preparar a indústria, a fim de que, numa época mais ou menos próxima, pudesse prescindir do amparo aduaneiro. Acalmava assim seus escrúpulos de liberal, projetando para o futuro a vitória do regime de livre troca no Brasil” (LUZ, 1978, p. 169).

Diante desse quadro, Fausto (1995, 2006b) ressaltou a intensificação dos movimentos sociais urbanos do final do século XIX e primeiras décadas do XX. As cidades concentravam numerosos trabalhadores das fábricas e do setor de serviços. A circulação de pessoas também ampliava a divulgação

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de ideias. Apesar disso, o autor salienta que os movimentos eram ainda tímidos dada à repressão policial e o medo de muitos trabalhadores entrar na “lista negra” e não conseguir um novo emprego. Assim, as greves só tinham forte repercussão quando eram gerais ou paralisavam as ferrovias e os portos, setores importantes para a agroexportação. Apesar disso, Fausto (1995) comenta acerca da criação de sindicatos, em fins do século XIX, no Rio de Janeiro, embora, conforme esse autor, estes fossem mais “de resultados”. Já em São Paulo, predominou o anarquismo na sua corrente anarco-sindicalista, predominantemente composta por imigrantes (sobretudo italianos) defensores da greve geral como luta revolucionária que acabaria com o Estado burguês. Esses imigrantes compunham 82,5% da mão de obra ocupada na indústria em São Paulo (FAUSTO, 2006b).

Em síntese, Fausto (1995, p. 299) afirma que: “Desde o início da Primeira República, surgiram expressões de organização e mobilização dos trabalhadores: partidos intitulados de operários […]; sindicatos, greves. Os anarquistas tentaram mesmo organizar a classe operária em nível nacional, com a criação da Confederação Operária Brasileira em 1906”.

Portanto, não surpreende o fato de o Governo Federal, no Decreto n.º 7.566/1909, considerar como justificativas para a criação das EAA:

[…] o augmento constante da população das cidades exige que se facilite ás classes proletarias os meios de vencer as difficuldades sempre crescentes da lucta pela existencia; que para isso se torna necessario, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensavel preparo technico e intellectual, como faze-los adquirir habitos de trabalho proficuo, que os afastará da ociosidade ignorante, escola do vicio e do crime; que é um dos primeiros deveres do Govêrno da República formar cidadãos úteis à Nação (BRASIL, 1909).

Portanto, o público-alvo daquelas escolas eram as classes populares; o principal objetivo dessa ação educacional era capacitar jovens pobres para a prática do trabalho de caráter tácito, manual e repetitivo. Usava-se como pretexto para esse tipo de formação o afastamento da ociosidade, dos vícios e dos crimes. Tentava-se evitar possíveis problemas sociais pautados em preconceitos naturalizados, haja vista que a pobreza era assimilada à prática de crimes. Nessa perspectiva, o ensino profissional pautava-se numa pedagogia tanto preventiva quanto corretiva (CAIRES; OLIVEIRA, 2016; MANFREDI, 2016).

Os aspectos assistencialista, preventivo e disciplinador das EAA precisam ser considerados no contexto histórico e socioeconômico do início da República no Brasil, marcado pelo fim da escravidão, intensificação da imigração, desenvolvimento da cafeicultura e da indústria (mesmo restrita aos grandes centros), da urbanização e do trabalho assalariado, mas também da organização desses trabalhadores em associações e sindicatos, daí o porquê de o Decreto n.º 7.566/1909 ter a finalidade de “formar cidadãos úteis à Nação” (BRASIL, 1909).

Explicitava-se um problema educacional em nível nacional, o da “[…] dualidade e fragmentação: educação acadêmica para as ‘elites condutoras’ e formação profissional básica acelerada para os pobres que necessitam ingressar precocemente na força de trabalho” (CORDÃO; MORAES, 2017, p. 27). Aliás, é importante ressaltar que a dualidade na educação, tomando-a na sua forma ampla, não é um traço apenas da educação brasileira, mas fruto da cisão da sociedade em classes, como nos explicam Manacorda (1992), Saviani (1989, 2007), dentre outros.

Nesse cenário, era importante, para uma nação que desejava alcançar o progresso, alfabetizar sua população e dar-lhe um conhecimento básico, daí a oferta, em cada EAA, de dois cursos noturnos obrigatórios: um primário (para os analfabetos) e outro de desenho, este propugnado por vários

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intelectuais da época, dentre os quais Rui Barbosa. No entanto, as condições de funcionamento dessas escolas eram precárias como enfatizam Cunha (2005) e Santos (2011). Para este último, as EAA “foram implantadas em edifícios inadequados e com suas oficinas apresentando precárias condições de funcionamento. A escassez de mestres de ofícios especializados e de professores qualificados foram fatores decisivos, que influenciaram diretamente na baixa eficiência apresentada pela rede” (SANTOS, 2011, p. 212-213). Somam-se a esses problemas, as dificuldades que os jovens tinham de se manter na escola, visto que muitos precisavam trabalhar para contribuir no sustento da família, geralmente extensas, daí a altíssima evasão apresentada por Fonseca (1961): dos 2.118 alunos matriculados nas EAA, em 1910, apenas 1.248 frequentaram as aulas.

Apesar das críticas tecidas às EAA, Ramos (2014, p. 25) as considera como “um grande passo ao redirecionamento da educação profissional no país, pois ampliou o seu horizonte de atuação para atender necessidades emergentes dos empreendimentos nos campos da agricultura e da indústria”. Em seguida, a autora comenta: “chega-se às décadas de 30 e 40, marcadas por grandes transformações políticas, econômicas e educacionais na sociedade brasileira”.

Em 1920, foi criado o Serviço de Remodelação do Ensino Profissional Técnico, sob a forma de comissão, para inspecionar o funcionamento das escolas e propor medidas que remodelassem o ensino profissional, com vistas a torná-lo mais eficiente. Cabia a esse Serviço a construção de prédios escolares mais adequados, a substituição dos mestres de ofício (considerados despreparados para o exercício da função) e o aparelhamento das oficinas. Além disso, dada à inexistência no país de livros técnicos em português, para uso nas escolas profissionais, essa comissão incluiu, em seu programa, a tarefa de elaborar compêndios relativos à tecnologia de ofícios. Tendo à frente o engenheiro João Luderitz, o Serviço de Remodelação se constituiu, a partir de 1921, por administradores e mestres (ex-alunos) do Instituto Parobé da Escola de Engenharia de Porto Alegre (SOARES, 1982).

A ascensão de Getúlio Vargas ao poder, por meio da chamada Revolução de 1930, marcou os cenários socioeconômico, político e o educacional brasileiros. As EAA passaram a ser geridas pelo Ministério da Educação e Saúde Pública, criado logo após a posse de Vargas. Dois anos depois, o Decreto nº 21.353/1932 (BRASIL, 1932) aprovou o regulamento da Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, órgão que substituiu o Serviço de Remodelação do Ensino Profissional Técnico. Essa Inspetoria tinha a finalidade de coordenar a gestão dessas escolas, e, em 1934, foi transformada em Superintendência do Ensino Profissional, mediante o Decreto n.º 24.558/1934 (BRASIL, 1934), o qual explicita as motivações para essa mudança, relacionada à preocupação do governo Vargas em ampliar e qualificar a formação da mão de obra para atender o processo de industrialização que visava incentivar. Citamos algumas:

Considerando que a evolução das indústrias nacionais impõe a adaptação do ensino indispensável á formação dos operários ás exigências da técnica moderna;

Considerando que atualmente êste ramo educativo está restricto, nos estabelecimentos oficiais, a uma organização que apenas atende á formação de artífices para as profissões elementares;

Considerando que a falta de operários graduados e de contramestres é, além da manifesta, penosamente sentida nas fábricas e nas oficinas;

Considerando que as indústrias nacionais já exigem um operariado com conhecimentos especializados e de nível superior ao do ensino primário […] (BRASIL, 1934).

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As EAA existiram até 1937, quando, mediante a Lei n.º 378, de 13 de janeiro (BRASIL, 1937a) o presidente Getúlio Vargas transformou-as em Liceus Industriais. Essa lei também extinguiu a Escola Normal de Artes e Ofícios Wenceslau Braz, inaugurada em 1918, com o objetivo de formar professores para o ensino profissional. Segundo Souza e Rodrigues (2017, p. 624), o funcionamento dessa instituição sempre foi questionado em face de sua finalidade, “haja vista ter sido concebida como um espaço para a formação de mestres para as oficinas escolares, o que não veio a se concretizar devido a preponderância da presença feminina nessa escola e consequente consolidação dos cursos voltados para esse público específico”.

3.2 Formar o trabalhador para além do ensino primário

O Decreto n.º 24.558/1934 que deu origem à Superintendência do Ensino Profissional deixou patente, nas suas justificativas, a necessidade de qualificação de mão de obra para a indústria, pois, conforme o documento, estas necessitavam de um operariado com conhecimentos especializados e com um nível de instrução acima do ensino primário (BRASIL, 1934).

Não por mera coincidência, três anos depois, a Lei n.º 378/1937 vem estabelecer, no seu artigo 37, que “A Escola Normal de Artes e Officios Wencesláo Braz e as escolas de aprendizes artífices, mantidas pela União, serão transformadas em lyceus, destinados ao ensino profissional, de todos os ramos e gráos”. Além disso, no parágrafo único dessa lei, destaca-se que “Novos lyceus serão instituidos, para propagação do ensino profissional, dos varios ramos e gráos, por todo o territorio do Paiz” (BRASIL, 1937a).

A criação dos Liceus Industriais tinha relação direta com o projeto do governo Vargas para o desenvolvimento da industrialização de substituição das importações no Brasil. Como sublinha Sodré (1967, p. 277), “Getúlio era a expressão de uma economia interna fundada particularmente no avanço das relações capitalistas”. A partir da Revolução de 1930, tratou de criar as condições para a rápida expansão do capitalismo no Brasil, entravado pelas oligarquias latifundiárias. O caráter nacionalista do seu governo fica evidente em um trecho do seu discurso, no governo provisório (1930-1934), em Belo Horizonte: “devemos aceitar, como postulado cívico, o compromisso de ampliar as nossas lavouras e aperfeiçoar as nossas indústrias, de forma tal que passe a ser considerado deslize de patriotismo alimentarmo-nos e vestirmo-nos com tecidos ou gêneros importados” (VARGAS apud SODRÉ, 1967, p. 277).

Brum (2011, p. 185) analisa o perfil da industrialização nesse período:

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A meta de industrialização do país, para efetivar-se exigia vultosos investimentos, particularmente em infra-estrutura e na produção de insumos básicos. Não havia no país capitais privados suficientes, nem capitalistas empreendedores. Nos anos 30 não havia também disponibilidade de capitais estrangeiros, em decorrência da crise mundial desencadeada em 1929. Em consequência, a industrialização só podia ser levada adiante pela ação do Estado. Este foi assumindo progressivamente o papel de principal agente do desenvolvimento capitalista brasileiro. Portanto, um capitalismo capitaneado pelo Estado, quer exercendo a função de produtor (Estado-empresário), quer a função de protetor da indústria nacional em face da concorrência estrangeira. Nas condições existentes na época, só empresas estatais podiam assumir a responsabilidade de investimentos de alto risco, elevado volume de capital, longo tempo de maturação e retorno lento e demorado.

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O Estado, ao assumir o controle da indústria nacional, precisava criar as condições para que esta viesse a se consolidar. A qualificação da mão de obra estava entre essas condições, daí a criação de novos liceus e a verticalização do ensino nessas instituições com a oferta de cursos em todos os ramos e graus, conforme encontramos na Lei n.º 378/1937 (BRASIL, 1937a), significando um avanço no ensino profissional se comparado às EAA, que prestavam apenas formação técnica de nível primário. Nesse sentido, Fernandes (2017, p. 36, grifo nosso) comenta que a transformação das EAA efetivava “o objetivo do projeto nacional de expansão da educação, visando atender às mudanças das exigências de formação de mão de obra do padrão artesanal para uma produção mais especializada, requerida pelo estágio do desenvolvimento industrial”.

Embora possamos ver um princípio de verticalização na transformação das EAA em Liceus Industriais, Otranto (2010, p. 2) ressalta que isso foi apenas mais uma “[…] mudança que pouco alterou os objetivos das antigas instituições”, uma vez que as novas continuariam formando sob os mesmos ideais tecnicistas para atenderem às demandas da indústria nacional. O comentário da autora é procedente dada à urgência pela formação de operários para as indústrias, que cresciam em número, sobretudo em decorrência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando as importações se tornaram mais difíceis de serem feitas. Aliás, foi no auge desse conflito que Vargas fez acordos com os Estados Unidos para a instalação da indústria de base no Brasil, possibilitando, assim, uma aceleração do processo de industrialização. Quanto a isso, Ianni (1977, p. 32) comenta: “Parece que o governo brasileiro estava procurando extrair vantagens econômicas da adesão às ‘nações aliadas’ […]. As exigências da economia de guerra (defesa nacional e indústria de base) precipitaram as condições finais à instalação da ‘grande siderúrgica’”.

Os números apresentados por Sodré (1967, p. 291) atestam esse crescimento: “Entre 1920 e 1929 haviam sido criados 4.697 estabelecimentos industriais com capital realizado de Cr$ 6.723.093.000; entre 1930 e 1939 foram criados 12.232 estabelecimentos, com capital realizado de Cr$ 9.783.195.000; entre 1940 a 1949 foram criados 60.682 estabelecimentos com capital realizado de Cr$ 15.818.109”. O autor ressalta que, em 1939, quando se realizou a primeira estimativa da renda nacional, a indústria apresentava uma participação na ordem de 13%.

Essa expansão econômica exigiu investimentos em políticas públicas educacionais para ampliar a oferta de ensino técnico e capacitar os trabalhadores, como explica Gurgel (2007, p. 107):

As exigências por mudanças no campo educacional não significaram a instituição de um sistema escolar que atendesse às demandas sociais (principalmente quanto à diminuição do analfabetismo) e econômicas (qualificação de mão-de-obra na velocidade que o sistema queria). Na realidade, as políticas no campo da educação passaram a ser orientadas para atender às novas exigências desse processo de industrialização que veio a favorecer, por sua vez, o crescimento da população urbana.

A formação para o trabalho também tinha caráter dualista e assistencialista nos Liceus. Podemos fazer essa inferência ao verificarmos o que determinava o artigo 129 da Constituição Federal de 1937:

Art. 129 - À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais.

O ensino pré-vocacional profissional destinado às classes menos favorecidas é em matéria de educação o primeiro dever de Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais.

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É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera da sua especialidade, escolas de aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado, sobre essas escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo Poder Público (BRASIL, 1937b, não paginado, grifos nossos).

Percebe-se que a dualidade era confirmada e oficializada pela “Constituição Polaca”, ao ser explicitado que a oferta do ensino pré-vocacional profissional deveria ser destinada às classes populares. Esse era o cenário educacional para os pobres que também estudavam nos Liceus Industriais, à época. Permitia-lhes uma inclusão social, possibilitando-lhes estudos e oportunidades de conseguir um emprego nas indústrias, mas, ao mesmo tempo, limitava-lhes o crescimento ao mostrar o “lugar” que lhes cabia na sociedade.

A década de 1940 exigiu dos industriais uma nova postura em relação à formação profissional, haja vista que a industrialização se ampliava. Devido a esse cenário, foi promulgada, no período de 1942 a 1946, pelo então ministro Gustavo Capanema, uma nova legislação contendo um conjunto de decretos, cuja finalidade era normatizar e estruturar a educação brasileira.

As Leis Orgânicas, também conhecida como Reforma Capanema, foram implantadas, gradativamente, e tinham relação com os vários setores produtivos. Com relação ao objeto deste artigo, damos ênfase ao Decreto-Lei n.º 4.073, de 30 de janeiro de 1942 (BRASIL, 1942a), a Lei Orgânica do Ensino Industrial3. Os artigos 3º e 4º do capítulo 1º dessa Lei demonstram o empenho do Estado com a formação de mão de obra para o mercado, embora não estivesse mais declarado, como nas EAA, que o ensino profissional se destinaria aos “desfavorecidos da fortuna” ou os “desvalidos da sorte”:

Art. 3º O ensino industrial deverá atender:

1. Aos interesses do trabalhador, realizando a sua preparação profissional e a sua formação humana.

2. Aos interesses das empresas, nutrindo-as, segundo as suas necessidades crescentes e mutáveis, de suficiente e adequada mão de obra.

3. Aos interesses da nação, promovendo continuamente a mobilização de eficientes construtores de sua economia e cultura.

Art. 4º O ensino industrial, no que respeita à preparação profissional do trabalhador, tem as finalidades especiais seguintes:

1. Formar profissionais aptos ao exercício de ofícios e técnicas nas atividades industriais.

2. Dar a trabalhadores jovens e adultos da indústria, não diplomados ou habilitados, uma qualificação profissional que lhes aumente a eficiência e a produtividade.

3. Aperfeiçoar ou especializar os conhecimentos e capacidades de trabalhadores diplomados ou habilitados.

4. Divulgar conhecimentos de atualidades técnicas.

Parágrafo único. Cabe ainda ao ensino industrial formar, aperfeiçoar ou especializar professores de determinadas disciplinas próprias desse ensino, e administradores de serviços a esse ensino relativos (BRASIL, 1942a).

3 Além da Lei Orgânica do Ensino Industrial, foram criados mais 7 Decretos-Leis: Decreto-Lei nº 4.048, de 22 de janeiro de 1942, que cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942 (Lei Orgânica do Ensino Secundário); Decreto-Lei nº 6.141, de 28 de dezembro de 1943 (Lei Orgânica do Ensino Comercial); Decreto-Lei nº 8.529, de 2 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Primário); Decreto-Lei nº 8.530, de 2 de janeiro de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Normal); Decreto-Lei nº 8.621, de 10 de janeiro de 1946 (Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio - SENAC) e o Decreto-Lei nº 9.613, de 20 de agosto de 1946 (Lei Orgânica do Ensino Agrícola).

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Fonseca (1961, p. 266), salienta a importância dessa Lei Orgânica: “Deixava êle [o ensino industrial], assim, de pertencer ao grau primário, situando-se no mesmo nível que o secundário. Enorme passo fôra dado, subira de categoria o ensino industrial. Esta providência permitiria a sua articulação com outras modalidades de ensino”. Adiante, o autor reforça as vantagens da Lei, não limitando mais o “ensino industrial”, às camadas pobres: “Com a possibilidade de ingresso dos estudantes secundários nos cursos técnicos e a permissão de matrícula, em seguida, nas escolas de engenharia, mudou muito o ambiente social do ensino industrial […] também, procurado pela classe possuidora de maiores possibilidades financeiras” (FONSECA, 1961, p. 270).

As Leis Orgânicas implantaram duas importantes mudanças: o deslocamento do Ensino Profissional para o grau médio e a criação dos Cursos Técnicos “destinados ao ensino de técnicas, próprias ao exercício de funções de caráter específico na indústria” (BRASIL, 1942a). De acordo com Fonseca (1961, p. 270):

Os cursos técnicos, que teriam currículo de três anos, constituiriam uma novidade para o Brasil. Até então não existira entre mestres e engenheiros um elemento com formação especial capaz de ligar as duas classes, servindo de auxiliar aos engenheiros na administração das oficinas, um elemento que representasse, na indústria, o papel que os sargentos desempenham no Exército. A Lei Orgânica previa essa nova função, de cuja falta, aliás, já se ressentia a indústria, aparecendo, a categoria de profissionais que receberiam a denominação de técnicos.

Embora existisse, de fato, um avanço no ensino profissional ao torná-lo de nível Secundário, o livre acesso a quaisquer cursos superiores não era permitido aos egressos dos cursos técnicos, mas apenas o ingresso num curso superior que tivesse relação direta com a habilitação do curso técnico que haviam concluído, ou seja, uma forma de desestimular o acesso das classes populares ao Ensino Superior (CUNHA, 2000, 2014; CAIRES; OLIVEIRA, 2016).

Importa salientar que, na década de 1950, mediante as chamadas “Leis de Equivalência” – Lei n.º 1.076/1950, Lei n.º 1.821/1953 e Lei n.º 3.552/1959 - (BRASIL, 1950, 1953, 1959) houve uma quebra na rigidez do currículo estabelecido pela Reforma Capanema. Para Medeiros Neta et al. (2018), essas leis oportunizaram a democratização do ensino através da verticalização de estudos também aos egressos da educação profissional, contrapondo-se ao dualismo do sistema educacional brasileiro, estabelecido pelas Leis Orgânicas, que distanciava ainda mais a educação propedêutica da educação profissional.

Saviani (2008, p. 269) frisa que esse conjunto de reformas educacionais tinha caráter dualista, centralista e burocrático, justamente por separar a formação secundária, destinada às elites, da formação profissional, ofertada às camadas populares. Nesse contexto, era concedido “apenas ao ramo secundário a prerrogativa de acesso a qualquer carreira de nível superior; corporativista, pois vinculava estreitamente cada ramo ao tipo de ensino as profissões e ofícios requeridos pela organização social”.

A oferta do ensino técnico pelas instituições federais de ensino passou por nova mudança a partir da promulgação do Decreto-Lei n.º 4.127, de 25 de fevereiro de 1942 (BRASIL, 1942b), responsável por estabelecer as bases organizacionais da Rede Federal, composta por estabelecimentos que ofertavam ensino industrial. De acordo com o artigo 1º desse Decreto, “A rede federal de estabelecimentos de ensino industrial será constituída de: a) escolas técnicas; b) escolas industriais; c) escolas artesanais; d) escolas de aprendizagem” (BRASIL, 1942b), assim resumidos por Fonseca (1961, p. 271): “Técnicas, aquelas em que se ministrassem cursos técnicos; industriais, as voltadas para cursos industriais; artesanais e de aprendizagem quando, respectivamente, tivessem como finalidade dar cursos artesanais ou de aprendizagem”.

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Nesse período, os Liceus Industriais foram transformados em Escolas Industriais ou Escolas Técnicas, conforme o ensino ofertado por cada uma delas. Fernandes (2017, p. 48) ressalta a distinção entre ambas: “[…] as Escolas Técnicas passaram a atuar no 2º ciclo com cursos técnicos para estudantes egressos do 1º ciclo e as Escolas Industriais a atuar no 1º ciclo com cursos industriais (ginásios) com o objetivo de receber os estudantes oriundos do curso primário”. No que se refere à formação proposta pela Rede Federal, Fernandes (2017) e Otranto (2010) ressaltam que as Escolas Industriais e Técnicas ofertavam formação profissional em nível equivalente ao Secundário, como já era previsto pela Lei Orgânica do Ensino Industrial.

Na década de 1950, na gestão do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), seu ideal desenvolvimentista, expresso no Plano de Metas cujo lema era avançar “50 anos em 5”, conduziu o Brasil a um rápido crescimento econômico, apoiado em três setores essenciais da economia: indústria, transporte e energia. Brum (2011) compreende o desenvolvimentismo da era JK como um modelo de desenvolvimento dirigido para a aceleração do crescimento econômico com vistas a reduzir as distâncias, em termos de industrialização e renda, entre o Brasil e os países considerados desenvolvidos. Para tanto,

o Estado deveria desempenhar a função de principal agente indutor do processo, quer sinalizando os rumos da economia e direcionando os investimentos, quer investindo diretamente em setores fundamentais como infra-estrutura e indústria básica. O governo, atuando como instrumento deliberado e efetivo do desenvolvimento econômico, passava a utilizar, em grau acelerado, recursos adicionais, extraídos compulsoriamente da sociedade ou buscados no exterior (BRUM, 2011, p. 207-208).

Muitos estudos mostram as consequências socioeconômicas trazidas pela política de JK: endividamento externo e interno, inflação, concentração econômica, ampliação do número de multinacionais (principalmente americanas), dentre outras. Cedro (2019) afirma que, para atrair o capital privado, o Estado concedeu condições fiscais, cambiais e creditícias que asseguraram a importação de equipamentos para os setores priorizados pelo Plano de Metas. Ademais, o governo garantiu ao empresariado nacional sustentar um alto nível da demanda interna e assegurar mercados competitivos aos seus produtos. Os dados da Tabela 1 expressam a economia nacional do período JK.

Tabela 1. Desempenho econômico-financeiro do governo JK (1956-1961)

Ano Crescimento do PIB (%) Inflação (%) Déficit público (% da receita) Endividamento externo (em milhões de dólares)

1955 8,8 12,15 13,7 1.445

1956 2,9 24,54 44,5 2.694 7,7 38,4 2.658

1958 10,8 3.069

1959 9,8 3.392

1960 9,4 16,8 3.907

Francisco das Chagas Silva Souza, Edilana Carlos da Silva Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 236-266, maio/ago.

Fonte: Adaptada de Brum (2011, p. 214) baseado em dados do IBGE, Banco Central do Brasil e Folha de São Paulo.

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2022
1957
6,96
24,40 26,0
39,42 16,8
30,46

A ampliação das indústrias nacionais e estrangeiras foi extraordinária no governo JK, sobretudo da indústria de bens de consumo duráveis e de bens de capital, apesar de esta ainda ter sido tímida para as necessidades da época. Entretanto, Teixeira e Totini (1989, p. 201) ressaltam que, no Brasil, não se implantou uma indústria de base autônoma, “capaz de produzir-se e aperfeiçoar-se tecnologicamente por si mesma. Até a década de 70, a maior parte das máquinas e equipamentos industriais, motores e turbinas, laminadores, fertilizantes e outras matérias-primas de uso industrial e agrícola continuava a ser importada”.

Para Ianni (1977), o que é essencial para a compreensão do governo JK e da sua política econômica é que se adotou uma estratégia de desenvolvimento que acabou com consolidar o capitalismo dependente ou associado. Para esse sociólogo, o que distinguiria o governo de JK da era Vargas é o fato de ter havido uma “transição (casual ou deliberada […]) de uma política destinada a criar um sistema capitalista nacional para uma política orientada para o desenvolvimento econômico dependente” (IANNI, 1977, p. 149-150).

Diante desse cenário, não surpreende a necessidade de intensificar a formação de trabalhadores para essas indústrias, desde as instruções básicas às mais qualificadas. Fernandes (2017, p. 68) frisa que: “Entre as metas integrantes do Plano de desenvolvimento econômico do Governo Juscelino Kubitschek, a educação foi contemplada por meio de […] investimentos para a formação profissional de técnicos, visando atender às necessidades emergentes do processo de expansão industrial”. Para o autor, como forma de estímulo, foi dada autonomia didática-administrativa às Escolas Industriais e Técnicas da Rede Federal, por meio da Lei n.º 3.552, de 16 de fevereiro de 1959 (BRASIL, 1959). Apesar disso, a verticalização do ensino ainda se mantinha limitada ao nível secundário, haja vista que a finalidade dessas instituições era formar mão de obra, em massa, para as indústrias.

O autor supracitado, ao se referir à primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (BRASIL, 1961), no que se tange à Educação Profissional, destaca que “o nível técnico foi equiparado ao colegial secundário, garantindo aos estudantes provenientes do ensino profissional, igualmente aos oriundos do secundário, a continuidade de seus estudos para o ensino de grau superior, além da movimentação entre os ramos do ensino secundário e técnico” (FERNANDES, 2017, p. 58).

Teoricamente foi permitido aos egressos dos cursos técnicos a continuação de suas formações em nível superior em qualquer área. Porém, esse instrumento normativo, que indicava o final do sistema dual de ensino, devido à suposta superação do paralelismo entre a formação para as elites e a para o trabalho, na prática, “[…] não se concretizou, uma vez que os currículos escolares não incorporaram essas modificações, permanecendo os ‘científicos’ totalmente voltados para conduzir as elites ao ensino superior, enquanto os ‘profissionalizantes’ eram direcionados, sobretudo, à formação para o trabalho” (FERNANDES, 2017, p. 58).

Os primeiros anos da década de 1960 foram de crises geradas pelo modelo desenvolvimentista de JK, e de mobilizações populares no campo, principalmente com a ampliação das Ligas Camponesas; e nas cidades, organizadas pelos sindicatos e pelos partidos de esquerda. As Reformas de Base anunciadas pelo presidente João Goulart foram vistas como ações voltadas aos interesses dos comunistas. A burguesia nacional, aliada ao capital estrangeiro; setores da igreja católica; e com apoio dos Estados Unidos arquitetaram e respaldaram o golpe militar desferido em 31 de março de 1964, iniciando uma série de governos autoritários nas mãos dos presidentes militares que perdurou até 1985.

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PolíticaseducacionaiseverticalizaçãodaEducaçãoProfissionaleTecnológicanoBrasil(séculosXXeXXI)

Durante o governo dos militares, o intervencionismo econômico do Estado tornou-se ainda mais forte, levando a uma grande concentração de capitais no setor privado. Inúmeras empresas nacionais e estrangeiras, das mais diversas áreas econômico-financeiras, associaram-se ou fundiram-se, formando grandes oligopólios. Segundo Teixeira e Totini (1989, p. 213), “dos 336 bancos existentes no país em 1964, restavam apenas 165 em 1970. Destes, menos de 20 eram considerados grandes bancos, pelo seu capital e seu volume de depósitos”.

A política econômica dos primeiros governos militares elevou o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro durante vários anos seguidos, fato que ficou conhecido como “Milagre Brasileiro”, cujo carrochefe foi a indústria. De 1970 a 1973, a indústria de transformação cresceu acima de 14% ao ano e a de bens de consumo duráveis, 25%. Uma ampliação que também ocorreu na indústria de base e na de bens de consumo mais populares (TEIXEIRA; TOTINI, 1989). Esse “milagre” tinha como alicerces: a empresa estatal, o grande capital nacional e o capital estrangeiro.

Mas, a sustentação desse crescimento dependia, além de capital, de uma mão de obra com melhor qualificação, sendo necessárias medidas urgentes para resolverem essa limitação. A tentativa mais ousada de solucionar o problema foi a sanção da Lei n.º 5.692, em 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971), por meio da qual, os antigos ensinos primário e ginasial foram unificados no curso de 1º grau de 8 anos. A lei também instituiu a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau. Para Cury et al. (1982, p. 23), “pela primeira vez na história da educação brasileira foi menosprezada a função propedêutica do 2° grau e se procurou explicitamente aliar a função formativa à profissionalizante”.

Nesse sentido, faz-se necessário destacar os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 5º dessa Lei:

§ 1º Observadas as normas de cada sistema de ensino, o currículo pleno terá uma parte de educação geral e outra de formação especial, sendo organizado de modo que: a) no ensino de primeiro grau, a parte de educação geral seja exclusiva nas séries iniciais e predominantes nas finais; b) no ensino de segundo grau, predomine a parte de formação especial

§ 2º A parte de formação especial de currículo: a) terá o objetivo de sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, no ensino de 1º grau, e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau;

b) será fixada, quando se destina a iniciação e habilitação profissional, em consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à vista de levantamentos periòdicamente renovados.

§ 3º Excepcionalmente, a parte especial do currículo poderá assumir, no ensino de 2º grau, o caráter de aprofundamento em determinada ordem de estudos gerais, para atender a aptidão específica do estudante, por indicação de professôres e orientadores (BRASIL, 1971, grifos nossos).

É possível perceber a relação direta da Lei n.º 5.692/1971 (BRASIL, 1971) com a formação para de trabalhadores qualificados para o mercado. Esta já teria início no ensino de 1º grau, com a sondagem de aptidões, e se aprofundaria no 2º grau nas habilitações profissionais. Quanto a estas, consoante o artigo 6º dessa Lei, poderiam ser realizadas em regime de cooperação com as empresas.

Para Cunha (2005, 2014), essa lei visava resolver também o problema da falta de vagas no Ensino Superior. Com o avanço da escolarização em nível secundário, crescia, cada vez mais, a procura pelas universidades, as quais eram poucas e não suportavam a demanda. Nesse sentido, acreditava-se que a Lei n.º 5.692/1971 (BRASIL, 1971), ao tornar profissionalizante o ensino de 2º grau, deixaria as vagas do Ensino Superior “livres” para as classes mais abastadas, enquanto os egressos dos cursos técnicos se contentariam com um emprego em algum setor da economia que necessitasse de mão de obra.

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Entretanto, segundo Cunha (2005, 2014), as coisas não saíram conforme o planejado. Problemas como a falta de recursos e de estrutura das escolas, a carência de professores qualificados pera lecionar disciplinas técnicas, e as reações da sociedade revelaram as suas limitações, levando a uma “reforma da reforma”, em 1975, mediante o Parecer n.º 76/1975, que “dizia não pretender eliminar as 130 habilitações profissionais já aprovadas pelo Parecer n.º 45/72, mas agrupá-las em algumas famílias de habilitações básicas, como saúde, edificações, eletrônica, administração e comércio, entre outras” (CUNHA, 2005, p. 203, grifos do autor).

Como os problemas não foram superados e continuaram as dificuldades de implantação do ensino profissionalizante nas escolas, a obrigatoriedade imposta pela Lei n.º 5.692/1971 (BRASIL, 1971) foi flexibilizada por meio da Lei n.º 7.044, de 18 de outubro de 1982, a qual determinou, no parágrafo 2º, do artigo 4º, que: “À preparação para o trabalho, no ensino de 2º grau, poderá ensejar habilitação profissional, a critério do estabelecimento de ensino” (BRASIL, 1982, grifo nosso).

3.3 A formação de mão de obra especializada de nível superior

De acordo com Cury et al. (1982, p. 23), “o surgimento de grandes empresas no País teve como consequência o aumento do número de ocupações de nível mais elevado, isso se deu em decorrência da inovação que representavam e da consequente carência, em termos quase absolutos, de pessoal especializado”. Logo, era necessário que as instituições de ensino profissionalizante, como eram chamadas à época, ofertassem cursos que suprissem essa demanda, daí o Decreto-Lei n.º 547, de 18 de abril de 1969 (BRASIL, 1969) autorizar o funcionamento de cursos profissionais superiores de curta duração. O seu artigo 1º expressa:

As Escolas Técnicas Federais mantidas pelo Ministério da Educação e Cultura poderão ser autorizadas a organizar e manter cursos de curta duração, destinados a proporcionar formação profissional básica de nível superior e correspondentes às necessidades e características dos mercados de trabalho regional e nacional. (BRASIL, 1969, não paginado).

Na década seguinte, a Lei n.º 6.545, de 30 de junho de 1978 (BRASIL, 1978), transformou as Escolas Técnicas Federais do Paraná, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET). As novas instituições possuíam natureza jurídica de autarquias federais, com autonomia técnica, financeira, didática e de gestão asseguradas. O artigo 2º dessa Lei apresenta os objetivos estrategicamente elaborados para que as instituições ofertassem cursos superiores:

I - ministrar ensino em grau superior: a) de graduação e pós-graduação, visando à formação de profissionais em engenharia industrial e tecnólogos;

b) de licenciatura plena e curta, com vistas à formação de professores e especialistas para as disciplinas especializadas no ensino de 2º grau e dos cursos de formação de tecnólogos;

II - ministrar ensino de 2º grau, com vistas à formação de auxiliares e técnicos industriais;

III - promover cursos de extensão, aperfeiçoamento e especialização, objetivando a atualização profissional na área técnica industrial;

IV - realizar pesquisas na área técnica industrial, estimulando atividades criadoras e estendendo seus benefícios à comunidade mediante cursos e serviços (BRASIL, 1978, não paginado).

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Cunha (2005) compreende a criação dos CEFET como uma maneira encontrada, pelo governo federal, de desviar uma parcela de candidatos ao Ensino Superior para essas instituições, disponibilizando lhes cursos de curta duração e de menor valor econômico e simbólico. Assim, ao contrário de uma valorização das escolas técnicas, esse autor afirma que “a ‘cefetização’ representou, na verdade, um desvalor dessas instituições pela manutenção de sua situação apartada da universidade […] mais uma forma pela qual se processa a reprodução ampliada da dualidade da educação brasileira” (CUNHA, 2005, p. 211).

Mais tarde, na presidência de Itamar Franco (1992-1994), foi instituído, pela Lei n.º 8.948, de 8 de dezembro de 1994, o Sistema Federal de Educação Tecnológica, com a finalidade de “permitir melhor articulação da educação tecnológica, em seus vários níveis, entre suas diversas instituições, […], visando o aprimoramento do ensino, da extensão, da pesquisa tecnológica, além de sua integração os diversos setores da sociedade e do setor produtivo” (BRASIL, 1994). No que diz respeito à transformação das Escolas Técnicas Federais em CEFET, destacamos os parágrafos 1º, 3º e 5º do artigo 3º:

§ 1º A implantação dos Centros Federais de Educação Tecnológica de que trata este artigo será efetivada gradativamente, mediante decreto específico para cada centro, obedecendo a critérios a serem estabelecidos pelo Ministério da Educação e do Desporto, ouvido o Conselho Nacional de Educação Tecnológica.

§ 3º Os critérios para a transformação a que se refere o caput levarão em conta as instalações físicas, os laboratórios e equipamentos adequados, as condições técnico-pedagógicas e administrativas, e os recursos humanos e financeiros necessários ao funcionamento de cada centro.

§ 5o A expansão da oferta de educação profissional, mediante a criação de novas unidades de ensino por parte da União, somente poderá ocorrer em parceria com Estados, Municípios, Distrito Federal, setor produtivo ou organizações não-governamentais, que serão responsáveis pela manutenção e gestão dos novos estabelecimentos de ensino (BRASIL, 1994, não paginado).

A transformação das Escolas Técnicas Federais em CEFET contribuiu para expandir a oferta de EPT no Brasil. A respeito da criação dos CEFET, Ciavatta (2006, p. 912-913) tece a seguinte análise:

A discussão sobre o sentido educacional que os Centros Federais de Educação Tecnológica assumem ao se tornarem, progressivamente, instituições de ensino superior, exige que se defina que homem e que mulher se quer formar, a que finalidade se destina a educação. De outro lado, cabe uma reflexão sobre a questão da técnica, da ciência e da tecnologia e sua relação com o trabalho e a educação. Particularmente, supõe que se considerem suas consequências para a humanização ou a realização de todo o potencial humano em um mundo dominado, material e ideologicamente, pelo lucro fácil, pelas guerras e pela destruição da natureza e a desumanização das condições de vida dos povos. O modo capitalista de produção da existência, o avanço da ciência e das tecnologias são parte dessa duplicidade de fins, tanto de preservação da vida como de sua destruição.

A “cefetização” e outras políticas educacionais voltadas para a Educação Profissional na década de 1990 têm relação com a penetração do modelo neoliberal no Brasil, já presente nos países europeus e no Chile. Martins (2000, p. 61) cita as seguintes assertivas do pensamento dos novos liberais:

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a) A crença de que a desigualdade é o motor do desenvolvimento individual, que acarretaria como consequência necessária uma elevação do nível de bem-estar social para muitos outros indivíduos, mas não para todos, já que se assim ocorresse se quebraria o próprio motor de seu desenvolvimento;

Francisco
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b) O combate às políticas de bem-estar social, como ação urgente a ser efetivada, uma vez que a Europa, adotando esse modelo de proteção coletiva para seus indivíduos, poderia estar comprometendo o propalado motor de desenvolvimento social – a desigualdade;

c) O combate ao movimento sindical, organizado e com forte poder de pressão, que exige a diminuição das desigualdades econômicas, bem como a manutenção e a expansão das políticas de bem-estar social,

d) O combate à presença forte do Estado em todas as instâncias sociais, sobretudo na econômica, já que a iniciativa privada, afirmavam, é mais propensa à defesa das individualidades e da liberdade para a economia.

Nesse cenário de transformações educacionais da década de 1990 merece destaque a criação da nova LDB (Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996) que reorganizou a oferta da EPT no Brasil, destinando-lhe um capítulo específico, separado da Educação Básica (BRASIL, 1996b), mantendo, assim, novamente, a dualidade na educação brasileira, haja vista que houve uma divisão ao invés de integração, no processo de ensino e aprendizagem.

Moura (2007) ressalta que o texto da Lei n.º 9.394/1996 (BRASIL, 1996b) é minimalista e ambíguo no que se refere à relação entre a EPT e o Ensino Médio, pois esse está descrito no Capítulo II, destinado à Educação Básica; e aquela está no Capítulo III, limitando-se a sua discussão em apenas quatro artigos. Moura (2007, p. 16) usa como exemplo disso dois trechos dessa Lei: o parágrafo 2º, do Artigo 36, alusivo ao Ensino Médio, “[…] atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas”; e o Artigo 40, referente à Educação Profissional: “[…] será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho” (BRASIL, 1996b, grifos do autor). Segundo Moura (2007, p. 16), “Esses dispositivos legais evidenciam que quaisquer possibilidades de articulação entre o ensino médio e a educação profissional podem ser realizadas, assim como a completa desarticulação entre eles”. O autor explica ainda que:

Como a educação brasileira é estruturada na nova LDB em dois níveis – educação básica e educação superior, e a educação profissional não está em nenhum dos dois, consolida-se a dualidade de forma bastante explícita. Dito de outra maneira, a educação profissional não faz parte da estrutura da educação regular brasileira. É considerada como algo que vem em paralelo ou como um apêndice e, na falta de uma denominação mais adequada, resolveu-se tratá-la como modalidade, o que efetivamente não é correto (MOURA, 2007, p. 16).

Essa redação que divide as formações não é inocente e desinteressada. Ao contrário, há a explícita intenção de consolidar a separação entre a Educação Profissional e o Ensino Médio, interesse já manifesto no Projeto de Lei (PL n.º 1.603/1996a) do presidente Fernando Henrique Cardoso. Esse PL, por suscitar muitas desconfianças e mobilizações entre os servidores das instituições de EPT, foi retirado de pauta, mas, diante da possibilidade de impor o seu conteúdo sob a forma de decreto, em 17 de abril de 1997, o governo emitiu o Decreto n.º 2.208 para regulamentar o parágrafo 2.º do artigo 36 e os artigos 39 a 42 da LDB. Esse documento teve como principal característica a separação entre a formação geral e a profissional, conforme constava o seu artigo 5.º: “A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este” (BRASIL, 1997).

Para Saviani (2011, p. 144), o divórcio entre o Ensino Médio e o Técnico,

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[…] significou voltar atrás no tempo, não apenas em relação à Lei n. 5.692 de 1971, mas em relação à LDB de 1961, já que esta flexibilizou a relação entre os ramos do ensino médio então, permitindo a equivalência e o trânsito entre eles, quebrando, assim, a “dualidade de sistema” próprio das reformas Capanema da década de 1940, na vigência do Estado Novo. Ora, é a essa dualidade que se retornou com o Decreto n. 2.208, de 17 de abril de 1997.

O cumprimento dessa determinação interrompeu a articulação entre a matriz curricular da formação geral, propedêutica, e da técnica-profissional. As instituições que optassem por ofertar o Ensino Médio “regular”, deveriam fazê-lo com redução de vagas e desvinculando-o da base tecnológica. Os cursos técnicos de nível médio poderiam ser nas formas Subsequente ao Ensino Médio (um curso com uma carga horária menor, focado nas disciplinas técnicas), e Concomitante ao Ensino Médio, internamente ou em parceria com outras instituições de ensino.

Frigotto e Ciavatta (2003, p. 95) compreendem que o Decreto n.º 2.208/1997 (BRASIL, 1997) firma-se na “doutrina do neoliberalismo ou neoconservadorismo que viria a orientar as reformas sociais nos anos de 1990. É neste cenário que emerge a noção de globalização carregada, ideologicamente, por um sentido positivo”. Para esses pesquisadores, as décadas finais do século XX e o princípio do XXI foram marcadas por mudanças e reformas nos campos econômico, sociocultural, ético-político e ideológico. Os responsáveis por essas reformas são os organismos internacionais e regionais, vinculados aos mecanismos de mercado, com seus respectivos representantes com o objetivo garantir a rentabilidade do sistema capital, das corporações de grande porte, das empresas transnacionais e das poderosas nações que são suas bases e matrizes.

Se analisarmos o Governo Fernando Henrique Cardoso nos contextos social, político, econômico e educacional, concluiremos que a “era FHC” desenvolveu suas políticas “de forma associada e subordinada aos organismos internacionais, gestores da mundialização do capital e dentro da ortodoxia da cartilha do credo neoliberal, cujo núcleo central é a ideia do livre mercado e da irreversibilidade de suas leis” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 103). Nesse sentido, Fonseca e Ferreira (2020, p. 2) fazem uma síntese desse período:

sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, (1995-2002) o Brasil experimentava uma mudança de paradigma no regime capitalista de acumulação do capital. Tratava-se do advento do regime neoliberal, da reforma de administração do Estado, da descentralização das políticas públicas, da restruturação produtiva do capital e de privatizações e parcerias com o setor privado. Com essa mudança do regime de acumulação de modo capitalista Taylorista/Fordista para o de acumulação flexível, a educação de um modo geral, seguindo essa lógica de mudança na estrutura do Estado, teve que adaptar-se a essa nova realidade para atender a novas demandas do mundo do trabalho, sofrendo influências diretas na educação em geral e na qualificação profissional em particular. Sendo assim, o trabalhador/a passou da condição de especialista (orientado para executar uma só função ou tarefa) para uma formação polivalente.

Essa situação se manteve durante o restante do governo FHC e no primeiro ano da presidência de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011). Em 2004, por meio do Decreto n.º 5.154, de 23 de julho (BRASIL, 2004a), sancionado por esse presidente, o Decreto n.º 2.208/1997 (BRASIL, 1997) foi revogado. O novo decreto permitiu a articulação entre a formação geral e a técnica por meio da forma Integrada, mas mantiveram-se as duas outras formas presentes no decreto de FHC: a subsequência e a concomitância (BRASIL, 2004a). O Ensino Médio na forma Integrada (EMI) tem sido a bandeira de luta de educadores progressistas que o veem como uma possibilidade de reduzir ou conduzir ao fim da dualidade da educação brasileira.

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Também em 2004, todos os CEFET foram alçados à categoria de Instituições de Educação Superior (IES) pelo Decreto n.º 5.225/2004 (BRASIL, 2004b). Apesar disso, para Otranto (2012), os CEFET não tinham o interesse de apenas usufruir de semelhante autonomia concedida às universidades, mas passar a ser também universidades. Foi o que ocorreu, em 2005, com o CEFET-PR, transformado em Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UFTPR), ampliando as expectativas de vários outros CEFET. Mediante o Decreto n.º 6.095, de 24 de abril de 2007 (BRASIL, 2007), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu início a implantação dos Institutos Federais (IF). Nesse decreto foram estabelecidas as diretrizes para o processo de reorganização e integração das instituições federais de Educação Profissional do país, com fins de criar os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFET) (BRASIL, 2007). Essa proposta foi vista como o fim da possibilidade de os CEFET serem transformados em universidades. Conforme Otranto (2012, p. 202):

Apesar da pressão dos dirigentes dos Cefets e das demais instituições de educação profissional, o governo pavimentava o caminho para outra proposta, que não incluía a transformação em universidade, e sim, em outra instituição “alternativa” à universidade, que tivesse custos menores, já que as universidades de pesquisa eram apontadas desde a década de 1990, pelo Banco Mundial, como muito caras para os países em desenvolvimento.

Até o final de 2008, a Rede Federal de Educação Profissional era composta por 33 CEFET e suas 58 Unidades de Ensino Descentralizadas (UNED), 36 Escolas Agrotécnicas Federais (EAF), 32 Escolas Técnicas Vinculadas às Universidades Federais (ETVUF), 1 Universidade Tecnológica Federal e 1 Escola Técnica Federal (ETF) (OTRANTO, 2010).

O Decreto n.º 6.095/2007 (BRASIL, 2007), assegurava adesão voluntária por parte dessas instituições federais no contexto do Sistema Federal de Educação Tecnológica, ao possibilitar acordos no âmbito do processo de integração, bem como a elaboração de um Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI), de acordo com as determinações estabelecidas por esse decreto. Com relação à verticalização do ensino, realçamos que, no seu artigo 4º, esse decreto estabelecia que a nova institucionalidade se comprometia em ministrar cursos de nível superior:

a) cursos de graduação, compreendendo bacharelados de natureza tecnológica e cursos superiores de tecnologia, visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia;

b) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização, visando à formação de especialistas para as diferentes áreas da educação profissional e tecnológica;

c) programas de pós-graduação stricto sensu, compreendendo mestrado e doutorado, preferencialmente de natureza profissional, que promovam o aumento da competitividade nacional e o estabelecimento de bases sólidas em ciência e tecnologia, com vista ao processo de geração e inovação tecnológica; e

d) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vista à formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, de acordo com as demandas de âmbito local e regional (BRASIL, 2007, não paginado).

O processo de transformação das instituições federais de EPT em IFET se iniciou em julho de 2007 com o Ofício Circular SETEC n.º 76/2007 (BRASIL, 2007), que dava o prazo de 90 dias para que essas instituições se pronunciassem em relação à proposta governamental. Em dezembro de 2007, a Chamada Pública MEC/SETEC nº 002, estabeleceu esse mesmo prazo para a adesão das instituições interessadas. Assim, em 31 de março de 2008, a Portaria MEC/SETEC nº 116/2008 (BRASIL, 2008a) divulgou o

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resultado e, em 29 de dezembro de 2008, por meio da Lei n.º 11.892 (BRASIL, 2008b), foram criados 38 IF e estabelecidos os seus objetivos, finalidades, características e estrutura organizacional. A lei oficializou a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), composta pelos IF, pelas Escolas Técnicas Vinculadas à Rede Federal, pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná e pelos CEFET-RJ e CEFET-MG4 (BRASIL, 2008). Em 2012, o Colégio Pedro II foi agregado à RFEPCT. Conforme a Lei n.º 11.892/2008, os IF têm natureza jurídica de autarquia, autonomia didáticopedagógica e disciplinar, administrativa e financeira. São instituições pluricurriculares e multicampi, com autonomia para criar e extinguir cursos, equiparando-se às universidades federais em relação à autoridade de regular, supervisionar e avaliar seus cursos (BRASIL, 2008b). Quanto aos objetivos e características dos IF, o incisos I-IX do artigo 6º dessa lei determinam:

I - ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional;

II - desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;

III - promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infra-estrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão;

IV - orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal;

V - constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica;

VI - qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino;

VII - desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica;

VIII - realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico;

IX - promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente (BRASIL, 2008b, não paginado).

O artigo 7º da referida lei ressalta os objetivos para os quais os IF foram criados:

I - ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos;

II - ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de profissionais, em todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica;

III - realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade;

4 Os únicos CEFET que não aderiram à proposta governamental foram o CEFET-RJ e o CEFET-MG, pois preferiram aguardar uma possibilidade de serem transformados em universidades, a exemplo do CEFET-PR.

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IV - desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais, e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos;

V - estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional; e

VI - ministrar em nível de educação superior:

a) cursos superiores de tecnologia visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia;

b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas na formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional;

c) cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia e áreas do conhecimento;

d) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização, visando à formação de especialistas nas diferentes áreas do conhecimento; e

e) cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que contribuam para promover o estabelecimento de bases sólidas em educação, ciência e tecnologia, com vistas no processo de geração e inovação tecnológica (BRASIL, 2008b, não paginado).

O artigo 8º da Lei n.º 11.892/2008 (BRASIL, 2008b), por sua vez, determina a divisão em termo de proporção das vagas ofertadas por cada nível de cursos e garante, no mínimo 50% das vagas para a EPT de nível médio e, no mínimo, 20% para os cursos de licenciatura e programas especiais de formação pedagógica.

A nova configuração da RFEPCT levou Pacheco (2011, p. 7) a enfatizar que: “Recusamo-nos a formar consumidores no lugar de cidadãos, a submeter a educação à lógica do capital, colocando o currículo como instrumento do simples treinamento de habilidades e técnicas a serviço da reprodução capitalista”. Alves et al. (2017) endossam a afirmação de Pacheco (2011), ao considerarem que os IF se configuram como política pública criada com a finalidade de oportunizar, aos menos favorecidos, EPT de qualidade, formando os educandos para a vida e para atuarem em vários setores da economia. Ademais, contribuem para o desenvolvimento sócio-político-econômico local, regional e nacional do país ao promoverem ascensão social, principalmente por meio da verticalização do ensino que possibilita formação e capacitação em vários níveis e modalidades.

Aguiar e Pacheco (2017) associam as origens dos IF à retomada do crescimento econômico e à recuperação dos setores produtivos e de serviços, na primeira década deste século.

[…] o desafio que permeou a Educação Profissional e Tecnológica naquele estágio do desenvolvimento brasileiro foi dimensioná-la a partir do reconhecimento de uma demanda que resultava da exclusão dos processos de formação básica de milhares de pessoas, oferecendo-as oportunidades, sem iludi-las a partir de pressupostos e projeções irreais. Assim, nasceram os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia com a concepção de Educação Profissional e Tecnológica - EPT focada na formação omnilateral da pessoa, unindo ensino, pesquisa e extensão. Essa concepção tem como centralidade o indivíduo e seu coletivo e não o mercado de trabalho (AGUIAR; PACHECO, 2017, p. 13-14).

Os autores em tela, frisam que os IF não são a velha escola técnica nem universidades, “pois se caracterizam pela matriz marxista da indissociabilidade entre os compromissos de ordem prática e a compreensão teórica, são um ponto de convergência dos estudos teóricos, políticos e tecnológicos, com o claro objetivo de interpretar o mundo e transformá-lo” (AGUIAR; PACHECO, 2017, p. 15).

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Paralelo às mudanças que ocorriam na primeira década do atual século, deu-se, em 3 fases, o processo de expansão e interiorização das instituições federais de EPT ao longo dos governos dos presidentes Lula (2003-2011) e Dilma Roussef (2011-2016). Baseados em dados do portal do MEC, vemos que, em 2002, a Rede era composta por 144 unidades, e, “Em 2019, já são mais de 661 unidades sendo estas vinculadas a 38 Institutos Federais, 02 Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a 22 escolas técnicas vinculadas às universidades federais e ao Colégio Pedro II” (BRASIL, 2018).

Tomando como base os dados apresentados pela Plataforma Nilo Peçanha (BRASIL, 2018, 2019, 2020, 2021), podemos constatar o crescimento e expansão da RFEPCT, no período de 2017 a 20205, no que tange ao número de matrículas, ofertas e quadro de servidores.

Com relação ao quantitativo de matrículas, a Rede possuía, em 2017, 1.031.798 alunos, passando para 1.507.476, em 2020. O aumento de 46% no número de matrículas evidencia a ampliação das ofertas de cursos: um total de 10.878 distribuídos em nível médio (técnicos nas formas integrada, subsequente e concomitante), superior e de pós-graduação lato e stricto sensu (BRASIL, 2018, 2021).

As ofertas de cursos de nível superior era algo impensável há algumas décadas, quando essas instituições eram vistas apenas como formadoras de técnicos de nível médio para o mercado de trabalho, exceto os CEFET, criados na década de 1970 que formavam também em nível superior, como já vimos. O crescimento de 26,3% nas ofertas das licenciaturas demonstra o compromisso institucional com a formação de professores, conforme consta na Lei n.º 11.892/2008 (BRASIL, 2008b), e em atendimento ao Plano Nacional de Educação – Lei n.º 13.005/2014 (BRASIL, 2014), no tocante às Metas 12 (elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos); e 15 (assegurar que todos os professores e as professoras da educação básica possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento em que atuam).

Vale salientar que, seguindo orientação da lei de criação da Rede, a maior parte dessas licenciaturas é na área das Ciências Exatas e da Natureza, haja vista a carência de professores de disciplinas dessa área, atestada pelo relatório produzido por uma comissão do Conselho Nacional de Educação. Baseado em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), os relatores destacam uma necessidade de cerca de 235 mil professores para o Ensino Médio no país, particularmente nas disciplinas de Física, Química, Matemática e Biologia. “Precisa-se, por exemplo, de 55 mil professores de Física; mas, entre 1990 e 2001, só saíram dos bancos universitários 7.216 professores nas licenciaturas de Física, e algo similar também se observou na disciplina de Química” (RUIZ; RAMOS; HINGEL, 2007, p. 11). O crescimento da oferta de cursos de licenciatura dessas disciplinas vai ao encontro da Meta 15 do Plano Nacional de Educação, pois essa escassez de docentes leva muitos a ministrarem aulas fora de sua área de formação inicial. No que diz respeito às ofertas em nível de pós-graduação, a RFEPCT tem demonstrado uma ampliação anual desse tipo de oferta, principalmente dos cursos lato sensu, mais fáceis de serem criados visto que a aprovação dos seus projetos não depende de uma avaliação da CAPES, o que não significa que tenham baixa qualidade. Já os cursos de mestrado apresentam um crescimento de 76,4% entre 2017 e 2020 e, segundo os dados da Plataforma Nilo Peçanha, destacam-se por serem, na sua maioria, programas profissionais: 143 dos 199 existentes em 2020. Quanto aos cursos de doutorado, há também um crescimento nas ofertas considerando que eram 7, nos anos de 2017 e 2018, e subiu para 12, em 2020 (BRASIL, 2018, 2021).

5 A Plataforma Nilo Peçanha, criada em 2017, é um ambiente virtual de coleta, validação e disseminação de estatísticas oficiais da RFEPCT. Para não corrermos o risco de incoerência entre dados de outras fontes, preferimos usar apenas os encontrados nessa plataforma.

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Novamente vemos um alinhamento na oferta desses cursos com a Lei n.º 11.892/2008 (BRASIL, 2008b), ao se comprometer com a formação superior e a continuada, e com o atual Plano Nacional de Educação, no que diz respeito às metas 13 (elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75%, sendo, do total, no mínimo, 35% doutores); 14 (elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação de modo a atingir a titulação anual de 60 mil mestres e 25 mil doutores); e com a 16 (formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da educação básica e garantir-lhes formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino) (BRASIL, 2015).

Os dados apresentados acima evidenciam um forte crescimento da Rede, mesmo em uma época em que as instituições federais de EPT, como também as Universidades Federais, vêm sofrendo cortes orçamentários decorrentes da política econômica assumida pelo governo a partir de meados da segunda década deste século. Em novembro de 2021, o Jornal Extra Classe fez um balanço dessa situação:

Devido aos cortes feitos pelo governo federal no orçamento para diversas áreas, menos da metade dos recursos previstos para a educação pública será executada pelo Ministério da Educação em 2021. A previsão orçamentária era de R$ 145,70 bilhões, mas a execução dos créditos, isto é, aquilo que foi efetivamente repassado às instituições, não passa de R$ 90,29 bilhões. Descontada a folha de pagamento dos servidores, restam R$ 70,6 bilhões para cobrir todas as despesas correntes e as políticas públicas de educação até dezembro deste ano. Isso equivale a 2,78% dos gastos públicos, a menor taxa desde a década passada. A partir de 2015, o setor que já sonhou com as verbas do Pré-Sal perdeu 38% dos recursos, ou mais de R$ 30 bilhões (LAMPERT, 2021, não paginado).

Em contraposição, vemos o crescimento de matrículas nas instituições privadas demonstrando a mercantilização da formação profissional (SOUZA; ALBANO, 2019) e do ensino superior (PAULA et al., 2018; RODRIGUES; SOUZA, 2020). Esse cenário nos mostra o quanto ainda precisamos lutar em defesa de uma educação pública, de qualidade e inclusiva. Com relação à EPT, além dessas frentes de lutas, precisamos, interna e externamente, apresentar nossas instituições não como simples qualificadoras de mão de obra para servir às demandas do mercado de trabalho, mas preocupadas com a formação humana na sua integralidade.

4Consideraçõesfinais

Neste artigo, abordamos, ainda que de forma breve, a história da EPT no Brasil, desde a criação das EAA, em 1909, quando se formava para as “primeiras letras”, até a atualidade, quando essas instituições, mediante uma verticalização ao longo de décadas, passaram a ofertar cursos em nível de mestrado e doutorado, algo considerado improvável há algumas décadas, de acordo com a legislação criada para essas instituições.

Nosso interesse, com a escrita desse artigo, é abrir discussões a partir do que expomos, haja vista que não se escreve mais de um século de história em poucas páginas, tendo em mãos, basicamente, dezenas de leis, decretos e portarias. Portanto, somos cientes de que deixamos lacunas para serem aprofundadas, investigadas, porém, não preenchidas, pois nenhum conhecimento é encerrado e cada pesquisa leva a outras.

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Desse modo, esperamos que este artigo seja utilizado por docentes e discentes da EPT, pois, muitos, embora trabalhem e/ou estudem na RFEPCT, desconhecem as suas raízes e trajetórias ao longo de mais de um século de existência. Dado esse “pontapé”, sugerimos aos leitores a realização de pesquisas acerca da legislação que trata da EPT no Brasil; a busca da memória que se encontra “guardada” nas lembranças dos ex-professores, gestores, egressos e nos registros fotográficos e da imprensa; as práticas de ensinoaprendizagem que ocorriam e ocorrem nessas instituições; a cultura escolar e material; as velhas e atuais políticas educacionais e os riscos que essas últimas trazem para a manutenção de um projeto de educação omnilateral, voltado para o ser humano na sua integralidade; a formação de professores para lecionar em uma modalidade de ensino para a qual não foram preparados academicamente; além de uma lista longa de tema que a trajetória da EPT suscita.

Referências

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PolíticaseducacionaiseverticalizaçãodaEducaçãoProfissionaleTecnológicanoBrasil(séculosXXeXXI) Francisco das Chagas Silva Souza, Edilana Carlos da Silva | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 236-266, maio/ago. 2022

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Submetido em: 12 fev. 2022

Aceito em: 11 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p267-280

Ana Cláudia Ribeiro de Souza https://orcid.org/0000-0002-0066-7038

Doutora em História Social e Mestre em História da Ciência pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professora titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) – Manaus/AM – Brasil. E-mail: prof.acsouza@gmail.com.

Naasson Barbosa Cruz https://orcid.org/0000-0003-0942-585X

Mestre em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM). Professor da Secretaria de Estado de Educação do Amazonas – Manaus/AM – Brasil. E-mail: naasson.barbosa@hotmail.com.

Resumo

O presente artigo insere-se no campo de pesquisas e fontes da Educação Profissional e Tecnológica e teve como objeto de pesquisa o Aprendizado Agrícola Rio Branco, objetivando fazer uma análise histórica dessa instituição no período de 1941 a 1946. Conforme Minayo (2009), trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, tendo a pesquisa documental como metodologia de coleta de dados. O suporte teórico contou com as contribuições de Antonio Viñao Frago (1995). Neste trabalho, primeiramente é oferecido o percurso histórico da instituição escolar em questão e, posteriormente, são analisados alguns documentos oficiais, como o Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas, por intermédio da Portaria n.º 708/43 (BRASIL, 1943b), e o Relatório do Ministro da Agricultura (BRASIL, 1945), os quais contribuíram para o conhecimento de um pouco da dinâmica interna da instituição. Esperamos, assim, com este escrito, contribuir para os desvelamentos da Educação Profissional Agrícola tanto no Amazonas quanto em outros estados brasileiros.

Palavras-chave: Educação Profissional Agrícola. Aprendizado Agrícola. História da Instituição Escolar.

Abstract

This article is inserted in the field of History of School Institutions of Vocational Education, and it had as research object the Agricultural Learning Rio Branco, with the objective of understanding its school culture in the period from 1941 to 1946. It is a research with a qualitative approach, according to Minayo (2009), with documentary research as a data collection methodology. The theoretical support had the contributions of Antonio Viñao Frago (1995). Thus, first, the historical path of the school institution in question is offered; and later on, some official documents are analyzed, such as the Internal Regulation of Agricultural Apprenticeships, through Ordinance 708/43 (BRASIL, 1943b), and the Report of the Minister of Agriculture (BRASIL, 1945), which helped to understand a little the internal dynamics of this institution. Furthermore, we hope that this writing can contribute to the unveiling of Vocational Agricultural Education, both in Amazonas and in other Brazilian states, when presenting the school culture of this institution.

Keywords: Vocational Agricultural Education. Agricultural Learning. History of the School Institution.

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EducaçãoProfissionalAgrícolanoAmazonas:umaanálisehistóricasobreo AprendizadoAgrícolaRioBranco(1941-1946)
Vocational Agricultural Education in Amazonas: a historical analysis of Aprendizado Agrícola Rio Branco (1941-1946)

Educación Agrícola Profesional en Amazonas: un análisis histórico del Aprendizado Agrícola Rio Branco (1941-1946)

Resumen

Este artículo forma parte del campo de investigación y fuentes de la Educación Profesional y Tecnológica, y su objeto de investigación fue el Aprendizaje Agrícola Rio Branco, con el objetivo de comprender su cultura escolar en el período de 1941 a 1946. Se trata de una investigación con un enfoque cualitativo, según Minayo (2009), con la investigación documental como metodología de recolección de datos. El sustento teórico contó con los aportes de Antonio Viñao Frago (1995). Así, en primer lugar, se ofrece el recorrido histórico de la institución escolar en cuestión; y luego se analizan algunos documentos oficiales, como el Reglamento Interno de los Aprendizajes Agrícolas, a través de la Ordenanza n.º 708/43 (BRASIL, 1943b), y el Informe del Ministro de Agricultura (BRASIL, 1945), que contribuyeron a conocer un poco de la dinámica interna de esta institución. Así, esperamos que este escrito pueda contribuir al desvelamiento de la Educación Profesional Agropecuaria, tanto en Amazonas como en otros estados brasileños, presentando la cultura escolar de esta institución.

Palabras clave: Educación Profesional Agropecuaria. Aprendizaje Agrícola. Historia de la Institución Escolar.

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EducaçãoProfissionalAgrícolanoAmazonas: umaanálisehistóricasobreoAprendizadoAgrícolaRioBranco(1941-1946)

1Introdução

O Aprendizado Agrícola Rio Branco faz parte da história anterior do atual Campus Manaus Zona Leste do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas, cuja origem remonta ao Patronato Agrícola Rio Branco, criado pelo Decreto n.º 16.082, de 26 de junho de 1923 (BRASIL, 1923), no então Território Federal do Acre. Havendo sido posteriormente transformado em Aprendizado Agrícola, através do Decreto-Lei n.º 2.255, de 30 de maio de 1940 (BRASIL, 1940), o Patronato foi transferido para o estado do Amazonas, sendo, em 19 de abril de 1941, instalado em um local denominado Paredão, no município de Manaus.

Em 1946, o Aprendizado recebeu uma nova denominação em decorrência da aprovação, naquele ano, da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, passando a ser denominado, conforme o Decreto-Lei n.º 9.758, de setembro de 1946 (BRASIL, 1946b), Escola de Iniciação Agrícola do Amazonas. Na década de 1960, a Escola de Iniciação Agrícola do Amazonas passa, segundo o Decreto-Lei n.º 53.558, de 13 de fevereiro de 1964 (BRASIL, 1964), a ser chamada de Ginásio Agrícola do Amazonas tendo em vista o que dispunha a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 (BRASIL, 1961).

Em 1972, o Ginásio Agrícola do Amazonas é comutado à categoria de Colégio, sendo então, conforme o Decreto n.º 70.513, de 12 de maio de 1972 (BRASIL, 1972), denominado Colégio Agrícola do Amazonas. No mesmo ano, foi transferido do Paredão, onde funcionava desde 1941, para suas instalações na Zona Leste da cidade de Manaus, onde permanece até hoje como Campus Manaus Zona Leste do Instituto Federal do Amazonas.

Em decorrência do Decreto-Lei n.º 83.935, de 4 de setembro de 1979 (BRASIL, 1979), o Colégio Agrícola do Amazonas, assim denominado desde 1972, passa a ser chamado Escola Agrotécnica Federal de Manaus-AM, havendo se tornado, depois de quase trinta anos, Campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas em face da Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008).

Este artigo faz parte de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica, ofertado pelo Campus Manaus Centro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas. Tal pesquisa tinha por objetivo compreender a cultura e as práticas escolares na Escola Agrotécnica Federal de Manaus-AM no período de 1979 a 1993.

O artigo em tela, por outro prisma, tem por finalidade realizar uma análise histórica do Aprendizado Agrícola Rio Branco desde sua instalação no Amazonas (1941) até a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola (BRASIL, 1946a), que suprimiu esse tipo de estabelecimento.

2Metodologia

Ao refletirmos sobre a questão apresentada nesta pesquisa, partiremos das reflexões sobre cultura escolar apresentada por Antônio Viñao Frago (1995, p. 68-69). Viñao Frago entende a cultura escolar como um conjunto de aspectos institucionalizados que caracterizam a escola como organização, que inclui práticas e condutas, modos de vida, hábitos e ritos – a história cotidiana do trabalho escolar –, objetos materiais – função, uso, distribuição em espaço, materialidade física, simbologia, introdução, transformação, desaparecimento… –, e modos de pensar, assim como significados e ideias compartilhadas.

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Assim, para Viñao Frago (1995), a cultura escolar é toda a vida escolar, ou seja, fatos e ideias, mentes e corpos, objetos e condutas, modos de pensar, dizer e fazer. Porém, segundo ele, há, nesse conjunto, alguns elementos que moldam e definem a mente e as ações humanas, como o espaço e o tempo escolar, que afetam o ser humano em sua própria consciência interior, em todos os seus pensamentos e atividades, de modo individual, grupal e como espécie em relação com a natureza.

Viñao Frago (1995) chama atenção para compreendermos os aspectos do espaço e tempos escolares numa perspectiva do olho em movimento, de prestar atenção ao que mudar e observar o quanto nos movemos. O estudo desse tipo deve ser considerado o social, o institucional e individual, junto com as ideias e fatos, objetos e práticas.

Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, pois, esta abordagem, segundo Maria Cecília Minayo (2009, p. 21), possibilita ao pesquisador trabalhar com o universo dos “significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes”.

O procedimento metodológico da pesquisa seguiu as recomendações do historiador Julio Aróstegui (2006), o qual salienta que o procedimento pelo qual o historiador aborda o problema de construir uma representação do histórico e de explicar por que os fatos são como são obedece a mesma lógica que qualquer outro método científico social.

Quanto aos meios, a investigação foi feita através da pesquisa documental. Ela nos possibilitou completar informações sobre a história e o funcionamento interno da instituição escolar pesquisada. Além disso, como afirmam Menga Lüdke e Marli André (2020, p. 45), “os documentos constituem uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas as evidências que fundamentam afirmações e declarações do pesquisador”.

A pesquisa documental deu-se por meio de consulta no Portal da Câmara dos Deputados, onde encontramos Decretos e Leis; no Diário Oficial da União, bem como no Center for Research Libraries, onde foram localizados diversos documentos inseridos nesta pesquisa. Utilizaram-se, também, as mensagens do governador e interventor do Amazonas, Álvaro Maia.

A técnica na análise dos dados da pesquisa foi a Análise de Conteúdo proposta por Laurence Bardin (2016), sendo seguidas as três importantes fases recomendadas pela autora: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento do resultado obtido.

Desse modo, um histórico do Aprendizado Agrícola Rio Branco é inicialmente oferecido, e, a partir de então, finalizamos discutindo um olhar do funcionamento interno dessa instituição escolar.

3HistóricodoAprendizadoAgrícolaRioBranco

Os Aprendizados Agrícolas Federais foram criados e instalados a partir de 1910 em diferentes regiões do Brasil, ofertando ensino primário e educação profissional agrícola de preferência aos filhos dos trabalhadores rurais que quisessem instrução em diferentes serviços agropecuários com as modernas práticas agronômicas da época, conforme o Decreto n.º 8.319, de 20 de outubro de 1910 (BRASIL, 1910).

Essas instituições escolares existiram até 1947 em decorrência das alterações trazidas pela Lei Orgânica do Ensino Agrícola de 1946. Apesar da existência dos Aprendizados reportar ao período de 1910 a 1947, Marco Arlindo Amorim Melo Nery (2010) destaca que é possível separá-los em duas fases: a primeira, que vai de 1910 a 1934, quando o número de instituições oscilou entre três e oito; e a segunda, de 1934 a 1947, quando o número se firmou em doze estabelecimentos.

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Durante a primeira fase, o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (ministério ao qual os Aprendizados Agrícolas estavam subordinados) mantinha também os Patronatos Agrícolas Federais, que, do mesmo modo, ofertavam ensino primário e educação profissional agrícola, destinados, porém, aos menores desvalidos que fossem postos à disposição daquele Ministério tanto pelas autoridades judiciárias ou policiais, quanto pelas famílias ou responsáveis dos menores, como salienta o seu Regulamento publicado através do Decreto n.º 13.706, de 25 de julho de 1919 (BRASIL, 1919).

Os Patronatos Agrícolas Federais foram criados a partir de 1918, sendo instalados em diversos estados brasileiros. De acordo com José Eurico Ramos de Souza (2011), no período de 1918 a 1929 houve uma expansão dos Patronatos Agrícolas Federais para as regiões Norte e Nordeste do Brasil, registrando-se nesse contexto um total de 23 instituições dessa natureza.

Essas instituições escolares, em decorrência da reforma efetivada pelo Decreto n.º 24.115, de 12 de abril de 1934 (BRASIL, 1934b), foram transformadas em Aprendizados Agrícolas Federais ou transferidas para a jurisdição do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

Quanto ao Aprendizado Agrícola Rio Branco, sua trajetória histórica remonta à criação do Patronato Agrícola Rio Branco através do Decreto n.º 16.082, de 26 de junho de 1923 (BRASIL, 1923), no então Território Federal do Acre, atual estado do Acre.

Para a fundação de um Patronato Agrícola Federal, em qualquer região do Brasil, o Regulamento dos Patronatos de 1919 exigia que o governo estadual ou municipal, ou associação agrícola que àquilo se propusesse, deveria disponibilizar os térreos, edifícios e instalações. Desse modo, segundo uma publicação do Jornal Folha do Acre, de 10 de fevereiro de 1923 (FOLHA DO ACRE, 1923), o governo do Território do Acre ofereceu o Campo de Experiências do Rio Branco para a instalação do Patronato Agrícola.

Em 1923, foi então criado o Patronato Agrícola Rio Branco no Território do Acre, havendo, porém, no final do ano seguinte, sido transferido para São Bento das Lages, no estado da Bahia, conforme o Decreto n.º 16.762, de 31 de dezembro de 1924 (BRASIL, 1924). Para ocupar o seu lugar, foi transferido o Aprendizado Agrícola de São Luiz de Missões, segundo o Decreto n.º 16.840, de 24 de março de 1925 (BRASIL, 1925).

O Aprendizado Agrícola de São Luiz de Missões, por sua vez, deu lugar ao Aprendizado Agrícola do Acre, o qual recebeu a denominação de Aprendizado Agrícola Rio Branco em 1939 em decorrência do Decreto-Lei n.º 1.029, de 6 de janeiro (BRASIL, 1939), que atribuiu novas denominações aos Aprendizados Agrícolas do Ministério da Agricultura. Este último Aprendizado foi transferido para o estado do Amazonas pelo Decreto-Lei n.º 2.255, de 30 de maio de 1940 (BRASIL, 1940).

As justificativas para tal transferência, segundo o próprio decreto, (BRASIL, 1940, p. 01), foram

Considerando que a atual sede do Aprendizado Agrícola "Rio Branco", no Território do Acre, dadas as condições locais, já não atende sua finalidade;

Considerando que a reconstrução do referido Aprendizado ficaria altamente onerosa para os cofres públicos;

Considerando que o Estado do Amazonas cedeu à União a propriedade onde funcionava o "Reformatório de Menores de Paredão" para instalação de um Aprendizado Agrícola, propriedade essa avaliada em 1.188:920$000;

Considerando, finalmente, que, com a mudança de sede do Aprendizado Rio Branco, serão atendidas, simultaneamente, as necessidades do Estado do Amazonas e do principal município agrícola de Território do Acre - Cruzeiro do Sul - ficando assim melhor servida a região Amazônica.

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Se nos atentarmos apenas para a última consideração, veremos que tal transferência seria vantajosa tanto para o Território do Acre como para o estado do Amazonas. No entanto, quando observamos a primeira consideração, é importante questionar por que uma instituição escolar voltada para o ensino agrícola já não atendia mais as mediações da sede daquele Aprendizado.

Quanto à segunda consideração, Icoana Laís Martins, filha do Sr. Lourenço Alves Martins, aluno do Aprendizado Agrícola Rio Branco no período da transferência para o estado do Amazonas, relatou, em uma confraternização do Campus Manaus Zona Leste em 2021, que seu pai lhe contara que o Aprendizado Agrícola Rio Branco havia pegado fogo e, por isso, fora transferido para o estado do Amazonas. De fato, a segunda consideração do Decreto-Lei n.º 2.255/40 (BRASIL, 1940) condiz com o relato da filha do aluno do Aprendizado, que confirma ter sido mais fácil transferi-lo para o estado do Amazonas (que já havia doado uma propriedade) do que o reconstruir.

Por outro lado, as forças políticas do Amazonas daquele período estavam se articulando para encampar um Aprendizado Agrícola estadual pelo governo federal, como sinaliza o então Governador do Amazonas, Álvaro Maia, em sua mensagem à Assembleia Legislativa de 1937. De fato, ainda em 1937, o Poder Legislativo Federal autorizou, através da Lei n.º 511, de 25 de setembro (BRASIL, 1937a), o Poder Executivo Federal a criar no estado do Amazonas um Aprendizado Agrícola subordinado ao Ministério da Agricultura nos mesmos moldes dos que já existiam em outros estados da União.

O governo Varguista, por sua vez, criou um Aprendizado Agrícola Federal no estado do Amazonas por meio do Decreto n.º 2.231, de 30 de dezembro de 1937 (BRASIL, 1937b), porém, Souza (2011) destaca que sua efetivação se deu com a transferência do Aprendizado Agrícola Rio Branco do Território do Acre para o Amazonas em 1940.

No dia 19 de abril de 1941, foi instalado, no Amazonas, o Aprendizado Agrícola Rio Branco, numa propriedade denominada Paredão, localizada no munícipio de Manaus, às margens do rio Negro, hoje atual Estação Naval do Rio Negro (IFAM, 2019).

Ali funcionava o Aprendizado Agrícola do Paredão, o qual recebia os filhos dos funcionários e trabalhadores rurais e também os meninos recolhidos pelo juizado de menores (MAIA, 1937). De acordo com Álvaro Maia (1941), esse Aprendizado foi encampado pelo governo federal.

Para a instalação do Aprendizado Agrícola Rio Branco na propriedade do Paredão, Maia (1941) relata que o então diretor dessa instituição escolar, Aquiles Peret, viajou do Território do Acre juntamente com funcionários e alunos para aquela finalidade.

O Aprendizado Agrícola Rio Branco, ficava, de modo mais específico, localizado à margem direita do Rio Negro, nos arredores da cidade de Manaus. Possuía uma área de 216.04 hectares de terras regulares, em grande parte montanhosas e cobertas de mata. As das proximidades do rio já estavam bastante trabalhadas e sujeitas a erosão (BRASIL, 1945).

De acordo com o Relatório do Ministro da Agricultura (BRASIL, 1945), a forma de acesso para quem quisesse ir da cidade de Manaus para essa instituição era através da estrada de rodagem Luís Zani, que tinha 12 quilômetros de extensão, ou por meio do transporte fluvial, que era feito sem regularidade em canoas e lanchas a motor.

Ainda de acordo com o Relatório do Ministro (BRASIL, 1945), apesar de periodicamente surgirem ali surtos de malária, a região era salubre. O Ministro apontava também grande número de pessoas atacadas por verminoses. Enfatizava, contudo, que o Aprendizado era o único na região e que sua influência já estava permeando o meio agrícola, tanto que estava sendo bastante procurado pelos

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agricultores da região não só para a matrícula dos seus filhos como também para a obtenção de ensinamentos, favores e auxílios diversos.

Naquele local chamado Paredão, a instituição escolar pesquisada permaneceu até 1972, quando foi então transferida para suas novas instalações no quilômetro 8 da estrada do Aleixo, Zona Leste da cidade de Manaus.

Assim sendo, depois de percorrermos a trajetória histórica do Aprendizado Agrícola Rio Branco, é necessário conhecer o seu funcionamento interno, assunto da próxima seção.

Por muito tempo os Aprendizados Agrícolas foram regidos pelo Decreto n.º 8.319, de 20 de outubro de 1910 (BRASIL, 1910), onde constava sua regulamentação. Contudo, Maria José Ramos de Albuquerque (1984) enfatiza que o Decreto n.º 24.115, de 12 de abril de 1934 (BRASIL, 1934b), estabeleceu diversas disposições referentes aos Aprendizados Agrícolas Federais; entre elas uma determinava que fossem regidos pelo regulamento instituído pelo Decreto n.º 23.979, de 8 de março de 1934 (BRASIL, 1934a), ao mesmo tempo em que determinava a elaboração de um Regimento Interno para essas instituições, o qual foi aprovado no dia 11 de março de 1936 e alterado em 1943.

Vale destacar que, no início da década de 1940, por meio de decretos-lei que ficaram conhecidos como “Leis Orgânicas do Ensino”, ocorreu uma série de reformas em relação à organização de todos os ramos do ensino primário e médio brasileiro. Nessa perspectiva, em 20 de agosto de 1946, mediante o Decreto-Lei n.º 9.613 (BRASIL, 1946a), a Lei Orgânica do Ensino Agrícola foi aprovada.

No entanto, enquanto aguardavam a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, o Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas foi aprovado através do Decreto n.º 14.252, de 10 de dezembro de 1943 (BRASIL, 1943a). Esse regimento definia que os Aprendizados Agrícolas tinham por finalidade cooperar na educação das populações rurais, realizando cursos regulares técnicos primários e cursos supletivos de diferentes modalidades sobre agricultura, zootecnia e indústrias agrícolas.

O Regimento Interno (BRASIL, 1943a, p. 3) também estabeleceu que os Aprendizados Agrícolas seriam compostos pelo Núcleo de Agricultura, Núcleo de Zootecnia, Núcleo de Indústrias Rurais e Turma de Administração. Ao Núcleo de Agricultura de cada Aprendizado Agrícola competia promover o ensino técnico-primário de agricultura, devendo para isso:

I - Preparar e manter devidamente cuidados culturas, sementeiras, viveiros, ripados, estufins e parques, nas áreas que lhe forem reservadas, bem como estradas tapumes e pontilhões;

II - Manter depósito para produtos agrícolas e instalações destinadas ao beneficiamento dos mesmos;

III - manter dependências para multiplicação e embalagem de plantas;

IV - Zelar pelas culturas e animais de trabalho do Núcleo;

V - Fazer entrega ao N.I.R. dos produtos destinados à manipulação, venda e consumo;

VI - Manter o depósito para guarda do seu material de ensino;

VII - Manter instalações para seus animais de trabalho.

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Ao Núcleo de Zootecnia de cada Aprendizado Agrícola competia ministrar o ensino da zootecnia, devendo para isso:

I - Manter criação de grandes e pequenos animais domésticos;

II - Manter depósitos para os seus produtos e instalações destinadas ao beneficiamento dos mesmos;

III - Zelar pelos seus animais e culturas;

IV - Manter controle da produção leiteira, de ovos e mel;

V - Adotar fórmulas para racionamento dos animais;

VI - Fazer castração ou reforma de animais impróprios para reprodução;

VII - Preparar e manter, devidamente cuidadas, culturas de plantas forrageiras necessárias à alimentação dos animais, bem como estradas, tapumes e pontilhões;

VIII - Fazer entrega ao N.I.R. dos animais e produtos destinados à manipulação, venda e consumo;

IX - Manter depósitos para guarda do seu material de ensino;

X - Manter instalações para os seus animais. (BRASIL, 1943a, p. 3)

Quanto ao Núcleo de Indústrias Rurais, competia ministrar o ensino das indústrias rurais, devendo para isso fazer manipulação industrial de produtos de origem vegetal e animal. Além disso, esse núcleo deveria manter dependências e instalações necessárias aos seus trabalhos e ainda vender as mercadorias produzidas no setor (BRASIL, 1943a).

À Turma de Administração competia promover medidas preliminares necessárias à administração do pessoal, material, orçamento e comunicações, funcionando articuladamente com a Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário, observando as normas e métodos de trabalho prescritos para a administração pública.

O relatório do Ministro da Agricultura (BRASIL, 1945) descreve que a organização do Aprendizado Agrícola Rio Branco obedecia ao Regimento Interno previsto no Decreto n.º 14.252, de 10 de dezembro de 1943 (BRASIL, 1943a), que criou os núcleos de Agricultura, Zootecnia e Indústrias Rurais, além da Turma de Administração.

O Regimento Interno de 1943 também previa, nos Aprendizados Agrícolas, gabinete médicodentário, oficinas de trabalhos em ferro, madeira e couro, dispensa, copa, cozinha, rouparia, lavanderia, dormitórios e outras dependências necessárias ao seu funcionamento.

Apesar de o Relatório do Ministro da Agricultura de 1945 (BRASIL, 1945) sinalizar que o Aprendizado Agrícola Rio Branco possuía instalações necessárias para o ensino das disciplinas de cultura geral, além de gabinetes de ciências naturais, física e química, e de máquinas e ferramentas agrícolas necessárias ao ensino da parte profissional do curso que ele ofertava, observa-se, no mesmo relatório, que essa instituição escolar ainda não dispunha de instalações adequadas ao seu pleno funcionamento.

No projeto de obras a serem incluídas no Plano de Obras e Equipamentos (BRASIL, 1945, p. 333), na parte relativa à Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário, figura a construção das seguintes dependências:

6 Dormitórios apartamentos

1 Pavilhão para enfermaria

1 Ginásio e anexos

1 Pavilhão para indústrias agrícolas

1 Pavilhão para beneficiamento de produtos agrícolas

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dos

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1 Pocilga

1 Aviário

1 Estábulo para vinte vacas

1 Estrumeira

1 Silo de trinta toneladas

1 Cocheira para animais de trabalho

1 Paiol

O mesmo relatório apontava ainda que, naquele ano de 1945, seria iniciada a construção do prédio central definitivo do Aprendizado Agrícola Rio Branco, onde deveria existir salas de aulas, dependências para a administração, refeitório e dormitórios com capacidade para 150 alunos internos. Além disso, também seria principiada a reforma dos prédios onde funcionavam os gabinetes de ciências naturais, física e química, do cassino dos alunos e casa do diretor (BRASIL, 1945).

Também havia sido iniciada a construção de uma linha de transmissão com 12 quilômetros de extensão para trazer a energia elétrica da cidade de Manaus, que, segundo o relatório do Ministro da Agricultura (BRASIL, 1945), seria necessária não só à iluminação das diversas dependências, como para movimentar as oficinas e a bomba de abastecimento de água.

Consta no Relatório de 1945 do referido ministro que naquele ano o Aprendizado Agrícola Rio Branco possuía 60 alunos no regime de internato e que não havia limite fixado para alunos externos e semiinternos. Contudo, deveria comportar 150 alunos internos com as instalações que estavam sendo executadas.

O Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas de 1943 estabelecia amplos poderes aos Diretores desses estabelecimentos, dando-lhes incumbência de orientar, coordenar e supervisionar as atividades dos Aprendizados. O regulamento também delegava ao Diretor a designação dos professores de Agricultura, Zootecnia, Indústrias Rurais, dos encarregados das oficinas, do encarregado da disciplina e da portaria.

Cabia também ao Diretor indicar ao superintendente do Ensino Agrícola e Veterinário os funcionários que deviam exercer função de chefia, bem como seus eventuais substitutos. Cada Núcleo e a Turma de Administração deveriam ter um chefe, o qual, por sua vez, tinha a incumbência de dirigir e fiscalizar os trabalhos de cada órgão.

Aos demais servidores com exercício nos Aprendizados cabia executar os trabalhos que lhes fossem determinados pelo chefe imediato. Observa-se assim que a gestão dos Aprendizados era bastante centralizada no sentido em que as decisões se concentravam nas mãos do diretor e dos chefes, cabendo aos demais servidores apenas executar os trabalhos.

Para a efetivação do Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas de 1943, foi publicada pelo Ministério da Agricultura a Portaria n.º 708, de 27 de dezembro de 1943 (BRASIL, 1943b), que definia os cursos a serem ofertados pelos Aprendizados Agrícolas enquanto aguardavam a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola.

Os cursos definidos foram: Ensino Agrícola Básico, Ensino Rural, e de Adaptação. O curso de Ensino Agrícola Básico deveria ser ministrado em três anos e destinado à formação de capatazes rurais. Sua grade curricular compreendia, conforme Portaria n.º 708/43 (BRASIL, 1943b, p. 02), o ensino das seguintes disciplinas escolares:

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1º ano – Português, Matemática, Geografia e História do Brasil, Desenho, Noções de Agricultura Geral e máquinas agrícolas.

Aulas práticas: de Olericultura, Jardinocultura, Fruticultura, Silvicultura e Trabalhos nas oficinas.

2º ano – Português, Matemática, Ciências Físicas e Naturais, Desenhos, Culturas regionais, Criação dos animais domésticos.

Aulas práticas: de avicultura, apicultura, Sericicultura, Piscicultura, e Trabalhos nas oficinas.

3º ano – Português, Matemática, pequenas indústrias agrícolas, Economia rural e administração, Educação sanitária, Desenho.

Aulas práticas: acentuação de uma especialidade econômica escolhida dentro dos seguintes grupos:

I – Horticultura;

II – Culturas regionais;

III – Produção Animal;

IV – Máquinas agrícolas;

V – Indústrias agrícolas.

Para ingressar no curso, o candidato deveria ter 11 anos completos, haver recebido educação primária, possuir capacidade física e aptidão mental para os trabalhos escolares que deveriam ser realizados, e ter sido aprovado em exames vestibulares ou ter feito o curso de ensino rural.

O curso de Ensino Rural (BRASIL, 1943b, p. 03), por outro lado, destinava-se à formação de trabalhadores rurais e tinha a duração de dois anos, sendo distribuído da seguinte forma:

1º ano – Português, Aritmética, Noções de Geografia e Corografia do Brasil, História Pátria, Desenho e mão livre, Noções elementares de Agricultura e máquinas agrícolas.

Aulas práticas: de olericultura, fruticultura, jardinocultura e trabalhos nas oficinas.

2º ano – Português, Aritmética, Noções de Ciências Físicas e Naturais, Desenho Linear, Noções de criação dos animais domésticos.

Aulas práticas: de avicultura, apicultura, sericicultura, piscicultura, e trabalhos nas oficinas

Para o ingresso no curso, o candidato deveria ter no mínimo 12 anos, haver recebido alguma instrução primária, possuir capacidade física e aptidão mental para os trabalhos escolares que deveriam ser realizados, e ser aprovado no exame de seleção.

De outro modo, os cursos de Adaptação destinavam-se a dar ao trabalhador em geral, jovem ou adulto, sem distinção de sexo, não habilitado ou diplomado, uma qualificação profissional. Para isso, deveriam ser organizados em épocas determinadas e de curta duração. Os cursos poderiam ser de avicultura, apicultura, sericicultura, máquinas agrícolas, defesa agrícola, tratamento e alimentação dos animais domésticos, industriais agrícolas, combate às pragas e moléstias das plantas cultivadas, e outros que fossem julgados convenientes e possíveis, consoante as possibilidades e instalações dos estabelecimentos onde fossem ministrados (BRASIL, 1943b).

Aos alunos que concluíssem o curso Agrícola Básico seria conferido o diploma de Capataz Rural; aos que concluíssem o curso de Ensino Rural, um certificado de Trabalhador Rural; e àqueles que finalizassem o curso de Adaptação seria emitido um certificado de Habilitação Profissional com a indicação da especialização feita.

A Portaria n.º 708/43 (BRASIL, 1943b) autorizou a alguns Aprendizados ofertar as três modalidades dos cursos aludidos e a outros apenas as duas modalidades de nível mais baixo. Segundo a portaria, eles foram autorizados a ofertar tais cursos conforme suas condições de emparelhamento.

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Ao Aprendizado Agrícola Rio Branco foi permitido manter simultaneamente o curso de Ensino Rural e os cursos de Adaptação. Fornecendo, ao final, um certificado de Trabalhador Rural, o Aprendizado ministrava o curso de Ensino Rural com duração de dois anos, enquanto que, nos de Adaptação, conferia a qualquer pessoa sem distinção de classe, sexo ou idade um certificado de habilitação profissional.

Essa estrutura de funcionamento foi, no entanto, reorganizada com a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola de 1946, instituída através do Decreto-Lei n.º 9.613, de 20 de agosto de 1946 (BRASIL, 1946a), o qual criou novos cursos agrícolas e novos tipos de estabelecimentos de ensino agrícola, extinguindo, portanto, os Aprendizados Agrícolas Federais.

5Consideraçõesfinais

Este artigo teve por objetivo fazer uma análise histórica do Aprendizado Agrícola Rio Branco desde sua instalação no estado do Amazonas, ocorrida em 1941, até a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola em 1946 (BRASIL, 1946a), visto que essa instituição escolar faz parte da história da Educação Profissional e Tecnológica do Brasil, já que, no processo histórico que se seguiu, as instituições de Aprendizado Agrícola foram, em sua maioria, transformadas em campi dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, criados pela Lei n.º 11.892 (BRASIL, 2008).

Assim, apresentamos a trajetória histórica dessa instituição escolar desde a criação do Patronato Agrícola Rio Branco, perpassando pelas mudanças ocorridas ao longo de sua trajetória, e finalizamos analisando alguns detalhes da Instituição e do local onde ela se instalou no Amazonas.

Foi oferecida, além disso, uma análise do Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas do período em questão, juntamente com a Portaria n.º 708/43 do Ministério da Agricultura (BRASIL, 1943b), e o Relatório do Ministro da Agricultura de 1945 (BRASIL, 1945).

Destacamos que, apesar de o Regimento Interno dos Aprendizados Agrícolas determinar diversas atribuições para essas instituições, observa-se que o Aprendizado Agrícola Rio Branco ainda não tinha, naquele período, as instalações adequadas para seu pleno funcionamento, o que não o impediu de desenvolver parte das atribuições, como a realização dos cursos aqui expostos.

Esperamos, com isso, que esse escrito possa contribuir com os desvelamentos da Educação Profissional Agrícola, tanto no Amazonas quanto em outros estados brasileiros, na discussão sobre a cultura escolar vivenciada na instituição.

Referências

ARÓSTEGUI, J. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: Edusc, 2006.

ALBUQUERQUE, M. J. R. Os técnicos na produção dos ribeirinhos do Amazonas. 1984. Dissertação (Mestrado em Educação) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, RJ, 1984.

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. São Paulo: Edições 70, 2016.

Ana Cláudia Ribeiro de Souza, Naasson Barbosa Cruz Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 267-280, maio/ago. 2022

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EducaçãoProfissionalAgrícolanoAmazonas: umaanálisehistóricasobreoAprendizadoAgrícolaRioBranco(1941-1946) Ana Cláudia Ribeiro de Souza, Naasson Barbosa Cruz

BRASIL. Decreto n.º 8.319, de 20 de outubro de 1910. Cria o Ensino Agronômico e aprova o respectivo regulamento. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/19101919/decreto-8319-20-outubro-1910-517122-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 20 maio 2020.

BRASIL. Decreto n.º 13.706, de 25 de julho de 1919. Dá nova organização aos patronatos agrícolas. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1910-1919/decreto-13706-25-julho-1919521010-republicacao-95833-pe.html. Acesso em: 25 maio 2020.

BRASIL. Decreto n.º 16.082, de 26 de junho de 1923. Cria o Patronato Agrícola Rio Branco. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-16082-26-junho1923-524793-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 10 maio 2020.

BRASIL. Decreto n.º 16.762, de 1924 de 31 de dezembro de 1924. Extingue os núcleos coloniais Santos Neves e Ruy Barbosa e dá outras providências. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-16762-31-dezembro-1924-517462publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 22 abr. 2021.

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EducaçãoProfissionalAgrícolanoAmazonas: umaanálisehistóricasobreoAprendizadoAgrícolaRioBranco(1941-1946) Ana Cláudia Ribeiro de Souza, Naasson Barbosa Cruz | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 267-280, maio/ago. 2022

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EducaçãoProfissionalAgrícolanoAmazonas: umaanálisehistóricasobreoAprendizadoAgrícolaRioBranco(1941-1946) Ana Cláudia Ribeiro de Souza, Naasson Barbosa Cruz

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COMO CITAR (APA): Souza, A. C. R., & Cruz, N. B. (2022). Educação Profissional Agrícola no Amazonas: uma análise histórica sobre o Aprendizado Agrícola Rio Branco (1941-1946). Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 267-280. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p267-280.

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Submetido em: 22 ago. 2022 Artigo a convite DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p281-294

FormaçãoProfissionalparaoMundodoTrabalho:opapeldosInstitutos Federais

Alessandra da Rocha https://orcid.org/0000-0001-5551-8198

Especialista em Psicopedagogia pelo Isecensa. Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – São João da Barra/RJ – Brasil. E-mail: rochaalessandra679@gmail.com.

Geiza Lessa Sobral da Conceição https://orcid.org/0000-0002-4456-4102

Especialista emTecnologias Educacionais pela Universidade Tiradentes (UNIT). Técnico pedagógico da Secretaria de Estado da Educação e do Desporto e Professora de educação básica da Secretaria Municipal da Educação de Aracaju/SE – Brasil. E-mail: geizasobral1974@gmail.com.

José Luis de Santana Santos https://orcid.org/0000-0002-9942-721X

Especialista em Administração Pública pela Universidade Cândido Mendes. Tecnólogo em gestão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: jdesantanasanos@gmail.com.

Renata Costa Fonseca Artiles https://orcid.org/0000-0002-0001-6382

Especialista em Língua Portuguesa pela UNIFLU. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: rartiles@iff.edu.br.

Sandra Helena de Araújo Lima https://orcid.org/0000-0002-1563-7018

Especialista em Supervisão Escolar, Orientação Educacional, Inspeção e Administração Escolar. Pedagoga do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – Macaé/RJ – Brasil. E-mail: dearaujolima.sandra@gmail.com.

José Augusto Ferreira da Silva https://orcid.org/0000-0002-1719-4740

Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) – Macaé/RJ – Brasil. E-mail:jaferreirasilva@gmail.com.

Resumo

O presente artigo tem como tema o papel dos Institutos Federais (IF) de Educação na formação profissional para o mundo do trabalho. Seu objetivo é compreender esse papel, bem como a importância que os IF exercem na sociedade. A realização de pesquisas bibliográficas e documentais possibilitam um resgate histórico da trajetória da educação profissional no Brasil, relacionando-a com diferentes contextos, bem como com os projetos de sociedade dominantes em cada época. A instituição da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em 2008, bem como a descrição dos objetivos e pilares que estruturam suas ações também são apresentadas neste trabalho. A análise dos resultados indica que a expansão da indústria 4.0 e as transformações vivenciadas no período pandêmico conferem aos IF relevância ainda maior no que tange à formação profissional integral, humana e emancipatória que contribuirá para a ressignificação do mundo do trabalho, das relações que nele se estabelecem e da sociedade como um todo.

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Palavras-chave: Institutos Federais. Educação Profissional. Mundo do Trabalho.

Professional Training for the World of Work: the role of federal institutes

Abstract

The present article has as its theme the role of the Federal Institutes (IF) of Education in professional training for the world of work. It aims to understand this role, as well as the importance the IF have for the society. Bibliographic and documentary research allows a historical review of the vocational education trajectory in Brazil, relating it to different contexts, as well as to the dominant social projects of each period. The institution of the Federal Network of Professional, Scientific and Technological Education, creating the Federal Institutes of Education, Science and Technology, in 2008, the description of the objectives and pillars that structure their actions are also presented in this work. The analysis of the results indicates that the expansion of Industry 4.0 and the transformations experienced in the pandemic period give the IF even greater relevance in terms of integral, human and emancipatory professional training. This will contribute to the re-signification of the world of work, the relationships that are established in and society as a whole.

Keywords: Federal Institutes. Professional Education (TVET). World of Work.

Formación Profesional para el mundo del trabajo: el papel de los Institutos Federales

Resumen

El presente artículo tiene como tema el papel de los Institutos Federales (IF) de Educación en la formación profesional para el mundo del trabajo. Su objetivo es comprender este papel, así como la importancia que los IF tienen para la sociedad. La investigación bibliográfica y documental permite una revisión histórica de la trayectoria de la formación profesional en Brasil, relacionándola con diferentes contextos, así como con los proyectos sociales dominantes de cada época. La institución de la Red Federal de Educación Profesional, Científica y Tecnológica, creando los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología, en 2008, la descripción de los objetivos y los pilares que estructuran sus acciones también se presentan en este trabajo. El análisis de los resultados indica que la expansión de la industria 4.0 y las transformaciones vividas en el período pandémico confieren a los IF una relevancia aún mayor en lo que respecta a la formación profesional integral, humana y emancipatoria que contribuirá a la resignificación del mundo del trabajo, de las relaciones que se establecen y de la sociedad en su conjunto.

Palabras clave: Institutos Federales. Formación Profesional. El mundo del trabajo.

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1Introdução

O presente estudo constitui-se de uma pesquisa bibliográfica sobre o papel dos Institutos Federais na formação profissional para o trabalho. A partir da definição e delimitação do tema, realizou-se um breve levantamento de estudos já realizados, a construção de uma perspectiva teórica, por meio de artigos publicados em revistas científicas. Outras fontes, tais como a legislação existente sobre a temática principal, também foram pesquisadas. O texto busca resgatar historicamente os diferentes momentos da educação profissional no Brasil, visitando as transformações ocorridas em cada período, de acordo com as concepções pedagógicas e com as demandas do setor produtivo.

Inicialmente foram apresentados os dispositivos legais que regulamentaram a educação profissional desde o período em que tinha caráter meramente assistencialista, passando à preparação para o trabalho operário e descrevendo essa trajetória até os dias atuais.

Destaca-se nesse contexto a importância dos Institutos Federais (IF), que, desde sua criação, vêm desempenhando papel fundamental na formação do trabalhador brasileiro. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP (BRASIL, 2021), o programa de expansão dos Institutos Federais elevou o total de 132.784 matriculados em 2008 para 332.727 em 2021. Os Institutos que atendiam a 4,22% dos alunos da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) atualmente ofertam 8,91% das vagas disponibilizadas no país. Na perspectiva do atendimento às novas demandas geradas pelo surgimento da indústria 4.0, analisa-se a possibilidade de articulação desta com a EPT e o modo como os IF se reinventam para atuar no contexto social e econômico pós-pandemia.

2AEducaçãoProfissional:contextohistóricoedispositivoslegaisdesdeacriaçãoaosdiasatuais

Apresentamos aqui um breve resumo do contexto histórico em que ocorreu a criação da primeira escola profissionalizante no país bem como a legislação que norteou as adequações realizadas durante sua trajetória até os dias atuais com o surgimento dos Institutos Federais.

Pouco depois da abolição da escravidão no Brasil, o presidente Nilo Procópio Peçanha, por meio do Decreto nº 7.566 de 23 de setembro de 1909, criou a Escola de Aprendizes Artífices, destinada ao ensino profissional primário. Na época, foi criada uma em cada capital, totalizando 19 unidades escolares. De acordo com o Decreto, a Escola tinha como objetivo a formação de operários e contramestres (ofício ligado à navegação), os candidatos deveriam ser “desfavorecidos da fortuna” e possuir no mínimo 10 anos e, no máximo, 13 anos de idade. Segundo Moura (2007, p. 6), a educação profissional tinha, inicialmente, o objetivo de atender aos que não dispunham de boas condições sociais e eram amparados para que não praticassem ações que atentassem contra a ordem e os bons-costumes.

Em 1927, surge o novo Decreto nº 5.241 de 27 de agosto, que torna o ensino profissional obrigatório nas escolas primárias mantidas pela União, ofertando os programas: desenho, trabalhos manuais e rudimentos de artes e ofícios ou indústrias agrárias. Dez anos depois, a Lei nº 378, de 13 de janeiro, em seu art. 37, transforma todas as escolas de aprendizes artífices, mantidas pela União, em Liceus, que Moura (2007) define como “sociedades civis destinadas a dar amparo a crianças órfãs e abandonadas, possibilitando-lhes uma base de instrução teórica e prática e iniciando-as no ensino industrial”, conservando o caráter assistencialista já observado até esse período.

FormaçãoProfissionalparaoMundodoTrabalho:opapeldosInstitutosFederais Alessandra da Rocha, Geiza Lessa Sobral da Conceição, José Luis de Santana Santos, Renata Costa Fonseca Artiles, Sandra Helena de Araújo Lima, José Augusto Ferreira da Silva 281-294,
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Para além das escolas mantidas pela União, o ensino profissionalizante começa a ocupar um novo espaço e mais significativo no país. Ainda em 1937, Getúlio Vargas, por meio do art. 129 da constituição, torna dever das indústrias e sindicatos econômicos criar escolas de aprendizes destinadas aos filhos de seus operários ou de seus associados. Em 1942, por meio do Decreto-Lei nº 4.048, foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem – SENAI; em 1946, por intermédio do Decreto-Lei nº 8.621, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Senac, já com caráter diferente, buscando a preparação dos estudantes para atendimento às demandas do mercado produtivo.

Com a promulgação da Lei Orgânica do Ensino Agrícola, Decreto-Lei nº 9.613/46, que se destinava essencialmente à preparação profissional dos trabalhadores da agricultura, foram criadas as primeiras escolas de ensino agrícola federais no Brasil. Os cursos eram divididos em três categorias: cursos de formação; cursos de continuação; e cursos de aperfeiçoamento. A partir de 1959 foram instituídas as Escolas Técnicas Federais, autarquias com personalidade jurídica própria e autonomia didática, administrativa, técnica e financeira.

Os primeiros Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFET – foram criados em 1978, quando as Escolas Técnicas Federais de Minas Gerais e do Paraná são autorizadas a ministrar cursos de curta duração de Engenharia de Operação e são transformadas em CEFET por intermédio da Lei nº 6.545. Com a promulgação da Lei nº 8.948, de 8 de dezembro de 1994, as demais escolas técnicas federais também se tornam Centros Federais de Educação Tecnológica.

Atualmente a Educação Profissional e Tecnológica é regulamentada pela Lei 9.394/1996 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que possui um capítulo específico para tratá-la, garantindo a integração dos diferentes níveis e modalidades de educação e as dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia, além de organizá-la por eixos tecnológicos, possibilitando itinerários formativos diversos

2.1 Da Criação dos Institutos Federais

Dentro desse contexto de natureza histórica, política e social tem-se, em 2008, a Lei 11.892/2008, que Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

Os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos com as suas práticas pedagógicas (BRASIL, 2008).

Os Institutos Federais são autarquias, de natureza pluricurricular e multicampi, com finalidades e objetivos específicos que definem a sua identidade: a territorialidade e a proposta político-pedagógica. São instituições de ensino especializadas em educação profissional e técnica em seus diferentes níveis de ensino de formação básica no ensino médio integrado à graduação (tecnólogo, licenciatura e bacharelado) e pós graduação. Os institutos se apresentam como verdadeiras “incubadoras de políticas sociais” na medida em que contribuem para a “construção de uma rede de saberes que entrelaça cultura, trabalho, ciência e tecnologia em favor da sociedade” (PACHECO, 2010, p. 16), principalmente para os provenientes das classes trabalhadoras e excluídos.

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A estrutura multicampi e a clara definição do território de abrangência das ações dos Institutos Federais afirmam, na missão destas instituições, o compromisso de intervenção em suas respectivas regiões, identificando problemas e criando soluções técnicas e tecnológicas para o desenvolvimento sustentável com inclusão social (PACHECO, 2010, p. 13).

O trabalho industrial presente na primeira parte do século XX enfatiza a fase mecanicamente produtiva. A proposta para a educação profissional preconizada na lei que criou os institutos federais atesta uma nova fase em que não há mais espaço para a ideia de meramente formar trabalhadores para o “imediatismo do mercado”, autômatos ou robôs, “sem preocupações com os valores universais” (NOSELLA; AZEVEDO, 2012, p. 27), com foco na qualificação de pessoas desprovidas de conhecimentos sobre a sua ocupação, limitadas “às operações de produção apenas ao aspecto de máquinas físicas” (GRAMSCI, 1976 apud CARNEIRO, 2018, p. 474).

A Educação Profissional e Tecnológica (EPT) deve não apenas combinar técnicas operacionais de trabalho; acima de tudo, deve incorporar uma compreensão do trabalho como categoria da prática social e educativa, que se faz por meio da análise do contexto sócio-histórico (ANJOS, 2021).

O aluno não é visto como mera força de trabalho adaptável ao capitalismo que se impõe: antes pelo contrário, ele se integraria a uma tripla dimensão subjetiva e objetiva, em que se valoriza a concepção humana, profissional e escolar. […] Não interessa à EPT produzir mais um trabalhador pós-industrial, capacitado a manejar múltiplas máquinas simultaneamente (BATISTA, 2019, p, 535).

A ideia central é formar sem conformar, sem rotular, “propiciar aos sujeitos o acesso aos conhecimentos e à cultura construídos pela humanidade, a realização de escolhas e a construção de caminhos para a produção da vida” (RAMOS, 2008, p. 3), qualificar no contexto de uma compreensão em que o trabalhador assume uma postura crítica face às múltiplas formas de trabalho.

Os pilares que estruturam as ações dos institutos federais são a verticalização, a transversalidade e a territorialidade combinados com os princípios educativos da formação humana integral, do trabalho enquanto princípio educativo, da prática social como fonte de conhecimentos, e da indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão.

- a verticalidade – implica na implantação de fluxos que permitam a construção de itinerários formativos entre os cursos da EPT, construídos livremente pelos educandos em diálogo com os educadores.

- a transversalidade, envolve o diálogo permanente entre educação e tecnologia. Este é o elemento transversal presente no Ensino, na Pesquisa e na Extensão. […]. Envolve também o diálogo entre disciplinas, cursos, diferentes campi, Institutos e com a sociedade, objeto central de toda a ação educativa.

- a territorialidade, representa o compromisso com o desenvolvimento soberano sustentável e inclusivo de seu território de atuação (PACHECO, 2020, p. 10-11).

A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia compreende um importante avanço da educação profissional do país, uma quebra de paradigmas, não representando apenas uma ampliação no número de instituições, o que, sem dúvida, contribuiu para o processo de interiorização, de inclusão educacional e social, mas também trazendo a concepção de uma educação que integra ciência, tecnologia e cultura, na qual o estudo dos conteúdos científicos e tecnológicos se dá de maneira articulada

FormaçãoProfissionalparaoMundodoTrabalho:opapeldosInstitutosFederais Alessandra da Rocha, Geiza Lessa Sobral da Conceição, José Luis de Santana Santos, Renata Costa Fonseca Artiles, Sandra Helena de Araújo Lima, José Augusto Ferreira da Silva Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 281-294, maio/ago. 2022

285 | VÉRTICES,

a questões éticas, históricas, políticas, culturais e socioeconômicas tão fundamentais para o empoderamento e para o processo de emancipação dos sujeitos sociais.

O compromisso e a responsabilidade social se traduzem no conceito de um projeto que marca sua posição como instituição de ensino profissional e técnico, visando à formação de indivíduos com competências sociais, cognitivas e produtivas por meio da prática interativa e crítico-reflexivas diante da realidade de um mundo em constante transformação.

3RevoluçõesIndustriaiseaIndústria4.0

A humanidade está em permanente evolução, em cada período histórico se concretizam novas formas de viver e conviver. Alguns marcos de transformações tecnológicas importantes foram conceituados como Revoluções Industriais:

Segundo Santos; Manhães e Lima (2018), a Primeira Revolução Industrial ocorreu a partir do século XVIII e modificou o modelo de produção, o que antes era artesanal passou a ser produzido por meio de máquinas a vapor, com aumento de produtividade, mudanças na economia e impactos no estilo de vida das pessoas. A segunda Revolução Industrial chegou e fez a introdução da energia elétrica nos sistemas produtivos, fomentou a produção em massa e a divisão do trabalho. A terceira incorporou o uso da eletrônica e da tecnologia da informação para aprimorar a automação nos processos produtivos. Atualmente vivemos um novo momento tecnológico, iniciado na última década, que, mais do que uma nova forma de produção, vem sendo considerado um novo capítulo no processo de desenvolvimento humano (SCHWAB, 2016), a Quarta Revolução Industrial, a Indústria 4.0. Silveira (2016) descreve as inovações percebidas: conta com sistemas cibernéticos, internet das coisas, redes e inteligência artificial que podem operar de forma autônoma prevendo falhas e necessidades de manutenções, além de se poderem ajustar às mudanças de planejamento na produção.

3.1 Indústria 4.0 e Seus Profissionais

Discutida no Fórum Econômico Mundial como mais do que uma mudança de base tecnológica, a indústria 4.0 é descrita como uma transformação mais profunda que as demais revoluções. Trata-se não só de mudança nos modos de produção e trabalho, mas também das relações humanas: comunicação instantânea, realidade aumentada e computação quântica são exemplos de tecnologias que interferem na vida de todos. Paralelamente temos a exposição das desigualdades que nega a grande parte da população mundial o direito de usufruir dos benefícios desses avanços. No mundo globalizado a miséria de parte da população mundial interfere diretamente no destino do planeta, trazendo à tona a necessidade de incluir todas as populações nos moldes da quarta Revolução Industrial. Nessa perspectiva, a educação se torna ferramenta de inclusão fundamental, formando novos profissionais aptos a dominar as tecnologias e seres humanos capazes de garantir uma revolução democrática, justa e segura (SCHWAB, 2016).

A Indústria 4.0 exigirá profissionais com um perfil diferente, que necessitem de competências específicas, acompanhem a evolução das tecnologias aplicadas, possuam capacidade de se integrar aos recursos físicos e digitais e estejam preparados para atuar nos departamentos estratégicos, táticos e operacionais.

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Para as indústrias com características que contemplem a concepção de Indústria 4.0, novas tarefas serão criadas, enquanto outras serão aperfeiçoadas (DOMBROWSKI; WAGNER, 2014; GORECKY et al., 2014; BECKER; STERN, 2016). Tarefas atuais de produção, caracterizadas como fáceis, repetitivas e estressantes, serão automatizadas e executadas por sistemas mais autônomos. A indústria 4.0 demanda competências básicas tais como: comunicação, aperfeiçoamento de habilidades interpessoais, de linguagem; liderança, entendida como a gestão adequada dos recursos humanos e dos conflitos; criatividade, como capacidade de posicionar ideias comuns ou inovadoras sobre um assunto ou situação; conhecimento técnico, compreensão dinâmica das tecnologias da comunicação, informação e operações diversas, uma vez que o conhecimento aprofundado de tecnologia e de processos inteligentes serão indispensáveis; habilidades analíticas, como monitorar e supervisionar os sistemas com auxílio de softwares e tecnologias específicas, facilitando decisões em tempo real, compreendendo a operação de tecnologias e extraindo resultados das mesmas; a inovação, entendida como a facilidade em acompanhar mudanças tecnológicas e organizacionais, tendo boa adaptabilidade às mudanças nos cenários e alterações nos fluxos de trabalho; e processos decisórios, relativos ao trabalhador como solucionador de problemas criativos quando confrontado com problemas complexos e dinâmicos (SILVA; KOVALESKI e PAGANI., 2019).

Diante do exposto, ressalta-se a importância da reformulação curricular na Educação Profissional e Tecnológica. A formação dos futuros profissionais 4.0 necessita tanto das competências sociais e comportamentais quanto das competências funcionais/tecnológicas. Uma formação tão abrangente é chamada de integral/omnilateral e tem por finalidade a autonomia e a emancipação dos sujeitos (GUIMARÃES, 2020, p. 30).

Nesse contexto, destacam-se os Institutos Federais de Educação Profissional e Tecnológica, que possuem o potencial para uma formação de excelência. Seu formato único de educação básica integrada às possibilidades de verticalização do ensino os tornam cruciais na oferta da oportunidade de formação para os trabalhadores e cidadãos brasileiros.

Ao analisar o atual cenário da Educação no Brasil não se pode desconsiderar que esta sempre esteve vinculada a um Projeto de Sociedade correspondente à visão de mundo preponderante em cada contexto histórico. Isso leva a um desconforto justificável, posto que, mesmo antes da declaração realizada em 11 de março de 2020 por Tedros Adhanom, diretor Geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), de que o estado de contaminação da doença causada pelo novo coronavírus havia sido elevado à pandemia1 de covid-19, já vivíamos momentos de incertezas econômicas, políticas e éticas que certamente influenciaram a forma pela qual a população brasileira e consequentemente a Educação foram afetadas por esse anúncio

O abismo existente entre as diferentes classes sociais ficou ainda mais evidente, alguns tiveram acesso ao melhor em termos de saúde, enquanto outros precisaram amargar enormes filas de espera por leitos. Fatores como a precarização das relações de trabalho e o aumento exponencial da informalidade e

1 De acordo com a Organização Mundial de Saúde, pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença e o termo passa a ser usado quando uma epidemia, surto que afeta uma região, se espalha por diferentes continentes com transmissão sustentada de pessoa para pessoa.

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do desemprego 2 contribuíram para a exposição ao vírus, sobretudo das classes mais vulneráveis economicamente, que não puderam cumprir com o isolamento social tão amplamente recomendado pelos órgãos de imprensa. Nessa direção concordam Cruz, Bizelli, Bizelli (2021) ao afirmarem que “as desigualdades sociais do Brasil se somam à pandemia e as consequências da covid-19 têm caráter de classe”. Esse dualismo também foi percebido nas escolas (ou seria nas telas por onde as relações se estabeleceram? E quem não tinha telas ou como acessá-las?). Durante o período em que as aulas aconteceram, quando aconteceram, de maneira não presencial, dois grupos de estudantes ficaram mais evidentes: um primeiro, que tendo acesso tecnológico e condições de usá-lo bem como de se dedicar apenas aos estudos e aguardar o retorno às atividades presenciais, e um segundo, que não usufruiu de tal acesso –ou o teve de forma limitada – e que precisou deixar a escola, ou colocá-la em segundo plano para ingressar no Mundo do Trabalho e garantir sua sobrevivência e por vezes de toda sua família no contexto pandêmico.

O último Censo Escolar3 traz dados referentes ao ano letivo de 2021, os quais comparados aos de 2020 revelam as diferentes consequências desse momento para estudantes de diferentes classes sociais, que devem ser considerados a fim de se garantir o direito à Educação conforme o princípio de “igualdade de condições para acesso e permanência na escola”, expresso no Art. 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O índice de abandono escolar no Ensino Médio brasileiro subiu de 2,3% em 2020 para 5,0% em 2021, embora, nas redes federais, esse aumento tenha sido menos expressivo, de 1,8% para 1,9%. Outra informação relevante é que o índice de abandono também aumentou na rede estadual, onde está concentrado o maior número de matrículas no Ensino Médio, diferentemente do que ocorreu com a rede privada, a única em que não houve aumento da taxa de abandono.

São inegáveis os efeitos da pandemia para a educação brasileira, porém, partindo do pressuposto de que toda crise4 revela uma oportunidade de reflexão capaz de levar a ações transformadoras, talvez caiba parafrasear o poeta Carlos Drumond de Andrade e perguntar “E agora, José?”. Para onde vamos?

O papel dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, considerando sua proposta de Ensino Médio Integrado à educação profissional, é fundamental diante do contexto que se apresenta, conforme entendido por Ramos (2008, p. 13):

O ensino médio integrado à educação profissional, como dissemos, é tanto possível quanto necessário em uma realidade conjunturalmente desfavorável – em que os filhos dos trabalhadores precisam obter uma profissão ainda no nível médio, não podendo adiar este projeto para o nível superior de ensino. Mas ele pode potencializar mudanças para, superando-se essa conjuntura, constituir-se em uma educação que contenha elementos de uma sociedade justa.

Mesmo diante da possibilidade aqui apresentada é fundamental, de acordo com Ramos (2008), não atribuirmos a responsabilidade da empregabilidade às escolas e/ou aos indivíduos, pois estaríamos reforçando uma lógica excludente contida em um discurso ideológico que a torna um mérito individual

2 Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas, a taxa de desemprego, referente às pessoas com idade para trabalhar que não estão trabalhando mas estão disponíveis e tentam encontrar trabalho, que estava em 12,1% no 1º trimestre de 2019, chegou a alcançar 14,9% no 3º trimestre de 2020, índice repetido no 1º trimestre de 2021.

3 Principal pesquisa estatística da educação básica, o Censo Escolar é coordenado pelo Inep e realizado, em regime de colaboração, entre as secretarias estaduais e municipais de Educação, com a participação de todas as escolas públicas e privadas do País. https://www.gov.br/inep/ptbr/assuntos/noticias/censo-escolar/divulgado-resultado-da-2a-etapa-do-censo-escolar-2021. Acesso em: maio de 2022.

4 Crise no sentido chinês, que nos faz reinventar, ressignificar e buscar novos caminhos, conforme expressa pelo Prof. Dr. Gaudêncio Frigotto, em sua participação no XIII - ETP IFMA - Formação Profissional e Tecnológica para um mundo pós-pandemia, que ocorreu em 12 de abril de 2021.

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e/ou da Instituição. É preciso, dentro dos Institutos, formar profissionais capazes de compreender a realidade na qual estão inseridos mas também de refletir sobre ela e agir para transformá-la, profissionais que, embora saibam respeitar e conviver com as individualidades, também percebam a importância de se lutar pelo coletivo. Sobre a formação a ser oferecida, Oliveira (2021) salienta:

A escola precisará, a partir de Gramsci, perseguir uma formação omnilateral, ou seja, uma formação que não se ocupe de formar um indivíduo fragmentado, alienado, mas que busque desenvolver todas as suas dimensões, integrando formação acadêmica, técnica/tecnológica,política,cultural,artísticaecientífica.(OLIVEIRA,2021,p.7).

Frente ao exposto e considerando a boa estrutura física, o quadro de servidores com formação de excelência, bem como a proposta pedagógica dos Institutos em relação a outras instituições públicas de Ensino Médio, estes estão imbuídos de grande responsabilidade, havendo ali força potente para, por meio da oferta de uma educação comprometida com essa classe trabalhadora, contribuir para formar, propor espaços de debate que possibilitem, além da formação técnica de qualidade uma formação emancipadora que se traduza em reflexão, ação, luta e sobretudo em resistência.

5Consideraçõesfinais

Este artigo se propôs inicialmente a realizar um resgate histórico da educação profissional no Brasil desde a criação da Escola de Aprendizes e Artífices, em 1909, de objetivos nitidamente assistencialistas, passando por diferentes projetos de sociedade movidos por interesses políticos e econômicos que permitiram a compreensão de que estes influenciaram diretamente nas mudanças ocorridas, inclusive, na forma como a educação profissional é concebida.

Levando-se em conta os aspectos mencionados ao se tratar do marco representativo que foi a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, em 2008, foi possível constatar que a proposta destes visa a uma formação profissional diferenciada que, para além de formar profissionais com competências técnicas, objetiva formar cidadãos capazes de ingressar no Mundo do Trabalho, compreendendo-o e sendo capazes de nele intervir, contribuindo assim para a formação de uma sociedade mais justa, equânime e solidária.

Compreender os impactos da revolução industrial, da indústria 4.0 e da pandemia de covid-19 é essencial para que se reflita sobre a importância de uma formação profissional integral que considere os aspectos já mencionados neste Artigo. O papel dos Institutos Federais ganha ainda mais relevância se forem considerados os recursos pedagógicos, humanos e estruturais que possuem, principalmente quando comparados a outras instituições de educação profissional. Porém, há que se cuidar para que não recaia sobre os IF, e nem sobre os estudantes que neste se formarem, a responsabilização por sua empregabilidade. É preciso que haja mobilização popular, e, de forma mais específica, da classe trabalhadora, para que políticas públicas sejam criadas neste sentido.

As respostas não estão prontas e este trabalho possibilitou reflexões iniciais que se fazem necessárias para que se compreenda o papel dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia na formação profissional para o mundo do trabalho.

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FormaçãoProfissionalparaoMundodoTrabalho:opapeldosInstitutosFederais Alessandra da Rocha, Geiza Lessa Sobral da Conceição, José Luis de Santana Santos, Renata Costa Fonseca Artiles, Sandra Helena de Araújo Lima, José Augusto Ferreira da Silva VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 281-294, maio/ago. 2022

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FormaçãoProfissionalparaoMundodoTrabalho:opapeldosInstitutosFederais Alessandra da Rocha, Geiza Lessa Sobral da Conceição, José Luis de Santana Santos, Renata Costa Fonseca Artiles, Sandra Helena de Araújo Lima, José Augusto Ferreira da Silva

SILVA, V. L.; KOVALESKI, J. L.; PAGANI, R. N. Competências bases para o trabalho humano na Indústria 4.0. Revista FOCO, v. 12, n. 2, p. 112-129, mar./jun. 2019. Disponível em: https://revistafoco.emnuvens.com.br/foco/article/view/37. Acesso em: 27 maio 2022.

SILVEIRA, C. B. Indústria 4.0: O que é, e como ela vai impactar o mundo. 2016. Disponível em: http://www.citisystems.com.br/industria-4-0/. Acesso em: 23 maio 2022.

COMO CITAR (ABNT): ROCHA, A. et al. Formação profissional para o mundo do trabalho: o papel dos Institutos Federais. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 281-294, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p281-294. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/18229.

COMO CITAR (APA): Rocha,A.,Conceição,G.L.S.,Santos,J.L.S.,Artiles,R.C.F.,Lima,S.H.A.,&Silva, J.A.F.(2022).Formaçãoprofissionalparaomundodotrabalho:opapeldosInstitutosFederais. Vértices(Campos dosGoitacazes),24(2),281-294.https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p281-294.

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Submetido em: 14 fev. 2022

Aceito em: 15 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p295-315

José Moisés Nunes da Silva https://orcid.org/0000-0002-2799-6835

Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor de Educação Básica, Técnica e Tecnológica (EBTT) do quadro permanente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) e no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional (PPGEP) Natal/RN Brasil. E-mail: jmns2008@hotmail.com.

Suerda Maria Nogueira do Nascimento https://orcid.org/0000-0003-0415-8836

Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) Natal/RN Brasil. E-mail: suerda.mnascimento@gmail.com.

José Flávio de Freitas https://orcid.org/0000-0003-0049-1631

Licenciado e Bacharel em Química. Professor de Educação Básica, Técnica e Tecnológica (EBTT) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) Natal/RN Brasil. E-mail: flaviofreitas2903@gmail.com.

Resumo

O texto apresenta uma reflexão acerca da educação profissional na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte. O objetivo é analisar a oferta dessa modalidade de educação desde a Lei n.º 5.692/1971 até o Programa Brasil Profissionalizado (PBP), a fim de situar o desenvolvimento da educação profissional na referida Rede. Metodologicamente, a pesquisa é qualitativa, sustentada por uma pesquisa bibliográfica (autores que discutem a temática) e documental (leis, decretos, resoluções, relatórios etc.), tendo a dialética como fio condutor de análise. Historicizou-se a oferta da educação profissional à luz da Lei n.º 5.692/1971 e da Lei n.º 9.394/1996 na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte, identificando as suas especificidades, e discutiu-se a contribuição do PBP como indutor da expansão de matrículas na educação profissional na referida Rede. Os resultados apontam que desde a década de 1970 as ações estaduais nesse campo epistêmico foram tímidas; que o PBP foi decisivo na retomada e expansão da educação profissional na Rede; e que o Governo do Estado vem efetivando ações direcionadas à efetivação de uma política estadual de educação profissional.

Palavras-chave: Educação profissional. Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte. Programa Brasil Profissionalizado.

Abstract

The text presents a reflection about the professional education in the State Education Network of Rio Grande do Norte. The objective is to analyze the offer of this kind of education, since Law number 5.692/1971 since the Professionalized Brazil Program (PBP), in order to consider the development of professional education in the mentioned Network. Methodologically, the research is qualitative, supported by bibliographic research (authors who discuss the theme) and documentary research (laws, decrees, resolutions, reports etc.), having dialectics as the main thread of analysis. The offer of professional education was historicized in the light of the Law number 5.692/1971 and the Law number 9.394/1996 in the State Education Network of Rio Grande do Norte, identifying its specificities. Additionally, we discussed the contribution of the PBP as an inducer of the expansion of enrollment in professional education in the Network. The results point out that since the 1970s the state actions in the epistemic field have been timid; the PBP was decisive in the resumption and expansion of professional education in the Network; and that the State Government has been carrying out actions toward the implementation of a state professional education policy.

Keywords: Technical and Vocational Education and Training (TVET). State Education Network of Rio Grande do Norte. Professionalized Brazil Program.

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AEducaçãoProfissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedo Norte:daLeinº5.692/1971aoProgramaBrasilProfissionalizado
Professional Education in the State Education Network of Rio Grande do Norte: from the Law number 5.692/1971 to the Professionalized Brazil Program

La Educación Profesional en la Red Estatal de Educación de Rio Grande do Norte: de la Ley n.º 5.692/1971 al Programa Brasil Profesionalizado

Resumen

El texto presenta una reflexión sobre la educación profesional en la Red Estatal de Educación de Rio Grande do Norte. El objetivo es analizar la oferta de este tipo de educación, desde la Ley n.º 5.692/1971 hasta el Programa Brasil Profesionalizado (PBP), con el fin de situar el desarrollo de la educación profesional en dicha Red. Metodológicamente, la investigación es cualitativa, apoyada en una investigación bibliográfica (autores que discuten el tema) y documental (leyes, decretos, resoluciones, informes, etc.), teniendo como hilo conductor de análisis, la dialéctica. La oferta de educación profesional fue historiada a la luz de la Ley n.º 5.692/1971 y de la Ley n.º 9.394/1996 en la Red Educativa Estatal de Rio Grande do Norte, identificando sus especificidades. Y discutimos la contribución del PBP como inductor de la expansión de la matrícula en la educación profesional en la mencionada Red. Los resultados indican que, desde la década de 1970, las acciones estatales en este campo epistémico han sido tímidas; que el PBP fue decisivo en la reanudación y expansión de la educación profesional en la Red; y que el Gobierno del Estado ha realizado acciones encaminadas a la implementación de una política estatal de educación profesional.

Palabras clave: Educación Profesional. Red Estatal de Educación de Rio Grande do Norte. Programa Brasil Profesionalizado.

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1Introdução

Historicamente, a educação profissional no Brasil vem se conformando em consonância com as políticas de governo, de modo que, de uma perspectiva inicialmente assistencialista de atendimento aos desvalidos da sorte na primeira República, passou à qualificação de operários vocacionais na década de 1930, à formação de profissionais para a indústria, comércio e agricultura nos anos 1940, de técnicos de nível médio para subsidiar os modelos nacional-desenvolvimentistas no período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), ao cidadão produtivo na década de 1990 e à formação integral a partir dos anos 2000.

Daí o dualismo estrutural entre a educação profissional e o ensino médio, demarcado substancialmente pela divisão de classes presente na sociedade brasileira e pela existência de dois tipos de escola: uma de caráter propedêutico, destinada aos filhos da classe burguesa, com vistas a proporcionar o prosseguimento dos estudos; e outra, instrumental, endereçada aos filhos da classe trabalhadora, objetivando sua inserção no mercado de trabalho.

Esse movimento está presente nas Redes Estaduais de Educação, as quais mantêm, prioritariamente, a oferta do ensino médio propedêutico e, secundariamente, da educação profissional, com objetivos distintos, sendo essa última, como forma de ampliar, por meio da materialização de Programas instituídos pelo Governo Federal ao qual aderem – como o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), o Programa Brasil Profissionalizado e o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) – as opções de qualificação de adolescentes, jovens e adultos trabalhadores, oportunizando sua (re)inserção no mundo do trabalho e a geração de renda.

Diante da inquietude decorrente do histórico da oferta de educação profissional na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte, estabelecemos a seguinte questão de partida: quais as nuances inerentes ao processo de oferta dessa modalidade de educação na referida Rede e como o Programa Brasil Profissionalizado contribuiu para a sua consolidação? Nesse sentido, o objetivo deste estudo é analisar a oferta dessa modalidade de educação, desde a Lei n.º 5.692/1971 (que estabeleceu, compulsoriamente, o ensino de 2.º grau profissionalizante) até a instituição do Programa Brasil Profissionalizado (com a finalidade de estimular, nas redes estaduais de educação, o ensino médio integrado à educação profissional), na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte.

Metodologicamente, a abordagem é qualitativa, sustentada por uma pesquisa bibliográfica (autores que discutem a temática) e documental (leis, decretos, resoluções, relatórios etc.), tendo como fio condutor de análise a dialética, ancorado no entendimento de que nenhum fenômeno pode ser compreendido de forma isolada e, sim, em sua totalidade, dado que as ações decorrentes estão em constante movimento de transformações, que necessitam de novas apreensões para explicá-lo.

A abordagem qualitativa diz respeito a um conjunto de práticas materiais e interpretativas mobilizadas pelo pesquisador quando em contato com a situação estudada, a fim de entender, descrever ou explicar os fenômenos em termos dos sentidos que as pessoas lhes atribuem (DENZIN; LINCOLN, 2006).

A pesquisa bibliográfica é aquela desenvolvida a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos científicos, dissertações e teses, e se propõe à análise das diversas posições dos autores acerca de determinado assunto (GIL, 2008); nesse estudo apoiou-se em autores tais como Almeida (1989), Frigotto (1988), Kuenzer (1997, 2009), Ramos (2002, 2011) e Silva (2014), entre outros.

AEducaçãoProfissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedoNorte: daLeinº5.692/1971aoProgramaBrasilProfissionalizado José Moisés Nunes da Silva, Suerda Maria Nogueira do Nascimento, José Flávio de Freitas 297 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 295-315, maio/ago. 2022

A pesquisa documental se baseia em materiais que ainda não receberam um tratamento analítico, tais como documentos oficiais (leis, decretos, resoluções, portarias etc.), relatórios, jornais e revistas (GIL, 2008); utilizaram-se, para tanto, as Leis n.º 5.692/1971 e 9.394/1996, os Decretos n.º 2.208/1997, 5.154/2004 e 6.302/2007 e os Relatórios de Gestão da Secretaria de Estado da Educação do Rio Grande do Norte, entre outros.

Na perspectiva marxista, a realidade concreta dos fatos não pode ser considerada como eventos separados, isolados e independentes uns dos outros, mas sim, em sua totalidade, que se apresenta em contínuo movimento de transformação. A ideologia diz respeito à apreensão dessa realidade por meio das contradições, uma vez que o homem sempre vê mais do que a expressão fenomênica dos fatos.

Nesse sentido, concordamos com Kosik, quando sublinha que

[…] O todo não é imediatamente cognoscível para o homem, embora lhe seja dado imediatamente em forma sensível, isto é, na representação, na opinião e na experiência. […] Para que possa conhecer e compreender este todo, possa torná-lo claro e explicá-lo, o homem tem de fazer um détour: o concreto se torna compreensível através da mediação do abstrato, o todo através da mediação da parte. (KOSIK, 1976, p. 36, grifo do autor).

Ou seja, entre o singular e o universal, a unidade e a multiplicidade, a compreensão e a explicitação, não existe uma identidade plena e, sim, um movimento dialético; cabe ao homem a apreensão da materialidade dos fatos, por meio das contradições nela presentes. Assim, a dialética nos permite, nesse estudo, apreender o processo histórico de materialização da oferta da educação profissional na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte, bem como a contribuição do Programa Brasil Profissionalizado para sua consolidação.

A pesquisa se justifica por possibilitar a apreensão de elementos circundantes à compreensão histórica da oferta da educação profissional na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte, bem como do Programa Brasil Profissionalizado como tributário do fortalecimento, expansão e consolidação dessa modalidade na referida Rede. Com efeito, o texto está organizado em cinco seções. Na primeira – Introdução – esboçamos os elementos centrais que conduziram a investigação. Na segunda – A educação profissional na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte à luz da Lei n.º 5.692/1971 – historiza-se a oferta da educação profissional no período da Ditadura Civil-Militar. Na terceira – A educação profissional na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte à luz da Lei n.º 9.394/1996 – discute-se a oferta dessa modalidade de educação no âmbito da reforma promovida pelos Decretos n.º 2.208/1997 e 5.154/2004. Na quarta – O Programa Brasil Profissionalizado na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte – analisa-se a contribuição desse Programa na expansão da educação profissional na referida Rede. E, na quinta – Considerações Finais – retomam-se, sinteticamente, os aspectos relevantes do processo investigativo.

2AeducaçãoprofissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedoNorteàluzdaLei n.º5.692/1971

No período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), a educação nacional, orientada pela parceria firmada entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Educacional (USAID) – acordos MEC-USAID – e visando adequar-se ao projeto nacional-

AEducaçãoProfissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedoNorte: daLeinº5.692/1971aoProgramaBrasilProfissionalizado José Moisés Nunes da Silva, Suerda Maria Nogueira do Nascimento, José Flávio de Freitas 298 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 295-315, maio/ago. 2022

desenvolvimentista e aos interesses do capital, sofreu duas reformas: a universitária (Lei n.º 5.540/1968) e a da educação básica (Lei n.º 5.692/1971).

Antes das mencionadas reformas, a educação escolar era organizada segundo a Lei n.º 4.024/1961 – primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – da seguinte maneira: i) educação de grau primário, constituído de educação pré-primária e de ensino primário; ii) educação de grau médio, composto por dois ciclos: o ginasial, com duração de quatro anos e o colegial, com três anos no mínimo, abrangendo os cursos secundário (científico ou clássico), técnico (industrial, agrícola e comercial) e normal (formação de professores para o primário e pré-primário); e iii) educação de grau superior (BRASIL, 1961).

Especificamente, a Lei n.º 5.692/1971 organizou a educação básica da seguinte forma: i) ensino de 1.º grau, aglutinando o ensino primário e o ginasial, com oito anos de duração e obrigatório, dos 7 aos 14 anos; e ii) o ensino de 2.º grau, profissionalizante, constituído pelos cursos colegiais (secundário, técnico e normal), com três ou quatro anos de duração. (BRASIL, 1971).

Segundo Silva (2014), a Lei nº 5.692/1971, por um lado, propiciou a elevação da escolarização mínima da classe trabalhadora por extinguir o exame de admissão obrigatório ao curso ginasial até então existente, que era um obstáculo à continuidade dos estudos e, por outro, promoveu a generalização compulsória do ensino profissionalizante mediante a obrigatoriedade de habilitações técnicas para todos no 2.º grau.

Nesse sentido, concordamos com Germano (2011, p. 105), quando afirma que o ensino de 2.º grau foi “[…] uma relação direta, imediata e mesmo de subordinação da educação à produção”, uma vez que a intenção do Regime Civil-Militar era formar mão de obra (técnicos de nível médio) para atender a expansão do mercado de trabalho.

A Lei n.º 5.692/1971 estabeleceu como objetivo geral do ensino de 1.º e 2.º graus “proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de autorrealização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania.” (BRASIL, 1971).

Ou seja, a intenção, na letra da Lei, era a formação humana integral dos estudantes. Todavia, não foi assim que se materializou, pois a perspectiva adotada foi a formação unilateral, vinculada à formação para o mercado de trabalho, apenas.

De fato, a oferta compulsória do 2.º grau profissionalizante foi tecida sob os princípios tecnicistas que pregavam a racionalidade, a eficiência e a produtividade e, como tal, direcionada para o adestramento dos jovens, preparando-os para a execução restrita de tarefas técnicas e, não, para uma formação mais ampla.

Por essa reforma, a educação escolar era voltada para o mercado de trabalho desde o 1.º grau, pois a ele já era intrínseca a sondagem de aptidões físicas que pudessem ser aprofundadas com a promoção de habilitação profissional durante o 2.º grau, visando à formação de mão de obra para o fortalecimento do capital nacional que crescia à época. Isso porque os governos militares que se sucederam no mencionado período viam o ensino profissionalizante como vital para o sucesso dos grandes projetos nacionais desenvolvimentistas que eram capitaneados pelo próprio Governo Federal, por ser a via responsável pela qualificação profissional especializada para atender às exigências e expectativas do capital.

Essa opção política do Governo Federal pretendia promover respostas imediatas às demandas educacionais da classe trabalhadora, sendo o ensino profissionalizante apresentado como o caminho a ser trilhado na busca da superação das desigualdades sociais presentes na sociedade brasileira. Todavia, essa opção conformou, segundo Frigotto (1988, p. 442), nada mais do que “[…] a expressão mais elaborada das teses do economicismo na educação, que representam a justificativa ideológica, para o ajustamento da educação ao regime de democracia excludente.”

AEducaçãoProfissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedoNorte: daLeinº5.692/1971aoProgramaBrasilProfissionalizado José Moisés Nunes da Silva, Suerda Maria Nogueira do Nascimento, José Flávio Freitas Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 295-315, maio/ago. 2022

de
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Por isso, concordamos com Kuenzer (2009), quando assevera que a reforma de ensino de 1º e de 2º graus promovida pela Lei nº 5.692/1971 pode ser traduzida em, pelo menos, três objetivos, todos prejudiciais à classe trabalhadora: 1) a contenção da demanda de estudantes secundaristas ao ensino superior; 2) a despolitização do ensino secundário por meio de um currículo tecnicista; e 3) a preparação da força de trabalho para atender as demandas do desenvolvimento econômico.

Para amenizar as contínuas críticas de professores progressistas, pesquisadores e movimentos sociais organizados, entre outros, acerca da universalidade da profissionalização obrigatória no ensino de 2.º grau, o Governo Federal promulgou a Lei n.º 7.044/1982 – uma espécie de emenda à Lei n.º 5.692/1971 – a qual extinguiu a profissionalização compulsória nesse nível de ensino; resgatou a ênfase na formação geral –propedêutica – e substituiu a qualificação profissional por preparação para o trabalho. Com efeito, a habilitação profissional técnica de nível médio ficou restrita às escolas técnicas e agrotécnicas federais e às escolas do sistema S, que apresentavam experiência, corpo docente e infraestrutura adequadas para tal.

De acordo com Silva (2014), a somatória de diversos motivos foi responsável pela não concretização da profissionalização compulsória: a restrição de sua execução às escolas públicas das redes estadual e federal, já que as escolas particulares continuavam a oferecer apenas os conteúdos propedêuticos; investimentos insuficientes do Estado para com a educação; absoluta falta de condições materiais das escolas tanto físicas (laboratórios, equipamentos e acervo bibliográfico) quanto humanas (professores e técnicos especializados); desconexão do sistema educacional em relação ao sistema ocupacional, pela dificuldade das escolas em acompanhar o progresso tecnológico; e o não decrescimento da demanda para o ensino superior.

De todo modo, a Lei n.º 5.692/1971 instaurou a concepção tecnicista no ensino de 2.º grau açodada pela Teoria do Capital Humano, levando o aluno a crer que o sucesso de sua formação educacional seria fruto apenas de seu esforço, e que ele era o único responsável por seu êxito na conquista de emprego com melhores salários.

Sob a vigência dessa Lei o estado do Rio Grande do Norte vivenciava uma crise na economia local – decadência da trilogia gado-algodão-agricultura; seu enfrentamento foi promovido por meio da ampliação do setor terciário, em especial na área da educação, saúde e turismo, e com a criação de empregos, principalmente no setor público (FELIPE; CARVALHO, 2004).

Com efeito, instituiu a oferta do ensino profissionalizante de 2.º grau mediante habilitações técnicas vinculadas aos três setores da economia: primário, secundário e terciário, com maior visibilidade desse último, atrelando-as ao futuro de seu desenvolvimento econômico (ALMEIDA, 1989). Em 1972, o estado do Rio Grande do Norte contava com 25 escolas estaduais que ofertavam ensino secundário, sendo a maioria registrada na capital, Natal. Entre essas escolas, algumas ofereciam cursos de datilografia, corte e costura, bordado, culinária e enfermagem.

Segundo Medeiros et al. (1988), o ensino profissionalizante na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte (REERN) foi marcante nos anos de 1978, 1983 e 1985, coincidindo com o momento em que as modificações legais dos instrumentos reguladores do ensino de 2.º grau eram introduzidas em âmbito nacional. Na Tabela 1 está representado o número de estabelecimentos de ensino de 2.º grau, por dependência administrativa, no estado do Rio Grande do Norte, nos referidos anos.

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Tabela1.Estabelecimentosdeensinode2.ºgraunoEstadodoRioGrandedoNorte–1978,1983e1985

Ano Dependência Administrativa Pública Privada Total Federal Estadual Municipal

1978 2 30 9 39 80 1983 2 72 28 47 149 1985 3 110 30 53 196

Fonte: Adaptação dos autores com base em Almeida (1989)

Como se pode depreender, houve um crescimento de 140% no número de estabelecimentos de ensino de 2.º grau na REERN, de 1978 para 1983 e de 53% desse ano para 1985, em consequência da criação de novas escolas em diversos municípios do estado. Esse crescimento é bem maior do que o ocorrido nas esferas federal e municipal e na rede privada, o que caracteriza a predominância dessa oferta educacional no Estado, o que, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), não divergia dos demais Estados brasileiros.

O Livro de Registros das Escolas, da Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer (SEEC-RN) revela que os principais cursos ofertados sob a vigência da Lei nº 5.692/1971 foram as habilitações para o Magistério; Administração; Comércio; Saúde; Crédito e Finanças; Auxiliar de Escritório; Técnico de Contabilidade; Secretariado Executivo; Técnico em Edificações, em Mecânica e em Prótese Dentária.

O registro ratifica o estudo de Almeida (1989), que destaca na REERN a predominância de cursos profissionalizantes vinculados ao setor terciário. A justificativa para isso, a nosso modo de ver, decorre das estratégias utilizadas na década de 1970 pelo Governo do Estado em prol da superação da crise vivenciada no seu setor primário da economia, que contava com poucas empresas industriais instaladas no Estado, tais como as dos ramos têxtil e de confecções; o crescimento, sobretudo, das empresas comerciais, moveleiras, de construção civil e de alimentos; e do baixo custo requerido para a montagem dos cursos, ou seja, que demandavam o mínimo de equipamentos, laboratórios e insumos para as aulas práticas e, principalmente, professores especializados.

Em suma, o ensino profissionalizante de 2.º grau promovido pela Lei nº 5.692/1971, possibilitou a ampliação do número de escolas na REERN, nas décadas de 1970 e 1980, embora esse aumento não tivesse representado a democratização dessa oferta educacional no estado, pois, conforme aponta Almeida (1989), durante os anos de referência desse nível de ensino, seu percentual máximo de abrangência atingido, com respeito à população escolarizável na faixa etária de 15 a 18 anos de idade, foi de apenas 10,4%, ou seja, a grande maioria de pessoas na referida faixa etária continuava fora da escola.

Enfim, ressaltamos que enquanto o Governo Federal promovia sua política nacionaldesenvolvimentista, sustentada pelos grandes projetos nacionais de infraestrutura – construção de rodovias, hidrelétricas, pontes etc. – que requeriam técnicos de nível médio no ramo industrial da economia, a REERN, na contramão, mas cumprindo o determinado pela reforma do ensino de 1.º e 2.º graus, promovia um sistema de educação sustentado pelo setor terciário da economia, com qualidade questionável.

AEducaçãoProfissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedoNorte: daLeinº5.692/1971aoProgramaBrasilProfissionalizado José Moisés Nunes da Silva, Suerda Maria Nogueira do Nascimento, José Flávio de Freitas 301 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 295-315, maio/ago. 2022

Com o fim da Ditadura Civil-Militar em 1985, o legado deixado foi, por um lado, o do país que mais cresceu entre todos os países da América Latina e, por outro, a estagnação econômica que se sucedeu a partir da segunda metade dos anos 1980 e primeira dos anos 1990, acarretando o aumento da desigualdade social e da pobreza, o crescimento da dívida externa; os densos impactos ambientais decorrentes das grandes obras; e, na educação, a materialização de uma visão produtivista, instrumental, tecnicista, vinculada ao processo de desenvolvimento econômico do país.

Na década de 1990, o modelo neoliberal de Estado que orientou as reformas econômicas e sociais no Brasil associado ao processo de globalização e de reestruturação produtiva que vinha se desenvolvendo desde meados dos anos 1970 nos países desenvolvidos estabeleceram novas formas de relação entre educação, trabalho e renda.

Em 1996, após diversos debates travados desde a metade da década de 1980 por educadores progressistas, pesquisadores, associações e universidades em busca de uma política educacional que respondesse às demandas sociais da classe trabalhadora, mediante um modelo de educação assentado na perspectiva da politecnia marxiana e da escola única gramsciana e, portanto, desvinculado da dimensão mercado de trabalho, o Governo Federal sancionou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – (LDB/1996), fruto de um projeto substitutivo do Senador Darcy Ribeiro, a qual negou aquela que vinha sendo construída pela sociedade civil organizada.

O modelo em construção adotava a concepção de educação que superava a ideia de escolaridade restrita e a compreensão ampla de formação humana, reconhecendo que o ato educativo deve ser constituído por um conjunto de processos que se desenvolvem em torno da indissociação dos aspectos da vida social e produtiva de cada ser humano, incorporando, como assevera Kuenzer (1997), o conceito de trabalho como princípio educativo, uma vez que o fim primeiro da educação é preparar o cidadão para se constituir como humanidade, participando da vida política e cultural e do mundo do trabalho.

Era pauta de discussão, também, nesse modelo, a efetiva democratização do acesso ao conhecimento em todos os seus níveis, a garantia do direito de todos por uma educação básica de qualidade, o financiamento constitucional da educação; o fomento de estratégias que pudessem favorecer a universalização desse nível; e a organização de um Sistema Nacional de Educação único, abrangendo, inclusive, a articulação entre a educação escolarizada e as demais ações educativas – educação não escolar – produzidas no seio da sociedade.

Contudo, a LDB/1996 aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) não só subordinou as políticas educacionais ao projeto de ajuste econômico-social em curso no país à época, como também contemplou as demandas da nova ordem do capital para a educação, em termos organizacionais e pedagógicos, capitaneados pelos organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Organização Mundial do Comércio (OMC), os quais tutoreavam as reformas educacionais, nomeadamente, nos países subdesenvolvidos.

A LDB/1996 organizou a educação nacional em dois níveis – Educação Básica, compreendendo três etapas: educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; e Educação Superior – e em seis modalidades de educação – Educação Profissional e Tecnológica, Educação de Jovens e Adultos, Educação a Distância, Educação Especial, Educação do Campo e Educação Indígena – (BRASIL, 1996),

AEducaçãoProfissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedoNorte: daLeinº5.692/1971aoProgramaBrasilProfissionalizado José Moisés Nunes da Silva, Suerda Maria Nogueira do Nascimento, José Flávio de Freitas 302 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 295-315, maio/ago. 2022 3AeducaçãoprofissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedoNorteàluzdaLei n.º9.394/1996

evidenciando “[…] as concepções relativas ao velho princípio educativo, expressão da clássica forma de divisão social do trabalho, que separa rigorosamente ciência de tecnologia, atividade teórica de atividade prática, pensar de fazer.” (KUENZER, 1997, p. 43).

Ora, em sendo as modalidades de educação uma forma de oferta educativa dotada de um corpo teórico-epistemológico-pedagógico próprio e que atende a um público específico ainda que possa se articular à Educação Básica, constituem-se em sistemas paralelos e, como tais, ratificam a dualidade educacional Particularmente para o ensino médio, a LDB/1996 estabeleceu, no art. 35, que teria duração mínima de três anos e as seguintes finalidades: I) a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental; II) a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando; III) o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV) a compreensão dos fundamentos científicotecnológicos dos processos produtivos (BRASIL, 1996).

Dessa forma, o ensino médio se voltou para a formação geral do educando, englobando a possibilidade de apropriação dos conhecimentos científicos historicamente construídos, a fim de alcançar a cidadania plena dos educandos mediante o exercício consciente da cidadania político-social-cultural.

Quanto à educação profissional, a LDB/1996 estabeleceu nos art. 39 e 40 que essa modalidade seria integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, e desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou no ambiente de trabalho, tendo como finalidade promover nos educandos – aí incluídos o egresso do ensino fundamental, os jovens e adultos e o trabalhador em geral – o permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva (BRASIL, 1996).

No ano seguinte, a educação profissional foi regulamentada pelo Decreto n.º 2.208/1997 – não sem ampla resistência de educadores progressistas, pesquisadores, associações, Centros Federais de Educação Tecnológica e universidades. Tal decreto a organizou em três níveis: básico (de qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia); técnico (proporcionando habilitação profissional); e tecnológico (correspondendo a cursos de nível superior na área tecnológica), e destacou que a educação profissional de nível técnico teria organização curricular própria e independente do ensino médio, podendo ser ofertada de forma concomitante (com matrículas distintas para cada curso); ou subsequente (para quem já concluiu o ensino médio) (BRASIL, 1997).

Com isto, o Governo Federal estabeleceu, peremptoriamente, a separação formal entre o ensino médio e a educação profissional, de modo que a relação estabelecida entre a última etapa da Educação Básica e essa modalidade era de complementaridade, pois a educação profissional passou a ser interpretada como um sistema paralelo de ensino.

Ademais, o mencionado Decreto também estabeleceu que o MEC, ouvido o Conselho Nacional de Educação (CNE), estabeleceria as diretrizes curriculares nacionais, evidenciando a carga horária mínima do curso, conteúdos mínimos, habilidades e competências básicas, por área profissional (BRASIL, 1997), de modo a orientar os sistemas de ensino na organização e no planejamento da educação profissional de nível técnico. Isso foi materializado com a homologação do Parecer CNE/CEB n.º 16/1999 e a Resolução CNE/CEB n.º 4/1999, que instituíram as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico (DCNEPNT).

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Assim, a educação profissional se aproximou do arcabouço conceitual presente no mundo empresarial, incorporando o conceito de competências e habilidades ao currículo escolar associado às noções de empregabilidade e de laborabilidade e, por suposto, proporcionando a jovens e adultos uma melhor transição para o mercado de trabalho.

De acordo com Ramos (2002), o conceito de competências e habilidades que o Decreto n.º 2.208/1997 sugere se reduz às competências profissionais prescritíveis num sistema produtivo estável, próprio do modelo taylorista-fordista de produção e, portanto, adequado à flexibilidade e à complexidade atual dos processos produtivos, que estão a incorporar os aspectos subjetivos dos trabalhadores.

As DCNEPNT estabeleceram que os cursos de nível técnico seriam organizados por áreas profissionais e teriam como princípios norteadores: independência e articulação com o ensino médio; desenvolvimento de competências para a laborabilidade; flexibilidade, interdisciplinaridade e contextualização na organização curricular; identidade dos perfis profissionais de conclusão de curso; atualização permanente dos cursos e currículos; e autonomia da escola em seu projeto pedagógico.

Enquanto o Decreto n.º 2.208/1997 reforça a dualidade estrutural da educação ao propor uma formação com foco no desenvolvimento de aptidões para atividades laborais, não abrangendo, portanto, a formação para a autorrealização humana nem para a construção da autonomia, a cidadania crítica e o prosseguimento de estudos; as DCNEPNT direcionam essa modalidade de educação para o atendimento das necessidades do capital, ancorada ao trabalho alienado e à reprodução social, prevalecendo um claro determinismo tecnicista.

Como consequência das mudanças na Educação Básica e na Educação Profissional pela LDB/1996, Decreto nº 2.208/1997 e DCNEPNT, a REERN, ao final da década de 1990, deixou de ofertar os cursos técnicos remanescentes da Lei n.º 5.692/1971 concentrando-se prioritariamente na oferta do ensino médio propedêutico e, subsidiariamente, na do ensino fundamental.

Em 2002, o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Norte (CEE-RN) normatizou, por meio da Resolução de n.º 02/2002-CEE-RN, a oferta de educação profissional de nível técnico na REERN, dispondo que essa modalidade de educação poderia ser desenvolvida de modo concomitante ou sequencial, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, e que seus objetivos seriam: promover a transição entre a escola e o mundo do trabalho, habilitando jovens e adultos com conhecimentos gerais e específicos a fim de aplicá-los em sua vida social e produtiva; formar profissionais de nível médio aptos a aplicar os conhecimentos adquiridos em atividades gerais e específicas; e especializar, atualizar e aperfeiçoar o trabalhador em seus conhecimentos científicos e tecnológicos (RIO GRANDE DO NORTE, 2002a).

Assim, a educação profissional concebida para a REERN se alinhava ao Decreto n.º 2.208/1997, visto que se assentava em uma concepção economicista de formação, pois a aprendizagem de jovens e adultos visava à obtenção de competências e habilidades que lhes permitissem (re)inserção no mercado de trabalho apenas e, não, para formar sujeitos para atuarem numa perspectiva histórico-social no mundo do trabalho e na vida política e cultural.

Nessa perspectiva de formação tecnicista, ainda no ano de 2002, a SEEC-RN criou o Centro Estadual de Educação Profissional Senador Jessé Pinto Freire (CENEP), por meio do Decreto Estadual n.º 16.592, de 18 de dezembro de 2002, com recursos oriundos do Programa de Expansão da Educação Profissional (PROEP) – Programa que visava à implantação da reforma da educação profissional promovida pelo Decreto n.º 2.208/1997 –, com a finalidade de instalar uma unidade específica para oferta de educação profissional de nível técnico na REERN (RIO GRANDE DO NORTE, 2002b).

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Em julho de 2004, o governo Lula da Silva (2003-2010) promulgou o Decreto n.º 5.154, trazendo uma nova organização à educação profissional no país, a qual passou a ser desenvolvida por meio de cursos e programas de formação inicial e continuada de trabalhadores; educação profissional técnica de nível médio, desenvolvida em articulação com o ensino médio, nas seguintes formas: integrada (proporcionando habilitação profissional na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno); concomitante (com matrículas distintas para cada curso); ou subsequente (para quem já concluiu o ensino médio); e educação profissional tecnológica de graduação e de pós-graduação (BRASIL, 2004).

Como podemos perceber, o referido Decreto manteve a oferta da educação profissional nas formas concomitante e subsequente, conforme previsto no Decreto n.º 2.208/1997 revogado e, assim, o governo Lula da Silva não estabeleceu como prioridade a forma de oferta do ensino médio integrado, fato esse ratificado pelo CNE, por meio do Parecer CNE/CEB n.º 39/2004, que deixou a critério das instituições de ensino a forma de oferta dessa modalidade de educação (integrada e/ou concomitante e/ou subsequente).

Todavia, a medida mais relevante do Decreto n.º 5.154/2004 foi a possibilidade de integração dos ensinos médio e técnico em um mesmo currículo, permitindo a reaproximação dos “[…] fundamentos filosóficos, epistemológicos e pedagógicos da concepção de educação politécnica, da formação omnilateral e da escola unitária.” (RAMOS, 2011, p. 775).

Subsidiada pelo mencionado Decreto, a SEEC-RN retomou, em 2006, por meio de um Projeto Piloto, a oferta da educação profissional técnica de nível médio na REERN, que foi desenvolvida no CENEP e nas Escolas Estaduais Francisco Ivo Cavalcanti e José Fernandes Machado, em Natal; Prof. Abel Freire Coelho, em Mossoró; e José Fernandes de Melo, em Pau dos Ferros (RIO GRANDE DO NORTE, 2015).

No CENEP, a oferta teve início em 2006, com os cursos subsequentes em Manutenção e Suporte em Informática e Gestão Empresarial; no ano seguinte, esses cursos foram ofertados também na forma de ensino médio integrado e no âmbito do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (PROEJA); em 2008, novos cursos foram agregados: Informática, Biodiagnóstico e Administração, todos na forma de ensino médio integrado. Nas demais Escolas Estaduais, os cursos técnicos ofertados foram Secretariado, Hospedagem e Turismo, todos na forma subsequente, tendo a implementação ocorrido apenas a partir de 2009 (RIO GRANDE DO NORTE, 2015).

As matrículas nas escolas do Projeto Piloto cessaram em 2012 devido à dificuldade enfrentada pela SEEC-RN na contratação de professores das áreas técnicas específicas dos cursos, ficando a conclusão das turmas a cargo de uma parceria firmada com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) do Rio Grande do Norte, que disponibilizou os professores daquelas áreas em 2011 e 2012. Embora O CENEP tenha enfrentado as mesmas dificuldades materiais (laboratórios, biblioteca etc.) e humana (contratação de professores) das demais escolas piloto, foi-lhe atribuída a responsabilidade de manter, nos anos seguintes, a oferta dessa modalidade na REERN, com a justificativa de que sua criação foi exclusiva para oferta de educação profissional (RIO GRANDE DO NORTE, 2015).

Assim, constatamos que as dificuldades enfrentadas pela SEEC-RN na retomada da oferta da educação profissional na Rede Estadual de Educação foram muito semelhantes às anteriormente ocorridas na vigência da Lei n.º 5.692/1971: falta de laboratórios, falta de materiais para as aulas práticas e, principalmente, falta de professores técnicos especializados para ministrar os conteúdos específicos de cada um dos cursos.

AEducaçãoProfissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedoNorte: daLeinº5.692/1971aoProgramaBrasilProfissionalizado José Moisés Nunes da Silva, Suerda Maria Nogueira do Nascimento, José Flávio de Freitas 305 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 295-315, maio/ago. 2022

Em 2011, o CEE-RN publicou a Resolução n.º 01/2011–CEE-RN, revogando a Resolução n.º 02/2002-CEE-RN e fixando novas normas operacionais para a educação profissional técnica de nível médio na Rede Estadual de Educação. Por essa nova Resolução os cursos técnicos ofertados nas formas integrado, concomitante ou subsequente deveriam ter suas denominações e a descrição do perfil profissional de acordo com as orientações do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos (CNCT), instituído pela Portaria MEC n.º 870/2008 e suas atualizações, assim como da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO).

Nova atualização ocorreu em 2015 por meio da Resolução n.º 01/2015-CEE-RN, a qual estabeleceu normas para a oferta dos cursos técnicos de nível médio nas formas presencial e a distância respeitando os itinerários formativos e também de cursos de formação inicial e continuada (FIC) destinados a jovens e adultos trabalhadores, objetivando qualificação para o trabalho (RIO GRANDE DO NORTE, 2015).

Em consequência dessa Resolução, a SEEC-RN publicou a Portaria n.º 775/2015, designando uma comissão interinstitucional para elaborar uma proposta de reestruturação da educação profissional técnica de nível médio e da qualificação profissional na REERN. Como resultado do trabalho, foi publicado, ainda em 2015, o Plano Institucional de Educação Profissional da REERN.

Enfim, podemos afirmar que a oferta da educação profissional técnica de nível médio na REERN não se materializou conforme planejado, devido à ausência das condições materiais e humanas (inexistência ou deficiência de laboratórios e equipamentos; ausência de insumos para as aulas práticas; e falta de professores habilitados nas áreas específicas dos cursos). No entanto, um novo alento para essa modalidade na REERN veio com o Programa Brasil Profissionalizado.

O Programa Brasil Profissionalizado (PBP) foi instituído pelo Decreto n.º 6.302/2007, com a finalidade de estimular, nas redes estaduais de educação, o ensino médio integrado à educação profissional, enfatizando a educação científica e humanística por meio da articulação entre formação geral e educação profissional no contexto dos arranjos produtivos e das vocações locais e regionais (BRASIL, 2007).

De acordo com o referido Decreto, o PBP possibilitaria aos Municípios, Estados e Distrito Federal a modernização de seus espaços físicos por meio de construções, reformas ou ampliações, aquisição de acervo bibliográfico, material de consumo e formação de docentes, gestores e pessoal técnico-administrativo. Para tanto, o Governo Lula da Silva previa investir R$ 900 milhões entre os anos de 2008 e 2011, com a perspectiva de atender 750 escolas em 500 municípios, 800 mil alunos, capacitar 14 mil professores e construir 2.500 laboratórios, entre os quais o de física, química, biologia, matemática e informática (BRASIL, 2007).

Nesse contexto, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte fez adesão ao PBP, em 2008, assumindo junto à União, o compromisso de construir, reformar, ampliar e modernizar escolas de sua Rede Estadual de Educação, a fim de ampliar a oferta da educação profissional pública estadual e, consequentemente, elevar o número de matrículas nessa modalidade de educação. O aporte financeiro recebido de R$ 124,1 milhões, provenientes de quatro convênios, abrangeu as ações descritas no Quadro 1.

Como se pode perceber, quase a totalidade dos recursos conveniados – R$ 118,8 milhões (96%)

– foram destinados a obras de ampliação e/ou reforma de 109 unidades escolares e à construção de dez Centros Estaduais de Educação Profissional (CEEP), restando apenas R$ 5,3 milhões (4%) dos recursos, para as demais ações conveniadas.

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AEducaçãoProfissionalnaRedeEstadualdeEducaçãodoRioGrandedoNorte: daLeinº5.692/1971aoProgramaBrasilProfissionalizado José Moisés Nunes da Silva, Suerda Maria Nogueira do Nascimento, José Flávio de Freitas 306 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 295-315, maio/ago. 2022

A contrapartida do Governo do Estado na adesão ao PBP foi da ordem de 1,2 milhão (1% do total conveniado), que poderia ser utilizado tanto para a fase de obras quanto para a contratação do corpo docente necessário para o funcionamento das unidades escolares e a manutenção dos espaços contemplados com o Programa.

Quadro 1. Ações e recursos investidos pelo PBP no Rio Grande do Norte AÇÃO

Ampliação e/ou reforma para implantação de 109 escolas

RECURSOS

R$ 63.558.944,36

Aquisição de equipamentos de três núcleos de Educação a Distância R$ 815.592,99

Construção de dez Centros Estaduais de Educação Profissional R$ 55.229.737,80

Aquisição de Laboratórios Técnicos R$ 1.973.211,08

Aquisição de acervo bibliográfico R$ 1.523.070,00

Aquisição de equipamentos para as escolas R$ 426.777,98

Realização de Seminários de formação R$ 594.600,00

TOTAL R$ 124.121.934,21

Fonte: Elaborado pelos autores a partir do Relatório de Gestão SEEC-RN/SUEP, 2012

Os critérios para a seleção das 109 unidades escolares foram, além da localização geográfica (com a intenção de interiorizar a oferta da educação profissional na REERN), a dominialidade (direito patrimonial) das escolas e a proposta da oferta de cursos técnicos vinculados aos arranjos produtivos locais (APL) (sistema complexo de articulações de empresas com sinergia coletiva e que operam em conjunto com o governo, associações, cooperativas e instituições de ensino e pesquisa), de forma a contribuir com a ampliação da economia local e regional.

Na Figura 1, é apresentada uma visão panorâmica da distribuição geográfica das 53 escolas de educação profissional (identificadas no mapa pelos pontos na cor vermelha) e dos dez CEEP (representados pelos pontos na cor preta).

Figura 1. Distribuição geográfica das Escolas Estaduais de Educação Profissional e CEEP no Rio Grande do Norte

Fonte: Adaptado pelos autores a partir do Mapa do Estado do Rio Grande do Norte, 2018

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Para viabilizar as reformas e/ou ampliação das 109 escolas de ensino médio que seriam transformadas em escolas de educação profissional, a SEEC-RN considerou dois grupos, correspondendo a duas fases: uma com 48 escolas, e outra compreendendo 61 escolas. Segundo informações do Relatório de Gestão da SEEC-RN, de 2014, a segunda fase não chegou a ser efetivada em razão de atraso no andamento das obras da primeira fase e do estabelecimento das condições materiais e humanas para seu funcionamento, tanto que as escolas reformadas no âmbito do PBP só ofertaram cursos técnicos em 2017 (Quadro 2).

Quadro 2. Escolas Estaduais que ofertaram ensino médio integrado em 2017 (continua)

# MUNICÍPIO

ESCOLAS

1 Natal E. E. Gov. Walfredo Gurgel Energia Renovável

CURSO TÉCNICO

2 Natal E.E Luís Antônio Segurança do Trabalho

3 Natal E. E. Berilo Wanderley Informática

4 Canguaretama E. E. Guiomar Vasconcelos Segurança do Trabalho

5 Goianinha E. E. João Tibúrcio Segurança do Trabalho

6 Parnamirim E. E. Dr. Antônio Souza Administração

7 São José do Mipibú E. E. Prof. Francisco Barbosa Administração

8 Brejinho E.E José Lúcio Ribeiro Segurança do Trabalho

9 Nova Cruz E. E. Rosa Pignataro

10 Passagem E. E. Antônio de O. Fagundes Administração

11 Bom Jesus E. E José Alves de Melo Informática

12 Pendências E. E Prof. Honório

13 Coronel Ezequiel E. E José Joaquim

Manutenção e Suporte em Informática

Manutenção e Suporte em Informática

Manutenção e Suporte em Informática

14 Santa Cruz E. E. João Ferreira de Souza Administração

15 Santa Cruz E. E. José Bezerra Cavalcante Guia de Turismo

16 Afonso Bezerra E. E. Profa. Gildecina Bezerra Agroecologia

17 Lajes E. E. Pedro II Edificações

18 Pedro Avelino E. E. Profa. Josefa Sampaio Marinho Segurança do Trabalho

19 Cerro Corá E. E. Querubina Silvira Informática

20 Currais Novos E. E. Manoel Salustino Mineração

21 Florânia E. E. Teônia Amaral Segurança do Trabalho

22 Parelhas E. E. Mons. Amâncio Ramalho Manutenção e Suporte em Informática

23 São Vicente E. E. Aristófanes Fernandes Informática

24 Caicó Centro Educacional José Augusto

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Manutenção e Suporte em Informática

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Quadro

# MUNICÍPIO ESCOLAS CURSO TÉCNICO

25 Caicó E. E. Clapúrnia Caldas Edificações

26 Jardim do Seridó Centro Educacional Felinto Elísio Manutenção e Suporte em Informática

27 Jucurutu E. E. Newman Queiroz Segurança do Trabalho

28 Serra Negra do Norte E. E. Leomar Batista Informática

29 Ouro Branco E. E. Manoel Correia Informática

30 Açu E. E. Juscelino Kubitscheck

31 Mossoró E. E. José de Freitas Nobre Informática

32 Mossoró E. E. Prof. Abel Freire Coelho Informática

33 Serra do Mel E. E. José de Anchieta Informática

34 Upanema E. E. José Calazans Freire

Manutenção e Suporte em Informática

Manutenção e Suporte em Informática

35 Tibau E. E. Rui Barbosa Informática

36 Apodi E. E. Profa. Maria Zenilda Torres Informática

37 Apodi E. E. Antônio Dantas Edificações

38 Apodi E. E. Valdemiro Pedro Viana Administração

39 Caraúbas E. E. Lourenço Gurgel Administração

40

Itaú

E. E. Francisco de Assis Pinheiro

41 Severiano Melo E. E. Severiano Melo Administração

43

Manutenção e Suporte em Informática

42 Almino Afonso E. E. Estudante Ronald Neo Manutenção e Suporte em Informática

Frutuoso Gomes E. E. Ivonete Carlos Informática

44 Major Sales E. E. 26 de Junho Edificações

45 São Francisco do Oeste E. E. Prof. Manoel Herculano Segurança do Trabalho

46

47

48

Parazinho

Jandaíra

E. E. Senador Jessé Pinto Freire Agroecologia

E. E. Profa. Maria da Conceição Messias Administração

São Bento do Norte E. E. Senador Dinarte Mariz

José Moisés Nunes da Silva, Suerda Maria Nogueira do Nascimento, José Flávio de Freitas n.2, p. 295-315, maio/ago.

Manutenção e Suporte em Informática

Fonte: Adaptado pelos autores a partir do Relatório de Gestão SEEC-RN/SUEP, 2017.

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2. Escolas Estaduais que ofertaram ensino médio integrado em 2017 (conclusão)

A distribuição espacial dos dez CEEP, bem como os respectivos cursos técnicos previstos (Quadro 3), também obedece à relevância econômica dos municípios e APL onde estão instalados. Vale ressaltar que, somente em 2017, sete CEEP entraram em funcionamento; em 2021 mais um; e os outros dois estão com previsão para início de suas atividades em 2022.

Quadro 3. Distribuição e previsão de cursos dos dez CEEP MUNICÍPIO CURSOS TÉCNICOS PREVISTOS

Natal – Zona Oeste Petroquímica; Biocombustível; e Petróleo e Gás Natal – Zona Norte Petroquímica; Biocombustível; e Informática Extremoz Análises Químicas; Informática; Segurança do Trabalho; e Petróleo e Gás

São Gonçalo do Amarante Eletrotécnica; Aeroportuária; e Manutenção de Aeronaves Macaíba Edificações; Desenho da Construção Civil; e Segurança do Trabalho Parnamirim Petroquímica; Sistemas a Gás; Biocombustível; e Petróleo e Gás Ceará-Mirim Açúcar e Álcool; Agroindústria; e Comércio Exterior Alto do Rodrigues Agroecologia; Petróleo e Gás; Biocombustível; e Informática Açu Guia de Turismo; Serviços de Bar e Restaurante; Meio Ambiente Mossoró Segurança do Trabalho; Biocombustível; Petróleo e Gás; e Edificações Fonte: Elaborado pelos autores, a partir do Relatório de Gestão SEEC-RN/SUEP, 2011

A implementação e consolidação da oferta de educação profissional como política pública educacional permanente na REERN compreende, como assevera Pacheco (2010, p. 17), “[…] a educação como compromisso de transformação e de enriquecimento de conhecimentos objetivos capazes de modificar a vida social e de atribuir-lhe maior sentido e alcance no conjunto da experiência humana.”

Com efeito, as 53 escolas adaptadas para a oferta de educação profissional e os dez CEEP “[…] devem explorar as potencialidades de desenvolvimento, a vocação produtiva de seu lócus; a geração e transferência de tecnologias e conhecimentos e a inserção, nesse espaço, da mão de obra qualificada” (PACHECO, 2010, p. 19).

No Quadro 4 apresenta-se a evolução do número de matrículas de ensino médio integrado na REERN no período de 2007-2017, bem como em nível nacional e na região Nordeste.

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Quadro 4. Evolução de matrículas no ensino médio integrado – 2007-2017

Ano Matrículas no ensino médio integrado Nacional Nordeste Rio Grande do Norte Federal Estadual Federal Estadual Federal Estadual

2007 27.204 37.942 11.727 13.986 1.652 576

2008 47.644 60.861 23.384 31.975 2.632 514

2009 61.313 84.560 27.926 43.316 3.588 694

2010 76.137 108.585 32.016 56.453 4.495 427

2011 92.378 133.776 36.097 71.723 5.259 560

2012 104.957 158.369 40.774 84.554 6.439 591

2013 117.747 183.637 46.233 95.245 7.416 800

2014 127.455 199.921 49.186 96.719 8.695 784

2015 133.562 224.739 49.674 110.019 9.873 629

2016 151.279 246.516 53.192 122.701 10.642 695

2017 173.360 257.996 60.619 131.085 11.655 3.116

Fonte: Elaborado pelos autores a partir dos dados do INEP – Sinopse da educação básica 2007-2017

Os dados revelam que, no período assinalado, o número de matrículas no ensino médio integrado, tanto no âmbito nacional (federal e estadual) quanto na região Nordeste (federal e estadual) e no Rio Grande do Norte (federal) apresentou um crescimento anual contínuo. A exceção ficou na Rede Estadual de Educação do Estado, que apresentou variação de decrescimento/crescimento, no período.

Na dependência administrativa federal o crescimento de matrículas no ensino médio integrado de 2017 em relação a 2007 foi da ordem de 537% (âmbito nacional), 417% (região Nordeste) e 606% (no Rio Grande do Norte). Já na esfera estadual, a variação percentual no mesmo período foi de 580% (nacional) e 837% (região Nordeste).

Especificamente na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte, ainda que tenha havido decrescimento/crescimento no número de matrículas no ensino médio integrado, de um ano em relação a outro, o crescimento de 2017 (3.116 matrículas) em relação a 2016 (695 matrículas) foi da ordem de 348,35%, fruto da adesão do Governo do Estado ao PBP.

Assim, até o ano de 2016, não se identificou a ocorrência de nenhuma mudança considerável no quadro das matrículas de ensino médio integrado na REERN, uma vez que a oferta da educação profissional no período de 2007 a 2016, ficou a cargo exclusivamente do CENEP. No entanto, a partir de 2017, com a indução do PBP, as matrículas cresceram, apontando, por um lado, o cumprimento da finalidade – expansão da educação profissional nas redes estaduais de educação – do Programa e, por outro, a perspectiva da consolidação dessa oferta educacional na REERN.

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5ConsideraçõesFinais

Historicamente, a educação profissional no Brasil e, particularmente, na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte (REERN) tem a marca da descontinuidade uma vez que, a cada sucessão de governo, programas são instituídos em sintonia com as políticas econômico-sociais, acarretando uma releitura das ações governamentais anteriormente promovidas.

A trajetória da educação profissional na REERN revela ações tímidas nesse campo epistêmico. No período da Ditadura Civil-Militar, por força da Lei n.º 5.692/1971, promoveu a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2.º grau, mediante habilitações técnicas vinculadas aos três setores da economia: primário, secundário e terciário, com maior visibilidade desse último.

Depois de alcançar o ápice dessa oferta em 1985, quando os cursos técnicos foram ofertados em 110 escolas estaduais em diversos municípios, ocorreu sua quase extinção na década de 1990, em consequência da aprovação da LBD/1996, quando a mencionada Rede assumiu, prioritariamente, a oferta do ensino médio propedêutico e, subsidiariamente, o ensino fundamental.

Na segunda metade da primeira década dos anos 2000, esboçou, com base no Decreto n.º 5.154/2004, um retorno à oferta da educação profissional por meio de um Projeto Piloto que foi desenvolvido no Centro Estadual de Educação Profissional Senador Jessé Pinto Freire (CENEP), construído para esse fim com recursos do PROEP; nas Escolas Estaduais Francisco Ivo Cavalcanti e José Fernandes Machado, em Natal; Prof. Abel Freire Coelho, em Mossoró; e José Fernandes de Melo, em Pau dos Ferros, as quais cessaram a oferta em 2012 em consequência das dificuldades enfrentadas pela SEECRN na contratação de professores das áreas técnicas específicas dos cursos.

A retomada dessa modalidade de educação tomou corpo com a adesão do Governo do Estado ao Programa Brasil Profissionalizado (PBP). Com um aporte financeiro de 124,1 milhões, a SEEC-RN promoveu a reforma e/ou ampliação de 48 escolas de ensino médio adaptando-as para a oferta de cursos técnicos, bem como a construção de dez Centros Estaduais de Educação Profissional (CEEP), além da aquisição de equipamentos, mobiliários e acervo bibliográfico e da realização de formação continuada para gestores e professores dessas unidades escolares.

As 48 escolas e sete CEEP iniciaram a oferta de cursos técnicos integrados somente a partir de 2017, causando impacto na REERN, pois o incremento de 348,35% nas matrículas de 2016 (695) para 2017 (3.116) aponta para a perspectiva da retomada e expansão dessa oferta educacional. Nesse sentido, o Governo do Estado vem desenvolvendo esforços para dotar as unidades escolares de equipamentos, mobiliários e laboratórios necessários, bem como para construir um quadro de professores nomeadamente das áreas técnicas, o que resultará, decisivamente, na aprendizagem e no desenvolvimento dos estudantes potiguares.

De todo modo, podemos inferir que o PBP cumpriu sua finalidade e objetivos estabelecidos, uma vez que as ações para a retomada e expansão da educação profissional na REERN se materializaram, ainda que a SEEC-RN tenha enfrentado dificuldades materiais (ausência de laboratórios para aulas práticas) e de pessoal (professores técnicos especializados das disciplinas específicas dos cursos) para a sua implementação.

Entendemos, ainda, o esforço do Governo do Estado, por meio da SEEC-RN, em viabilizar a oferta da educação profissional na REERN, mesmo que induzido pelo financiamento do PBP, mediante a interiorização desse ensino, de modo a contribuir não apenas com o desenvolvimento socioeconômico local e da região, como também a formação profissional de jovens e adultos e sua permanência no território a que pertence.

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Enfim, esperamos que o compartilhamento dos resultados deste estudo venha contribuir para a reflexão acerca das necessidades inerentes à formação humana, para que o Rio Grande do Norte possa não apenas proclamar melhores indicadores educacionais e socioeconômicos como também suscitar novas pesquisas no âmbito da educação profissional na Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Norte.

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Submetido em: 2 mar. 2022

Aceito em: 19 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p316-336

Sergio Ricardo Pereira Cardoso https://orcid.org/0000-0001-5634-5604

Doutor em Educação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) Campus Bragança/PA – Brasil. E-mail: sergio.ricardo@ifpa.edu.br.

Andréa Fernanda Ferreira Quaresma https://orcid.org/0000-0002-3860-9706

Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). Técnico de Laboratório, área Química, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) Campus Abaetetuba/PA – Brasil. E-mail: andrea.ferreira@ifpa.edu.br.

Resumo

A presente pesquisa trata da história e memória de implantação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará Campus Abaetetuba, de forma a investigar como se deu a implementação do Ensino Médio Integrado (EMI) no processo de implantação desse Campus. Para tanto, efetuamos uma pesquisa com abordagem qualitativa baseada no levantamento bibliográfico, pesquisa documental e história oral. Com relação ao referencial teórico e metodológico, privilegiou-se Gil (2002) no que tange à pesquisa documental, Alberti (1996, 2004, 2012) e Portelli (1997, 2006) acerca de história oral e memória; ao se discutir o Ensino Médio Integrado e a Educação Profissional e Tecnológica nos baseamos nas premissas de Frigotto; Ciavatta e Ramos (2005). A pesquisa permitiu identificar diversos problemas estruturais, além de deficit de recursos didáticos nos anos iniciais de implantação desse espaço educacional, assim como o esforço de docentes e técnicos para garantir formação integral aos alunos, formação humana para a qualificação profissional, também para a crítica e transformação social. Por fim, identificou-se o protagonismo do movimento estudantil na reinvindicação por melhorias.

Palavras-chave: Educação Profissional e Tecnológica. Ensino Médio Integrado. História e Memória. História Oral.

Abstract

The present research deals with the history and memory of the implementation of the Federal Institute of Education, Science and Technology of Pará Campus Abaetetuba, in order to investigate how the implementation of Integrated High School (EMI) took place, in the process of implantation of this Campus. Therefore, we carried out a research with a qualitative approach based on bibliographic research, documental research and oral history. Regarding the theoretical and methodological framework, Gil (2002) was privileged with regard to documentary research, Alberti (1996, 2004, 2012) and Portelli (1997, 2006) about oral history and memory; when discussing Integrated High School and Technical and Vocational Education and Training, we are based on Frigotto's, and Ciavatta and Ramos’ premises (2005). The research allowed us to identify several structural problems, in addition to deficits in didactic resources in the initial years of implementation of this educational space, as well as the effort of teachers and technicians to guarantee integral education to students, human formation for professional qualification, also for criticism and social transformation. Thus the protagonism of the student movement in the demand for improvements was identified.

Keywords: Technical and Vocational Education and Training (TVET). Integrated High School. History and Memory. Oral History.

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MemóriasdasexperiênciasiniciaisemumInstitutoFederal:oEnsinoMédio IntegradonoIFPACampusAbaetetuba(2008–2013)
Memories of initial experiences at a Federal Institute: integrated high school at IFPA Campus Abaetetuba (2008–2013)

Resumen

La presente investigación trata de la historia y la memoria de la implementación del Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de Pará Campus Abaetetuba, con el fin de investigar la implementación de la Escuela Secundaria Integrada (EMI), en el proceso de implantación de este Campus. Por ello, realizamos una investigación con enfoque cualitativo basada en la investigación bibliográfica, documental y la historia oral. En cuanto al marco teórico y metodológico, Gil (2002) fue privilegiado en cuanto a la investigación documental, Alberti (1996, 2004, 2012) y Portelli (1997, 2006) sobre historia oral y memoria; al hablar de Educación Secundaria Integrada y Educación Tecnológica, nos basamos en las premisas de Frigotto; Ciavatta y Ramos (2005). La investigación permitió identificar problemas estructurales, además de déficits de recursos didácticos en los años iniciales de implementación de ese espacio educativo, así como el esfuerzo de docentes y técnicos para garantizar la formación integral de los estudiantes, la formación humana para la calificación profesional, también por la crítica y la transformación social. En fin, se identificó el protagonismo del movimiento estudiantil en la demanda de mejoras.

Palabras clave: Educación Profesional y Tecnológica. Escuela Secundaria Integrada. Historia y Memoria. Historia Oral.

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Memorias de experiencias iniciales en un Instituto Federal: escuela secundaria integrada en IFPA Campus Abaetetuba (2008–2013)

1Consideraçõesiniciais

A partir da década de 1990, empreenderam-se mudanças significativas na educação em geral, que também afetaram a educação profissional; pois, entre 1994 e 1997, as Escolas Técnicas Federais foram se tornando Centros de Ensino Técnico, chamados Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs). Mediante essa conjuntura de transformações na Rede Federal de Educação Profissional, empreendidas na última década do século XX e nos anos iniciais do século XXI, deu-se a instalação da Unidade de Ensino Descentralizada (UNED) em Abaetetuba (IBGE, 2020) 1 , que funcionava nesse município ainda vinculada ao Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará (CEFET-PA), ocorrendo sua aula inaugural no dia 20 de outubro de 2008 (BRASIL, 2008a).

A referida Unidade funcionou um breve tempo como UNED, sendo, no ano seguinte, incorporada pela implantação do IFPA Campus Abaetetuba em 2009 (BRASIL, 2009), mudança ocorrida como reverberação da Lei Federal n.º 11.892 de 29 de dezembro de 20082, que instituiu a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e criou os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. Acrescenta-se, pelo que já foi constatado pela pesquisa, que a mediação para a cessão da estrutura do IFPA Campus Abaetetuba, sobretudo do terreno para a sua construção, deu-se com a intervenção definitiva da Governadora Ana Júlia e com a aprovação do decreto legislativo pela Assembleia Legislativa do Estado do Pará (PARÁ, 2007). Além disso, a atmosfera política federal, estadual e municipal em se tratando do campo partidário, de fato parece ter favorecido os acordos e as parcerias com vistas à implantação desse Instituto Federal em Abaetetuba. Em âmbito federal, estava em curso o segundo mandato do Presidente Luís Inácio Lula da Silva; no cenário estadual, a governadora era Ana Júlia Carepa; e, no contexto político abaetetubense, finaliza-se o Governo Luís Lopes; todos do Partido dos Trabalhadores.

O registro e a análise de memórias desses acontecimentos são de suma importância para a História da Educação Profissional do Brasil, os quais, aliados a uma vasta bibliografia concernente à história e memória institucional, bem como a projetos de ensino e práticas educativas (ANDRADE, 2006; MENDES, 2019; MOTTA, 1995; SILVA, J., 2018; SILVA, V., 2018), colaboram para explicitar as peculiaridades locais em que essas transformações se deram. Em meio a esse aporte acadêmico, constatou se a construção de um campo de estudo específico, a história e memória dos Institutos Federais (CIAVATTA, 2005; LOBATO, 2012; SCHIEDECK, 2019).

Neste contexto, Schiedeck (2019), em seu trabalho “Narrativas memoriais sobre os Institutos Federais: a concepção de uma nova institucionalidade para a Educação Profissional e Tecnológica”, empreende sua pesquisa, de forma a registrar em um documentário as memórias políticas e teóricas de agentes políticos, idealizada e concretizada de 2004 a 2008. Ainda sobre essa temática, Mendes (2019), baseado em pesquisa documental, bibliográfica e também de coleta de relatos orais, efetivou uma importante pesquisa sobre a relação entre a criação do Instituto Federal Goiano e o mundo do trabalho à época. Na mesma direção, Cândido (2019) empenhou-se no registro das memórias de ex-alunos e servidores sobre a constituição e o funcionamento do Instituto Federal do Ceará.

1 De acordo com o atlas Divisão Territorial Brasileira (IBGE, 2020): Abaetetuba é um município paraense situado na região Norte do Brasil, tal município pertence à Mesorregião do Nordeste Paraense e à microrregião de Cametá.

2 A Lei n.º 11.892/2008 teve um alcance nacional, inclusive transformando o CEFET – PA (Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará) em IFPA (Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará) (BRASIL, 2008b).

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Neste sentido, desenvolveu-se a pesquisa acerca da história e memória institucional do momento de implementação do IFPA, situado na cidade de Abaetetuba, nordeste do Pará. Assim, este artigo alude ao EMI no processo de implantação do IFPA Campus Abaetetuba, de forma a dar conta da seguinte questão: quais os obstáculos e superações recorrentes no período de implementação do EMI no IFPA Campus Abaetetuba durante seu processo de implantação (2008-2013)?

A partir desse questionamento, objetivou-se investigar a efetivação do EMI no IFPA Campus Abaetetuba durante seu processo de implantação (2008-2013) com foco nas memórias. Complementarmente, nos empenhamos em: inquirir as documentações referentes à implantação do IFPA Campus Abaetetuba, bem como os documentos relacionados ao constructo do EMI nessa instituição; registrar as memórias de sujeitos que experienciaram a realização do EMI no referido período; analisar as entrevistas coletadas quanto aos obstáculos e superações encontrados pelos agentes escolares nos anos iniciais de implantação e funcionamento do EMI nesse Instituto Federal.

Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental Segundo Teixeira (2005), a revisão da literatura, que incorpora a pesquisa bibliográfica, constitui-se na pesquisa preliminar do que se tem produzido sobre a temática que se busca investigar. Já a pesquisa documental, de acordo com Gil (2002), sustenta-se na análise de documentos externos e internos que possam constituir-se enquanto fontes de pesquisa à problemática em questão.

A tipologia da pesquisa pode ser denominada ex-post-facto, que deve conformar-se na efetivação da coleta de relatos orais acerca de eventos passados por meio de entrevistas com sujeitos sociais alvos da pesquisa idealizada (GIL, 2002). As fontes auferidas por meio das entrevistas foram analisadas à luz da categoria memória, entendendo-a como algo dinâmico, marcado em um contexto sociocultural que permite a compreensão coletiva, porém notadamente individual (PORTELLI, 1997).

Ressalte-se que, ao registrarmos e analisarmos marcas do passado do IFPA Campus Abaetetuba, a pesquisa contribuiu para a constituição de um acervo coincidente a trechos da história e memória da vida de parte da população desse município paraense, ou seja, há uma possibilidade potencial de (auto)identificação dos sujeitos envolvidos. Desta forma, contar a história desse Campus revela a importância de se preservar a memória da instituição, traduzindo-se em uma memória coletiva para a sociedade Abaetetubense.

2Aspectosmetodológicos

Esta pesquisa tem como configuração predominante o enfoque qualitativo, que, segundo Denzin e Lincoln (2006, p. 17), se caracteriza por “um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo”. Isso se dá por conta da possibilidade de se fazer uma análise interpretativa do mundo atenta a aspectos tais como os significados que as pessoas atribuem a dados eventos e/ou experiências vividas.

O locus da pesquisa foi o IFPA Campus Abaetetuba, situado à Rua Rio de Janeiro, no bairro da Francilândia, na cidade de Abaetetuba – Pará. Como enunciado anteriormente, o instituto iniciou suas atividades no dia 20 de outubro de 2008, ainda como Unidade de Ensino Descentralizada vinculada ao antigo CEFET-PA, sendo, em janeiro de 2009, elevado à condição de IFPA Campus Abaetetuba.

Como recurso metodológico primário, tem-se a pesquisa bibliográfica que, segundo Gil (2002), pode ser tomada como uma pesquisa, principalmente em livros e artigos científicos sobre o tema estudado.

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Teixeira (2005) enuncia esse procedimento como revisão da literatura, que se efetiva como uma pesquisa preliminar quanto ao macrocampo de investigação, no qual encontra-se incerto o objeto sobre o qual se inclina a pesquisa.

Aliado a isso, tem-se o trabalho com a pesquisa documental. Esse segundo recurso é apontado como uma boa estratégia para trabalhos que tratam da história e memória institucionais, pois permite inúmeras vantagens nesses campos de pesquisa. Nessa perspectiva, consultamos documentos referentes ao instituto, como leis, decretos, entre outros, que apresentaram potencialidades consideráveis nas discussões em torno da problemática e dos objetivos enunciados.

Em simbiose com a revisão da literatura e a pesquisa documental, optou-se pela metodologia da História Oral. O uso desta, como afirma Alberti (1996), implica o estabelecimento indissociável entre história e memória, já que se recorre à memória presente de um sujeito social acerca de um evento passado.

A coleta dos relatos orais foi efetivada mediante levantamento prévio dos servidores e egressos do IFPA Campus Abaetetuba, e, posteriormente, o agendamento das entrevistas, conciliando-se a disponibilidade das pessoas convidadas a participar da pesquisa com a da pesquisadora. Assim, considerando as dificuldades para o encontro presencial, sobretudo devido ao momento de pandemia que se viveu no contexto de execução da presente pesquisa, a maioria das entrevistas foram realizadas por meio da ferramenta virtual Google Meet.

Realizamos ainda entrevistas semiestruturadas com treze sujeitos sociais que participaram da articulação para a vinda do Instituto para Abaetetuba e também com os que vivenciaram experiências educacionais na instituição no período da pesquisa. Tais entrevistas permitiram reconstituir a história da implantação e trajetória de funcionamento desse instituto de 2008 a 2013. Dentre os sujeitos sociais com os quais se efetivou a coleta de dados por meio das entrevistas, destacamos: Docentes - foram considerados para tal escolha os professores que atuaram nas primeiras turmas do EMI – Edificações e Informática; Ex-gestores - docentes que assumiram cargos de gestão no período da pesquisa: diretor-geral, diretor de ensino, coordenador dos cursos de EMI em Informática e Edificações, de acordo com o período enunciado, assim como o último gestor da OSETPP; Técnico-Administrativo Educacional - o qual atuou no recorte temporal da pesquisa; Ex-alunos - egressos das primeiras turmas do EMI: Edificações e Informática. Além desses, por haver participado ativamente do processo de implantação, entrevistouse o secretário municipal de educação da época.

Para a análise dos dados foi adotada a análise de conteúdo que, segundo Minayo (2007), é uma técnica de tratamento de dados coletados a qual visa à interpretação de material de caráter qualitativo, assegurando uma descrição objetiva, sistemática e com a riqueza manifesta no momento de sua coleta.

Corroborando Minayo (2007) acerca da análise de dados, Bardin (2016) destaca que existem três diferentes fases de análise de conteúdo. Tais fases, a pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação, também serão adotadas nesta pesquisa, conforme descrição a seguir: 1) Pré-análise, fase de organização propriamente dita - seleção dos documentos, formulação das hipóteses e dos objetivos e elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final; 2) Exploração do material, consistindo essencialmente em operações de codificação, decomposição ou enumeração, em função de regras previamente formuladas; e 3) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação, quando o analista, tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos – ou que digam respeito a outras descobertas inesperadas (BARDIN, 2016, p. 125 e 131).

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3Aporteteórico

3.1 Memória, história e memória institucional

Nas últimas décadas, pesquisadores das diversas áreas das humanidades têm pensado a memória sob três entendimentos principais: memória coletiva, memória individual e memória como um compósito de coletiva e individual. De acordo com tais assertivas iniciais, neste trabalho adotamos a ideia de memória que a entende como uma simbiose de individual e coletiva, fundamentalmente como social.

Halbwachs (2006) considera que a memória de um indivíduo é constituída a partir das relações ocasionadas com seus grupos de convivência e com os grupos de referências particulares desse indivíduo; assim, essa memória individual dialoga não apenas com a memória coletiva do momento em que dado evento foi vivido, mas também é permeada pelas relações com os grupos ou instituições das quais fazia parte ou passe a fazer. Essa memória coletiva tem o relevante papel de colaborar com o indivíduo para sentir-se parte de uma comunidade de pessoas que tem um passado comum e compartilham memórias. Neste sentido, as premissas de Halbwachs (2006) acerca da existência da memória individual sendo projetada sobre uma memória coletiva podem enunciar: “De bom grado, diríamos que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda segundo o lugar que ali ocupo e que esse mesmo lugar muda segundo as relações que mantenho com outros ambientes” (HALBWACHS, 2006, p. 69).

Complementando tal entendimento, Portelli (2006) entende a coexistência de memória individual com memória coletiva como indissociável fruto do social, pois

Se toda memória fosse coletiva, bastaria uma testemunha para uma cultura inteira; sabemos que não é assim. Cada indivíduo, particularmente nos tempos e sociedades modernos, extrai memórias de uma variedade de grupos e as organiza de forma idiossincrática. Como todas as atividades humanas, a memória é social e pode ser compartilhada (razão pela qual cada indivíduo tem algo a contribuir para a história “social”). (PORTELLI, 2006, p. 127).

A leitura do excerto é convidativa ao compartilhamento das memórias individuais sobre experiências coletivas, que em dados momentos se complementam sobre um dado evento ou momento vivido e, em outro podem até seguir em direções diferentes, expressando informações diversas ou mesmo antagônicas, mas que nada mais farão do que expressar um compósito de memória social.

No âmbito da construção da história institucional, bem como da preservação de sua memória, Andrade (2006) evidencia que “As instituições utilizam sistemas de símbolos, tais como linguagem, tecnologia, valores, crenças, normas e conhecimento para preservarem sua memória e, neste processo, sofrem influência e pressão da realidade sócio-histórica em que estão presentes.” (ANDRADE, 2006, p. 4).

Dessa forma, a memória produzida no fazer institucional acaba tendo a interferência dos projetos ali idealizados e materializados, pois além de se relacionar a conteúdos educacionais, acaba por sofrer influência sócio-histórica do local e da cultura onde está inserida. Sobre a relação história e memória institucional, Ciavatta (2006) demonstra a importância da atenção às memórias dos diversos sujeitos sociais envolvidos em um espaço educacional, pois

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A identidade que cada escola e seus professores, gestores, funcionários e alunos constroem é um processo dinâmico, sujeito permanentemente à reformulação relativa às novas vivências. De outra parte, esse processo está fortemente enraizado na cultura do tempo e lugar em que os sujeitos sociais se inserem e na história que se produziu a partir da realidade vivenciada, que constituiu ela mesma “um lugar de memória”. (CIAVATTA, 2006, p. 316).

Seguindo uma abordagem aproximada ao exposto acima, Lobato (2012) vai tomar a ETEFPA como “um lugar de memória”, buscando (re)contar a história institucional educacional técnica no Pará, em um estudo de grande fôlego apresenta uma narrativa muito rica de informações e análises, pois fundamenta-se em um amálgama analítico permeado por grande volume e cruzamento de fontes: documentação externa, documentação interna e relatos de agentes educacionais atuantes naquele espaço educacional, no recorte temporal escolhido, demonstrando traços da identidade e cultura educacional ali vivenciados.

Seguindo com a relação história e memória na EPT, Candido (2019) discorre: “Reconstruir a memória da instituição é também reconhecer-se como sujeito ativo dessa história, é o sinal de que se reconhece e pertence a certo grupo social e a uma determinada geração” (CANDIDO, 2019, p. 28). Tal assertiva ganha potencialidade mediante a constatação da existência das “lacunas na história da educação profissional, oriundas da dualidade que está enraizada na educação brasileira desde os seus primórdios.” (CANDIDO, 2019, p. 29).

As assertivas de Candido (2019) acerca da memória institucional e sua relação direta com os sujeitos dessa história, sobretudo como pertencente a uma dada geração, encontram-se pertinentemente ligadas ao propósito de nossa pesquisa, pois aqui se apresenta a história e memória de um Instituto Federal nos anos iniciais de implantação do Ensino Médio Integrado, assim é possível uma associação ao componente geracional, já que envolve uma geração de agentes educacionais públicos e uma geração de discentes atendidos no período estudado.

Quanto às lacunas na história da educação profissional, mencionadas por Candido (2019), um estudo, como o que se apresenta por agora sobre o período escolhido e baseado principalmente na pesquisa documental e nos relatos orais dos sujeitos sociais que vivenciaram tal período, ainda não foi de fato efetivado no tocante ao IFPA Campus Abaetetuba.

3.2 História oral

Durante os anos, a história oral se mostrou como um recurso moderno, que utiliza instrumentos como gravadores e filmadoras, além de entrar em contato com os sujeitos da pesquisa, favorecendo a interação e a aquisição de conhecimentos que não se encontram em fontes escritas. Dessa forma, “Fazer história oral significa, portanto, produzir conhecimento histórico, científico, e não simplesmente fazer um relato ordenado da vida e de experiência dos ‘outros’”. (FERREIRA; AMADO, 2006, p. 17).

Para tanto, deve-se ressaltar que “a história oral não é um fim em si mesma, e sim um meio de conhecimento. Seu emprego só se justifica no contexto de uma investigação científica […]” (ALBERTI, 2004, p. 25). É interessante ter conhecimento desse fato, já que houve controvérsias quanto à utilização da história oral como instrumento de coleta de dados, pois muito se confundiu a entrevista realizada com a própria história. Pelo contrário, ela carece de interpretação e análise, assim a entrevista é apenas uma fonte oral de conhecimento.

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Ademais, de acordo com Cassab e Ruscheinsky (2004), a História Oral sugere o trabalho com memórias silenciadas, já que “A História Oral possibilita que indivíduos pertencentes a segmentos sociais geralmente excluídos da história oficial possam ser ouvidos, deixando registros para análises futuras de sua própria visão de mundo e aquela do grupo social a que pertencem.” (CASSAB; RUSCHEINSKY, 2004, p. 12).

No entanto, Alberti (1996) chama a atenção para um possível conflito ideológico no desenvolvimento de pesquisas que fazem relação entre história e memória no trabalho com a História Oral. A autora aponta que esse conflito se instaura quando se empreende a coleta dos relatos e suas análises com certa predisposição a apresentá-la sob uma ótica de tensionamento: história e memória oficial versus história e memória popular, ou ainda, memória organizada/institucional versus memória subterrânea/vista de baixo. Sob essa postura antagônica dualista, assentada em simplificações: “corre-se o risco de, com elas, transformar a história oral em missão e o pesquisador em missionário, na medida em que ele deve contrapor memórias ‘dominadas’ a memórias ‘dominantes’”. (ALBERTI, 1996, p. 6).

Essa inquietação fundamenta a idealização das análises realizadas, pois efetivamos entrevistas com sujeitos sociais que tiveram/têm diferentes relações com o IFPA Campus Abaetetuba, atuantes durante o recorte temporal enunciado. Dessa forma, considerando o contexto da presente pesquisa, têm-se o conhecimento da relevância da história oral para sua construção, especialmente por considerar as relações existentes entre os sujeitos e o espaço das interações; no caso, o IFPA Campus Abaetetuba e o valor que cada sujeito carrega de informação.

3.3 Ensino Médio Integrado

O Ensino Médio Integrado ganha previsão legal nos anos iniciais dos anos 2000 com o Decreto n.º 5.154/2004, que trata da oferta do Ensino Médio e da Educação Profissional, dispondo que

§ 1o A articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-seá de forma:

I - Integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno; (BRASIL, 2004, § 1º, I).

A integração do Ensino Médio ao mundo do trabalho, em seu processo formativo, suscita a oferta de cursos que possibilitem a formação integral do indivíduo, sobretudo compreendendo que “ensino integrado implica um conjunto de categorias e práticas educativas no espaço escolar que desenvolvam uma formação integral do sujeito trabalhador (GRABOWSKI, 2005, p. 9). Neste sentido, o Ensino Médio Integrado não deve ser tomado apenas como uma etapa educativa na qual se formam pessoas para o trabalho sob um viés econômico, mas na qual

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compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência e cultura significa compreender o trabalho como princípio educativo, o que não se confunde com o “aprender fazendo”, nem é sinônimo de formar para o exercício do trabalho. Considerar o trabalho como princípio educativo equivale dizer que o ser humano é produtor de sua realidade e, por isto, se apropria dela e pode transformá-la. (RAMOS, 2008, p. 4).

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De acordo com Ramos (2008), o Ensino Médio Integrado deve ofertar cursos que instiguem a relação dialógica entre trabalho, ciência e cultura de forma a despertar em docentes e discentes o trabalho como princípio educativo, o que levaria a materializar uma formação assentada em um tripé formativo: formação para o trabalho, apropriação da realidade produtiva e o despertar para a construção de possibilidade de transformar as adversidades sociais nela presentes. Dito de outra forma, o Ensino Médio Integrado se conforma na possibilidade educativa de despertar nos discentes uma visão de educação como uma totalidade social, já que se refere “por um lado, à forma de oferta do ensino médio articulado com a educação profissional; mas, por outro, remete a um tipo de formação que seja integrada, plena, vindo a possibilitar ao educando a compreensão das partes no seu todo ou da unidade no diverso. (CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 308).

Pressupunha-se aqui, a compreensão pelo educando da importância social dessa formação buscada, das contradições nas relações sociais que fazem ser possível sua oferta, e, sobretudo, as possibilidades de alteração de uma realidade dialógica e dialética no qual o curso escolhido e a sua própria vida se encontram envolvidos.

4ResultadoseAnálises

Referenciando-se nas etapas de análise do conteúdo proferidas por Bardin (2016), elaboramos o Quadro 1 onde estão dispostas as categorias, subcategorias e expressões-chave mais comumente encontradas nas fontes analisadas.

Memórias em Movimento: anos iniciais de um Instituto Federal

Protagonismos em Movimento na implantação do Ensino Médio Integrado

Fonte: Dados da Pesquisa (2021)

Dos precedentes do funcionamento do IFPA Campus Abaetetuba.

- Parceria entre os entes federados;

- Doação do Terreno;

Quadro 1. Análise de Conteúdo (categorias, subcategorias e expressões-chave) Categorias Subcategorias Expressões-Chave História e Memória da Implementação do Ensino Médio Integrado no IFPA Campus Abaetetuba

- Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE;

- De OSETPP – Organização Social Escola de Trabalho e Produção do Pará a IFPA Campus Abaetetuba.

O IFPA Campus Abaetetuba na visão de diferentes agentes educacionais atuantes de 2008 a 2013.

- Estrutura administrativa e dificuldades com a estrutura física;

- Uso da estrutura da antiga OSETPP;

- Dificuldades e limitações dos Recursos Humanos.

Das Motivações e Expectativas sobre o funcionamento do IFPA Campus Abaetetuba.

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- Protagonismo Estudantil;

- Ensino Médio Integrado e aFormação Integral;

- Docentes e discentes na formação humana no EMI.

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4.1 Memórias em Movimento: o IFPA Campus Abaetetuba na visão de diferentes agentes educacionais atuantes de 2008 a 2013

De início, a estrutura administrativa demonstrou ser bem articulada, já que “Tinha uma direção geral, direção de ensino, direção administrativa, aí tinha as coordenações de cursos, a coordenação de ensino técnico, a coordenação de ensino superior.” (Entrevista realizada na residência de GV – Técnica em Assuntos Educacionais do IFPA desde 2008 – em 18.10.2021). No entanto, o aproveitamento da estrutura da antiga Escola de Trabalho e Produção, ainda que reformada para alocar a instalação do recém-inaugurado Instituto Federal, implicou em dificuldades latentes neste período inicial, pois àquela altura

Em relação à estrutura física, iniciou somente com o prédio antigo, e lá funcionava tudo! A gente dividia. A sala da pedagogia era junto com a biblioteca, era a mesma sala. Eram umas quatro só salas de aulas, era tudo dividido. Aí começou a construção do prédio novo. Aí tinha, onde hoje é o laboratório de mecânica, tinha uma casinha que funcionava… Era afastada e bem precária, assim bem velha, janelas quebradas. (Entrevista realizada na residência de GV – Técnica em Assuntos Educacionais do IFPA desde 2008 – em 18.10.2021).

A memória apresentada pela servidora acima, atuante nos anos iniciais desse instituto, parece acentuar as dificuldades físicas quando questionada sobre a montagem da estrutura administrativa; apesar disso, outros agentes consultados destacam dificuldades administrativas, sobretudo quanto à formação do corpo docente, já que

Estava implícito que dentro do plano iria ter a estrutura de recursos humanos, mas o ideal é uma coisa e a realidade muitas vezes é diferente. Às vezes tu tinha um curso que precisava de 10, 12 professores e só tinha 4, 5, e alguns acabavam dando outras disciplinas afins para suprir a carência que havia. Então esse trabalho inicial de solidificação do IFPA de Abaetetuba, ele foi tremendamente importantíssimo e relevante. (Entrevista realizada via Google Meet com AF – Secretário de Educação de Abaetetuba em 2007 – em 18.10.2021).

As dificuldades e limitações na composição de recursos humanos para dar conta das demandas educacionais, enunciadas pelo servidor público acima, ganham maior amplitude nas palavras de AC –Coordenadora do Curso de Informática (Integrado e Subsequente), que retoma os problemas com a estrutura física e com os recursos humanos, citando ainda as improvisações quanto aos recursos de trabalho e didáticos:

No caso de informática, o laboratório já estava pronto, faltava era material. Então nós chegamos, os computadores estavam, inclusive fomos nós que desembalamos, os próprios professores. Na época não existia TI. Eram os próprios professores que davam manutenção, contagem, essas coisas. Então a gente mesmo desembalou, instalou. (Entrevista realizada via Google Meet com AC – Coordenadora do Curso de Informática (Integrado e Subsequente), a partir de 2008 – em 28.10.2021).

Os relatos apesentados até este ponto são de agentes públicos (um municipal e os demais federais), o que nos instiga a considerar as premissas de Alberti (2012) acerca do trabalho com a História Oral, no qual o pesquisador deve ter o cuidado de não estabelecer análises hierarquizadas ou mesmo conflituosas de uma pretensa história e memória institucional x história e memória vista de baixo, de acordo com o nível de envolvimento do sujeito social entrevistado com o fenômeno em estudo, o que tornou importante a coleta do relato de um egresso, como ON – egresso do EMI – Informática 2008:

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Acredito também que o corpo administrativo mudou um pouco, a nomenclatura. E também com relação à estrutura, antes nós tínhamos apenas aquele prédio antigo, quando nós entramos. Então lá funcionava tudo, o administrativo, as salas de aulas, os laboratórios, tudo era lá. Aí tinha aquele terreno grande no lado. E depois foi construído aquele prédio grande, a quadra também que não era coberta, o auditório, a biblioteca, tudo isso foi construído, mas a gente já estando lá estudando. Então a gente começou só com aquela estrutura básica lá, do prédio antigo. (Entrevista realizada via Google Meet com ON – Egresso do EMI – Informática a partir de 2008 - em 19.10.2021).

Nota-se no relato desse egresso que, durante sua permanência nesse espaço educacional, de 2008 a 2012, este vivenciou experiências de mudanças físicas e, por conseguinte, pedagógicas e didáticas, dado o momento de estruturação não apenas sob o viés legal, com a mudança de nomenclatura da própria unidade educacional, mas também com as limitações iniciais e a ampliação da estrutura física e dos próprios recursos didáticos e humanos. Em relato próximo do que enunciou o egresso do EMI –Informática, WF – egresso do EMI – Edificações chama a atenção para as dificuldades e mudanças vivenciadas neste IF, afirmando que

(…) quando nós entramos o prédio novo ainda estava em construção, então a gente usou o prédio antigo, que ficava as nossas salas, junto com as salas dos professores, da direção, coordenação, e tinha a parte da biblioteca, e depois de quando nós entramos que estavam sendo construídos os novos prédios (Entrevista realizada na residência de WF – Egresso do EMI – Edificações desde 2008 – em 24.10.2021).

Constatam-se, no relato do último egresso citado, as mudanças que foram vivenciadas pelos diversos agentes que experienciaram os momentos iniciais de oferta do Ensino Médio Integrado naquele Instituto Federal, recém-instalado àquela altura.

Retomando a relação entre as limitações estruturais e o aproveitamento da estrutura física e de recursos didáticos da antiga Escola de Produção e Trabalho, LS – ex Diretor Geral (3.º DG), amplia o discurso sobre as estratégias para garantir o ensino nos cursos do EMI, afirmando que

(…) a gente iniciou o trabalho em 2008, com uma estrutura relativamente pequena, doada pela então escola de trabalho e produção do estado. E àquela altura a gente tinha pouquíssimas estruturas de laboratório, então o laboratório multifuncional, e àquela altura a gente realizou alguns trabalhos sim (Entrevista realizada via Google Meet com LS – ex Diretor Geral (3.º DG) a partir de 2008 –em 01/03/2011 – 03/09/2012).

Ressalta-se aqui que o que LS chama de laboratório multifuncional na verdade era o laboratório usado em aulas práticas das disciplinas: biologia, química, física e outras ministradas nos cursos técnicos de pesca e aquicultura. Semelhante uso (no caso, pelos diversos cursos) se deu com o laboratório do Curso de Informática, posto que, como os demais cursos também demandavam tal recurso, acabou servindo a todos. Segundo AC: “Como eram poucas turmas, um laboratório bastava, mas depois passou a atender, além do nosso curso, os outros cursos, porque existem disciplinas que precisam de laboratório de informática” (Entrevista realizada via Google Meet com AC – Coordenadora do Curso de Informática (Integrado e Subsequente), a partir de 2008 – em 28.10.2021).

Neste período, segundo EF – 1.º Diretor Geral, algumas limitações estruturais eram contornadas por meio de visitas técnicas, inclusive à estrutura do IFPA Campus Belém, segundo este,

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quando nós precisávamos, por exemplo, prensa hidráulica, que não tínhamos naquele momento, botava os alunos e eles vinham aqui no Campus Belém, e contávamos com a estrutura daqui, de refeitórios, dormitórios, se fosse o caso. Fazíamos as aulas aqui em dois, três dias, e voltávamos. Era meio que planejado para condensar em dois, três dias, as atividades pra fazer aqui nos laboratórios e retornar, mas ao mesmo tempo os investimentos iam acontecendo, para que esses laboratórios começassem a ser montados. Então os cursos iniciais não tiveram problemas quanto a isso. (Entrevista realizada com EF no IFPA Campus Belém – 1.º Diretor Geral do IFPA Campus Abaetetuba, de 07/08/2008 a 31/08/2009 – em 06/01/2022).

Nota-se que, no momento inicial de funcionamento do IFPA Campus Abaetetuba, havia o compartilhamento estrutural dos recursos tecnológicos do IFPA Belém, inclusive demandando deslocamentos e estadias dos discentes e docentes na capital paraense; o que ocorreu enquanto tal estrutura estava em vias de construção e implantação em Abaetetuba. Sobre o uso, improvisação e busca por formas de superar a debilidade de espaços e recursos didáticos aos cursos, LS é ainda mais enfático

A gente herdou uma estrutura que era do governo do estado, uma escola de trabalho e produção, e obviamente que essa estrutura, ela não foi pensada para a oferta dos nossos cursos, então, seria falácia minha dizer que a gente iniciou a oferta dos cursos com laboratórios específicos para atender a oferta dos nossos cursos, nem teria como. Muito embora alguns laboratórios ofertassem, pela sua estrutura, pelos seus equipamentos, a possibilidade da gente executar algumas atividades, por exemplo, na antiga escola tinha um curso de agroindústria, então todo o maquinário, utensílios, utilizados na elaboração de produtos alimentícios, a gente utilizava nos cursos técnicos de pesca e aquicultura, na produção dos alimentos, através de recursos pesqueiros. Informática a mesma coisa, quando chegamos existia um laboratório de informática, com equipamentos sucateados. Naquela época, havia uma quantidade de recurso muito grande, dentro de uma proposta de expansão da rede federal de educação profissional e tecnológica, então esses espaços, como o laboratório de informática, foram equipados com tudo que havia de mais moderno na época. E edificações, não havia também um local específico, então eles utilizavam o galpão pra realizar algumas atividades práticas. Eu recordo que, na época, por conta dessa deficiência de laboratórios, eram realizadas muitas visitas técnicas, muitas viagens eram feitas, na tentativa de compensar um pouquinho essa nossa deficiência, até que pudesse equipar, adaptar os laboratórios pra nossa realidade (Entrevista realizada via Google Meet com LS – ex Diretor Geral (3.º DG) a partir de 2008 - em 01/03/2011 – 03/09/2012).

Além do já mencionado reaproveitamento da estrutura física e dos recursos didáticos da antiga OSETPP, das demandas por improvisações e de uma proposta de expansão da Rede Federal que ganhava previsões legais quanto ao custeio de tal Política Pública, LS relata as estratégias educacionais para atenuar o problema: “por conta dessa deficiência de laboratórios, eram realizadas muitas visitas técnicas, muitas viagens eram feitas, na tentativa de compensar um pouquinho essa nossa deficiência, até que pudesse equipar, adaptar os laboratórios pra nossa realidade.” (Entrevista realizada via Google Meet com LS – ex Diretor Geral (3.º DG) a partir de 2008 - em 01/03/2011 – 03/09/2012).

Ainda sobre as limitações espaciais e a busca de alternativas para oferecer condições necessárias para a oferta dos cursos, a servidora AC relata

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O curso de mecânica, quando começou, o Maurício levava os meninos pra uma retífica, que tinha lá perto. E eles faziam as aulas práticas lá. E o pessoal de edificações fazia as observações no Campus mesmo, porque estava sendo erguido o bloco pedagógico. Os professores levavam pra fazer as práticas lá mesmo. Mas em relação à informática, como tinha laboratório, era tranquilo. A gente só sentia falta de um laboratório específico de manutenção. (Entrevista realizada via Google Meet com AC – Coordenadora do Curso de Informática (Integrado e Subsequente) a partir de 2008 - em 28.10.2021).

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Pelo que vimos até este ponto, havia uma amálgama de dificuldades e estratégias de adaptação para a continuidade dos serviços educacionais de limitações administrativas, físicas, de recursos didáticos e até de recursos humanos, entre outras, aspectos que nortearam a instalação e o funcionamento do espaço educacional federal no município da Amazônia Paraense. Contudo, no decorrer do tempo, algumas das dificuldades até então relatadas foram sendo superadas a partir da conclusão da construção do bloco pedagógico, da biblioteca, do auditório e da quadra de esportes, e da criação de outros ambientes, contratação de novos servidores, entre outros. Assim nos coloca o egresso ON,

Ganhamos muito mais espaço, tinha um lugar próprio para fazermos o lanche, tinha uma área aberta em baixo, que a gente aproveitava também para fazer alguns estudos, alguns tipos de trabalhos, os professores também ajudavam a gente a utilizar bastante o espaço, e lá em cima também com o prédio, as salas, os banheiros. Mas era assim, foi muito boa a mudança, porque antes era tudo muito comprimido só naquele prédio antigo, e com a inauguração do prédio novo as coisas puderam ser mais bem estruturadas, e apareceram coisas que não tinham, por exemplo a cantina; outra coisa que destaco é a biblioteca, outra é o auditório muito bem estruturado. Então aquele auditório era algo muito moderno pra nossa cidade na época, e o IFPA aproveitava muito ele, para trazer palestras, formações para os alunos, muita coisa acontecia ali naquele lugar. E também a quadra, apesar de ser descoberta, não ter muita estrutura para os alunos, mas já foi uma grande conquista, foi muito bom para todos nós já ter uma quadra nossa, que nós poderíamos utilizar, estaria ali disponível para a comunidade estudantil praticar os esportes. (Entrevista realizada via Google Meet com OR – Egresso do EMI –Informática, a partir de 2008 - em 19.10.2021)

4.2 Protagonismos em Movimento na implantação do Ensino Médio Integrado: das motivações e expectativas sobre o funcionamento do IFPA Campus Abaetetuba

Tomando como referência as premissas de Portelli (2006) acerca da memória como algo individual, que, no entanto, pode e deve ser lida também sob um viés social e dinâmico, nos empenhamos em analisar as motivações e expectativas incutidas nos relatos de sujeitos sociais diferentes em suas relações com o IFPA Campus Abaetetuba no recorte aqui tratado, de 2008 a 2013

No processo de implantação desse Instituto Federal em “terras abaeteuaras”, diferentes discursos se interseccionam em favor da oferta do Ensino Médio Integrado, da formação humana e do protagonismo de docentes e discentes; no entanto, de início um grande desafio se destaca no relato dos servidores, relacionado à formação e compreensão das teorias e marcos legais que dirimiam algumas dúvidas sobre o EMI. DS enuncia:

Sabes o que entendo dessa época, que a gente não sabia como fazer, nós não tínhamos formação, não tínhamos uma política desde a pró reitoria de ensino, desde o IFPA como um todo, de como fazer o integrado, o que era o integrado, sabes. Conceitos, ninguém sabia numa reunião dizer. (Entrevista realizada no IFPA - Abaetetuba com DB – Professora (a partir de 2008); Diretora de Ensino (de 2010 a 2016) - em 19.10.2021).

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Corroborando o relato acima, o ex-diretor geral e docente do instituto, LS, também compartilha sobre esse desafio:

(…) então os professores não tinham essa habilitação humana, não tinham essa formação. O que era o desafio muito grande pra gente, imagine você pegar um curso de edificações, onde os professores são engenheiros civis e nenhum estudou licenciatura, nenhuma disciplina pedagógica, excelentes profissionais do ponto de vista da competência da engenharia, não sei se de repente excelentes professores no fazer seu aluno pensar, por conta desta necessidade, desta falta de habilitação pedagógica. (Entrevista realizada via Google Meet com LS – ex Diretor Geral (3.º DG) a partir de 2008 - em 01/03/2011–03/09/2012)

Apesar da aparente debilidade formativa dos docentes no trato com a modalidade de ensino EMI, a busca por soluções e estratégias que possibilitassem a oferta dos cursos pode ser tomada como um processo em construção pela reunião de forças em prol de tal objetivo, como fica latente nas palavras de GV - Técnica em assuntos Educacionais, que discorre dizendo que

A ideia que se tem de Institutos Federais é muito linda. A ideia que se tem de implantação, do Instituto chegar, de ampliação é muito linda. Aquela formação integral mesmo do ser humano, tendo uma formação, é bem holística, de todos os lados dele, o cidadão. Eu abracei, eu digo que foi Deus que me levou pra lá, porque, além de ser um bom emprego em termo salarial, é uma coisa que a gente se realiza… É o discurso que parece piegas quando a gente fala, mas que é verdadeiro. Que é uma formação de cidadão mesmo. É um aliado das universidades, e muito mais cedo, porque já tem alunos de 14 anos nos institutos. Então desde os 14 anos tu já tem como tá fazendo essa discussão, essa formação do aluno, de forma crítica, reflexiva. (Entrevista realizada na residência de GV - Técnica em Assuntos Educacionais do IFPA desde 2008 - em 18.10.2021).

Nas palavras da Técnica em Assuntos Educacionais se lê o abraçar de um projeto de Ensino Médio Integrado, pois seu relato compõe-se de formação integral do cidadão, formação para a sociedade do trabalho, para a crítica e reflexão da realidade. Como forma de efetivar tal modalidade de ensino, emerge o desafio de elaborar e ofertar um currículo integrado, considerando a complexidade envolvida, visto que este “organiza o conhecimento e desenvolve o processo de ensino-aprendizagem de forma que os conceitos sejam apreendidos como sistema de relações de uma totalidade concreta que se pretende explicar/compreender” (RAMOS, 2008, p. 117-118).

No relato de GV, ressalta-se o desafio de ofertar o EMI com o currículo integrado, como de fato deve ocorrer, pois “A ideia é a integração, é o currículo integrado que precisa acontecer, que a gente encontra ainda muita resistência, porque é difícil de se fazer.” (Entrevista realizada na residência de GR - Técnica em assuntos Educacionais do IFPA desde 2008 - em 18.10.2021). Constata-se aqui que, no momento inicial de funcionamento do Campus do IFPA, entre as dificuldades encontradas estava “a resistência” de alguns agentes educacionais na constituição e aplicação do currículo integrado. Contudo, havia também a adesão de muitos servidores que se esforçavam para que a formação integral se materializasse naquela instituição de ensino, conforme nos relata o egresso ON,

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Eu vejo que o IFPA queria dar para nós formação integral, não somente o aspecto intelectual, mas queria suscitar nos jovens, assim, para que eles desenvolvessem outras habilidades. E eu via a Feira Científica 3e também o Sarau Literário4, eram os principais eventos onde os professores conseguiam envolver diversas disciplinas para que aquele evento acontecesse. Então no Sarau Literário, além das disciplinas de literatura, língua portuguesa, eram envolvidas também a disciplina de Educação artística, Educação Física e também os conhecimentos de informática… Então eles iam tentando envolver, fazendo conexão com as outras disciplinas pra gente entender o ensino como algo muito bem conectado, e não como disciplinas separadas. As disciplinas fazendo parte de um todo que era o curso integrado de informática. (Entrevista realizada via Google Meet com ON – Egresso do EMI –Informática a partir de 2008 - em 19.10.2021).

O relato desse egresso evidencia que, àquela altura, mesmo que de forma tímida, algumas ações realizadas no Campus já apresentavam “ensaios” que levariam ao início de um longo e desafiante caminho, que é a concretização do projeto de formação integrada, pois de acordo com Ramos (2014),

(…) requer que os professores se abram à inovação, a temas e experiências mais adequados à integração. Ideias em curso nas escolas são, por exemplo, projetos que articulam arte e ciência; projetos de iniciação científica; componentes curriculares voltados para a compreensão dos fundamentos sócio-políticos da área profissional, dentre outros. Há que se dar ao aluno horizontes de captação do mundo além das rotinas escolares, dos limites estabelecidos e normatizados da disciplina escolar, para que ele se aproprie da teoria e da prática que tornam o trabalho uma atividade criadora, fundamental ao ser humano”. (RAMOS, 2014, p. 102).

A instrumentalização desse desafio de integração parece ter motivado ainda mais os agentes educacionais elencados para compor esse campus nos anos iniciais, principalmente por haverem se deparado com uma clientela educacional tão motivada quanto aqueles, como relata AC – coordenadora do Curso de Informática (Integrado e Subsequente):

Então o alunado de Abaetetuba, é um alunado diferente. Então os professores que trabalharam com essa geração, em relação aos alunos, eles não vão te dizer nada negativo sobre isso, sobre os alunos dessa geração, sobre o formato dessa geração. Eu acredito que pra quem começou em Abaetetuba, acho que foi uma experiência ímpar, pra levar pro resto da vida. (Entrevista realizada via Google Meet com AC - Coordenadora do Curso de Informática (Integrado e Subsequente) a partir de 2008 - em 28. 10. 2021).

Aliado a isso, temos uma relação dialógica na construção de uma formação que vai encaminhando o protagonismo estudantil numa materialização feita por professores e alunos em conjunto. Um dos produtos surgidos e amadurecidos no período inicial foi a organização dos estudantes.

Quanto ao assunto, o egresso WF do EMI – Informática, disse: “Na época chegou a surgir, mas como inicialmente éramos poucos, então cada turma tratava com seu coordenador das coisas que precisava, que queria” (WF – Egresso do EMI - Edificações desde 2008 - em 24.10.2021). Já ON, o egresso do EMIEdificações, destacou:

3 A Feira Científica foi um evento que envolveu os discentes de todos os cursos do campus com a exposição de trabalhos científicos nas mais diversas áreas do conhecimento. A feira contou com a participação de muitas escolas do município e foi uma oportunidade de divulgação da própria instituição e das atividades científicas desenvolvidas no campus para a comunidade local.

4 O Sarau Literário foi um evento promovido pelos professores das disciplinas Língua Portuguesa, Literatura e Artes que envolveu os discentes em diversas atividades de expressão artística, entre elas, dança, teatro e poesia, a fim de promover a cultura amazônica e abaetetubense.

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Eu sei que a comunidade estudantil já se mobilizou logo no início do IFPA, até porque nós também tínhamos conosco alunos do subsequentes, porque nós éramos todos adolescentes 15, 16 anos. Mas no subsequente existiam pessoas adultas. Então nós passamos a ter essa mobilização. Eu nunca participei diretamente, então não sei informar se os alunos eram chamados para participar de algum tipo de decisão. (Entrevista realizada via Google Meet com ON – Egresso do EMI – Informática a partir de 2008 - em 19.10.2021)

Identifica-se nas palavras dos dois egressos acima que, apesar de não participarem ativamente do movimento social estudantil organizado nos anos iniciais de funcionamento daquele Instituto Federal, havia mobilização dos alunos, com destaque para uma maior organização por parte dos discentes dos cursos subsequentes. Segundo ON, isso se daria em razão da maioridade destes em relação à menoridade dos seus pares do EMI, o que indica certo modelo de mobilização e conscientização dos mais jovens. Quanto à organização do movimento estudantil, Anjos (2019), com base nas ideias de Gohn (2011), destaca as etapas de sua organização

1. Identidade, no caso relacionada à luta pela educação; 2. Clareza do seu opositor, que não é a gestão local, mas sim estruturas políticas e econômicas hegemonizadas pelo capital financeiro e especulativo; 3. Projeto de vida e de sociedade, que ligaria o ME à luta por uma nova hegemonia (GOHN, 2011 apud ANJOS, 2019, p. 70).

A existência de organização dos estudantes na luta por melhorias nas condições estruturais e nos recursos humanos disponíveis, parecem ter iniciado um movimento interno que não se fechava em si mesmo, pelo contrário, estava atento à diversidade de fatores que possibilitavam a existência daquele espaço escolar e, na mesma medida, dificultava a chegada das melhorias necessárias e previstas, como fica latente no relato de DB - Professora (a partir de 2008); Diretora de Ensino (de 2010 a 2016), que enuncia

Os estudantes nossos não são de “viseira”, e nessa época também eles não eram. Eu me lembro de um fato que o pessoal da Edificações subiu em cima da caixa d’água, quando estava em construção, nesse período. Lembro que o professor Eurico chamou e eles fizeram a maior coisa, reivindicando. Então era uma turma, assim, eles eram muito politizados. Então isso sempre teve, porque nunca foi tirada a liberdade de nós professores de falar, nunca foi tolhido. (Entrevista realizada no IFPA - Abaetetuba com DB – Professora (a partir de 2008); Diretora de Ensino (de 2010 a 2016) - em 19.10.2021)

No discurso dessa servidora da educação federal, vê-se não apenas a construção de um protagonismo dos alunos organizados na busca pela oferta de uma educação de qualidade, mas também o orgulho em poder formar jovens conscientes de seus direitos, que não se furtavam ao diálogo com os funcionários desse Instituto Federal de Ensino para empreender suas reivindicações, sem tomar tais agentes púbicos como inimigos, e sim protestando contra a macroestrutura estatal e suas respectivas ausências.

Diante do teor dos discursos anteriormente citados, parece pertinente relacionar as asserções do egresso OR e da servidora DB quanto à formação de cidadãos conscientes de seus direitos e as premissas de formação humana integral no Ensino Médio Integrado de Ciavatta (2005), que afirma:

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Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005, p. 2-3).

A relação proposta entre o relato do egresso do EMI do IFPA Campus Abaetetuba e da servidora citada e as ideias de Ciavatta (2005) apresentadas demonstra que o empenho dos servidores em garantir a formação humana integral de adolescentes, jovens e adultos ao mundo do trabalho não se dissocia da formação cidadã, política, cultural e social, de forma a garantir a leitura dos condicionamentos que em conjunto dão sentido ao mundo em que vivem. Em poucos anos de funcionamento desse Instituto Federal, essa formação cidadã já se notava bem encaminhada, dada a organização, o diálogo e a resistência dos discentes na luta por seus direitos.

5Consideraçõesfinais

Como mencionado em páginas anteriores, uma das maiores dificuldades no avanço da pesquisa relacionou-se ao momento de Pandemia de covid-19, uma vez que o acesso aos sujeitos sociais elencados para a realização das entrevistas foi por demais dificultoso. Imaginamos que um maior número de egressos dos primeiros cursos de EMI do Instituto Federal poderia contribuir sobremaneira nas análises sobre o protagonismo estudantil, a formação integrada e, sobretudo, quanto às formas de superação das dificuldades pelos professores, acerca dos recursos didáticos, bem como da estrutura física, entre outras.

Apesar de tais dificuldades, a pesquisa realizada acerca dos obstáculos e superações recorrentes ao período de implementação do EMI no IFPA Campus Abaetetuba durante seu processo de implantação (2008-2013), ergueu-se sob um importante aporte teórico e metodológico, que em muito pode ser observado na constituição do IFPA Campus Abaetetuba: História e Memória Institucional (CIAVATTA, 2005, LOBATO, 2012; MOTTA, 1995; RAMOS, 2014; SCHIEDECK, 2019, SILVA, J., 2018; SILVA, V., 2018; entre outros); História Oral (ALBERTI, 1996, 2004, 2012; FERREIRA; AMADO, 2006; PORTELLI, 1997; entre outros) e Ensino Médio Integral (CIAVATTA, 2006, 2012; FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005; GRABOWSKI, 2005; RAMOS, 2008, 2014, entre outros).

A pesquisa documental efetivada desde a consulta às Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica (BRASIL, 2004), passando pela Chamada Pública MEC/SETEC n.º 001 (BRASIL, 2007); o Plano de Desenvolvimento da Educação - PDE (BRASIL, 2007); o Decreto Legislativo n.º 52 (PARÁ, 2007); até a Lei Federal n.º 11.892 (BRASIL, 2008b), entre outros, demonstrou um esforço coletivo entre os entes federados na efetivação das Políticas Públicas que permitiram a implantação do IFPA Campus Abaetetuba; idas e vindas de negociações entre poder público municipal, estadual e federal, que permitiu a materialização do Ensino Médio Integrado nesse importante espaço educacional no município da Amazônia Paraense.

Quanto às limitações enfrentadas, destaca-se o uso comum dos Laboratórios de Informática e Multidisciplinar por todos os cursos EMI e Subsequente. Além disso, destacam-se as limitações nos recursos humanos na oferta das disciplinas dos cursos e, sobretudo, o reconhecimento pelos docentes e corpo técnico da debilidade sobre a oferta da educação integrada.

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Por fim, observou-se o comprometimento coletivo de todos os agentes educacionais (Técnicos, Docentes, Direção, Coordenadores e Discentes) em compreender e efetivar a formação integral, em proporcionar a formação humana nos cursos ofertados, o que possibilitou uma formação crítica e reflexiva aos discentes na busca por soluções aos problemas enfrentados e às limitações encontradas, em conjunto com seus professores. Esse esforço coletivo gerou um fecundo protagonismo estudantil no IFPA Campus Abaetetuba, constatado nas palavras de docentes e discentes quanto à organização do movimento estudantil naquele espaço educacional federal.

Esperamos que esta pesquisa possa ser ampliada e desperte o interesse de outros pesquisadores e pesquisadoras em registrar a história e memória institucional educacional, de forma a acompanhar o rico universo histórico, didático, humano e cultural vivenciados nos diversos espaços educacionais, em especial nos Institutos Federais, já que tais registros históricos se confundem com a própria história e memória, das comunidades, municípios, microrregião, estados e região atendidas por tais instituições.

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COMO CITAR (APA): Cardoso, S. R. P., & Quaresma, A. F. F. (2022). Memórias das experiências iniciais em um Instituto Federal: o Ensino Médio Integrado no IFPA Campus Abaetetuba (2008–2013). Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 316-336. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p316-336.

MemóriasdasexperiênciasiniciaisemumInstitutoFederal: oEnsinoMédioIntegradonoIFPACampusAbaetetuba(2008–2013) Sergio Ricardo Pereira Cardoso, Andréa Fernanda Ferreira Quaresma Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 316-336, maio/ago.

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Submetido em: 27 nov. 2021

Aceito em: 5 ago. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p337-349

Taigra Biasi Donadel https://orcid.org/0000-0002-6724-7732

Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT). Assistente em administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Farroupilha (IFFAR), Santa Maria/RS – Brasil. E-mail: taigra.donadel@iffarroupilha.edu.br.

Ricardo Antonio Rodrigues https://orcid.org/0000-0002-5292-3646

Pós-Doutor em Filosofia na área de Ética e Filosofia Política pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Doutor em Filosofia, Metafísica e Epistemologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professor de Filosofia e do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Farroupilha (IFFAR) Campus Jaguari/RS – Brasil. E-mail: ricardo.rodrigues@iffarroupilha.edu.br.

Ana Sara Castaman https://orcid.org/0000-0002-5285-0694

Doutorado em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professora no Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) – Porto Alegre/RS – Brasil. E-mail: ana.castaman@sertao.ifrs.edu.br.

Resumo

Este estudo tem o propósito de discutir sobre a ciência e tecnologia, como prerrogativas dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), de modo a enfatizar sua responsabilidade na formação integrada dos estudantes e não se lançar como mero braço estratégico do mercado e do capital. Para tanto, orientou-se na técnica bibliográfica, a partir de objetivos exploratórios e descritivos, privilegiando uma abordagem de análise crítica de matriz histórico-dialética. Está dividido em três partes: a) apresenta os procedimentos metodológicos; b) trata da ciência e tecnologia enquanto elementos que necessitam estar interligados na formação do sujeito nos IF; c) versa sobre a formação integrada nos IF. Constata-se que ensinar na Educação Profissional e Tecnológica requer um esclarecimento dos envolvidos sobre os desafios epistêmicos da produção do conhecimento científico e tecnológico, bem como do seu papel na construção de uma sociedade solidária, livre, justa e democrática, considerando a formação humana integrada.

Palavras-chave: Ciência. Tecnologia. Educação Profissional e Tecnológica. Formação Integrada.

Federal Institutes of Education, Science andTechnology: a crossing into a new society

Abstract

This study has the purpose of discussing about science and technology, as prerogatives of the Federal Institutes of Education, Science and Technology (IF), to emphasize its responsibility in the integrated training of the students, and not to launch itself as a mere strategic arm of the market and capital. For that, it was guided in the bibliographic technique, from exploratory and descriptive objectives, privileging an approach of critical analysis of historical-dialectical matrix. It is divided into three parts: a) the methodological procedures are presented; b) it deals with science and technology as elements that need to be interconnected in the training of the subject at IF; c) it deals with the integrated training at IF. It appears that teaching in Professional and Technological Education requires clarification from those involved in the epistemic challenges of the scientific and technological knowledge production, as well as their role in building a solidary, free, fair, and democratic society, considering the integrated human training.

Keywords: Science. Technology. Professional and Technological Education (TVET). Integrated Training.

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InstitutosFederaisdeEducação,CiênciaeTecnologia:travessiaparauma novasociedade

Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología: travesía hacia una nueva sociedad

Resumen

Este estudio tiene como objetivo discutir la ciencia y la tecnología, como prerrogativas de los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología (IF), con el fin de enfatizar su responsabilidad en la formación integral de los estudiantes y no para lanzarse como un mero brazo estratégico del mercado y del capital. Para ello, se orientó en la técnica bibliográfica, desde objetivos exploratorios y descriptivos, privilegiando un enfoque de análisis crítico de matriz histórico-dialéctica. Se divide en tres partes: a) presenta los procedimientos metodológicos; b) aborda la ciencia y la tecnología como elementos que deben estar interconectados en la formación del sujeto en los IF; c) se ocupa de la formación integrada en los IF. Se constata que la docencia en la Educación Profesional y Tecnológica requiere un esclarecimiento por parte de los involucrados sobre los desafíos epistémicos de la producción de conocimiento científico y tecnológico, así como su rol en la construcción de una sociedad solidaria, libre, justa y democrática, considerando la formación humana integrada.

Palabras clave: Ciencia. Tecnología. Educación Profesional y Tecnológica. Formación Integrada.

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1Introdução

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF)1 “[…] são a mais ousada e criativa política educacional já experimentada em nosso pais [sic]” (PACHECO, 2020, p. 20). Foram criados pela Lei nº 11.892 (BRASIL, 2008), dentro de uma lógica contra-hegemônica, com a finalidade de romper com os paradigmas do sistema socioeconômico que vigora no país, desde o seu dito “descobrimento” (SAVIANI, 2011). Os IF possuem em seus textos legais e, em suas bases conceituais, a pesquisa como pressuposto pedagógico (DEMO, 1997) e o trabalho enquanto princípio educativo (CIAVATTA, 2009), com o propósito de uma formação humana integrada (CIAVATTA, 2005a), a partir do ensino politécnico2 (RAMOS, 2005). Almeja-se a formação de um cidadão crítico, ético, capaz de questionar e transformar a realidade, produzindo conhecimentos em prol do bem-estar social (MORIN, 2014).

Frente a isso, percebe-se a grande responsabilidade, o lugar de travessia e o desafio dessas instituições, especialmente por estarem inseridas em uma coletividade regida pelo sistema capitalista, em que as questões sociais e humanas, geralmente, estão à mercê do lucro, sendo o trabalho vislumbrado pelo seu aspecto mais simples e tecnicista, ou seja, apresentando como único objetivo produzir e gerar riquezas para pequenos grupos. Nessa lógica de geração e acúmulo de riquezas, o ser humano não está dentre as prioridades, e, muitas vezes não é capaz de questioná-las. Portanto, os IF precisam, por meio de conhecimento e métodos de ensino, atuar contra essa lógica hegemônica que predomina na sociedade atual, formando profissionais conscientes, aptos a pensar, compreender e transformar a realidade e não apenas reproduzir uma visão da educação formal, dos processos e mecanismos que envolvem o ensino e a aprendizagem como se fosse uma estratégia de colonização do outro (SAVIANI, 2011; RODRIGUES, 2019). Conforme Castaman e Rodrigues (2020), os IF possuem:

[…] a prerrogativa da verticalização do ensino e de primar por uma educação inclusiva e cidadã, despertando no estudante não apenas o desejo de se formar para as demandas do mercado de trabalho, mas empoderando-o com capacidades metodológicas e humanas para superar o entendimento de que a formação técnica é mera inovação ou difusão de pessoas que se encaixam, mansa e docemente, aos ditames do mercado (CASTAMAN; RODRIGUES, 2020, p. 134-135).

Assume-se que os IF devem constituir-se enquanto um espaço privilegiado de formação científica, tecnológica, técnica e humana para que as novas gerações consigam pensar e compreender como a cultura humana se desenvolveu. Ainda, conhecer as ações epistemológicas, metodológicas, éticas e políticas para uma sociedade mais livre, solidária e democrática (RODRIGUES; SOUZA; RIBEIRO, 2020). O acesso à ciência e à tecnologia que estão expressos na designação eidética da referida instituição de ensino, precisa estar disposto no mesmo sentido do acesso ao conhecimento em si, como premissa de autodeterminação, de transformação das relações humanas e das relações de trabalho, no presente e no futuro. Essas são condições primordiais para separar cidadãos e cidadãs de meros consumidores. Porém, questiona-se: há um entendimento conceitual sobre as categorias ciência e tecnologia e da sua relevância na formação integrada dos estudantes dos IFs?

1 São instituições de Educação Superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de Educação Profissional e Tecnológica nas diferentes modalidades de ensino (BRASIL, 2008).

2 A idéia [sic] de politecnia envolve a articulação entre trabalho intelectual e trabalho manual e envolve uma formação a partir do próprio trabalho social, que desenvolve os fundamentos, os princípios, que estão na base da organização do trabalho na nossa sociedade e que, portanto, nos permitem compreender o seu funcionamento (SAVIANI, 1989, p. 19).

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Assim, o presente estudo tem o propósito de discutir sobre a ciência e tecnologia, como prerrogativas dos IF, de modo a enfatizar a responsabilidade dessas instituições de ensino na formação integrada dos estudantes e não se lançar como mero braço estratégico do mercado e do capital. Para tanto, orientou-se na técnica bibliográfica, a partir de objetivos exploratórios e descritivos, privilegiando uma abordagem de análise crítica de matriz histórico-dialética3. O estudo está dividido em três partes: a) apresenta os procedimentos metodológicos; b) trata da ciência e tecnologia enquanto elementos que necessitam estar interligados na formação do sujeito nos IF; c) versa sobre a formação integrada nos IFs.

2Procedimentosmetodológicos

O presente estudo fundamenta-se na análise crítica ancorada no materialismo histórico-dialética. Desta forma, para compreender os arranjos e movimentos conceituais nos inúmeros contextos investigados caracteriza-se por uma abordagem qualitativa e de objetivos exploratórios e descritivos. A pesquisa exploratória tem por finalidade familiarizar o investigador com o problema para torná-lo explícito ou para construir hipóteses. Geralmente envolve: a) levantamento bibliográfico; b) entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e c) análise de exemplos que estimulem a compreensão (GIL, 2010). A pesquisa descritiva pretende descrever os fatos e fenômenos de determinada realidade (TRIVIÑOS, 1987).

Conforme Severino (2007) e Lakatos e Marconi (2009), a pesquisa foi realizada com base em fontes bibliográficas. Gil (2008) enfatiza que a técnica bibliográfica se apoia em material publicado, particularmente, livros e artigos científicos. Portanto, selecionaram-se autores que estudam a temática em cena, de modo a compor o corpus teórico. A seleção pautou-se na representatividade e pertinência do conteúdo e dos autores em relação ao tema do referencial teórico.

Embasou-se em Holton (1979), Tricário (1996), Morin (2000), Frigotto (2001), Ciavatta (2005b), Ramos (2008), Pinheiro, Silveira e Bazzo (2009), Nosella (2010), Saviani (2011), Harari (2016), Castaman e Hannecker (2017), Bynum (2018) e Rodrigues, Souza e Ribeiro (2020) para tratar da ciência e tecnologia enquanto categorias que necessitam estar interligadas na formação do sujeito nos IF. Orientou-se em Morin (1990, 2000, 2004a, 2004b, 2014), Ciavatta (2005b), Domingos Sobrinho (2008), Saviani (2011), Harari (2016), Rodrigues (2019), Vieira et al. (2019), Castaman e Rodrigues (2020), Pacheco (2020) e Rodrigues, Souza e Ribeiro (2020) para versar sobre a formação integrada nos IF. Além disso, em ambas as seções tratam de apontamentos da Lei nº 11.892/2008 (BRASIL, 2008).

Para análise dos materiais ocupou-se da análise de conteúdo (BARDIN, 2011). A autora organiza esta técnica em três fases: 1) pré-análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação, os quais se discutem e se apresentam a seguir, na síntese.

3 O Materialismo Dialético é um aspecto do marxismo e representa a filosofia desta corrente teórica. Ou seja, “[…] nem toda transformação é revolucionária. A transformação só é revolucionária quando está em discussão o modo de produção: o jeito de viver e trabalhar relativo à sociedade e à sua superação. Quando o modo de produção não está em discussão, o conceito de transformação toma uma outra dimensão. Ele assume o princípio do reformismo, articulado em práticas e princípios conservadores e que representam a continuidade dos interesses sociais. Nas fronteiras do reformismo, transformação é sinônimo de conservadorismo e antônimo de superação” (LUCENA, 2003, p. 143).

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3InstitutosFederais:ciênciaetecnologia

A Ciência e a Tecnologia, juntamente com a Sociedade constituem-se em campo de estudos e investigações, bem como em base para as políticas públicas (PINHEIRO; SILVEIRA; BAZZO, 2009). Sabe-se que a ciência e a tecnologia possuem um vínculo forte com o mercado, muitas vezes subordinadas ao jogo do capital. Destarte, nesta lógica, comumente, não se oportuniza o acesso aos saberes e fazeres como forma de libertação ampla e irrestrita das novas gerações, mas sim como estratégia de domínio, privação da liberdade de escolha, consumo de novidades e transformação do cidadão em mero consumidor de espelhos e miçangas tecnológicas em nome da inovação.

Durante a história, em muitos momentos, diversos acontecimentos mostram que a ciência e a tecnologia foram usadas para fins obscuros, sendo empregada para atender predileções e caprichos do homem desumanizado, marginalizando os interesses coletivos, focado em inclinações dos grupos dominantes para que se mantivessem no poder. Para isso, as instituições de ensino foram sempre pensadas e organizadas de forma a limitar o ensino às atividades básicas operacionais e tecnicistas. Nosella (2010) traz considerações sobre a escola centrada na ciência:

[…] os industriais estão preocupados em ocupar os cérebros dos trabalhadores livres da produção (antes, durante e depois do trabalho) através de “escolas” que ponham no centro do estudo não o homem e sua liberdade, mas a máquina ou a ciência, metafisicamente e não historicamente concebidas. As escolas profissionalizantes, politécnicas, tecnológicas, os círculos de cultura e de lazer, as leituras e os clubes dos industriais correspondem a essa preocupação: ocupar o tempo e o cérebro do trabalhador centrando-os na máquina (ciência) dogmaticamente estudada (NOSELLA, 2010, p. 184).

Este debate pode ser vislumbrado na educação4 que historicamente esteve voltada para atender a interesses particulares, de pequenos grupos, não se ocupando com o bem-estar comum, tampouco em formar um cidadão integral (SAVIANI, 2011). No decorrer da história da educação, percebe-se que os currículos eram construídos para considerar as demandas de mercado que determinada época exigia. A educação dualista (ensino propedêutico para os ricos e ensino assistencialista/técnico para os pobres) sempre esteve, e ainda está presente em muitos espaços educacionais, sendo a superação dessa dualidade de formação um dos principais desafios da educação brasileira (SAVIANI, 2011).

Ramos (2008) enfatiza que um dos caminhos para superar este desafio é travando uma luta contrahegemônica, a partir da formação humana, a qual necessita pautar-se na integração das dimensões da vida no processo formativo.

4 Conforme Saviani (2011), a educação brasileira se desenvolveu dentro de etapas distintas – que se pode distinguir do seguinte modo: a) período religioso - que pode ser compreendido como a catequização dos indígenas pelos jesuítas; b) período laico - a partir de algumas transformações na educação, ela passa a ter conotação laica e não mais de doutrinação religiosa, como no caso da primeira fase; c) período denominado Escola Nova caracteriza sobre a tecnologização do ensino com acento no modo como se ensina, sem questionar o que se ensina; d) no quarto momento - é a subordinação da escola formal ao mercado de trabalho (não ao mundo, mas aos ditames do capitalismo enquanto tal). Em nenhuma dessas fases ou etapas há a perspectiva de acolhimento às demandas dos sujeitos aprendentes. Por isso, podese inferir que a doutrinação ocorreu, já que o estado ou a instituição escola é que ditou os conteúdos e modos que eles deveriam ser apreendidos. Não se oportunizou reflexão e possibilidade de revisão sobre o quê e como ensinar para permitir a autodeterminação e autonomia gradativa dos estudantes por meio do conhecimento. Dito de outro modo, o ensino formal no Brasil sempre carregou um caráter monocrático e de escola de massa.

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[…] A integração, no primeiro sentido, possibilita formação omnilateral dos sujeitos, pois implica a integração das dimensões fundamentais da vida que estruturam a prática social. Essas dimensões são o trabalho, a ciência e a cultura. O trabalho compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao respectivo modo de produção); a ciência compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibilita o contraditório avanço produtivo; e a cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade (RAMOS, 2008, p. 2-3).

Dada esta constatação, entende-se que é de fundamental importância que a ciência, a técnica e a tecnologia estejam interligadas dentro de uma formação do sujeito. Ou seja, além de formar profissionais que simplesmente dominem uma técnica, faz-se necessário que se ensine a pensar, a questionar, a fazer ciência, a realizar pesquisa aplicada5, a estudar novas técnicas e a produzir tecnologias.

A ciência é um patrimônio da humanidade que precisa receber maior atenção em todos os sentidos. É de suma importância que as novas gerações tenham um encantamento mínimo pela ciência para que possamos garantir o seu desenvolvimento, seu progresso e sua consolidação, bem como a necessária vigilância, como alertou Kant (2013), visando a garantir que o ser humano seja sempre fim, não meio. Em nome da ciência já se fez, e ainda se pode fazer, uso para “fins escusos” (BYNUM, 2018), portanto essa vigilância em torno dela nunca é para impedi-la de ser e existir, mas para que cumpra sua natureza e papel de preocupação e serviço ao bem comum. (RODRIGUES; SOUZA; RIBEIRO, 2020, p. 26).

A tecnologia é o resultado da ciência aplicada à técnica. É um processo contínuo de troca de informações, o que se produz na ciência passa pela tecnologia para ser posto em prática, assim como os problemas que surgem no dia a dia dessa prática, passam pela tecnologia que necessita do suporte da ciência para busca de soluções. Logo, não se deve defender o obscurantismo como forma de acesso ao conhecimento, bem como não se pode ser ingênuo a ponto de desconhecer que por trás de toda a produção de inovação e descoberta científica, não se tenha um interesse velado, uma ideologia alheia à noção de bem comum (HARARI, 2016).

Holton (1979, p. 216) salienta sobre a necessidade de “[…] colocar pelo menos um mínimo de história da ciência, epistemologia e discussão do impacto social da ciência e tecnologia no material educacional utilizado nas aulas […]” e que nas ações e “[…] nas estratégias planejadas sejam discutidas as distintas concepções sobre a natureza do trabalho dos cientistas e a forma como evolui a construção deste tipo de conhecimento” (TRICÁRIO, 1996, p. 88). Registra-se que não há nesse sentido a negação em formar profissionais capacitados para atuarem em suas áreas de conhecimento técnico, científico e tecnológico, uma vez que dentre os objetivos dos IF está valorar o “[…] uso na tarefa de melhoria das condições de vida6 e na possibilidade de dilatar o tempo livre” (FRIGOTTO, 2001, p. 74), ou seja, “[…] realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade” (BRASIL, 2008). Aliás, é para isso mesmo que existe o Currículo Integrado (CASTAMAN; HANNECKER, 2017) e pontualmente para isso que os IF consideram a pesquisa como pressuposto pedagógico. Contudo, o grande nó está em unificar a formação

5 A pesquisa aplicada “[…] abrange estudos elaborados com a finalidade de resolver problemas identificados no âmbito das sociedades em que os pesquisadores vivem” (GIL, 2010, p. 26).

6 Frigotto (2001, p. 74) salienta que as tecnologias e as ciências são […] extensões dos sentidos e membros dos seres humanos. Desde o tear, a máquina a vapor, a energia elétrica, até as máquinas informatizadas, a ciência e a tecnologia podem constituir-se em meios fantásticos de melhoria da vida humana”.

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técnica à formação propedêutica, integral, com o objetivo de garantir a formação completa do sujeito, como profissional e cidadão crítico (CIAVATTA, 2005b).

Nesse sentido, observa-se que o diferencial na atuação dos IF remete à forma de organização dos seus currículos, de modo integrado, ensinando para além de uma profissão, à compreensão de todos os aspectos do seu trabalho na sociedade (MORIN, 2000; CIAVATTA, 2005b). Assim, na próxima seção, aborda-se a formação integrada como um dos caminhos possíveis para o ensino nos IF, de modo a travar uma luta contra-hegemônica.

A Educação Profissional e Tecnologia (EPT), mais especificamente o Ensino Integrado, apresentase como uma possível e viável solução para buscar a superação de uma lógica socioeconômica centrada nas necessidades do mercado, aplicando esforços na produção e reprodução de conhecimentos ao mesmo tempo em que visa a formar profissionais cidadãos, que possam dar a melhor utilização às novas descobertas e tecnologias em prol do bem comum. Por isso, a dimensão ética e política da e na formação dos saberes científicos, técnicos e tecnológicos são relevantes quanto à inovação em si (MORIN, 2014), e os desafios no campo epistemológico e metodológico no processo de ensino-aprendizagem.

No Brasil, as instituições de Ensino necessitam de suporte e ambiente favoráveis para a produção de saberes e a formação de profissionais capacitados e cidadãos críticos, bem como carece de um investimento público para garantir a isonomia e a equidade e o comprometimento dos educadores e da sociedade. Dos educadores que atuam nos IF espera-se uma formação constante, uma contínua busca por conhecimento e apropriação de métodos de ensino que atendam aos objetivos da formação integrada. Ciavatta (2005b) caracteriza a formação integrada:

A formação integrada sugere tornar íntegro, inteiro, o ser humano dividido pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese científico tecnológica e na sua apropriação históricosocial. Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos (CIAVATTA, 2005b, p. 02-03).

Implica “[…] formar o cidadão capaz de compreender os processos produtivos e qual o seu papel nestes processos, incluindo as relações sociais estabelecidas a partir daí” (PACHECO, 2020, p. 11). No entanto, para que isso se torne factível, é essencial o investimento massivo de recursos na educação, tanto na contratação e formação de profissionais quanto na disponibilização de infraestrutura minimamente necessária para o desenvolvimento das atividades. Em termos científicos e tecnológicos ainda se sobretaxam os livros, permite-se o incentivo para aquisição de armas, tripudia-se com as vacinas, defendem-se os venenos, vangloria-se dos obscurantismos e do terraplanismo e cortam-se os investimentos em ciência e tecnologia. Formar para a cidadania é ensinar as melhores escolhas, entre o que é e o que aparenta ser, entre o que liberta e empodera as pessoas e aquilo que mata, oprime e escraviza (MORIN, 2000).

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4Institutosfederaiseaformaçãointegrada
Taigra Biasi Donadel, Ricardo Antonio
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Para que o cenário basilar ao desenvolvimento das atividades dos IF seja conquistado, o apoio da sociedade torna-se indispensável, pois é a partir de mobilizações sociais que os governantes passam a observar as demandas requeridas com maior cuidado. Nesse ponto observa-se a importância da formação de indivíduos críticos, capazes de compreenderem a sua magnitude e relevância em movimentos em prol da mudança da realidade em que vivem, reforçando ainda mais o destaque social dessas instituições de ensino. Domingos Sobrinho (2008) reforça que a EPT deve objetivar a emancipação dos estudantes, acabando com a alienação frente ao mundo e à sociedade, ou seja, livres da ideia de que a escola é, unicamente, um meio para ingressar no mercado de trabalho.

[…] a atual conjuntura histórica é extremamente favorável à transformação da Educação Profissional e Tecnológica em importante ator da produção científica e tecnológica nacional. Especialmente porque o espaço social das práticas de ensino, pesquisa e inovação desenvolvidas nessa área vem se constituindo de forma diferenciada, porquanto mais vinculada à ciência aplicada e às realidades locais, em contraponto àquelas desenvolvidas no espaço do mundo acadêmico (DOMINGOS SOBRINHO, 2008, p. 8).

Quando se fala em instituições produtoras de conhecimento, formadora de profissionais e cidadãos, faz-se crucial refletir sobre uma das principais ferramentas disponíveis para se atingir os objetivos dessas, o currículo. O currículo é uma notória ferramenta formativa, sempre utilizada de acordo com os interesses de determinados grupos em diferentes momentos da história, com a finalidade de perpetuar a relação de dominação social e econômica. No Ensino Integrado, o currículo deve ser elaborado dentro das premissas da teoria crítica do currículo, abandonando a visão tradicional de que este é algo fechado e separado da realidade em que está inserido e, principalmente, da realidade do sujeito ao qual será aplicado. Vieira et al (2019) indicam que a EPT necessita considerar os seus protagonistas quando ressignificar seus currículos:

As instituições de ensino de EPT têm diante de si novos desafios, sendo um deles a estruturação de projetos pedagógicos inovadores que possam dar conta das necessidades educacionais dos jovens e adultos. Mais diretamente, contam com pré-ocupações relacionadas com a organização político-pedagógica, destacando-se entre outras, aspectos do processo ensino-aprendizagem, compreendendo mais especificamente o ato de ensinar e aprender que compreende a sala de aula e seus principais protagonistas, ou seja, professores e estudantes (VIEIRA et al., 2019, p. 284).

O Currículo nessas instituições deve considerar a carga e experiência do sujeito, assim como a realidade socioeconômica em que a instituição e o aluno estão inseridos, buscando capacitar para o mundo do trabalho, ao mesmo tempo que forma cidadãos conscientes de si e do todo. O Currículo Integrado implica reconhecer “[…] o papel do trabalho e da natureza e da importância da ciência, da técnica e da tecnologia enquanto potencializadoras da emancipação humana” (CASTAMAN; RODRIGUES, 2020, p. 144). Almeja-se que tenham a capacidade de transformar sua vida e a sociedade em que vivem, que sejam críticos, reflexivos e sujeitos omnilaterais.

A formação omnilateral exige que todo ser humano seja concebido e pensado em suas demandas e aspirações. Não apenas lhe incutir algumas competências e habilidades que irão, de modo instrumental, habilitar-lhe e inserir-lhe no universo do trabalho, mas oportunizar-lhe ampla e irrestrita reflexão em relação ao que significa isso (CASTAMAN; RODRIGUES, 2020, p. 142).

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Destarte, a formação omnilateral “[…] inclui o trabalho, a ciência, a cultura e a educação esportiva ou física. A educação humanística é parte inseparável da educação técnica e tecnológica, […]. A Educação Integral é princípio educativo básico e identidade fundante dos IFs” (PACHECO, 2020, p. 11-12). Os IF são espaços privilegiados de formação omnilateral e “Essa é, sem dúvida, a inovação, porque cumpre o seu papel de dar forma a um novo modo de ser, de constituir relações e de autocompreensão” (CASTAMAN; RODRIGUES, 2020, p. 146). Por isso, não se pode negligenciar a história da ciência, da tecnologia e da técnica a partir da constituição humana (RODRIGUES; SOUZA; RIBEIRO, 2020). Inteirar-se da formulação do conhecimento por meio da historicidade (MORIN, 2014), permite a ressignificação do ensino considerando o Currículo Integrado, mas também visa a formar cabeças bemfeitas do ponto de vista epistêmico (MORIN, 2004b) e da sabedoria ética e política (MORIN, 2014) com foco no futuro (MORIN, 2000).

O entendimento de todos os elementos ideológicos presentes na história da Ciência (HARARI, 2016), bem como a compreensão dos textos e pretextos em que se formaram os conceitos e as bases de sustentação teórica de uma práxis (SAVIANI, 2011), precisam ser refletidas pelo viés da possibilidade do erro e da importância dele na constituição do conhecimento (MORIN, 1990, 2004a, 2014), tanto para a humanização das novas gerações (MORIN, 2000, RODRIGUES, 2019) como para a visão crítica e criativa da produção e relação com a ciência e a tecnologia (MORIN, 2004b, 2014). Negligenciar o processo histórico e pluriversal da produção da ciência e da tecnologia é negar a dimensão ética e política da produção de todo e qualquer saber (MORIN, 2014, RODRIGUES; SOUZA; RIBEIRO, 2020). Se os IF pretendem se consolidar como instituição que prima pela pesquisa como pressuposto pedagógico e o trabalho como princípio educativo, precisam incorporar mais em suas práxis a dimensão humana e histórica da produção da ciência e da tecnologia (RODRIGUES; SOUZA; RIBEIRO, 2020) e as suas implicações éticas e políticas para potencializar ou reduzir as liberdades e a constituição do bem comum (MORIN, 2014).

5Consideraçõesfinais

As referências analisadas dos autores envolvidos neste ensaio apontam para a busca pela interligação entre ética, ciência e tecnologia, a partir do Currículo Integrado. A humanização do homem é fundamental nesse processo de progresso científico e tecnológico, no qual todos devem ter acesso às pesquisas e aos seus benefícios, assim como ter consciência dos possíveis malefícios que cada descoberta e nova tecnologia desenvolvida apresenta potencialmente. Para que isso seja possível, as questões éticas relativas às investigações devem ser consideradas antes mesmo de iniciar os seus desenvolvimentos, devendo ser sempre observadas, da pesquisa até a sua aplicação e utilização final.

Compreende-se que a ética deve garantir a todos(as) o acesso aos benefícios de novas descobertas e tecnologias, assim como às riquezas de que elas se originarem. Esse progresso deve refletir em melhor qualidade na educação, no acesso à saúde, na garantia de trabalho e renda, e principalmente na diminuição do abismo social no que se refere à qualidade de vida dos detentores das riquezas e daqueles que a produzem.

Reconhece-se que ainda há um distanciamento abissal entre o que se almeja e o que de fato se garante no ensino integrado nos IF. Contudo, deve-se lutar para que todos(as) que atuam nos IF legitimem a sua missão e o seu projeto de escola unitária, preconizando a integração entre os saberes e o aprofundamento do significado de ensino integrado, formação humana integral (omnilateral) e politécnica.

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Outrossim, as considerações aqui situadas iniciam as discussões e contribuem para pensar as categorias ciência e tecnologia nos IF, mas destaca-se que, por sua natureza, necessitam ser aprofundadas, bem como insistentemente refletidas, já que se trata de um tema fecundo e de uma proposta que pretende revigorar as instituições de ensino em EPT e a formação dos sujeitos no Brasil. O referencial teórico e reflexivo aqui elaborado pode servir de aporte para cotejamento e análise dos sentidos em discursos oriundos de outras pesquisas.

A operacionalização do Currículo Integrado e da formação integral precisam encadear a produção do conhecimento como um desafio constante, vivo, problematizando a cultura, a ciência, a técnica e a tecnologia, a relação entre o acesso, a permanência e o êxito e potencialidade de pensar o mundo do trabalho de modo crítico e criativo. É necessário fortalecer a dinâmica da produção do conhecimento como empoderamento para a cidadania; que os egressos possam compreender a técnica da produção de todos os saberes e fazeres, a fim de acessarem a formação omnilateral e de ter condições e capacidades de compreender, explicar e transformar a realidade.

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COMO CITAR (APA): Donadel, T. B., Rodrigues, R. A., & Castaman, A. S. (2022). Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: travessia para uma nova sociedade. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 337349. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p337-349.

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Submetido em: 13 dez. 2021

Aceito em: 11 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p350-370

Ricardo Jorge de Sousa Cavalcanti https://orcid.org/0000-0001-6990-6669

Doutor em Linguística, com Estágio pós-doutoral em Linguística Aplicada. Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em Rede Mestrado Profissional emEducaçãoProfissional eTecnológica (ProfEPT/IFAL), InstitutoFederal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas (IFAL) Campus Maceió/AL Brasil. E-mail: ricardo.cavalcanti@ifal.edu.br. Gustavo Correia dos Santos https://orcid.org/0000-0002-9250-0752

Mestrando em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT/IFAL). Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas (IFAL) Campus Santana do Ipanema/AL Brasil. E-mail: gustavo.correia@ifal.edu.br.

Resumo

Este texto é resultado das discussões promovidas na disciplina Bases Conceituais para a Educação Profissional e Tecnológica. A metodologia se caracteriza como uma revisão bibliográfica em que o aporte teórico é, principalmente, a discussão pautada no Ensino Médio Integrado, na Base Nacional Comum Curricular - BNCC, além de documentos que regulamentam essa modalidade de ensino no Brasil, com foco no ensino de línguas adicionais, sobretudo, de língua espanhola: Orientações Curriculares para oEnsinoMédio- OCEM, leis 11.161/2005 e13.415/2017. Portanto, a presente discussãoaborda conceitoschave para a fundamentação do Ensino Médio Integrado, associando-os à Pedagogia Decolonial à luz da BNCC, pois estes conceitos representam uma práxis baseada na criação e construção de condições sociais, políticas, culturais de pensamento não hegemônico. A análise revela o processo de apagamento que, apesar do trabalho realizado pelo Movimento Fica Espanhol e pelas Associações de Professores de Espanhol e pelo Projeto de Lei 3.849/19, esse idioma vem sofrendo desde a revogação da Lei n.º 11.161/2005 pela Lei n.º 13.415/2017, denominada Lei da Reforma do Ensino Médio; afora isso, não há menção alguma quanto ao ensino de Espanhol na BNCC.

Palavras-chave: Ensino Médio Integrado. Decolonialidade. Educação Profissional e Tecnológica. BNCC. Língua Espanhola.

High School Education integrated into the “Base Nacional Comum Curricular”: reflections on omnilateral and decolonial Spanish Language education

Abstract

This text is the result of discussions promoted in the Conceptual Bases for Technical and Vocational Education andTraining. The methodology is characterized as a bibliographical review in which the theoretical contribution is mainly the discussion based on High School Education integrated, on the Base Nacional Comum Curricular - BNCC, in addition to documents that regulate this type of teaching in Brazil, with a focus on teaching additional languages, especially the Spanish language: Curriculum Guidelines for High School, Laws No. 11.161/2005 and No. 13.415/2017. Therefore, this discussion addresses key concepts for the foundation of Integrated Secondary Education, associating them with Decolonial Pedagogy according to the BNCC, as these concepts represent a praxis based on the creation and construction of social, political, cultural conditions of non-hegemonic thought. The analysis reveals the erasure process that, despite the work carried out by the Fica Espanhol Movement and by the Spanish Teachers Associations and by law No. 3.849/19, this language has been suffering since the repeal of Law No. 11.161/2005 by Law No. 13.415/2017, called the Secondary Education Reform Law; otherwise, there is no mention of teaching Spanish at the BNCC.

Keywords: High School Education integrated. Decoloniality. Technical and Vocational Education and Training. BNCC. Spanish Language.

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OensinomédiointegradonaBaseNacionalComumCurricular:reflexões acercadeumaformaçãoomnilateraledecolonialdeLínguaEspanhola

La enseñanza secundaria integrada en la “Base Nacional Comum Curricular”: reflexiones acerca de una formación omnilateral y decolonial de la Lengua Española

Resumen

Este texto resulta de discusiones promocionadas en la asignatura Bases Conceptuales para la Educación Profesional y Tecnológica. La metodología tiene características de revisión bibliográfica, en que, el aporte teórico es la discusión sobre la Enseñanza Secundaria Integrada en la Base Nacional Comum Curricular - BNCC, además de documentos que reglamentan esta modalidad de enseñanza en Brasil, con atención especial a aquellos que tratan sobre la enseñanza de lenguas adicionales, sobre todo, el español: Orientações Curriculares para o Ensino Médio - OCEM, Leyes n. 11.161/2005 y n. 13.415/2017. Por lo tanto, este textoaborda conceptos-claves parala fundamentación de la enseñanzasecundaria integrada, asociados a laPedagogía Decolonial a la luz de la BNCC, puesto que, esas concepciones representan una praxis basada en la creación y construcción de nuevas condiciones sociales, políticas, culturales de pensamiento no-hegemónico. El análisis revela el proceso de supresión que, a pesar del trabajo realizado por el movimiento Fica Espanhol y las Asociaciones de Profesores y por el Proyecto de Ley n. 3.849/19, la citada lengua sufrió desde la derogación de la Ley n.11.161/2005 por Ley n. 13.415/2017 denominada Ley de Reforma de la Educación Secundaria; aparte de eso, no se mencionó, en la BNCC, la enseñanza de lengua española.

Palabras clave: Enseñanza Integrada Secundaria. Decolonialidad. Educación Profesional y Tecnológica. BNCC. Lengua Española.

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1Introdução

Acreditamos que, antes de mais nada, faz-se necessário apresentar um percurso histórico da criação e desenvolvimento da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, visto que essa instituição nem sempre teve a configuração que nos é apresentada atualmente. Para isso, utilizaremos do texto “Um novo modelo em educação profissional e tecnológica” como aporte teórico inicial para a discussão realizada nas seções seguintes. Justificamos este itinerário histórico pelo fato de que

[…] recuperar, mesmo que de forma panorâmica, a história da rede federal de educação profissional e tecnológica é fundamental quando se busca a afinidade entre política de educação profissional e política pública. E é no enlace dessa trajetória centenária com o futuro que já se faz presente que os Institutos Federais assumem seu verdadeiro papel social, contribuindo para uma sociedade menos desigual, mais autônoma e solidária. (BRASIL, 2010, p. 7).

Durante o governo Nilo Peçanha, em 23 de setembro de 1909, foi criado o conjunto de Escolas de Aprendizes Artífices cuja necessidade era a de “prover as classes proletárias de meios que garantissem a sua sobrevivência” (BRASIL, 2010, p. 11). Entre os objetivos dessas escolas estavam: a qualificação da mão de obra e o controle social de um segmento em especial: os filhos das classes proletárias. Tais escolas ofereciam “[…] uma educação que visava formar exclusivamente para o trabalho como prática econômica vigente nas sociedades capitalistas” (BRASIL, 2010, p. 11). É por esta razão que Moura, Garcia e Ramos (2007) afirmam que

[…] a educação profissional no Brasil tem, portanto, a sua origem dentro de uma perspectiva assistencialista com o objetivo de “amparar os órfãos e os demais desvalidos da sorte”, ou seja, de atender àqueles que não tinham condições sociais satisfatórias, para que não continuassem a praticar ações que estavam na contraordem dos bons costumes. (MOURA; GARCIA; RAMOS, 2007, p. 10).

Entre os anos 1935 e 1945, a economia brasileira passou de agroexportadora para industrial. Nesse mesmo período, as escolas públicas passaram a atender aos interesses do capital industrial, acompanhando, assim, o modelo de economia vigente. Ainda de acordo com esses mesmos autores,

Esse processo de industrialização e modernização das relações de produção exigiu um posicionamento mais efetivo das camadas dirigentes com relação à educação nacional. Como parte das respostas a essas demandas, foram promulgados diversos Decretos–Lei para normatizar a educação nacional. (MOURA; GARCIA; RAMOS, 2007, p. 11).

Segundo o texto “Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia: um novo modelo em educação profissional e tecnológica- concepção e diretrizes”, publicado em 2010, o objetivo das escolas durante esses dez anos se restringiu a qualificar a mão de obra. Nesse sentido, tal qualificação, num período em que a economia estava pautada na industrialização, ao tempo em que promovia o crescimento econômico, também excluía sujeitos que, até então, exerciam atividades mais manuais.

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Entre as décadas de 1940 e 1960, as Escolas Industriais e Técnicas passaram a oferecer formação profissional em nível secundário. Entre 1964 e 1985, período concomitante à ditadura empresarial-militar1 brasileira, houve um endividamento externo e no ano de 1971 surgiu o I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (PNDE), cujo objetivo foi manter o alto nível do Produto Interno Bruto – PIB, combater a inflação, equilibrar a balança comercial e melhorar a distribuição de renda (BRASIL, 2010, p. 11). Mais uma vez, a economia (além das diferentes concepções de mundo, cultura vigente e configurações de campo político) influencia na educação, ou seja, o mesmo PNDE continha programas específicos; com isso, foram implantados cursos técnicos nas áreas afins. A década de 70 do século XX é marcada por um contexto de grandes mudanças na Educação Profissional, conforme demonstrado no Quadro 1.

Quadro 1. Contexto da Educação Profissional na década de 70 Ano Acontecimento

1971 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB transforma todo o currículo do segundo grau em técnico-profissional (Lei n.º 5.692/71)

1971 O aumento expressivamente do número de matrículas nas Escolas Técnicas Federais.

1978 Três Escolas Técnicas Federais (Paraná, Minas Gerais e Rio de Janeiro) são transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica.

Fonte:Autores

Entre as décadas de 80 e 90 do século XX, o Brasil foi marcado por um grande descontrole da economia e essa situação contrariou as expectativas da década de 70 de formar técnicos em larga escala. A economia mundial se modificou e, juntamente, com ela as instituições federais de educação profissional e tecnológica também ensaiavam mudanças, conforme assinalam Moura, Garcia e Ramos (2007, p. 15), ao afirmarem que “a profissionalização obrigatória vai desvanecendo-se, de modo que ao final dos anos 1980 e primeira metade dos anos 1990 […] ocorre no Congresso Nacional o processo que culmina com a entrada em vigor de uma nova LDB, a Lei n.º 9.394/1996.”

No ano seguinte, em 1997, ocorreu a Reforma da Educação Profissional (Decreto n.º 2.208/97). Dessa forma, “o ensino médio retoma legalmente um sentido puramente propedêutico, enquanto os cursos técnicos, agora obrigatoriamente separados do ensino médio, passam a ser oferecidos de duas formas” (MOURA; GARCIA; RAMOS, 2007, p. 19). Essa reforma foi implantada dentro da ideia de estado mínimo. Em 1999, a fim de retomar o processo de transformações das Escolas Técnicas, iniciado em 1978, foi retomado com a implantação do Programa de Expansão da Educação Profissional (Proep): o governo brasileiro contraiu um empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em atendimento a uma política neoliberal.

1 Caracterização feita por Dreifuss (1981) em oposição ao termo civil-militar.

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A essa altura, já não havia mais um ensino integrado, visto que o Decreto n.º 2.208/97 previa, entre outros pontos, regulamentar a separação desse nível de ensino na modalidade da Educação Profissional e Tecnológica de nível médio. No entanto, em 2004, entra em vigor o Decreto n.º 5.154/04, cuja função é retirar as restrições previstas no decreto anterior, conforme explicitam Moura, Garcia e Ramos:

[…] esse instrumento legal, além de manter as ofertas dos cursos técnicos concomitantes e subsequentes trazidas pelo Decreto no. 2.208/97, teve o grande mérito de revogá-lo e de trazer devoltaapossibilidade de integraroensinomédioàeducaçãoprofissionaltécnicadenívelmédio, agora, numa perspectiva que não se confunde totalmente com a educação tecnológica ou politécnica, mas que aponta em sua direção porque contém os princípios de sua construção. (MOURA; GARCIA; RAMOS, 2007, p. 24).

Ainda em 2004, a Rede Federal de Educação Tecnológica é autorizada a criar cursos em todos os níveis de Educação Profissional e Tecnológica, doravante EPT. Se anteriormente a formação nessa modalidade de educação estava voltada exclusivamente ao desenvolvimento econômico, no que concerne a atender às demandas do capital, desde então, em consonância com o projeto de governo vigente à época, o foco se volta à qualidade social. Assim,

[…] essas instituições passariam a ocupar-se, de forma substantiva, de um trabalho mais contributivo, intrinsecamente voltado para o desenvolvimento local e regional, apreendendo desenvolvimento local e regional como a melhoria do padrão de vida da população de regiões geograficamente delimitadas. (BRASIL, 2010, p. 14).

Um dos objetivos dos institutos federais é o de promover melhorias na vida da população que vive em seu entorno, além de proporcionar uma educação de caráter emancipatório. Na segunda fase de expansão, intitulada “Uma escola técnica em cada cidade-polo do país”, ocorrida entre 2007 e 2010, a meta era que fossem construídos 150 novos campi, totalizando a criação de 180 mil vagas. Na terceira fase (2011 a 2014), ocorrida durante o governo de Dilma Rousseff, foram finalizados 208 campi. Assim, a Rede Federal contava com 562 unidades no país. Em 2019, já eram mais de 661 unidades em atividade. No Quadro 2 está demonstrada a quantidade de institutos e sua distribuição por municípios até o ano de 2019.

Quadro 2. Quantitativo de Institutos por municípios em 2019

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Período Quantidade de IF (campi) Quantidade de municípios atendidos 1909 – 2002 140 119 2003 – 2010 356 321 2011 – 2014 578 511 2015 – 2016 644 568 2016 – 2019 661 654 Fonte:PlataformaNiloPeçanha(2020)

Dessa maneira, em 2019, a Rede Federal estava composta por 38 Institutos Federais, 02 Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet), a Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), 22 escolas técnicas vinculadas às universidades federais e o Colégio Pedro II. Considerando os respectivos campi associados a essas instituições federais, têm-se ao todo 661 unidades distribuídas entre as 27 unidades federadas do país.

Os dados dispostos no Quadro 2 indicam que, sobretudo a partir de 2003, ocorreu uma significativa expansão na Rede. Compreende-se que tal expansão é concebida como um aspecto de extrema relevância, principalmente, atrelada à concepção adotada na própria Rede, no que concerne à importância da adoção de uma perspectiva crítico-emancipatória, pois, a partir da educação, é possível emancipar o ser humano e, com efeito, reduzir as desigualdades sociais impactantes e presentes em território brasileiro, o que, logo, oportuniza condições ao exercício de suas cidadanias plenas.

2Metodologia

Partindo dessas premissas atreladas à conceptualização e às diretrizes que permeiam a Rede Federal de Ensino, na modalidade da EPT, ressaltamos que este texto se caracteriza como um estudo qualitativo cuja metodologia utilizada se centra numa abordagem que visa ao método de levantamento bibliográfico e também à análise documental. Dessa maneira, dispomos das contribuições de autores/as que se prestam a discutir questões relacionadas à BNCC (BRASIL, 2018; BRANCO et al., 2019; GONÇALVES; MARCHESAN, 2017); ao Ensino Médio Integrado (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012); e à Pedagogia Decolonial (CANDAU, 2010, 2012, 2016; MATOS, 2020; MIGNOLO, 2005; OLIVEIRA, 2012, 2016; MALDONADO-TORRES, 2007; WALSH, 2005), além daqueles/as que tratam do processo de ensino-aprendizagem de línguas adicionais, neste caso, a Língua Espanhola (BARROS; COSTA; GALVÃO, 2016; DAHER; SANT’ANNA, 2016; KANASHIRO; MIRANDA, 2020; PARAQUETT, 2006).

Partindo dessa breve contextualização, concebemos a presente discussão estruturada em 4 tópicos, que se amalgamam entre si, além da Introdução e das Considerações Finais, que, nesse caso, não têm, nem ao longe, a pretensão de esgotar a presente discussão, uma vez que ela está em curso no desenvolvimento de uma investigação mais ampla no contexto do ProfEPT/Ifal. Seguidamente, dedicarnos-emos a tratar acerca das concepções de ensino médio integrado.

Inicialmente, trataremos a respeito de questões inerentes ao Ensino Médio Integrado no sentido de apresentar uma definição. Para tanto, a nossa fundamentação parte de textos como: “Concepção do Ensino Médio Integrado” de Ramos (2008) e do Documento-Base do Ministério da Educação (MEC) intitulado “Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio” (2007). Em seguida, realizaremos uma análise teórica sobre a formação omnilateral e a politecnia com base, principalmente, nas contribuições de Moura (2013).

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3EnsinoMédioIntegrado:formaçãoomnilateralepolitécnicaparatodosetodas
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Em uma rápida pesquisa nos dicionários on-line, podemos encontrar significados diversos para a palavra integrar. Estes vão desde sua etimologia, do latim integrare, até a uma perspectiva semântica: passar a fazer parte de um grupo ou coletividade; sentir-se parte de alguma coisa. No que concerne à educação integrada, Ciavatta (2012) afirma que o que se busca com a formação integrada ou o ensino médio integrado ao ensino técnico é: “[…] que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos processos educativos como a formação inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior.” (CIAVATTA, 2012, p. 84).

Em consonância com Ramos (2008), Sant’ana, Lemos e Silva (2018) asseveram que:

Pedagogicamente, a integração é compreendida a partir de vários sentidos e/ou características. É necessário entendê-la pelo seu caráter filosófico, o qual se baseia na reunião das diversas estruturas da vida no processo de formação humana. É interligado ao conceito de omnilateralidade, que tem comofocoaformaçãointegraldosindivíduos,combasenaassociaçãoentreasdimensõesdotrabalho, da ciência e da cultura no processo formativo. (SANT’ANA; LEMOS; SILVA, 2018, p. 72).

Para Ramos (2008, p. 3), este é o 1.º sentido da integração: a formação omnilateral baseada na associação entre as dimensões do trabalho, da ciência e da cultura, conforme vimos em Sant’ana, Lemos e Silva (2008). Para Ramos (2008), o trabalho é tratado em seu sentido ontológico, visto que este é um processo que faz parte da formação humana, não apenas pelo fato econômico, mas também porque o trabalho produz liberdade.

Nesse sentido, Ciavatta (2012), em consonância com Sant’ana, Lemos e Silva (2018), assegura que:

[…] a ideia de formação integrada sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar.Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estãona sua gênese científico-tecnológica e na sua apropriação histórico-social. (CIAVATTA, 2012, p. 85).

Desse modo, compreendemos que a formação integrada visa a valorizar o ser humano em todos os seus aspectos. Não é uma formação que prepara apenas para o trabalho no sentido de emprego, alienado sob o capital. Já que o homem é diferente dos animais, posto que estes vêm regulados para natureza e, por essa razão, não projetam sua existência e, muito menos, modificam-na: os animais se adaptam e respondem instintivamente ao meio. Por outro lado, os seres humanos criam e recriam, mediante o trabalho, a sua própria existência (FRIGOTTO, 2012, p. 58). Destarte, a formação integrada, ainda nas palavras de Frigotto, “[…] se fundamenta no fato de que todo ser humano, como ser da natureza, tem o imperativo de, pelo trabalho, buscar os meios de sua reprodução – primeiramente biológica, e na base desse imperativo da necessidade criar e dilatar o mundo efetivamente livre.” (FRIGOTTO, 2009, p. 189)

A ciência tem a sua gênese a partir dos conhecimentos produzidos pela sociedade por meio do trabalho. A partir dela, o homem explica a realidade e intervém sobre esta. Logo, percebemos que há uma relação entre trabalho e ciência, considerando-se que as ações do ser humano resultam na produção de conhecimentos e isso se dá a partir do trabalho. Outra dimensão crucial à promoção de uma formação omnilateral é a cultura, que compreende os valores éticos, morais, simbólicos e as normas que regulam e orientam os processos formativos e produtivos do grupo social.

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Conceber a indissociabilidade entre trabalho, ciência e cultura é compreender o trabalho enquanto princípio educativo. Assim, somos levados à compreensão de que o ser humano é o produtor de sua realidade e que cabe a ele apropriar-se dela e modificá-la. Então, o trabalho como princípio educativo é compreendido por Ramos (2008) como “Uma prática que visa a proporcionar a compreensão das dinâmicas socioprodutivas das sociedades modernas, com as suas conquistas e os seus revezes, e também habilitar as pessoas para o exercício autônomo e crítico de profissões, sem nunca se esgotar a elas.” (RAMOS, 2008, p. 45).

Desse ponto de vista, busca-se construir uma sociedade emancipadora em que o trabalho seja visto como elemento primordial para a concretização das necessidades humanas e sociais. De acordo com Ramos (2008), o projeto unitário de ensino médio se fundamenta na educação como prática social e compreende o trabalho em seu duplo sentido: ontológico e histórico. Em que o primeiro vem a ser a forma pela qual o homem produz sua existência em relação com a natureza e com os outros homens resultando na produção do conhecimento. Já o segundo sentido diz respeito a como o sistema capitalista se transforma em trabalho assalariado como categoria econômica baseada em conhecimentos existentes. Conforme assevera Marx (1983),

Antes, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, medeia, regula e controla seu metabolismo com a Natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural ponto ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporeidade, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de se apropriar da matéria natural numa forma útil à própria vida. ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (MARX, 1983, p. 149).

No que tange à escola unitária, Manacorda (2007), citado por Moura (2013), afirma que esta vai ao encontro da formação humana integral e é o lugar onde ela deverá ocorrer. Gramsci defende que a escola unitária ou de formação humanista ou de cultura geral deveria se propor à tarefa de inserir os jovens na atividade social, depois de tê-los levado a um certo grau de maturidade e capacidade, a uma criação intelectual e prática, e a uma certa autonomia na orientação e na iniciativa.

A respeito da última etapa da Escola Unitária, que equivale ao ensino médio brasileiro, Gramsci afirma que a última fase deve ser concebida e organizada como a fase decisiva, na qual se tende a criarem os valores fundamentais do “humanismo”, a autodisciplina intelectual e a autonomia moral necessárias a uma posterior especialização, seja ela de caráter científico (estudos universitários), seja de caráter imediatamente prático-produtivo (indústria, burocracia, organização das trocas, etc.) (GRAMSCI, 1982, p. 65).

Cabe ressaltar que, assim como Marx e Engels, à sua época, se referiam à politecnia como algo futuro; Gramsci também trata da escola unitária como uma prática educacional a ser desenvolvida no futuro. Além disso, os autores ressaltam que as condições vigentes à época impediam a plena materialização da politecnia. Tal qual percebemos no Brasil atual.

Para fins de ponderação, segundo Moura, a mudança para a escola unitária para todos não ocorrerá sem uma fase de transição. Ao contrário, tal fase é inevitável e durante esse período coexistirão distintas escolas, dentre elas as técnicas, nas quais está o germe do ensino, que poderá elevar a educação da classe operária bastante acima do nível das classes superior e média (MARX, 1983).

O principal obstáculo para essa perspectiva formativa (politecnia e omnilateralidade) é de cunho político. O Estado brasileiro não investe para que isso ocorra, ou seja, não há interesse, pois esse tipo de

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de Sousa
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formação não atende aos interesses do capital, ficando à população o papel de fiscalizadora e cobradora de seus direitos, a saber, o desenvolvimento de ações planejadas que contemplem, além da concepção e dos princípios norteadores desse ensino médio, dimensões como financiamento, colaboração entre os entes federados e as redes públicas, quadro de profissionais da educação e sua adequada formação inicial e continuada e infraestrutura física, prédios, bibliotecas, laboratórios, instalações desportivas etc. Somente assim é que compreendemos que se poderá dar início à travessia de uma educação fragmentada, que forma para apenas servir ao capital, a uma educação, de fato, crítico-emancipatória e, portanto, cidadã.

Cabe ressaltar que o caminho para esse processo de deslocamento somente poderá ser construído a partir de disputas políticas em meio às contradições do sistema capitalista. Romper essa dualidade estrutural na educação não é uma decisão exclusiva da educação, mas, sim, da sociedade em sua integralidade. É necessário atuar dentro dessas contradições e superar o modo de produção vigente e proporcionar uma educação de qualidade para todos e todas.

4ABNCCeaReformadoEnsinoMédio:doapagamento à resistência do idioma nos documentosoficiais:dasimplantaçõeseretiradasdaLínguaEspanholadocurrículo

Segundo Gonçalves e Marchesan (2017, p. 437), o percurso histórico do ensino das línguas estrangeiras no Brasil é marcado por períodos de grandes discussões, alguns avanços em termos de oferta e implementação, mas também de retrocessos e silenciamentos. No que diz respeito à Língua Espanhola, essa discussão passou a ganhar espaço apenas nos últimos anos.

Para iniciar esta discussão, antes de tudo, é preciso que abordemos as inclusões e exclusões da Língua Espanhola nos currículos das instituições escolares brasileiras. Certamente, há de se esclarecer que, dado o sucinto espaço para promoção da presente discussão, não pretendemos trazer, de maneira detalhada, os 26 projetos de lei que, entre 1958 e 2007, tentaram criar uma lei para que o Espanhol fosse uma das línguas ensinadas nas escolas brasileiras. No entanto, o Quadro 3, com base em Rodrigues (2016, p. 3334), cumpre o papel de deixar demonstrados, de maneira efetiva, os 19 PLs (entre os 26), apresentados à Câmara dos Deputados ao longo desses anos para que, a partir disso, passemos ao ano de 2005.

Quadro 3. Projetos de lei para a inclusão da Língua Espanhola no sistema educativo brasileiro (continua)

Nº do PL Data de Apresentação Autor da Proposição/Partido (Estado) Data do Último Trâmite

1 4606 15/10/1958

Poder Executivo 5/4/1971, arquivado.

Ementa: Altera o Decreto lei 4244, de 9 de abril de 1942, no que se refere ao aprendizado do idioma espanhol nos dois ciclos do ensino secundário.

2 4589 29/11/1977

Dep. Daniel Silva/PP (RJ) 2/3/1979, arquivado.

Ementa: Inclui, nos currículos plenos dos estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus, o estudo do idioma espanhol.

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Quadro 3. Projetos de lei para a inclusão da Língua Espanhola no sistema educativo brasileiro (continuação)

Nº do PL Data de Apresentação Autor da Proposição/Partido (Estado) Data do Último Trâmite

3 6547 13/08/1982 Dep. Airton Soares/PT (SP) 2/2/1983, arquivado.

Ementa: Modifica a redação do caput do Art. 7o da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que “Fixa as Diretrizes e Bases para o ensino de primeiro e segundo graus, e dá outras providências”. Explicação: Incluindo o estudo do idioma espanhol nos currículos.

4 396 12/4/1983 Dep. Antonio Pontes/PDS (AP) 15/9/1985, arquivado.

Ementa: Altera a redação do Art. 7o da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que “Fixa as Diretrizes e Bases para o ensino de primeiro e segundo graus, e dá outras providências”

Explicação: Incluindo o estudo do idioma espanhol nos currículos.

5 447 12/04/1983 Dep. Francisco Dias/PMDB (SP) 1/2/1987, arquivado.

Ementa: Acrescenta um Parágrafo ao Art. 7o da Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, que “Fixa as Diretrizes e Bases para o ensino de primeiro e segundo graus, e dá outras providências”.

Explicação: Incluindo no currículo escolar, em caráter de livre escolha do estudante, um dos idiomas: espanhol, italiano, francês, alemão e inglês.

6 867 5/5/1983 Dep. Israel Dias Novaes/ PMDB (SP) 28/11/1983, arquivado.

Ementa: Inclui, no currículo pleno dos estabelecimentos de ensino de segundo grau, o idioma espanhol.

7 2150 27/04/1989 Dep. Osvaldo Sobrinho/PTB (MT) 13/5/1993, prejudicado pela aprovação de substitutivo ao PL 258/88 (LDB).

8 2195 28/4/1989 Dep. Tadeu França/PDT (PR) 2/2/1991, arquivado

Ementa: Dispõe sobre a obrigatoriedade da pluralidade do ensino de línguas estrangeiras nos currículos das escolas públicas de primeiro e segundo graus. Explicação da Ementa: Dando opção ao aluno de escolher um ou dois idiomas, seja a língua inglesa, francesa, espanhola, italiana ou alemã.

9 3811 10/10/1989 Dep. Antônio Carlos Konder/PDS (SC) 13/5/1993, prejudicado pela aprovação de substitutivo ao PL 1258/88 (LDB).

10 5791 10/10/1990 Dep. Omar Sabino/PDS (AC) 2/2/1991, arquivado.

Ementa: Dispõe sobre a inclusão do idioma espanhol, nos currículos do ensino do segundo grau, e dá outras providências.

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Quadro 3. Projetos de lei para a inclusão da Língua Espanhola no sistema educativo brasileiro (conclusão)

Nº do PL Data de Apresentação Autor da Proposição/Partido (Estado) Data do Último Trâmite

11 2277 21/11/1991 Dep. Carlos Cardinal/PDT (RS) 11/11/1993, arquivado.

Ementa: Dispõe sobre o ensino de língua estrangeira moderna no ensino fundamental e médio, e dá outras providências. A proposição menciona “uma língua estrangeira moderna como disciplina obrigatória” para o primeiro e o segundo graus, mas especifica que os Estados brasileiros que fazem fronteira com o Mercosul – RS, SC, PR e MS – “deverão incluir o ensino da língua espanhola nos currículos escolares, sem prejuízo do ensino de outras línguas estrangeiras modernas”.

12 3998 8/7/1993

Ementa: Dispõe sobre a qualidade de vida pela educação e dá outras providências. Explicação da Ementa: Obrigando o ensino do idioma espanhol, dentre outras providências.

13 4004 9/7/1993

Dep. Jones Santos Neves/PL (ES) 2/2/1995, arquivado.

Poder Executivo 10/3/2006, arquivado.

Ementa: Torna obrigatória a inclusão do ensino de língua espanhola nos currículos plenos dos estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus.

14 425 4/5/1995 Dep. Franco Montoro/PSDB (SP) 24/05/1995, apensado ao PL 4004/93

Ementa: Dispõe sobre o ensino obrigatório da língua espanhola nos estabelecimentos de ensino de segundo grau.

15 594 8/6/1995 Dep. Rita Camata/PMDB (ES) 25/8/1995, apensado.

Ementa: Faculta o ensino da língua espanhola nos currículos plenos dos estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus.

16 1105 18/10/1995 Dep. Agnelo Santos/ PC do B (DF) 29/11/1995, devolvido.

Ementa: Dispõe sobre o ensino de espanhol nas escolas de segundo grau.

17 3987 15/12/2000 Dep. Átila Lira/PSDB (PI) Transformado em NJ.

Ementa: Dispõe sobre o ensino da língua espanhola.

18 4621 9/5/2001

Dep. Enio Bacci/PDT (RS) 27/12/2002, arquivado.

Ementa: Determina a instalação de cursos de informática e de língua estrangeira, gratuitos, e dá outras providências.

19 667 9/4/2007 Dep. Manoel Junior/PSB (PB) 4/10/2007, arquivado.

Ementa: Torna obrigatório o ensino de língua espanhola nas escolas da rede pública de ensino e dá outras providências.

Fonte:Rodrigues(2016,p.33)

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Nas palavras de Rodrigues (2016, p. 35),

[…] os projetos 447/1983, 2195/1989 e 3811/1989 (respectivamente de número 5, 8 e 9 no QUADRO) versam sobre o que poderíamos chamar de “pluralidade” na oferta das línguas estrangeiras a serem ensinadas nas escolas do país: os dois primeiros incorporam várias línguas às opções a serem oferecidas, como italiano, alemão, francês e inglês, além de espanhol; já o último, ao referir-se especificamente à realidade da região sul do país, exclui o francês e o inglês e propõe a inclusão do espanhol, em razão do contato fronteiriço, e do italiano e do alemão, por serem línguas de imigração com forte presença naquela região. (RODRIGUES, 2016, p. 35).

Por outro lado, de acordo com Paraquett (2006, p. 123-130), é no Estado do Rio de Janeiro que ocorrem as ações iniciais para a institucionalização do Espanhol como língua adicional (doravante E/LA). Ainda de acordo com a autora, é longo o caminho percorrido entre os reconhecimentos e desprestígios da oferta do E/LA em território nacional. No Brasil, os incentivos para a efetivação e o reconhecimento do ensino de Espanhol como língua adicional ocorreram pela influência das mudanças na economia e pelo Tratado do Mercado Comum do Sul (Mercosul).

Nessa época, em 2005, houve o aumento da oferta da Língua Espanhola em centros de idiomas e a implantação do idioma nas escolas regulares para os discentes da educação básica. Vale ressaltar que a maioria das escolas que ofertaram a Língua Espanhola nessa época eram escolas privadas. De acordo com Machado, Campos e Saunders (2007, p. 10), houve influência direta do Mercosul na implantação da Lei n.º 11.161 (revogada com a atual Lei n.º 13.415, de 16 de fevereiro de 2017), sancionada em 5 de agosto de 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que fez obrigatória a oferta da Língua Espanhola, a partir do ano de 2010, em horário regular, nas escolas públicas e privadas de ensino médio em todo o território nacional.

A mesma Lei também fez com que fosse facultativa, ou seja, opcional, a inclusão da Língua Espanhola nos currículos do Ensino Fundamental II. Um ano após a promulgação da Lei n.º 11.161, conhecida como “lei do espanhol”, o Ministério da Educação precisou traçar as normas para nortear o trabalho que seria desenvolvido, assim, foram publicadas as Orientações Curriculares para o Ensino Médio - OCEM, com um capítulo dedicado às “línguas estrangeiras” e uma seção intitulada “conhecimentos em espanhol”. Nas palavras de Daher e Sant’Anna (2016, p. 76), esse documento passou a ser um marco na história do ensino da Língua Espanhola na educação básica brasileira, visto que

[…] destaca o papel da língua estrangeira na educação dos alunos-cidadãos: privilegiar o contato cultural e a formação de um usuário crítico do idioma, que possa transitar e interagir em diferentes contextos, de forma autônoma e produtiva; contribuir para a formação de um ser humano mais autônomo e crítico, para a construção da cidadania e para a (re)construção da própria identidade. (DAHER; SANT’ANNA, 2016, p.76).

No que se refere, ainda, ao espanhol, Daher e Sant’Anna (2016, p. 76) asseveram que as supracitadas Orientações indicam que o trabalho com o idioma em tela deve seguir uma proposta ampla de educação, no sentido de valorizar a heterogeneidade e a pluralidade da língua com o objetivo de desenvolver uma competência comunicativo-intercultural que permita ao estudante o contato com o outro e a reflexão sobre as diferenças culturais.

É este o ponto em que as ideias presentes na OCEM convergem com a reflexão que propomos acerca de uma pedagogia decolonial: as orientações trazem reflexões acerca do papel educativo do E/LA, sobre a heterogeneidade do supracitado idioma e dos objetivos a serem considerados no processo de

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reflexõesacercadeumaformaçãoomnilateraledecolonialdeLínguaEspanhola
dos
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ensino-aprendizagem. A respeito da heterogeneidade, as OCEM destacam a necessidade de substituir o discurso hegemônico pela pluralidade linguística e cultural do universo hispanofalante, ensejando uma reflexão mais ampla. (BRASIL, 2006, p. 134). Considerando, assim, que o papel crucial que o conhecimento de uma língua estrangeira, de um modo geral e do espanhol em particular, pode ter nesse nível de ensino: levar o estudante a ver-se e constituir-se como sujeito a partir do contato e da exposição ao outro, à diferença, ao reconhecimento da diversidade (BRASIL, 2006, p. 133).

Nesse ínterim, após a revogação da Lei n.º 11.161 pela atual Lei n.º 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, as contribuições presentes nas OCEM, no que tange à Língua Espanhola, sofrem um apagamento sem precedentes.

5BNCCeLínguaEspanhola:discussõesrelativasaoensino-aprendizagem

Segundo Branco et al. (2019, p. 156), a implantação de uma Base Nacional Comum Curricular não é recente. Essa ideia já estava prevista na Constituição Federal de 1988 e também na Lei de Diretrizes e Bases - LDB de 1996. Na terceira e última versão da BNCC, documento de 2018, encontram-se os textos que dizem respeito à Educação Básica e ao Ensino Médio.

Inúmeras críticas vêm sendo feitas desde a elaboração do documento, uma vez que instituições como a Fundação Itaú Social, Fundação Lemann, Fundação Roberto Marinho, Fundação Victor Civita, Instituto Unibanco, Bradesco, Gerdau, Volkswagen, Instituto Ayrton Senna, Instituto Natura, Instituto Insper, Instituto Rodrigo Mendes, Instituto Singularidades, Instituto Inspirare, Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), entre outras tiveram presença marcante nos debates estabelecidos enquanto que os educadores participaram de maneira insuficiente. Quais os interesses por trás disso?

A BNCC traz uma discussão pautada no ensino baseado no desenvolvimento de competências2 e habilidades em torno do desenvolvimento de dez competências cujo objetivo propagado é o de formar sujeitos competentes e com as habilidades exigidas pelo mercado de trabalho. Nesse sentido, Saviani (2013), citado por Branco et al. (2019, p. 160), assevera que:

O empenho em introduzir a “pedagogia das competências” nas escolas moveu-se pelo intento de ajustar o perfil dos indivíduos, como trabalhadores e como cidadãos, ao tipo de sociedade decorrente da reorganização do processo produtivo. Por isso, busca-se, nas empresas, substituir o conceito de qualificação pelo de competência e, nas escolas, procura-se passar do ensino centrado nas disciplinas de conhecimento para o ensino por competências, relacionadas a determinadas situações. Em ambos os casos, o objetivo é tornar os indivíduos mais produtivos. (BRANCO et al., 2019, p. 160).

Uma educação pautada na formação exclusivamente voltada ao mercado de trabalho não visa a formar sujeitos críticos e autônomos: ao mercado não interessa este tipo de trabalhador. Segundo Gonçalves e Bonfim (2017, p. 9), “é inútil esperar resultados melhores dentro de um modo de ensino basicamente reprodutor, por meio do qual os educandos interagem com conteúdo de baixo teor crítico. Essa abordagem por si só suprime grande parte das possibilidades de transformações significativas na sociedade.”

2 A competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2018, p. 8).

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Os malefícios resultantes da BNCC e da Lei n.º 13.415/2017 não atingem exclusivamente os estudantes, mas também os docentes, pois, além do exposto, os currículos dos cursos de licenciatura terão como referência a BNCC. Ademais, ocorre também a precarização do trabalho docente com a regulamentação do “notório saber”, o que permitiria, por exemplo, que um médico, dado seu conhecimento adquirido para exercer a profissão, ministrasse aulas de Biologia ou Química, por exemplo, sem ter o conhecimento didático para tal. Isso colabora indiscutivelmente para a desvalorização docente.

A Lei n.º 13.415/2017, conhecida como Reforma do Ensino Médio, em consonância com a BNCC, surgiu com o objetivo de estabelecer mudanças no Ensino Médio. Entre as reformas promovidas por esta lei pode-se destacar a revogação da Lei n.º 11.161/2005, conhecida como “Lei do Espanhol”, que previa e regulamentava o ensino de Língua Espanhola em todo o território nacional. De acordo com Gonçalves e Bonfim (2017, p. 6),

O princípio constitucional de integração dos povos latino-americanos foi simplesmente desprezado, sendo trazido em seu lugar, uma ênfase ainda maior ao ensino da língua inglesa, tratando-a com caráter de obrigatoriedade no ensino médio e dispondo a faculdade da inclusão da língua estrangeira de forma marginal. (GONÇALVES; BONFIM, 2017, p. 6).

A língua é um objeto complexo, que se configura não somente em um objeto de conhecimento intelectual, mas também no objeto de uma prática sociocultural e discursiva. Prática essa também complexa, visto que se trata de expressão, que solicita ao sujeito sua maneira de relacionar-se com os outros e com o mundo, além de ser uma prática corporal, pois utiliza-se do aparelho fonador. Dessa forma, a aprendizagem de um idioma envolve três dimensões: afirmação do eu, trabalho do corpo e dimensão cognitiva. Estas, por sua vez, nem sempre colaboram e tampouco convivem em harmonia, tornando a aprendizagem de outro idioma uma atividade tão delicada (REVUZ, 1998 apud KANASHIRO; MIRANDA, 2020, p. 293).

Diferentemente das OCEM e da Lei n.º 11.161/2005, que têm um caráter orientador e valorizam o plurilinguismo, a Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2018) e a Lei n.º 13.415/2017 apresentam um cunho normativo e indicam como obrigatório apenas o ensino da língua inglesa (KANASHIRO; MIRANDA, 2020, p. 290). Nesse tocante, os últimos dois documentos reafirmam uma proposta de ensino monolinguista em território nacional.

É incontestável o processo de apagamento que o ensino de Língua Espanhola vem sofrendo desde a revogação da Lei n.º 11.161/2005 pela Lei n.º 13.415/2017, conforme já indicamos, denominada Lei da Reforma do Ensino Médio.

6PedagogiaDecolonialeensinodelínguasadicionaisnaEducaçãoProfissionaleTecnológica

Durante o III Congresso Internacional de Latinoamericanistas, realizado em 2002 na cidade de Amsterdã, o antropólogo colombiano Arturo Escobar apresentou um trabalho em que referenciava o grupo de pesquisa “Modernidade/colonialidade”. Esse grupo está formado por diversos intelectuais predominantemente latino-americanos e suas contribuições dialogam, entre outras áreas, com a educação. E este é o diálogo que nos interessa neste momento. Para tanto, trataremos de trazer a concepção de educação decolonial presente nas discussões feitas por estes/estas estudiosos/as. O postulado principal do grupo é o seguinte: “[…] a colonialidade é constitutiva da modernidade, e não derivada” (MIGNOLO, 2005, p. 75). Assim, modernidade e colonialidade são indissociáveis.

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Em função da colonialidade, a Europa pôde produzir as ciências humanas com um modelo único, universal e objetivo na produção de conhecimentos, além de deserdar todas as epistemologias da periferia do ocidente (OLIVEIRA, 2016). No que diz respeito à colonialidade e ao colonialismo, Maldonado Torres (2007) os diferencia da seguinte forma:

O colonialismo denota uma relação política e econômica, na qual a soberania de um povo está no poder de outro povo ou nação, o que constitui a referida nação em um império. Diferente desta ideia, a colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, mas em vez de estar limitado a uma relação formal de poder entre dois povos ounações,serelacionaàformacomootrabalho,oconhecimento,aautoridadeeasrelações intersubjetivas se articulam entre si através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça. (MALDONADO-TORRES, 2007, p. 131).

Ainda, de acordo com Maldonado Torres (2007), o colonialismo vem antes da colonialidade. No entanto, esta sobrevive ao colonialismo se mantendo viva nos textos didáticos, na cultura, no senso comum, na autoimagem dos povos (MALDONADO-TORRES, 2007). Tomaremos como exemplo o ensino de História na escola. Qual é a História contada na maioria dos livros didáticos? Aquela que glorifica o colonizador e apaga os povos indígenas e os negros. Conforme evidencia Oliveira (2012),

a História escolar foi/é, em grande parte, ensinada nos princípios epistemológicos do colonizador branco, masculino, racional, cristão e heteronormativo europeu. Fazemos um ensino de história que invisibiliza os conhecimentos e saberes dos povos indígenas, afro-brasileiros, quilombolas, ciganos, camponeses, ribeirinhos, etc. (OLIVEIRA, 2012, p. 54).

Quando trazemos a mesma questão para o ensino de Língua Espanhola, percebemos que o problema é basicamente o mesmo: os saberes que concernem a noção de raça e etnia estão demasiadamente enraizados na construção dos povos hispânicos. Dessa forma,

[…] a sala de aula tem um papel fundamental no fomento do respeito à diversidade das matrizes étnico-raciaiscaracterísticasdaAméricaLatina–eparaconstruirumasociedade igualitária,plural e democrática, comportamentos discriminatórios precisam deixar de ocorrer tanto dentro da escola quanto fora dela. (MATOS, 2020, p. 124).

É necessário que construamos um processo de educação linguística que seja efetivado a partir do Sul e para o Sul, promovendo novas epistemologias e contemplando vozes outras, as dos povos subalternizados (MATOS, 2019, p. 101), visto que, para Moita Lopes (2006, p. 31), “[…] é inadequado construir teorias sem considerar as vozes daqueles que vivem as práticas sociais que queremos estudar”. É dentro desta perspectiva que trazemos a esta discussão os estudos concernentes à pedagogia decolonial.

Para Matos (2019), “promover a educação linguística em espanhol através de práticas decoloniais é não mais aceitar a invisibilidade das identidades latino-americanas e estimular seu protagonismo em nossas aulas.” (MATOS, 2019, p. 106). É urgente que, enquanto docentes, repensemos nossas práticas sobre o que ensinar. Não podemos invisibilizar as práticas de racismo, transfobia, gordofobia, homofobia.

É preciso ir além do que o currículo propõe e trazer esses temas para a escola para que construamos uma sociedade decolonial no sentido de produzir pedagogias outras além da que está vigente e que isso resulte em novas formas de pensar. Já não cabe mais um programa escolar que homogeneíze as vivências humanas (e que, em muito, já o faz, ora sutilmente ora explicitamente).

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A realidade nos impõe sempre a pensar sobre o tipo de sociedade que se apresenta e aquela a que visamos usufruir quando educamos. Visamos a uma sociedade que exclui, que discrimina, que fragmenta os sujeitos e que nega direitos; ou visamos a uma sociedade que inclui, que reconhece a diversidade, que valoriza os sujeitos e sua capacidade de produção da vida, assegurando direitos sociais plenos? Nós nos colocamos, na segunda posição que, em síntese, alia-se à construção de uma sociedade justa e integradora. (RAMOS, 2008, p. 2).

É nesse ponto em que convergem as ideias presentes na presente discussão sobre a Educação Profissional e Tecnológica e a Decolonialidade. Visto que, a pedagogia decolonial […] trata de visibilizar, enfrentar e transformar as estruturas e instituições que têm como horizonte de suas práticas e relações sociais a lógica epistêmica ocidental, a racialização do mundo e a manutenção da colonialidade […] (OLIVEIRA, 2016, p. 38). Em outras palavras,

[…] a decolonialidade implica partir da desumanização e considerar as lutas dos povos historicamente subalternizados pela existência, para a construção de outros modos de viver, de poder e de saber. Portanto, decolonialidade é visibilizar as lutas contra a colonialidade a partir das pessoas, das suas práticas sociais, epistêmicas e políticas. (WALSH, 2005, p. 24).

É necessário vislumbrar uma educação que evidencie a luta dos povos que são menosprezados simplesmente por sua existência: pela classe social, sexualidade, gênero, raça, etc. Faz-se imprescindível a construção de um conhecimento do Sul e para o Sul e quando falamos Sul não estamos nos referindo à região Sul do país e sim um “Sul epistêmico que corresponde às realidades e aos sujeitos socialmente marginalizados.” (MATOS, 2019, p. 103).

7Adágioparanãoconcluir

Sabemos que a Educação Profissional neste país tem sua gênese a partir do assistencialismo. Durante o século XIX, o objetivo era o ensino das primeiras letras e o ensino de profissões para crianças pobres que estavam “à margem” da sociedade vigente, ou seja, era um meio de contenção social. Já no século seguinte, a formação visava, exclusivamente, à preparação de operários para o exercício profissional.

Com a criação dos Institutos Federais, em 2008, um dos pilares é a melhoria na vida da população que vive em seu entorno e, até mesmo, promover uma educação de caráter emancipatório e libertador. Compreendemos que ainda estamos distantes dessa formação omnilateral e libertadora, ela é germinal. Principalmente aqui no Brasil em que os danos do capitalismo parecem ser maiores que nas outras partes do mundo. Como propiciar uma formação omnilateral em um país em que crianças de 5 anos precisam trabalhar para prover seu próprio sustento ou complementar renda familiar?

Para essa indagação ainda não dispomos de resposta, se é que a teremos de forma precisa, dado que o alcance de sua resposta demanda um trabalho constante e pormenorizado investigativo, nos vários campos do conhecimento – sobretudo, nas Humanidades – sobre os tipos de relação estabelecidos em cenário brasileiro, além de uma inter-relação com processos pelos quais passaram países com características semelhantes ao Brasil quando às colonizações. No entanto, conforme vemos em Marx, essa formação omnilateral só será alcançada quando o proletariado for elevado à classe dominante. Pois, esbarramos em diversas pedras neste caminho, entre elas está a falta de interesse político em promover esse tipo de

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formação, já que esta não atende à demanda do capital. Noutros termos, a formação para o mercado de trabalho – o que entendemos ser aversa a uma ideologia voltada à preparação para o mundo do trabalho, já que esta, embora esteja, em alguma medida, imbricada com os arranjos produtivos, não a faz de modo acrítico e não propositivo, uma vez que o seu propósito é de modificar, entre tantos aspectos, a dualidade estabelecida entre trabalho manual e intelectual, proporcionando, assim, uma distribuição mais equânime de renda, bem como socioeducacionalmente na esteira da cidadania.

Para Moura (2013), “[…] romper essa dualidade estrutural da educação escolar completamente não depende apenas do sistema educacional, mas, antes, da transformação do modo de produção vigente.” (MOURA, 2013, p. 719). Em outras palavras, é necessário atuar nas falhas do capital para, a partir disso, produzir o rompimento da dualidade educacional.

É pouco possível romper com as dualidades educacionais em um país que não promove uma educação que favoreça ao plurilinguismo, à interculturalidade e ao respeito à diversidade considerando o fato de que a nova BNCC, documento do Governo Federal, que regula a Educação Básica, reforça em seu texto o apagamento da Língua Espanhola do currículo das escolas brasileiras quando privilegia e considera obrigatória apenas uma língua adicional3. Nos Institutos Federais e em outros estabelecimentos de ensino, apesar do que prevê a BNCC, a Língua Espanhola ainda é ofertada.

Embora se tenha a necessária consciência de que, independentemente de existir uma legislação que regulamente a oferta de determinada língua, isso não é suficiente para que se garantam políticas linguísticas que viabilizem o que foi expresso em textos reguladores (RODRIGUES, 2016), por meio dos quais se façam cumprir o que está disposto na Lei n.º 9.394/1996 (LDB), cujo Art. 35-A parágrafo 4º afirma que “[…] os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino”. A partir de sua leitura compreende-se que o espanhol é um componente curricular previsto no sistema educacional brasileiro, segundo os documentos legais citados, como de fato ele já se apresenta como componente curricular em diversos estados da federação (aproximadamente 75% deles optaram por manter o Espanhol ao implementar a BNCC) e municípios brasileiros.

No que concerne à decolonialidade, esta pode ser uma ferramenta utilizada para combater esse modelo de educação fabril vigente no Brasil. Uma educação que homogeneíza, que não leva em consideração a subjetividade dos/das estudantes: faz-se necessário, a partir de algumas poucas dessas proposituras, trazer à sala de aula os saberes dos povos indígenas, afro-brasileiros, quilombolas, ciganos, camponeses e ribeirinhos. É preciso discutir sobre homofobia, gordofobia, racismo, sexismo, transfobia e tantos outros tipos de intolerância. É urgente uma formação omnilateral e decolonial. É, com esse mote discursivo, que temos promovido discussões atinentes ao Ensino de Língua Espanhola, no âmbito do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologias de Alagoas (Ifal), que possibilitem repensar as práticas de ensino numa perspectiva decolonial, bem como as forças contrárias ao ensino de Língua Espanhola no Brasil e a que/quem se presta o seu “apagamento”/ “silenciamento”.

3 Compreendemos e utilizamos o termo língua adicional, em vez de estrangeira ou segunda língua, pelo fato de que a palavra estrangeira carrega um caráter excludente. Além disso, o termo língua adicional, de acordo com Leffa (2014), traz perspectivas no sentido de que não discrimina o contexto geográfico, as características individuais do estudante e também porque, ao aprender outro idioma, ele deixa de ser estrangeiro a nós.

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COMO CITAR (ABNT): CAVALCANTI, R. J. S.; SANTOS, G. C. O ensino médio integrado na Base NacionalComumCurricular:reflexõesacercadeumaformaçãoomnilateraledecolonialdeLínguaEspanhola. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 350-370, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/18092667.v24n22022p350-370. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16525.

COMO CITAR (APA): Cavalcanti,R.J.S.,&Santos,G.C.(2022).OensinomédiointegradonaBaseNacional Comum Curricular: reflexões acerca de uma formação omnilateral e decolonial de Língua Espanhola. Vértices (CamposdosGoitacazes),24(2),350-370.https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p350-370.

OensinomédiointegradonaBaseNacionalComumCurricular: reflexõesacercadeumaformaçãoomnilateraledecolonialdeLínguaEspanhola Ricardo Jorge de Sousa Cavalcanti, Gustavo Correia dos Santos Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 350-370, maio/ago.

370 | VÉRTICES,
2022

Submetido em: 20 dez. 2021

Aceito em: 8 ago. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p371-396

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado: uma revisão de literatura

Lorena Temponi Boechat https://orcid.org/0000-0001-9324-6461

Doutora em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (2012). Professora efetiva do Instituto Federal do Sul de Minas Gerais, Coordenadora Adjunta Local e Docente Permanente do Programa de Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em Rede Nacional (ProfEPT) do polo IFSULDEMINAS Campus Poços de Caldas/MG Brasil. E-mail: lorena.boechat@ifsuldeminas.edu.br.

Nathália Luiz de Freitas https://orcid.org/0000-0001-8958-5313

Pós-doutoranda em Linguística, subárea Neurolinguística, e doutora em Linguística, subárea Neurolinguística, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais, Coordenadora e Docente Permanente do Programa de Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em Rede Nacional (ProfEPT) do polo IFSULDEMINAS Campus Poços de Caldas/MG Brasil. E-mail: nathalia.freitas@ifsuldeminas.edu.br.

Resumo

Este artigo tem como objetivo investigar, ainda de forma preliminar, as concepções de integração referentes ao Ensino Médio Integrado em pesquisas brasileiras que abordaram a referida temática. Os parâmetros de busca utilizados na revisão de literatura integrativa a partir das seis primeiras páginas do portal Google Acadêmico foram: os termos de busca “concepção de integração” and “ensino médio integrado”/ “concepções de integração” and “ensino médio integrado” em conjunto; o intervalo temporal de publicação - de 2011 até 2020; e gêneros textuais acadêmicos - artigos, monografias, dissertações, teses e trabalhos completos publicados em anais de eventos. Os estudos encontrados foram classificados de acordo com a perspectiva de integração que exibem, havendo ainda a especificação dos objetivos, aspectos metodológicos e principais achados relatados nos trabalhos. Entre as 31 publicações identificadas, todas elas abordam os três sentidos discutidos por Ramos (2008): concepção de formação humana; forma de relacionar ensino médio e educação profissional; e relação entre parte e totalidade na proposta curricular.

Palavras-chave: Concepções de Integração. Ensino Médio Integrado. Educação Profissional e Tecnológica.

Integration concepts in Integrated High School: a literature review

Abstract

This article aims to investigate, even in a preliminary way, the concepts of integration related to Integrated High School in Brazilian research addressed to this theme. The search parameters used in the integrative literature review from the first 6 pages of Google Scholar were: the search terms “concepção de integração” and “ensino médio integrado”/ “concepções de integração” and “ensino médio integrado” combined; the publication time interval - from 2011 to 2020; and academic textual genresarticles, monographs, dissertations, theses, and full papers published in event proceedings. The studies found were classified according to the integration perspective they exhibit, with the specification of objectives, methodological aspects, and main findings reported in the studies. Among the 31 publications identified, all of them address the three meanings discussed by Ramos (2008): conception of human training; way of linking high school and professional education; and the relationship between part and totality in the curricular proposal.

Keywords: Integration Concepts. Integrated High School. Professional and Technological Education (TVET).

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Conceptos de integración en la escuela secundaria integrada: una revisión de la literatura

Resumen

Este artículo tiene como objetivo investigar, aunque de manera preliminar, los conceptos de integración relacionados con el Bachillerato Integrado en investigaciones brasileñas que abordaron este tema. Los parámetros de búsqueda utilizados en la revisión de la literatura integradora de las primeras 6 páginas del portal Google Académico fueron: los términos de búsqueda “concepção de integração” and “ensino médio integrado”/ “concepções de integração” and “ensino médio integrado” juntos; el intervalo de tiempo de publicación - de 2011 a 2020; y géneros textuales académicos - artículos, monografías, disertaciones, tesis y trabajos completos publicados en actas de eventos. Los estudios encontrados fueron clasificados de acuerdo a la perspectiva de integración que exhiben, con la especificación de objetivos, aspectos metodológicos y principales hallazgos reportados en los estudios. Entre las 31 publicaciones identificadas, todas abordan los tres significados discutidos por Ramos (2008): concepción de la formación humana; forma de vincular la educación secundaria y la educación profesional; y la relación entre parte y totalidad en la propuesta curricular.

Palabras clave: Conceptos de Integración. Escuela Secundaria Integrada. Educación Profesional y Tecnológica.

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1Introdução

O presente artigo tem como objetivo apresentar o desenvolvimento preliminar de uma revisão de literatura do tipo integrativa não exaustiva sobre os estudos brasileiros que se ocuparam da investigação das concepções de integração no Ensino Médio Integrado ao longo da última década. Mais especificamente, buscamos compreender quais são e em que pressupostos estão alicerçadas tais concepções veiculadas em investigações científicas, haja vista a relevância daquelas para os percursos formativos da educação técnica em sua modalidade integrada no Brasil.

Partimos da máxima libertadora segundo a qual, longe de transformar o mundo, a educação é capaz de modificar as pessoas, as quais, por sua vez, podem mudar o mundo (FREIRE, 1987). Tal perspectiva se coaduna com o pressuposto de que a educação tem como principal finalidade contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, de modo que a escola exerce um papel extremamente relevante nesse processo, haja vista ser o lócus privilegiado em que é possível ocorrer uma formação humana que visa a combater qualquer tipo de desigualdade e a fortalecer a democracia.

A escolha do Ensino Médio Integrado como o escopo formativo para a identificação e a discussão das concepções de integração deve-se ao fato de estas perfazerem o cerne das propostas pedagógicas que subjazem a aquele, pelo menos, em tese. Portanto, no Ensino Médio Integrado, a integração tende a funcionar, a um só tempo, como o fio condutor e o norte das propostas e práticas formativas que não só agregam, mas entrelaçam os conhecimentos propedêuticos e os conhecimentos profissionais que constituem os cursos pertencentes a essa modalidade educacional.

Em termos ontológicos, cumpre salientar, conforme assente Ramos (2008), o Ensino Médio Integrado abrange três sentidos distintos, a saber: a omnilateralidade, a integração entre Educação Básica e Educação Profissional, assim como a integração entre conhecimentos específicos e conhecimentos gerais. Nota-se, pois, que, ao serem consideradas em conjunto, essas três possibilidades de significação trazem à tona uma perspectiva integrativa que vai além do escopo pedagógico, abrangendo o que podemos denominar de dimensão política da formação humana.

Trata-se de um modelo de formação acadêmica que, em suas bases ideológicas, busca romper com a lógica da razão instrumental, de viés produtivista e a serviço dos interesses mercadológicos. Nesse prisma, o Ensino Médio Integrado coloca-se como uma alternativa educacional politécnica que integra ciência, trabalho e cultura, além de visar à construção de conhecimentos significativos, que possam fazer parte da realidade dos aprendizes, e à suplantação da fragmentação dos saberes (ARAÚJO; SILVA, 2017).

Tecidas essas considerações, expomos o problema teórico-prático identificado que leva à relevância de execução do presente estudo de revisão de literatura: que concepções de integração relativas ao Ensino Médio Integrado podem ser verificadas em pesquisas brasileiras que abordaram a referida temática? Associada a tal problemática está a necessidade de entendermos os principais objetivos e resultados dessas investigações, aspectos que, a um só tempo, nos ajudam a compreender um pouco do “estado da arte” das investigações e possibilitam a busca de explicações sobre o atual cenário da educação no país, sobretudo, no que diz respeito à sua organização curricular e todos os aspectos pedagógicos, ideológicos e políticos que dela derivam.

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 373 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

2AlgumasnotassobreaEducaçãoProfissionaleTecnológica

Presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) é uma modalidade educacional cuja finalidade consiste na preparação do indivíduo para “o exercício de profissões”, de maneira a possibilitar que ele tenha condições de se inserir e atuar tanto na vida em sociedade, quanto no mundo do trabalho (BRASIL, 1996). Trata-se, pois, de uma categoria educacional legalmente instituída, que está centrada nas relações indissociáveis entre as dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia.

O referido âmbito da EPT a insere na convergência de direitos essenciais ao cidadão, especificamente o direito à educação e o direito ao trabalho, os quais, de acordo com o Art. 227 da Constituição Federal, devem ser garantidos de forma prioritária (BRASIL, 1988). Nesse prisma, a Educação Profissional e Tecnológica não só opera no cumprimento de uma disposição legal, como também contribui para o escopo formativo do ser humano, já que “conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva”, segundo o que estabelece o Art. 39 da LDB (BRASIL, 1996).

O mesmo Art. 39 assente que a Educação Profissional e Tecnológica, “no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação” (BRASIL, 1996), o que implica o fato de a EPT articular-se com a Educação de Jovens e Adultos, bem como com a Educação Básica no nível do Ensino Médio, sob o formato de oferta integrada, concomitante, intercomplementar e subsequente.

Desse breve arrazoado sobre as bases legais que fundamentam a Educação Profissional e Tecnológica, é possível observarmos que a noção de integração emerge como um de seus elementos constituintes. Isso porque, em termos gerais, não se concebe a EPT de modo isolado, mas em articulação com outra modalidade educacional, como a Educação Básica em sua etapa final e a Educação de Jovens e Adultos, ou seja, há a premissa inerente de que a formação profissional voltada para o mundo do trabalho, de ordem mais técnica, se assim podemos nos referir, passa necessariamente pelo percurso formativo de caráter humano e social, típico do que se denomina de área propedêutica.

Logo, podemos sugerir que a integração, em sentido amplo, exerce, pelo menos, duas funções no que concerne à Educação Profissional e Tecnológica. A primeira delas seria o suporte de ordem constituinte e organizacional, uma vez que essa modalidade é concebida em termos integrativos, sempre em relação a uma outra. A segunda consistiria no caráter pedagógico-formativo, que se baseia no que podemos denominar de princípios de EPT: o trabalho concebido como princípio educativo, a politecnia, a pesquisa tomada como princípio educativo e o ensino integrado.

A natureza pedagógico-formativa da EPT tem seu alicerce no trabalho como princípio educativo, do qual advêm os demais, já que, como aspecto fundante da condição do homem é, grosso modo, ele o que nos torna diferentes dos outros animais, possibilitando que transformemos o mundo natural para atender às nossas mais diversas necessidades (FRIGOTTO, 2009). Na próxima seção, ao abordarmos fatores relativos ao Ensino Médio Integrado e às concepções de integração, teceremos considerações sobre politecnia, ensino integrado e pesquisa como princípio educativo.

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3OEnsinoMédioIntegradoeasconcepçõesdeIntegração

Criada pela Lei n.º 11.892 de 29 de dezembro de 2008, a Rede Federal de Educação Profissional tem, entre suas responsabilidades, a oferta de educação profissional técnica de nível médio, em sua forma integrada, prioritariamente, tanto a concluintes do ensino fundamental quanto ao público da educação de jovens e adultos, disponibilizando, pois, o mínimo de 50% das suas vagas para tal (BRASIL, 2008).

A origem da concepção de integração entre o ensino médio e o ensino profissional está na perspectiva segundo a qual trabalho e educação são práticas próprias à condição humana, cujo pressuposto está na fundamentalidade da formação integral do indivíduo em detrimento do mero exercício de uma atividade produtiva, como advogam Marx e Gramsci (CUNHA et al., 2020). Tem-se, pois, um princípio educativo geral que reside no trabalho produtivo desinteressado que articula interesses, talentos e necessidades de sujeitos que são dotados de personalidade (GRAMSCI, 1975). Trata-se de elementos básicos para a fundamentação do conceito de educação politécnica, que abrange o domínio dos conhecimentos gerais, bem como os saberes teóricos e práticos associados ao processo produtivo (SÁ, 2019).

Ao eleger o trabalho como o seu cerne, a integração entre o ensino médio e a educação profissional valoriza um tipo de formação que engloba o todo, os mecanismos gerais da produção, o que gera as sementes necessárias ao rompimento com os interesses do mercado e conflui com os almejos dos trabalhadores. Temos, então, uma concepção de educação politécnica que se refere ao “domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho moderno […] resgatando o princípio da formação humana em sua totalidade” (SAVIANI, 2003, p 140).

Nessa ótica, a integração gera potencialidades consideráveis à formação da classe trabalhadora (MARIANO, 2015). Ao prezar pela totalidade, a referida concepção de educação politécnica toma os escopos da teoria e da prática como sendo complementares, aspecto que une o trabalho intelectual ao trabalho manual (VASCONCELOS, 2014). É a escola única, que equilibra ambos os tipos de trabalho, desenvolve a autonomia e a autodisciplina, possibilita a coletivização social e propicia o início de mudanças nas “[…] relações entre trabalho intelectual e trabalho industrial não apenas na escola, mas em toda a vida” (GRAMSCI, 1991, p. 125).

Comungando com esses pressupostos, Ramos (2008, p. 2-3) ressalta que a politecnia exige um processo formativo que permita que os princípios científico-tecnológicos e históricos da produção moderna sejam compreendidos de maneira que os aprendizes se tornem capazes de se orientar frente às decisões que precisam tomar. De acordo com a autora:

Uma educação unitária pressupõe que todos tenham acesso aos conhecimentos, à cultura e às mediações necessárias para trabalhar e para produzir a existência e a riqueza social. Uma educação dessa natureza precisa ser politécnica; isto é, uma educação que, ao propiciar aos sujeitos o acesso aos conhecimentos e à cultura construídos pela humanidade, propicie a realização de escolhas e a construção de caminhos para a produção da vida. Esse caminho é o trabalho. O trabalho no seu sentido mais amplo, como realização e produção humana, mas também o trabalho como práxis econômica. Com isto apresentamos os dois pilares conceptuais de uma educação integrada: um tipo de escola que não seja dual, ao contrário, seja unitária, garantindo a todos o direito ao conhecimento; e uma educação politécnica, que possibilita o acesso à cultura, à ciência, ao trabalho, por meio de uma educação básica e profissional. (RAMOS, 2008, p. 2-3).

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Ramos (2008, p. 3) elege a politecnia em conjunto com a escola unitária como sendo os dois pilares conceptuais de uma educação integrada, para, a partir daí, tratar dos sentidos de integração na relação entre educação profissional e ensino médio. Conforme a estudiosa, há três concepções complementares de integração: “como concepção de formação humana; como forma de relacionar ensino médio e educação profissional; e como relação entre parte e totalidade na proposta curricular. Sobre tais sentidos passamos a discorrer”. Logo, ainda que a noção de relação esteja no cerne das três perspectivas, aquilo que é relacionado exibe diferenças importantes.

Segundo Ramos (2008), a integração como concepção de formação humana é de base filosófica, alicerçando-se em todas as dimensões da vida – trabalho, ciência e cultura –, as quais estruturam a prática social, se integram. É a partir dessa concepção que se dá a formação omnilateral dos indivíduos, de modo que o trabalho consiste, a um só tempo, em realização humana e prática econômica; a ciência é concebida como o acervo de conhecimentos que permite o contraditório avanço produtivo; assim como a cultura diz respeito aos valores que norteiam as normas de conduta de uma sociedade. Tal acepção de integração não faz distinção se a formação almejada é geral ou profissionalizante.

Na ótica da autora, o segundo sentido atribuído à integração refere-se a formas de integração do ensino médio com a educação profissional, com vistas ao desenvolvimento de uma formação que deve garantir o direito à educação básica e possibilitar a preparação para o exercício profissional. Trata-se de uma ótica que revela a indissociabilidade entre educação básica e educação profissional, associando-se a determinadas diretrizes de ordem éticas e políticas: “integração de conhecimentos gerais e específicos; construção do conhecimento pela mediação do trabalho, da ciência e da cultura; utopia de superar a dominação dos trabalhadores e construir a emancipação – formação de dirigentes” (RAMOS, 2008, p. 14).

O terceiro sentido especificado por Ramos (2008) é o de integração entre conhecimentos gerais e conhecimentos específicos, de maneira a configurar uma totalidade curricular. Em um âmbito mais empírico, voltado para a concretização do currículo que agrega ensino médio com ensino técnico, essa acepção recorre a princípios interdisciplinares, que buscam uma visão totalizante da realidade, em vez de consistir em uma adição e/ou superposição de tipologias de conhecimentos.

Conforme é possível depreender do breve arrazoado exposto, essa tripartição de concepções de integração segue uma ordem decrescente, do nível macro para o nível micro: saímos de uma perspectiva filosófica, mais ampla, passamos a uma abordagem centrada na articulação de modalidades educacionais e chegamos a uma ótica de ordem relativamente prática, que se pauta na organização curricular. Uma vez complementares, essas três concepções guardam entre si uma lógica integrativa, no sentido forte do termo, que inclui, mescla, articula, compartilha os elementos envolvidos nas diferentes dimensões integradas.

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Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 376 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p.
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4Metodologia

Para atingir o objetivo proposto, foi realizado um levantamento bibliográfico pautado na concepção e nos procedimentos do método revisão de literatura integrativa, o qual se caracteriza por pesquisa em determinado banco de dados, com vistas a averiguar todas as ocorrências do fenômeno em estudo. Optou-se pela utilização do portal de buscas Google Acadêmico – onde estão indexados periódicos com Qualis e teses indexadas por endereços eletrônicos de universidades.

Foram utilizados como termos de busca os vocábulos “concepção de integração” and “ensino médio integrado”/“concepções de integração” and “ensino médio integrado” em conjunto, baseando-se no pressuposto de que as palavras-chave presentes nos trabalhos acadêmicos têm a função de sintetizar os temas neles abordados. Os parâmetros de filtragem empregados na busca consistem em: intervalo temporal de publicação - de 2011 até 2020; assim como gêneros textuais acadêmicos - artigos, monografias, dissertações, teses e trabalhos completos publicados em anais de eventos. Restringimo-nos à identificação e à análise dos trabalhos elencados nas seis primeiras páginas da plataforma.

Depois da etapa de busca, foi efetuada uma triagem dos trabalhos, com vistas a descartar aqueles que não dialogam com o fenômeno de interesse da revisão. Em seguida, os estudos encontrados sobre a temática em foco foram analisados de modo a serem classificados de acordo com a perspectiva de integração que exibem. Também procedemos à especificação dos objetivos, aspectos metodológicos e principais achados relatados nos trabalhos. As categorias específicas de cada tipo de classificação foram sendo estabelecidas à medida que os estudos foram analisados, conforme pode ser observado na seção destinada aos resultados, apresentada na sequência.

5ResultadoseAnálises

Na busca realizada, tendo em vista os parâmetros definidos, foram encontradas 31 publicações, sendo 15 artigos, 12 dissertações, duas teses e dois trabalhos completos publicados em anais de eventos. Vale a pena ressaltar que há o crescimento no número de publicações a partir do ano de 2016, o que pode ser explicado pela intensificação do interesse na problemática da integração no Ensino Médio Integrado, advindo da expansão da Rede Federal, iniciada no ano de 2008. No Quadro 1, apresentamos a identificação das publicações encontradas.

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Quadro 1. Identificação das publicações (continua)

Número de Identificação Título Autor(es/as) Ano de Publicação Gênero Textual

1 A articulação do ensino médio com a educação profissional no IF SUDESTE MG – Campus Muriaé

2 Atuação da Rede Federal na ampliação do direito à educação básica: uma análise da oferta do Ensino Médio Integrado nos Institutos Federais

3 Práticas inovadoras no ensino médio integrado: cidadania e profissionalização

4 Politecnia e formação integrada: confrontos conceituais, projetos políticos e contradições históricas da educação brasileira

5 O Ensino Médio Integrado no contexto da avaliação por resultados

6 Currículo integrado e educação profissional: o que dizem os professores?

7 O ensino médio integrado à educação profissional em Mato Grosso

8 Ensino Médio Integrado: dificuldades e desafios da atuação docente no Campus Santana/IFAP

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

ARTIAGA, Débora Martins 2015 Dissertação

MILLIORIN, Simone Aparecida 2018 Dissertação

DANIN, Gisela Fernanda Monteiro; BENTES, Haroldo de Vasconcelos; MENDONÇA, Doris Campos 2017 Anais de Evento

MOURA, Dante Henrique; LIMA FILHO, Domingos Leite; SILVA, Mônica Ribeiro 2015 Artigo revista

SILVA, Katharine Ninive Pinto; RAMOS Marise 2018 Artigo revista

MOTA, Maria Danielle Araújo; LEITE, Raquel Crosara Maia 2020 Artigo revista

SOUZA, Solange Florês de 2015 Dissertação

SILVA, Carla Leidiane Rodrigues; PICANÇO, Damila Nunes Guidão 2020 Artigo revista

378

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas

Quadro 1. Identificação das publicações (continuação)

Número de Identificação

Título Autor(es/as) Ano de Publicação Gênero Textual

9 Currículo do Ensino Médio Integrado do IFMG: a partitura, a polifonia e os solos da Educação Física

10 Formação continuada e currículo integrado: no horizonte a educação que emancipa os sujeitos

11 Concepção de integração curricular presente nos cursos de ensino médio integrado em agropecuária do Instituto Federal Catarinense

12 O currículo do ensino médio integrado: da intenção à realização

13 Ensino médio integrado à educação profissional: algumas concepções

KATIA REGINA DE SÁ 2019 Tese

GRUMM, Cristiane Aparecida Fontana; SILVA, Filomena Lucia Gossler Rodrigues da 2015 Colóquio Nacional

OLIVEIRA, Rosângela de Amorim Teixeira de 2013 Dissertação

14 O Ensino Médio Integrado: concepções, disputas e indeterminações

15 Ensino Médio Integrado na Rede FAETEC: do tecnicismo a uma nova concepção da educação profissional?

16 Limites e possibilidades da integração curricular no Instituto Federal Catarinense: reflexões a partir da formação continuada de professores

17 A pesquisa como princípio educativo no Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: uma experiência pedagógica no IFSul

BENFATTI, Xênia Diógenes 2011 Tese

SANT’ANA, Wallace Pereira; SILVA, Hugo Barros da; LEMOS, Glen Cézar 2018 Artigo revista

BLENGINI, Ana Paula da Graça Souza 2012 Dissertação

FARIAS, Rosane de Abreu 2016 Dissertação

SILVA, Filomena Lucia Gossler Rodrigues da; BRANDT, Andressa Graziele; POSSAMAI, Tamiris 2020 Artigo revista

CAETANO, Maria Raquel; MANGANELI, Marineiva Teresinha de Melo 2020 Artigo revista

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Quadro 1. Identificação das publicações (continuação)

Número de Identificação Título Autor(es/as) Ano de Publicação Gênero Textual

18 Cartografando o encontro entre a proposta curricular de integração da Educação Profissional ao Ensino Médio e o trabalho dos praticantes pensantes do currículo

19 A relação entre conteúdo e forma nas políticas de educação profissional referenciadas no projeto de ensino médio integrado

20 A construção da identidade docente na educação profissional técnica de nível médio no Instituto Federal de Santa Catarina - Campus Canoinhas

21 O Ensino Médio no Brasil: quais possíveis rumos?

22

23

Ensino médio integrado no campo: a experiência dos CEIERS - Centros Estaduais Integrados de educação rural do Espírito Santo (CEIER)

Ensino médio integrado: notas críticas sobre os rumos da Travessia (2007-2016)

24 Estado da arte: A Integração Curricular no Ensino Médio Integrado dos Institutos Federais

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas Campos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

MUNIZ, Adriana Werneck Russo 2017 Dissertação

PORTO, Adriana Maria Nazaré de Souza 2011 Dissertação

FARIA, Igor Guterres 2018 Dissertação

BRIZUEÑA, Tânia Mara Dias Gonçalves; FIGUEIRA, Kátia Cristina Nascimento 2020 Artigo revista

ALVES, João Batista Pereira; RAMOS, Marise Nogueira 2018 Artigo revista

GAMELEIRA, Emmanuel Felipe de Andrade; MOURA, Dante Henrique 2018 Artigo revista

MEDEIROS, Lílian Gobbi Dutra; ALBERTO, Márcia de Souza Oliveira Paes Leme; SANTIAGO, Léia Adriana da Silva 2020 Artigo revista

380 | VÉRTICES,
dos

Quadro 1. Identificação das publicações (conclusão)

Número de Identificação Título Autor(es/as) Ano de Publicação Gênero Textual

25 Concepções docentes sobre Ensino Médio Integrado e Interdisciplinaridade: estudo de caso em um Curso Técnico em Agropecuária do Instituto Federal do Rio Grande do Sul

26 Embates entre integração e competências no ensino médio e seus desdobramentos na reforma atual

27

28

29

A conceção de integração contida no Decreto 5.154/2004 e suas repercussões na prática docente: um estudo sobre o ensino médio integrado do Instituto Federal do Tocantins

Gestão pedagógica do ensino médio integrado em uma escola estadual do Pará

Formação integrada do ensino médio com a educação profissional: o que dizem as pesquisas

30 Concepções, percepções e experiências de integração curricular nos cursos técnicos de uma instituição federal

31 Políticas de currículo para o ensino médio: sentidos de educação no IFMT de Primavera do Leste (MT)

Fonte: Elaboração própria

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

SESTARI, Fabiane Beatriz; DURAND, Ângela Malvina; BRAUNER, Elisângela; HALBERSTADT, Fabrício Fernando; GARCIA, Isabel Krey; SANTAROSA, Maria Cecília Pereira 2020 Artigo revista

CARDOSO, Maria Gorete Rodrigues; ROCHA, Genylton Odilon Rego da 2018 Artigo revista

BRAGA, Saldanha Alves 2013 Dissertação

SILVA, João Batista do Carmo; BRITO, Eloar Teixeira de 2019 Artigo revista

VIEIRA, Josimar Aparecido; VIEIRA, Marilandi Maria Mascarello 2016 Artigo revista

OLIVEIRA, Márcia Soares de 2018 Dissertação

SILVA, Eliane Aparecida da 2018 Dissertação

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No que diz respeito aos objetivos, procedimentos metodológicos e principais resultados relatados nas publicações encontradas, nota-se considerável diversidade investigativa, com destaque para discussões teóricas sobre o conceito de integração, estudos de caso acerca de organizações curriculares e análises de documentos e legislações que versam sobre a integração da educação profissional com o ensino médio. De modo geral, os estudos têm como lócus de coleta e análise de dados unidades da Rede Federal de educação, além de caracterizarem-se por se tratarem de abordagens de natureza qualitativa. É notável que as pesquisas que se ocuparam de dados empíricos indiquem que a apropriação dos sentidos de integração ainda esteja em curso e esbarrem em barreiras que vão desde a existência de lacunas na formação docente até a fixidez curricular.

No Quadro 2, apresentamos uma breve descrição dos objetivos investigativos, síntese metodológica e principais resultados dos estudos encontrados.

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações (continua)

Número de Identificação

1 Identificar a relação entre o Ensino Médio integrado e o Ensino Técnico e o resultado alcançado pelos egressos após a conclusão do curso técnico integrado em Agroecologia.

2 Investigar a atuação dos IFs na ampliação do direito à Educação Básica analisando a expansão e interiorização dos campi, a evolução das matrículas em cursos de Ensino Médio Integrado, bem como as características dos estudantes matriculados relacionados a sexo, raça/cor e faixa etária.

Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados

Estudo de caso, cuja abordagem é predominantemente qualitativa, havendo análise documental, entrevistas semiestruturadas, questionários e observação indireta da rotina com alunos egressos do ano de 2013, professores, gestores, os documentos oficiais da escola e da política dos órgãos do governo.

Análise de dados do Censo Escolar dos campi que compõem os 38 Institutos Federais distribuídos pelo território brasileiro, compreendendo a série histórica de 2007 a 2017 considerando, portanto, as instituições que viriam a se transformar em campus do Instituto Federal.

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

A integração pouco está idealizada e concebida no projeto políticopedagógico do curso, a qual tampouco ocorre de fato, visto que o curso desenvolve-se por práticas curriculares que ainda acompanham o modelo dualista, em que teoria e prática estão dissociadas e acontecem por meio de práticas curriculares isoladas e específicas de cada matéria.

Atuação dos Institutos Federais na ampliação do direito ao acesso ao Ensino Médio que precisa ser estendida também com relação à conclusão dos cursos para que se concretize o direito à Educação Básica.

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Quadro 2. Informações para contextualização das publicações (continuação)

Número de Identificação Pesquisa Resultados

3 Apresentar práticas pedagógicas inovadoras no Ensino Médio Integrado no Instituto Federal de Educação do Pará (IFPA), Campus Belém como elementos constitutivos da formação cidadã e profissional dos alunos, ancoradas no Projeto de Ensino e Pesquisa “Práticas Cidadãs nos Espaços Escolares”.

4 Discutir a problemática da formação humana no contexto do ensino médio, etapa final da educação básica brasileira.

A versão 2016, objeto desta discussão, a partir de metodologia interventiva, com ações interdisciplinares no âmbito da cidadania e da profissionalização médiatécnica, nos cursos de informática e química, 2º ano.

Os resultados apontaram que as ações do projeto ampliaram conceitos da ética, da moral e da liberdade; alargaram a compreensão sobre os processos da autonomia e heteronomia; e auxiliaram no desenvolvimento de habilidades, além de indicadores escolares relacionados ao mundo do trabalho e à boa convivência interpessoal.

5 Refletir sobre a relação entre as políticas de avaliação por resultados e a implementação da proposta curricular do ensino médio integrado.

Analisa-se a possibilidade do ensino médio integrado como travessia na direção pretendida.

As conclusões sinalizam que, em que pesem as dificuldades e os embates que marcam a trajetória educacional brasileira, cumpre reiterar a defesa de processos formativos emancipatórios, entre os quais se destaca a formação integral e integrada.

Como metodologia, analisamos documentos e entrevistas realizadas com docentes e gestores das redes federal e estadual de Pernambuco, com base nas categorias gerais do materialismo históricodialético.

Concluímos que os resultados das avaliações externas são a referência de qualidade das políticas educacionais na atualidade, pressionando o ensino médio integrado por meio da ênfase em escores e ranqueamentos e norteando a organização dos currículos de maneira a ampliar os problemas da dualidade entre a formação propedêutica e a formação técnico profissional.

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Objetivos da
Síntese da Metodologia Principais

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações (continuação)

6 Apresentar os resultados de uma pesquisa que investigou a concepção dos professores sobre a integração curricular da disciplina de Biologia com o Curso Técnico de Enfermagem e como ocorre esse processo de articulação.

7 Analisar a concepção que os sujeitos participantes da escola investigada têm a respeito do EMIEP.

A pesquisa seguiu os procedimentos metodológicos de estudo de caso e foi desenvolvida em uma Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP), utilizando entrevistas semiestruturadas.

A natureza da pesquisa é qualitativa, e a abordagem metodológica que norteia a investigação é a Comunicativa Crítica, cuja base teórica está alicerçada na Teoria da Ação Comunicação Crítica de Habermas (1987).

A escola analisada revelou um potencial de superação das adversidades, evidenciando que a realização da integração curricular é possível. Os professores entrevistados se mostraram prontos a acertar e a superar seus desafios diários como professores na EEEP.

8 Analisar a percepção dos docentes que ministram aulas no Ensino Médio Integrado quanto às dificuldades e desafios que envolvem o processo de apropriação da proposta do EMI no Campus Santana/IFAP (Curso técnico em comércio exterior, em marketing, logística e publicidade).

O instrumento utilizado para coleta de dados foi a aplicação de questionários a esses docentes.

Os professores participantes não se apropriaram efetivamente da concepção acerca do EMIEP. Outro destaque apontado é a rotatividade dos professores técnicos e a falta de planejamento em conjunto com as demais áreas do conhecimento, fato este que contribuiu impossibilitando sua efetivação. Em relação aos alunos participantes, a opção pela escola ocorreu devido ao status que acreditam que a escola proporciona, e, em relação ao curso, ocorreu mediante a falta de vagas no ensino médio regular.

A percepção dos participantes com relação ao objetivo da pesquisa encontra-se na necessidade da formação docente para atuação na EPT, integrar os componentes curriculares do núcleo comum ao técnico na perspectiva da formação humana integral e a grande sobrecarga no “fazer docente”, questões que refletem na dificuldade de realização do projeto do EMI.

Número de Identificação Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados
ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 384 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações

Número

9 Analisar o currículo do Ensino Médio Integrado (EMI) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG), suas conexões com a educação em tempo integral (ETI) e com a construção curricular do componente Educação Física (EF).

A metodologia adotada incluiu análise de documentos curriculares; entrevista semiestruturada com um gestor; entrevistas narrativas com professores de EF; e grupo focal com estudantes.

A interpretação do conjunto indica que, embora seja necessário mais investimento na integração do corpo docente e na construção coletiva dos PPCs a fim de superar a falta de integração do EMI e atender às especificidades da jornada em tempo integral, as improvisações dos professores e dos estudantes ressignificaram as normativas institucionais, produzindo currículos que intencionam superar tais problemas, inspirados pelos pressupostos das teorias críticas e póscríticas.

10 Refletir sobre alguns dos desafios que envolvem a implementação dos cursos de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e a construção de currículos que possam corresponder minimamente a tentativa de oferta de uma educação integral baseada na formação omnilateral dos sujeitos, no trabalho como princípio educativo, na pesquisa como princípio pedagógico, na interdisciplinaridade, e que possua como eixos da formação o trabalho, a ciência, a cultura e a tecnologia.

A experiência relatada refere-se ao projeto “O Ensino Médio Integrado e a formação omnilateral do estudante: fundamentação teórica para a implementação de um projeto pedagógico na perspectiva emancipatória”, desenvolvido no Instituto Federal Catarinense –campus Videira entre os anos de 2012 e 2013.

A construção de um currículo integrado é ao mesmo tempo uma possibilidade e uma necessidade quando se está comprometido com uma concepção de educação que tem como horizonte a emancipação dos sujeitos.

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 385 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022
(continuação)
de Identificação Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações

11 Compreender a concepção de integração curricular que fundamenta a proposta de formação dos cursos de Ensino Médio Integrado em Agropecuária do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense (IFC).

A pesquisa foi desenvolvida contemplando-se uma abordagem teórica que fundamentou os principais conceitos/princípios referentes ao problema e ao objeto investigado, além de um estudo empírico que envolveu a instituição e um grupo de profissionais que atuam no referido curso.

Pode-se afirmar que, no âmbito do currículo dos cursos de Agropecuária do IFC, há uma proposta de integração curricular em construção e com a efetivação de algumas ações integradoras; que, para o fortalecimento dessa proposta, faz-se necessário o desenvolvimento de uma política de formação continuada que contemple elementos conceituais e da prática. É possível afirmar que há um esforço institucional e dos profissionais envolvidos com o curso, no sentido da efetivação de um projeto de EMI coerente com a concepção teórica que sustenta a proposta e com as diretrizes curriculares nacionais que orientam o projeto. Contudo, revelam-se limitações de compreensão tanto do ponto de vista teórico quanto metodológico.

12 Analisar a integração dos currículos de Ensino Médio e Educação Profissional em três escolas de EMI, bem como de promover metodologia avaliativa que possa subsidiar as escolas públicas na avaliação curricular dessa modalidade.

O procedimento metodológico foi o no estudo de casos múltiplos.

As escolas escolhidas apresentam o mesmo padrão de oferta e estão situadas em três estados brasileiros: Ceará, Maranhão e Paraná. As fontes utilizadas na pesquisa foram: os alunos, professores, gestores, os documentos oficiais da escola e da política dos órgãos do governo; quanto às técnicas de coleta de evidências, foram usadas: análise documental, entrevistas semiestruturadas, grupos focais e observação das atividades desenvolvidas.

A integração necessita ser discutida e vivenciada pelos docentes, que, na realidade, não dispõem de tempos e espaços de formação e análise de suas ações educativas de forma institucionalizada, o que dificulta a efetivação concreta de uma pedagogia que traz como ênfase a integração.

Número Identificação da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados
ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 386 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022
(continuação)
de
Objetivos

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações (continuação)

Número Identificação

13 Compreender algumas características da integração entre ensino médio e educação profissional, a partir da reflexão sobre o contexto histórico da integração e do dualismo educacional entre a etapa e a modalidade de ensino supracitadas, com base na compreensão dos sentidos e das perspectivas de integração.

14 Problematizar a concepção de Ensino Médio Integrado que fundamentou a revogação do Decreto n. 2.208/07 do governo Fernando Henrique Cardoso pelo de n. 5.154/04, promulgado durante a gestão presidencial de Luis Inácio Lula da Silva.

Esta pesquisa tem como percurso metodológico a pesquisa bibliográfica e documental, com enfoque qualitativo e descritivo, fundamentado em autores como Ramos, Ciavatta e Frigotto (2012).

Conclui-se, assim, que é importante perceber os sentidos dessa integração, mediante a compreensão do trabalho como princípio educativo, aliada a uma prática educativa, pedagógica e curricular que privilegie valores éticopolíticos, históricos e científicos.

Para isto, situa o tema no contexto das reformas educacionais dos anos de 1990 e 2000 à luz das transformações que marcam o capitalismo contemporâneo. Em seguida, considerando que a concepção de Ensino Médio Integrado afirma estar fundamentada sobre os conceitos de educação politécnica, escola unitária e formação omnilateral, busca resgatar os autores originais dessas ideias, quais sejam, Karl Marx, Antonio Gramsci e, no Brasil, principalmente Dermeval Saviani.

O contexto econômico-político no qual o Decreto 5.154/04 foi exarado, possibilitando a integração curricular entre ensino médio e técnico, não se mostrou, e mesmo não vem se mostrando hoje, no Governo Dilma Roussef, favorável à transformação do cenário acima assinalado. Apesar de alguns avanços pontuais, o traço fundamental dos últimos anos de governo petista é dar continuidade ao projeto da burguesia nacional, qual seja, manter as estruturas econômicosociais e políticas que permitem a superexploração do trabalhador em favor de seus interesses mesquinhos.

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 387 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022
de
Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações (continuação)

Número de Identificação Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados

15 Discutir a atual política educacional expressa pelo Decreto Federal no 5.154/04, seus aspectos conceptuais e empíricos, visando perceber continuidades e rupturas na histórica dualidade “formação acadêmica versus formação profissional”.

16 Sistematizar algumas das reflexões realizadas a partir de uma formação continuada com professores(as) de Ensino Básico Técnico e Tecnológico do Instituto Federal Catarinense (IFC) –Campus Camboriú, acerca dos limites e das possibilidades da integração curricular nos cursos de Ensino Médio Integrado.

O presente estudo apresenta o resultado de entrevistas semiestruturadas realizadas com docentes atuantes no Curso Técnico de Nível Médio em Edificações integrado ao Ensino Médio na Escola Técnica Estadual Ferreira Viana pertencente à Fundação de Apoio à Escola Técnica.

O percurso metodológico, de caráter qualitativo, baseou-se na revisão de literatura, análise documental e pesquisa participante junto aos professores(as) do IFC. Entre os resultados, identificamos que os(as) professores(as) compreendem que a concepção de integração curricular exige tanto reestruturação dos projetos pedagógicos dos cursos e, consequentemente, dos currículos, quanto repensar as práticas pedagógicas de forma que estas contemplem a interdisciplinaridade que a realidade exige.

Constatou-se que não houve rupturas efetivas a serem sinalizadas, uma vez que o plano político-jurídico constituiu-se em parte na ressignificação das continuidades, porém observa-se que no plano da materialidade da ação docente há um terreno fértil às mudanças, resultado das próprias contradições intrínsecas ao capitalismo.

O movimento realizado para a construção de um currículo para os cursos de ensino médio integrado, que envolve a formação continuada e um intenso debate sobre a concepção de educação que alicerça os processos formativos e educativos, constitui-se mecanismo de resistência por meio do desenvolvimento de culturas, de políticas e de práticas desenvolvidas em muitas instituições da Rede Federal de Educação profissional, científica e tecnológica país afora.

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 388 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações

17 Apresentar o resultado de uma pesquisa-ação cujo tema foi o desenvolvimento de uma prática utilizando a pesquisa como princípio pedagógico na Educação Profissional e Tecnológica, realizada com estudantes e professores de uma turma de primeiro ano do Curso Técnico Integrado em Mecânica no IFSul - Campus Sapucaia do Sul/RS no ano de 2019.

A proposta do trabalho partiu de uma visita técnica. A partir dela, foram desenvolvidos projetos coletivos cujos temas foram escolhidos pelos estudantes através do diálogo crítico com estreita relação às diferentes áreas ligadas ao curso e ao interesse dos estudantes.

O exercício de aproximação das disciplinas, através da pesquisa como princípio pedagógico e educativo, compreendeu a realização de descobertas através de uma prática intencional, sendo construída ao longo do período com os estudantes e professores. A pesquisa escolar, voltada para a construção do conhecimento do estudante, com foco na pergunta, na elaboração de argumentos e na defesa desses, auxilia a formar um estudante pesquisador, crítico, curioso e socialmente comprometido. A pesquisa nos Institutos Federais deve ser inerente ao processo pedagógico, buscando a integração dos conhecimentos a partir das sínteses de múltiplas ações e relações da prática educativa.

18 Cartografar o encontro entre a proposta curricular de integração da Educação Profissional ao Ensino Médio e a atividade de trabalho dos praticantes pensantes do currículo do Campus Paracambi do IFRJ.

São utilizados dois principais instrumentos de análise: o Diário de Campo e o Encontro sobre o Trabalho (EST).

Aponta que nos diferentes espaçostempos desse cotidiano circulam valores e normas do modelo gerencial de educação que buscam restringir o trabalho e o currículo a tarefas operacionais e desvinculadas das discussões políticas e coletivas. Sinaliza para um fazer industrioso dos sujeitos envolvidos que, na invisibilidade do dia a dia, operam complexas microgestões, buscando preencher os vazios de normas e seus significantes.

Número de Identificação Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados
ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 389 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022
(continuação)

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações (continuação)

19 Compreender a contradição que se impõe entre conteúdo e forma no Ensino Médio Integrado e o tratamento dado pelas políticas e programas baseados nessa concepção no que se refere à possível unidade entre essas duas dimensões que se configuram como ato educacional.

20 Investigar as compreensões sobre a identidade docente, para a construção de espaços de formação docente continuada, para profissionais professores da Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM), na oferta de Ensino Médio Integrado (EMI).

21 Analisar a constituição dos Cursos Técnicos Integrados de Nível Médio no Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Campo Grande, no período de 2011 a 2015.

Trata-se de um estudo de cunho bibliográfico e documental, no qual a análise do conteúdo foi utilizada para tratamento dos dados da pesquisa à luz de nossas categorias analíticas: a práxis e a totalidade.

Destaca-se entre os resultados o tratamento dissociado entre forma e conteúdo nas políticas e programas baseados na integração e a dificuldade de se construir uma política pública educacional que trate essas duas dimensões como uma unidade contribuindo assim para o efetivo rompimento da dualidade na educação.

A proposta de pesquisa, portanto, requisitou metodologias qualitativas que se entrecruzaram pela utilização da pesquisaformação que se propôs desenvolver. Para tanto, foram necessários elementos metodológicos referentes à pesquisa-ação, na forma de uma metodologia de desenvolvimento híbrido.

Trata-se de estudo qualitativo, que tem como metodologia a análise documental, o uso de questionários e a entrevista semiestruturada.

Na análise, as verbalizações emergiram das categorizações identificadas na identidade docente, das novas necessidades da formação profissional, técnica e formativa dos jovens do Ensino Médio do IFSC, como interação, diálogo e mediação entre os conhecimentos, metodologias e práticas de ensino e formação dos estudantes.

Constatou-se que, apesar da existência da proposta de integração, a dualidade histórica não foi totalmente superada, pois, segundo os egressos dos cursos, nem sempre ocorre integração entre as unidades curriculares; além disso, na percepção da maioria, a referida integração ocorre apenas de forma parcial.

Número Identificação Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados
ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 390 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022
de

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações (continuação)

Número de Identificação

Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados

22 Apresentar resultados da análise sobre a integração da Educação Profissional com o Ensino Médio na experiência dos Centros Estaduais Integrados de Educação Rural (CEIERs).

O estudo empírico foi realizado mediante análise dos projetos políticopedagógicos de três CEIERs localizados em municípios do noroeste do Espírito Santo – Águia Branca (CEIER/AB), Boa Esperança (CEIER/BE) e Vila Pavão (CEIER/VP) –articulada a dados de entrevistas realizadas com diretores, professores e estudantes dessas escolas.

Consideramos que a formação integrada dessas instituições de ensino contribui para romper com a concepção economicista e produtivista de educação de formar para o mercado de trabalho, assim como para a superação de uma cultura produtiva centrada no agronegócio, em benefício de uma concepção de formação e de trabalho no campo orientada para a agroecologia.

23 Analisar os resultados de pesquisas desenvolvidas em programas de pósgraduação, no Brasil, em torno da implementação do ensino médio integrado à educação profissional técnica de nível médio (EMI).

Trata-se de uma investigação qualitativa, de cunho exploratório, cuja característica tipológica assemelha-se à de trabalhos de revisão de literatura –contudo, com um recorte mais delimitado. Quinze relatórios de pesquisa, entre teses e dissertações, de 13 estados, das cinco regiões do Brasil, conformam o corpus analisado, compreendendo o período entre os anos de 2007 e 2016.

Os resultados desta pesquisa sugerem, ainda, o aprofundamento da análise dos múltiplos fatores que dificultam a implementação do ensino médio integrado no Brasil, especialmente nas redes estaduais de ensino, lócus de pesquisa ainda pouco explorado.

24 Entender as concepções de integração curricular em teses e dissertações, com foco no Ensino Médio Integrado (EMI) dos Institutos Federais (IFs).

Foi realizada uma busca na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), que resultou em 13 trabalhos analisados. Paralelamente, elaboramos o perfil desses pesquisadores por meio de uma consulta na plataforma Lattes.

A pesquisa mostrou que os estudos sobre a integração curricular no âmbito do EMI dos IFs esbarram no distanciamento do que se quer para o EMI daquilo que se faz. É possível constatar a inquietação e preocupação com a temática, contudo as investigações não indicam sugestões práticas para a materialização do currículo integrado.

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 391 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações

25 Delinear uma pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso na qual se buscou verificar e analisar as concepções sobre os conceitos de Ensino Médio Integrado e Interdisciplinaridade evidenciadas por professores do Curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio do Campus Ibirubá do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul.

26 Analisar os embates entre integração e competências na política curricular para ensino médio como luta hegemônica entre projetos educacionais distintos, que não apenas se antagonizaram no cenário brasileiro nos últimos vinte anos, mas também operaram articulações que favoreceram a fixação de sentidos híbridos e ambíguos nos textos curriculares.

Os registros foram obtidos a partir de uma entrevista semiestruturada e foram analisados por meio de uma Análise Textual Discursiva. Desse processo, emergiram cinco categorias finais, das quais quatro são analisadas nesse trabalho, a saber: i) Concepções conceituais e metodológicas; ii) Objetivos do Ensino Médio Integrado; iii) Pareceres e impasses e; iv) Pressupostos e encaminhamentos.

Muitos desses aspectos levantados pelos professores corroboram para a necessidade de uma postura de abertura frente ao objeto do conhecimento e a importância do trabalho coletivo para a interdisciplinaridade.

Nossas análises se apoiam em documentos oficiais produzidos no âmbito do Governo Federal, entre os anos de 1998 e 2017, abrangendo as duas edições das DCNEM.

Os resultados indicam que a hegemonização de determinados sentidos de integração nos textos políticos investigados se deu por meio de uma prática articulatória construída por relações de diferenças e equivalências, resultando na produção de hegemonias contingentes, precárias e provisórias.

Número Identificação Síntese da Metodologia
ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 392 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022
(continuação)
de
Objetivos da Pesquisa
Principais Resultados

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações (continuação)

Número de Identificação

Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados

27 Analisar a coerência entre a concepção e a prática do conceito de integração no Ensino Médio Integrado (EMI) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins – Campus Paraíso.

Foram aplicados questionários, entrevistas semiestruturadas com professores e realizada análise documental. Tratase de uma pesquisa qualitativa. Os dados obtidos foram analisados de acordo com a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin.

Os resultados demonstraram que a integração do EMI no IFTO –Campus Paraíso ainda não se efetivou, embora deva se reconhecer que um primeiro e importante passo foi dado: O Decreto 5.154/04 possibilitou colocar juntos área comum e área técnica no EMI. Muito ainda resta para a efetivação da integração nos seus aspectos de ação pedagógica envolvendo docentes e suas disciplinas ministradas.

28 Analisar a gestão pedagógica do Ensino Médio Integrado à Educação Profissional em uma escola de educação tecnológica do estado do Pará, Brasil.

A metodologia estruturouse em uma abordagem qualitativa do tipo estudo de caso. A coleta de dados ocorreu por meio de pesquisa bibliográfica e documental e foi complementada com entrevista semiestruturada com os coordenadores pedagógicos da escola.

Conclui-se que as práticas pedagógicas desenvolvidas ainda não conseguiram efetivar o Ensino Médio Integrado, mas apontam-se avanços nessa direção, com a construção democrática do Projeto Político Pedagógico (PPP).

29 Apresentar concepções de ensino integrado, análise sobre experiências de integração do ensino médio com a educação profissional enfocando suas dificuldades e entraves.

Assim, o trabalho envolveu a análise das pesquisas apresentadas nas reuniões anuais da ANPED entre os anos de 2006 a 2013, totalizando oito encontros. No recorte deste levantamento foi considerada, ainda, a existência de outros estudos sobre o tema realizados por Lopes e Valentin (2006) e Costa (2012)

Constatou-se que a maioria dos trabalhos tem a finalidade de romper com o paradigma tradicional de educação/formação.

ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 393 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

Quadro 2. Informações para contextualização das publicações (conclusão)

Número de Identificação Objetivos da Pesquisa Síntese da Metodologia Principais Resultados

30 Buscou-se investigar o que pensam esses docentes sobre a integração curricular e mapear as experiências integradoras vivenciadas por eles no cotidiano dos cursos.

A pesquisa empírica se deu por meio de entrevista semiestruturada com nove professores atuantes nos cursos técnicos, representantes de todas as áreas de conhecimento formatadas no campus pesquisado.

Destaca-se um forte distanciamento entre as bases teóricas e legais e a realidade dos cursos. São inegáveis a valorização e a expectativa de que esse processo de reconstrução dos cursos técnicos integrados marcará o início de uma nova oferta de ensino no campus

31 Investigar como a educação e/ou a educação profissional integrada ao Ensino Médio é significada no IFMT e quais as implicações para a educação e o currículo nesta instituição.

A pesquisa tem como base de análise as discussões pósestruturais de currículo como prática discursiva, de Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo, e três dos contextos da abordagem do ciclo de políticas de Stephen Ball, Richard Bowe e Anete Gold: o contexto da influência, o contexto da produção de texto e o contexto da prática.

Se a política nacional e local, como implicações dos sentidos em curso, tende a acentuar o dualismo no Ensino Médio Integrado à Educação Profissional, é porque privilegia-se significar educação reduzida a ensino de conteúdos básicos, de conhecimentos encomendados pelo mercado na via da formação de competências e habilidades para postos de trabalho específicos.

No que se refere às concepções de integração no Ensino Médio Integrado presentes nas publicações encontradas, verifica-se um consenso dos autores em apontar os três sentidos discutidos por Ramos (2008), a saber: concepção de integração como formação humana; concepção de integração como forma de relacionar ensino médio e educação profissional; e concepção de integração como relação entre parte e totalidade na proposta curricular.

6Consideraçõesfinais

Neste artigo, apresentamos os resultados preliminares de uma revisão de literatura integrativa sobre os estudos brasileiros que se ocuparam da investigação das concepções de integração no Ensino Médio Integrado ao longo da última década. Para tal, buscamos compreender quais são e em que pressupostos estão alicerçadas tais concepções veiculadas em investigações científicas.

Fonte: Elaboração própria
ConcepçõesdeintegraçãonoEnsinoMédioIntegrado:umarevisãodeliteratura Lorena Temponi Boechat, Nathália Luiz de Freitas 394 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 371-396, maio/ago. 2022

Nossos achados revelam a existência de um consenso entre as publicações encontradas no que se refere às perspectivas de integração relativas ao Ensino Médio Integrado, que, a um só tempo, revelam uma dimensão ontológica, uma dimensão estrutural e uma dimensão prática do ato educacional de integrar.

A fim de tornar as discussões mais contundentes, em investigações posteriores, procederemos ao refinamento das análises para identificar os graus de ênfases que as publicações encontradas conferem às diferentes dimensões de integração no Ensino Médio Integrado.

Referências

ARAÚJO, A. C.; SILVA, C. N. N. Ensino médio integrado: uma formação humana, para uma sociedade mais humana. In: ARAÚJO, A. C.; SILVA, C. N. N. (org.). Ensino médio integrado no Brasil: fundamentos, práticas e desafios. Brasília: IFB, 2017. p. 9-19.

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COMO CITAR (APA): Boechat, L. T., & Freitas, N. L. (2022). Concepções de integração no Ensino Médio Integrado: uma revisão de literatura. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 371-396. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p371-396.

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Submetido em: 3 fev. 2022

Aceito em: 11 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p397-417

Wilson Lemos Junior https://orcid.org/0000-0002-3566-9113

Doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR) e Professor permanente do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em Rede Nacional (ProfEPT) pelo IFPR Campus Curitiba/PR Brasil. E-mail: wilson.lemos@ifpr.edu.br.

Bruno Amaral da Costa http://orcid.org/0000-0002-6068-5705

Mestre em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) pelo Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR) Campus Curitiba. Professor da Prefeitura de Pontal do Paraná/PR Brasil. E-mail: brunoamaraldacosta@gmail.com.

Raina Costa Santos https://orcid.org/0000-0001-5783-2578

Mestre em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) pelo de Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR) Campus Curitiba/PR Brasil. E-mail: raina.costa.santos@gmail.com.

Daniel Silva Rodrigues https://orcid.org/0000-0002-8837-7122

Mestre em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) pelo de Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR) Campus Curitiba/PR Brasil. E-mail: danielsr.musico@gmail.com.

Resumo

A Arte possui um papel humanizador e, portanto, indispensável na formação integral na perspectiva da Educação Profissional e Tecnológica. Utilizando como metodologia o estudo de caso, este artigo objetiva investigar as dissertações e produtos educacionais relacionados à área da Arte, defendidos no Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em rede nacional (ProfEPT) ofertado na instituição associada IFPR, a partir da análise de três categorias: I) sobre o referencial teórico e epistemológico utilizado pelos autores e sua relação com o ProfEPT; II) sobre a análise do público-alvo a que se dedica o produto educacional; III) sobre a análise das possibilidades/requisitos para a replicação do produto educacional. São apresentadas quatro dissertações com seus respectivos produtos educacionais, sendo uma da área das Artes Visuais, uma do Cinema, uma do Teatro e uma da Música. Todas as pesquisas estão vinculadas à linha de pesquisa de Práticas Educativas em Educação Profissional e Tecnológica do ProfEPT. As pesquisas, assim como os produtos defendidos, abrangem grandes possibilidades pedagógicas para aplicação em cursos técnicos de nível médio, tanto na modalidade integrada, como também para a subsequente.

Palavras-chave: Arte/Educação na EPT. Ensino Técnico. IFPR. ProfEPT.

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ArtenaEducaçãoProfissionaleTecnológica:umpanoramadasdissertações eprodutoseducacionaisdefendidosnoProfEPTdoIFPR

Art in Technical and Vocational Education and Training: an overview of dissertations and educational products defended in the IFPR's ProfEPT

Abstract

Art has a humanizing role and, therefore, is essential in the integral formation from the perspective of Technical and Vocational Education and Training. Using the case study as methodology, this article aims to investigate the dissertations and educational products related to the Art area, defended in the Professional Master's Degree in Professional and Technological Education in national network (ProfEPT) offered at the associated institution IFPR, from the analysis of three categories: I) on the theoretical and epistemological framework used by the authors and their relationship with ProfEPT; II) on the analysis of the target audience to which the educational product is dedicated; III) on the analysis by the possibilities/requirements for the replication of the educational product. Four dissertations are presented with their respective educational products, one in the area of Visual Arts, one in Cinema, one in Theater and one in Music. All researches are linked to the research line of Educational Practices in Professional and Technological Education of ProfEPT. The researches, as well as the defended products, cover great pedagogical possibilities for application in technical courses of high school, both in the integrated modality, and also for the subsequent one.

Keywords: Art Education. Technical and Vocational Education and Training (TVET). IFPR. ProfEPT.

Resumen

El Arte tiene un papel humanizador y, por lo tanto, indispensable en la formación integral en la perspectiva de la Educación Profesional y Tecnológica. Utilizando la metodología de estudio de caso, este artículo tiene como objetivo investigar las disertaciones y productos educativos relacionados con el área del Arte, defendidos en la Maestría Profesional en Educación Profesional yTecnológica en red nacional (ProfEPT) ofrecida en la institución asociada IFPR, a partir del análisis de tres categorías: I) sobre el marco teórico y epistemológico utilizado por los autores y su relación con la ProfEPT; II) sobre el análisis del público objetivo al que se dedica el producto educativo; III) sobre el análisis de posibilidades/requisitos para replicar el producto educativo. Se presentan cuatro disertaciones con sus respectivos productos educativos, una en Artes Visuales, una en Cine, una en Teatro y una en Música. Toda la investigación está vinculada a la línea de investigación ProfEPT sobre Prácticas Educativas en Educación Profesional y Tecnológica. Las investigaciones, así como los productos defendidos, abarcan grandes posibilidades pedagógicas de aplicación en cursos técnicos de bachillerato, tanto en la modalidad integrada, como para la posterior.

Palabras clave: Educación Artística. Educación Técnica. IFPR. ProfEPT.

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El arte en la Educación Profesional y Tecnológica: una visión general de las disertaciones y productos educativos defendidos en el ProfEPT del IFPR

1Introdução

O ProfEPT é um programa de pós-graduação em Educação Profissional e Tecnológica, que oferta um mestrado profissional em Educação Profissional e Tecnológica em rede nacional. A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT) é composta pelos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF), Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET), a Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR) e o Colégio Pedro II. O programa é coordenado nacionalmente pelo Instituto Federal do Espírito Santo (IFES). O ProfEPT é ofertado na modalidade semipresencial, pertence à área de Ensino e é reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação (INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO, 2018a).

O objetivo do ProfEPT é o de proporcionar formação em Educação Profissional e Tecnológica, visando tanto à produção de conhecimentos como ao desenvolvimento de produtos educacionais (INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO, 2018a). Sendo assim, cada estudante, além de realizar pesquisas que integrem os saberes inerentes ao mundo do trabalho e ao conhecimento sistematizado, propõe e aplica um produto educacional.

O ProfEPT possui natureza interdisciplinar e interinstitucional, que busca traduzir o perfil de atuação das instituições que compõe a RFEPCT que, desde a sua criação no ano de 2008, tem experimentado um grande crescimento, não apenas em número de unidades (institutos e campi), como também de estudantes, servidores docentes e técnicos administrativos. O ProfEPT iniciou suas atividades no ano de 2017 contando com a instituição sede, o IFES e mais 17 instituições credenciadas, entre elas, o IFPR. Em 2018, em uma nova etapa de credenciamento, mais 18 instituições associadas passaram a integrar o ProfEPT. Em 2019, mais 4 se credenciaram ao programa. Atualmente, o ProfEPT possui 39 instituições associadas, além da sede, o IFES (ESCOTT, 2021).

O ProfEPT tem como Área de Concentração a Educação Profissional e Tecnológica, e possui 2 Linhas de Pesquisa: Práticas Educativas em Educação Profissional e Tecnológica e; Organização e Memórias de Espaços Pedagógicos na Educação Profissional e Tecnológica (INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO, 2018b).

O ProfEPT do IFPR iniciou suas atividades na primeira oferta do Programa no ano de 2017. De lá para cá, houve o ingresso de 4 turmas. Nesta pesquisa, abrange-se o universo de estudantes egressos das 3 primeiras turmas, compostas por ingressantes dos anos de 2017, 2018 e 2019 e que defenderam dissertações que envolvem estudos sobre as diferentes linguagens artísticas. Até o final do ano de 2021, foram realizadas 63 defesas de dissertações e produtos educacionais no ProfEPT do IFPR.

A partir da Lei n.º 5.692 (BRASIL, 1971), que incluiu a Educação Artística no currículo escolar, o ensino da Arte ocorre por meio da polivalência, ou seja, abrangendo várias linguagens artísticas dentro de uma mesma disciplina. A partir da promulgação da LDB n.º 9.394 (BRASIL, 1996) e, consequentemente, com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)1 a partir do ano de 1997, a disciplina de Arte na educação básica buscou trabalhar com 4 linguagens: Artes Visuais, Música, Teatro e Dança, perspectiva que foi confirmada após a promulgação da Lei n.º 13.278 (BRASIL, 2016). Sendo assim, levanta-se a seguinte problemática: Quais as características (tema, referencial teórico,

1 Os PCN são diretrizes elaboradas pelo Governo Federal para cada disciplina/ área ou nível de ensino da educação básica com o objetivo de auxiliar os educadores na reflexão e discussão de suas práticas pedagógicas.

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público-alvo) das dissertações e produtos educacionais, relacionados a área de Arte, defendidos no Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em rede nacional (ProfEPT) ofertado na instituição associada IFPR? Para responder a essa questão, buscou-se inicialmente identificar pesquisas que abrangem as 4 linguagens contempladas pelos PCN: Artes Visuais, Música, Teatro e Dança. Porém, durante a catalogação das dissertações, foi encontrada e somada a esta pesquisa uma dissertação sobre Cinema.

As dissertações abordadas neste artigo são: Rearte: oficina transformadora de resíduos sólidos em peças artísticas na modalidade da Educação Profissional e Tecnológica, de autoria de Bruno Amaral Costa; A Formação, o Livro Didático e o Cinema Novo: uma proposta de guia instrucional para o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, de Nilson dos Santos Morais; Como se Formam Artistas? Uma Webcartografia para a Profissionalização em Teatro na Educação Profissional e Tecnológica, de Raina Costa Santos e; Educação Sonora na Educação Profissional e Tecnológica: Prática Criativa no Ensino Médio Integrado, de Daniel Silva Rodrigues. Todos os trabalhos investigados são pertencentes à linha de pesquisa de Práticas Educativas em Educação Profissional e Tecnológica. Utilizando como método o estudo de caso, o artigo objetiva investigar o conteúdo das dissertações e dos produtos educacionais defendidos no ProfEPT do IFPR, a partir da análise de 3 categorias: I) sobre o referencial teórico e epistemológico utilizado pelos autores e sua relação com o ProfEPT; II) sobre a análise do público-alvo a que se dedica o produto educacional; III) análise das possibilidades/ requisitos para a replicação do produto educacional apresentado pelos autores.

2Metodologia

Utiliza-se neste artigo a metodologia do estudo de caso, que é uma “[…] pesquisa que se concentra no estudo de um caso particular, considerado representativo de um conjunto de casos análogos, por ele significativamente representativo” (SEVERINO, 2007, p. 121). O estudo de caso se aplica a situações específicas, podendo ser utilizado em várias áreas do conhecimento, tornando assim uma “[…] metodologia apropriada para os dias atuais, principalmente, em relação a estudos qualitativos e pesquisa aplicada para programas acadêmicos e profissionais” (FREITAS; JABBOUR, 2011, p. 17). Sendo assim,

O caso escolhido para a pesquisa deve ser significativo e bem representativo, de modo a ser apto a fundamentar uma generalização para situações análogas, autorizando interferências. Os dados devem ser coletados e registrados com o necessário rigor e seguindo todos os procedimentos da pesquisa de campo. Devem ser trabalhados, mediante análise se dão da mesma forma que nas pesquisas de campo, em geral (SEVERINO, 2007, p. 121).

Neste estudo de caso, busca-se realizar uma análise de conteúdo presente nas dissertações e nos produtos educacionais que abordam as linguagens artísticas no âmbito do ProfEPT do IFPR. Segundo Severino (2007, p. 121), a análise de conteúdo:

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[…] é uma metodologia de tratamento e análise de informações constantes de um documento, sob forma de discursos pronunciados em diferentes linguagens: escritos, orais, linguagens, gestos. Um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Trata-se de compreender criticamente o sentido manifesto ou oculto das comunicações.

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Na análise de conteúdo, buscou-se investigar três categorias analisadas no texto dos autores: I) sobre o referencial teórico e epistemológico utilizado nas dissertações, assim como suas relações com o ProfEPT; II) sobre a análise do público-alvo a quem se dedicou a aplicação do produto educacional e; III) sobre as possibilidades/ requisitos para a replicação dos produtos educacionais apresentado pelos autores.

3ReferencialTeórico

Segundo artigo n.º 26 da LDB n.º 9.394 (BRASIL, 1996), a Arte é um componente curricular obrigatório na educação básica. Sendo assim, torna-se natural compreender a importância do ensino da Arte também na Educação Profissional e Tecnológica, especialmente, daquela de nível médio. De acordo com Faraco (2002, p. 128):

[…] é importante que um programa de Artes na Educação Média trabalhe a diversidade da produção artístico-cultural, criando condições para os alunos captarem as múltiplas facetas que constituem o fazer artístico numa sociedade complexa como a nossa, ampliando-lhes quantitativamente e qualitativamente os meios de acesso às Artes.

Para Faraco (2002), no Ensino Médio, a Arte deveria ser integrada à vida dos estudantes de modo significativo, cumprindo assim seu papel humanizador e, portanto, indispensável à formação integral do cidadão.

Em relação à Arte na Educação Profissional, destacam-se os relatos de Eliezer Pacheco, que foi titular da Secretaria Nacional de Educação Profissional e Tecnológica do MEC entre os anos de 2005 até 2012, tendo participado do processo de criação dos Institutos Federais por meio da Lei n.º 11.892 (BRASIL, 2008b). Pacheco (2015, p. 11), ao tratar da fundamentação dos institutos federais, relata que:

Nosso objetivo central não é formar um profissional para o mercado, mas sim um cidadão para o mundo do trabalho – um cidadão que tanto poderia ser um técnico quanto um filósofo, um escritor. Significa superar o preconceito de classe de que um trabalhador não pode ser um intelectual, um artista. A música deve ser incentivada e fazer parte da formação de nossos alunos, assim como as artes plásticas, o teatro e a literatura. Novas formas de inserção no mundo do trabalho e novas formas de organização produtiva como a economia solidária e o cooperativismo devem ser objeto de estudo na Rede Federal.

Pacheco (2015) também destaca a importância de assegurar um lugar para a Arte e a cultura nos Institutos Federais, já que, em sua essência, os institutos propõem um trabalho coletivo, de diversidade sociocultural e que convergem “[…] para fazer valer uma concepção de educação em sintonia com os valores universais do ser humano a valorização do ensino das artes” (PACHECO, 2015, p. 18).

Dentro desse cenário, apresentam-se a seguir as 4 dissertações e seus respectivos produtos educacionais defendidos no âmbito do ProfEPT do IFPR entre os anos de 2018 e 2021. Todas as pesquisas ocorreram no contexto da Educação Profissional Técnica de Nível Médio, seja na modalidade integrada (no qual o estudante cursa o ensino técnico de forma integrada ao ensino médio), seja na modalidade subsequente (curso pós-médio, ou seja, voltados para egressos do ensino médio).

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4Resultados

Os resultados estão divididos em 4 partes, sendo cada uma das partes dedicadas à apresentação dos objetivos de cada uma das dissertações, assim como de seus produtos educacionais.

4.1 Rearte: Oficina transformadora de resíduos sólidos em peças artísticas na modalidade da Educação Profissional e Tecnológica

Construídos como pré-requisitos para certificação no curso de Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica pertencente ao Programa de Pós-Graduação em Rede (ProfEPT) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná Campus Curitiba, a dissertação ReArte: Oficina Transformadora de Resíduos Sólidos em Peças Artísticas na Modalidade da Educação Profissional e Tecnológica, bem como o produto educacional, nomeado Oficina ReArte, consolidam uma experiência no campo das Artes Visuais desenvolvidos e aplicados pelo autor, egresso do referido programa, Bruno Amaral da Costa.

O trabalho teve por objetivo desenvolver e aplicar uma oficina de Artes Visuais aos discentes do curso técnico subsequente de Processos Fotográficos do IFPR Campus Curitiba, com a prerrogativa de transformar este processo em uma práxis. A dissertação trata de uma revisão bibliográfica alicerçada substancialmente em Paulo Freire (2016), principalmente no que diz respeito à Filosofia da Práxis. Segundo essa filosofia, uma prática educativa deveria unir dialeticamente reflexão e ação sobre o mundo com a finalidade de transformá-lo, tornando possível o “inédito viável” sonho da superação das contradições existentes na relação exploratória opressor-oprimidos. Para que essa superação se torne factível, faz-se necessário elucidar essa realidade exploratória que impede aos oprimidos a possibilidade de atingirem o estado de ser mais. Tal estado, definido pelo patrono da educação brasileira, diz respeito à possibilidade do sujeito, por meio da práxis, transformar a si mesmo e a sua realidade, podendo assim superar a relação opressora existente no tecido social, efetivando o estado de liberdade; tudo isso, em um processo contínuo (FREIRE, 2016).

No intuito de esmiuçar a realidade existente a fim de corroborar com os pressupostos da práxis freiriana, o início da argumentação se esmera em oferecer ponderações que provoquem reflexões diante as estruturas políticas e culturais alienantes oriundas da sociedade capitalista. As análises feitas sobre a influência do capital, alçadas na pesquisa, incidem principalmente sobre três campos: arte, trabalho e educação profissional. Costa (2019) defende a tese de que a lógica capitalista agiria depauperando, cada qual a sua maneira peculiar, as potencialidades tidas em cada um dos elementos da referida tríade, no que diz respeito aos seus reais potenciais para o engrandecimento holístico da sociedade humana.

O processo de cooptação ideológica surge como uma das ferramentas mais eficazes para a perpetuação do capital como sistema econômico vigente, no qual os detentores do poder capitalista continuamente reelaboram suas estratégias a fim de manter sua hegemonia (ENGELS; MARX, 2012). O modus operandi do capital agiria reificando as relações humanas, massificando os gostos e os gestos, destruindo as alteridades das personalidades e alçando a competitividade como meio de sobrevivência em derrocada da cooperação (BRANDÃO, 2006).

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A arte imersa na realidade capitalista teria sofrido um processo paulatino de mercadização de suas produções materiais e imateriais. Desta forma, a arte que antes era usufruída, a fim de exaltar uma comunicação subliminar das emoções humanas, passou a ser consumida como mero formato de artigo de luxo, para obtenção de status; uma ruptura, parcial, de paradigma.

No que diz respeito à educação sobre os cuidados do capital, a pesquisa se referendou em Edgar Morin (2012). O pensador francês sinaliza para uma crise do pensamento, que jaz em constante progresso Acarretada pela lógica tecnocrática, a crise tem na crescente fragmentação do conhecimento e sua condensação cada vez maior em hiperespecializações um de seus principais sintomas. Conhecimentos de cunho reflexivo estariam sendo renegados em favor de uma educação majoritariamente técnica, que, apesar de eficaz na sua investigação científica, ficaria empobrecida em refletir sobre si e sobre as conexões existentes entre os distintos campos do saber. Em face dos problemas de ordens mundiais cada vez mais emaranhados, devido à crescente globalização, cada vez que a crise do pensamento acarreta a impossibilidade de pensar no todo se agrava, menos apto se estará para compreendê-la; logo, mais distante de rompê-la. Perante as relações de trabalho na sociedade regida pela ordem de acúmulo do capital, o proletariado foi paulatinamente sendo destituído da autonomia dos meios produtivos. Problema esse acarretado pelos históricos processos da divisão do trabalho, do avanço tecnológico substituindo mão de obra, na perda dos direitos trabalhistas em face da agenda neoliberal (ANTUNES, 2018). Entendendo a classe trabalhadora como a que “Compreende a totalidade dos assalariados, homens e mulheres que vivem da venda de sua força de trabalho e que são despossuídos dos meios de produção” (ANTUNES, 2018, p. 88).

Em derivação direta dos conceitos de omnilateralidade, que requerem a integração do trabalho, da ciência e da cultura nas propostas pedagógicas, sendo o trabalho a força humana atrelada à prática econômica vinculados aos meios de produção necessários a existência; entendendo por ciência os saberes angariados pelo processo de desenvolvimento produtivo; por cultura, os valores éticos e estéticos que orientam a sociedade (RAMOS, 2008a). Costa (2019) defende a arte como atividade de real necessidade da psique. Defende também que satisfazendo essa necessidade atávica de erigir formas, a humanidade recria sua realidade material em dialética ao seu universo subjetivo, fazendo visível o invisível das relações. Dessa forma, defende-se a criação artística como legítimo processo de trabalho pelo qual, homens e mulheres, constroem seus conhecimentos; logo, uma atividade ontológica (OSTROWER, 2014).

Sob a concepção omnilateral, o trabalho transcende a mera condição de atividade mantenedora econômica para ser concebida como tarefa que produz conhecimento, que forma cidadãos, concebe cultura e possibilita o arrojo das lutas históricas pelos direitos em mediação do conhecimento (RAMOS, 2008a).

Por fim, a educação profissional, destituída dos estratagemas neoliberais que a transformam em mero instrumento de adestramento estratégico para pontuais postos de trabalho, tende a se focar, muito mais que na apreensão de conteúdos técnicos, no desenvolvimento da capacidade em aprender a aprender. Competência essa passível quando a razão de ser do objeto de estudo faz a mediação do processo educativo, possibilitando o vislumbre do conteúdo ao meio de vida do estudante, desta forma, atrelando interesse afetivo ao processo; o que por si só supera a imposição do mesmo (FREIRE, 2016).

O produto educacional, como material educacional, pertencente à Área de Ensino, tem seu formato e sua aplicação entendidos como uma Oficina que, por sua vez, situa-se na grande área da Atividade de Extensão (BRASIL, 2017). O público-alvo para a aplicação da oficina artística foram os discentes da disciplina de Composição Artística do curso de Processos Fotográficos do Instituto Federal do Paraná Campus Curitiba. A aplicação se realizou durante o período letivo das aulas curriculares dos vinte e três (23) discentes. Dividida em duas aulas, uma por semana, no período matutino, das 08h05min

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às 11h40min, com intervalo das 9h40min às 10h00min, totalizando 3h20min/aula por dia, sendo que cada aula possui 50 minutos. Manteve o intuito de ser consoante com a linha de pesquisa que sustentou o escopo da dissertação. Desta forma, para contemplar os objetivos apresentados, a oficina foi dividida em três momentos, sendo os dois primeiros aplicados no primeiro dia e o último dia reservado inteiramente para o terceiro momento: Diálogo; Vivência das Técnicas; Construção (COSTA, 2019).

A etapa do Diálogo, foi desenvolvida em três momentos: I) Definições de arte: Uma breve provocação aos participantes para extrair os conceitos trazidos por eles sobre a arte. Após as explanações, foram oferecidas algumas das variadas definições levantadas pela pesquisa. II) A influência tecnocrática sobre a industrialização da cultura e os processos alienantes: O ponto principal objetivado nesse item é a mercadização dos bens culturais e a influência desse processo nos processos criativos. Reflexões sobre a relatividade de nossa autonomia na sociedade fundamentada no capital. III). Os processos criativos na perspectiva de uma ferramenta educativa atuando para a práxis no curso de Processos Fotográficos, por conseguinte, na educação profissional. Nesse ponto foi indagado se o os estudantes encaravam o caráter do curso como uma forma artística, como uma forma de ingressar ao mundo do trabalho, assim como as intenções de cada um quanto ao curso. Após as opiniões, foram expostas algumas das muitas contribuições da Arte para a educação, como: a estreita relação defendida pela pesquisa entre o fazer artístico aos pressupostos da práxis; como elemento que tende a humanizar espaços educativos que padecem de uma cultura tecnocrática que tende a enrijecer as relações humanas; a criatividade e seus processos (COSTA, 2019).

Segundo Costa (2019), a fase Vivência das técnicas foi destinada aos exercícios práticos, com a explicação e demonstração sendo feitas pelo facilitador. Com os oficineiros dispostos em semicírculo voltados para o facilitador, junto ao cavalete, onde os percursos foram construídos. Ao todo foram realizados oito exercícios alternando materiais como grafite, carvão, isogravura2, materiais descartados e tinta a óleo.

A segunda aula foi destinada a elaboração e construção da peça, ocasião derradeira da práxis artística Toda liberdade de escolha foi dada aos oficineiros perante a escolha do material e da forma de sua construção, inclusive a liberdade de nada fazer. A última tarefa proposta aos participantes foi a redação de um texto a ser construído de forma livre e entregue posteriormente. Neste texto, houve o convite para que os integrantes da oficina relatassem o que vivenciaram durante o período em que o processo de criação se desenvolveu. Os conteúdos dos textos junto às obras realizadas fizeram parte da análise sobre os resultados da pesquisa. Esta análise de conclusão foi feita por meio de um diário de bordo. Neste diário, o autor se utiliza da primeira pessoa para narrar os acontecimentos que preencheram a aplicação do produto educacional. Emaranhada em meio à narração, o autor realiza a avaliação dos objetivos alçados pela pesquisa por meio da avaliação dos comportamentos dos estudantes, das produções por eles feitas e da análise dos textos redigidos pelos participantes com as sensações que tiveram durante a oficina (COSTA, 2019).

4.2 A formação, o livro didático e o Cinema Novo: uma proposta de guia instrucional para o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha

A dissertação A Formação, o Livro Didático e o Cinema Novo: uma proposta de guia instrucional para o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, de Nilson dos Santos Morais, e o produto educacional: Guia para projeção do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol em espaços formais e não formais de educação, foram defendidos no dia 31 de agosto de 2020.

2 Isogravura é uma forma de produzir uma gravura utilizando o isopor, ou seja, é uma forma de produzir um carimbo em uma placa de isopor (matriz), permitindo a reprodução de várias cópias da obra.

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No ano de 2014, foi promulgada a Lei n.º 13.006 (BRASIL, 2014), que acrescentou o § 8º no artigo 26 da LDB n.º 9.394 (BRASIL, 1996). Segundo o § 8º, “a exibição de filmes de produção nacional constituirá componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obrigatória por, no mínimo, 2 horas mensais" (BRASIL, 2014). Partindo dessa justificativa, o autor apresentou a seguinte problemática: “De que maneira o Cinema Novo pode contribuir para aplicação da Lei n.º 13.006/2014 no Instituto Federal do Paraná, Campus Curitiba?” (MORAIS, 2020, p. 17). O objetivo geral da pesquisa foi:

Desenvolver um estudo sobre o Cinema Novo e a formação política, cultural e artística do cineasta Glauber Rocha (1960 – 1970), e formular uma proposta de guia instrucional para utilização do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de modo a cumprir e reforçar a formação de docentes e estudantes no âmbito do Instituto Federal do Paraná, Campus Curitiba (MORAIS, 2020, p. 18).

Já como objetivos específicos, Morais (2020, p. 18) listou:

Estudar as principais referências culturais, políticas e artísticas do cineasta Glauber Rocha no período de 1960 e 1970; Verificar de que maneira o cinema nacional brasileiro aparece nas páginas dos livros didáticos - PNLD-2018 - selecionados pelo Instituto Federal do Paraná, Campus Curitiba; Identificar as percepções dos professores do IFPR, Campus Curitiba quanto à utilização de filmes em sala de aula e conhecimento sobre o Cinema Novo; Propor um guia instrucional para utilização do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, nos cursos técnicos do IFPR, Campus Curitiba.

No primeiro objetivo específico, Morais (2020) traz todo o contexto do Cinema Novo. O cinema é visto pelo autor como uma instância de reflexão crítica, das representações sociais, culturais e políticas. Neste sentido, Glauber Rocha desenvolve na crítica o didatismo no cinema. A opção pelo Cinema Novo passa pelo pensamento de “[…] Glauber Rocha, Roberto Schwarz, Paulo Emílio Sales Gomes, Marcelo Ridenti, Ismail Xavier e Renato Ortiz e outros intelectuais que viam no cinema uma forma de construir um projeto político e estético de nação” (MORAIS, 2020, p. 20).

Portanto, mesmo assumindo as limitadas contribuições do guia instrucional do filme Deus e o Diabo naTerra do Sol para docentes e estudantes da Educação Profissional eTecnológica, a pesquisa dialoga com uma concepção de arte e cultura como ferramenta da transformação social, e com as concepções de Educação integral do campo de intelectuais marxistas, buscando para além da sociedade capitalista uma educação integral do sujeito. (MORAIS; PEREIRA, 2021, p. 358).

No segundo objetivo específico, Morais (2020) faz a análise dos livros didáticos presentes no Programa Nacional do Livro Didático do ano de 2018, no qual revela dados intrigantes, já que 54% de filmes indicados nos três volumes dos livros didáticos de Língua Portuguesa e Literatura são de produção norte-americana. Na categoria indicação de filmes por nacionalidade, apenas 34% são provenientes do Brasil.

Em relação ao terceiro objetivo específico, o autor enviou um questionário para os 211 docentes do IFPR Campus Curitiba, obtendo 53 respostas. De acordo com Morais (2020, p. 42):

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O questionário abordou grau de escolaridade, área de atuação profissional, área de conhecimento e/ou eixo tecnológico, grau de conhecimento sobre a publicação da Lei 13.006/2014, a percepção dos docentes sobre a relação do filme de produção nacional e a atividade pedagógica em sala de aula, o conhecimento dos docentes sobre o Cinema Novo e a atualização de filmes de cinema nacional em sala de aula.

Em relação às respostas evidenciadas, Morais (2020) verificou que 70% dos professores conheciam a Lei n.º 13.006 (BRASIL, 2014). Dos participantes do estudo, 94,33% responderam positivamente em relação à aplicação de filmes de produção nacional em sala de aula, apesar de muitos alegarem conhecimento parcial da produção do cinema brasileiro. No mais, 60,38% dos docentes responderam que já utilizam filmes para auxiliar na explicação de um determinado conteúdo, enquanto 18,87% usam para formação de público em cinema nacional. Do total, 83,02% dos participantes demonstraram interesse parcial em exibir os filmes pertencentes ao Cinema Novo.

Como último objetivo específico surge o produto educacional, caracterizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) como guia instrucional (BRASIL, 2017). O público-alvo são prioritariamente docentes e técnicos do IFPR, além dos que objetivam formação de público em cinema nacional. O guia, segundo Morais (2020), é um convite para assistir e debater o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Neste sentido, o autor enfatiza que o guia não deve substituir o filme, pois assim perderia seu valor, já que o grande objetivo do guia é a formação de público em cinema nacional: “O guia instrucional apresenta algumas categorias teóricas, como a música, a fome, a seca, o fenômeno religioso, a alienação, a violência, o papel da mulher, o poder local, a justiça, a morte com redenção e a reforma agrária. Tais categorias são discutidas na linguagem.” (MORAIS, 2020, p. 44).

A avaliação do guia instrucional foi desenvolvida por meio de um questionário com 4 questões. O questionário foi enviado para os 53 docentes que já haviam participado da primeira fase da pesquisa. Na segunda etapa, foram obtidas 13 respostas, das quais 3 foram descartadas por estarem em desacordo com os critérios da pesquisa. A avaliação demonstrou a percepção docente sobre o guia do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol e como ele contribui para a formação cultural e social. Dos respondentes, 77% concordaram totalmente com o guia. A partir dos resultados, inferiu-se que o guia instrucional é um instrumento com potencial para atividades formativas de docentes e estudantes no IFPR Campus Curitiba (MORAIS, 2020).

A consolidação da formação profissional em Arte e, neste caso, em Teatro, é o que se entende da Arte como um trabalho e um campo profissional que tem a condição humana como matéria-prima e ferramenta de trabalho. Pensar o Teatro na Educação Profissional e Tecnológica é adentrar em um caminho desconhecido, no qual existe uma dificuldade de encontrar referências específicas que relacionem a formação técnica com a formação de artistas. Sendo assim, a pesquisa de Santos (2021) se torna relevante, além de instigar futuros pesquisadores sobre a temática. Por outro lado, o trabalho oferta uma ferramenta para a melhoria das relações de ensino e a organização do processo formativo do Teatro na EPT. Com isso, o problema da pesquisa absorveu a principal dificuldade, que foi a falta de acesso a informações relevantes sobre o processo de formação profissional técnica do Teatro. O problema desenvolvido foi: como

4.3 Como se formam artistas? Uma webcartografia para a profissionalização em Teatro na Educação Profissional e Tecnológica
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contribuir com a divulgação e discussão de uma formação integral sensível e criativa na construção profissional dos artistas de Teatro na Educação Profissional e Tecnológica? Os objetivos foram delineados no sentido de compreender essa relação entre a formação profissional, o saber sensível e o trabalho em Arte com o mapeamento de percursos individuais dos egressos de cursos técnicos de Teatro do estado do Paraná, assim como compreender os processos coletivos relacionados às regulamentações profissionais e educativas para o Teatro na Educação Profissional e Tecnológica (SANTOS, 2021).

O método de pesquisa utilizado foi o da cartografia, organizado por Kastrup e Passos (2013) e Passos, Kastrup e Escóssia (2015), a partir dos conceitos de rizoma de Deleuze e Guattari (2011). Para desenvolver o produto educacional, utilizou-se o conceito de webcartografia desenvolvido por Lima (2014), a partir do método dos autores mencionados anteriormente, que consideram que, para iniciar a construção de uma cartografia online, deve-se haver a compreensão de que os acontecimentos são costurados considerando o próprio processo de pesquisa como uma intervenção, sendo um processo ativo e aberto às transformações para a construção de soluções ancoradas no real. E como uma etapa para esse processo, foi desenvolvido com 6 egressos dos cursos técnicos de Teatro do estado do Paraná, uma oficina no formato de um encontro online coletivo para estabelecer as bases das cartografias afetadas pelo processo formativo profissional em Teatro. Com isso, o processo de pesquisa na totalidade se tornou uma webcartografia configurando como produto educacional: "Cartografias Afetadas"3, como uma plataforma multimídia reunindo buscas e descobertas da pesquisa para traçar as primeiras rotas da formação do artista de Teatro no contexto da EPT (SANTOS, 2021).

Ser artista no Teatro implica em trabalhar o corpo para aprender a realizar específicas ações. Aprender gestos, externalizar as ações do corpo que signifiquem emoções ou situações, em uma experiência dialógica com outros corpos e com o ambiente tendo plena consciência das ações e dos signos atribuídos a elas. São neles (corpo e experiência no mundo) que nascem as criações, a criatividade para transformar a natureza por meio do trabalho. A teoria pelo processo de apreensão dos signos e a prática ligada a uma ação do corpo no mundo material, corresponde com a ação que o homem faz perante a natureza, na qual Marx entende este processo como lugar do trabalho, e é a partir disto que ocorre o intercâmbio do homem com a natureza como fonte natural da realização do ser social a partir de uma perspectiva omnilateral, em direção a uma emancipação para a construção de um ser múltiplo. O desenvolvimento do Teatro entra nesse amplo conceito de trabalho, como uma forma de modificar a natureza, entendida não apenas como um conceito de ambiente, mas abrangendo a própria natureza humana (SANTOS, 2021).

As camadas de conflito do trabalho artístico fazem com que esse corpo se entenda como um trabalhador, enfrentando uma falta de separação e demarcação das fronteiras entre vida e trabalho, que acarreta também na forma de entendimento dessa identidade de trabalhador para os artistas, confundindo-se como parte da construção da própria percepção como indivíduo. Sendo assim, na busca de compreender esse lugar de trabalhador na visão dos próprios artistas, Santos (2021) realizou 2 caminhos: uma oficina intitulada Como se fazem artistas? Cartografias afetadas pelo corpo-artista, que contou com a participação de 6 egressos e ocorreu por meio do diálogo e da construção coletiva de uma cartografia de diferentes percursos no Teatro, que possibilitaram a concretização da formação profissional e suas principais dificuldades em conseguir se sustentar e exercer, de fato, a profissão. A oficina ocorreu nos dias 24/03 e 26/03 de 2021, com 3 participantes em cada dia. A maior parte dos egressos era do curso técnico em Teatro do Colégio Estadual do Paraná.

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https://www.cartografiasafetadas.com.

O outro caminho, e que indica um devir 4 , foi a construção de uma plataforma intitulada Cartografias Afetadas. Inicialmente, construiu-se um protótipo para a avaliação dos participantes da oficina, para analisar a viabilidade da proposta. A avaliação foi positiva, pois, além do site, os participantes sugeriram a construção de perfis em rede social para uma maior aproximação da temática com os possíveis públicos-alvo. Os dois caminhos se configuraram como parte de um mesmo processo e pensar em um produto educacional que relaciona o Teatro com as mídias digitais. Foi uma forma de aproximação, que se tornou inevitável após o contexto da pandemia, mas o ponto principal, que norteou a escolha de um produto digital, foi a dificuldade em encontrar as mínimas informações sobre o ensino técnico de Teatro e as questões de emprego após o curso. Transformar a principal dificuldade do processo de investigação científica em uma solução palpável para facilitar a circulação da informação foi um caminho natural nesta pesquisa (SANTOS, 2021).

4.4 Educação sonora na Educação Profissional e Tecnológica: prática criativa no ensino médio integrado

No contexto do ensino de Música, Daniel Silva Rodrigues desenvolveu a dissertação e o produto educacional Educação Sonora na Educação Profissional e Tecnológica: Prática Criativa no Ensino Médio Integrado.

A temática desse trabalho teve como foco a criação musical no Ensino Médio Integrado (EMI), articulada com 3 preceitos: a dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) para o ensino de Música na disciplina de Arte; a dos objetivos pretendidos pela Educação Musical na Educação Básica, bem como com a perspectiva filosófico-educacional da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), valorizando uma formação integral, não condicionada aos interesses do mercado (RODRIGUES, 2021).

O autor base da proposta pedagógica é Raymond Murray Schafer, compositor e educador musical canadense. Usando a Educação Sonora, Schafer defende uma prática musical criativa por meio de um processo de escuta ativa e reflexão crítica sonora do espaço, condizente aos interesses tanto da EPT, pois dialogam com a ideia de formação integral, assim como da Educação Básica, ao ser compreendido como uma pedagogia musicalizadora. Porém, os PCNEM não incluem, das práticas Schaferianas, a criação musical, sendo sua abordagem restrita ao campo da apreciação. Portanto, a pesquisa valoriza o aspecto criativo da pedagogia Schaferiana e sua inclusão no âmbito da EPT (RODRIGUES, 2021).

Nesta perspectiva, o problema levantado por Rodrigues (2021, p. 24) foi: “[…] Tendo como fundamento a formação integral do indivíduo, de que maneira a proposta e postura de Murray Schafer poderia contribuir para valorização dos conhecimentos artístico-musicais na Educação Profissional e Tecnológica?” Os objetivos estabelecidos foram:

O trabalho desenvolvido tem como objetivo geral verificar de que maneira a proposta e a postura de Murray Schafer poderia contribuir para valorização dos conhecimentos artístico-musicais na Educação Profissional e Tecnológica. Busca também, por meio dos objetivos específicos: promover a prática de criação musical na Educação Profissional e Tecnológica, possibilitando aos estudantes o desenvolvimento de sua sensibilidade, expressividade e senso crítico musical; mostrar a relevância dos processos criativos musicais, advindos da importância da linguagem artística, fortalecendo a dimensão da formação plena; investigar a proposta de Murray Schafer e

4 Devir é uma palavra proveniente do latim devenire. Trata-se de um conceito filosófico que indica as mudanças pelas quais passam as coisas.

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empreendê-la como alternativa de prática artística musical no Ensino Médio Integrado, respondendo a perspectiva da formação humana integral, desvinculada dos interesses do mercado; elaborar uma sequência didática para o ensino de Prática de Criação Musical Schaferiana na Educação Profissional e Tecnológica, colaborando com a formação omnilateral do estudante, corroborando, também, com a atuação dos professores de Artes do Ensino Médio Integrado. (RODRIGUES, 2021, p. 26).

Para a fundamentação epistemológica, amparou-se em Ramos (2008b), que defende a escola como direito de todos os cidadãos e local para apropriação dos conhecimentos produzidos, acesso aà toda gama de cultura indistintamente da classe social do indivíduo, revogando o caráter intelectual à classe dominante e o manual aos menos favorecidos. Também se destaca a concepção de escola unitária, sua imprescindível atuação na aquisição cultural, promoção de condições para o trabalho, produção de riqueza e existência da sociedade. A essa escola é atribuída também o caráter politécnico que concilia a formação básica com a profissional.

Araújo e Frigotto (2015) defendem um ensino integrado vinculado à formação integral. Neste sentido, esta integração perpassa a formação básica de crianças, jovens e adultos, prosseguindo para a profissional (incluindo o Ensino Médio Integrado). Trata-se, portanto, de um amplo projeto políticopedagógico visando à transformação social por meio de medidas integradoras e emancipatórias.

A Arte na educação deve ser compreendida para além do seu aspecto lúdico ou de embelezamento (ornamentação). Para Faraco (2002), apenas estas condições são limitantes. Esse autor qualifica a Arte como síntese superior do trabalho humano, colaborando com os indivíduos na superação de sua utilização imediata ou meios de sobrevivência.

A função musicalizadora da educação musical é defendida como base da prática pedagógica do ensino básico (PENNA, 2018) e converge na pesquisa de Rodrigues (2021) com a abordagem educativa de Murray Schafer. O educador musical canadense pertence à Segunda Geração de Métodos Ativos de Educação Musical, na qual figuram compositores e educadores musicais contemporâneos (FONTERRADA, 2008). Salienta-se, também, a característica integradora da pedagogia educacional contemporânea em que não opõe a pedagogia tradicional à de vanguarda, estabelecendo um espaço de múltiplas possibilidades (GAINZA, 1988). Nessa perspectiva, Rodrigues (2021), tendo como referência a sistemática de Tendências em Educação Musical de Fernandes (2013), advoga pela interação harmoniosa entre a Tendência Contextualista (que privilegiava em primeiro plano a formação global do indivíduo), hoje mais difundida pela afinidade com a Pedagogia Histórico-Crítica.

O produto educacional Prática Criativa Schaferiana no Ensino Médio Integrado é uma Sequência Didática (SD) de um bimestre, sugestiva para adoção no componente de Música da disciplina de Arte no EMI. A aplicação do produto Educacional se deu pela avaliação de quatro professores de Arte do IFPR Campus Curitiba. A SD foi dividida em três partes com 8 aulas: a primeira parte se refere à apresentação da vida e obra do compositor; a segunda parte contempla exercícios práticos, predominantemente da biografia do educador canadense, promovendo a limpeza de ouvidos, escuta ativa e apreciação da Paisagem Sonora. A terceira parte se destina à prática sobre a Paisagem Sonora do espaço escolar (RODRIGUES, 2021).

A coleta de dados, junto aos professores, foi por meio de um questionário de 15 perguntas objetivas e dissertativas, nas quais foram avaliadas a correspondência da SD com a proposta de Educação Sonora do educador canadense, a viabilidade de aplicação no espaço do IFPR Campus Curitiba, o cumprimento dos objetivos propostos, a escolha dos exercícios, a utilização de recursos tecnológicos (dispositivos móveis e software de edição de áudio), e a proposta de avaliação por parte do docente-aplicador da SD. Também

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responderam sobre suas respectivas formações, emprego da proposta de Murray Schafer em suas práticas docentes, bem como o conforto em relação à utilização do software de áudio (RODRIGUES, 2021).

Dentre as contribuições dos professores avaliadores da SD, destaca-se a contribuição quanto à necessidade de mensurar os instrumentos avaliativos na SD, assim como a devolutiva positiva da proposição do produto:

Por fim, registramos que para estes educadores o material apresentado pode ampliar suas práticas, enriquecendo sua atuação, seja pela utilização de novos exercícios, propostas, recursos e ideais dispostas no Produto Educacional. Ficou evidente a aceitação da Sequência Didática pelos professores de Artes do IFPR Campus Curitiba, sua compatibilidade com a sala de aula do Ensino Médio Integrado indicando possibilidades diversas de aplicação para além da linguagem musical, mas colaborando também com o Teatro (RODRIGUES, 2021, p. 144).

A pesquisa desenvolvida, conforme as considerações finais do autor, propõe uma formação para além do fazer musical, tornando conhecido auditivamente o espaço em que os indivíduos estão inseridos, promovendo o senso crítico autônomo e colaborando com a formação integral dos educandos.

5Discussão

Antes de analisar o referencial teórico e epistemológico utilizado pelos autores das dissertações, vale destacar que o ProfEPT, epistemologicamente, defende o trabalho como princípio educativo. De acordo com Ciavatta (2009, p. 1), amparada pelo pensamento de Marx:

Princípios são leis ou fundamentos gerais de uma determinada racionalidade, dos quais derivam leis ou questões mais específicas. No caso do trabalho como princípio educativo, a afirmação remete à relação entre o trabalho e a educação, no qual se afirma o caráter formativo do trabalho e da educação como ação humanizadora por meio do desenvolvimento de todas as potencialidades do ser humano. Seu campo específico de discussão teórica é o materialismo histórico em que se parte do trabalho como produtor dos meios de vida, tanto nos aspectos materiais como culturais, ou seja, de conhecimento, de criação material e simbólica, e de formas de sociabilidade.

Já em relação do ponto de vista político-pedagógico, a autora destaca que:

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[…] tanto a conceituação do trabalho como princípio educativo quanto a defesa da educação politécnica e da formação integrada, formulada por educadores brasileiros, pesquisadores da área trabalho e educação, têm por base algumas fontes básicas teórico-conceituais. Em um primeiro momento, a vertente marxista e gramsciana (Marx, op. cit.; Gramsci, 1981; Manacorda, 1975 e 1990; Frigotto, 1985; Kuenzer, 1988; Machado, 1989; Saviani, 1989 e 1994; Nosella, 1992; Rodrigues, 1998), em um segundo, sem abrir mão da vertente gramsciana, a ontologia do ser social desenvolvida por Lukács (1978 e 1979; Konder, 1980; Chasin,1982; Ciavatta Franco, 1990; Antunes, 2000; Lessa, 1996) (CIAVATTA, 2009, p. 3).

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Diante desse referencial epistemológico utilizado no ProfEPT, verificou-se um alinhamento com as 4 dissertações avaliadas. Na dissertação Rearte: oficina transformadora de resíduos sólidos em peças artísticas na modalidade da Educação Profissional e Tecnológica, defendida por Costa (2019), Engels e Marx (2012) surgem como referencial epistemológico, subsidiando uma discussão de uma predominante visão mercadológica da Arte. Costa (2019) traz também autores como Antunes (2018), Ramos (2008a; 2008b), Freire (2016), Morin (2012) e Ostrower (2014). Isso também ocorre na dissertação A Formação, o Livro Didático e o Cinema Novo: uma proposta de guia instrucional para o filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, de autoria de Morais (2020), que destaca a impossibilidade de analisar a realidade, quando o modelo econômico de produção capitalista é desconsiderado: “E neste sentido, o método de análise tem como base a economia política. A apresentação dos conceitos, como a dialética marxista, funda-se na necessidade de demarcar as categorias de análise: a práxis, a totalidade, a contradição e a mediação” (MORAIS, 2020, p. 35).

Da mesma forma, a concepção marxista embasa a dissertação Como se Formam Artistas? Uma Webcartografia para a Profissionalização em Teatro na Educação Profissional e Tecnológica de autoria de Santos (2021, p. 23), que relata que:

A teoria pelo processo de apreensão dos signos e a prática ligada a uma ação do corpo no mundo material, corresponde com a ação que o homem faz perante a natureza, onde Marx entende este processo como lugar do trabalho, e é a partir disto que ocorre o ‘intercâmbio do homem com a natureza’ como fonte natural da realização do ser social a partir de uma perspectiva omnilateral, em direção a uma emancipação para a construção de um ser.

E, na dissertação Educação Sonora na Educação Profissional e Tecnológica: Prática Criativa no Ensino Médio Integrado, defendida por Rodrigues (2021), tem-se como ponto de partida as raízes gramscianas, sobre a Escola Unitária, Omnilateral e Politécnica. Para o autor, parafraseando Marise Ramos, a Escola Unitária “[…] prevê o princípio da educação como direito de todos, na qual haja uma apropriação dos conhecimentos produzidos pela humanidade, acesso à cultura, que não se resuma ao trabalho manual, aos menos favorecidos em antítese ao conhecimento intelectual da classe regente” (RODRIGUES, 2021, p. 43).

Constatou-se que há nos 4 trabalhos um alinhamento epistemológico e que é convergente com as bases conceituais do ProfEPT. Neste sentido, entende-se que as dissertações contribuem de forma relevante para o campo da Educação Profissional e Tecnológica, amparadas em suas bases conceituais e ancoradas no trabalho como princípio educativo.

A segunda categoria a ser aqui analisada diz respeito ao público-alvo ao qual cada produto educacional se direciona. Dois produtos educacionais foram voltados ao público do Ensino Médio Integrado, ou seja, são produtos criados para a formação geral, sendo uma possibilidade para ser trabalhada na disciplina de Arte, como é o caso da Prática Criativa Schaferiana no Ensino Médio Integrado, de autoria de Rodrigues (2021), que apresentou como produto educacional uma sequência didática de um bimestre, voltada para a disciplina de Arte, com viés no educador musical Murray Schafer, principal referência do trabalho. Já no produto Guia para projeção do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol em espaços formais e não formais de educação, de autoria de Morais (2020), há uma proposta de um guia como recurso didático para o filme de Deus e o Diabo na Terra do Sol, dirigido pelo diretor Glauber Rocha. O guia não é voltado diretamente à disciplina de Arte, e é justificado na Lei n.º 13.006 (BRASIL, 2014), que prevê a carga horária mínima de 2 horas mensais destinada a exibição de filmes de produção nacional. A atividade é apresentada como parte de um componente curricular complementar integrado à proposta pedagógica da

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escola, o que faz com que Morais (2020) defenda a ideia de que o guia não deva substituir a apreciação completa do filme, favorecendo a prática proposta como uma possibilidade de atividade extracurricular e de caráter interdisciplinar. O guia, neste sentido, poderia ser amplamente utilizado nas aulas de Arte, História, Sociologia, Português, após a projeção da película, promovendo um trabalho interdisciplinar. Dois produtos educacionais foram voltados para a modalidade subsequente, ou seja, direcionado a estudantes de áreas técnicas. A Oficina ReArte, defendida por Costa (2019), foi voltado ao curso técnico de Processos Fotográficos, pois se tratou de um trabalho focado nas Artes Visuais, no formato de uma oficina de extensão, que, inspirada nos ideais de criatividade, objetivou um exercício de liberdade no qual os estudantes poderiam escolher dentre determinadas técnicas de pintura e/ou desenho, previamente apresentadas, aquela que julgassem ser a mais interessante para vivenciar. Já o produto educacional Cartografias Afetadas, defendido por Santos (2021), foi voltado para egressos dos cursos técnicos de Teatro. Trata-se de uma oficina, que, por meio de diálogo e da construção coletiva de uma cartografia de diferentes percursos no Teatro, possibilitou a concretização da formação profissional e suas principais dificuldades em conseguir se sustentar e exercer, de fato, a profissão.

Torna-se importante destacar que há espaço tanto para o desenvolvimento de produtos que abranjam tanto as áreas técnicas quanto para aqueles voltados a uma formação geral de nível integrado. Com isso, afirma-se aqui que, mesmo que um produto seja formulado para trabalhar em um determinado curso técnico, isso não significa um impacto menor. Entende-se que há diferentes espaços e diferentes possibilidades para os produtos e que este ainda é um campo incipiente no Brasil.

No que diz respeito à possibilidade de replicação dos produtos educacionais apresentados pelos 4 autores, constataram-se diferentes realidades que, evidentemente, variaram de acordo com a proposta e o público-alvo priorizado nos produtos educacionais de cada trabalho aqui pesquisado.

No caso do produto educacional intitulado Oficina ReArte, defendido por Costa (2019), nota-se que para a replicação do produto educacional, é necessário um domínio das técnicas por parte do professor aplicador. Na segunda etapa da Oficina, intitulada Vivência das Atividades, há diversas demonstrações de uso de diferentes técnicas de Artes Visuais. Sendo assim, há a necessidade de que o professor (ou oficineiro) tenha domínio de tais técnicas e materiais. Além disso, o domínio do professor será extremamente necessário no processo de acompanhamento e orientação de todo o processo de criação. No entanto, a possibilidade de replicação do produto é viável não apenas para o curso de Processos Fotográficos, mas também para os vários espaços de educação formal e não formal.

O produto educacional intitulado Cartografias Afetadas, defendido por Santos (2021), é o trabalho mais experimental do grupo, pois não é voltado para uma disciplina específica ou mesmo para o curso técnico de Teatro, mas sim direcionado aos egressos dos cursos técnicos de Teatro do Paraná. Já por considerar os egressos como público-alvo da proposta, nota-se, a princípio, uma limitação na replicação do produto em ambientes formais de ensino, porém, defende-se aqui que o produto é passível de ser reestruturado e adaptado para a realidade do professor que fará a replicação. Além disso, entende-se que a percepção e o mapeamento da trajetória profissional a partir dos egressos podem ser de grande contribuição para as demais áreas do conhecimento, o que torna o produto apresentado como um excelente exemplo de como pensar nas questões relacionadas à profissionalização em nível técnico.

No caso do produto educacional Prática Criativa Schaferiana no Ensino Médio Integrado, defendido por Rodrigues (2021), há como proposta uma sequência didática voltada para o Ensino Médio Integrado, utilizando como referência principal Murray Schafer, um educador musical que nega a educação formal tradicional de Música. Ligado ao movimento contemporâneo e às experimentações musicais, Schafer

ArtenaEducaçãoProfissionaleTecnológica: umpanoramadasdissertaçõeseprodutoseducacionaisdefendidosnoProfEPTdoIFPR Wilson Lemos Junior, Bruno Amaral da Costa, Raina Costa Santos, Daniel Silva Rodrigues 412 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 397-417, maio/ago. 2022

propõe uma educação sonora, pois se preocupa muito mais em educar os ouvidos do que ensinar Música de forma tradicional. Por essas características específicas, a sequência didática se adapta para as aulas de Arte voltadas para o Ensino Médio Integrado. A sequência é possível de ser utilizada tanto de forma integral (com duração de um bimestre) como parcial. Destaca-se que, apesar de serem atividades voltadas para a educação musical, acabam por serem possíveis de serem aplicadas por professores da área de Artes, mesmo que sejam especialistas em outras linguagens. Isso é verificado no próprio trabalho que foi submetido para a avaliação, tanto de professores especialistas em educação musical como também de professores com formação em outras áreas artísticas, sendo considerado como uma possibilidade real de aplicação nas aulas de Arte.

No que diz respeito ao produto educacional: Guia para projeção do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol em espaços formais e não formais de educação, defendido por Morais (2020), destaca-se um produto com maior flexibilidade de aplicação, uma vez que se trata de um guia de apoio para um filme. Como o guia não busca substituir o filme, torna-se um excelente recurso educacional, desde que a escola dedique um espaço e disponibilidade de tempo para a projeção prévia da película.

Destaca-se que todos os produtos educacionais apresentados possuem um grande potencial de replicação na Educação Profissional e Tecnológica. Defende-se, aqui, a ideia de que os produtos possam ser replicados tanto em sua integralidade, mas também sejam consideradas aplicações parciais, em prol de uma construção e de um método a ser apropriado pelo professor.

6Consideraçõesfinais

Dentro do contexto educacional da Educação Profissional e Tecnológica, a Arte tem desenvolvido um papel central ao privilegiar o aspecto humanitário da sociedade, tornando-se, assim, uma poderosa aliada em prol de uma formação integral do indivíduo.

A partir do estudo de caso e da problemática apresentada neste artigo, pode-se verificar que as pesquisas defendidas no âmbito do ProfEPT do IFPR apresentam densas produções para os pesquisadores e os professores da Educação Profissional e Tecnológica. Trata-se de pesquisas com amplo embasamento teórico que proporcionaram produtos educacionais de livre acesso, disponibilizados na plataforma eduCAPES5. Como resultados, notou-se, nas dissertações, um alinhamento epistemológico convergente com as bases conceituais do ProfEPT, ancoradas no trabalho como princípio educativo. No que diz respeito aos produtos educacionais, constataram-se diferentes realidades, porém concluiu-se que ambos possuem um grande potencial de replicação na Educação Profissional e Tecnológica.

Alguns resultados secundários puderam ser verificados, como o fato de que todas as pesquisas se vincularam à linha de pesquisa de Práticas Educativas da Educação Profissional e Tecnológica, não havendo até o momento nenhuma pesquisa do campo da Arte na linha de Organização e Memórias de Espaços Pedagógicos na Educação Profissional e Tecnológica. Outro dado foi a ausência da área de Dança entre as linguagens artísticas, o que, de certa forma, mostra uma carência maior da Dança em relação às outras linguagens artísticas abordadas no campo da Arte. No próprio corpo docente do IFPR, que possui 26 campi espalhados pelo estado do Paraná, não há nenhum professor de Arte atuando na área de Dança, caso que reflete a realidade de outras regiões do país.

5 eduCAPES é um portal de produtos educacionais. Engloba em seu acervo milhares de objetos de aprendizagem (textos, livros didáticos, artigos de pesquisa, teses, dissertações, videoaulas, áudios, imagens, etc.), sendo todos de livre acesso.

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Atualmente, há mais pesquisas em andamento voltadas para o campo da Arte no ProfEPT do IFPR, propiciadas devido ao fato do corpo docente ter 3 professores permanentes com formação na área. Sendo assim, o ProfEPT do IFPR tem a garantia de continuar a desenvolver pesquisas e produtos educacionais voltados para o ensino da Arte na Educação Profissional e Tecnológica.

Há um grande campo a ser mapeado no que diz respeito às pesquisas, enfatizando as diferentes linguagens artísticas na Educação Profissional e Tecnológica, tanto em relação as produções desenvolvidas em outras instituições associadas do ProfEPT como das produções a respeito de cada uma das linguagens artísticas, seja no âmbito regional, seja no nacional. Referências

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COMO CITAR (APA): Lemos Junior, W., Costa B. A., Santos, R. C., & Rodrigues, D. S. (2022). Arte na Educação Profissional e Tecnológica: um panorama das dissertações e produtos educacionais defendidos no ProfEPT do IFPR. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 397-417. https://doi.org/10.19180/18092667.v24n22022p397-417.

ArtenaEducaçãoProfissionaleTecnológica: umpanoramadasdissertaçõeseprodutoseducacionaisdefendidosnoProfEPTdoIFPR Wilson Lemos Junior, Bruno Amaral da Costa, Raina Costa Santos, Daniel Silva Rodrigues Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 397-417, maio/ago. 2022

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Submetido em: 12 fev. 2022

Aceito em: 28 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p418-440

Produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras

Laiz Mara Meneses Macedo https://orcid.org/0000-0002-9551-958X

Doutoranda em Educação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) Natal/RN Brasil. E-mail: academicplanconsultoria@gmail.com.

Ilane Ferreira Cavalcante https://orcid.org/0000-0002-1783-9879

Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professora de Língua Portuguesa atuando no Programa de Pós-graduação em Educação Profissional (PPGEP) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte Campus Zona Leste – Natal/RN – Brasil. E-mail: ilane.ifrn@gmail.com. Camilla Munay Dantas Frutuoso https://orcid.org/0000-0002-5044-027X

Mestranda em Educação Profissional no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Analista de compliance na Evolux e professora mediadora da metrópole digital e instrutora na escola CENTEC Cursos Tecnológico – Natal/RN – Brasil. E-mail: camillamunay@gmail.com.

Resumo

O presente artigo problematiza o Estado do Conhecimento do conceito “Práticas Pedagógicas Integradoras”. Visa-se com tal avaliação contribuir com debates que se conectem à perspectiva da práxis na Educação Profissional e Tecnológica. Diante do exposto, problematiza-se como se apresenta na produção científica e do conhecimento o campo das Práticas Pedagógicas Integradoras. Metodologicamente esta pesquisa classifica-se como sendo de natureza básica, abordagem quali-quantitativa, sendo sustentada pelos pressupostos das análises de tipo “produção do conhecimento”. Tal delineamento metodológico permitiu o levantamento e mapeamento dos dados, bem como a sua categorização. A análise tornou possível descrever a trajetória conceitual das Práticas Pedagógicas Integradoras na produção científica e do conhecimento sobre o tema. A análise indicou que o conceito “Práticas Pedagógicas Integradoras” epistemologicamente se conecta à concepção de práxis emancipadora e consequentemente aos pressupostos da formação humana integrada.

Palavras-chave: Práticas Pedagógicas Integradoras. Produção científica. Produção do conhecimento.

Scientific and knowledge production on Integrating Pedagogical Practices

Abstract

The present article evaluated the State of Knowledge of the Integrative Pedagogical Practices concept. The purpose of this evaluation is to contribute to debates that connect to the perspective of praxis in Vocational and Technological Education. In view of the above, the following guiding question is established: how does the field of Integrative Pedagogical Practices present itself in the scientific and knowledge production? Methodologically, this research is classified as being of a basic nature, with a quali-quantitative approach, supported by the assumptions of the analyses of the "production of knowledge" type. This methodological delineation allowed the survey and mapping of data, as well as their categorization. The analysis made it possible to describe the conceptual trajectory of Integrative Pedagogical Practices in the scientific production and knowledge about the theme. The analysis indicated that the concept of Integrating Pedagogical Practices epistemologically connects to the concept of emancipatory praxis and consequently to the assumptions of integrated human formation.

Keywords: Integrating Pedagogical Practices. Scientific production. Knowledge production.

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Producción científica y del conocimiento sobre Prácticas Pedagógicas Integradoras

Resumen

Este artículo analiza el Estado del Conocimiento del concepto “Prácticas Pedagógicas Integradoras”. El objetivo de esta evaluación es contribuir a los debates que están conectados a la perspectiva de la praxis en la Educación Profesional y Tecnológica. En vista de lo anterior, se establece la siguiente pregunta orientadora: ¿cómo se presenta el campo de las Prácticas Pedagógicas Integradoras en la producción y el conocimiento científico? Metodológicamente, esta investigación se clasifica como de carácter básico, con un enfoque cualitativo-cuantitativo, apoyándose en los supuestos del análisis del tipo “producción de conocimiento”. Este diseño metodológico permitió la recolección y mapeo de datos, así como su categorización. El análisis permitió describir la trayectoria conceptual de las Prácticas Pedagógicas Integradoras en la producción científica y el conocimiento sobre el tema. El análisis indicó que el concepto “Prácticas Pedagógicas Integradoras” está epistemológicamente ligado a la concepción de la praxis emancipadora y, en consecuencia, a los presupuestos de la formación humana integrada.

Palabras clave: Prácticas Pedagógicas Integradoras. Producción científica. Producción de conocimiento.

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1Introdução

O presente artigo problematiza a produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras. O princípio integrador é entendido como alicerce para a compreensão de que as práticas integradoras se constroem a partir das concepções de diversidade, desenvolvimento pleno (omnilateral, parafraseando Karl Marx e Friedrich Engels - 1987) dos indivíduos nas dimensões físicas, intelectuais, sociais, emocionais e simbólicas.

Visa-se com essa avaliação contribuir com debates que se conectem à perspectiva da práxis (pensar, produzir e transformar a realidade) na educação e que preconizem a autonomia e uma cidadania ativa de docentes e discentes. Esses agentes devem ser participantes e construtores de processos políticos, educacionais e sociais democráticos, solidários e igualitários; necessitam ter consciência do projeto políticoeducacional que apoia uma dimensão pedagógica integradora e estratégica rumo à emancipação humana e podem se posicionar de forma contra-hegemônica à lógica capitalista que, nos dizeres de Mészáros (2008), é perversa em suas articulações para internalizar valores e princípios que permitam sua perpetuação.

De acordo com Oliveira e Rodrigues (2020, p. 527), “a concretização da integração curricular e da formação integrada requer práticas pedagógicas que superem as tradicionais práticas fragmentadoras do saber que, por conseguinte, formam sujeitos fragmentados, limitando-os quanto ao desvelamento da realidade e sua transformação”.

Assim, a formação humana integrada deve ir além da obtenção de qualificações técnicas para que o humano se insira no mundo produtivo, ou adquira a formação geral que possibilite ampliar seu cabedal de oportunidades de trabalho. Ela deve possibilitar a superação da “fragmentação dos conhecimentos e propiciar o exame dos fenômenos dentro das condições de vida de trabalho que não só estão na base de muitas conquistas humanas, mas também de muitos malefícios que a atingem a humanidade” (CIAVATTA, 2015, p. 69).

O conceito Práticas Pedagógicas Integradoras epistemologicamente se conecta à concepção de práxis emancipadora e consequentemente aos pressupostos da formação humana integrada. De acordo com Ciavatta (2015, p. 69), “a ideia de formação integrada supõe superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre a ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar”. Nesse contexto,

as práticas integradoras são assim denominadas porque mobilizam a integração entre sujeitos, saberes e instituições. Elas podem ocorrer em diversos níveis e envolvem uma diversidade de elementos, de forma a propiciar a existência de uma rede de relações de saberes, o que se pode identificar como rede epistêmica (HENRIQUE; NASCIMENTO, 2015, p. 68).

A rede epistêmica mencionada por Henrique e Nascimento (2015) dialoga com o exposto por Silva (2018) anos mais tarde. Na perspectiva da epistemologia da práxis, a reconstrução de saberes do professor ocorre de modo contínuo, ou seja, a forma como a prática pedagógica é estabelecida se redefine à medida que o sujeito (re)aprende o significado social de sua prática.

Cabe mencionar o exposto por Ciavatta (2015, p. 66): as práticas pedagógicas devem ser pensadas em uma visão dialética, pois “a realidade está em permanente transformação pela ação humana, e as contradições emergem e constroem a história, tanto no sentido da reprodução quanto da transformação”.

ProduçãocientíficaedoconhecimentosobrePráticasPedagógicasIntegradoras Laiz Mara Meneses Macedo, Ilane Ferreira Cavalcante, Camilla Munay Dantas Frutuoso 420 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 418-440, maio/ago. 2022

O lócus privilegiado das práticas pedagógicas, tanto pela intencionalidade política dessas práticas como por se constituir a partir da intenção coletiva de um variado e heterogêneo coletivo de sujeitos que se constituem como agentes da escola, quais sejam: as famílias, os estudantes, os gestores, os professores e a comunidade. Esses sujeitos, em conjunto, materializam práticas intencionalmente direcionadas a um fim pedagógico que pode ter sido negociado ou imposto. As práticas pedagógicas, portanto, conformam determinados modelos de educação e de ensino (VASCONCELOS, 2020, p. 74).

De acordo com Silva (2018), a análise de Práticas Pedagógicas Integradoras permite avaliar as dimensões estruturantes da atividade docente. Elas fornecem elementos para compreender como professores lidam com o conhecimento que ensinam e se exercem a unidade da teoria e prática que conduz à práxis.

Por intermédio da práxis, segundo Silva (2018), é possível lutar contra o recuo da teoria e estabelecer uma relação entre conhecimento e saber. Assim, abre-se o caminho para, à medida em que se pode fertilizar o contexto educativo/pedagógico com a teoria, enriquecer a prática docente e discente. Nessa conjuntura preconiza-se “garantir ao adolescente, ao jovem e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e a capacidade de atuar como cidadão integrado dignamente à sociedade” (CIAVATTA, 2015, p. 69).

A partir da noção de práxis a categoria trabalho passa a ser refletida em um sentido ontológico. Engels (1985, p. 71) descreve a categoria “trabalho” como “a primeira condição fundamental de toda a vida humana e, com efeito, num grau tal que, em certo sentido, temos que dizer: ele criou o homem”. Assim, pode-se pensar o trabalho como uma possibilidade de luta no processo formativo e de realização do ser humano.

Para Gramsci (1977), o princípio do trabalho como potencial formativo deve subsidiar a aquisição de técnicas que possibilitem ao ser humano o acesso a uma proposta para a educação que integre um sentido politizante. Assim, por intermédio de um programa político, o indivíduo caminharia em direção à igualdade social.

Nesse contexto se constitui o debate em torno do conceito de práticas integradoras no campo da educação. Elas “teriam o objetivo de atender ao princípio da dialogicidade entre os saberes. Sua existência nos contextos de formação escolar visa à promoção de uma percepção mais completa e complexa da realidade e dos problemas que assolam a humanidade” (HENRIQUE; NASCIMENTO, 2015, p. 68).

Paulo Freire (2021, p. 53), na obra Educação como prática da liberdade, defende a prática de uma educação que respeite o homem e a sua “ontológica vocação de ser sujeito”. Ele retrata que se deve lutar para que essa premissa seja aceita por aquelas forças cujo interesse básico é a alienação (e a manutenção dela) do homem e da sociedade brasileira (FREIRE, 2021). Precisamos então de uma “educação corajosa”, “uma educação que levasse o homem a uma nova postura diante dos problemas do seu tempo e de seu espaço. A da intimidade com eles. A da pesquisa em vez da mera, perigosa e enfadonha repetição de trechos e de afirmações desconectadas das suas condições mesmas e da vida. A educação do “eu me maravilho” e não apenas do “eu fabrico'' (FREIRE, 2021, p. 122).

De acordo com Gutiérrez (1988, p. 39), “em síntese, as relações pedagógicas são de poder, a maior parte do tempo, com manifestações de ‘equilíbrio’ e, às vezes, de violência. Isso significa graves inconvenientes para o desenvolvimento normal do processo educativo”. Esse processo gera “a anulação do professor e do aluno como sujeitos e o sequestro da função docente.” (FRIGOTTO, 2015, Orelha do livro)

Como enfrentamento a esse cenário, Magalhães e Souza (2018) abordam que o ideário pedagógico integrador como pilar da construção epistemológica da prática pode integrar conceitos em uma dimensão

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multifacetada pela diversidade de concepções que circulam e produzem um processo humanizador de caráter técnico, político e social.

Della Fonte (2018, p. 10) lembra que “o ser humano não nasce humano, ele faz-se humano; e o formar-se humano de cada um nunca esgota as possibilidades do humanizar-se já existentes na história humana ou passíveis de ainda serem criadas”. Assim, pode-se compreender a prática pedagógica integradora apoiada na dialética, na ontologia (saber sobre a prática) e na gnosiologia (pensar a prática). Sendo a prática pedagógica integradora social e global, seu caráter relacional entre os sujeitos possibilita a apropriação da cultura historicamente construída rumo à transformação da sociedade e de si mesmos.

Santos et al. (2018, p. 88) informam que, “quanto à forma de realização das práticas integradoras, não existem fórmulas prontas, nem um único método”. O que se pode comentar a esse respeito é que existem algumas categorias e conceitos que se conectam ao conceito de Práticas Pedagógicas Integradoras no sentido de organizar os conteúdos de forma interdisciplinar. Apesar de essas concepções levarem em conta a complexidade da prática educativa, em algumas produções teóricas ainda não se faz uma análise profunda dessas categorias. Para citar um exemplo, tem-se a abordagem interdisciplinar associada às Práticas Pedagógicas Integradoras.

Ciavatta (2015, p. 68) afirma que “a interdisciplinaridade pode ser uma prática teórica facilitadora de uma outra qualidade de educação”. No que se refere à “compreensão dialética do conjunto das relações sociais que envolvem os professores e alunos”, pode promover uma “visão de mundo e uma concepção de realidade que permitam a compreensão crítica da produção e da existência humana”, nesse sentido a interdisciplinaridade tem seu aspecto positivo (CIAVATTA, 2015, p. 68).

No entanto, a interdisciplinaridade não deve corresponder a toda a estratégia didática, mas ser uma possibilidade complementar “para aproximar campos de saber, pois ela não impede que conhecimentos sejam apenas justapostos” (CIAVATTA, 2015, p. 68). Diante do exposto, interdisciplinaridade não significa realizar sobreposição de disciplinas afins, mas envolve “a consolidação conceitual sobre a proposta e o desenvolvimento de estratégias de ação para viabilizar, na ação docente, a realização de Práticas Pedagógicas Integradoras, aquelas que efetivamente integrem conhecimentos diversos para resolução de problemas” (HENRIQUE; NASCIMENTO, 2015, p. 70).

O que se espera é que as Práticas Pedagógicas Integradoras sejam vistas para além de uma ação interdisciplinar, como uma proposta que possibilite “a formação integral do educando mediante os pressupostos agregados ao currículo integrado, a integração curricular no EMI, uma prática amparada em pressupostos críticos e políticos” (SANTOS et al., 2018, p. 190).

Sobre o tema exposto, problematiza-se, nesse artigo, como se articula o estado do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras na produção científica brasileira, explicitando os principais debates que perpassam tal campo de estudos, estabelecendo um registro e categorização que levem à reflexão e síntese sobre ela em um determinado espaço de tempo em periódicos, teses, dissertações e livros.

2Metodologia

Para buscar respostas à questão da pesquisa, o critério estabelecido para a busca do material analítico se deu pela investigação da categoria Práticas Pedagógicas Integradoras em repositórios de artigos, teses e dissertações, como também uma varredura no Google Scholar que permitisse detectar a existência de livros sobre o tema.

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Justifica-se o uso do Google Scholar, pois, ao iniciar a busca pelo Catálogo de dissertações e teses da Capes, a amostra obtida foi incipiente. Para que a pesquisa fosse embasada em mais materiais, seria necessário acessar todos os repositórios institucionais separadamente, o que demandaria uma varredura extensa. Uma outra questão importante que surge é que a busca em repositórios traria apenas teses, dissertações e artigos, o que não corresponderia ao interesse desta pesquisa totalmente.

Sendo de natureza básica, prioriza-se a abordagem quali-quantitativa, sustentada pelos pressupostos das análises de tipo “produção do conhecimento”. O delineamento da análise foi obtido por intermédio de uma diversidade de gêneros acadêmicos (projetos, produtos educacionais, teses, dissertações, artigos, roteiro de aula, dentre outros) que permitiram descrever a trajetória conceitual das Práticas Pedagógicas Integradoras na produção científica e do conhecimento sobre o tema.

O delineamento metodológico segue os princípios indicados por Stoleroff e Patrício (1995), quando eles opinam que a investigação, leitura, reflexão e redação sobre os achados são essenciais para avaliar determinada temática. A partir dessa premissa, a metodologia selecionada para o desenvolvimento desta análise foi a do Estado do Conhecimento. Os passos seguidos foram: identificação dos trabalhos, registro dos trabalhos selecionados a partir do refinamento, categorização dos materiais que levaram à reflexão e síntese da produção científica sobre Práticas Pedagógicas Integradoras.

Não foi determinado recorte de espaço de tempo, pois só foram encontrados trabalhos sobre Práticas Pedagógicas Integradoras de 2011 até 2021. Esse caráter relativamente novo do conceito pode coincidir com os debates sobre as diretrizes curriculares para a Educação profissional técnica e nível médio integrada ao ensino médio, a saber: o Documento Base (BRASIL, 2007); as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio em Debate: o Texto para discussão (BRASIL, 2010), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (BRASIL, 2011) e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (BRASIL, 2012).

Tais debates curriculares podem implicar a necessidade de se pensar práticas pedagógicas adequadas ao público da Educação profissional técnica e nível médio integrado ao ensino médio.

Buscou-se assim compreender a trajetória histórica do conceito de modo quantitativo, para assim conhecer o fluxo de publicações sobre o tema. No entanto, para que a análise fosse o mais completa possível, fez-se necessário entender que o desenvolvimento de uma temática ou conceito não está relacionado apenas a(o) pesquisador(a) que a produz, mas a influências institucionais, regionais e globais (MOROSINI; FERNANDES, 2014).

Portanto, foi necessário inventariar e sistematizar o conhecimento produzido sobre Práticas Pedagógicas Integradoras, a partir da busca em periódicos, dissertações, livros, produtos educacionais, para elaborar um mapa conceitual, bem como identificar as tendências dos temas relacionados aos trabalhos selecionados para análise.

No que se refere ao instrumento de coleta de dados selecionado para a produção deste artigo, O Google Scholar, a ferramenta foi relevante por permitir encontrar várias fontes distintas de produção científica. Ressalta-se que a plataforma Google Scholar permitiu uma precisão na busca quando se colocam as palavras-chave entre aspas. Assim, pode-se “refinar ainda mais a busca excluindo determinadas palavras”. A ferramenta “busca-avançada” também foi útil na constatação da pesquisa antes realizada.

A partir da categorização que incluiu tanto o Google Scholar quanto o Catálogo de Dissertações e Teses da Capes, foi possível elaborar uma nuvem de palavras, “um gráfico digital que mostra o grau de frequência das palavras em um texto”. A nuvem de palavras será apresentada nos resultados e será útil para indicar, por intermédio das cores nela contidas, que conceitos mais bem representam o campo das Práticas

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Pedagógicas Integradoras. As palavras que foram inseridas na nuvem de palavras são aquelas contidas nas palavras-chave dos textos selecionados para esta análise.

3Resultados

Com a busca pelo descritor “PRÁTICAS PEDAGÓGICAS INTEGRADORAS” no Google Scholar obteve-se, aproximadamente, 269 resultados. Ao realizar a busca no Catálogo de Dissertações e Teses da CAPES, usando o mesmo descritor (em caixa alta e com aspas), detectaram-se 5 trabalhos, sendo 1 tese de doutorado, 2 dissertações de mestrado acadêmico e 2 dissertações de mestrado profissional. O quantitativo de trabalhos em função do período de sua produção está representado na Figura 1.

Figura 1. Flutuação histórica do conceito Práticas Pedagógicas Integradoras

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

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A primeira busca se deu no dia 09 de setembro de 2021. Nessa mesma data se iniciou o processo de refinamento que foi encerrado no dia 24 de setembro de 2021. Para refinar a pesquisa, buscou-se pelo descritor acima mencionado, nos títulos, resumos e palavras-chave dos trabalhos que contabilizam o universo investigado nesse estudo.

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A busca revelou uma maior incidência de publicações no período de 2019. Esse dado, sob a ótica contextual das produções científicas e a realidade da educação profissional e tecnológica, lócus privilegiado do debate sobre práticas pedagógicas integradoras, está em consonância com o aumento de matrículas na educação profissional tecnológica de pós-graduação, especificamente nos programas de mestrado profissional e doutorado profissional, que tiveram um crescimento significativo no período, passando de 40 mil em 2015 para 63 mil em 2019 (BRASIL. INEP, 2019). Acredita-se que esse aumento de matrículas gerou debates sobre novas metodologias de ensino e aprendizagem, o que consequentemente se conecta a um aumento na quantidade de produções sobre Práticas Pedagógicas Integradoras.

Especificamente sobre Práticas Pedagógicas Integradoras, obteve-se uma amostra de 44 trabalhos acadêmicos. A seguir, para um melhor detalhamento histórico, serão apresentados quadros, interpretados com um delineamento temporal, ano a ano, para que sejam compreendidas as articulações, incorporações e modificações no conceito analisado ao longo do tempo.

Quadro 1. 2011: Catalogação da produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras

Autores Título do trabalho Classificação

TREML, Edina Elisangela Zellmer Fietz; PEREIRA, Liandra; SCHOLZE, Edson.

ARAÚJO, RonaldoMarcos de Lima; RODRIGUES, Doriedson do Socorro.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Prática pedagógica integradora nas disciplinas do curso de ciências contábeis de uma universidade comunitária do norte de Santa Catarina: uma experiência interdisciplinar num devir Artigo/ Evento

Filosofia da práxis e ensino integrado: para além da questão curricular Artigo/Periódico

Os dois trabalhos contidos no Quadro 1 possuem características distintas. O primeiro relata uma experiência pedagógica integradora vivenciada por docentes e discentes do Curso de Ciências Contábeis de uma universidade comunitária do norte de Santa Catarina. Já o segundo tem um cunho epistemológico no debate sobre as Práticas Pedagógicas Integradoras.

Cabe ressaltar que a pesquisa de Araújo e Rodrigues (2011) parece ser a primeira publicação de cunho epistemológico no debate do tema em questão. E o trabalho de Treml, Pereira e Scholze (2011), o primeiro relato de uma abordagem empírica sobre o tema. As contribuições do estudo baseado em um universo empírico são relevantes para perceber um dos temas que perpassam as discussões sobre Práticas Pedagógicas Integradoras, que é a abordagem interdisciplinar na intenção de buscar avanços e inovações na prática pedagógica. Para Treml, Pereira e Scholze (2011), ao realizar Práticas Pedagógicas Integradoras devese empenhar esforços em suas disciplinas buscando promover uma experiência de cunho interdisciplinar.

Em complemento a esse debate tem-se a concepção de Araújo e Rodrigues (2011). No estudo em tela, a prática pedagógica integradora permite que a teoria seja sempre revigorada pela prática educativa.

Para Araújo e Rodrigues (2011), apoiados na Filosofia da Práxis, a efetivação de estratégias de ensino integradoras do pensar e do fazer depende principalmente da existência de projetos políticos de transformação social, revelados em um posicionamento docente e no compromisso institucional com uma práxis pedagógica revolucionária.

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Quadro 2. 2013: Catalogação da produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras

Autor Título do trabalho Classificação ARAÚJO, Ronaldo Marcos de Lima. Práticas pedagógicas e ensino integrado Artigo/ Evento Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Nessa publicação (Quadro 2), Araújo (2013) retoma sua percepção sobre como a prática pedagógica integradora resgata o caráter revolucionário contido no projeto de ensino integrado como também seu conteúdo político e filosófico. O autor ressalta como os ideais de ‘trabalho como princípio educativo’ tem inspirado diferentes projetos de educação destinada aos trabalhadores, nessa seara inclui-se o tema em questão.

Quadro 3. 2014: Catalogação da produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras

Autores

Título do trabalho Classificação ARAÚJO, Ronaldo Marcos de Lima. Práticas pedagógicas e ensino médio integrado Livro COSTA, Lucimar da Silva; JOHANN Maria Regina; KIESLICH, Jaci; GONZÁLES, Fernando Jaime; POSSANI, Taíse Neves.

RelatórioTécnico Científico Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Escola, currículo, conhecimento: práticas pedagógicas integradas e integradoras na área das linguagens

Em 2014 vê-se a incorporação de novas acepções para as Práticas Pedagógicas Integradoras. Araújo (2014) expõe que elas não dependem apenas de soluções didáticas, elas requerem, principalmente, soluções ético-políticas. Esse debate tem conexão com o discutido por Costa et al. (2014), quando abordam que a prática pedagógica integradora deve constituir um tempo/espaço de estudos para contribuir na reconfiguração curricular da educação básica (Quadro 3).

Quadro 4. 2015: Catalogação da produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras

Autores

LIMA, Marcelli Ingrid Silva; SILVA, Francisca Natália; DE LIMA, Erika Roberta Silva.

HENRIQUE, Ana Lúcia Sarmento; NASCIMENTO, José Mateus.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Práticas Pedagógicas Integradoras: concepções e desafios dos docentes nocontexto de vivência docurso de informática do IFRN Artigo Evento

Título do trabalho Classificação ANDRADE, Maria Adilina Freire Jerônimo; PAULA, Joaracy Lima; NASCIMENTO, José Mateus; SÁ, Lanuzia Tercia Freire.

Ensino e currículo integrado para Práticas Pedagógicas Integradoras na educação profissional Artigo/Evento

Sobre práticas integradoras: um estudo de ações pedagógicas na educação básica Artigo Periódico ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima. Práticas pedagógicas e ensino integrado Artigo Periódico

Em 2015 há um aumento significativo no debate sobre Práticas Pedagógicas Integradoras. Os trabalhos (Quadro 4) evidenciam que uma aproximação entre a compreensão teórica e prática de

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fundamentos científicos das múltiplas técnicas utilizadas no processo produtivo seria uma possibilidade de estabelecer o diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento.

Aborda-se também a necessidade de se ampliar reflexões a respeito das práticas integradoras e sobre as modalidades de sua materialização no âmbito das ações pedagógicas. Para que isso ocorra, os autores defendem a constituição de um ambiente material que a favoreça e a busca permanente pelo elemento integrador, considerando as realidades específicas, a totalidade social e os sujeitos envolvidos.

Quadro 5. 2017: Catalogação da produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras

Autores

Título do trabalho Classificação ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima; COSTA, Ana Maria Raiol.

Lições da experimentação do ensino médio integrado como projeto de emancipação Artigo Periódico PAULA; SÁ e ANDRADE

Concepções docentes: práticas pedagógicas integradoras e seus desafios no IFRN. Artigo Periódico Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Em 2017 o debate é retomado no contexto da Educação Profissional e Tecnológica (Quadro 5). Para Araújo e Costa (2017), o projeto de ensino integrado deve ser entendido também como um resgate a um conjunto de proposições registradas na história da educação brasileira, que visava, de modo mais ou menos articulado, a um projeto socialista. Isso revela como a questão das Práticas Pedagógicas Integradoras se conectam aos pressupostos de uma concepção marxista de práxis, que não é uma mera atividade da consciência, mas um avanço e uma superação no sentido dialético e filosófico de pensar a atividade material do homem. Para Paula, Sá e Andrade (2017, p. 140), a “prática pedagógica docente ainda se distancia da proposta curricular de integração da instituição e quando essa integração acontece, na maioria das vezes, é no âmbito dos próprios núcleos didáticos ou por meio de atividades pontuais como: aula de campo, Projeto Integrador e outras ações acadêmicas isoladas”.

Quadro 6. 2018: Catalogação da produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras

Autores

Título do trabalho Classificação ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima. Ensino integrado: dos princípios (para que?) Às práticas integradoras (como?) Material Didático

BORDINASS, Gilma de Roma; GOMIDE, Ângela Galizzi Vieira.

SANTOS, Fábio Alexandre Araujo; SANTOS, Joseane Duarte; PROFESSOR Vagner Pereira; SILVA, Angislene Ribeiro.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

A integração no curso de formação de docentes, a partir da prática de formação Artigo Evento

Práticas Pedagógicas Integradoras no ensino médio integrado Artigo Periódico

Em 2018 (Quadro 6), é revigorado o debate sobre a formação ampla e duradoura como horizonte que visa promover Práticas Pedagógicas Integradoras, e favoreçam aos estudantes a compreensão dos fenômenos locais e específicos em sua relação com a universalidade e com a totalidade social. No seio desses debates as práticas pedagógicas integradoras não são definidas pelas técnicas e/ou os procedimentos, mas pela instituição de um ambiente que favoreça a atitude didática integradora na condução dos procedimentos de ensino frente aos objetos do conhecimento e aos sujeitos do processo de ensino e aprendizagem.

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Assim, considerando a necessária ampliação permanente da qualificação humana, os contextos, locais e universais, nos quais os sujeitos estão inseridos, bem como as condições concretas para sua realização, os docentes enfrentam desafios para a realização de atividades integradoras, uma vez que eles foram formados em um contexto de saberes fragmentados, disciplinares e dissociados da realidade.

Quadro 7. 2019: Catalogação da produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras

Autores

Título do trabalho

Classificação ALMEIDA, Danielle Mesquiati de Oliveira.

Ensino religioso, cidadania e ética: Práticas Pedagógicas Integradoras Artigo Periódico ANDRADE, Ana Paula Lima; MIGUEL, Joelson Rodrigues.

Práticas integradoras: ações pedagógicas na educação básica Artigo Periódico BATISTA, João Paulo Monteiro

Dissertação BATISTA, João Paulo Monteiro; SANTOS, Edlamar Oliveira.

Educação financeira: contribuições de uma proposta de prática pedagógica integradora para o fortalecimento do ensino médio integrado

Sequência didática interdisciplinar sobre educação financeira como prática integradora no ensino médio integrado Produto Educacional CASTRO, Angeline Santos. Ensino médio integrado à educação profissional e tecnológica: a relação entre o currículo integrado e a prática pedagógica docente

Dissertação SILVA, Cristina América; MACHADO, João Marcos de Oliveira; SERQUEIRA, Samuel Oliveira; NOGUEIRA, Kenedy Lopes, JÚNIOR, Walteno Martins Parreira.

SOUZA, Adriana Aparecida; HENRIQUE, Ana Lúcia Sarmento.

Aplicações de tecnologias educacionais: possibilidades de práticas integradoras Artigo Evento

Artigo Periódico LOPES, Isis Monteiro Carneiro. Práticas Pedagógicas Integradoras e o ensino médio integrado ao técnico no IFF: contribuições na formação dos estudantes dos Campi São João da Barra e Macaé.

PROFESSOR, Vagner Pereira. Práticas integradoras no ensino médio integrado: proposta de formação continuada para professores da educação profissional e tecnológica

PROFESSOR, Vagner Pereira. DOS SANTOS, Fábio Alexandre Araujo.

Uma análise das temáticas das dissertações defendidas na linha de pesquisa formação docente e práticas pedagógicas em educação profissional do PPGEP/IFRN (2015 – 2016)

Dissertação

Dissertação

Curso práticas integradoras: formação continuada de professores do ensino médio integrado Produto Educacional

SILVEIRA, Marilene V. Atividades integradoras: uma estratégia para a interdisciplinaridade entre as componentes curriculares dos cursos do centro de ciências sociais (CCSA) Artigo Evento

SILVEIRA, Samai Serique Dos Santos; MARTINS, Silvana Neumann.

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

ProduçãocientíficaedoconhecimentosobrePráticasPedagógicasIntegradoras Laiz Mara Meneses Macedo, Ilane Ferreira Cavalcante, Camilla Munay Dantas Frutuoso VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 418-440, maio/ago. 2022

Currículo integrado e práticas pedagógicas nos IFs: mapeamento de pesquisas em bases de dados Artigo Evento

Em 2019 (Quadro 7), os trabalhos têm em comum discussões sobre uma didática integradora.

Práticas educativas integradoras requerem, também, uma atitude diferenciada dos profissionais da educação que favoreçam a construção de uma nova cultura que se revele em uma atitude

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pedagógica integradora. Uma atitude docente diferente em relação ao próprio cotidiano do ensino médio, no sentido de se desenvolver uma pedagogia na qual o fazer e o pensar constituam um todo orgânico, quer se trate de aulas de mecânica de automóveis ou de linguagem, matemática ou física, por exemplo (ARAUJO, 2014, p. 39).

No contexto da Educação Profissional, “o ensino integrado requer uma atitude docente integradora, não visa responsabilizar o docente pela possibilidade de efetivação do ensino integrado, mas resgatar o caráter revolucionário contido no projeto de ensino integrado e na prática docente e o seu conteúdo político e filosófico” (ARAÚJO, 2014, p. 59).

A prática pedagógica integradora existe à medida que a teoria e a prática educativa constituem o núcleo articulador da formação profissional, nesse sentido ela se materializa no ensino integrado por ser “um projeto que traz um conteúdo político-pedagógico engajado, comprometido com o desenvolvimento de ações formativas integradoras (em oposição às práticas fragmentadoras do saber), capazes de promover a autonomia e ampliar os horizontes (a liberdade) dos sujeitos das práticas pedagógicas” (ARAÚJO, 2014, p. 11).

Assim, as Práticas Pedagógicas Integradoras têm como objetivo a concretização, no cotidiano e nas diversas instâncias da realidade, de relações e saberes que se articulam para compreensão do todo e dos objetos em sua relação com a totalidade social. Ela se baseia na perspectiva de garantir aos sujeitos em formação, realizar a leitura de mundo de forma crítica, nele se reconhecendo como parte integrante e por ele se sentindo responsável.

Quadro 8. 2020: Catalogação da produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras

Autores

Título do trabalho Classificação BERNARDES, Vanessa Araújo.

O anunciado e o feito: ensino médio integrado e formação omnilateral no IFES – Campus Cachoeiro de Itapemirim Dissertação BERNARDES, Vanessa Araújo; PEIXOTO, Edson.

Guia de orientações: projeto integrador no curso técnico em informática integrado ao ensino médio do IFES

DA SILVA, Luciana de Sousa Alves.

DA SILVA, Luciana de Sousa Alves; CAVALCANTI, Alberes De Siqueira.

OLIVEIRA, Eliza Georgina Nogueira Barros de; RODRIGUES, Adriana de Carvalho Figueiredo.

PICANÇO, Damila Nunes Guidão.

SANTOS, Aline de Oliveira Costa.

Currículo e prática docente no ensino médio integrado: uma proposta de projeto integrador no colégio universitário da UFMA

Dissertação

Produto Educacional COSTA, Roberta da Silva. Práticas integradoras no ensino de geografia: uma proposta mediada pelo uso de tecnologias no ensino médio integrado

Dissertação

Projeto integrador: uma proposta pedagógica para o ensino médio integrado Produto Educacional

Práticas integradoras: possibilidades para a formação integral no ensino médio integrado Artigo Periódico

Appráticas: aplicativo educacional sobre ações integradoras Produto Educacional

Práticas Pedagógicas no Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: Territorialidades e Resistências

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Doutorado em Educação e Contemporaneidade Universidade do Estado da Bahia

ProduçãocientíficaedoconhecimentosobrePráticasPedagógicasIntegradoras Laiz Mara Meneses Macedo, Ilane Ferreira Cavalcante, Camilla Munay Dantas Frutuoso Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 418-440, maio/ago.
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Em 2020 os estudos (Quadro 8) enfocam em como a Prática Pedagógica Integradora é “orientada pelo conceito de práxis”, e como uma atitude integradora assumiria o conteúdo de uma prática de revolucionamento da realidade dada (ARAÚJO, 2014, p. 17). “O projeto de ensino integrado, na perspectiva aqui assumida, pressupõe uma epistemologia e uma pedagogia coerentes e com força para orientar na definição das finalidades das Práticas Pedagógicas Integradoras” (ARAÚJO, 2014, p. 52). Nesse contexto, as práticas integradoras permitem observar os reflexos da compreensão da integração dos fenômenos físico-sociais na totalidade social, revelando-se nas práticas dos sujeitos visando munir a classe trabalhadora de condições para intervir integralmente na sociedade.

Um outro ponto de conexão é que a base unitária do ensino integrado torna possível a interligação entre os múltiplos aspectos humanos e científico-tecnológicos. As maiores dificuldades encontradas na realização do ensino integrado, estão relacionadas com a formação inicial desses professores, que tiveram conteúdos organizados de forma sequencial e hierárquica, por meio de disciplinas fragmentadas, em que o conhecimento era compreendido em uma lógica cartesiana e transmitido de maneira que o aluno assimilasse e reproduzisse.

Em “uma possível didática da educação profissional, a perspectiva integradora deve pressupor o compromisso com a formação ampla e duradoura dos homens, em suas amplas capacidades” (ARAÚJO, 2014, p. 106). É escassa a formação continuada para que o docente possa adquirir tais saberes ou ter seus saberes (res)significados, bem como a falta de espaço para discussões sobre atividades pedagógicas que favoreçam a integração, espaço e momentos imprescindíveis à práxis docente.

Autores

Práticaspedagógicastecnológicas-integradorasparaformaçãode futuros docentes nos Institutos Federais Artigo Periódico

Título do trabalho Classificação DOS SANTOS, Alecson Milton Almeida; CENTENARO, Graciela Salete; FURLAN, Fernanda Mendes.

GIACOMELI, Maise Rodrigues Sá; CORRÊA, Anderson Martins.

Projeto integrador na EPT uma proposta de formação de docentes para a educação profissional e tecnológica

Produto Educacional PICOLO, Michele Fernanda; MACENA, Sandra Espíndola; TENO, Neide Araújo Castilho.

Práticas Pedagógicas Integradoras e multidimensionais no ensino de língua portuguesa: uma proposta com o gênero anúncio publicitário.

Práticas de aprendizagens integradoras no ensino superior como um direito de todos: análise das experiências de inclusão nos cursos de psicologia na perspectiva da teoria da complexidade e da transdisciplinaridade

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Artigo Periódico

Artigo Periódico SOARES, Idenise Naiara Lima; ALVES, Maria Dolores Fortes.

Nos trabalhos relatados no Quadro 9, os pontos em comum são que as Práticas Pedagógicas Integradoras devem ocorrer nas intervenções cotidianas realizadas pelos docentes, voluntariamente e com liberdade, ultrapassando as barreiras disciplinares e os semestres letivos. Assim, “enquanto um projeto político coletivo, pressupõe o compromisso ético-político de docentes e discentes que deve revelar-se em uma atitude pedagógica própria” (ARAÚJO, 2014, p. 59).

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Quadro 9. 2021: Catalogação da produção científica e do conhecimento sobre Práticas Pedagógicas Integradoras
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Em todos os trabalhos analisados percebeu-se que a prática pedagógica integradora remete à ideia de práxis como referência às ações formativas. Nesse sentido, tais práticas requerem a constituição de um ambiente material que a favoreça e da busca permanente pelo elemento integrador, considerando as realidades específicas, a totalidade social e os sujeitos envolvidos.

No que se refere à Educação Profissional e Tecnológica, as práticas integradoras têm demonstrado importância entre as práticas educativas. Por intermédio dessa perspectiva pode-se “despertar nos sujeitos, curiosidade, criatividade e coparticipação na construção do conhecimento, além do senso crítico que partindo de seus conhecimentos prévios e em contato com o conhecimento científico sistematizado os possibilitam à descoberta do “novo” (SANTOS et al., 2018, p. 190). Quanto ao aspecto conceitual da análise, concorda-se com o estudo de Santos et al. (2018), de que se deve “expandir as práticas integradoras para um âmbito que envolva a gestão e a colaboração entre diversos docentes na prática educativa em busca de uma proposta inovadora” (SANTOS et al. 2018, p. 190).

Como forma de complementar a análise aqui proposta, foi elaborada uma Nuvem de Palavras (Figura 2). A nuvem foi construída com as palavras-chaves e/ou conceitos centrais contidos nos trabalhos problematizados. A relevância da nuvem de palavras consiste em identificar conceitos que se conectam ao tema das práticas pedagógicas integradoras, compreendendo, assim, os demais elementos que compõem e dão significado a esse campo aqui investigado.

Figura 2. Nuvem de palavras

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Algumas das palavras mais significativas que apareceram nos textos problematizados foram: práxis, emancipação, interdisciplinaridade, tecnologias educacionais, institutos federais, sequências didáticas, currículo integrado, metodologias ativas, projetos integradores, ensino e educação. Dentre essas palavras, as mais recorrentes, principalmente nos trabalhos mais recentes foram: metodologias ativas, tecnologias educacionais e interdisciplinaridade. Nos trabalhos que se propuseram a uma epistemologia das práticas pedagógicas integradoras, a palavra práxis foi a que apareceu com mais recorrência.

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No sentido de problematizar a produção científica sobre as práticas pedagógicas integradoras é também é essencial apresentar as áreas de conhecimentos nas quais são dialogadas. Na Figura 3 demonstra-se esse panorama.

Figura 3. Campos de conhecimento que estudam o conceito Práticas Pedagógicas Integradoras

Fonte: Elaborado pelos autores (2022)

Observa-se na Figura 3 que as práticas pedagógicas integradoras têm sido discutidas em campos bem heterogêneos, tais como: Educação, Informática, Educação Física, Ensino Religioso, Geografia, Língua Portuguesa, Ciências Contábeis e Educação Financeira. Essa maior amplitude de espaços de debates também se conecta à pluralidade de possibilidades de publicação sobre a temática.

O conceito analisado já foi trabalhado em “aulas interdisciplinares, projetos interdisciplinares, projeto integrador, projetos de extensão”, produtos educacionais, artigos, livros, “oficinas, aulas de campo, gincanas, feiras interdisciplinares e projetos de integração através do uso das TICS, dentre outros” (SANTOS et al., 2018, p. 189). Esse resultado de Santos et al. (2018) confirma os achados desta pesquisa conforme visto no gráfico da Figura 4.

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Fonte: Elaborado pelos autores

Percebe-se, a partir do exposto na Figura 4, maior incidência de pesquisas publicadas em periódicos. Essa gama de trabalhos tem maior engajamento epistemológico, o que é significativo para que se tenha bases teóricas para pensar as práticas pedagógicas integradoras enquanto um conceito. Em grande medida essas publicações são responsáveis por demonstrar como, por intermédio das práticas pedagógicas integradoras, é possível integrar saberes, pessoas e instituições, tendo como subsídio as concepções de: trabalho como princípio educativo, ciência, cultura, tecnologia, interdisciplinaridade, e a indissociabilidade entre teoria e prática.

As publicações em periódicos também são significativas por dar suporte teórico a demais produções, tais como: trabalhos publicados em eventos, produtos educacionais, dentre outros. Especialmente nos trabalhos que relatam e analisam experiências, o conhecimento sobre práticas pedagógicas integradoras auxilia no conhecimento sobre a realidade e os sujeitos em suas amplas dimensões, assim como reconhecer o trabalho coletivo e cooperativo como um caminho profícuo na perspectiva da formação integral dos sujeitos.

5Consideraçõesfinais

O conceito Prática Pedagógica Integradora é de complexa teorização visto que cada autor, em determinado tempo histórico, constrói uma noção e uma abordagem sobre o conceito. No que se refere especificamente ao campo da educação, o termo remete à aprendizagem a partir da experiência direta, reforçando dois usos do termo prática: como método de aprendizagem e como ocupação ou campo de atividade. Especificamente na EPT, o conceito de prática se conecta à concepção de práxis emancipadora e revolucionária.

Figura 4. Tipos de textos onde residem discussões sobre Práticas Pedagógicas Integradoras
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Nesse sentido, as práticas pedagógicas de docentes podem ser categorizadas a partir do seu princípio integrador. Esse tipo específico de prática, tão conhecida na conjuntura do Ensino Médio Integrado e no campo científico e empírico da Educação Profissional e Tecnológica, apresenta delineamentos epistemológicos alicerçados na concepção de práxis emancipadora. Pensada para favorecer estudantes e professores na compreensão de fenômenos locais e específicos da realidade, as Práticas Pedagógicas Integradoras podem ser significativas para promover a interação de saberes com a universalidade e com a totalidade social; requerem, assim, uma atitude diferenciada dos profissionais da educação.

Ao longo deste trabalho, apresentou-se um conjunto de reflexões teóricas e relatos de experiência, por meio de publicações coletadas no Google Acadêmico e no repositório de teses e dissertações da Capes, que contribuem na construção do campo epistemológico sobre as Práticas Pedagógicas Integradoras na EPT. Os diferentes formatos de publicação (artigos, dissertações, teses, participação em eventos) demonstram o interesse crescente sobre a temática e as formas em que ela vem sendo desenvolvida nas instituições.

Quanto ao estado do conhecimento apresentado, este permitiu a identificação, o registro, a categorização dos trabalhos sobre a temática em questão, bem como levou à reflexão e síntese sobre a produção científica das Práticas Pedagógicas Integradoras, a qual tem se conectado conceitualmente com as ideias de formação humana integrada, baseada em princípios emancipatórios. De mesmo modo, apontou para a necessidade de experiências educativas marcadas pela aprendizagem colaborativa, interdisciplinaridade e abertura para a diversidade no contexto da EPT.

Nesse contexto, para a construção de uma nova cultura pedagógica, são necessárias atitudes para superar a dicotomia entre o pensar e o fazer. É necessário perpassar ideais de uma formação humana omnilateral, politécnica, integral, tanto na maneira de organizar os conteúdos (de forma interdisciplinar), como nos meios de desenvolver as próprias práticas de forma a não omitir a sua complexidade intrínseca Tais premissas permitem que, nos contextos educativos, desenvolvam-se Práticas Pedagógicas Integradoras.

Agradecimentos

Agradecemos ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, especialmente aos professores da Linha de Pesquisa Formação Docente e Práticas Pedagógicas na Educação Profissional, pelo incentivo e orientações tão significativas ao processo de produção desse artigo científico.

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Submetido em: 2 mar. 2022

Aceito em: 26 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p441-469

Valdinei Mendes da Silva http://orcid.org/0000-0003-3020-2247

Doutor em Geologia e Geoquímica pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Saneamento Ambiental (NUPESA-IFPA) e do Grupo de Pesquisa Hidráulica e Saneamento (GPHS-UFPA) – Belém/PA – Brasil. E-mail: valdineiifpa@gmail.com.

Diselma Marinho Brito https://orcid.org/0000-0003-0132-7593

Doutora em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Professora no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) Campus Abaetetuba /PA – Brasil. E-mail: diselma.brito@ifpa.edu.br.

Resumo

O presente artigo traz um relato de experiência aplicado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) Campus Abaetetuba, e tem como objetivo apresentar proposta de instrumentos de gestão com vistas a melhorar os resultados no ensino, pesquisa, extensão e inovação na formação profissional. O estudo possui abordagem qualitativa, no escopo de um estudo de caso e pesquisa-ação, durante o período de 2013 a 2018, e foram utilizadas as pesquisas documental e bibliográfica para a consecução dos resultados. Ao analisar a realidade da educação profissional do IFPA Campus Abaetetuba, foi possível propor quatro instrumentos de gestão, sendo incorporados na estrutura organizacional do Campus, por meio da aprovação da resolução n.º 267/2018, pelo Conselho Superior do IFPA, são eles: I - Fórum Permanente de Integração (Grupos de Trabalhos – GTs, centros, áreas de conhecimento e eixos tecnológicos); II - Ambientes de Práticas Integradas - APIs; III - Escritório de Práticas Comunitárias - EPCs e IV - Núcleo de Inovação e Desenvolvimento Científico Júnior - NIDCJ. Logo, foi possível concluir que os quatros instrumentos de gestão constituíram importantes ações para a construção de uma identidade institucional do âmbito do IFPA Campus Abaetetuba, bem como possuem potencial para (re)aplicação nas demais unidades da rede federal.

Palavras-chave: Proposta. Organizacional. Interdisciplinaridade. Indissociabilidade.

Abstract

This article presents an experience report applied at the Federal Institute of Education, Science and Technology of Pará (IFPA) Campus Abaetetuba, and it aims to present a proposal for management instruments with a view to improving results in teaching, research, extension and innovation in vocational training. The study has a qualitative approach, within the scope of a case study and action research, during the period from 2013 to 2018, and a documentary and bibliographic research were used to achieve the results. By analyzing the reality of professional education at the IFPA Campus Abaetetuba, it was possible to propose four management instruments, which were incorporated into the organizational structure of the Campus through the approval of resolution number 267/2018 by the Superior Council of the IFPA. They are: I - Forum Permanent Integration (Working Groups – GTs, centers, areas of knowledge and technological axes); II - Environments of Integrated Practices - APIs; III - Office of Community Practices – EPCs, and IV - Junior Center for Innovation and Scientific Development - NIDCJ. Therefore, it was possible to conclude that the four management instruments constituted important actions for the construction of an institutional identity within the scope of the IFPA Campus Abaetetuba, as well as having the potential for (re)application in other units of the federal network.

Keywords: Proposal. Organizational. Interdisciplinarity. Inseparability.

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Instrumentosdegestãoaplicadosaosprocessosdeintegraçãoentreoensino, apesquisaeaextensãonaformaçãoprofissional
Management instruments applied to the processes of integration between teaching, research and extension in vocational training

Instrumentos de gestión aplicados a los procesos de integración entre docencia, investigación y extensión en la formación profesional

Resumen

Este artículo presenta un relato de experiencia aplicado en el Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de Pará (IFPA) Campus Abaetetuba, y tiene como objetivo presentar una propuesta de instrumentos de gestión con el objetivo de mejorar los resultados en la enseñanza, la investigación, la extensión y la innovación en la formación profesional. El estudio tiene un enfoque cualitativo, en el marco de un estudio de caso e investigación acción, durante el período de 2013 a 2018, y se utilizó investigación documental y bibliográfica para alcanzar los resultados. Al analizar la realidad de la educación profesional en el IFPA Campus Abaetetuba, fue posible proponer cuatro instrumentos de gestión, siendo incorporados a la estructura organizativa del campus, a través de la aprobación de la resolución nº 267/2018, por el Consejo Superior del IFPA, que son: I - Foro de Integración Permanente (Grupos de Trabajo – GT, centros, áreas de conocimiento y ejes tecnológicos); II - Ambientes de Prácticas Integradas - APIs; III - Oficina de Prácticas Comunitarias - EPCs y IV - Centro Junior de Innovación y Desarrollo Científico - NIDCJ. Por lo tanto, fue posible concluir que los cuatro instrumentos de gestión constituyeron acciones importantes para la construcción de una identidad institucional en el ámbito del IFPA Campus Abaetetuba, además de tener potencial de (re)aplicación en otras unidades de la red federal.

Palabras clave: Propuesta. Organizativo. Interdisciplinariedad. Inseparabilidad.

EstedocumentoéprotegidoporCopyright©2022pelosAutores

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1Introdução

As motivações para o presente estudo estão na necessidade de garantir condições favoráveis à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a partir da integração das diferentes áreas do conhecimento, dos eixos tecnológicos e de ações pedagógicas na realidade do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA)1 Campus Abaetetuba.

Em tempos de curricularização da extensão e da difusão da pesquisa como princípio educativo, há que se discutir quais estratégias podem ser trabalhadas para possibilitar ao aluno, o melhor aprendizado, a partir de uma abordagem que perpasse pela integração entre ensino, pesquisa e extensão de forma efetiva.

A educação profissional, científica e tecnológica carece de estruturação, expansão e consolidação, concomitantemente à busca por sua identidade, em um contexto de grandes mudanças que ocorreram ao longo de mais de um século. Dentre as características das unidades que compõem a rede federal de educação científica e tecnológica, destacam-se: a capilaridade, a localização/distribuição espacial no território brasileiro, o caráter multicampi, a autonomia administrativa, financeira e pedagógica, e, principalmente, a possibilidade de ser um “lugar de encontro”, pois permite a convivência entre profissionais das mais diferentes áreas do conhecimento, em diferentes modalidades e níveis, com vistas à formação integral do educando.

O “lugar de encontro”, ora apresentado, versa sobre a necessidade urgente em se integrar a diversidade, transformando um ambiente que poderia ser propício a “desconstruções”, para um ambiente de permanente construção de novos conhecimentos, dialogando com diferentes eixos tecnológicos 2 , conforme estabelecido na lei de criação dos institutos federais (BRASIL, 2008b), ou seja, que tais partes estejam sempre construindo o todo, dando sentido ao processo ensino-aprendizagem.

Além disso, o “lugar de encontro” deve estimular o educando, a cada novo encontro, associar a teoria e a prática, a dimensão humana e a vertente tecnológica, bem como promover a construção de habilidades contextualizadas com a realidade do educando, cooperar para a transformação do “educando passivo”, simples recebedor de informações, para o “novo educando”, agente de transformação da sua realidade e de sua comunidade, ao mesmo tempo em que aprende.

Se a educação é para as pessoas, se as pessoas vivem nas comunidades, o “fazer educação” inevitavelmente envolve as comunidades, direta ou indiretamente, com maior ou menor intensidade, e, portanto, a realidade local tende a ser alterada, tal qual Freire (1996) afirma:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, contatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 1996, p. 32).

1 O Campus Abaetetuba teve sua implantação iniciada em 09 de junho de 2008, por meio da Portaria nº 698, do Ministério da Educação e o relato da presente experiência ocorreu no período de 2013 a 2019.

2 O Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, elaborado durante o ano de 2007, esteve em consulta pública por seis meses, recebendo críticas e sugestões de toda a sociedade. Em processo de revisão final, entra em vigência ainda no primeiro semestre de 2008, como importante instrumento de divulgação e regulação da oferta de Cursos Técnicos por todo o Brasil.

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Ainda sobre a intrínseca relação entre ensino e pesquisa tem-se na Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) e na Lei de Diretrizes e Bases - LDB (BRASIL, 1996), o seguinte:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 1988)3

VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição (BRASIL, 1996).

Não se pode simplesmente manter metodologias ultrapassadas, sem exercitar a proatividade e a inovação, pois destas decorre a oportunidade de revolucionar a educação brasileira, em que a rede federal possui lugar expressivo no cenário educacional.

Apesar do reconhecido papel da rede federal, cabe aqui apresentar a seguinte questão-problema: Como a alteração da estrutura físico-espacial e de funcionamento das unidades dos Institutos Federais, em particular, do IFPA Campus Abaetetuba pode favorecer a integração entre o ensino, a pesquisa, a inovação e a extensão?

Com vistas a responder a supracitada questão problema é que este estudo teve como objetivo apresentar proposta de instrumentos de gestão que visam atender melhores resultados para a integração do ensino, pesquisa, inovação e extensão no IFPA Campus Abaetetuba, tendo os seguintes objetivos específicos: (i) Caracterizar a estrutura de governança; (ii) Estudar a reorganização da estrutura física; (iii) Propor instrumentos de gestão.

O artigo está estruturado em quatro seções: Estrutura organizacional e governança da rede federal; Proposta de fortalecimento da gestão dos campi na rede federal; Estrutura física e disponibilidade de insumos e Instrumentos de gestão para a integração entre o ensino, pesquisa e a extensão.

2Metodologia

O presente estudo possui abordagem qualitativa que possibilita uma relação de aproximação com a realidade associada à interpretação, a interação, e a perspectiva dialógica com todos os sujeitos envolvidos na construção e análise do objetivo proposto no estudo (BOGDAN; BIRKLEN, 1994).

O referido estudo se enquadra como pesquisa-ação, pois, segundo Thiollent (2005), é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Tem caráter de pesquisa descritiva, pois exige do investigador uma série de informações sobre o que deseja pesquisar. Esse tipo de estudo pretende descrever os fatos e fenômenos de determinada realidade (TRIVINOS, 1987).

3 As prerrogativas do Art. 207. da Constituição Brasileira respaldam não somente as universidades, mas os Institutos Federais os quais também gozam de autonomia didático-científica, administrativa.

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Como método mais apropriado para a pesquisa, optou-se por realizar um estudo de caso, pois permitiu conhecer em profundidade os instrumentos de gestão utilizados no IFPA Campus Abaetetuba para a integração de práticas no ensino, pesquisa e extensão. O estudo aqui apresentado se apropriou da análise dos instrumentos utilizados pela gestão do Campus, não sendo realizada nenhuma abordagem junto aos docentes.

O estudo de caso encaixa-se perfeitamente como método para a referida pesquisa, pois, conforme explica Yin (2001 apud ZANELLA, 2009, p. 86), “o estudo de caso é utilizado quando o pesquisador investiga uma questão do tipo ‘como’ e ‘por que’ sobre um conjunto contemporâneo de acontecimentos”.

Para a realização da referida pesquisa foram utilizados como técnicas de coleta de dados, a pesquisa documental e bibliográfica, tendo sido levantadas informações acerca do histórico de implantação dos instrumentos de gestão que visam atender expectativas de melhores resultados nas ações de gestão de ensino, pesquisa, inovação e extensão na realidade do IFPA Campus Abaetetuba no período de 07 (sete) anos (2013 a 2019), durante dois períodos contínuos de gestão.

3EstruturaOrganizacionaleGovernançadaRedeFederal

As instituições que compõem a rede federal de educação profissional de educação científica e tecnológica possuem natureza jurídica de autarquia, detentoras de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar (BRASIL, 2008b).

A estrutura organizacional definida para tais unidades corresponde a unidade central (Reitoria) e unidades vinculadas (Campi), caracterizando o modelo multicampi e com processo eleitoral, conforme pode ser observado na lei nº 11.892/2008, em seu art. 13:

Art. 13. Os campi serão dirigidos por Diretores-Gerais, nomeados pelo Reitor para mandato de 4 (quatro) anos, permitida uma recondução, após processo de consulta à comunidade do respectivo campus, atribuindo-se o peso de 1/3 (um terço) para a manifestação do corpo docente, de 1/3 (um terço) para a manifestação dos servidores técnico-administrativos e de 1/3 (um terço) para a manifestação do corpo discente (BRASIL, 2008b).

A nomeação dos reitores dos institutos federais é realizada com base nas diretrizes apresentadas no Decreto n.º 6.986/2009: “Art. 1.º Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, criados pela Lei n.º 11.892, de 29 de dezembro de 2008, serão dirigidos por um Reitor, nomeado pelo Presidente da República, a partir da indicação feita pela comunidade escolar, de acordo com o disposto neste Decreto.” (BRASIL, 2009).

No art. 12 § 3º da Lei n.º 11.892/2008, consta que os pró-reitores são nomeados pelo reitor do instituto federal, nos termos da legislação aplicável à nomeação de cargos de direção.

A organização dos reitores de toda a rede se dá na composição do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF), criado em março de 2009, após a publicação da Lei n.º 11.892/2008, o que levou à extinção do Conselho de Dirigentes dos Centros Federais de Educação Tecnológica (Concefet), criado em 1999, em substituição, ao Conselho de Diretores das Escolas Técnicas Federais (Conditec) (CONIF, 2018).

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As reitorias que compõem a rede federal atuam em 9 fóruns institucionais que possuem o objetivo de assessoramento das câmaras temáticas do CONIF (CONIF, 2022). São eles:

• Fórum de Desenvolvimento Institucional – FDI;

• Fórum de Dirigentes de Ensino – FDE;

• Fórum de Educação do Campo – Forcampo;

• Fórum de Gestão de Pessoas – Forgep;

• Fórum dos Assessores de Relações Internacionais – Forinter;

• Fórum de Planejamento – Forplan;

• Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação – Forpog;

• Fórum de Pró-Reitores de Extensão – Forproext;

• Fórum dos Gestores de Tecnologia da Informação – Forti.

A estrutura de governança4 comum nos campi é composta pelas seguintes instâncias colegiadas:

Representação das partes interessadas: Conselho Diretor – CONDIR;

▪ Representação estudantil dos cursos técnicos: Grêmio Estudantil;

▪ Representação estudantil dos cursos de graduação: Centro Acadêmico;

▪ Colegiados dos cursos;

▪ Fóruns de representação.

Em resumo, o CONIF é o espaço destinado aos reitores e as unidades sistêmicas da reitoria, já o CONSUP, CODIR e o CONDIR contemplam as diretorias gerais dos campi. No entanto, até a presente data, de forma oficializada, não há uma instância de representação específica para as diretorias gerais (Figura 1).

4 A governança pública corresponde a mecanismos postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade. (BRASIL, 2018).

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4PropostadeFortalecimentodaRepresentaçãodosCampinaRedeFederal

As mudanças na organização político-administrativa, desde a criação dos institutos federais, vêm garantindo a consolidação da rede federal de educação profissional, científica e técnica, em especial, no âmbito nacional. No entanto, cabe ressaltar que no âmbito da gestão dos institutos, particularmente, sobre as diretorias gerais, observa-se a necessidade de uma instância complementar ao CODIR, para promover a integração entre as diretorias gerais dos campi, o que fortalece ainda mais o caráter de atuação em rede das unidades.

Tal espaço complementar é o Fórum de Diretores Gerais (FORDIR), o qual contempla a participação de todos os diretores-gerais, por unidade dos institutos federais, sendo implementado em alguns institutos pelo Brasil, a exemplo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA).

O FORDIR organizado por regiões do Brasil, vem sendo apoiado pelo CONIF, o que pode ser evidenciado, a partir da realização da Reunião do Fórum de Diretores Gerais, no ano de 2017, que ocorreu durante a Reunião dos Dirigentes das Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica (REDITEC) e, como resultado desse encontro, houve o impulsionamento para a organização dos Fóruns de Diretores Gerais, inclusive no âmbito regional.

Essa visão regionalizada pode ser constatada, por meio da ação dos diretores-gerais dos institutos da Região Norte do Brasil, que se reuniram em junho de 2018, no I Fórum de Diretores Gerais da Amazônia (ForDGAmazônia) (Figura 2) e, segundo Santos Júnior (2018), o ForDGAmazônia tem como principais objetivos: criar canais de comunicação; compartilhar práticas pedagógicas exitosas; discutir matrizes curriculares; criar agenda integrada para maior robustez em decisões conjuntas; realizar préencontros às edições da REDITEC (IFAM, 2018b).

Figura Estrutura representação nos Institutos Federais Fonte:
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1.
de
Autores (2022)

Figura 2. Reunião do I Fórum de Diretores Gerais da Amazônia (ForDGAmazônia)

Fonte: IFAM (2018b)

Uma hipótese a ser levantada para compreender a não previsão de um espaço de discussão específico para abrigar as diretorias gerais dos campi dos institutos, na ocasião, da constituição da rede federal, é que tal espaço poderia concorrer, conflitar e gerar instabilidade em relação a nova figura de representação das reitorias, neste caso, os reitores. Tal hipótese tem sido, ao longo dos anos, refutada, pois a maturidade atual indica a importância da criação do Fórum dos Diretores Gerais sem, no entanto, que ocorra desestabilização da estrutura que está posta (Figura 3).

Figura 3. Proposta de alteração da estrutura de representação nos Institutos Federais

Fonte: Autores (2022)

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O fato é que o Reditec, evento realizado pelo CONIF, e que está em sua 45.ª edição, já reconhece a instância formada pelos diretores-gerais. Tal realidade corrobora a tendência de reconhecimento do Fórum, por sua capacidade de promover a integração em rede, o que poderá fortalecer os processos de gestão a partir do compartilhamento e socialização de seus desafios, avanços e potencialidades.

5Aestruturafísicaeadisponibilidadedeinsumos

A estrutura física, bem como os insumos necessários para a realização das atividades pedagógicas são consideradas como condições mínimas para o processo de ensino e aprendizagem, de acordo com a Lei n.º 9.394/1996. No artigo 4.º da referida lei tem-se que: “padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. (BRASIL, 1996).

As unidades que compõem os institutos federais são conhecidas por apresentarem estrutura diferenciada, em especial, as criadas na expansão da rede, quando entre 1909 e 2002, de acordo com Brasil (2018), foram construídas 140 unidades, e no ano de 2018, a rede federal já contava com 644 unidades distribuídas no território nacional.

No Campus Abaetetuba, o processo de expansão foi iniciado a partir do ano de 2008, e passou por grandes transformações a partir da reestruturação física apresentada no Plano de Desenvolvimento do Campus (PDC), no ano de 2013. Nessa reestruturação foram considerados, além dos projetos de novas unidades, a ampliação e reforma de alguns espaços que ocorreu até o ano de 2018.

Após a superação dos desafios de infraestrutura e organização administrativa, nos anos de 2013 e 2014, foi retomado o processo de crescimento da instituição, com o reinício, em 2015, dos processos seletivos de forma regular para os cursos técnicos de nível médio.

Quanto à distribuição do número de servidores da rede federal, em 2018, o IFPA Campus Abaetetuba estava enquadrado na portaria de n.º 246, de 15 de abril de 2016, como pertencente à Fase II da expansão da rede federal 2003/2010, o que corresponde a 70 docentes e 45 técnicos administrativos da educação. Além dos servidores concursados, a instituição conta com colaboradores terceirizados nas áreas de segurança, motorista, serviços gerais e apoio administrativo.

6Instrumentosdegestãoparaaintegraçãoentreoensino,pesquisaeaextensão

As readequações e reformas dos espaços, organização de procedimentos administrativos permitiram a construção de propostas de integração contidas em 4 instrumentos de gestão: I) Fórum Permanente de Integração (GTs e Centros, Áreas de Conhecimento e Eixos Tecnológicos); II) Ambientes de Práticas Integradas (APIs); III) Escritório de Práticas Comunitárias; IV) Núcleo de Inovação e Desenvolvimento Científico Júnior (NIDCJ). As etapas que seguem contextualizam as referidas ações.

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da
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6.1 O contexto da integração entre o currículo técnico e o currículo comum, a partir da criação de uma instância organizacional para esse fim

A oferta de educação profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio, segundo Brasil (2007b), é a que apresenta os melhores resultados pedagógicos. No entanto, grandes desafios são observados, a exemplo da necessidade de superar a dualidade entre a formação específica e a formação geral, deslocando o foco dos seus objetivos do mercado de trabalho para a pessoa humana, tendo como dimensões indissociáveis o trabalho, a ciência, a cultura e a tecnologia. Nesse sentido, em especial, nas unidades em implantação dos campi dos institutos federais, prevalece a oferta de cursos técnicos com aumento do quantitativo de professores das áreas técnicas (Eixos Tecnológicos). Esse contexto resulta em alguns problemas aqui relacionados:

a) O Núcleo Docente Estruturante (NDE) dos cursos técnicos é composto por professores das áreas técnicas;

b) Os professores da formação geral das disciplinas comuns do currículo não possuem representação e representatividade, exceto, quando estes integram os colegiados dos cursos, porém de forma desarticulada às suas identidades;

c) Grande tendência de criação de uma “Coordenação de Professores do Ensino Médio” que seria responsável por direcionar as ações desses professores “fragmentados”;

d) Grande tendência de sucumbir à vontade dos professores em almejar a criação de “seus próprios cursos”, reproduzindo, se possível, sua trajetória acadêmica vivenciada, quase sempre, nas universidades;

e) Fragilidade em associar o conteúdo técnico e o conteúdo comum, intensa repetição de conteúdos e clara percepção discente acerca da falta de conexão entre os conteúdos.

Em uma primeira instância, com exceção dos professores das áreas técnicas (eixos tecnológicos), todos os demais professores devem realizar ações de análise, planejamento e ações pedagógicas, considerando a realidade, identidades e contextos peculiares as suas áreas de formação e atuação.

Os campi dos institutos federais, com maior quantitativo de professores, poderiam criar instâncias de representação, considerando a estrutura de organização contida na Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (BRASIL, 2017).

Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I - linguagens e suas tecnologias; II - matemática e suas tecnologias; III - ciências da natureza e suas tecnologias; IV - ciências humanas e sociais aplicadas; V - formação técnica e profissional.

§ 1º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências e habilidades será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino. (BRASIL, 2017)

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Neste estudo, traz-se a proposta de estruturação das instâncias de representação do Campus Abaetetuba, que consiste na criação dos Grupos de Trabalhos (GTs) evoluindo, posteriormente, para núcleos ou centros, por exemplo: Centro de Tecnologia em Múltiplas Linguagens; Centro de Tecnologia em Ciências Exatas e Naturais e Centro de Tecnologia em Ciências Humanas e Sociais. Tal proposta, mantém a organização por eixo tecnológico5 (BRASIL, 2008a).

§ 1o Os cursos de educação profissional e tecnológica poderão ser organizados por eixos tecnológicos, possibilitando a construção de diferentes itinerários formativos, observadas as normas do respectivo sistema e nível de ensino.

§ 2o A educação profissional e tecnológica abrangerá os seguintes cursos:

I – de formação inicial e continuada ou qualificação profissional;

II – de educação profissional técnica de nível médio;

III – de educação profissional tecnológica de graduação e pós-graduação (BRASIL, 2008a).

A proposta para o Campus Abaetetuba considera que a integração é resultado de um processo que contempla as 3 (três) etapas: Fragmentação, Compartimentação e Integração.

Fragmentação: Sem diálogo entre as áreas/eixos e disciplinas. Prevalência da formação acadêmica e disciplinar do educador por área de domínio do método de ensino;

▪ Compartimentação: Exercício de fortalecimento da identidade do educador, com maior interação entre seus pares de áreas afins, no intuito de preparar para a busca de novos paradigmas. Diálogos inter-áreas do conhecimento e eixos tecnológicos;

▪ Integração: Aplicação prática no contexto da formação do educando, de acordo com seu itinerário formativo. Exercício para se chegar à interdisciplinaridade.

Como norteador da integração considera-se a matriz curricular que consta nos projetos pedagógicos dos cursos e, para tanto, deve-se partir do pressuposto, que não há hierarquia entre as disciplinas previstas para um determinado período letivo, ou seja, todas devem ter suas identidades reconhecidas e respeitadas, sendo utilizados os Temas Geradores, propostos por Freire (1987, p. 61); Costa e Pinheiro (2013, p. 40) ou a Metodologia de Aprendizagem por Projetos, como proposto por Nogueira (2007).

Tais métodos devem ser apresentados aos educandos para que possam se sentir motivados na busca por respostas e, ao longo desse processo, a aprendizagem passa a ser mais relevante que o próprio certificado, uma vez que, o processo de formação lhe dará condições de transformar a sua realidade, principalmente, se o problema a ser estudado for vivenciado na comunidade em que estão inseridos.

A seguir serão fornecidas informações pormenorizadas sobre a estruturação e funcionamento dos GTs no Campus Abaetetuba.

5 O Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos: Eixo Tecnológico: Apresentado na forma de Catálogo que agrupa os cursos conforme suas características científicas e tecnológicas em 12 eixos tecnológicos que somam ao todo 185 possibilidades de oferta de cursos técnicos.

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6.2 Fórum Permanente de Integração

No ano de 2014, no Campus Abaetetuba, foi criado o Fórum Permanente de Integração (FPI) com o objetivo de fortalecer as identidades por eixos tecnológicos e áreas do conhecimento, além de permitir um ambiente favorável ao exercício da interdisciplinaridade, na dimensão pedagógica e administrativa, necessário ao modelo democrático de gestão e, indispensável, em uma instituição de ensino.

O fórum criado em 2014 passou a atuar de forma efetiva no ano de 2016, sendo inserido no processo decisório do Campus, inclusive influenciando a construção de instrumentos e regulamentos institucionais. Importante destacar que sempre houve grande anseio por parte dos docentes do núcleo comum (docentes das disciplinas comuns a todos os cursos) pela criação de uma instância que os inserisse, de forma mais efetiva, no contexto pedagógico e nas decisões políticas. Nesse sentido, os GTs surgem como uma estratégia para atender as demandas e as relações de identidade entre os docentes, que pertenciam às mesmas áreas/eixos e afins. Logo, tais áreas passaram a ser consideradas, sendo os docentes estimulados a atuarem de forma integrada, contribuindo com a dinâmica de ações da instituição. No campus Abaetetuba foram criados os seguintes GTs, os quais se assemelham à proposta contida em Brasil (2017):

a) GT Exatas (Matemática, Física e Química);

b) GT Humanas e Sociais (História, Geografia, Sociologia, Filosofia e Pedagogia);

c) GT Letras e Artes (Letras, Linguagens, Artes e Educação Física);

d) GTs Eixos Tecnológicos (formados a partir da composição do corpo docente dos cursos ofertados no Campus Abaetetuba).

Após, dois períodos letivos consecutivos, o GT Humanas e Sociais propôs a mudança dos GTs para os Centros de Tecnologia, a saber:

a) Centro de Tecnologia em Múltiplas Linguagens – CETMULs (Letras, Linguagens, Artes e Educação Física);

b) Centro de Tecnologia em Ciências Exatas e da Natureza - CETCEN (Matemática, Física, Química e Biologia6);

c) Centro de Tecnologia em Ciências Humanas e Sociais - CETHECS (História, Geografia, Sociologia, Filosofia e Pedagogia);

d) Eixos Tecnológicos - A formação profissional mantém a organização por eixo tecnológico (formados a partir das composições do corpo docente dos Cursos Ofertados no IFPA Campus Abaetetuba).

Em 2018, do total de 77 (setenta e sete) vagas docentes, 43% compõem os eixos tecnológicos, 25% nas ciências humanas e sociais, 18% nas múltiplas linguagens e 14% integram as ciências exatas e naturais (Figura 4).

6 Ao considerar o Curso de Ciências Biológicas em nível de licenciatura, os docentes de biologia não foram integrados em Centro, o que passará a ocorrer.

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Figura 4. Distribuição de docentes por área/eixo tecnológico no IFPA CampusAbaetetuba

Fonte: Adaptado de IFPA (2018a)

O Campus Abaetetuba realizou ações integradas a partir de programações concebidas pelos centros de tecnologia, a exemplo do CETMULs, que promoveu nos dias 07 e 08 de janeiro de 2022, a IV Mostra Integrada do CETMULs, tendo como tema geral da mostra: “Ciência e (sobre) vivência no mundo contemporâneo” (Figura 5).

Figura 5. Mostra integrada do Centro de Tecnologia em Múltiplas Linguagens CETMULs

Fonte: IFPA (2022)

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6.3 Os Ambientes de Práticas Integradas

Se por um lado, a interdisciplinaridade e a indissociabilidade necessitam de um modelo com instâncias organizacionais que estimulem a interação e o diálogo permanentes entre docentes de diferentes áreas, docentes de áreas afins e docentes de eixos tecnológicos, por outro lado, deve considerar as especificidades e ao mesmo tempo garantir, a partir do contexto norteador, o melhor suporte a compreensão do todo, por parte do educando, por meio de atividades práticas de integração realizadas em ambientes de encontro de diversos saberes de forma integrada.

Não se pode separar a teoria da prática nem a prática da teoria “é uma relação includente e não excludente” (SERAFIM, 2001, p. 2 apud MACEDO; SILVA, 2011).

Assim se pronuncia Torres et al. (2005, p.15) apud Macedo e Silva (2011): ao contrário da visão fragmentadora e reducionista contida nas propostas de reforma, nossa concepção de educação profissional e tecnológica integrada à educação básica se articula à superação de dicotomias antigas do sistema educacional brasileiro. Buscamos, com efeito, a articulação da teoria com a prática, a relação a relação entre saber científico e saber tácito, a articulação entre parte e totalidade e, com isso, superar a dualidade que opõe formação propedêutica e formação profissional e que estabelece a disciplinaridade de saberes gerais e específicos.

É notório que em muitos campi, identifica-se claramente a existência de nichos e/ou espaços particulares, em que, se tem a ideia de propriedade por um determinado curso, como é o caso dos laboratórios.

Daí, há de se buscar a ruptura de um paradigma, ainda muito praticado em algumas instituições de ensino brasileiras, em que, os ambientes/espaços são considerados exclusivos de um curso específico e, por vezes, aderentes à docentes especialistas que, por vezes, são confundidos, equivocadamente, como os “donos dos espaços de ensino-pesquisa”.

No Campus Abaetetuba, tal dinâmica também fora observada, e como estratégia de substituição do rótulo imaginário de “propriedade” para um “território neutro” que permitisse o acesso de docentes das mais diversas áreas do conhecimento é que foram criados os Ambientes de Práticas Integradas (APIs)

Na proposta de integração, os ambientes são dotados de elementos que os caracterizam por certa predominância de área ou eixo específico, na condição de “espaço de encontro” e devem atrair docentes de áreas distintas para interagirem em torno do contexto norteador, enriquecendo não somente os olhares distintos de cada área, mas permitindo a criação de novos saberes, mais robustos e mais palpáveis, tanto para os docentes como para os educandos.

Os APIs são espaços disponibilizados para o uso em atividades de ensino, pesquisa e de extensão e objetivam proporcionar estrutura física e condições de uso integrado, em atividades práticas dos conteúdos curriculares contidos nos projetos pedagógicos dos cursos, projetos de pesquisa e projetos de extensão. O compartilhamento das referidas condições garante a otimização dos recursos e proporciona celeridade aos processos administrativos de aquisições e gerenciamento de bens e insumos.

Nessa proposta, laboratórios, centros e similares devem constituir referências de fomento ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, bem como permitir a prática da interdisciplinaridade, nos diferentes níveis de atuação e modalidades de ensino, não pertencentes a um único curso, mas um lugar de encontro de vários cursos, áreas do conhecimento e eixos tecnológicos.

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Os APIs foram propostos em 2014, e somente institucionalizados, por meio de portarias, em maio de 2017, com impactos positivos nos indicadores dos planos de permanência e êxito.

Foram registradas 17 APIs no Campus Abaetetuba, sendo designados 2 servidores, doravante denominados Gestores de Ambientes de Práticas Integradas – GAPIs, por meio da publicação de portaria emitida pela direção-geral do Campus

A criação dos APIs motivou a criação do Comitê de Ensino, Pesquisa e Extensão (COEPEPI) composto pelas coordenações de ensino, coordenação de pesquisa e coordenação de extensão do Campus Abaetetuba. A COEPEPI, de forma conjunta com os GAPIs e os Coordenadores de Curso, deve acompanhar e garantir o apoio necessário ao desenvolvimento das atividades de sala de aula, projetos de ensino, pesquisa e extensão.

Para dar conta dos serviços de apoio à preparação de aulas práticas e demais atividades de caráter técnico-científico foi criado o Núcleo de Suporte Técnico aos Ambientes de Práticas Integradas (NUSA).

O NUSA foi criado a partir da integração dos Técnicos de Laboratórios (TLs) e com apoio de monitores e estagiários, com a definição de uma sala de projetos para apoio às atividades previstas nos cronogramas dos projetos de ensino, pesquisa e extensão, atividades dos pesquisadores e extensionistas, membros de grupos de pesquisas, coordenadores e orientandos. A gestão da sala de projetos ocorre por meio de revezamento, em escala, dos técnicos de laboratório, o que permite contato permanente com o público vinculado às atividades práticas em ensino, pesquisa e extensão.

A integração pressupõe recolhimento dos diferentes interesses nesse contexto. Embora sendo o mesmo sujeito, ora assume papel de docente, ora de pesquisador, ora de extensionista, e em cada um desses papéis, se exige do aluno um comportamento específico, uma postura compatível com as regras que a dimensão apresenta.

Os APIs, o COEPEPI, na perspectiva da indissociabilidade e da interdisciplinaridade, e o NUSA, na perspectiva da integração e otimização das ações, devem juntos apoiar a “prática para o aprendizado”. Além de que, tais instâncias, podem contribuir para o estabelecimento de um fluxo que garanta a permanente manutenção das condições adequadas, tanto para insumo, mão de obra e equipamento.

6.4 Estratégias para aquisições integradas de bens e serviços nas atuais regras da administração pública

As instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão seguem regras do modelo de gestão baseadas na superação do contexto da administração pública burocrática e na implementação da moderna administração pública gerencial voltada para: a) necessidade de definição prévia dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade; b) que há a garantia de autonomia do amestrador na gestão dos materiais e recursos humanos e financeiros que lhe foram colocados à disposição para que possa atingir os objetivos contratados; e finalmente c) o controle ou cobrança a posteriori dos resultados (CHIAVENATO, 2008, p. 107).

Importante destacar a referência que a Constituição do Brasil, de 1988, apresenta quanto à necessidade de implementar o princípio da eficiência na gestão pública, por meio da Emenda Constitucional n.º 19 de 1998 (BRASIL, 1988).

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Para Chiavenato (1994, p. 70), a eficiência é uma relação entre custos e benefícios. Assim, a eficiência está voltada para a melhor maneira pela qual as coisas devem ser feitas ou executadas (métodos), a fim de que os recursos sejam aplicados da forma mais racional possível (…).

Em uma das orientações mais recentes, foram regulamentadas regras e diretrizes sobre o procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional IN 05 (BRASIL, 2017).

Art. 1º As contratações de serviços para a realização de tarefas executivas sob o regime de execução indireta, por órgãos ou entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, observarão, no que couber:

I - as fases de Planejamento da Contratação, Seleção do Fornecedor e Gestão do Contrato; II - os critérios e práticas de sustentabilidade; e III - o alinhamento com o Planejamento Estratégico do órgão ou entidade, quando houver (BRASIL, 2017).

Ainda quanto à mesma Instrução Normativa n.º 05 (BRASIL, 2017), é reforçada a necessidade de criação de equipes para os estudos de demandas, considerando as seguintes perguntas: Quem demanda? Qual a justificativa da demanda?

Seção II Dos Estudos Preliminares

Art. 24. Com base no documento que formaliza a demanda, a equipe de Planejamento da Contratação deve realizar os Estudos Preliminares, conforme as diretrizes constantes do Anexo III (BRASIL, 2017).

A gestão para resultados, mapas de processos devidamente formalizados, estudos preliminares para a contratação de serviços, estudos de fiscalização dos contratos, criação, produção e acompanhamento de indicadores, são algumas das exigências contidas nas últimas regulamentações das instituições públicas. Tais instrumentos legais remetem para a necessidade de implantação e consolidação de uma cultura de planejamento.

Além do que devem ser criadas estratégias para otimizar a infraestrutura física, o quadro de pessoal e os recursos de gestão, conforme consta na lei de criação dos Institutos Federais (BRASIL, 2008b). Logo, ao se planejar aquisições de materiais e insumos para o fomento à educação, deve-se considerar as atividades de práticas ligadas às atividades de ensino, pesquisa e extensão.

No Campus Abaetetuba, os investimentos são direcionados aos APIs, uma vez que eles sempre receberão demandas de professores, pesquisadores e extensionistas, o que retroalimenta o sistema, tanto para aquisições de novos materiais e insumos, como para a reposição de estoques. O parecer do setor de almoxarifado deve prever a reposição do material liberado para utilização.

O fluxo de processos com a interação entre cada etapa pode ser observado na Figura 6.

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6.5 Estratégia para atuação prática do educando no processo formativo

A indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão se torna necessária por garantir a permanência com sucesso dos educandos no processo ensino-aprendizagem, bem como permitir que o fazer metodológico se aproprie e edifique a interdisciplinaridade e a integração do conhecimento e do saber, tomando como centro do processo a leitura da realidade. Partindo desse pressuposto, considera-se como locus no processo de indissociabilidade, a sala de aula, como lugar do aprendizado mediado pela docência.

A realidade apresentada no arcabouço legal (Quadro 1) indica a necessidade de criação de estratégia para dar conta tanto do papel da instituição de educação no processo de contribuição para melhoria da qualidade de vida das comunidades, bem como, permitir o envolvimento do educando na sua realidade e explorando esta realidade, levando-a para dentro da sala de aula, dando maior sentido e suporte ao processo formativo, o que parece ir ao encontro do que apresenta Paulo Freire (1982): “E existe a ação depois da capacitação? A gente esquece. Inclusive quando recebe o diploma e dizem que a gente está capacitado. A verdadeira capacitação vai começar depois, com a prática que a gente vai ter.” (FREIRE, 1982, p. 93).

Figura 6. Interação entre os componentes que dão suporte ao modelo Fonte: IFPA (2018a)
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Quadro 1. Contexto legal da extensão no Brasil LEGISLAÇÃO DIRETRIZES

Constituição Brasileira de 1988

A LDB (lei 9.394/96)

Plano Nacional de Extensão Universitária – PNEU 2000

Política Nacional de Extensão – 2012

Plano Nacional de Educação - PNE –2014/2024

Princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. artigo 207

Flexibilização dos projetos acadêmicos; Extensão como componente curricular obrigatório; Envolver todos os Estudantes;

Extensão como Indispensável na formação do aluno; Extensão como atividade acadêmica; Qualificação do professor; Intercâmbio com a sociedade.

Interdisciplinaridade e interprofissionalidade.

O impacto na formação do estudante, e o impacto e transformação social.

Aproximar Escola e Sociedade

Garante no mínimo, 10% do total de créditos curriculares - meta 12, Estratégia 7

Fonte: BRASIL (1988), BRASIL (1996), BRASIL (2000), BRASIL (2012), BRASIL (2014)

Para a realidade do Campus Abaetetuba, foi proposto e implementado o Escritório de Práticas Comunitárias (EPC), como o lugar de encontro da comunidade com o Campus e deste, com a comunidade. O lugar extensivo que associa a aula com a pesquisa e a intervenção junto à comunidade, tomando como base a leitura da realidade do educando.

Em sendo atribuição da escola participar do processo formativo do cidadão, aqui tratado como processo de emancipação do cidadão, a partir do despertar da visão crítica de sua própria realidade, do seu lugar e do seu território, é imprescindível que, a escola, o cidadão e o território estejam alinhados e intimamente associados em um processo único de transformação (Figura 7).

Figura 7. A escola, o cidadão e o território

Fonte: Autores (2022)

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Na proposta, o educando, já a partir de seu ingresso na instituição, deve se considerar credenciado a desenvolver, de forma coletiva, com seus pares daquele território, ações ligadas à sua trajetória formativa, ao mesmo tempo que associa sua realidade ao conteúdo de sala de aula, buscando de forma constante e progressiva interagir com os fenômenos intrínsecos ao seu dia a dia.

O novo educando passa a ser denominado de agente de transformação da realidade, e para tanto devem ser seguidas 5 etapas para a integração agente, comunidade e escola, a saber:

1) Da organização dos agentes de transformação.

A organização dos agentes de transformação considera o território (bairro, distrito, comunidade, bacia hidrográfica, ilhas etc.) como elemento de referência para as práticas. Nesse caso, o território permite o encontro entre as turmas, entre os cursos, entre as diferentes idades, portanto um coletivo de grande valor para o fim a que se propõem. A relação de pertencimento com o território é um, se não, o mais importante elemento motivador para as atividades que seguem.

2) Da coleta e processamento de dados

A formação dos agentes de transformação se dá por meio de oficinas para adquirir habilidades para utilização de ferramentas, como é o caso do Mapeamento Social7, e da elaboração de material síntese a serem agrupados e disponibilizados por temas. Esse material passa, então, a fazer parte da base de dados a ser permanentemente atualizada e consultada para a construção de material pedagógico utilizado por docentes em sala de aula.

A partir disso, têm-se duas dimensões, o mapa da realidade dos agentes de transformação (alunos) e a possibilidade de associação/contextualização do conteúdo de sala de aula a vida do educando, visto que não estariam sendo apresentados exemplos hipotéticos, mas a sua própria realidade.

3) Atuação dos agentes de transformação

O movimento pendular desse novo educando, ora como aluno, ora como agente ativo de transformação da realidade, se assemelha à metodologia da pedagogia da alternância8, uma vez que, durante 6 horas, esse educando está no convívio da sala de aula (tempo escola), e em 18 horas, se vive o tempo comunidade, em que na condição de agente de transformação de sua realidade, este passar a vivenciar, de forma crítica e proativa, diversas ações, tanto de forma individual ou coletiva, com ou sem a intervenção direta da escola. O agente conhece não somente o território, mas os problemas, as lideranças, os empresários e demais instâncias parceiras no desenvolvimento de projetos e ações de transformação.

7 Mapeamento Social “Quando as comunidades pensam em fazer sua própria cartografia, elas não estão pretendendo simplesmente retratar o espaço físico, mas afirmar seus modos de vida” (ACSELRAD, 2012, p. 5).

8 “A Pedagogia da Alternância propõe uma formação Integral, que leva em conta todas as dimensões da pessoa. Ela ajuda na formação de cidadãos autônomos, com consciência crítica e solidária. Consequentemente é fator de desenvolvimento pessoal e comunitário” (ROCHA, 2003 p. 24).

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4) A escola na comunidade

Importante e oportuno destacar que são os agentes de transformação que, de forma proativa, tomam iniciativa e apresentam as diversas possibilidades de atuação. A escola por sua vez, pode utilizar os problemas identificados na comunidade como temas geradores para as atividades práticas, ações de orientações, busca de soluções, não em uma concepção assistencialista, criticada por Botomé (1996), mas pautando-se pelo princípio educativo, defendido por Gramsci (1989), associando a teoria e a prática em uma experiência permanente que pode confundir-se com o próprio processo de desenvolvimento histórico da formação do sujeito na sociedade. No caso, não em outros espaços, mas “no seu” espaço, no seu território, para o exercício e fortalecimento da condição de pertencimento.

5) A base para a pesquisa aplicada

A realidade do educando tanto pode ser utilizada como material pedagógico, base para a programação de ações de intervenções e possíveis melhorias, como também o problema que se apresenta, aparentemente, sem solução, passa a servir de base para investigações. Nesse caso, neste trabalho será apresentada a proposta de atuação desse educando que é agente de transformação de sua realidade, mas que também deve atuar não como um bolsista que segue ordens de um orientador, mas como um pesquisador júnior, com autonomia para transitar livremente por todas as áreas do conhecimento, associadas ao problema identificado.

6.6 Estratégia de utilização da Iniciação Científica Júnior na educação profissional

O Programa de Bolsa de Iniciação Científica Júnior (PIBIC Júnior) foi criado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, em 2003, e possui como objetivo:

Despertar vocação científica e incentivar talentos potenciais entre estudantes do ensino fundamental, médio e profissional da Rede Pública, mediante sua participação em atividades de pesquisa científica ou tecnológica, orientadas por pesquisador qualificado, em instituições de ensino superior ou institutos/centros de pesquisas (BRASIL. CNPQ, 2018).

Em 2006, foi criado, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e TecnológicoCNPq, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI): “O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – PIBITI visa estimular estudantes do ensino técnico e superior ao desenvolvimento e transferência de novas tecnologias e inovação.” (BRASIL. CNPQ, 2018).

É possível constatar nesses programas que eles são implementados no formato de seleção contendo as seguintes caraterísticas:

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 Caráter excludente: Na seleção, somente parte dos alunos são credenciados, por atender a critérios estabelecidos em editais de seleção;

 Caráter não autônomo: A pesquisa é condicionada a presença de um orientador;

 Caráter de troca: A pesquisa é desenvolvida em troca de bolsas de incentivo.

O caráter excludente do modelo criado pelo CNPq, não atende a universalização e o acesso à pesquisa, logo deve-se garantir a oportunidade, não para uns poucos privilegiados, mas sim a todos os alunos, compreendendo a pesquisa como um princípio educativo.

O caráter não autônomo limita a atividade à visão do orientador, dificultando inclusive a possibilidade de consulta a outros professores, estes, por não serem orientadores credenciados ou por delimitação de “grupos”, não podem contribuir com as pesquisas.

O caráter de troca tende a direcionar ou a condicionar a pesquisa, a existência de bolsa, quando a motivação deveria ou poderia ser a busca por soluções para problemas de suas próprias realidades, que constitui genuíno incentivo para maior motivação ao aprendizado.

Como estratégia de superação das características supracitadas, em 2013 no Campus Abaetetuba, foram realizadas as primeiras reuniões para a criação do Núcleo de Inovação e Desenvolvimento Científico Júnior (NIDCJ) com o objetivo de garantir a autonomia ao aluno, como pesquisador, uma vez que muitos dos ingressantes no Campus são egressos do “Clube de Ciência” de Abaetetuba e apresentam potencial a ser utilizado, tanto na missão do IFPA em envolver alunos dos cursos técnicos em atividades de pesquisa, como no exercício da pesquisa como princípio pedagógico.

Em 2017, foi iniciado o processo de reestruturação do regimento do NIDCJ que passou a interagir com os GTs, os APIs e o EPC. Tal integração suscita aspectos positivos, partindo da garantia da universalização e acesso a pesquisa, uma vez que todos os alunos estarão cadastrados na base do NIDCJ e desenvolvendo projetos.

O desenvolvimento dos projetos e relatórios utilizando o modelo Canvas9 pode ser utilizado nas disciplinas de português e redação, ou em qualquer outra disciplina, como base para a contextualização de atividades práticas, o que desperta o interesse e criatividade pelo pesquisador júnior, pois este conseguirá apresentar as informações coletadas e tabuladas de forma mais acessível e simples.

O sujeito mais importante desse processo é o aluno, ou seja, a autonomia do pesquisador júnior, deve ser exercitada e ao mesmo tempo deve existir a possibilidade de interagir com alunos mais experientes e outros professores de áreas afins ou não. Logicamente, todas as contribuições recebidas devem estar devidamente registradas no “Diário de Bordo”, contendo a memória das sugestões ao longo do desenvolvimento do projeto.

A motivação básica para a pesquisa, decorre das inquietações do educando, agora como pesquisadores juniores, e deriva do problema a ser resolvido, vinculado à melhoria da qualidade de vida de toda a sua comunidade, logo o projeto passa a ser o elemento principal e a conquista da bolsa deixa de ser sua única meta. Cabe destacar que não se trata de ignorar a necessidade de apoio ao aluno para a

9 Metodologia que propõe uma maneira mais amigável de conceber um plano de projetos, que traz rapidamente à tona o modelo mental que temos dele, permitindo a visualização de suas ligações e dependências em uma única página (FINOCCHIO JÚNIOR, 2013).

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realização da pesquisa, contudo não se deve limitar a participação do aluno a um processo de seleção, em que a bolsa é a única meta a ser atingida. Algumas produções científicas do Campus Abaetetuba indicam o potencial para a construção de um contexto propício à integração entre o ensino, a pesquisa, a extensão e a inovação. Tal realidade pode ser constatada a partir das publicações sobre os instrumentos de gestão aplicados no Campus, por ocasião do IX Seminário de Iniciação Científica, Tecnológica e Inovação do IFPA e do I Integra10. São eles:

• Inclusão e integração: múltiplas linguagens na I mostra multicultural do IFPA Campus Abaetetuba – 2018;

• Desafios da prática pedagógica integrada: a experiência do G. T. de linguagens do Campus Abaetetuba – 2018;

• Identificação técnica dos problemas ambientais do bairro da Francilândia do município de Abaetetuba Pará – 2018;

• O escritório de práticas comunitárias (EPC) e o protagonismo discente experiências exitosas de integração entre ensino, pesquisa e extensão – 2018;

• Núcleo de inovação e desenvolvimento científico júnior-NIDCJ, do IFPA Campus Abaetetuba: contribuições e desafios – 2017.

7Consideraçõesfinais

A inovação deve ser vista como indispensável ao processo de implantação dos institutos federais, devendo, em especial, dialogar permanentemente com o princípio da autonomia e com a responsabilidade de reinventar, a busca do atendimento de sua função social, diante da realidade de cada comunidade localizada no entorno de suas unidades. Nesse sentido, não há e jamais deverá haver uma receita, um modelo único, uma fórmula, que ao ser aplicada, garanta à sociedade a percepção da presença efetiva da educação transformadora.

O arcabouço legal que fundamenta a criação dos institutos federais indica as condições e os princípios que nitidamente servem de inspiração para a proposição de estratégias que proporcionam sua efetiva aplicação de forma prática e adequada a cada realidade. Os teóricos, por sua vez, auxiliam na construção das referidas estratégias, apresentando a base e os princípios fundamentais de cada proposta. Mas se tais propostas fogem do clássico, em especial da visão acadêmica das universidades, geralmente encontram-se grandes resistências em sua implementação no âmbito dos institutos federais, uma vez que muitos dos egressos dessas instituições, ao iniciarem suas carreiras como docentes da Educação Profissional, Básica e Tecnológica, desejam, ainda, dar sequências às suas pesquisas acadêmicas.

Desta feita, esse pode ser um dos primeiros grandes desafios nesse processo de construção das unidades dos institutos federais. É nesse contexto que foram apresentados 4 instrumentos de gestão

10 O Integra IFPA é um evento que apresenta ações do Ensino, Pesquisa e Extensão e reunirá palestras, oficinas, minicursos, mostra cultural, feira vocacional e sessões técnicas com a apresentação de trabalhos nas modalidades de pôster e oral. No evento também ocorrerá o I Seminário de Ensino (SENSI), o I Seminário de Extensão (SEMEX), e o I Encontro dos Comitês de Pesquisa (ECP), que serão apresentados de forma integrada. (IFPA, 2017).

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implementados no IFPA Campus Abaetetuba: I) Fórum Permanente de Integração (GTs e Centros Áreas de Conhecimento e Eixos Tecnológicos); II) Ambientes de Práticas Integradas (APIs); III) Escritório de Práticas Comunitárias; IV) Núcleo de Inovação e Desenvolvimento Científico Júnior (NIDCJ).

O lugar de encontro, a unidade na diversidade, deve ser a percepção dos institutos federais pelo educador, no contexto da educação profissional. As microbarreiras que separam a relação entre as áreas afins, podem e devem ser reduzidas, permitindo o maior fortalecimento destas e possibilitando a abertura de canais de comunicação e as demais áreas do conhecimento e, principalmente, garantir acesso aos “mundos” dos eixos tecnológicos. Lembrando que entre os referidos eixos também devem ser primeiramente estimuladas as rupturas internas, para permitir as interconexões com outros eixos tecnológicos e com as áreas de conhecimento.

A criação do Centro de Ciências Humanas e Sociais (CETHECS) e do Centro de Tecnologia em Múltiplas Linguagens (CETMULs) já seriam por si só a representação do grande potencial dessas estratégias no processo de integração e, até a finalização e publicação desse documento, já deverá estar sendo criado o Centro de Tecnologia em Ciências Exatas (CETCEx), o que permitirá a construção de ações de conexão entre os 3 (três) centros e a base para inserção do eixos tecnológicos na sintonia da integração.

A quebra das microbarreiras pode ser considerada na estratégia de criação dos APIs, uma vez que é possível perceber que, independentemente de ações de ensino, de pesquisa e de extensão, os docentes das áreas do conhecimento e dos eixos tecnológicos necessitam de condições de atuação, se possível com o mínimo de fatores condicionantes ou limitantes para a realização de suas ações práticas. É nesse contexto que o planejamento contextualizado na visão integrada, em que o pesquisador, o extensionista, sendo o mesmo sujeito que ensina, deve antecipar, de forma estratégica, seu ferramental básico que atenda não a cada uma das dimensões, mas sim, desde a sua origem, que a atividade seja embasada no contexto da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão.

“Eu gostaria de trabalhar com aulas práticas com meus alunos ou mesmo fazer pesquisas experimentais no laboratório, mas não há equipamentos e nem reagentes químicos ou o que existe, está fora do prazo de validade”. O trecho descrito, apesar de fictício, é baseado em fatos reais em alguns campi da rede federal e, portanto, requer da gestão, estratégias de planejamento muito bem executadas. A aquisição de equipamentos e insumos, deve estar concatenada com as demandas dos APIs, possibilitando a otimização e uso eficaz dos recursos, pois as atividades de ensino, pesquisa e extensão não devem ser limitadas pela não disponibilidade de um bem ou de um serviço.

O almoxarifado integrado de produtos químicos pode ser um exemplo prático na contextualização da importância dos APIs como estratégia, visto que, ao considerar o funcionamento dos campi dos institutos federais com atuação em rede, cada unidade pode e deve compartilhar a relação de materiais de consumo (reagentes químicos, vidrarias) para uso em atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, o que possibilitaria a “troca” de itens, potencializando e otimizando o processo de reposição em compras compartilhadas, inclusive evitando desperdício com produtos químicos que expiram o prazo de validade.

“Eu, até hoje, não sei a razão do professor ter passado aquele conteúdo”. Essa, que pode ser mais uma frase hipotética, representa a necessidade de contextualização do conteúdo das disciplinas, e que pode ser alcançada a partir da inserção da realidade local do aluno. Nesse contexto, na construção de uma mentalidade proativa e protagonista do aluno, como transformador de sua realidade, é que o EPC, vem se consolidando. A realidade do aluno utilizada como material pedagógico, utilizado pelo professor, pode motivar esse aluno e estimular sua participação no debate de temas de seu cotidiano. Os problemas

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identificados podem motivar ações de engajamento social desse aluno, em ações transformadoras junto ao poder público e fundamentar a proposição de temas para pesquisa aplicada.

O prêmio para um grande cientista pode ser uma grande descoberta, a cura para uma doença, o desenvolvimento de um produto, ou mesmo um currículo denso, repleto de grandes produções, mas para um estudante, em processo de formação, a aprendizagem pode ser a sua maior conquista, o seu prêmio almejado. O resultado de sua pesquisa pode não ter valor, enquanto contribuição científica, mas é de grande valor para o seu processo formativo. Nesse sentido, o NIDCJ deve empoderar a figura do pesquisador júnior. Nesse caso, o clássico, o rigor científico, não é visto como uma barreira, mas uma referência, que em instâncias futuras poderá subsidiar grandes descobertas.

A proposta de se trabalhar o “problema de pesquisa” extraído da realidade do pesquisador júnior, por meio do EPC, e a autonomia do pesquisador júnior de transitar por entre as áreas de conhecimento e eixos tecnológicos, a simplicidade do modelo Canvas de elaboração de projeto, garantem um universo de oportunidades aos educadores, pois esse material pode ser explorado pelos professores como subsídios às atividades de sala de aula.

Os modelos simplificados de apresentação dos projetos como Canvas podem ser vistos como insuficientes no contexto da pesquisa, no formato clássico, no entanto essa “simplificação” representa a oportunidade de desenvolvimento de atividades no contexto das mais diversas disciplinas, já que esse pesquisador júnior terá o objetivo de seguir com o desenvolvimento de seu projeto, ao longo de seu percurso formativo e buscará, nas disciplinas, grande parte dos subsídios necessários.

A autonomia do aluno como pesquisador júnior não o limitará a um único “orientador”, mas poderão ser consultados vários professores, com acesso aos projetos, por ocasião da elaboração de seus planos de aula, pois, é nessa diversidade, que o pesquisador júnior perceberá as grandes contribuições dos conteúdos das disciplinas, passando estes, a aplicação contextualizada, fazendo sentido ao aluno no processo de aprendizagem.

As propostas aqui apresentadas necessitam do envolvimento da comunidade escolar, do professor, pesquisador e extensionista, do aluno, do orientando, do pesquisador júnior, do agente de transformação de sua realidade local e do gestor que deve estar atento ao processo de construção continuada no contexto da realidade das comunidades da área de abrangência das unidades.

O processo de institucionalização de propostas pedagógicas de impacto em instituições que atuam em rede, como é o caso da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, exige a criação de instâncias de gestão que fomentem a troca, o compartilhamento de desafios e ações exitosas, o que fortalece a consolidação de propostas. No Campus Abaetetuba, os instrumentos de gestão foram institucionalizados por meio da aprovação da Resolução n.º 267/2018 CONSUP/IFPA com validade somente para a realidade do Campus, sem efeito paras as demais unidades da rede.

Logo, há de se pontuar a importância da criação do Fórum de Diretores Gerais vinculado diretamente à equipe de gestão das reitorias de cada instituto federal, por meio do Colégio de Dirigentes. Nesse caso, muitos dos desafios da realidade dos campi poderão ser superados, tão somente com o compartilhamento das experiências vivenciadas no âmbito das diretorias-gerais.

Por fim, os instrumentos de gestão aqui apresentados já vêm possibilitando a construção de uma identidade institucional do âmbito do IFPA Campus Abaetetuba, estando contempladas em muitos dos documentos institucionais como: no Organograma do Campus, no Plano Político Pedagógico (PPP) e nos Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs). No entanto, há a necessidade de seguir com o processo de consolidação e ampliação das propostas para as demais unidades da rede, o que permitirá a incorporação de experiências similares nos institutos federais.

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Submetido em: 7 fev. 2022

Aceito em: 15 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p470-480

Currículocontra-hegemôniconaEPTesuasrelaçõescomacentralidadedo trabalho

Leonardo Leônidas de Brito https://orcid.org/0000-0002-4823-0521

Pós Doutor em Educação Profissional pelo IFRN. Doutor em História Social pela Universidade Federal Fluminense. Docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (Mestrado-PROFEPT) e Professor em Regime de Dedicação Exclusiva no Colégio Pedro II Rio de Janeiro/RJ Brasil. E-mail: leonardo.brito.1@cp2.edu.br.

Lais Rodrigues da Silva https://orcid.org/0000-0003-2720-1518

Doutora em Ciência, Tecnologia e Educação pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ). Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro no Departamento de Física Aplicada e Termodinâmica Rio de Janeiro/RJ Brasil. E-mail: lais_rds@hotmail.com.

Rodrigo Trevisano de Barros https://orcid.org/0000-0002-4943-1421

Doutor em Ciência, Tecnologia e Educação pelo Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ). Professor da Educação Básica, Técnica e Tecnológica e no Programa de Pós-Graduação no curso de Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em Rede Nacional (ProfEPT) no Colégio Pedro II Rio de Janeiro/RJ Brasil. E-mail: rodrigotrevisano@gmail.com.

Resumo

O objetivo do trabalho em tela é apresentar tratamento teórico sobre as contribuições de um currículo contra-hegemônico à EPT através da centralidade do trabalho. Os seres humanos através do trabalho agem intencionalmente sobre o mundo natural e alteram de forma consciente os elementos naturais para alcançarem objetivos predeterminados. Desse modo, assume papel central na forma como os seres humanos constroem seus entendimentos e se relacionam em sociedade. Sustentamos que a EPT precisa, através de sua política curricular, possibilitar que o trabalho não seja concebido apenas como mão de obra para incremento do capital, mas sim ferramenta para o pleno desenvolvimento das capacidades humanas. Desta forma, entendemos que esse deslocamento viria atuar como instrumento de ruptura com os discursos hegemônicos instalados da EPT, que tentam construir falsa representatividade da classe trabalhadora. Para tal, conduziremos as discussões ancoradas no pensamento de Ernesto Laclau, que apresenta as dimensões de sustentação do discurso hegemônico, e suas relações com a política curricular.

Palavras-chave: Currículo. Contra-hegemonia. Trabalho. Educação profissional. Politecnia.

Abstract

The aim of the present work is to present a theoretical treatment of the counter-hegemonic curriculum contributions to TVET through the centrality of the work. Human beings through work intentionally act upon the natural world and consciously alter natural elements to achieve predetermined goals. This way, it assumes a central role in the way human beings build their understandings and relate to each other in society. We maintain that the TVET needs, through its curricular policy, to make it possible for the work to be conceived not only as labor to increase capital, but as a tool for the full development of human capabilities. Thus, we understand that this displacement would act as an instrument of rupture with the hegemonic discourses installed by the TVET, and that they try to build false representation of the working class. To this end, we will conduct the discussions anchored in Ernesto Laclau's thought, which presents the dimensions of support of the hegemonic discourse, and its relations with the curricular policy.

Keywords: Curriculum. Counter-hegemony. Work. Vocational education. Polytechnic.

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Counter-hegemonic curriculum at TVET and its relations with the centrality of work

El currículo contrahegemónico de la EPT y sus relaciones con la centralidad del trabajo

Resumen

El objetivo del presente trabajo es presentar un tratamiento teórico de los aportes de un currículo contrahegemónico a la EPT a través de la centralidad del trabajo. Los seres humanos a través del trabajo actúan intencionalmente sobre el mundo natural y alteran conscientemente los elementos naturales para lograr objetivos predeterminados. De esta manera, asume un papel central en la forma en que los seres humanos construyen sus entendimientos y se relacionan entre sí en la sociedad. Sostenemos que la EPT necesita, a través de su política curricular, posibilitar que el trabajo sea concebido no sólo como mano de obra para aumentar el capital, sino como una herramienta para el pleno desarrollo de las capacidades humanas. De esta manera, entendemos que este desplazamiento actuaría como instrumento de ruptura con los discursos hegemónicos instalados por la EPT, que pretenden construir una falsa representación de la clase trabajadora. Para ello, conduciremos las discusiones ancladas en el pensamiento de Ernesto Laclau, que presenta las dimensiones de sustentación del discurso hegemónico, y sus relaciones con la política curricular.

Palabras clave: Currículo. Contrahegemonía. Trabajo. Formación profesional. Politécnico.

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1Introdução

Neste artigo buscaremos construir uma série de reflexões que nos permita pensar sobre as contribuições de um currículo contra-hegemônico na Educação Profissional Tecnológica (EPT), partindo da premissa de que o trabalho ocupa lugar central no devir humano. A apropriação da categoria trabalho para as demandas do mercado, sob o prisma da empregabilidade atua como instrumento de falsa representatividade da classe trabalhadora, principalmente sobre a imensa parte que possui necessidades imediatas de sobrevivência em um cenário econômico de exploração e direcionamento dos quereres dos indivíduos ali inseridos. Para tal, conduziremos as discussões ancoradas no pensamento de Ernesto Laclau, que apresenta as dimensões de sustentação do discurso hegemônico, e com isso, apresentaremos as possíveis contribuições de um discurso contra-hegemônico inserido em um currículo da EPT. Utilizaremos a perspectiva da centralidade do trabalho que permite a crítica às formas sociais determinadas na formação vigente, capazes de reduzir o trabalho humano como mera condição para a (re)produção do metabolismo social do capital (MÉSZÁROS, 2002).

Acompanhamos o entendimento de Gramsci (1980) ao evidenciar que perseguimos uma escola que dê ao estudante a capacidade de se tornar um adulto capaz de construir amplamente sua capacidade crítica, frente às questões que são apresentadas ao longo da vida social em seus diversos aspectos. Que os trabalhadores sejam capazes de assumir o que o intelectual sardo denomina por escola humanista capaz de construir homens do risorgimento1. Não negamos os aspectos tecnicistas da capacidade de fazer, dos olhares treinados e da mão que esteja preparada para fazer firmemente a atividade em que ele está inserido, mas que não se torne limitante do pensar certo (FREIRE, 1996).

Acreditamos no caráter diverso da sociedade, constituída por múltiplos indivíduos e grupos sociais, com características e identidades distintas. Cada indivíduo ao estabelecer relações sociais com outros grupos, sobretudo na escola, começa a construir sua identidade, e é por meio do trabalho que as relações entre os homens se estabelecem. E disso decorre a centralidade do trabalho, que não pode ser desconsiderada enquanto reprodutora da existência humana e pressuposto da identidade de seres humanos. O indivíduo através do trabalho transforma a natureza e a si mesmo, estabelecendo um processo de metamorfose de si, de sua identidade e do que o cerca.

Destacamos a questão da centralidade do trabalho enquanto categoria estruturante para a compreensão da sociedade. E como um currículo contra-hegemônico construído dentro da EPT pode contribuir no entendimento do currículo como uma construção social e como um ato de poder, o poder de significar, de criar sentidos e hegemonizá-los (LOPES; MACEDO, 2011), tornando-se assim um personagem importante na construção da visão de mundo e trabalho. Apresentaremos a seguir as dimensões do discurso hegemônico e a importância de se construir dentro da EPT um currículo que esteja baseado em práticas contra-hegemônicas.

1 Entende-se Risorgimento para A. Gramsci como o “aspecto italiano de um desenvolvimento europeu mais geral, primeiro na época da Reforma, em seguida da Revolução Francesa e, por fim, do liberalismo. Como tal, seu arco cronológico se estende a todo o século XVIII, para captar desde o início ‘o processo de formação das condições e das relações internacionais que permitirão à Itália unir-se em nação e às forças internas nacionais desenvolverem-se e expandirem-se’ com o mesmo fim. Além disso, ele deve ser percebido, no âmbito nacional, por um lado ‘como retomada de vida italiana, como formação de uma nova burguesia, como consciência crescente de problemas não só municipais e regionais mas nacionais, como sensibilidade a certas exigências ideais”; por outro lado, “como transformação da tradição cultural italiana’, seja segundo o movimento da cultura europeia, seja segundo os impulsos para a formação de uma nova consciência histórica e a reconstrução e projeção no presente do passado italiano a partir de Roma”. (GALASSO, [2022]). Desta forma, o novo homem do Risorgimento é o homem da nova Itália, unificada, nacional e sob a égide do liberalismo. Ato contínuo, em contradição à hegemonia liberal da burguesia italiana, o “homem massa” advindo da modernização capitalista seria o germe da transformação social para os de baixo, para a classe que vive do trabalho.

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2AsDimensõesdoDiscursoHegemônico

Defendemos uma Educação Profissional (poli)técnica capaz de respeitar valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, construído de modo a contribuir com a escola na desconstrução da hegemonia social instalada. Freire (1996) destaca que a educação tende a reproduzir a ideologia dominante, contudo, se incutida de criticidade, contribui com sua desmoralização. Estamos ao lado da prática progressista, tentando fugir do ensino profissional/tecnológico conservador, subordinado à lógica da empregabilidade e da exploração do capital, por entender que assim poderemos contribuir com a desconstrução do modelo hegemônico estabelecido, reprodutivo e sem significado para os estudantes, sendo unicamente direcionado para o mercado de trabalho. Sustentamos que um ensino profissional tecnológico contra-hegemônico precisa construir com os alunos indagações sobre a centralidade do trabalho, sobre o conhecimento e sobre o próprio homem, contribuindo com a percepção do indivíduo como ser social e histórico. Santos (2010) sustenta que uma educação eficiente está diretamente associada ao respeito das múltiplas dimensões do sujeito e do conhecimento. Segundo a autora, a racionalidade tecnocientífica precisa ser acompanhada da dimensão poética, ética, utópica, histórica, social, cultural e filosófica. Entendemos que este é o primeiro passo no sentido de uma contra-hegemonia.

Entendemos, assim como Laclau (1998), que o conceito de hegemonia traduz um discurso particular e passa a representar algo maior que ele. A nossa questão é com a aparente extincão dos diferentes objetivos que acompanham a realidade da EPT, o nós substitui rapidamente o eles e principalmente o eu. Acolhemos as palavras de Pereira (2012), entendendo contra-hegemonia como:

… a producão de sentidos e identidades em contraposicão à lógica hegemonica também como uma definicão a priori. Rompendo com esse binarismo, Laclau nos permite pensar em hegemonias sendo permanentemente disputadas no campo da discursividade, sem que possamos prever exatamente quais sentidos e identidades serão produzidos. (PEREIRA, 2012, p. 35).

Laclau (1998) entende que um discurso se transforma em hegemônico quando consegue articular diferentes necessidades, criando a sensação de que elas estão sendo representadas. Em seu trabalho, Laclau (2000) apresenta quatro dimensões da lógica hegemônica. A primeira é a suposição de igualdade de poder, na qual vários discursos distintos estabelecem disputas na tentativa de se tornarem hegemônicos, na utopia de que são capazes de representarem os demais. A segunda dimensão constitui-se como supressão da dicotomia entre particular e universal, uma vez que o discurso hegemônico incorpora diferentes sentidos na tentativa de todos se sentirem representados. Dessa forma, a segunda dimensão completa a primeira, tendo como base as relações desiguais de poder nas quais um eu poderoso declara algo como universal. A produção de significantes vazios constitui a terceira dimensão, entendendo-se esses significantes como sem sentido determinado, podendo ser preenchido com significados diferentes, flutuando entre muitos, conciliando significados que pareciam inconciliáveis. Na última dimensão o autor apresenta a generalização das relações de representação como condição de constituição da ordem social, pois um discurso só será capaz de articular diferentes necessidades se constituindo hegemônico se exercer uma função de representação, dando sentido, por assim dizer, a uma determinada ordem gnosiológica.

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Os entendimentos da realidade são moldados por discursos que conduzem práticas, induzem escolhas, edificam caminhos e constituem sínteses em meio às relações de poder (PEREIRA, 2012). Nesse sentido, Laclau (1998) destaca que o discurso hegemônico constrói interpretações e fixa sentidos na busca por uma universalização de objetivos e práticas, gerando pseudoconsensos sobre os fins da atividade docente. Pode-se inferir, assim, que essas disputas discursivas ditam os rumos do espaço escolar e da atividade docente, além de constituírem seus significantes e instrumentos de reprodução e validação. Assim como Laclau (2000), parte-se do entendimento dos sentidos como fracionados e transitórios, incapazes de representar a totalidade de necessidades presente na EPT, em que a busca por lucidez precisa ser acompanhada de objetivos necessários a processos educativos atentos às questões presentes na contemporaneidade.

O ambiente de formação se constitui como espaço de recontextualizações com muitas relações de poder em graus diferentes com os diferentes atores sociais ali inseridos. Lopes (2008) salienta que o discurso pedagógico reconstrói relações sociais a partir de posições dominantes do campo econômico e de controle simbólico. Defendemos que um ensino profissional tecnológico contra-hegemônico traz uma diretriz a um projeto político-pedagógico libertador, permitindo ao indivíduo construir suas próprias percepções, identificando suas necessidades e coletivamente participar da construção de uma rota para escola na qual estejam inseridos. Sensibiliza-nos a ideia de uma EPT que contribua para tornar uma população capaz de identificar seu papel social, entendendo que a atual conjuntura do mundo não é estática, não precisa necessariamente permanecer dessa forma.

Contestamos o dilema que acompanha a Escola de formação profissional de preparar seus estudantes para o mundo do trabalho ou permitir a continuidade dos estudos (KUENZER, 2007; FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2005), admitimos a dimensão do trabalho como algo inerente a qualquer processo formal de educação.

Essa concepção é correta por tomar o conceito de trabalho como práxis humana, ou seja, como o conjunto de ações, materiais e espirituais, que o homem, enquanto indivíduo e humanidade, desenvolve para transformar a natureza, a sociedade, os outros homens e a si próprio com a finalidade de produzir as condições necessárias à sua existência. (KUENZER, 2007, p. 39).

Ressaltamos que as disciplinas curriculares e as propostas pedagógicas podem auxiliar a escola com a perspectiva trazida por Kuenzer e nesse contexto a EPT possui papel preponderante, contribuindo ativamente em fazer emergir, em todos os alunos, o intelectual trabalhador, expressão de um novo equilíbrio entre o desenvolvimento das capacidades de atuar praticamente e de trabalhar intelectualmente. Acreditamos que um dos pressupostos do currículo contra-hegemônico é nunca desconsiderar as relações entre Ciência, Cultura e Trabalho.

3ODiscursoContra-hegemôniconaEducaçãoProfissionalTecnológica

Gramsci (1980) sustenta que o debate hegemônico não opera somente na estrutura econômica e na disposição de ordem política da sociedade, estende-se também sobre o modo de pensar dos indivíduos, influenciando entendimentos, concepções, construindo novos modos de conhecer. Hegemonia que, nos termos oferecidos pelo intelectual sardo, deve ser compreendida como a construção de uma direção ético moral em prol de uma dada dominação de classe ou fração de classe. Ou seja:

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Quando Gramsci fala da hegemonia como ‘direção intelectual e moral’, afirma que essa direção deve exercer-se no campo das ideias e da cultura, manifestando a capacidade de conquistar o consenso e formar uma base social. Isso porque não há direção política sem consenso. A hegemonia pode criar também a subalternidade de outros grupos sociais que não se refere apenas à submissão à força, mas também às ideias. Não se pode perder de vista que a classe dominante repassa a sua ideologia e a realiza o controle do consenso através de uma rede articulada de instituições culturais, que Gramsci denomina de ‘aparelhos privados de hegemonia’, incluindo a escola, a Igreja, os jornais e os meios de comunicação de maneira geral (SIMIONATTO, 2011, p. 49).

Um discurso que se proponha contra-hegemônico precisa esvaziar velhos consensos e construir tensões capazes de protagonizar novas disputas, ressignificando concepções.

As sociedades se desenvolveram e as relações de trabalho se tornaram mais complexas, foram reestruturadas, ressignificadas, e esse processo sempre foi comandado pelas relações de poder aliadas às concepções do trabalho e a reflexão sobre seus propósitos em determinados momentos sociais.

Por sua vez, os sujeitos imersos nessa realidade social também se tornaram mais complexos, já que suas relações interpessoais e maneira de ver o mundo também se alteram com o tempo. Sua formação deixa de ser unilateral e passa a receber influência das diversas demandas sociais surgidas.

A busca por uma EPT emancipatória perpassa pela construção de um modelo curricular que vise às práticas contra-hegemônicas e se inicia com a identificação dos aspectos de edificação do discurso hegemônico de inserção no mercado de trabalho, permitindo que os atores inseridos no debate da EPT se percebam imersos em um sistema que almeja construir falsa representatividade e supressão do particular, produzindo aparente consenso entre as percepções e entendimentos (LACLAU, 2000). Não negamos a necessidade, muitas vezes imediata, de sobrevivência econômica da classe trabalhadora, contudo esse aspecto é apresentado como o ponto que baliza as decisões e todo o processo formativo dos indivíduos. Entendemos que é através do mundo do trabalho que seremos capazes de pensar de maneira contra-hegemônica a EPT, reiterando a concepção de educação básica, não tomando como foco da EPT apenas a geração de empregos (FRIGOTTO, 2005).

O ambiente da Educação Profissional e Tecnológica, insere-se na perspectiva do trabalho como princípio educativo e da formação do sujeito de forma crítica e reflexiva, construindo ao longo do caminho um discurso democrático e uma atuação de sujeitos que pertencem efetivamente ao seu meio. Acreditamos que o viés mais prejudicial, nesse sentido, está relacionado à perpetuação do trabalho alienado e acrítico. Por outro lado, o desenvolvimento de uma identidade cultural crítica e reflexiva pode ser considerado um ponto positivo na busca por uma educação emancipatória.

O trabalho, em sua dimensão ontológica, é pressuposto fundamental de nossa reflexão. Neste sentido, é relevante reiterar que refutamos a categoria trabalho tal qual compreendida como força de trabalho, mão de obra e/ou mercadoria inerente à reprodução do capital. É historicamente correto afirmar que desde a economia política clássica – A. Smith, J. B. Say – o trabalho é visto como atividade fundante e central na geração de valor. Entretanto, a crítica à economia política, advinda do campo socialista (de Proudhon a Marx), nos permite compreender o trabalho como categoria central na produção de valor, mas alienado se subordinado à propriedade privada. Mais do que produzir valor e corroborar com a incessante acumulação, leitmotiv do modo de produção capitalista, o trabalho deve ser visto como realizador da condição humana, isto é, o produto do trabalho para aquele que o realiza. Qualquer clivagem entre quem produz e quem se apropria privadamente do trabalho do outro produz a heteronomia necessária (e indesejável, a nosso ver) para a alienação do indivíduo. Expropriação esta, fundante de formações sociais estratificadas e notadamente marcadas pela exploração do trabalho humano por outrem.

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“Quem não trabalha, não come!”. A fórmula simples trazida pelos revolucionários russos no governo dos sovietes, e reiterada pelo educador racionalista do início do século XX Adelino de Pinho, transpõe de maneira didática a noção de trabalho como dimensão central e emancipadora da condição humana defendida aqui por nós:

O trabalho é a fonte perene e inexaurível de vida. É pelo trabalho que se arranca da natureza toda uma série de elementos; é pelo trabalho que se extrai a hulha do fundo das minas para nos aquecermos, para cozinharmos os nossos alimentos, para nos transportarmos para todo e qualquer ponto do globo. Ele é a mola propulsora de todo o progresso, de toda a civilização, de toda felicidade. (PINHO, 2015, p. 35)

Analisando os caminhos e as possibilidades para uma ação educativa contra-hegemonica na EPT, centramos nossa atenção, nesse momento, ao aspecto cultural necessário à prática. Lopes e Macedo (2011) trazem reflexões pertinentes sobre esse aspecto, considerando que a cultura se refere à ação direta do homem, por meio de técnicas, na transformação física do ambiente, sendo assim a forma que os indivíduos têm de se identificar uns com os outros. O que precisa ficar claro é que os sentidos que atribuímos a esses aspectos próprios da identidade cultural dos grupos são construídos socialmente, entendendo-se, assim, a ciência em geral e a educação em particular como construções humanas, produtos de uma determinada cultura. Almejamos com isso identificar os elementos do discurso hegemônico vigentes na Educação Profissional e Tecnológica como forma de darmos o primeiro passo na superação desse cenário que compreende a Educação profissional como mera (re)produtora de força para o mercado de trabalho. Invertendo a lógica predominante nos discursos acerca da formação na e para a EPT, o trabalho emerge então a partir de outro prisma: o da criticidade e da formação para uma inserção não subordinada no “mundo do trabalho”, compreendido a partir de suas complexidades e dinâmicas inerentes ao seu funcionamento.

4CurrículoeCentralidadedoTrabalho

O pós-estruturalismo divide com o estruturalismo uma série de pressupostos relevantes. Para a desconstrução dos conceitos de currículo existentes podemos focar o lugar da linguagem na constituição social. Segundo Lopes e Macedo (2011), ambos adotam uma postura antirrealista, advogando que, ao invés de representar o mundo, a linguagem o constrói. “É por isso que dizemos que a realidade é constituída pela linguagem, entendida, em sentido amplo, como um sistema abstrato de relações diferenciais entre as suas várias partes.” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 38).

Para o estruturalismo, a linguagem é um sistema de signos, compostos por significante (som ou palavra) e significado (seu conceito) que guardam, entre si, uma relação arbitrária. O signo é a unidade fundamental de entendimento de um código linguístico e só adquire significados quando inserido em contextos sociais, ele pode ser decomposto em dois níveis de compreensão como mencionamos acima. O significante que podemos entender como o elemento material e perceptível do signo e o significado como elemento abstrato do signo. Na medida em que a linguagem não representa a realidade, qualquer significado pode ser atribuído a um significante e isso é um processo cultural. Com a crítica à estrutura, o pósestruturalismo é obrigado a desconectar a ideia de significado e significante. Não há relações estruturais entre dois significantes e, portanto, não há significados definidos. Cada significante remete a outro significante, indefinidamente, sendo impossível determinar-lhe um significado. Todo significante é, portanto, flutuante, constrói seu significado a partir de um contexto definido, e seu sentido só pode ser definido dentro de uma formação discursiva histórica e socialmente contingente (LOPES; MACEDO, 2011).

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Entendemos o currículo, assim, como uma prática discursiva e como um ato de poder, o poder de significar, de criar sentidos e hegemonizá-los (LOPES; MACEDO, 2011), assim ele fazendo parte de uma luta pela produção de significado, a própria luta pela legitimação. Para entendermos melhor os sentidos atribuídos a esse significante, é conveniente ressaltarmos alguns aspectos da teoria de discurso de Ernesto Laclau (2011) voltada para a construção de significados e para as identidades construídas a partir de uma determinada hegemonização.

Laclau (2011) concebe o discurso como categoria analítica na medida em que possibilita a investigação dos mecanismos pelos quais os sentidos são produzidos e orientam os fenômenos sociais. Nessa perspectiva, a teoria do discurso de Laclau expressa a sua compreensão sobre os processos de construção da hegemonia, idealizada como uma operação discursiva que almeja à universalização de um discurso específico, buscando fixar sentidos, de forma a alcançar a perfeição que falta ao social (COSTA; PEREIRA, 2012).

Para Laclau (2011), a hegemonia ocorre justamente quando um significante passa a representar algo mais amplo, quando o particular assume uma função universal. É no processo de hegemonização que uma demanda passa a se esvaziar de seus sentidos e significados anteriores, como se desprendendo de sua referência anterior, e vai se acomodar num significante vazio (LACLAU, 2006).

Um significante vazio é, no sentido estrito do termo, um significante sem significado. Seria uma mera sequência de sons e, se este é desprovido de qualquer função significativa, o termo “significante” se tornaria, nesse caso, excessivo (LACLAU, 2011). Para Lopes (2011), significantes vazios surgem pela própria impossibilidade da significação no interior de um dado discurso e tem seu esvaziamento produzido pelo excesso, pela proliferação e flutuação de sentidos, gerando a imprecisão de significados. Sendo assim, devido a sua polissemia, tal significante perde qualquer possibilidade de produzir sentidos específicos.

Precisamos olhar para o currículo como um significante flutuante uma vez que suas articulações políticas permitem que esse signo compreenda significados instáveis. Entendemos que o currículo é um espaço de concentração e de desdobramento de algumas lutas em volta dos diferentes significados sobre questões sociais e políticas e é através do currículo como prática discursiva que determinados grupos dominantes expressam sua visão de mundo. Portanto, o currículo é responsável por estabelecer diferenças, construir hierarquias e produzir identidades (CABRAL; FERREIRA; COLOMBI, 2002).

Sustentamos que o trabalho é a primeira forma de ação dos seres humanos sobre o mundo natural, desse modo qualquer possibilidade apresentada à classe trabalhadora precisa partir das relações de trabalho, possibilitando a construção de uma formação crítica e emancipatória. Desta forma, partimos da constatação que, no campo discursivo na EPT, mas também no âmbito da ação prática pedagógica, a categoria trabalho deve ser entendida não como mercadoria em si, mas como ação humana social inerente a sua dimensão ontológica. Assim e necessariamente a formação profissional deve estar integrada à formação mais ampla, tal qual entendida por Ramos (2008):

A integração, no primeiro sentido, possibilita formação omnilateral dos sujeitos, pois implica a integração das dimensões fundamentais da vida que estruturam a prática social. Essas dimensões são o trabalho, a ciência e a cultura. O trabalho compreendido como realização humana inerente ao ser (sentido ontológico) e como prática econômica (sentido histórico associado ao respectivo modo de produção); a ciência compreendida como os conhecimentos produzidos pela humanidade que possibilita o contraditório avanço produtivo; e a cultura, que corresponde aos valores éticos e estéticos que orientam as normas de conduta de uma sociedade. (RAMOS, 2008, p. 4-5)

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A formação plena dos sujeitos e a politecnia da aprendizagem2 são também categorias relevantes para a ideia de centralidade do trabalho que defendemos para a EPT. No campo da pedagogia históricocrítica, dialogamos com o que Frigotto, desde 1989, propõe para se compreender o trabalho fora de sua perspectiva mercadológica e alienante:

(…) implica superar a visão utilitarista, reducionista de trabalho. Implica inverter a relação situando o homem e todos os homens como sujeito do seu devir. Esse é um processo coletivo, organizado, de busca prática de transformação das relações sociais desumanizadoras e, portanto, deseducativas. A consciência crítica é o primeiro elemento deste processo que permite perceber que é dentro destas velhas e adversas relações sociais que podemos construir outras relações, onde o trabalho se torne manifestação de vida e, portanto, educativo (FRIGOTTO, 1989, p. 8 apud RAMOS, 2008, grifo nosso).

Nosso trabalho entende o debate curricular como uma forma de disputar os processos de atribuição de sentidos à realidade através de um processo cultural. Só conseguiremos possibilitar ressignificações quando trouxermos esse olhar contra-hegemônico para as políticas curriculares inseridos na Educação Profissional, percebendo as políticas curriculares como processos de negociação complexos, sendo a produção dos dispositivos legais, a produção dos documentos curriculares e o trabalho dos professores associados à forma como os sujeitos agem sobre o mundo natural (LOPES, 2004).

5Consideraçõesfinais

O recorte teórico que apresentamos evidencia o papel da centralidade do trabalho na construção de uma Educação Profissional e Tecnológica (EPT) emancipatória e crítica. Resgatamos a centralidade do trabalho no cerne das questões que envolvem a atividade humana e dos desdobramentos que se sucedem a partir desse lugar de construção de significados e estabelecimento das disputas discursivas fundamentais para o debate hegemônico. Assim, assumimos o trabalho como ponto de partida da ação dos seres humanos, desse modo é a partir dessas ações que somos capazes de deslocar entendimentos e construir novos entendimentos.

Pensar de modo contra-hegemônico é ter como ponto de partida os sujeitos historicamente silenciados, é assumir a importância dos discursos na disputa pela hegemonia, é construir práticas capazes de deslocarem entendimentos e comportamentos para que possamos assumir o papel emancipatório da educação, evidenciando o papel multiplicador do docente e das práticas pedagógicas. A EPT, ao evidenciar esse debate, coloca no centro das reflexões as contribuições que quer proporcionar à classe trabalhadora e aos sujeitos, produto dos seus espaços formativos.

Trazer a centralidade do trabalho para o foco dos debates curriculares na EPT é resgatar os aspectos históricos e sociais na construção de percepção da realidade, de tomada de consciência, possibilitando aos trabalhadores posicionamento crítico frente aos desafios do dia a dia, integrando a dimensão manual e intelectual das atividades desenvolvidas durante suas interações no mundo natural. Tendo em vista o que discutimos até aqui, currículo contra-hegemônico se constrói a partir do trabalho, assumindo

2 Para uma discussão acerca da politecnia da aprendizagem alinhada com os pressupostos da teoria crítica, ver: BRITO, L. Politecnia da aprendizagem e a centralidade do trabalho em Proudhon: alguns breves apontamentos. Revista Bras0ileira de Educação profissional e Tecnológica, v. 2, n. 19, 2020.

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verdadeiramente sua centralidade na construção dos entendimentos da classe trabalhadora, propiciando uma percepção crítica do mundo, assumindo o papel dos sujeitos e da cultura que constroem na manutenção do processo hegemônico.

Referências

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COMO CITAR (APA): Brito,L.L.,Silva,L.R.,&Barros,R.T.(2022).Currículocontra-hegemôniconaEPT e suas relações com a centralidade do trabalho. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 470-480. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p470-480.

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Submetido em: 13 fev. 2022

Aceito em: 11 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p481-510

Percepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursos técnicosdoInstitutoFederaldaParaíba

Gilcean Silva Alves https://orcid.org/0000-0002-9341-6325

Doutorado em Agronomia (área de Ecologia e Conservação do meio ambiente) pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor credenciado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Mestrado) em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba João Pessoa/PB Brasil. E-mail: gilcean.alves@ifpb.edu.br.

Diógenes Oliveira Pereira https://orcid.org/0000-0001-8101-8242

Mestre em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba João Pessoa/PB Brasil. E-mail: diogenes33oliveira@gmail.com.

Resumo

A partir do potencial do ensino de Filosofia na reflexão sobre Qualidade de Vida, esta pesquisa exploratória, com abordagem qualiquantitativa, investigou a Qualidade de Vida discente e docente em turmas dos cursos técnicos integrados Contabilidade e Informática do Instituto Federal da Paraíba Campus João Pessoa. Foram utilizados dois instrumentos mistos adaptados de um formulário da Organização Mundial de Saúde, nos Domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente, com amostra de 14 discentes e 4 docentes. Os dados quantitativos dos discentes e docentes destacaram níveis maiores no Domínio Relações Sociais e menores no Domínio Físico. A autoavaliação Docente quanto à Qualidade de vida obteve índice médio 4,00; a avaliação Discente nesse item alcançou 3,85. Em cada caso, sugere-se um maior autocuidado, demandando atenção da Instituição e dos aparelhos sociais. Verificaram-se a vulnerabilidade financeira de discentes, demandando apoio financeiro, emocional e psicológico, e a necessidade de maior atenção e apoio à saúde mental docente. Foram analisados os conteúdos das questões abertas, mediante metodologia de Bardin (1977), trazendo relevantes contribuições sobre a percepção do conceito de Qualidade de Vida.

Palavras-chave: Qualidade de vida. Percepção da Qualidade de Vida. Educação Profissional e Tecnológica. Ensino de Filosofia. Formação humana.

Abstract

Based on the potential of teaching Philosophy in the reflection on Quality of Life, with a qualiquantitative approach, this exploratory research investigated the Quality of Life of students and teachers in classes of integrated technical Accounting and Informatics courses at the Federal Institute of Paraíba, at João Pessoa campus. Two mixed instruments were used in the Physical, Psychological, Social Relations and Environment Domains, adapted from a form of the World Health Organization, with a sample of 14 students and 4 professors. Quantitative data from students and professors highlighted higher levels in the Social Relations Domain and lower levels in the Physical Domain. The Teacher's self-assessment regarding Quality of life obtained an average index of 4.00; the Students’ rating for this item reached 3.85. In each case, greater self-care is suggested, demanding attention from the Institution and the social apparatus. The financial vulnerability of students was verified, demanding financial, emotional and psychological support, and the need for greater attention and support to teachers' mental health. The contents of the open questions were analyzed, using the methodology of Bardin (1977), bringing relevant contributions on the perception of the Quality of Life concept.

Keywords: Quality of life. Perception of Quality of life. TVET (Technical and Vocational Education and Training). Teaching of Philosophy. Human formation.

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Perception of quality of life from the teaching of philosophy in technical courses at the Federal Institute of Paraiba

Resumen

Con base en el potencial de la enseñanza de Filosofía en la reflexión sobre la Calidad de Vida, esta investigación exploratoria, con enfoque cualicuantitativo, investigó la Calidad de Vida de estudiantes y profesores en clases de cursos técnicos integrados Contabilidad e Informática en el Instituto Federal da Paraíba, campus João Pessoa. Se utilizaron dos instrumentos mixtos adaptados de un formulario de la Organización Mundial de la Salud, en los Dominios Físico, Psicológico, Relaciones Sociales y Medio Ambiente, con una muestra de 14 estudiantes y 4 profesores. Los datos cuantitativos de estudiantes y profesores destacaron niveles más altos en el Dominio de Relaciones Sociales y niveles más bajos en el Dominio Físico. La Autoevaluación Docente sobre Calidad de vida obtuvo un índice promedio de 4,00; la calificación de los Estudiantes para este ítem alcanzó 3.85. En cada caso, se sugiere un mayor autocuidado, demandando atención de la Institución y del aparato social. Se constató la vulnerabilidad económica de los estudiantes, demandando apoyo económico, emocional y psicológico, y la necesidad de mayor atención y apoyo a la salud mental de los docentes. Los contenidos de las preguntas abiertas fueron analizados, utilizando la metodología de Bardin (1977), trayendo aportes relevantes sobre la percepción del concepto de Calidad de Vida.

Palabras clave: Calidad de vida. Percepción de Calidad de Vida. Educación Profesional y Tecnológica. Enseñanza de Filosofía. Formación humana.

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Percepción de la calidad de vida a partir de la enseñanza de filosofía en los cursos técnicos del Instituto Federal da Paraíba

1Introdução

De acordo com a Resolução nº 1/2021 do Conselho Nacional de Educação (CNE), a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) é uma modalidade educacional que perpassa os diversos níveis da educação brasileira, estando integrada às outras modalidades de educação e às realidades do trabalho, ciência, cultura e tecnologia. A EPT, então, “é organizada por eixos tecnológicos, em consonância com a estrutura sócio-ocupacional do trabalho e as exigências da formação profissional nos diferentes níveis de desenvolvimento, observadas as leis e normas vigentes” (BRASIL, 2021).

A Educação Profissional e Tecnológica, nesse ínterim, projeta-se como formação integral para desenvolver a autonomia dos sujeitos, articulando tecnologia e ciência, cultura e trabalho (PEREIRA, 2021). Tal arquétipo pedagógico visibiliza, assim, “derrubar as barreiras entre o ensino técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e cultura na perspectiva da emancipação humana” (PACHECO, 2010, p. 14).

Uma educação que abarca esse patamar mais amplo deve destacar-se por seu aspecto integrador, multifacetado e multicognitivo, na dinâmica da construção de saberes que perpassam vários componentes curriculares e, quiçá, várias áreas do conhecimento. A esse respeito, Ramos (2005) preconiza uma interrelação entre os saberes e as práticas pedagógicas, concebendo que o currículo integrado se desenvolve mediante a interdisciplinaridade.

A partir desse viés que caracteriza a EPT, denota-se a importância de contemplar uma formação humanística, que seja contínua e permanente, vindo a contribuir de maneira incisiva com novas formas de transformação social diante da responsabilidade cidadã do sujeito e das suas potencialidades de intervenção na realidade. Assim, pressupõe-se o ser humano como ente histórico e social, com potencial para produzir e transformar o mundo mediante o trabalho. Ao mesmo tempo, tal perspectiva concebe a realidade como síntese globalizante, numa rede complexa de relações, demandando para o educando, de acordo com Paula e Henrique(2016), uma sólida formação nos domínios histórico-crítico e político.

No ideal dessa educação enquanto construção integradora, no itinerário formativo da EPT, destaca-se a reflexão filosófica como olhar analítico sobre as diversas realidades que incidem sobre os sujeitos da educação. De forma incisiva, o ensino de Filosofia pode auxiliar na formação de uma perspectiva crítica acerca dos processos que permeiam as dinâmicas sociais, políticas, econômicas, culturais e ambientais, contribuindo com a elaboração dos projetos de vida e de atuação profissional.

Assim, a Filosofia se torna insubstituível enquanto componente curricular, singularizando-se como referência de reflexividade sociotransformadora, levando o indivíduo a uma autonomia no seu pensar. Acerca dessa temática, Amaral Filho e Juk (2018, p. 236) indicam “a Filosofia para repensar essa realidade educacional concreta, em vista da modificação do status quo, que se revela obstáculo para uma formação técnica integral em uma perspectiva de emancipação humana”.

Ao passo que contribui para que o indivíduo amadureça sua consciência crítica sobre as conjecturas que abarcam a existência humana, as práticas do ensino de filosofia podem auxiliar na discussão sobre a qualidade de vida dos grupos e populações. Outrossim, tal estudo pode replicar na análise dos docentes e discentes sobre suas próprias condições de vida, trabalho, saúde e bem-estar, bem como sobre os projetos e ações delineadas pelas instituições pedagógicas que trabalham com EPT.

Destarte, concebe-se que a Qualidade de Vida nos remete a todos os elementos que tocam o bem-estar: “múltiplos fatores interferem na sua obtenção e manutenção e envolvem várias dimensões: a dimensão física, a social, a profissional, a intelectual, a emocional e a espiritual, dentre outras” (PASCOAL, 2004, p. 38). Em vista disso, a Agenda 21 Brasileira se destaca como um instrumental de

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planejamento e ação participativa. Tal documento vem apontar que a Qualidade de Vida urbana, de forma geral, pode ser inferida levando-se em conta o atendimento das necessidades econômicas e sociais, quais sejam: educação, transporte, saúde, segurança, renda e emprego, qualidade ambiental, saneamento básico e infraestrutura (BRASIL, 2004).

Outro instrumento participativo relevante é a Agenda 2030, com vislumbre mais atualizado, direcionado ao desenvolvimento sustentável de todo o planeta. O documento estabelece, então, 17 objetivos para uma mudança da realidade socioglobal, entre os quais destacamos: “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades’’ (TONELLI; WILNER, 2017, p. 3). O referido instrumental estabelece, também, 169 metas para a ação, envolvendo o legado da Agenda 21, indicando os avanços e a necessidade de efetivar as metas ainda não atingidas.

Esse entendimento sobre Qualidade de Vida se articula precisamente com o ideal da sustentabilidade,coadunando-se com parâmetros referenciais para o desenvolvimento global. Nesse aspecto, para Pelicioni (1998), a sustentabilidade está intimamente associada à qualidade de vida, abarcando o necessário equilíbrio da dinâmica ambiental dos ecossistemas, bem como o cuidado com os recursos naturais. Então, percebe-se que a corresponsabilidade e o engajamento social pela emancipação do ambiente, promovendo-lhe condições de salubridade e preservação, poderão trazer consequências reais no melhoramento do bem-estar de toda a população (JANKE; TOZONI-REIS, 2008).

A discussão a respeito da Qualidade de Vida engloba, de fato, a abrangência e as incumbências das políticas públicas. Estas são compreendidas por Buss (2000) como mecanismos operacionais atuantes na gestão da sociedade a partir de iniciativas pontuadas no desenvolvimento local. Esses parâmetros são pautados, de acordo com Minayo, Hartz e Buss (2000), nos conceitos de bem-estar, conforto, e realização pessoal e coletiva interligados com a sustentabilidade.

A esse respeito, de acordo com Castellanos (1997), a concepção de Qualidade de Vida abarca um campo semântico plural, fazendo referência a condições, modos e estilos de vida. Em outro aspecto, tal conceito

inclui as idéias (sic) de desenvolvimento sustentável e ecologia humana. E, por fim, relacionase ao campo da democracia, do desenvolvimento e dos direitos humanos e sociais. No que concerne à saúde,as noções se unem em uma resultante social da construção coletiva dos padrões de conforto e tolerânciaque determinada sociedade estabelece como parâmetros. (MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000, p. 10).

Desta feita, podemos compreender a Qualidade de Vida enquanto “condição humana resultante de um conjunto de parâmetros individuais e socioambientais, modificáveis ou não, que caracterizam as condições em que vive o ser humano” (NAHAS, 2006, p. 5). Essa concepção decorre da possibilidade de elaborarmos uma síntese sociocultural que contemple os elementos mais essenciais que uma sociedade valoriza na busca do bem-estar de seus indivíduos. Assim, o conceito de Qualidade de Vida corresponde à categorização tipológica das condições satisfatórias à existência.

Sobre esse aspecto, salientam-se cada vez mais estudos sobre a percepção da qualidade de vida, em particular no espaço da ação educacional, como o de Monteiro (2011), Giusti (2014), Gordia et al. (2015), Nunes et al. (2019) e Alvarenga et al. (2020). Nesse patamar, torna-se viável e, ademais, necessário, elaborar percepções objetivas da Qualidade de Vida. Outrossim, “essa esfera de percepção (objetiva) lida com uma interpretação da qualidade de vida a partir das condições sociais dos grupos em questão. Tais determinantes são geradas como dados generalizantes, que englobam os diferentes sujeitos numa mesma condição” (ALMEIDA; GUTIERREZ; MARQUES, 2012, p. 27).

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A partir desse viés, vários instrumentos são empregados para vislumbrar e investigar a complexidade das percepções acerca da Qualidade de Vida, que coaduna elementos relativos, referentes às mais diversas culturas e às conjecturas sociais (MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000). Para tais análises, são utilizadas diferentes técnicas e instrumentos de pesquisa, viáveis e válidos na caracterização de grupos sociais e na categorização das realidades socioeconômicas e ambientais (ALMEIDA; GUTIERREZ; MARQUES, 2012). Saliente-se ainda que, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2013), para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Qualidade de Vida é concebida como a percepção do indivíduo acerca de sua inserção na vida, na cultura, dentro dos sistemas de valores que o abarcam, e em relação aos seus próprios objetivos, suas expectativas, preocupações, parâmetros e padrões. Nessa perspectiva, as percepções subjetivas da Qualidade de Vida envolvem “sentimentos e juízos de valor dos indivíduos. Isso é atrelado à carga cultural do sujeito, ao ambiente e local em que ele vive e às condições de desenvolvimento possíveis para sua vida” (ALMEIDA; GUTIERREZ; MARQUES, 2012, p. 28).

Diante da pertinência dessa discussão, nosso estudo objetivou analisar a percepção da qualidade de vida por docentes e discentes do componente curricular Filosofia nos cursos técnicos integrados Contabilidade e Informática do Instituto Federal da Paraíba (IFPB) Campus João Pessoa/PB. Tal reflexão tem a possibilidadede levar à otimização de diversas esferas da vivência dos sujeitos da educação, no enfrentamento dos problemas e desafios, a partir dos elementos e perspectivas individuais e coletivos.

2Metodologia

O Instituto Federal da Paraíba configura-se como autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), estabelecida em 21 unidades esparsas pelo território estadual, com sede em João Pessoa, capital do estado, visando a

ofertar a educação profissional, tecnológica e humanística em todos os seus níveis e modalidades por meio do Ensino, da Pesquisa e da Extensão, na perspectiva de contribuir na formação de cidadãos paraatuarem no mundo do trabalho e na construção de uma sociedade inclusiva, justa, sustentável e democrática. (IFPB, 2016).

A Instituição atende a cerca de 2400 discentes matriculados nos seus cursos técnicos, nas várias modalidades: cursos integrados ao ensino médio ou subsequentes. Além destas, o IFPB oferece Educação de Jovens e Adultos (PROEJA) e cursos de Formação Inicial e Continuada (FIC). Partimos do pressuposto que em média 50% dos discentes estão matriculados nos diversos cursos técnicos integrados ao ensino médio.

Nesse patamar, nossa pesquisa se desenvolveu com turmas do componente curricular filosofia dos Cursos Integrados Contabilidade e Informática do Campus João Pessoa, do turno matutino. A escolha de tais cursos se justifica por fazerem parte de dois eixos tecnológicos diferentes, podendo proporcionar à pesquisa um arcabouço de percepções e dados mais diversificados e enriquecedores. Os Cursos Contabilidade e Informática fazem parte dos seguintes eixos tecnológicos, respectivamente: Gestão e Negócios e Informação e Comunicação.

Nosso universo corresponde aos 40 discentes do primeiro ano – matutino – do Curso Integrado Contabilidade e aos 40 discentes do primeiro ano – matutino – do Curso Integrado Informática do IFPB, no Campus João Pessoa/PB, juntamente com os oito docentes de Filosofia dos vários Cursos Integrados

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do campus. A partir desse universo, angariamos a adesão de participantes para a pesquisa, mirando o maior número possível de investigados docentes e discentes dos cursos integrados, de forma não probabilística.

A amostra da pesquisa, então, englobou 14 discentes de duas turmas dos cursos integrados (correspondendo a 17,5% do total de 80 discentes, cada turma contendo 40 indivíduos). Nesse sentido, 12 discentes estavam matriculados no Curso Contabilidade e dois, no Curso Informática. A amostra abarcou também quatro docentes responsáveis pelo ensino de Filosofia em diversos anos letivos de vários Cursos Integrados do campus (correspondendo a 50% do total de oito docentes de filosofia). A amostra caracterizou-se por um caráter não probabilístico. O convite para a participação na pesquisa foi encaminhado ao universo correspondente aos docentes e discentes. A amostra, então, consistiu nos indivíduos que aceitaram contribuir espontaneamente com o nosso estudo.

O instrumento de coleta de dados utilizado se configurou como questionário misto, utilizando perguntas objetivas e abertas, de modo a reunir o máximo de informações, opiniões e posicionamentos do público-alvo da pesquisa. Sobre essa temática, Watanabe (2011) denota a validade da aplicação de questionários como metodologia importante na análise das percepções individuais e coletivas.

Os instrumentos aplicados basearam-se em indagações que constam no questionário World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-BREF - versão abreviada) da Organização Mundial da Saúde, formulário que se destaca como avaliação da Qualidade de Vida. O instrumento WHOQOL-100 (versão original), segundo Fleck (2000), reconhece a Qualidade de Vida como parâmetro multidimensional. Ademais, o WHOQOL-BREF tem o intuito de investigar as condições manifestadas nos Domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente, cada qual composto por várias facetas (indicadores).

Para organizar os formulários, selecionamos as principais indagações do questionário WHOQOLBREF da OMS de acordo com a nossa abordagem e acrescentamos outras, condizentes com a realidade docente e discente. Nessa linha, sistematizamos um instrumento para os professores e outro para os estudantes, de modo que o questionário dos professores envolvesse as relações com a atividade profissional.

Nossa pesquisa, então, na fase da aplicação dos questionários, procedeu com o envio de um link personalizado aos candidatos a participante pelo e-mail institucional, apresentando informações sobre a pesquisa e com orientações pertinentes ao preenchimento dos formulários, a realizar-se através da plataforma Google forms.

A abertura do link de ingresso à plataforma Google forms contemplava, em ambas as situações, as informações introdutórias ao formulário, explicitando a necessidade de acessar os Termos de anuência à pesquisa, para, logo após, preencher as questões fechadas e abertas.

Subsequentemente à aplicação, realizou-se o tratamento dos dados recolhidos nos formulários, por meio da análise quantitativa dos Escores obtidos nas Facetas e respectivos Domínios dos instrumentos adaptados do WHOQOL-BREF, semelhantemente à pesquisa de Ferentz (2017). Depois, procedemos à análise do conteúdo expresso pelos participantes, baseando-nos na metodologia de Bardin (1977). Realizamos um acurado estudo dos códigos textuais presentes em todas as contribuições dos discentes e docentes, categorizando as unidades lexicais de vocabulário, que são reveladoras de conteúdo. Essa análise abarcou, então, a descoberta dos núcleos de sentido, categorias que perpassam o processo de comunicação.

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do IFPB. As diretrizes éticas norteadoras do trabalho tiveram como referencial a Resolução 510/2016 do Ministério da Saúde, que trata de pesquisas em ciências humanas e sociais. O projeto foi aprovado no dia 19 de junho de 2020, com Parecer Substanciado, mediante Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n.º 30380620.2.0000.5185.

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3Resultadosediscussões

3.1 A pesquisa com os docentes

Foram investigados quatro docentes de Filosofia do Campus João Pessoa, sendo três do sexo feminino e um do sexo masculino. Cada qual é responsável pelo ensino desse componente curricular em vários cursos integrados, nos três anos letivos do ensino. Sistematizamos os dados dos questionários, que dizem respeito à percepção da qualidade de vida, a partir dos vários Domínios que o questionário WHOQOL-BREF da OMS apresenta para a avaliação da Qualidade de Vida (Físico, Psicológico, Relações sociais e Meio ambiente) e as diversas Facetas que compõem os respectivos Domínios. Tais facetas são referentes às perguntas do questionário, sendo elementos indicadores para a avaliação da Qualidade de Vida.

O nosso instrumento para a pesquisa docente foi adaptado do Questionário objetivo WHOQOL-BREF, sendo constituído por 35 perguntas. Entre essas, algumas foram questões subjetivas agregadas para os docentes: sobre segurança, sobre satisfação no lar e sobre o conceito de Qualidade de Vida. Nosso instrumento utilizou 31 facetas a compor os quatro domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente.

Os dados obtidos ilustram a compreensão que os docentes têm sobre a temática abordada. Destarte, ressaltam a percepção desses participantes sobre a sua própria Qualidade de Vida. Nesse patamar, o questionário orientou os participantes a basearem a resposta das questões no último mês (imediatamente anterior ao preenchimento).

As respostas objetivas obedecem a uma escala de Likert, com Escores de 1 a 5, usando três tipos de classificação (Intensidade, Avaliação e Capacidade) para mensurar o nível de Qualidade de Vida. Cada questão abarca cinco opções diferentes de resposta, e cada uma destas corresponde a um valor, para fins de quantificação (1, 2, 3, 4 ou 5).

Quadro 1. Escala Likert e Escores utilizados nas perguntas objetivas

CLASSIFICAÇÕES

ESCORE 1 Valor 1 (0%)

ESCORE 2 Valor 2 (25%)

ESCORE 3 Valor 3 (50%)

ESCORE 4 Valor 4 (75%) ESCORE 5 Valor 5 (100%)

INTENSIDADE Nada Muito pouco Mais ou menos Bastante Extremamente AVALIAÇÃO Muito ruim Ruim Nem ruimnem boa Boa Muito boa

CAPACIDADE Nada Muito pouco Mais ou menos Bastante Extremamente Fonte: Dados da pesquisa

A média dos Escores foi calculada com base na numeração do Quadro 1 em cada questão, multiplicando-se a Quantidade de Respostas por Escore (QR1, QR2, QR3, QR4 e QR5) pelo seu respectivo valor (V1 = 1, V2 = 2, V3 = 3, V4 = 4, V5 = 5) e dividindo-se tal somatório pela Quantidade Total de respostas na questão (QTotal), conforme Equação 1. × (1)

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× × × ×

Então, destacaremos a estrutura do Instrumento de pesquisa, com os Domínios e Facetas, junto com a Média dos Escores obtidos nas respostas dos docentes por questão.

Tabela 1. Estrutura do Instrumento de Pesquisa com os docentes e Média dos Escores (continua)

DOMÍNIOS FACETAS DO INSTRUMENTO APLICADO

DOMÍNIO 1FÍSICO

1. Dor e desconforto

QUESTÕES CORRESPONDENTES RESULTADOS (Média dos Escores - 1 a 5)

2. Você sente com frequência alguma dor ou desconforto físico? 3,5

2. Energia e fadiga 3. Quão facilmente você fica cansado (a)? 2,5

3. Sono e repouso 4. Você tem alguma dificuldade para dormir? 2,5

4. Alimentação 5. O quanto você acha que sua alimentação é suficiente para suprir as suas necessidades? 4,25

6. Ainda sobre a sua alimentação, o quanto você a considera saudável no seu dia a dia? 3,25

5. Disposição cotidiana 27. Você tem disposição suficiente para o seu dia a dia? 3,5

6. Dependência de medicação / tratamentos

16. Em que medida sua qualidade de vida depende do uso de medicamentos/ajuda médica? 1,0

7. Capacidade de ação 15. Em que medida você tem dificuldade para exercer as atividades do dia a dia? 2,5

MÉDIADO DOMÍNIO FÍSICO 2,87

DOMÍNIO 2PSICOLÓGICO

8. Preocupação c/ o bem-estar 1. O quanto você se preocupa com o seu bem-estar? 4,0

9. Otimismo 8. Quão otimista você se sente em relação ao futuro? 3,25

10. Satisfação profissional

9. Quanto você está satisfeito c/ sua profissão? 4,25

11. 10. O quanto você está satisfeito com seu ambiente de trabalho no IFPB? 3,75

11. O quanto você sente estresse no seu ambiente de trabalho no IFPB? 2,25

12. Perspectiva de crescimento profissional

12. O quanto você se sente animado pela perspectiva de crescimento na sua área de trabalho? 3,5

13. Sentimentos positivos 13. O quanto você experimenta sentimentos positivos em sua vida? 3,75

14. Fruição da vida 7. O quanto você aproveita a vida? 3,25

15. Tempo livre 22. O quanto você aproveita o seu tempo livre? 3,00

16. Autoestima 29. O quanto você é capaz de relaxar e curtir você mesmo? 3,75

17. Sentimentos de solidão 17. Quão sozinho você se sente em sua vida? 2,25

18. Imagem corporal/aparência

19. Sentimentos negativos

28. O quanto você está satisfeito com a sua aparência física? 3,00

14. Quanto algum sentimento de tristeza ou depressão interfere no seu dia a dia? 2,00

20. Sentido da vida 34. Em que medida você acha que sua vida tem sentido? 4,00

21. Espiritualidade / crenças pessoais

35. Suas crenças pessoais dão sentido à sua vida? 4,00

22. Motivação espiritual 36. Em que medida as crenças pessoais lhe ajudam a entender/superar as dificuldades? 3,75

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Tabela 1. Estrutura do Instrumento de Pesquisa com os docentes e Média dos Escores (conclusão)

DOMÍNIOS FACETAS DO INSTRUMENTO APLICADO QUESTÕES CORRESPONDENTES RESULTADOS (Média dos Escores - 1 a 5)

DOMÍNIO 3 -

RELAÇÕES

SOCIAIS

MÉDIADO DOMÍNIO PSICOLÓGICO 3,35

23. Relações familiares 29. Você se sente feliz c/ sua relação com as pessoas da família? 4,25

24. Suporte (apoio) aos outros 30. Quão satisfeito você está com suacapacidade de dar apoio aos outros? 3,75

25. Suporte (apoio) dos amigos 31. Em que medida você pode contar com os amigos quando precisa deles? 3,75

DOMÍNIO 426. Segurança física e proteção

MEIO AMBIENTE

MÉDIADOMÍNIO RELAÇÕES SOCIAIS 3,91

18. Você acha que vive num ambiente seguro? 3,25

27. Ambiente no lar 20. O quanto você gosta de onde você mora? 3,50

28. Recursos financeiros 22. Você tem dificuldades financeiras? 2,25

29. Assistência social 26. Como você avalia a qualidade dos serviços de assistência social disponíveis p/ você? 3,25

30. Ambiente físico: poluição/clima etc. 27. Quão saudável é o ambiente físico em que você vive (clima, barulho, poluição etc.)? 3,50

31. Transporte 25. Em que medida você tem problemas de transporte? 2,25

MÉDIADO DOMÍNIO MEIOAMBIENTE 3,00

GERAL 32. Autoavaliação da Qualidade de Vida 33. Como você avaliaria a sua qualidade de vida? 4,00

MÉDIATOTALDOS DOMÍNIOS 3,26

Fonte: Dados da pesquisa

Abordaremos detalhadamente os dados obtidos no instrumento. Sobre o quanto os docentes se preocupam com seu próprio bem-estar, destacamos a Figura 1.

Figura 1. Preocupação dos docentes com o próprio bem-estar

Fonte: Dados da pesquisa

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 489 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

Acerca do Domínio 1 (Físico), tratando do quanto os docentes sentem com frequência dor ou desconforto físico, 50% expressaram bastante; 50%, mais ou menos. Sobre o nível de cansaço, 25% marcaram nada, 25% escolheram muito pouco, 25% assinalaram mais ou menos e 25%, bastante. Sobre dificuldade para dormir, 25% apontaram nada, 25% destacaram muito pouco, 25% mais ou menos e 25%, bastante.

Quando questionamos os participantes se estes consideram sua alimentação suficiente para suprir as próprias necessidades, obtivemos as informações da Figura 2.

Figura 2. O quanto os docentes consideram suficiente a própria alimentação

Fonte: Dados da pesquisa

Acerca das dificuldades para exercer as atividades diárias, 50% destacaram muito pouco, e 50%, mais ou menos. Sobre dependência de medicamentos/ajuda médica, 100% responderam nada. Ao perguntar se tem disposição suficiente para o dia a dia, foi obtido mais ou menos em 50% das respostas, e bastante em 50% dos casos.

No Domínio 2 (Psicológico), quando questionados sobre o quanto aproveitam a vida, os participantes responderam conforme as informações da Figura 3.

Figura 3. O quanto os docentes aproveitam a vida

Fonte: Dados da pesquisa

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 490 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

Sobre quão otimistas se sentem em relação ao futuro, 75% marcaram a opção mais ou menos, e 25% responderam bastante. Acerca do quanto experimentam sentimentos positivos na própria vida, 25% assinalaram mais ou menos, e 75% optaram por bastante. Sobre quanto algum sentimento de tristeza interfere no dia a dia, 25% responderam nada, 50% disseram muito pouco, 25% assinalaram mais ou menos. Referindo-se a quanto se sentem sozinhos em sua vida, 25% assinalaram nada, 25% expressaram muito pouco e 50% dos investigados denotaram mais ou menos. A respeito do quanto aproveitam o próprio tempo livre, destacamos a Figura 4.

Figura 4. Quanto os pesquisados aproveitam o próprio tempo livre

Fonte: Dados da pesquisa

Acerca do grau de satisfação com a aparência física, 25% disseram muito pouco, 50% denotaram mais ou menos e 25% destacaram bastante. Sobre o quanto é possível relaxar e curtir a si mesmo, 25% ressaltaram mais ou menos e 75%, bastante. Questionados se consideram que sua vida tem sentido, 100% apontaram bastante.

Sobre a satisfação com a escolha profissional, 75% responderam bastante e 25%, extremamente (Figura 5). Acerca do quanto se sentem animados pela perspectiva de crescimento na área de trabalho, 50% denotaram mais ou menos e 50%, bastante.

Figura 5. Satisfação com a escolha profissional

Fonte: Dados da pesquisa

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 491 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

Quando questionados em que medida suas crenças pessoais dão sentido à sua vida, 100% responderam bastante. Quanto suas crenças pessoais ajudam a entender e superar as dificuldades da vida: 25% destacaram mais ou menos e 75%, bastante.

No Domínio 3 (Relações Sociais), cuja Média dos Escores foi a maior, ao serem perguntados o quanto se sentem felizes com relação às pessoas da própria família, 25% responderam extremamente, e 75%, bastante. Quando indagados sobre o quão estão satisfeitos com sua capacidade de dar apoio aos outros, 25% denotaram mais ou menos, e 75% elegeram bastante. Sobre o quanto podem contar com os amigos, 25% escolheram muito pouco, 50% marcaram bastante e 25% optaram por extremamente.

No Domínio 4 (Meio Ambiente), no que se refere ao grau de satisfação sobre o ambiente de trabalho, 25% responderam mais ou menos e 75% assinalaram bastante. Sobre em que medida têm problemas de transportes, 50% relataram nada, 25% destacaram mais ou menos e 25%, bastante. Acerca de dificuldades financeiras, descrevemos a Figura 6

Figura 6. Dificuldades financeiras dos docentes

Fonte: Dados da pesquisa

Quanto ao estresse no ambiente de trabalho do IFPB, 75% destacaram muito pouco e 25% marcaram mais ou menos. Indagados se vivem em um ambiente seguro, 75% dos participantes responderam mais ou menos e 25% optaram por bastante. Ao serem indagados sobre a salubridade do ambiente físico onde vivem (clima, barulho, poluição etc.), 50% ressaltaram mais ou menos e 50% denotaram bastante.

Realizando uma Avaliação Geral do nível quantitativo da Qualidade de Vida docente, obtivemos uma maior média por escore nas seguintes facetas:

22. Relações familiares (4,25)

10. Satisfação profissional (4,25)

8. Preocupação c/ o bem-estar (4,00)

19. Sentido da vida (4,00)

20. Espiritualidade / crenças pessoais (4,00)

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 492 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

No que se refere aos Domínios, verificamos a maior média nas Relações Sociais (3,91), oriunda da boa avaliação quanto à relação familiar e à capacidade de dar apoio e receber apoio quando necessário. Verifica-se a importância de relações humanas para a satisfação, realização e bem-estar, e a relevância da presença familiar e dos amigos.

A menor média dos Escores na pesquisa com os docentes foi constatada no Domínio Físico, denotando o menor nível de satisfação nesse âmbito (2,87), relacionado especialmente ao cansaço, à dificuldade para dormir, bem como para exercer atividades cotidianas. Tal resultado sugere a necessidade do autocuidado, priorizando atividades físicas com maior frequência, com acompanhamento e adoção de bons hábitos diários, e atividades que gerem prazer e satisfação. Essas mudanças no estilo de vida poderão proporcionar um sono melhor, auxiliadas por práticas de relaxamento ou espiritualidade de acordo com a realidade subjetiva, inclusive a saúde mental.

Ainda, salientamos que a resposta à questão global “como você avaliaria a sua qualidade de vida?” obteve elevada média geral dos Escores (4,00), considerando-se a escala correspondente (de 1 a 5), apontando um nível global de bem-estar satisfatório. A partir dos Dados Qualitativos, obtivemos categoricamentediversas respostas (Quadro 2) com contribuições dos docentes sobre a Qualidade de Vida.

Quadro 2. Respostas dos docentes às questões subjetivas do Instrumento de Pesquisa PERGUNTAS RESPOSTAS SUBJETIVAS DOS DOCENTES

POSSÍVEIS AMEAÇAS À SEGURANÇA

NÍVEL DE SATISFAÇÃO NO LAR

Docente A O fato de ser mulher.

Docente B Violência urbana (assaltos).

Docente C Violência.

Docente D A violência decorrente de atos machistas, e também por assaltos.

Docente A Bastante. É um lugar bonito e calmo.

Docente B Bastante. Tranquilidade.

Docente C Mais ou menos. Porque estou longe da minha família.

Docente D Mais ou menos. Falta melhorar a segurança.

Docente A Estar com as pessoas que amamos e ter tranquilidade na alma.

CONCEITO DE QUALIDADE DE VIDA

Fonte: dados da pesquisa

Docente B - Viver apaixonado pelo que se é e pelo que faz (em família, na sociedade e no trabalho (sendo bem valorizado social e economicamente pela atividade profissional), morando num ambiente tranquilo, sem qualquer tipo de poluição nas redondezas.

Docente C Viver em lugar com mais igualdade e justiça social.

Docente D - Qualidade de vida é poder se sentir bem no ambiente familiar, no trabalho e com todas as pessoas do nosso convívio. Poder ter momentos de lazer e não se dedicar exclusivamente ao trabalho.

A partir de uma análise desse conteúdo, destacamos elementos importantes presentes nas falas dos docentes. Estes comentam as possíveis ameaças à sua segurança, evidenciando diretamente a problemática da violência. Nesse aspecto, 50% dos pesquisados aludiram à violência contra a mulher. Assim, salienta-se que o medo pela representação do abuso sexual “pode afetar a qualidade de vida da mulher pela insegurança gerada da sua banalização no contexto atual e pelas consequências dele para a saúde física e mental da mulher e familiares” (PALHONI, 2011, p. 48).

Tal receio coletivo devido à violência urbana tem contribuído negativamente para a percepção da Qualidade de Vida (QV), gerando tensão social e agravamento das relações humanas. Para Minayo (2000, p. 161), “a violência se tornou um indicador da qualidade de vida no país […] nas regiões urbanas, afetadas pela exclusão social e moral, paralelamente à formação de grupos organizados, para a delinquência”.

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 493 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

Uma das respostas à segunda pergunta subjetiva (O quanto você gosta de onde você mora? Por quê?) também se refere à violência, ao destacar a necessidade de melhoria na segurança. Neste item, outra resposta fez alusão à estética visual do espaço humano, colocando como fatores de satisfação a tranquilidade, calma e beleza.

Diante da questão sobre o conceito de Qualidade de Vida, 75% ressaltaram a dimensão das relações humanas, em particular as familiares. Nesse campo, Moliterno et al. (2012) destacam: “uma relação direta, estreita e duradoura com a família é ponto primordial que favorece o êxito da participação social, pois a família é considerada como principal fonte de suporte”, associando a qualidade de vida às relações na família.

A resposta de um dos docentes a esse item destaca a QV como “viver apaixonado pelo que se é e pelo que faz (em família, na sociedade e no trabalho (sendo bem valorizado social e economicamente pela atividade profissional), morando num ambiente tranquilo, sem qualquer tipo de poluição nas redondezas.” Aqui, contempla-se a Qualidade de Vida do indivíduo enquanto pessoa (o que se é) e profissional (o que se faz), de forma a abarcar toda a pessoa. Bertuol e Martins (2009, p. 265), sobre o tema, ressaltam: “não existe separação entre pessoa e profissional. Da mesma forma, a qualidade de vida é uma só, mesmo realizando-se em diferentes dimensões.”

Ao denotar “um ambiente tranquilo, sem qualquer tipo de poluição nas redondezas”, evoca-se a importância da Salubridade Ambiental. Giongo (2010, p. 76) enfatiza o direito “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental indissociável à qualidade de vida. Não se pode falar em vida saudável sem (…) um meio ambiente ecologicamente sadio.” Ressaltaremos, então, os núcleos semânticos contidos nas respostas docentes sobre o conceito de QV (Figura 7).

Figura 7. Domínios e Núcleos semânticos presentes nas respostas dos docentes

Fonte: Dados da pesquisa
PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 494 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

Dessa forma, as respostas subjetivas fornecidas pelos docentes manifestam categorias semânticas importantes atribuídas à elaboração da Qualidade de Vida, compreendida em seus diversos Domínios. Os dados abrangem fatores como a tranquilidade, a segurança, a configuração e estética urbanísticas, a salubridade dos espaços coletivos e a convivência nos ambientes familiar e profissional. Em particular, as colocações destacam a relevância de relações interpessoais e afetivas satisfatórias, bem como a importância da realização pessoal ligada à valorização social e econômica.

Embora revelem a responsabilidade do exercício profissional, as colocações destacam que a vida humana não se resume à funcionalidade da docência, mas perpassa também a vivência do lazer na fruição da existência. Salientam-se, também, como elementos necessários ao bem-estar, à igualdade e justiça social, resguardando a dimensão da distribuição da renda e o acesso aos bens e serviços de assistência social disponíveis de acordo com as demandas da população. Tal preocupação mostra a necessidade de um enfoque coletivo, socioeconômico e político da Qualidade de Vida.

3.2 A pesquisa com os discentes

Na aplicação dos questionários virtuais, baseados no formulário WHOQOL-BREF da OMS, obtivemos a anuência de 14 discentes à pesquisa: 12 educandos do Curso Contabilidade e dois do curso Informática, todos do primeiro ano do Ensino Médio.

Nosso instrumento discente foi constituído de 34 perguntas, entre elas algumas adicionadas pelos pesquisadores: uma sobre a Qualidade de Vida geral; uma sobre o curso e uma sobre a perspectiva de trabalho; três subjetivas, sendo uma sobre a segurança, uma sobre a satisfação no lar e uma sobre o conceito de Qualidade de Vida. Este instrumento possui 31 Facetas que compõem 4 Domínios: Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente. As respostas seguem uma escala de Likert, com Escores de 1 a 5, para mensurar o nível de QV. O cálculo da média dos Escores foi feito de maneira similar à do questionário docente.

Tabela 2. Estrutura do Instrumento de Pesquisa dos discentes e Média dos Escores (continua)

DOMÍNIOS FACETAS DO INSTRUMENTO APLICADO

DOMÍNIO 1 FÍSICO

DOMÍNIO 2 PSICOLÓGICO

QUESTÕES CORRESPONDENTES RESULTADOS (Média dos Escores - 1 a 5)

1) Dore desconforto 2. Você sente com frequência alguma dor ou desconforto físico? 2,42

2) Energia e fadiga 3. Quão facilmente você fica cansado (a)? 2,64

3) Sono e repouso 4. Você tem alguma dificuldade p/ dormir? 1,71

4) Alimentação

5) Disposição cotidiana

6) Dependência de medicação /tratamentos

7) Capacidade de ação

8) Preocupação c/ o bem-estar

5. O quanto você acha que sua alimentação é suficiente para suprir suas necessidades? 3,64

24. Você tem disposição suficiente para o seudia a dia? 3,78

13. Em que medida sua qualidade de vidadepende do uso de medicamentos/ajuda médica? 1,35

12. Qual a sua dificuldade para exercer asatividades do dia a dia? 2,14

MÉDIADO DOMÍNIO FÍSICO 2,52

1. O quanto você se preocupa com o seu bem-estar? 3,92

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 495 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

DOMÍNIO 3 RELAÇÕES

SOCIAIS

9) Otimismo

10) Satisfação com o curso

11) Perspectiva de emprego na área

12) Sentimentos positivos

13) Fruição da vida

(Média dos Escores - 1 a 5)

7. Quão otimista você se sente em relação ao futuro? 3,64

8. Quanto você está satisfeito c/ o curso noIFPB? 3,92

9. O quanto você se sente animado pela perspectiva de emprego na área do curso? 3,14

10. O quanto você experimenta sentimentos positivos em sua vida? 3,69

6. O quanto você aproveita a vida? 3,42

14) Tempo livre 20. O quanto você aproveita o seu tempo livre? 3,00

15) Autoestima

16) Sentimentos de solidão

17) Imagem corporal /aparência

18) Sentimentos negativos

26. O quanto você é capaz de relaxar e curtir você mesmo? 3,28

14. Quão sozinho você se sente? 2,14

25. O quanto você está satisfeito com a suaaparência física? 3,21

11. Quanto algum sentimento de tristeza/depressão interfere no seu dia a dia? 2,35

19) Sentido da vida 31. Em que medida você acha que sua vida tem sentido? 3,92

20) Espiritualidade / crenças pessoais

21) Motivação espiritual

22) Relações familiares

32. Suas crenças pessoais dão sentido à sua vida? 4,28

33. Em que medida suas crenças lhe ajudam a entender/superar as dificuldades? 4,35

MÉDIADO DOMÍNIO PSICOLÓGICO 3,37

26. Você se sente feliz c/ sua relação com aspessoas da família? 4,14

DOMÍNIO 4

MEIO AMBIENTE

23) Suporte (apoio) aos outros

28. Em que medida você pode contar com os amigos quando precisa deles? 3,64

27. Quão satisfeito você está com sua capacidade de dar apoio aos outros? 4,00 24) Suporte (apoio) dos amigos

MÉDIADO DOMÍNIO RELAÇÕES SOCIAIS 3,92

25) Segurança física e proteção

15. Você acha que vive num ambiente seguro? 4,00

26) Ambiente no lar 17. Quanto você gosta de onde mora? 3,78 27) Recursos financeiros 19. Você tem dificuldades financeiras? 2,64

28) Cuidados sociais: disponibilidade e qualidade

29) Ambiente físico: poluição /clima

30) Transporte

GERAL 31) Autoavaliação: Qual. de Vida

Fonte: Dados da pesquisa

23. Como você avaliaria a qualidade dos serviços de assistência social disponíveis para você? 3,14

21. Quão saudável é o ambiente físico que você vive (clima, barulho, poluição)? 3,14

22. Em que medida você tem problemas de transporte? 2,42

MÉDIADO DOMÍNIO MEIOAMBIENTE 3,18

30. Como você avaliaria a sua qualidade de vida? 3,85

MÉDIATOTALDOS DOMÍNIOS 3,24

Tabela FACETAS DO QUESTÕES CORRESPONDENTES RESULTADOS
PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 496 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022
2. Estrutura do Instrumento de Pesquisa dos discentes e Média dos Escores (conclusão) DOMÍNIOS
INSTRUMENTOAPLICADO

A partir do nosso patamar, obtivemos, ao todo, 14 questionários respondidos, referentes a 12 discentes do Curso Contabilidade integrado e dois do Curso Informática integrado. Apresentaremos, pois, os resultados e discutiremos os dados sobre as percepções da Qualidade de Vida. Nesse sentido denotaremos os dados da Figura 8, que aborda o quanto os discentes pesquisados se preocupam com o próprio bem-estar.

Figura 8. Preocupação dos discentes com o próprio bem-estar

Fonte: Dados da pesquisa

A partir do Domínio Físico, a Figura 9 destaca o quanto os pesquisados sentem alguma dor ou desconforto físico.

Figura 9. Nível de dor ou desconforto dos discentes

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre o nível de cansaço, 35,7% assinalaram muito pouco e 64,3%, mais ou menos. No tocante à dificuldade para dormir, destacamos a Figura 10.

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 497 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

Figura 10. Nível de Dificuldade para dormir

Fonte: Dados da pesquisa

Quando questionamos os participantes se consideram sua alimentação suficiente para suprir as próprias necessidades, obtivemos as informações da Figura 11.

Figura 11. Alimentação e satisfação das necessidades dos discentes

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre dificuldades para exercer as atividades diárias, 14,3% destacaram nada, 57,1% muito pouco e 28,6%, mais ou menos. Sobre o quanto sua QV depende do uso de medicamentos ou ajuda médica, 64,3% disseram nada e 35,7%, muito pouco. Ao perguntarmos se têm disposição suficiente para o dia a dia, obtivemos mais ou menos em 28,6% das respostas, bastante em 64,3% dos casos e extremamente em 7,1% deles.

No Domínio 2 (Psicológico), no que toca ao otimismo em relação ao futuro, 42,9% escolheram mais ou menos, 50% disseram bastante e 7,1% pontuaram extremamente. Sobre o quanto experimentam sentimentos positivos, temos a Figura 12.

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 498 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

Figura 12. Sentimentos positivos

Fonte: Dados da pesquisa

No que se refere a quanto se sentem sozinhos na vida, 21,4 % afirmaram nada, 42,9% citaram muito pouco e 35,7%, mais ou menos. Quanto ao grau de satisfação com a aparência física, 7,1% disseram nada, 14,3% muito pouco, 28,6% ressaltaram mais ou menos e 50%, bastante. Acerca do quanto é possível relaxar e curtir a si mesmo, 28,6% colocaram muito pouco, 14,3% pontuaram mais ou menos e 57,1% elencaram bastante.

Acerca do grau de satisfação com o curso no IFPB, 21,4% responderam mais ou menos, 64,3%, bastante e 14,3% apontaram extremamente. Acerca do quanto se sentem animados pela perspectiva de emprego na área do curso, destaca-se a Figura 13.

Fonte: Dados da pesquisa

Sobre em que medida as crenças pessoais dão sentido à sua vida, 14,3% revelaram mais ou menos, 42,9% apontaram bastante e o mesmo percentual, extremamente. Sobre quanto suas crenças pessoais lhes ajudam a entender e superar as dificuldades da vida, 14,3% destacaram mais ou menos, 35,7% elencaram bastante e 50%, extremamente.

Figura 13. Perspectiva dos discentes de emprego na área do curso
PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 499 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

Em nosso estudo, tal Domínio pontuou a maior Média dos Escores (3,92). Ao questionar o quanto os docentes se sentem felizes com sua relação com as pessoas da própria família, 21,4% colocaram mais ou menos, 42,9% disseram bastante e 35,7%, extremamente. Acerca da medida em que podem contar com os outros quando precisam deles, salientamos a Figura 14.

Figura 14. O quanto se pode contar com os outros

Fonte: Dados da pesquisa

Em nosso estudo, no Domínio 4 (Meio Ambiente), sobre em que medida têm Problemas de Transportes, 28,6% dos discentes relataram nada; 28,6%, muito pouco; 24,1% mais ou menos; 14,3 % pontuaram bastante e 7,1%, extremamente. Sobre o nível de dificuldades financeiras, destacamos a Figura 15.

Figura 15. Nível de dificuldades financeiras dos discentes

Fonte: Dados da pesquisa

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 500 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

Indagados se vivem em um ambiente seguro, 7,1% responderam muito pouco, 24,1% elegeram mais ou menos, 35,7% bastante e 35,7%, extremamente. Na faceta sobre a disponibilidade e qualidade dos serviços de assistência social, 35,7% citaram ruim, 28,6% ressaltaram nem ruim nem boa, 21,4% disseram boa e 14,3%, muito boa. Acerca do quanto gostam de onde moram, ressaltamos a Figura 16.

Figura 16. O quanto os discentes gostam de onde moram

Fonte: Dados da pesquisa

Acerca do item Salubridade do Ambiente Físico onde os discentes vivem, destaca-se a Figura 17.

Figura 17. Salubridade do ambiente físico

Fonte: Dados da pesquisa

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira Campos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago.

501 | VÉRTICES,
dos
2022

Realizando um panorama da Qualidade de vida dos discentes dos Cursos Contabilidade e Informática do IFPB a partir dos dados quantitativos coletados, foram obtidas as maiores médias por escore nas seguintes facetas:

19. Motivação espiritual (4,35)

20. Espiritualidade / crenças pessoais (4,28)

22. Relações familiares (4,14)

25. Segurança física e proteção (4,00)

8. Preocupação c/ o bem-estar (3,92)

19. Sentido da vida (3,92)

Quanto aos Domínios, a maior média dos Escores foi atingida nas Relações Sociais (3,92), permitindo-nos entrever a importância das relações familiares, cuja faceta recebeu uma média de 4,14, além do suporte dos amigos e da capacidade de dar apoio na construção de relações humanas satisfatórias. Nessa fase, faz-se necessário o apoio e o suporte da família e dos colegas no contexto das mudanças físicas e psíquicas e das exigências sociais que suscitam decisões e amadurecimento rumo à vida adulta. Destaca-se com a menor média dos Escores o Domínio Físico (2,52). Sugere-se, a partir dos resultados,a necessidade de um incremento na alimentação para suprir as necessidades diárias dos adolescentes. Tal carência também se relaciona à condição financeira ou aos hábitos alimentares. A média alcançada neste Domínio e o nível de cansaço físico sugerem a necessidade de atividades físicas, cuja carência pode decorrer do ensino remoto, com a ausência das aulas de educação física e sedentarismo.

Por sua vez, a resposta à Questão Global “como você avaliaria a sua qualidade de vida?” obteve uma média dos escores de 3,85 (numa escala de 1 a 5). Tal nível possibilita-nos admitir um nível razoavelmente satisfatório na Qualidade de Vida, ressaltando-se a necessidade de um melhor acompanhamento institucional e social para o incremento em fatores que possam colaborar com o bem-estar dos discentes, tendo em vista sua realidade.

Abordando, por sua vez, os dados subjetivos fornecidos pelos discentes do Campus João Pessoa, apresentados no Quadro 3, denotamos diversos núcleos semânticos importantes para a construção da percepção da Qualidade de Vida por eles:

PercepçãodaqualidadedevidaapartirdoensinodefilosofiaemcursostécnicosdoInstitutoFederaldaParaíba Gilcean Silva Alves, Diógenes Oliveira Pereira 502 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 481-510, maio/ago. 2022

MOTIVOS DA SATISFAÇÃO

COM O LAR

Discente A Vivo em um ambiente consideravelmente seguro, entretanto possíveis ameaças são assaltos e furtos durante a noite ou quando o dia não é movimentado.

Discente B O cenário que nós vivemos em nosso país em si não nos traz uma segurança, em vários aspectos

Discente C Creio que pelo fato da segurança do meu bairro não se mostrar muito efetiva, estamos mais sujeitos a pessoas de má índole que venham a fazer algum mal na minha residência ou próximo a ela.

Discente D Principalmente assaltos.

Discente E Ameaças externas, como assaltos, acidentes etc.

Discente F Assaltos, no geral.

Discente A É um ambiente no qual eu conheço a todo, e tenho um bom relacionamento com a vizinhança.

Discente B Porque tenho vizinhos agradáveis, vizinhos que são meus amigos e que se respeitam.

Discente C Sempre gostei muito da minha casa em si, independente de onde ela seja ou como seja, mas a casa em que vivo hoje é um ambiente onde gosto de estar e viver, me sinto bem nela.

Discente D Porque apesar da estrutura do local não ser das melhores eu moro aqui desde que nasci e já me habituei com a comunidade (pessoas que moram na mesma localidade que eu ).

Discente E Porque tenho amigos ótimos aqui!

Discente F Eu moro em um sítio, aqui é muito longe de tudo, as vezes dá tédio.

Discente G Porque fico perto da minha família e amigos.

Discente H Não costumo sair muito.

Discente I Pois é bem seguro e bom.

Discente J Porque eu nasci e cresci aqui, conheço a todos, e tenho uma convivência muito saudável.

Discente L Bastante calmo.

Discente M É um ótimo local, calmo, fica no litoral sul, então aqui tem várias praias. Tenho amigos e amigas aqui também, moro aqui desde que nasci.

Discente N É um local um tanto perigoso.

Discente A Uma boa saúde mental, e física.

Discente B - Qualidade de vida é o nível do bem-estar, da saúde, física e psicológica, da segurança, do ambiente, da educação, da situação financeira de um indivíduo ou um grupo.

Ter qualidade de vida é quando os fatores externos e internos trabalham juntos em harmonia, fazendo de um indivíduo e/ou uma sociedade se encontre estável, feliz, tranquilo, saudável.

Discente C Estar bem com si mesmo, com as pessoas ao seu redor, com o que está acontecendo com você e ao seu redor e também financeiramente.

CONCEITO DE QUALIDADE DE VIDA

Discente D - Na minha concepção, qualidade de vida é a classificação na qual a vida de um indivíduo pode ser avaliada, sendo assim ela define se uma pessoa possui uma vida boa ou ruim.

Discente E Bem estar em geral, como saúde e segurança.

Discente F Aspectos que determinam se o nosso modo de viver é saudável/ bom ou não.

Discente G Saúde mental e física.

Discente H Está bem psicologicamente e socialmente.

Discente I Dormir bem, se alimentar bem, uma vida financeira…

Discente J Ter paz consigo mesmo, ter uma boa saúde física e mental, também ter uma boa relação com todos ao seu redor.

Discente L Viver sem se preocupar com as necessidades básicas da vida, sabendo que estas serão supridas sem dificuldades.

Fonte: Dados da pesquisa

Quadro dos discentes às questões subjetivas no instrumento de pesquisa CATEGORIAS SEMÂNTICAS RECORTE DAS RESPOSTAS SUBJETIVAS DOS DISCENTES POSSÍVEIS AMEAÇAS À SEGURANÇA
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3. Respostas

Na categoria Possíveis ameaças à segurança, destacam-se os assaltos (4 respostas). A sensação de insegurança prejudica a QV dos jovens, sobre quem incidem várias formas de violência. Para Colmán e Souza (2009, p, 38), “o sentimento de insegurança, um conceito multifacetado, apresenta componentes cognitivos, emocionais e comportamentais que podem agir prejudicando a qualidade de vida”. Os autores destacam a violência simbólica, que alude a processos representacionais da realidade social (COLMÁN; SOUZA, 2009).

Na categoria Motivos da satisfação com o lar, os discentes ressaltaram: “bom relacionamento com a vizinhança”, “vizinhos que são meus amigos e que se respeitam”, “conheço a todos, e tenho uma convivência muito saudável”, revelando a importância das relações para a percepção da QV adolescente.

Três respostas citaram as amizades como fator importante na construção da QV. Abordando este tema, Fernandes (2016, p. 27) afirma com relação aos adolescentes, acerca das interações com amigos, que “estascontribuem para o desenvolvimento de competências sociais e também para reforçar as habilidades para lidar com acontecimentos estressantes”.

Na categoria Conceito de Qualidade de Vida, os discentes expressaram concepções próprias. Para Teixeira et al. (2011, p. 40), a adolescência “é uma fase freqüentemente (sic) associada a crises, riscos e problemas necessários para o amadurecimento, tanto físico como psicológico do adolescente”. Assim, nesse item, cinco participantes destacaram a saúde mental/psicológica como essencial para o bem-estar.

Uma resposta salientou a QV como “nível do bem-estar, da saúde, física e psicológica, da segurança, do ambiente, da educação, da situação financeira de um indivíduo ou um grupo”. Tal resposta discorre, ainda, que “ter qualidade de vida é quando os fatores externos e internos trabalham juntos em harmonia, fazendo que um indivíduo e/ou uma sociedade se encontre estável, feliz, tranquilo, saudável”. Contempla-se a Qualidade de Vida como construção sistêmica da realização humana.

Em outro aspecto, três respostas nessa categoria enfatizam a vida financeira: “estar bem com si mesmo, com as pessoas ao seu redor, com o que está acontecendo com você e ao seu redor e também financeiramente”; “dormir bem, se alimentar bem, uma vida financeira…”; “viver sem se preocupar com as necessidades básicas da vida, sabendo que estas serão supridas sem dificuldades”.

Trazemos, pois, de forma sintética (Figura 18), os Domínios e núcleos semânticos nas respostas subjetivas dos discentes.

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4ConsideraçõesFinais

A construção do saber filosófico acompanha o desenvolvimento etário, psicológico e acadêmico dos indivíduos. Durante todo o processo investigativo, buscou-se conhecer a realidade pedagógica na formação de uma consciência cidadã e social e comprometida com a otimização da Qualidade de Vida.

Os dados quantitativos fornecidos por docentes de Filosofia do Campus João Pessoa, responsáveis pelo componente em vários cursos, possibilitaram uma avaliação da Qualidade de Vida, a partir dos vários Domínios categorizados pelo Instrumento de pesquisa e suas facetas. Quantificou-se o nível de Qualidade de Vida de discentes dos cursos integrados Contabilidade e Informática. Foram reveladas informações significativas a partir das percepções individuais do conceito de Qualidade de Vida.

Os resultados quantitativos visibilizados nas médias dos Escores destacaram, para discentes e docentes, um nível mais elevado da Qualidade de Vida quanto ao Domínio Relações Sociais e mais baixo quanto ao Domínio Físico. Entretanto, a avaliação dos Docentes quanto à sua própria Qualidade de vida obteve um índice médio satisfatório de 4,00 (numa escala de 1 a 5). Já a avaliação dos discentes nesse item alcançou uma média de 3,85. Em ambos os casos, mais no caso dos alunos(as), é importante um incremento no bem-estar a partir da otimização de vários fatores, exigindo maior autocuidado com os hábitos e atenção por parte da instituiçãoe dos aparelhos de assistência social disponíveis.

Figura 18. Domínios e núcleos semânticos nas respostas dos discentes sobre o conceito de Qualidade de Vida Fonte: Dados da pesquisa
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A presente análise constatou a vulnerabilidade financeira que permeia a realidade familiar de alguns discentes. Convém, outrossim, um apoio financeiro, emocional e psicológico aos adolescentes, potencializando a superação das eventuais dificuldades.

Por sua vez, os resultados sobre a Qualidade de Vida docente denotaram a necessidade de uma atenção à saúde mental desse público. Torna-se importante, assim, um apoio adequado, profissional e psicológico aos educadores, o que pode influenciar de forma positiva o exercício profissional, as relações humanas e a vivência de forma geral. Destacamos, a partir dos resultados obtidos, as possibilidades do ensino da Filosofia na construção do projeto de vida, articulado com um compromisso profissional ético e social.

Uma abordagem do tema da Qualidade de Vida na Educação Profissional e Tecnológica, mediante um prisma filosófico e transdisciplinar, torna-se cada vez mais necessária, sobretudo pela escassez de trabalhos nesse viés, para conscientizar os atores da educação e otimizar o seu bem-estar multidimensional.

Desta feita, a realização desta pesquisa incide um novo olhar sobre a atuação pedagógica nos cursos integrados do IFPB, atraindo a atenção para as concepções de Qualidade de Vida de docentes e discentes, forjadas a partir da leitura de suas próprias experiências vivenciais. Tal estudo enriquece de forma incisiva o trabalho educativo no Instituto, aproximando os esforços no campo da formação humana e multifacetada do ideário epistemológio da EPT. Outrossim, espera-se que a nossa análise continue despertando uma nova reflexividade e atitudes que alarguem os horizontes da ação didática preconizando os sujeitos da educação. Que possa fomentar, inclusive, a realização de estudos nesse campo, envolvendo outros cursos e instituições.

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Submetido em: 13 fev. 2022

Aceito em: 11 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p511-530

Relatório de Estágio Técnico na perspectiva dos gêneros discursivos: produção,reproduçãoesubversão

Gilson Allefy Chaves da Silva https://orcid.org/0000-0002-4142-5641

Mestre em Educação Profissional e Tecnológica pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM). Professor efetivo da Secretaria de Educação e Qualidade do Ensino do Estado do Amazonas (SEDUC-AM) e Professor colaborador na modalidade EaD da Faculdade Metropolitana de Manaus (Fametro) – Amazonas – Brasil. E-mail: gilsonchavesdasilva@gmail.com.

Deuzilene Marques Salazar https://orcid.org/0000-0003-1927-1399

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Professora do ensino básico, técnico e tecnológico (EBTT) e Professora permanente do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) – Amazonas – Brasil. E-mail: deuzilenemarques@gmail.com.

Resumo

No campo da Educação Profissional e Tecnológica (EPT), uma das manifestações da linguagem comumente vistas são os relatórios de estágio técnico, tido muitas vezes apenas como um documento de registro narrativo-descritivo. Em uma visão mais ampla, este estudo objetiva discutir a potencialidade do Relatório de Estágio Técnico como um gênero discursivo, problematizando as perspectivas formativas direcionadas a ele e a relevância delas para o desenvolvimento politécnico dos discentes. Trata-se de uma pesquisa documental cuja fonte principal foi o roteiro de elaboração do relatório de estágio adotado pelo IFAM Campus Manaus Centro. Mediante a análise interpretativa, delineou-se um diálogo com teóricos, a partir do qual verificamos que a perspectiva formativa, presente no roteiro de elaboração analisado, pouco se aproximou dos princípios formativos da politecnia. Em contrapartida, discutimos a potencialidade do referido gênero sob as dimensões Composição, Conteúdo temático e Estilo, evidenciando um instrumento capaz de subverter o espaço social no qual está inserido. Apresentamos ainda uma proposta de produto educacional alicerçado na articulação Politecnia e Gêneros Textuais.

Palavras-chave: Politecnia. Linguagem. Educação Profissional e Tecnológica. IFAM.

Technical Internship Report from the perspective of discourse genres: production, reproduction and subversion

Abstract

In the field of Professional and Technological Education (EPT), one of the manifestations of language commonly seen are technical internship reports, often seen as a narrative-descriptive record document. In a wider view, this study aims to discuss the potential of the Technical Internship Report as a discursive genre, questioning the formative perspectives aimed at it and their relevance for the polytechnic development of students. This is a documentary research whose main source was the script for the preparation of the internship report adopted by IFAM, Campus Manaus Centro. By using the interpretive analysis, a dialogue with theorists was outlined, from which we verified that the formative perspective present in the analyzed elaboration guide hardly approached the formative principles of polytechnics. On the other hand, we discuss the potential of this genre under the dimensions Composition, Thematic Content, and Style, showing an instrument capable of subverting the social space in which it is inserted. We also present a proposal for an educational product based on the articulation between Polytechnics and Textual Genres.

Keywords: Polytechnics. Language. Technical and Vocational Education and Training (TVET). IFAM.

511 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 511-530, maio/ago. 2022

Resumen

En el campo de la Educación Profesional y Tecnológica (EPT), una de las manifestaciones del lenguaje comúnmente vista son los informes de pasantías técnicas, a menudo vistos como un documento de registro narrativo-descriptivo. En una visión más amplia, este estudio tiene como objetivo discutir el potencial del Informe de Prácticas Técnicas como género discursivo, cuestionando las perspectivas formativas que le apuntan y su relevancia para el desarrollo politécnico de los estudiantes. Se trata de una investigación documental cuya fuente principal fue la guía para la elaboración del informe de prácticas adoptado por el IFAM, Campus Manaus Centro. A través del análisis interpretativo se esbozó un diálogo con teóricos, a partir del cual comprobamos que la perspectiva formativa, presente en la guía de elaboración analizada, apenas se acerca a los principios formativos de los politécnicos. En contrapartida, discutimos el potencial de este género bajo las dimensiones Composición, Contenido temático y Estilo, mostrando un instrumento capaz de subvertir el espacio social en el que se inserta. También presentamos una propuesta de producto educativo basado en la articulación entre Politecnia y Géneros textuales.

Palabras clave: Politecnia. Lenguaje. Educación Profesional y Tecnológica. IFAM.

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Informe de Prácticas Técnicas desde la perspectiva de los géneros del discurso: producción, reproducción y subversión

1Introdução

Os estudos relacionados ao campo da linguagem são um terreno fértil para inúmeras abordagens, haja vista carregarem percepções globais que se articulam a diversos objetos de estudo, promovendo importantes reflexões capazes de impulsionar novos olhares. Nesse sentido, caminhamos em direção ao que se denominam gêneros discursivos, vertente de análise característica da seara linguística, inclinando-nos sobre o espaço construtivo do Relatório de Estágio Técnico de nível médio –instrumento de expressiva relevância para a modalidade da Educação Profissional e Tecnológica (EPT).

Dentro dessa esfera de pensamento, destacamos o caráter sociodiscursivo dos gêneros, movendo-nos tanto para os aspectos que dialogam com as manifestações diretas da linguagem, quanto para aqueles que, por influência dos primeiros, nos permitem pensar e evidenciar também a natureza emancipatória da formação politécnica. Essa, por sua vez, é tratada neste texto sob a perspectiva marxiana, pedagogizada por estudiosos que se debruçaram sobre a obra do autor e que, no decorrer do tempo, reuniram bases conceituais cujo viés crítico-social se interrelaciona à definição de gêneros do discurso sobre a qual versaremos.

A partir disso, este estudo objetiva discutir a potencialidade do Relatório de Estágio Profissional como um gênero discursivo, problematizando as perspectivas formativas direcionadas a esse instrumento e a relevância delas para o desenvolvimento politécnico dos discentes. Tal olhar será dirigido para o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM), lançando mão de uma análise cujo ponto de partida será a estrutura e o Roteiro de elaboração do Relatório de Estágio adotados no Campus Manaus Centro do referido instituto.

Trata-se de uma pesquisa documental (MARCONI; LAKATOS, 2003), considerando que a fonte de coleta de dados restringiu-se a dois documentos de natureza primária: a estrutura e o roteiro de elaboração do Relatório de Estágio (2021). Por sua vez, nossa análise e interpretação das informações coletadas caminhou para o que Severino (2013) denomina de Análise interpretativa, na qual estabelecemos um diálogo com o pensamento de estudiosos da linguagem e da EPT brasileira: Bakhtin (1997), Marcuschi (2008) e Wachowicz (2012), bem como a Saviani (2003), Frigotto (2009) e Moura (2013), respectivamente.

A necessidade de relacionar duas bases de estudo – os gêneros textuais e a politecnia – se justifica pelas contribuições que elas carregam em suas gêneses e que, de forma coerente, demonstram transgressões (no sentido stricto sensu) relevantes para a área educativa. Dessa forma, salientamos o gênero relatório como um instrumento proveniente da ação humana capaz de produzir, reproduzir ou subverter o espaço social no qual está inserido, estando essa última característica problematizada no horizonte da politecnia.

Para tanto, o texto está dividido em 4 seções principais. A primeira visa a uma compreensão formativa acerca do estágio técnico, buscando evidenciá-lo como espaço de construção da formação omnilateral. A segunda se dedica a uma análise dos instrumentos orientadores adotados pelo IFAM no que tange à produção do relatório. Nessa, articulamos de modo crítico as orientações preconizadas pelo IFAM e os fundamentos da politecnia, problematizando o relatório com base na necessidade de uma formação politécnica.

A terceira seção deste texto se constrói mediante o diálogo com autores que argumentam sobre o estudo dos gêneros discursivos, frisando-os como estruturas histórica e socialmente situadas. Dessa maneira, procuramos demonstrar a relação entre a formação politécnica e os gêneros do discurso, a fim de pensar (e por que não repensar?) o relatório de estágio como um texto capaz de superar o modus

RelatóriodeEstágioTécniconaperspectivadosgênerosdiscursivos:produção,reproduçãoesubversão Gilson Allefy Chaves da Silva, Deuzilene Marques Salazar 513 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 511-530, maio/ago. 2022

operandi e subverter a reprodução de meros elementos descritivos e unilaterais que ainda persiste nos cursos técnicos de nível médio do IFAM.

Finalmente, a última seção apresenta uma proposta de material educativo que carrega em seu cerne a construção do relatório de estágio técnico para os cursos de nível médio. Trata-se do produto educacional denominado “Travessia”, estruturado a partir de seções alinhadas à perspectiva dos gêneros discursivos e às bases que sustentam a politecnia. Desse modo, ao fim do texto, expomos uma ferramenta com potencial para contribuir com o processo de construção do relatório de estágio técnico, dando voz aos discentes, com o intuito de contribuir com as limitações formativas impostas a eles.

2EstágioTécnicoProfissional:umespaçoparaapolitecnia?

Os cursos técnicos nos Institutos Federais brasileiros apresentam em suas matrizes curriculares o componente “Estágio Profissional Supervisionado”, ou denominações similares a esta. Esse componente curricular, que possui elevado grau de importância na formação discente, é muitas vezes encarado como mera etapa de cumprimento para a finalização do curso, ou como um período de experiência prática que visa, quase exclusivamente, à profissionalização do educando.

De outro modo, a EPT carrega em seu bojo conceitual uma base teórica e política que caminha num sentido diferente do pensamento unilateral. Nesse caso, cabe destacarmos a distinção entre a formação unilateral e a formação omnilateral: a primeira é centralizada na manutenção das forças produtivas, inclinando-se para a subsunção ao capital (MOURA, 2013); a segunda, por sua vez, visa ao desenvolvimento amplo do sujeito, evidenciando as potencialidades do conhecimento teórico-prático, crítico-reflexivo e sócio-histórico de cada cidadão (RAMOS, 2008). Dessa forma, considerando a importância e a necessidade de um olhar voltado às bases da EPT, compreendemos o Estágio Técnico como um espaço formativo capaz de integrar diferentes dimensões do conhecimento articuladas ao mundo do trabalho.

Visto assim, o Estágio acaba se revelando um caminho possível para o que se denomina de formação politécnica, mas não aquela cuja etimologia sugere a multiplicidade de técnicas para o desenvolvimento de um profissional com um leque de habilidades diversificadas, e sim, a que carrega na essência os princípios de uma educação destinada a despertar o cidadão atuante e crítico (SAVIANI, 2003). Contudo, a complexidade do conceito politécnico vai além desse horizonte e, por essa razão, nosso texto passa a diluir os aspectos característicos e necessários para o entendimento da politecnia e da sua relação com o estágio no contexto da EPT.

Tomando como ponto de partida o pensamento marxiano sobre a omnilateralidade, observamos que a educação profissional brasileira se sustenta em constantes lutas em prol de uma educação cuja diretriz evidencie a integralidade formativa (MOURA, 2013). Nessa trajetória, é possível analisar os caminhos conceituais análogos à concepção omnilateral nas correntes da Escola Unitária e da Formação Humana Integral (GRAMSCI, 2001) e da Politecnia (PISTRAK, 2011). Elas, apesar de não serem sinônimas, “pertencem ao mesmo universo de ações educativas quando se fala em ensino médio e em educação profissional” (CIAVATTA, 2014, p. 188). Para este texto, situaremos nosso debate no conceito de formação politécnica, e, a partir dele, discutiremos determinadas questões centrais acerca do estágio e, posteriormente, aprofundaremos o processo construtivo do gênero textual Relatório.

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De início, passaremos a problematizar a perspectiva da profissionalização que recai sobre a finalidade do estágio técnico, tendo em vista que ela se destaca como uma das principais visões que se têm sobre ele, sobretudo dentro do IFAM Campus Manaus Centro. Nesse caso, a crítica que fazemos se refere à associação entre o estágio e a concepção exclusivamente profissionalizante, na qual se desconsidera, ou pelo menos coloca em segundo plano, a relevância dos demais tipos de conhecimentos possíveis de serem desenvolvidos pelo estudante em sua experiência.

Tal ótica carrega em si a divisão social do trabalho, tendo de um lado a técnica manual e, do outro, o pensamento intelectual. Sobre essa dicotomia, Saviani (1989, p. 14) nos diz que: “nesta concepção, que se baseia na divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, na divisão entre proprietários e não proprietários de meios de produção, o trabalhador detém apenas a sua força de trabalho”. Desse modo, ao restringir o estágio técnico a um único ramo de aprendizagem, sobretudo o da aprendizagem técnica, manual, braçal, estamos reproduzindo e perpetuando uma conjuntura social segregadora, desigual.

Na mesma direção da crítica observada, outro aspecto que deve ser problematizado é a preparação do estudante para o mercado de trabalho. Essa se destaca por ter se incorporado ao senso comum relativo ao estágio, especialmente pela venda do discurso que exalta a experiência do estudante em um espaço laboral como forma de prepará-lo diferenciadamente para os interesses do mercado. Nessa linha, o estagiário se destacaria por estar “mais qualificado” ao trabalho, enquanto aqueles cuja experiência prática não se efetivou estariam fadados ao “simplório” conhecimento teórico.

Todavia, nesse discurso está implícito um fator que precisa ser revisto: o de que o estudante deveria se profissionalizar da melhor forma possível para suprir a mão de obra existente no mercado, o que de fato é uma realidade evidente no Brasil. Ocorre, no entanto, uma falsa ideia de oportunidade para o jovem, capaz de sujeitá-lo a um terreno de exploração da sua capacidade produtiva, haja vista a necessidade de ele precisar buscar sua mínima condição financeira. Tal cenário é cada vez mais recorrente em nosso país, sobretudo pelo alto índice de desempregados, que no 3.º trimestre do ano de 2021 atingiu 13,7 milhões, segundo o levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2021).

Diante dessa problemática, é oportuno refletir a respeito do desenvolvimento do estágio técnico sob o ponto de vista da politecnia, conceito que, segundo Ciavatta (2014, p. 189), detém “[…] um sentido político, emancipatório, no sentido de superar, na educação, a divisão social do trabalho […] e formar trabalhadores que possam ser, também, dirigentes, no sentido gramsciano”. Logo, não se trata de capacitar o estudante exclusivamente como um multiprofissional que reúne inúmeros conhecimentos técnicos para se destacar no mercado. Trata-se de promover um processo educativo que proporcione ao educando a integração entre a ciência, a tecnologia, a cultura e o trabalho (RAMOS, 2008).

Dentro dessa visão, destacamos ainda o sentido crítico que precisa estar presente durante o processo formativo do discente, pois é essencial que ele compreenda o contexto do qual é ativo participante. Afinal, deslocado da realidade em que está inserido, não será possível uma transformação significativa; a mudança deve ocorrer tanto fora quanto dentro do sujeito, observando-se as articulações entre os conhecimentos adquiridos. Nesse caso, é relevante esclarecer que tais conhecimentos não se referem a um conjunto de conteúdos relacionados a um leque de disciplinas, mas sim da práxis que deve fundamentar o homem para que este não se torne um indivíduo fragmentado (FRIGOTTO, 2009).

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A politecnia, nessa dinâmica, desperta um propósito político-pedagógico imprescindível para a EPT, sobretudo se considerarmos os desafios atuais decorrentes das crises causadas por acontecimentos recentes (como a pandemia da covid-19), ou de determinados projetos unilaterais que já vinham sendo engendrados há tempos em nosso país (como as Medidas Provisórias destinadas ao Novo Ensino Médio). Logo, não é exagero dizer que a formação politécnica – integral/omnilateral – precisa continuar lutando por um espaço expressivo no campo educacional, mirando as barreiras impostas por um sistema que fincou raízes no ensino e que é capaz tanto de propagar ideologias excludentes quanto de efetivá-las nas mais variadas esferas da sociedade.

Desse modo, amparados nas reflexões e discussões aqui realizadas, observamos que o estágio profissional dos cursos técnicos, mesmo com potencial para suster princípios da politecnia, acaba se revelando um terreno que reproduz muito da visão limitadora, isto é, que repercute as intenções de uma educação não integrada, não emancipatória, em detrimento da formação ampla, multidimensional, crítica e ontocriativa. Sob essa percepção, buscaremos direcionar nossas questões de maneira associada ao nosso objeto de análise – o relatório de estágio –, demonstrando nossas concepções a partir de elementos mais tangíveis desse referido instrumento.

3RelatóriodeEstágioTécnico:produçãoereprodução?

O relatório de estágio técnico, do ponto de vista institucional, é comumente tomado como um trabalho de conclusão de curso que narra e descreve as experiências de um determinado período de atividade profissional. Contudo, ao refletirmos sobre o seu processo construtivo, percebemos que sua produção está associada com o tipo de perspectiva formativa que a sustenta. Dessa forma, mesmo que a essência construtiva do relatório técnico seja narrar e descrever atividades desenvolvidas em um dado ambiente de trabalho, é possível que ele textualize e, até mesmo, potencialize aspectos de uma formação multidimensional sustentada por um viés crítico.

Nessa perspectiva, é possível indagarmos: em que medida o modelo de relatório adotado pelo CMC/IFAM dispõe de elementos que contribuam para o desenvolvimento politécnico do estudante?

Para responder a esse questionamento, precisamos considerar que o referido campus adota dois documentos para nortear a produção do relatório: o primeiro se refere a um modelo global que serve como um template para os discentes; o segundo, é um roteiro de elaboração que orienta o estudante sobre quais informações inserir em cada seção textual. Esses dois documentos, por sua vez, serão avaliados a partir desta seção sob o olhar crítico dos fundamentos da formação politécnica, sem adentrarmos diretamente na concepção de gêneros discursivos, ao passo que essa discussão será adensada na seção posterior.

A princípio, entendemos que todo instrumento de natureza documental apresenta uma macroestrutura, seja ela semelhante ou estritamente distinta dos demais tipos de documentação. Nessa linha, o modelo de relatório do CMC/IFAM traz na sua macroestrutura a divisão que é constantemente denominada de: elementos pré-textuais, elementos textuais e elementos pós-textuais – organização similar ao que se vê em diversos gêneros da esfera acadêmica. Todavia, para esta análise, vamos nos concentrar apenas nos elementos textuais, tendo em mente que eles carregam de fato o corpo do relatório, destacando para isso a seguinte composição interna: introdução, desenvolvimento e conclusão.

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Diante disso, observamos que o modelo/template do CMC/IFAM não apresenta informações direcionadas à escrita do relatório, estando elas localizadas no Roteiro de Elaboração. Dessa forma, compreendemos que ambos são interdependentes, contudo o grau de descritibilidade do roteiro é incontestavelmente maior, pois, além de trazer as seções presentes no modelo, ele ainda busca detalhar o conteúdo de cada uma delas.

Em primeira análise, nosso olhar se volta para a seção “Introdução”, na qual, de acordo com o roteiro, deve-se caminhar por quatro orientações principais de produção (Figura 1), em conformidade com o texto original.

As recomendações descritas em quatro tópicos da introdução se voltam, de modo geral, para aspectos informacionais relativos ao processo de contratação do estudante – desde o encaminhamento do estagiário à empresa, até a natureza burocrática dos documentos exigidos. Além disso, são solicitadas descrições com foco na instituição contratante, tais como instalações, infraestrutura e área de atuação. Por fim, orienta-se o discente a explicar “o objetivo do relatório e descrever em linhas gerais as atividades” que serão relatadas no desenvolvimento.

O que se percebe no caráter injuntivo para a seção introdutória é uma tendência pouco exploratória de aspectos que poderiam tornar a construção do relatório mais ampla. Em outras palavras, a introdução poderia contribuir com a apresentação global dos elementos do estágio, mas também expor um caminho dissertativo que superasse o olhar unilateral do estudante. Assim, o relatório suplantaria o modus operandi presente no roteiro de elaboração.

RelatóriodeEstágioTécniconaperspectivadosgênerosdiscursivos:produção,reproduçãoesubversão Gilson Allefy Chaves da Silva, Deuzilene Marques Salazar v.24, n.2, p. 511-530, maio/ago. Figura 1. Roteiro para elaboração do relatório final: ampliação da seção Introdução Fonte: Adaptado de Silva e Salazar (2021)
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Na sequência da macroestrutura do relatório, podemos observar a seção denominada de “Desenvolvimento”, a qual exige maior complexidade organizativa, se comparada com a “introdução”. Ela é a principal responsável por apresentar as informações de maneira mais densa, detalhada e articulada. Para tanto, vemos no roteiro de elaboração do IFAM algumas orientações que, de certo modo, não avançam para um sentido amplo (Figura 2).

A descrição contida no roteiro enfatiza o relato das atividades realizadas pelo discente, considerando o que foi desenvolvido na empresa na qual ele atuou. É oportuno observar os elementos próprios da tipologia narrativa que o roteiro destaca, isto é, “o que o estagiário fez”, “como fez”, “quando fez” e “onde fez”. Outra orientação se dirige para o uso da linguagem técnica na produção do texto e o alerta para que não ocorram reproduções explícitas de outras obras, o que implicaria plágio.

Neste ponto, queremos destacar que o roteiro se concentra em instruções pouco estimuladoras e, de certo modo, mecânicas, o que não faz jus à complexidade que a seção de desenvolvimento requer. Nessa esteira, também é notória a perspectiva da neutralidade, principalmente pelo fato de os direcionamentos se limitarem a uma organização de elementos textuais que não visam o “porquê” das atividades realizadas no ambiente de trabalho. Ora, ao nosso ver, a fecundidade das experiências vividas no mundo do trabalho permite que o estudante supere suas percepções básicas, isto é, desenvolva reflexões acerca do espaço formativo do estágio, sem ficar preso a uma razoabilidade discursiva. Desse modo, conduzir o educando à neutralidade esvaziada de sentido é, pois, uma forma de não dar voz a ele; é contribuir com a manutenção de um sistema acrítico.

RelatóriodeEstágioTécniconaperspectivadosgênerosdiscursivos:produção,reproduçãoesubversão Gilson Allefy Chaves da Silva, Deuzilene Marques Salazar v.24, n.2, p. 511-530, maio/ago. Figura 2. Roteiro para elaboração do relatório final: ampliação da seção Conclusão Fonte: Adaptado de Silva e Salazar (2021)
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A última seção textual do relatório recebe o nome de “conclusão”, dada a natureza de fechamento do texto. Tal espaço, ao contrário da “introdução”, se volta para o encerramento do trabalho, retomando informações, situações, descrições e relatos que foram vistos no decorrer do relatório, com a finalidade de apontar possíveis constatações da experiência. Visto assim, podemos analisar as recomendações do Roteiro de produção (Figura 3).

Fonte: Adaptado de Silva e Salazar (2021)

Segundo se pode notar, a Conclusão é marcada por um tom mais pessoal, permitindo ao estudante escrever sobre sua visão acerca do curso, da empresa em que atuou e ainda sobre o estágio propriamente dito. Surge também o aspecto relacional, no qual o estudante pode se direcionar a um cenário hierárquico. Finalmente, o roteiro orienta para que o estagiário se posicione “criticamente” a respeito da experiência profissional e, nesse contexto, analise seu “aproveitamento”, sua “capacidade profissional” e sua perspectiva sobre o que é denominado “mercado de trabalho”.

Entendemos que as recomendações destinadas à Conclusão suscitam em dado momento um posicionamento importante para potencializar o senso crítico do estudante. Esse espaço dialógico do relatório, apesar de não ser recomendado nas seções introdutórias e de desenvolvimento, é bastante relevante para a valorização do contexto da experiência de estágio e das próprias relações de trabalho Todavia, o roteiro também ressalta uma visão dependente de outros interesses, especialmente quando sugere que o estagiário realize uma “autoanálise” da sua capacidade profissional e de sua perspectiva para o mercado de trabalho.

Essa última observação presente no roteiro parece deixar em segundo plano o olhar do estudante para o todo vivenciado, limitando-o a um painel específico: o mercado profissional. Nesse caso, a concepção de formação politécnica é encoberta pela necessidade de formar um trabalhador com função restrita em vez de um cidadão integral. Além disso, de maneira velada, há uma cobrança para que o estudante consiga estar apto à futura profissão.

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Figura 3. Roteiro para elaboração do relatório final: ampliação da seção Conclusão
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Afastar-se do modus operandi entalhado na cultura dos cursos técnico-profissionais, especialmente no que concerne à produção dos Relatórios de estágio, é tarefa complexa. A herança da profissionalização com o fim de atender ao mercado de trabalho é latente em nosso país, sobretudo pela desigualdade social que segrega a classe trabalhadora dos detentores do capital. Essa relação de dependência fica explícita quando analisamos o caminho construtivo do relatório de estágio adotado no Campus Manaus Centro do IFAM.

Os estudantes dos cursos técnicos, de modo geral, são orientados a produzirem um texto carregado de descrições meramente informacionais, sendo que elas deveriam ser apenas o início da sistemática estrutural do gênero relatório. Em face disso, o relatório passa a ser visto como uma simples produção textual para o cumprimento do curso, mas, por trás dessa ótica, ele também se torna um reprodutor das dicotomias que fortalecem a segregação social e que contribuem para a fragmentação do homem.

Sendo assim, sob qual prisma teórico o relatório poderia ser compreendido para evidenciar elementos de uma formação ampla, crítica e emancipatória, tendo como base a politecnia?

Até aqui, analisamos a sequência textual do roteiro de produção adotado IFAM para a construção do relatório, considerando a perspectiva formativa presente nas orientações preconizadas pelo Instituto. Nesse percurso, problematizamos determinados aspectos do modelo de elaboração, evidenciando neste a pouca aproximação com os fundamentos que dão base à educação politécnica, conceito político-pedagógico compreendido como um dos caminhos possíveis para a EPT.

Agora, propomos um olhar direcionado ao estudo dos gêneros discursivos, na tentativa de enxergar o relatório de estágio sob um viés que se preocupa com o aspecto identitário e estrutural do referido instrumento, mas não se limita a isso, ao passo que visa ao plano contextual das experiências e das representações do homem na sociedade. Para tanto, começaremos pela definição de gêneros do discurso, apoiando-nos na visão clássica de Bakhtin (1997), segundo o qual são enunciados elaborados nas variadas esferas de utilização da língua, apresentando-se de maneira relativamente estável.

Bakhtin (1997), nessa proposição genérica, nos fornece duas informações fundamentais: a primeira é a noção de “esferas de utilização da língua”. Nessa, o autor intenciona evidenciar a importância de compreender o contexto e as condições de uso de cada gênero, afinal, eles não podem ser tomados como estruturas meramente instrumentais desvinculadas de um todo significativo. Na segunda, a “estabilidade relativa dos gêneros”, Bakhtin supõe uma identidade que caracteriza o gênero discursivo, mesmo que eles variem em menor ou maior grau. Tal identidade é sistematizada pelo autor como: construção composicional, conteúdo temático e estilo.

Essas três dimensões, ou elementos, “fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação” (BAKHTIN, 1997, p. 280). Nessa perspectiva, o autor ainda complementa da seguinte forma: “cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa” (BAKHTIN, 1997, p. 281). Baseados nessa última compreensão, cabe estabelecer uma relação direta com o relatório de estágio, antes de progredirmos para outras questões.

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Tomando como fio condutor as mudanças históricas pelas quais a EPT passou, é natural identificarmos diversas alterações que ocorreram no sistema escolar. Tais mudanças se tornaram expressivas tanto no plano ideológico que sustenta a EPT, quanto de modo específico nos processos formativos. Desse modo, não estaria o próprio Relatório de estágio inserido nesse panorama de inúmeras modificações?

Ora, se no passado a visão tecnicista advinda do intenso processo de industrialização promovia uma formação estritamente profissionalizante, hoje, precisamos refletir sobre o que Bakhtin (1997) considerou acerca do desenvolvimento das esferas comunicativas e o quanto elas vão se tornando mais complexas. Em outras palavras, a seara atual da EPT, situada numa sociedade distinta de meados do século XX, quando iniciávamos a industrialização brasileira, não pode mais ser vista sobre a mesma perspectiva. Esse atraso, no entanto, ainda persiste nos modelos de produção dos relatórios adotados em diversos cursos técnicos, incluindo aqui os do Instituto que analisamos. Seguindo essa visão, Marcuschi (2008), traça uma leitura dialógica com o pensamento bakhtiniano. Para isso, o autor adensa a percepção já analisada aqui, definindo gênero textual como:

[…] os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração das forças históricas, sociais, institucionais e técnicas […] os gêneros são formas textuais escritas ou orais bastante estáveis, histórica e socialmente situadas (MARCUSCHI, 2008, p. 155).

Na síntese do teórico, observamos que os gêneros são uma materialização caracterizada por um padrão sociocomunicativo, o que nos permite identificar uma convenção social que, até certo ponto, fornece uma organização preestabelecida. Não obstante, Marcuschi (2008) também sugere uma tríade análoga ao que vimos em Bakhtin (1997), mas agora definida da seguinte forma: composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos que consideram forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Além disso, o autor destaca a natureza “bastante estável” dos gêneros, modificando o que Bakhtin (1997) chamou de “relativamente estável”.

Aqui, cabe um vértice com os dois autores, a fim de encontrar um denominador comum. Primeiramente, é preciso esclarecer que a percepção de Marcuschi (2008) sobre a estabilidade dos gêneros não contesta a visão bakhtiniana, mas atualiza o estudo do referido autor, tendo em vista que, historicamente, as formas textuais foram cada vez mais se ajustando aos padrões sociocomunicativos, processo natural dos enunciados em cada espaço da sociedade. Nesse viés, conforme já discutimos, não podemos deixar de observar também o próprio desenvolvimento da esfera comunicativa em que o gênero está inserido, uma vez que isso influencia diretamente o conteúdo que ele apresentará.

Ressaltando o dialogismo teórico entre os autores, é pertinente agora compreendermos como as tríades estruturais citadas por ambos podem ser analisadas, e por que elas são relevantes para o gênero relatório aqui investigado. Para tanto, adotaremos a divisão clássica de Bakhtin (1997): a) composição; b) conteúdo temático e c) estilo. Nesse caso, esclarecemos que essa divisão é tomada como pressuposto por outros diversos autores que se debruçaram sobre a obra bakhtiniana e, a partir dela, adensaram conceitos com os quais buscaremos promover um diálogo.

A priori, retomamos a visão de gênero como forma textual, haja vista ela sugerir naturalmente uma estruturação. Sobre esse olhar, Marcuschi (2008, p. 156) nos diz que “é claro que os gêneros têm uma identidade e eles são entidades poderosas que, na produção textual, nos condicionam a escolhas que

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não podem ser totalmente livres nem aleatórias […]”. Assim, a composição de um gênero, de certo modo, é aquilo que o restringe a determinadas convenções de produção discursivas, isso porque a tendência natural dos espaços sociais é criar meios que organizem o pensamento humano.

Dentro dessa percepção, a estrutura composicional de um gênero auxilia a sistemática do conteúdo e a identificação que lhe é necessária. Logo, a composição é a dimensão do gênero que melhor representa a “estabilidade” citada por Bakhtin (1997), a qual foi, posteriormente, aprofundada e atualizada por Marcuschi (2008). Nos processos de ensino e aprendizagem sobre determinada produção textual, é comum que a estrutura composicional seja a primeira dimensão a ser explicada. Por meio dela, muitos gêneros são imediatamente reconhecidos em função de sua identidade visual; outros, por se assemelharem estruturalmente, necessitam de um olhar mais apurado em outras dimensões.

Nesse caso, podemos dizer que há uma macrocomposição e uma microcomposição em cada gênero. Todavia, se compreendidas de maneira meramente técnicas ou isoladas das outras dimensões, a estrutura composicional não se configura como dimensão de um gênero textual, mas como um elemento fracionado. Consequentemente, é preciso evidenciar a indissociabilidade entre o eixo da composição e as demais dimensões, como a do conteúdo temático (ou tema), elemento que será explanado a partir daqui.

Traçando uma analogia como referência, podemos pensar na estrutura composicional do gênero como um “corpo”, mas que ainda está “vazio”. Desse modo, a dimensão “conteúdo temático” daria a “vida” para tal estrutura, o que nos leva a analisar o nível de relevância que a referida dimensão possui. Com base nesse pensamento subjetivo, passaremos à compreensão técnica do conteúdo temático em si.

As informações, ou os enunciados propriamente ditos, são a parte integrante que darão ao gênero a complexidade fundamental para singularizá-lo. Nesse caso, estamos nos referindo ao conteúdo temático do texto, o qual é capaz de conduzir inúmeros aspectos sobre ele mesmo. Segundo Wachowicz (2012, p. 37):

Numa visão mais abrangente do que o nome sugere, tema é o conjunto de informações trazidas pelos interlocutores em determinadas situações com vistas à construção textual. Logo, o tema está diretamente associado às possíveis condições que definem usos específicos de gêneros. Ou seja, a escolha de um gênero vem ancorada em parâmetros como finalidade, interlocutores, situação e conteúdo.

A autora, fazendo uso da terminologia “tema” – denominação também utilizada por Bakhtin (1997) –, compreende que a dimensão temática é o conjunto das informações que se relacionam com determinadas condições de uso. Para tanto, essa dimensão não se limita ao assunto que será explanado, mas ultrapassa tal visão a partir do momento em que o gênero se dedica a outros parâmetros que envolvem a situacionalidade, a contextualização, o público-alvo, as relações sociais, os objetivos enunciativos, a esfera social, entre outros.

A quantidade de variáveis que envolve o elemento tema constitui mais do que um simples conjunto de fatores internos e externos ao gênero. Ela demonstra a essencial perspectiva que precisa nortear o processo construtivo de um texto, pois, conforme Marcuschi (2008, p. 155), “Não se pode, portanto, tratar o gênero de discurso independentemente de sua realidade social e de sua relação com as atividades humanas”. Sob essa mesma ótica sociodiscursiva, nos apoiamos em Bakhtin (1997) para definir a última dimensão da tríade supracitada neste texto – o estilo. Assim, para o autor:

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[…] o estilo linguístico ou funcional nada mais é senão o estilo de um gênero peculiar a uma dada esfera da atividade e da comunicação humana. Cada esfera conhece seus gêneros, apropriados à sua especificidade, aos quais correspondem determinados estilos. Uma dada função (científica, técnica, ideológica, oficial, cotidiana) e dadas condições, específicas para cada uma das esferas da comunicação verbal, geram um gênero, um dado tipo de enunciado […] o estilo entra como elemento na unidade de gênero de um enunciado (BAKHTIN, 1997, p. 284).

Diante do que o teórico propõe, a dimensão do estilo está diretamente associada à esfera comunicativa à qual pertence o gênero. Por essa razão, o estilo não pode aqui ser confundido com a individualidade da escrita de um autor, mas deve partir de um conjunto de especificidades conduzidas por estruturas sociais e pelas relações que nela existem. Segundo Wachowicz (2012, p. 129), “na concepção marxista de estilo, o indivíduo escolhe formas linguísticas subordinado a um contexto discursivo específico – construído histórica e socialmente”.

Na mesma direção que as demais dimensões, ressalta-se a relevância das condições de produção do gênero no que se refere à influência direta sobre o estilo. Isso significa que determinado enunciado deverá se adequar às variáveis que venham a interferir no processo de construção do texto. Nesse caso, as características tipológicas – como narração, descrição, argumentação–, os fatores como formalidade/informalidade do texto, os recursos de linguagem utilizados (ironia, humor, crítica), os objetivos discursivos (objetividade, clareza etc.), a parcialidade ou a imparcialidade do discurso são exemplos de aspectos que podem constituir a dimensão estilística do gênero.

Considerando todas as propriedades identificadas, descritas e discutidas aqui, é pertinente frisar a notória relevância que cada uma apresenta. Mas, a indagação que ainda persiste é: de que modo o relatório de estágio se relaciona com o estudo dos gêneros discursivos? E ainda: De que maneira a politecnia também se relaciona com esse campo investigativo da linguagem?

Nesse caso, devemos sobretudo considerar que o relatório, por si só, já constitui um gênero textual, ainda que este não seja assim representado no seu processo de construção. Traçando um paralelo direto, podemos observar que a tríade bakhtiniana – composição, conteúdo temático e estilo – está presente em todo o relatório, basta lembrarmos que na organização estrutural das suas três seções principais, a dimensão composicional está constituída pelos elementos pré-textuais, textuais e pós-textuais. Por sua vez, as dimensões temática e de estilo do gênero estão expressas principalmente na “introdução”, no “desenvolvimento” e na “conclusão”, ao passo que elas são responsáveis por reunirem o conjunto de informações que adensam o corpo textual do gênero, mediante as condições de produção da esfera técnico-profissional.

Contudo, as referidas dimensões do relatório não podem ser encaradas apenas sob o ponto de vista funcional, restringindo-se a compor a narração e as descrições do estagiário. E é diante dessa problemática, em especial, que a natureza sociodiscursiva dos gêneros encontra o caráter sócio-histórico da politecnia.

Se de um lado temos que os gêneros textuais são manifestações da linguagem situadas histórica e socialmente (MARCUSCHI, 2008), do mesmo modo temos que a politecnia apresenta como princípio a perspectiva histórica e social do trabalho na base de sua constituição (SAVIANI, 2003). Essa relação direta entre ambos os conceitos nos permite firmar uma perspectiva de estudo não apenas coerente do ponto de vista epistemológico, mas essencial para a compreensão de um objeto de estudo tão importante para a EPT.

Ora, se criticamos a construção de um relatório de estágio reprodutor da formação unilateral, cúmplice de um sistema que segrega o acesso ao conhecimento, o que propomos, então? Para esse questionamento, trazemos duas acepções de Wachowicz (2012). A primeira traz o seguinte argumento:

“Se gênero é instrumento de interação social, a manifestação de linguagem que o sustém manifesta as

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vozes da interação” (WACHOWICZ, 2012, p. 28). A segunda, complementar à primeira, orienta que texto é “produto social; é criação da história que se entrelaça às relações organizadas dos indivíduos, é instrumento por meio do qual os indivíduos criam, mantêm ou subvertem suas estruturas sociais […]” (WACHOWICZ, 2012, p. 22-23, grifo nosso).

Com isso, ao propor o estudo do relatório de estágio a partir dos pressupostos sociodiscursivos dos gêneros textuais, estamos caminhando por um viés que permite uma visão sistemática da estrutura a ser seguida, mas também uma perspectiva que extrapola o caráter técnico, afastando-se da mera reprodução, do modus operandi. Nessa trajetória, o relatório de estágio é mais que um trabalho final de curso, é mais do que um documento de registro, é o recorte da realidade de um sujeito, é a manifestação de uma percepção de mundo, é a representação de uma perspectiva que pode se tornar subversiva.

Durante toda a tessitura deste trabalho, enveredamos por nuances teóricas que em determinado momento atingiram um ponto congruente: a relação sociodiscursiva e sócio-histórica entre a politecnia e os gêneros discursivos. Nesse trajeto, discutimos diversos aspectos, problematizando as perspectivas formativas unilaterais e segregadoras, ressaltando a necessidade de construir um Relatório de Estágio Profissional capaz de evidenciar o olhar politécnico do sujeito (no sentido mais abrangente da expressão).

Agora, buscaremos apresentar uma proposta de produto educacional cujo cerne do conteúdo é o próprio gênero textual aqui analisado. Tal material educativo é um dos desdobramentos de pesquisa de mestrado de Silva (2021), intitulada: “O gênero textual relatório de estágio na Educação Profissional Técnica de Nível Médio: articulação de fundamentos para uma formação politécnica”. Por sua vez, o produto foi denominado de: “Travessia: um guia para o processo orientativo de construção do Relatório de Estágio na EPTNM”.

5Travessia:umcaminhopossívelparaaconstruçãodoRelatóriodeEstágioTécnicona EPTNM
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Figura 4. Capa do produto educacional “Travessia” Fonte: captura de tela do produto educacional Travessia (SILVA; SALAZAR, 2021)

Tendo como público-alvo os professores orientadores de estágio dos cursos técnicos de nível médio, o Travessia foi pensando para a construção do relatório, porém no sentido de auxiliar o docente no processo orientativo dos estagiários cuja finalidade é a produção do referido texto. Assim, o material foi estruturado em 4 (quatro) unidades, sendo que as três primeiras partes reúnem os principais fundamentos para a compreensão da formação politécnica, alicerçando uma base reflexiva que amplie a concepção sobre o estágio supervisionado e, consequentemente, permita uma articulação com o gênero textual Relatório de estágio, objeto central da última unidade do produto.

No que tange a essa última seção do material, destacamos a natureza didática da proposta, tendo em vista que ela foi elaborada com foco na descrição detalhada de toda a estrutura composicional do Relatório. Dessa forma, a macrocomposição analisada no decorrer deste artigo – introdução, desenvolvimento e conclusão – é destaque no produto educacional Travessia, sendo abordada sob a ótica da politecnia e da sociodiscursividade dos gêneros.

Da mesma forma, o Travessia também salienta o conteúdo temático do Relatório e, nesse ponto, o material ganha ainda mais relevância, pois organiza e classifica sete eixos comunicativos que podem estar presentes num Relatório de estágio. Trata-se de uma sistemática com grau de ineditismo que tem como foco denominar e explicar as chamadas “tipologias informacionais do Relatório”, expressão criada para dar nome aos eixos descritos.

Figura 5. Recorte da unidade 4 do produto Travessia Fonte: captura de tela do produto educacional Travessia (SILVA; SALAZAR, 2021)
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Partindo disso, elaboramos o Quadro 1 com o intuito de apresentar as referidas tipologias que tanto contribuem para que o conteúdo temático do relatório carregue a essência do gênero, mas também abranja outras dimensões formativas do estudante.

Quadro 1. Tipologias informacionais elaboradas no produto Travessia Classificação Natureza descritiva

Tipologia referencial

Diz respeito às informações mais básicas do relatório e, em comparação às demais, podemos dizer que são as mais fixas, pois contribuem com identificações objetivas e factuais.

Ex.: identificação da instituição, do curso realizado, do lócus onde o estágio foi desenvolvido etc.

Tipologia reflexivocontextual Refere-se à contextualização que o estudante faz acerca do estágio supervisionado. Nesse caso, o discente tem a liberdade de explorar reflexões gerais sobre o mundo do trabalho e seu universo formativo. Vale lembrar que não se trata de uma etapa relativa a críticas, mas sim voltada à apresentação de um panorama com características reflexivas.

Tipologia teóricocientífica

Direciona-se às percepções que os estudantes textualizam acerca dos conhecimentos teórico-científicos que observaram no curso técnico. Para tanto, podem recorrer a livros, manuais, e-books, vídeos, entre outras fontes que sustentem seus pensamentos. Nesse caso, é muito importante que o estagiário consiga articular essas informações com a prática realizada no estágio.

Tipologia técnicoprocessual Direciona-se às experiências práticas realizadas ou vivenciadas pelo estudante. Para tanto, são considerados processos e técnicas executadas ou analisadas pelo discente. No que tange à característica fundamental dos relatórios de estágio, essa tipologia é a mais comumente vista.

Tipologia procedimental

Tipologia construtiva

Trata-se de uma tipologia que evidencia as atitudes expressas ou desenvolvidas durante o período de estágio. São exemplos: a cooperação, o respeito, a disciplina, o relacionamento interpessoal, a organização, a ética, entre outros. Destacam-se tanto as atitudes que dependem apenas do estudante, quanto as de natureza coletiva.

Essa é, talvez, a tipologia que mais expressa a liberdade do discente. Ela evidencia a capacidade criativa e inovadora do estudante. É o momento que o estagiário expõe e descreve algum processo, técnica ou perspectiva que ele mesmo pensou para a melhoria ou evolução de um serviço ou atividade já existente. O discente pode ainda propor a criação de algo inovador, demonstrando seu potencial de contribuição para a área em que atua.

Tipologia críticoreflexiva

Mostra-se nos momentos em que o estudante expõe suas percepções, avalia situações e experiências ou até mesmo expressa suas opiniões. Nesse caso, essa tipologia é mais comumente apresentada nas considerações finais do Relatório, mas também pode aparecer de maneira implícita em outras partes do texto, uma vez que a imparcialidade do discurso é uma característica subjetiva.

Fonte: Silva (2021)

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Como se pode analisar, cada uma das tipologias apresenta características específicas na constituição do texto. Algumas delas carregam o conteúdo temático comumente visto nos Relatórios de Estágio Profissional, como é o caso das tipologias: referencial, teórico-científica e técnico-processual. Nesse caso, a natureza narrativo-descritiva é a característica mais presente nesses eixos, o que não é inadequado; mas, sem os demais eixos, limitam o estudante a uma construção com pouco ou nenhum significado emergente das atividades realizadas no ambiente profissional.

Em contrapartida, as dimensões que alcançam perspectivas diferenciadas – a tipologia reflexivocontextual, a tipologia procedimental, a tipologia construtiva e a tipologia crítico-reflexiva – fogem da trajetória unilateral e passam a potencializar a dimensão formativa do educando. Nelas, vemos um conjunto temático que se volta para o desenvolvimento de competências reflexivas acerca das experiências vivenciadas no mundo do trabalho, promoção de aspectos atitudinais compreendidos pelo educando (como a cooperação, o respeito e a ética), valorização do potencial criativo do estudante e expressão crítica do discente com relação ao curso e ao estágio propriamente dito.

Logo, são essas as tipologias que mais ganham notoriedade no decorrer do produto educacional, pois elas dão voz ao educando e carregam o potencial para concretizar as reflexões que tanto buscamos apresentar no decorrer deste texto. Nesse viés, o Travessia projeta um status de caminho possível para a construção do Relatório de Estágio sob a ótica da politecnia e dos gêneros discursivos.

6Consideraçõesfinais

Remar contra a correnteza é sempre mais difícil, mas às vezes é necessário quando queremos, de fato, chegar à outra margem do rio. Em muitos momentos somos levados pela força da água, contudo recuperamos o fôlego e voltamos a remar. A chegada é o ponto máximo, mas é da trajetória que não nos esquecemos.

Neste texto, trouxemos uma concepção dirigida ao Relatório de Estágio Técnico sob a perspectiva dos gêneros discursivos, como bem explicita nosso título. Dito assim, realizamos uma análise objetiva e pontual, na qual o processo analítico foi apenas um dos caminhos pelo qual passamos Por trás dele, evidenciamos uma articulação entre dois conceitos cuja relevância em suas respectivas áreas é mais do que notória; é substancial.

Mostramos que os gêneros discursivos dialogam com a formação politécnica e, juntos, nos permitiram compreender o Relatório de estágio como um instrumento cujas dimensões vão além de uma organização estrutural. Nesse sentido, o relatório se revela como um gênero do discurso marcado por uma identidade composicional, temática e estilística que, indissociavelmente, representa uma finalidade discursiva situada histórica e socialmente. Por essa razão, o Relatório é produto da criação humana que, dentro de sua esfera comunicativa, manifesta as vozes dos sujeitos que o estruturam.

Em análise dialógica com os autores escolhidos para este texto, verificamos que o roteiro de elaboração do relatório técnico adotado pelo IFAM Campus Manaus Centro, pouco se aproxima dos princípios formativos da politecnia. Além disso, a construção do relatório é conduzida de forma mecânica, sem destacar a significância da experiência vivenciada no mundo do trabalho, isto é, indicando uma postura de mero registro narrativo-descritivo que, em alguns pontos, engendra a experiência profissional como qualificação necessária para o êxito no mercado de trabalho.

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Em contrapartida, na última fração deste texto demonstramos a natureza didática de um material educativo estruturado a partir de unidades que se apropriam da concepção politécnica, ao mesmo tempo que possibilitam a compreensão de uma estrutura de relatório alicerçada na perspectiva sociodiscursiva dos gêneros textuais. Tal produto – denominado Travessia – propõe uma sistemática informacional do texto baseada em sete tipologias para a construção do conteúdo temático do Relatório, a partir das quais podemos entender como a articulação entre os conceitos aqui abordados pode, em expressivo grau, se materializar. Diante disso, consideramos a necessidade de as investigações relacionadas a essa temática serem aprofundadas, principalmente se considerarmos que um trabalho envolvendo de fato a produção dos estudantes ainda precisa ser feito. Portanto, salientamos a relevância das considerações alcançadas até aqui, mas vislumbramos um adensamento futuro que pode contribuir ainda mais com as discussões e ações tão urgentes no campo da EPT brasileira.

Referências

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RelatóriodeEstágioTécniconaperspectivadosgênerosdiscursivos:produção,reproduçãoesubversão Gilson Allefy Chaves da Silva, Deuzilene Marques Salazar VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 511-530, maio/ago.

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RelatóriodeEstágioTécniconaperspectivadosgênerosdiscursivos:produção,reproduçãoesubversão Gilson Allefy Chaves da Silva, Deuzilene Marques Salazar

COMO CITAR (ABNT): SILVA, G. A. C.; SALAZAR, D. M. Relatório de Estágio Técnico na perspectiva dos gêneros discursivos: produção, reprodução e subversão. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 511-530, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p511-530. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16335.

COMO CITAR (APA): Silva, G. A. C., & Salazar, D. M. (2022). Relatório de Estágio Técnico na perspectiva dos gêneros discursivos: produção, reprodução e subversão. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 511-530. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p511-530.

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Submetido em: 15 dez. 2021

Aceito em: 12 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p531-540

AescritadememoriaisnoProfEPT:experiênciaeconhecimento

Sandra Aparecida Fernandes Lopes Ferrari https://orcid.org/0000-0002-4252-3382

Doutora em Teoria da Literatura pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp). Professora no Mestrado ProfEPT do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO) – Porto Velho/RO – Brasil. E-mail: sandra@ifro.edu.br.

Iza Reis Gomes http://orcid.org/0000-0001-8668-1692

Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Professora no Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em Rede Nacional (ProfEPT) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO) – Porto Velho/RO – Brasil. E-mail: iza.reis@ifro.edu.br.

Resumo

Escrever academicamente é um exercício que envolve uma prática laboral. Neste artigo, o objetivo perpassa pela apresentação e análise de memoriais escritos por mestrandos do ProfEPT do IFRO Campus Porto Velho Calama. Refletir sobre a escrita de memoriais é a meta a ser alcançada quando solicitado o gênero como processo avaliativo. Na perspectiva humanizadora da EPT, supomos que a escrita de memoriais poderá levar o estudante a se autocriticar e autorrefletir sobre sua escrita, mobilizando várias configurações na dimensão pedagógica. Os pressupostos metodológicos utilizados neste artigo perpassam pela Pesquisa Aplicada, pautada numa experiência de escrita acadêmica por meio do gênero memorial, produzido pelos discentes do ProfEPT, na disciplina Seminário de Pesquisa. A escolha por três memoriais se deu devido às diferenças entre eles na oportunidade de mostrar as peculiaridades e caminhos de escolhas e ao trazer fatos e subjetividades ao gênero trabalhado. Como referencial dialogamos com teóricos, como Bakhtin (2006), Barthes (2004), Larrosa (2021) e Santos (2008). A reflexão a respeito dessa escrita se torna justificável pela possibilidade de o aluno de mestrado refletir sobre si e sua produção acadêmica no tocante às peculiaridades do ProfEPT. A escrita de memoriais no ProfEPT traz reflexões sobre o processo de escrita acadêmica e cogita o ponderamento a respeito do conhecimento necessário advindo de uma escrita híbrida, em que se pode mesclar os conhecimentos teóricos com reflexões interpretativas e subjetivas.

Palavras-chave: Escrita. Memoriais. Formação docente. Ensino Profissional.

Memorials writing at ProfEPT: experience and knowledge

Abstract

Writing academically is an exercise that involves practical work. In this article, the aim is the presentation and analysis of memorials written by ProfEPT master's students at IFRO Campus Porto Velho Calama. To reflect on the writing of memorials is the goal to be reached when asking for gender as an evaluative process. In the humanizing perspective of TVET, we assume that the writing of memorials can lead the student to self-criticize and self-reflect on their writing, mobilizing several configurations in the pedagogical dimension. The methodological assumptions used in this article are the description of an academic writing experience through memorials, produced by ProfEPT students. The selection of three memorials was made due to the differences between them in terms of the opportunity to show the peculiarities and paths of selection, and to bring facts and subjectivities to the chosen genre. As a reference, we dialogue with theorists, such as Bakhtin (2006), Barthes (2004), Larrosa (2021), and Santos (2008). The reflection about this writing becomes justifiable by the possibility of the master's students to reflect on themselves and their academic production regarding the peculiarities of ProfEPT. In a partial assessment, the writing of memorials in ProfEPT brings reflections on the academic writing process and a consideration regarding a necessary knowledge arising from a hybrid writing, in which theoretical knowledge can be mixed with subjective interpretive reflections.

Keywords: Writing. Memorials. Teacher Training. Technical and Vocational Education and Training (TVET)

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Escribir memoriales en ProfEPT: experiencia y conocimiento

Resumen

Escribir académicamente es un ejercicio que implica un trabajo práctico. En este artículo, el objetivo abarca la presentación y el análisis de memoriales escritos por estudiantes de maestría del ProfEPT del IFRO Campus Porto Velho Calama. Reflexionar sobre la redacción de memoriales es el objetivo por alcanzar al pedir el género como proceso evaluativo. En la perspectiva humanizadora de la EPT, asumimos que la redacción de memoriales puede llevar al alumno a autocriticarse y a reflexionar sobre su escritura, movilizando diversas configuraciones en la dimensión pedagógica. Los supuestos metodológicos utilizados en este artículo son la descripción de una experiencia de escritura académica a través de memoriales. La elección de tres memoriales se debió a las diferencias entre ellos en cuanto a la oportunidad de mostrar las peculiaridades y caminos de elección y de acercarle hechos y subjetividades al género trabajado. Como referencia, dialogamos con teóricos como Bakhtin (2006), Barthes (2004), Larrosa (2021) y Santos (2008). La reflexión sobre este escrito se justifica por la posibilidad de que el estudiante de maestría reflexione sobre sí mismo y su producción académica, considerando las peculiaridades del ProfEPT. En una evaluación parcial, la redacción de memoriales en ProfEPT trae reflexiones sobre el proceso de escritura académica y considera pensar sobre un conocimiento necesario derivado de una escritura híbrida, en la que se pueden mezclar conocimientos teóricos con reflexiones interpretativas subjetivas.

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Palabras clave: Escritura. Memoriales. Formación docente. Educación Profesional.

1Introdução

O sujeito, então, se escreve. Sua escrita vai se construindo nesta relação com o Outro, em suas relações originárias, nestas relações em que o sujeito 'tateia', tentando responder, porém, sem saber ao certo, o que o Outro quer, naquilo que, no desejo, é desconhecido (BERGAMASCHI, 2006, p. 55).

Escrever não é apenas registrar ideias, mas também refletir sobre o registro. Sabemos que a sociedade do audiovisual está ganhando espaço na contemporaneidade, em detrimento do texto escrito, sobretudo entre os mais jovens – a rapidez da vida contemporânea propõe a mitigação da experiência reflexiva própria da escrita, dando-lhe um teor de registro esparso de informações da oralidade. Para Barthes (2004), “Todas as escritas apresentam um caráter de fechamento que é estranho à linguagem falada.” Desta forma, a escrita propõe uma individualidade de expressão e, nesta perspectiva, significa materializar um pensamento individual e torná-lo coletivo.

O ato de escrever se concretiza de várias formas, depende do espaço em que está o sujeito escritor e as razões que o impelem a escrever. Dificilmente podemos afirmar que a linguagem é neutra, seja ela escrita ou falada. Ela carrega em si aspectos linguísticos, narrativos, culturais e afetivos. Nesse sentido, podemos ver o processo da escrita como um aspecto essencialmente dinâmico e interlocutivo, mas que envolve vários interlocutores com várias intencionalidades. De toda maneira, escrever qualquer tipo de texto é expor-se ou lograr-se tanto de modo subjetivo como objetivo.

Uma das formas de revelar-se, mesmo que por fragmentos de memória é a escrita de memoriais. A estrutura do memorial, como escolha de escrita, insere-se num tipo de narração da própria vida. Nesse tipo de texto, os sujeitos se revelam a si mesmos e aos outros, testemunhando suas experiências de vida. Sendo assim, traremos para análise três textos escritos por alunos ingressantes do Programa de Mestrado Profissional em Rede, da Instituição Associada IFRO. Os textos do gênero memorial serão analisados não como mero dispositivo de avaliação de uma disciplina, mas como escritas de si, que revelam ou escondem a identidade de cada aluno, o que será de grande importância para o Programa em sua dimensão pedagógica. Com este artigo, pretendemos centrar forças nas análises dos textos propostos, com o intuito de ressaltar a importância da visão ontológica e histórica da educação, na dimensão que integra conhecimentos e saberes advindos de cada ser social. Pretendemos também repensar nosso papel de formadores de docentes que irão atuar na EPT.

Os textos selecionados para esta análise inicial originam-se nas atividades desenvolvidas na disciplina Seminário de Pesquisa, ministrada no primeiro período do curso. Esta disciplina tem como foco repertoriar o aluno iniciante do curso, de pesquisas/produtos já implementados, bem como subsidiar as(aos) possíveis orientadoras(es) com informações sobre as futuras pesquisas desses mestrandos, a partir da análise dos pretensos objetos de pesquisas escolhidos e descritos por eles.

A escrita de memoriais, cuja identidade textual, em sua gênese, parece ser predominantemente de cunho descritivo/narrativo, por isso com marcas de pessoalidade, vai além dessa perspectiva, como veremos no decorrer das análises. Essas escritas não são apenas exercícios de expressão subjetivas, mas produzem vários tipos de reflexões: do ponto de vista organizacional do texto, da reflexão de si e do estar no mundo, da reflexão sobre a escrita acadêmica que requer um conhecimento não apenas técnico estrutural como registro de um repertório de conhecimentos e do pensamento organizado. Esses tipos de textos são primordiais, sobretudo no campo da educação humanizadora apregoada pela EPT, pois revelam o ser em sua subjetividade.

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2Memoriais:narrativasdesiedeoutros

Escritas de si, memórias, testemunhos, são alguns termos muito utilizados para os tipos de texto que se referem a falar sobre experiências de mundo de modo subjetivo. Na vida profissional docente, a escrita deve fugir da ideia de que escrever significa treinar técnicas adequadas a uma boa escrita acadêmica objetiva. Esse procedimento, como já sabido, tolhe a aquisição de conhecimentos de forma a promover a ideologia da reprodução de técnicas e fórmulas já estabelecidas, do ponto de vista da estrutura textual acadêmica. Nesse sentido, a maneira dinâmica, individual e interlocutiva fica esmaecida.

A escrita de si, no campo da educação, pode revelar não só a história de vida, mas o autoconhecimento de si, de perspectivas de novos saberes internalizados e pode funcionar como dispositivo para a prática profissional, cuja missão maior é levar seu aluno a pensar por si, através de seu repertório de conhecimentos adquiridos ao longo de sua trajetória de vida.

As narrativas de vida profissional e de formação estão presentes na vida acadêmica, no Brasil, desde a década de 1930, quando se usava a escrita de memorial para a seleção de candidatos ao cargo de professor (PASSEGGI; BARBOSA, 2008). No decorrer dos anos, o memorial tem exercido papel importante, tanto nos cursos de formação de professores como nos cursos de pós-graduação, nos quais tem sido utilizado como dispositivo de formação, onde o sujeito narrador, em um processo de escrita – crítica reflexiva –, narra a trajetória formativa de si, enfatizando os acontecimentos significativos para sua formação.

Muito se tem relacionado a ideia de conhecimento com experiência. Diferentemente do que se pode imaginar, a experiência, no processo educativo, vai além do narrar fatos sobre si que sirvam de lição para outrem, ou seja, a experiência como experimento mesmo, de caráter transitivo. Ao contrário, o conhecimento advém de uma relação implícita com a experiência/sentido. Para Larrosa (2021), não é a verdade que dá sentido à escrita e à educação, mas sim a experiência: “Educamos para transformar o que sabemos e não para transmitir o já sabido.”

No campo das Humanidades, sobretudo da educação, há pelo menos duas vertentes que influenciam sobremaneira no processo de escrita como experiência de si: a questão metodológica e a questão crítica. Para Larrosa (2021), “o par ciência/técnica remete a uma perspectiva positiva e retificadora, o par teoria/prática remete sobretudo a uma perspectiva política e crítica.” Para esse autor, a experiência é sempre “impura”, não é um conceito provável cientificamente, pois é única e não universal, é uma reflexão do sujeito sobre si mesmo, portanto, única.

A ciência como fonte única e soberana do conhecimento entra em colapso nos tempos atuais. Boaventura de Sousa Santos, em seu “Discurso sobre as Ciências”, um texto escrito no final do século XX, já preanuncia a crise da hegemonia das ciências puras, que desemboca numa forma diferente de entender o que é o conhecimento, que se volta também para o senso comum e o autoconhecimento:

A ciência pós-moderna, ao sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida. É esta que assinala os marcos da prudência à nossa aventura científica. A prudência é a insegurança assumida e controlada. (SANTOS, 2008, p. 91).

O pensamento desse autor nos revela que o paradigma de conhecimento realmente solidificado se dá pela junção do objeto que se quer conhecer com o conhecimento íntimo de cada ser, em primeiro lugar

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Iza Reis
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É comum, no campo pedagógico, utilizar-se de expressões como os “vários saberes”, “inteligência emocional”, entre outras. Muitas vezes, esses conceitos são escamoteados em nome de uma “novidade” que vira regra. As narrativas de si, neste caso, passam a serem vistas como dispositivos metodológicos para se atingir um determinado conhecimento coletivo, que sirva de “exemplo” e não como conhecimento único e inerente ao ser. Inevitavelmente, o conhecimento se tornará uma “acumulação progressiva de verdades objetivas” (LARROSA, 2021, p. 34). Nesse sentido, é preciso pensar e refletir sobre o que vem a ser de fato esses saberes, que por ora podem se constituir a partir das experiências vistas no sentido que estamos falando.

Desta forma, como experiência de escrita, ao focarmos nossa análise na produção de textos escritos por alunos do curso de mestrado em educação profissional e tecnológica do Instituto Federal de Rondônia – ProfEPT – IFRO, que revelam as escritas de si, ressaltamos que tais textos serviriam não apenas para o registro das experiências ou exercícios de escrita, mas para a mobilização de constantes reconfigurações na prática pedagógica.

Entendemos que, mesmo de modo subjetivo, a escrita do memorial promove um exercício racional, de organização mental de ideias tão importantes para o conhecer-se e o expressar-se, e, sobretudo, poderá auxiliar o mestrando na escrita mais objetiva de uma dissertação ou artigo científico, por exemplo.

O que pode ser um excelente instrumento de revelação do eu na trajetória de vida acadêmica.

O memorial poderá expressar o potencial criador do mestrando de acordo com suas escolhas e atitudes do passado. Segundo Bakhtin (2006), o sujeito é dialógico, ou seja, constrói suas histórias, discursos e narrativas sempre em relação ao outro, mesmo que esse outro seja ele próprio numa perspectiva autobiográfica.

E essa escrita autobiográfica nos apresenta marcas, pistas de uma identidade sempre em construção, em reconstrução. E cada memorial é construído de forma única, de partículas resgatadas do passado para um presente com contexto diferente. As escolhas dos fatos a serem expostos no memorial podem sugerir uma identidade de acordo com as linhas e nós que o sujeito escritor realiza em seu texto A escrita acadêmica em alinhavo com escolhas pessoais traz um exercício de expressão autoral que fica na fronteira do científico como autobiográfico. E o sujeito construído nessa narrativa será o protagonista, o narrador de visão única que tecerá memórias escolhidas para uma leitura de outro.

Escrever, na perspectiva que lhe é única, e sobretudo o gênero memorial, significa materializar um pensamento individual e torná-lo coletivo. Com isso, analisaremos alguns excertos dos memoriais produzidos pelos alunos ingressantes do Programa de Mestrado ProfEPT. Consideraremos que escrever sobre si não significa fazer somente um exercício de subjetividade, sem importância acadêmica, mas sim organizar o pensamento de modo racional, que demonstra uma experiência única, em um estilo único. E esse estilo pode ser traduzido, de início, pelos títulos:

1- Memorial Descritivo;

2- Memorial acadêmico: Formação Acadêmica e Profissional;

3- Memorial acadêmico: O menino, a escola, o professor e suas memórias.

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3MemoriaisdoProfEPT:umaconstruçãohíbridaeinquieta
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O primeiro e o segundo sugerem uma objetividade de escrita acadêmica, como única forma de expressão. O terceiro título sugere uma escrita voltada para as experiências subjetivas da vida profissional e pessoal. Veremos como isso se configura no decorrer das análises de cada texto.

A escolha destes textos para análise se deu por serem textos escritos em registros muitos distintos. No texto 1, o registro faz uso de uma linguagem objetiva, sucinta, cujas etapas da vida se dão por meio de marcadores de datas. No texto 2, há a reconstituição da própria trajetória constituída como o percurso do herói, no qual é necessário ultrapassar muitas dificuldades para conseguir o almejado. No texto 3, o ponto de destaque é a escrita marcada pelo domínio do que chamamos de estilo até certo ponto poético.

No texto 1, a escrita parece passar por uma espécie de autoafirmação dos fatos narrados, sobretudo os da vida profissional, como se no decorrer dos acontecimentos o(a) autor (a) se isentasse de qualquer dificuldade. É como se o sujeito narrado estivesse no patamar dos que são vencedores:

Obtive meu progresso profissional

Em 1991, fui convidada para assumir o cargo de professora…

Tive total liberdade para desenvolver meus projetos…

Passando pela minha memória, destacam-se os anos de… também sendo convidada…

…obtive grande destaque nacional…

Essa maneira eufórica de encarar a vida e seus entraves parece estabelecer uma resistência que pode mostrar ou esconder os fatos como realmente aconteceram. Essa postura pode demonstrar também uma autoria criadora com o objetivo de transparecer sucesso e vitórias em sua caminhada. Sabemos que houve dificuldades, no entanto, o autor(a) optou por não inserir, avaliando mais interessante abordar apenas as conquistas:

Cumprindo meu papel social…

O texto todo marcado por um estilo que quer destacar mais os sucessos que os fracassos, como também a necessidade de provar os conhecimentos adquiridos na trajetória da vida.

Ao ser solicitada a escrita de memoriais como parte avaliativa, a intenção era muito mais a de conhecer melhor o que pensa, o que sabe e o que faz cada aluno do que propriamente avaliar a estrutura híbrida desse tipo de texto. Entretanto, houve uma maior preocupação, por parte dos autores em escrever para ser avaliado:

Atualmente, sou mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT) com o objetivo de desenvolver um produto que colabore com a comunidade estudantil.

No texto 2, os marcadores vão na direção quase oposta do texto 1. As interposições são colocadas de forma que os tropeços e insucessos realçam as dificuldades encontradas, como se fosse possível justificar os fracassos na trajetória da vida. O tom do texto parece ser, portanto, de luta pela sobrevivência:

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[…] concluí meu ensino Médio em escola pública. Na época não consegui ser aprovada no vestibular …Precisei trabalhar para atender às necessidades básicas e isto dificultou e retardou minha inserção junto a um curso de nível superior

Inicialmente, detectei que não era possível efetivar naquela ocasião tudo que acreditava ser ágil no período do estágio…

Porém, o texto toma uma direção mais eufórica, quando narra com entusiasmo a escolha da área profissional. Esse é um dado interessante; há uma tensão crescente de estilo de escrita entre o que se era antes e o que se passa a ser a partir de descobertas feitas por intermédio do outro:

Ingressei no Curso de Ciências Sociais em 2009, mas atuava como balconista (vendedora), em uma empresa privada, desde 2006.

Acabei sendo aprovada […] para o curso de Ciências Sociais,

Escolhi esse curso por se tratar de uma área de conhecimento que envolvia as questões sociais

O curso foi bastante inspirador

Parece que o curso da narrativa segue o mesmo da vida narrada. A encontrar o motivo que o impulsiona e o move para um lugar de fala, o autor(a) também acelera o ritmo do texto e o organiza de forma mais objetiva possível, deixando rastro de confiança:

O produto educacional que pretendo realizar junto ao Programa de Pós-graduação em Educação Profissional e Tecnológica- ProfEPT […] “Violações de direitos, estigmatizações em comunidades tradicionais na Amazônia: Localizar, Empoderar e Dialogar”

O texto 3 apresenta uma estrutura bem cuidada academicamente, ao mesmo tempo que consegue mesclar a criação estilística ficcional e realística, de modo a ser considerado mesmo como um texto de tessitura híbrida. É um texto que tem um ritmo acelerado, ligado ao tempo cronológico, mas se detém, vagarosamente, num tempo que traz a memória psicológica. Esses marcadores textuais são devidamente dosados pelo autor.

Apontamos o início escolhido pelo(a) autor(a) para o texto 3:

Travessias e construção do Memorial Acadêmico "O narrador conta o que ele extrai da experiência - sua própria ou aquela contada por outros. E, de volta, ele a torna experiência daqueles que ouvem a sua história." Walter Benjamin

O autor escolhe um subtítulo poético para iniciar sua escrita; “Travessias e construção do Memorial Acadêmico”. No título, já percebemos a hibridização do gênero a ser escrito. A palavra Travessias evoca poeticidade, atravessamento, ultrapassar fronteiras; e a palavra construção evoca a elaboração, a criação. São duas ideias que se perpassarão e aparecerão em seu texto. Outro ponto é a evocação do teórico Walter Benjamim com uma epígrafe em que coloca o leitor no processo, alguém que irá ouvir a história dele.

Na continuidade, o autor utiliza da metalinguagem ao explicar o que está fazendo e ao mesmo tempo, teorizando e refletindo sobre esse escrever:

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Iza Reis
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Utilizo a palavra “desafio” para este texto porque há um limite tênue na produção acadêmica: o uso adequado das palavras, os sentidos que delas advêm e a necessidade do escrever científico. Isso quando não se tem fortes influências das literaturas e suas sinestesias. Proponho, então, o equilíbrio.

Ele consegue visualizar, além de rememorar e produzir um texto para uma atividade avaliativa, a possibilidade da crítica em relação à sua escrita. E o memorial acadêmico poderá levar o autor a refletir sobre essa inquietação.

As narrativas de si são colocadas na ordem eufórica, em que os “personagens” aparecem para serem coadjuvantes atuantes e precisos em suas conquistas e suas escolhas.

Aos cinco anos de idade fui para a pré-escola alfabetizado, uma vez que a ocupação de minha irmã adolescente era ensinar a escrever e ler.

Certo dia, para uma tarefa escolar, escrevi um texto com a máquina e minha professora disse para quando chegasse em casa que eu lesse para a família

O memorial transpõe a esfera do público e do privado; e é por isso que possibilita a transgressão das hierarquias, fazendo com que as referências sejam tanto pessoais como teóricas. O texto 3 é repleto delas, o que demonstra, do autor, conhecimento e capacidade de organização teórica:

É preciso realizar essa dinâmica desde a educação básica, omnilateral, com o reconhecimento do aluno enquanto ser social, ativo na luta das classes e dinâmico frente às tensões necessárias para a equiparidade humana, especialmente no que se refere à emancipação […]

Como temas de interesse à pesquisa: Práticas Educativas, Comunicação e Educação, Diversidade e Comportamento, pretendo desenvolver meu projeto, com foco nas estratégias transversais e interdisciplinares, com escopo nas Habilidades Sociais da Comunicação para a EPT.

O gênero memorial não é uma simples biografia em que se colocam datas e acontecimentos desvinculados do eu e da subjetividade. Ao mesmo tempo que narra sobre si, seus sentimentos, sua vida e suas mazelas, o autor pode deixar transparecer seus saberes e seus conhecimentos organizados teoricamente, servindo de embasamento não apenas para uma ideia, mas também para uma vivência, uma experiência narrada anteriormente, como no exemplo a seguir:

Como Clarice escreveu em sua gratidão à máquina:

Que é leve bastante para o meu estranho hábito: o de escrever com a máquina no colo. Corre bem, corresuave. Ela me transmite, sem eu ter que me enredar no emaranhado de minha letra. Por assim dizer provoca meus sentimentos e pensamentos.

As várias escolhas de marcadores textuais que demarcam a experiência e conhecimento de cada autor sobressaem-se nos textos 2 e 3. Neles, conforme já dissemos, os saberes aparecem como forma demarcatória do saber. Saber que perpassa o caminho da subjetividade para a objetividade, do individual para o coletivo. No texto 2, ao referir-se às escolhas, o autor enfatiza um motivo exterior:

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Sandra
Fernandes Lopes
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A experiência no estágio supervisionado… fez eu perceber que poderia fazer algo que aproximasse mais a Disciplina de Sociologia aos estudantes, uma vez que boa parte dos professores de Sociologia não eram graduados em Ciências Sociais, naquela ocasião. Além de ressaltar uma problemática vivida pelos professores e estudantes do Ensino Médio, uma vez que, os professores tinham que dar aulas de Sociologia para complementar suas cargas horárias de trabalho. Contudo, os estudantes sofriam prejuízos teóricos, não compreendiam a relevância da disciplina, tampouco a percebiam enquanto elemento essencial para uma boa colocação junto aos resultados do ENEM.

Desse modo, a perspectiva pessoal transborda para uma análise do lugar da área nos currículos do Ensino Médio, além da falta de profissionais especializados que, segundo ela, ocasionam prejuízos teóricos. Os limites entre o abstrato e o concreto, o sentimento e a razão tornam-se mais opacos. A elaboração do pensamento deixa de ser compartimentada, materializando-se na escrita por uma seleção que deixa ver tanto a formação humana como a formação profissional. Ou melhor, que esta faz parte daquela. Nesse sentido, vimos que o memorial como gênero acadêmico está na esfera dos mais completos, por ser um texto de cunho intimista, descritivo, que revela, além do poder de organização textual, também conhecimentos teóricos e saberes empíricos do sujeito. Essa forma de registro textual revela o que pode ser escondido pela neutralidade e imparcialidade, abrindo um campo discursivo, teórico e crítico. No caso dos alunos do ProfEPT, Programa de Mestrado em rede nacional, que ingressam no curso sem um projeto de pesquisa pré-definido, o memorial pode funcionar como uma espécie de tornar-se conhecido para o Programa. A escrita do memorial instaura-se de forma híbrida, na ordem do “expor-se” e ao mesmo tempo do “lograr-se”. Logo, como já dissemos, o ato de escrever se reveste de várias formas, depende do espaço em que está o sujeito e as razões que o impelem a escrever, já que nenhum texto é autônomo, sem intencionalidade.

4Brevesconsiderações

O ProfEPT tem como proposta formar professores para atuarem na educação profissional e tecnológica de nível médio. Em sua gênese, a educação profissional vislumbra o ser humano histórico e social, visto de forma integral. Desta forma, o professor que atua nessa área precisa estar preparado para compreender que a lógica pragmática isolada esvazia a ciência e a educação. Dizendo de outro modo, a relação teoria e prática deve estar atrelada ao campo de conhecimento omnilateral de mundo. O conhecimento se adquire, portanto, não apenas com a descrição de uma realidade, de modo positivista, mas com a compreensão e análise dessa realidade de maneira ontológica. Desta forma, o sujeito constrói seu conhecimento a partir dos saberes que lhe são inerentes política, social e filosoficamente.

O gênero acadêmico memorial poderá contribuir para a formação docente no contexto da EPT no sentido de o estudante reconhecer que a escrita de si é um aspecto fundamental para a educação humanizadora em seu exercício profissional. Os memoriais podem ser avaliados como narrativas que contemplam a visão acadêmica com a intenção de se mostrar e apresentar seus pontos positivos em relação à carreira profissional e pessoal, perpassando por várias subjetividades. E nessas narrativas híbridas são compartilhadas as subjetividades familiares, pessoais, de formação, de crescimento profissional em uma escrita criadora única. O memorial como escrita de si pode ajudar o mestrando a conhecer-se e a se enxergar no processo de aprendizado para a formação docente. É um exercício que evoca, em sintonia com Passeggi e Barbosa (2008), uma performance, um fenômeno social e uma formação de si, de um sujeito que, por meio da escrita, produz informações que foram marcantes em sua trajetória.

AescritadememoriaisnoProfEPT:experiênciaeconhecimento Aparecida Ferrari, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 531-540, maio/ago. 2022

Sandra
Fernandes Lopes
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Entendemos que, mesmo de modo subjetivo, a escrita do memorial promove um exercício racional, de organização mental de ideias tão importante para o conhecer-se e o expressar-se, e, sobretudo, poderá auxiliar o mestrando na escrita mais objetiva de uma dissertação ou artigo científico, por exemplo. O que pode ser um excelente instrumento de revelação do eu como sujeito autônomo na trajetória de vida acadêmica.

Referências

BARTHES, R. O grau zero da escrita: seguido de novos ensaios críticos. Trad. Mário Laranjeiras. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

BAKHTIN, M. Metodologia das Ciências Humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. [1974]. p. 393-410.

BERGAMASCHI, R. Escrita morte-origem em psicanálise. 2006. Dissertação (Mestrado em Psicologia) Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2006.

LARROSA, J. Tremores: escritos sobre experiência. Tradução: Cristina Antunes e João Wandeley Giraldi. 1. ed., 5. reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2021.

PASSEGGI, M. C.; BARBOSA, T. M. Memórias, memoriais: pesquisa e formação docente. Natal: EDUFRN; São Paulo: Paulus, 2008. Coleção Pesquisa (Auto)Biográfica & Educação.

SANTOS, B. S. Um discurso sobre as ciências. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2008.

COMO CITAR (ABNT): FERRARI, S. A. F. L.; GOMES, I. R. A escrita de memoriais no ProfEPT: experiência e conhecimento. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 531-540, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p531-540. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16562.

COMO CITAR (APA): Ferrari, S. A. F. L., & Gomes, I. R. (2022). A escrita de memoriais no ProfEPT: experiência e conhecimento. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 531-540. https://doi.org/10.19180/18092667.v24n22022p531-540.

AescritadememoriaisnoProfEPT:experiênciaeconhecimento Sandra Aparecida Fernandes Lopes Ferrari, Iza Reis Gomes VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 531-540, maio/ago. 2022

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Teachers' perceptions about the integrated curriculum at the Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio Grande do Norte (IFRN)

Abstract

This research had its origin in studies undertaken in two Master's dissertations. It aimed to identify the perception of teachers about the integrated curriculum in the context of IFRN, through five categories of analysis, namely: a) conception of IP in the dissertations analyzed; b) relationship between IP and EMI; c) interdisciplinarity; d) relationship between IP and human formation; and e) challenges or limitations in the development of IP. The research was based on the following questions: how do the actors involved conceive IP? what are the contributions of IP for the materialization of the Integrated Curriculum in IFRN, and which challenges in the context of IP need to be overcome? The methodology used had a qualitative approach, supported by a bibliographic review, for covering the literature already made public regarding the production of the dissertations. In the theoretical composition, we operated with the support proposed by authors such as Imbernón (2011), Pena (2011), Silva (2014), Fazenda (2014), Henrique and Nascimento (2015), Pacheco, (2015), Santos and Souza (2021), among others. The results found pointed out that the two dissertations analyzed allow a reflection about the practices of the integrated curriculum. The limitations presented in these studies suggest the possibility of changes in teaching-learning practices to strengthen interdisciplinarity and form a subject that thinks and acts beyond the labor market.

Keywords: Teaching. Professional Education (TVET). Integrated Curriculum. Pedagogical practice.

Percepciones de los profesores sobre el currículo integrado en el Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología de Rio Grande do Norte (IFRN)

Resumen

Esta investigación tuvo su origen en los estudios realizados en dos tesis de maestría. Su objetivo fue identificar la percepción de los profesores sobre el currículo integrado en el contexto de la IFRN, a través de cinco categorías de análisis, a saber: a) concepción del PI en las disertaciones analizadas; b) relación entre el PI y la EMI; c) interdisciplinariedad; d) relación entre el PI y la formación humana; y e) desafíos o limitaciones en el desarrollo del PI. La investigación se basó en las siguientes preguntas: ¿cómo conciben los actores implicados los PI? ¿cuáles son las aportaciones de los PI para la materialización del Plan de Estudios Integrado en la IFRN y qué retos en el contexto de los PI hay que superar? La metodología utilizada tuvo un enfoque cualitativo, apoyado en la revisión bibliográfica, ya que abarca la literatura ya hecha pública sobre la producción de disertaciones. En la composición teórica, operamos con el soporte propuesto por autores como Imbernón (2011), Pena (2011), Silva (2014), Fazenda (2014), Henrique y Nascimento (2015), Pacheco, (2015), Santos y Souza (2021), entre otros. Los resultados encontrados señalan que las dos disertaciones analizadas permiten una reflexión sobre las prácticas del currículo integrado. Las limitaciones presentadas en estos estudios sugieren la posibilidad de cambios en las prácticas de enseñanzaaprendizaje para fortalecer la interdisciplinariedad y formar un sujeto que piense y actúe más allá del mercado laboral.

Palabras clave: Docencia. Formación Educación Profesional. Plan de estudios integrado. Práctica pedagógica.

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1Introdução

A materialização da integração curricular continua se configurando uma dimensão desafiadora no contexto da prática nas instituições que ofertam cursos técnicos na forma Integrada ao Ensino Médio. Tal desafio expressa o distanciamento entre as intencionalidades presentes nos modelos pedagógicos de cursos integrados e as formas concretas com que ele se encarna no real (SILVA, 2014).

Neste estudo, investigamos os resultados de duas pesquisas de mestrado com o objetivo de compreender a percepção dos professores sobre as configurações da prática e a concepção do currículo integrado tendo como interface pedagógica o Projeto Integrador (PI). Temos como questões diretivas: como os atores envolvidos concebem o PI? quais os contributos do PI para a materialização do Currículo Integrado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN)? quais desafios no contexto do PI precisam ser superados?

Ambas as dissertações tiveram como objetivo conhecer as práticas docentes e as suas concepções sobre o PI e ocorreram em dois Programas de Pós-Graduação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), Campus Mossoró: o Mestrado Acadêmico em Ensino, produto de uma associação entre o IFRN, a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e a Universidade Federal do Semi-Árido (UFERSA), doravante “Dissertação 1”; e o Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT), em Rede Nacional, “Dissertação 2”.

Na dissertação 1, cujo título é o “Projeto integrador no Ensino Médio Integrado: intervenção pedagógica para docentes na Educação Profissional e Tecnológica”, Leite (2022), mediante rodas de conversas, visou contribuir para a formação continuada de docentes do Curso Técnico de Nível Médio em Edificações na forma Integrada acerca da prática do PI no IFRN, no Campus Mossoró. Na dissertação 2, intitulada “Projetos integradores no IFRN: reflexões sobre os documentos norteadores e o contexto da prática no campus Mossoró”, Santos (2018) teve como objetivo central analisar a execução do PI no Curso Técnico de Nível Médio Integrado em Informática, no IFRN, no Campus Mossoró.

A partir de leituras e de uma abordagem comparativa entre os dois trabalhos, selecionamos quatro categorias de análise, quais sejam: a) concepção de PI nas dissertações analisadas; b) relação entre PI e EMI; c) interdisciplinaridade; d) relação entre PI e formação humana; e e) desafios ou limitações no desenvolvimento do PI.

Compreendemos que as questões propostas representam ganhos teóricos propiciados pela investigação acerca das configurações do trabalho pedagógico mediados por experiências formativas globalizadoras e arquiteturas pedagógicas que fortaleçam a perspectiva relacional dos saberes e as trocas dialógicas. Outrossim, os temas abordados nos levam a refletir a respeito de temas possíveis e necessários para discussões em nível de pós-graduação stricto sensu, por entender que essas produções formam um aporte científico capaz de subsidiar o repensar as reformulações das políticas formativas. Obviamente, não estamos afirmando que os resultados obtidos nos dois estudos possam ser generalizados para o restante da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT).

A escolha por abordar a percepção docente sobre currículo integrado no IFRN se fez considerando a premissa de que tal instituição se posiciona epistemologicamente em seus documentos orientadores em defesa de um currículo integrado. Nessa proposição curricular, assume-se “a formação omnilateral – com uma proposta de educação politécnica – voltada para a formação cidadã” (INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RIO GRANDE DO NORTE, 2012a, p. 51).

Percepçõesdeprofessoresacercadocurrículointegradono InstitutoFederaldeEducação,CiênciaeTecnologiadoRioGrandedoNorte(IFRN) Luiz Antonio da Silva dos Santos, Maria da Conceição Souza do Nascimento Carlos Leite, Francisco das Chagas Silva Souza 543 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 541-555, maio/ago. 2022

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Dessa maneira, reconhecemos que é preciso respeitar as percepções dos professores. Libâneo (2004, p. 227) assinala a relevância dessas reflexões, quando defende que “não basta saber sobre os desafios da profissão, é preciso refletir sobre elas e buscar soluções, de preferência, mediante ações coletivas”. Nessa linha, Imbernón (2011) orienta concernente à relevância da interlocução e à escuta ativa da opinião do professorado no momento do planejamento, da ação e da avaliação dos resultados.

Para melhor compreensão do trabalho, além desta introdução, apresentamos uma seção metodológica, abordando procedimentos, escolhas e caminhos da pesquisa. Na terceira seção, trataremos dos resultados amostrais da interseção das duas pesquisas em análise, como também das discussões e das possíveis implicações que delas emanam.

2ProcedimentosMetodológicos

Essa investigação tem caráter qualitativo e visa conhecer os sentidos atribuídos por professores do IFRN concernentes ao currículo integrado com apoio das mediações do PI. A opção pela abordagem qualitativa está apoiada nos estudos de Yin (2016), o qual assinala que essa tipologia considera o conteúdo de significações da vida das pessoas dentro das condições contextuais em que vivem e que, ao descrever algo, os sujeitos tendem a revelar suas percepções, desejos, crenças e até mesmo seus comportamentos. Nessa direção, Minayo (2001, p. 10) argumenta que

a pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

A metodologia utilizada também se apoiou na revisão bibliográfica a partir dos estudos de autores como Imbernón (2011), Pena (2011), Silva (2014), Fazenda (2014), Henrique e Nascimento (2015), Pacheco (2015) e Santos e Souza (2021), entre outros.

Alguns documentos institucionais também foram consultados, a saber: o Projeto PolíticoPedagógico do IFRN (2012a), o Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Informática na forma integrada (2012b), a Organização Didática (2012c) e o Projeto Pedagógico do Curso Técnico de Nível Médio em Edificações na forma integrada (2012d).

Dialogando com o núcleo analítico da pesquisa, salientamos que, na apresentação dos relatos, os professores participantes tiveram sua identificação codificada para preservar o anonimato, sendo identificados por R1, R2, R3, R4…R24, atribuídos de forma aleatória.

A dissertação 1 se configura como uma investigação do tipo qualitativa e exploratória. Seus procedimentos metodológicos abarcaram uma matriz teórico-metodológica composta por vários instrumentos, quais sejam: revisão da literatura, análise documental, entrevistas abertas e aplicação de questionários. A recolha de dados compreendeu as entrevistas com três servidores que atuaram no Projeto Integrador e a aplicação de questionários semiestruturados com 24 estudantes. A dissertação 2 baseou seus procedimentos metodológicos em uma revisão bibliográfica sobre EMI, uma pesquisa documental sobre os projetos integradores no âmbito do IFRN, assim como a aplicação de questionários para 25 docentes que lecionam no Curso Técnico de Nível Médio em Edificações na forma integrada do IFRN/Campus Mossoró.

Luiz Conceição Carlos Francisco Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 541-555, maio/ago. 2022

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Para a interpretação das categorias analíticas, foram adotadas também algumas técnicas da análise de conteúdo (BARDIN, 2011). A pesquisa contemplou a realidade de um período específico, cujo recorte temporal da dissertação de Santos (2018) se localiza nos meses de dezembro de 2016 a dezembro de 2017. A dissertação de Leite (2022) situa-se de dezembro de 2021 a julho de 2022.

3Resultadosediscussões

Para a análise que se segue, objetivamos aprofundar as compreensões dos professores mediante o recorte das dissertações relacionadas ao PI desenvolvido nos Cursos Técnico de Nível Médio Integrado em Informática e o Curso Técnico de Nível Médio em Edificações na forma Integrada, no âmbito do IFRN, Campus Mossoró.

Com relação aos projetos integradores, partimos do pressuposto que esses são entendidos como uma metodologia ancorada na concepção de currículo integrado e na perspectiva interdisciplinar capaz de enfrentar a compartimentalização dos saberes, mediante uma interface pedagógica que carrega a possibilidade de diálogos fecundos entre currículo integrado e formação humana integral (SANTOS, 2018; SANTOS; SOUZA, 2021).

O impulso investigativo dessa pesquisa deriva-se do fato de que o IFRN assumiu em seus documentos oficiais o compromisso pedagógico com o currículo integrado e os Projetos Integradores, dialogando com a compreensão do sentido de que esses projetos têm um caráter imprescindível na matriz conceitual e pedagógica mediante um enfoque integrador e relacional dos saberes.

Inicialmente realizamos uma pré-análise, fase que, para Bardin (2011, p. 125), caracteriza-se por intuições, e que tem por objetivo “tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise”. Como se tratava apenas de duas dissertações, nessa fase já foi possível criar uma categorização, “uma operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação e, em seguida, por reagrupamento segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos” (BARDIN, 2011, p. 145). Enfim, segundo a autora, “Classificar elementos em categorias impõe a investigação do que cada um deles tem em comum com os outros. O que vai permitir o seu agrupamento é a parte comum entre eles” (BARDIN, 2011, p. 146). Portanto, como acontece na análise documental, a categorização visa fornecer, por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos.

Baseados nessa perspectiva, tendo por fim conhecer as percepções dos professores sobre o currículo integrado nas mediações do PI, definimos quatro categorias de análise: a) concepção de PI nas dissertações analisadas; b) relação entre PI e EMI; c) interdisciplinaridade; relação entre PI e formação humana; e d) Desafios ou limitações no desenvolvimento do PI.

3.1 Concepção de PI nas dissertações analisadas

Luiz Antonio da Silva dos Santos, Maria da Conceição Souza do Nascimento Carlos Leite, Francisco das Chagas Silva Souza Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 541-555, maio/ago. 2022

Nessa categoria, apresentamos e discutimos as declarações dos docentes acerca do que compreendem sobre PI, importante para conhecermos como orientam e organizam o conhecimento para ação. Para nos subsidiar no tratamento da análise dessa categoria, buscamos em Manrique (2003) alguns fundamentos sobre concepção. Para essa autora, a concepção é um filtro que orienta o entendimento do

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real, sendo que essa pode distorcer ou bloquear uma “imagem”, mediante representações decorrentes de experiências mediadas pelo outro. Quando estudamos o vínculo entre concepção e prática, é consenso nos estudos de Monteiro (1992) e Manrique (2003) o desafio de identificar a influência que uma atua sobre a outra, levando à mudança de uma ou de ambas, pois trata-se de uma relação sutil e dialética.

Tomando como ponto de partida o composto de informações referentes à percepção dos docentes pesquisados acerca do PI presente em ambas as dissertações, os estudos realizados e descritos na dissertação 1 (LEITE, 2022) apresentam que 12 (44%) dos participantes responderam que ainda não têm informação suficiente sobre o referido projeto. Convém ressaltar a informação de que há docentes que, apesar de estarem há mais de três anos na instituição, desconhecem essa prática pedagógica ou ainda não participaram dela. Esse dado sugere a insuficiência tanto da discussão a respeito de estratégias que equacionem tal desconhecimento quanto de sua implementação, visto que o PI é concebido como uma prática integradora dentro do IFRN, prevista nos documentos oficiais anteriormente mencionados visando articular temáticas, saberes e conhecimentos disciplinares que promovam a interlocução entre a formação geral e a formação técnico-profissional.

Dialogando com essa categoria de análise, a dissertação 2 (SANTOS, 2018) constata que os docentes apresentam uma relativa compreensão do PI, mas o descrevem numa perspectiva desalinhada quanto ao que os documentos institucionais preconizam: Projeto Político-Pedagógico (2012a), Organização Didática (2012b) e Projeto Pedagógico do Curso Técnico de Nível Médio Integrado em Informática (2012c). Logo, os posicionamentos estão distantes do significado que expressa uma noção de práticas interdisciplinares que objetivamente faça dialogar com a área técnico-profissional e a área de formação geral do ensino médio. Dessa forma, há uma confluência das duas dissertações em identificar as necessidades formativas concretas que os docentes do IFRN/Mossoró têm sobre práticas integradoras, e, consequentemente, sobre como efetivar um PI que respeite a interdisciplinaridade que ele teoricamente promete.

Segundo Henrique e Nascimento (2015, p. 63), para esses autores “o projeto integrador é um tipo de prática integradora que visa superar tanto as dicotomias existentes entre teoria e empiria como a fragmentação historicamente construída entre as disciplinas e campos do conhecimento”.

Considerando a perspectiva integradora do conhecimento, Frigotto (2005, p. 116) observa que:

o currículo integrado organiza o conhecimento e desenvolve o processo de ensino-aprendizagem de forma que os conceitos sejam apreendidos como sistema e relações de uma totalidade concreta que se pretende explicar/compreender […] A interdisciplinaridade, como método, é a reconstituição da totalidade pela relação entre os conceitos originados segundo distintos recortes da realidade, dos diversos campos da ciência, representados em disciplinas.

A interdisciplinaridade é o primeiro passo para buscar superar essa estrutura hegemônica que privilegia um elemento em detrimento do outro, que hierarquiza o que é supostamente mais importante, fragmentando ainda mais a sociedade e o conhecimento.

Isso posto, destacamos que o IFRN admite o EMI como uma arquitetura formativa interdisciplinar que busca a articulação de ciência, cultura, tecnologia e trabalho, com a finalidade de formar sujeitos considerando a plenitude de suas potencialidades, garantindo, assim, o direito a uma educação plena que lhes permitam acesso a um patrimônio cultural que compreende saberes científicos, tecnológicos e culturais. Portanto, o modelo formativo do EMI se constitui um projeto contrahegemônico, apresentando, dessa forma, muitos desafios em direção à materialidade.

Luiz Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 541-555, maio/ago. 2022

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3.2 Relação entre PI e EMI

Uma leitura cuidadosa das duas dissertações utilizadas neste artigo nos mostra algumas similaridades entre as duas pesquisas no que diz respeito à relação entre o PI e o EMI.

Na dissertação 1, Leite (2022) apontou uma percepção fragmentada do público-alvo de sua pesquisa quanto às possibilidades de integração do PI e o EMI. Nesse sentido, algumas respostas dos docentes demonstraram dificuldade de acreditar que o projeto possibilita uma aproximação da formação integral. Podemos verificar algumas dessas respostas registradas no questionário aplicado pela pesquisadora:

Há uma relação de interação e possível contradição. Haja vista que em um curso de ensino médio realmente integrado, não seria necessário um PI. (R1);

Vejo como um espaço importante, mas não suficiente para que o princípio da integração seja atingido. (R3);

Uma forma de se conseguir esse tão falado Ensino Médio Integrado, poderia ser através de Projetos Integradores, mas, creio que nesse ponto ainda temos muito a caminhar. (R4);

É a compatibilização entre as disciplinas. (R16);

O PI é a ferramenta que permite avaliar o aluno nessa modalidade de ensino. (R23). (LEITE, 2022, p. 66).

Mediante as respostas explicitadas no questionamento sobre como os docentes concebem o PI dentro do Curso Técnico de Nível Médio em Edificações na forma Integrada, podemos averiguar que o entendimento de grande parte dos docentes respondentes sobre essa questão caminha na direção de não terem experiência com o projeto, reiterando desconhecimento referente à prática e a necessidade de maior acompanhamento pedagógico e de leitura dos documentos institucionais que direcionam as suas práticas. Retomando a função do PI e sua relevância para a instituição, Pacheco (2015) defende que este se apresenta com uma das maneiras de viabilizar a construção de propostas pedagógicas integradoras, na perspectiva do EMI, em razão de criar situações que promovem uma aprendizagem que potencializa a ação humana na busca de caminhos de vida mais dignos.

Comparando as duas pesquisas, tanto na dissertação 1 (LEITE, 2022) quanto na dissertação 2 (SANTOS, 2018), foi possível observar que o PI – mesmo advogando a articulação e o interrelacionamento dos conhecimentos das disciplinas de formação geral e técnicas com vistas a promover a interlocução entre os conhecimentos científicos, tecnológicos, sociais e humanísticos –, na prática, envolve apenas as disciplinas técnicas específicas dos dois cursos analisados.

Considerando essa categoria convergente, o trabalho de Santos (2018) afirma que a formação continuada na Educação Profissional e Tecnológica (EPT) constitui um desafio para as ações integradas dentro da instituição, pois, com frequência, os docentes da área técnica não possuem formação na área pedagógica, o que poderia configurar um fator limitante no andamento do PI. Sobre esse desafio formativo, Pimenta e Anastasiou (2008, p.104) assinalam que

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os pesquisadores dos vários campos do conhecimento (historiadores, químicos, filósofos, biólogos, cientistas políticos, físicos, matemáticos, artistas, etc.) e os profissionais das várias áreas (médicos, dentistas, engenheiros, advogados, economistas, etc.) adentram o campo da docência no ensino superior como decorrência natural dessas suas atividades e por razões e interesses variados. Se trazem consigo imensa bagagem de conhecimentos nas suas relacionadas áreas de pesquisa de atuação profissional, na maioria das vezes nunca se questionaram acerca do que significa ser professor. […] dormem profissionais e pesquisadores e acordam professores.

No tocante à formação de professores para a EPT, Pena (2011, p. 111) coloca-nos, entre outros, os seguintes elementos:

De que formas esses profissionais, oriundos das diferentes áreas profissionais, caracterizam seu processo de aprendizagem da docência? Em que aspectos fundamentam suas escolhas conceituais e metodológicas para organizar o seu trabalho pedagógico em sala de aula visando garantir a aprendizagem efetiva dos alunos? Quais as relações que os professores da EP vão construindo entre o seu conhecimento do conteúdo e sua prática docente, ao longo de sua trajetória profissional? Com quais desafios esses professores se deparam durante sua trajetória profissional no magistério e que estratégias constroem para enfrentá-los no exercício da docência?

O contexto anunciado pelos dois contributos teóricos nos impõe certa apreensão com a formação dos professores para atuarem na EPT e confirmam a necessidade urgente de buscar soluções para a elaboração de propostas formativas específicas para a docência nessa modalidade. Na perspectiva de Imbernón (2011), os cursos devem ofertar aportes aos professores para que estes, além de construírem os conhecimentos pedagógicos estruturantes ao ensino – sua principal função –, sejam capazes de produzir situações formativas interdisciplinares que possibilitem a integração dos conhecimentos e os procedimentos aprendidos.

Baseados nos relatos obtidos, reconhecemos que essas dificuldades podem interferir no desenvolvimento da política curricular em análise, descaracterizando-a de sua proposta original e frustrando a materialização dos seus objetivos. Assim, é necessário ter clareza que, para que haja efetivação da integração curricular comprometida com a formação integral do ser humano, é preciso pensar para além da organização dos conteúdos escolares, é imprescindível o engajamento ético, político e social da materialidade da sua operacionalização.

3.3 Interdisciplinaridade

A categoria interdisciplinaridade se trata de uma categoria fundamental na percepção dos docentes investigados. Sobre a sua conceituação, recorremos aos estudos de Fazenda (2003, p. 75), a qual pondera que a interdisciplinaridade decorre mais do encontro entre os indivíduos, pautados no diálogo, no respeito ao modo de ser de cada um, do que no encontro entre disciplinas, portanto destaca também que “a interdisciplinaridade não é uma categoria de conhecimento, mas de ação”.

Para Ciavatta (2015), a interdisciplinaridade é a busca por integrações que colaborem no desenvolvimento da compreensão dos fenômenos na totalidade social que os constitui, concebendo-os como resultado da produção social do ser humano em determinado contexto, em múltiplas relações e em complexos processos sociais.

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Buscando compreender a execução do PI e suas configurações interdisciplinares, os participantes foram inquiridos acerca do que entendiam sobre a categoria interdisciplinaridade. Com base nos substratos da pesquisa de Leite (2022, p. 71), alguns docentes, em suas respostas, demonstraram similaridade no modo de pensar entre si, resumindo-se a:

É a relação entre conteúdos disciplinares (R13);

A aplicação integrada de várias disciplinas diferentes (R15);

É a compatibilização entre as disciplinas (R16);

Uma relação entre as disciplinas (R22).

Fazenda (2014, p. 38) nos auxilia a analisar as respostas desses docentes. Para ela, a noção de junção de conhecimentos está mais ligada ao “âmbito de pluri ou multidisciplinaridade, considera-se uma atitude de justaposição de conteúdos de disciplinas heterogêneas ou a integração de conteúdos numa mesma disciplina”. Percebemos, em algumas respostas, que o sentido dado à integração está mais ligado ao aspecto da organização das disciplinas, visto como um momento anterior ao da interdisciplinaridade (FAZENDA, 2011). Assim, a integração consiste, no primeiro passo, em uma atitude interdisciplinar, inclusive para a integração não só dos conteúdos, mas principalmente das pessoas.

Para pensarmos na interdisciplinaridade dentro do PI, o primeiro sentido é provocar a produção de conhecimentos que de forma individual não conseguiríamos à compreensão de um outro nível de percepção da realidade.

Na dissertação 2, Santos (2018) expressa que a interdisciplinaridade não ocorre somente por força da lei ou pela vontade do professor, do gestor ou coordenador pedagógico. Esta só pode se materializar em um ambiente colaborativo entre os professores e demais atores escolares, tecida na confiança e no entrosamento da equipe e, ainda, respeitando o tempo disponível para que isso aconteça. Por isso, a importância de um projeto educativo que preveja e assegure tempo, espaço e horários de atividades docentes para que uma proposta de interdisciplinaridade possa se consolidar institucionalmente. Nesse sentido, trazemos a importância de um olhar crítico e reflexivo sobre essa realidade no projeto, com intuito de gerar mudanças no fazer pedagógico dentro do IFRN, com base na análise de Freire (1996, p. 40), que afirma: “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunde com a prática”.

No tocante ao PI, é necessário compreender que, para a efetivação dessa prática globalizadora, é preciso compromisso com a formação integral do ser humano, pensar para além da organização dos conteúdos disciplinares. Dessa maneira, é essencial o engajamento ético, político e social da materialidade da sua operacionalização. Neste contexto, a participação, a entrega, o envolvimento dos professores no PI são fundamentais para a realização e a concretização de uma prática interdisciplinar Portanto, a discussão e a reflexão das percepções docentes sobre a própria prática possibilitam uma ressignificação dessa práxis pedagógica.

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3.4 Relação entre PI e formação humana

O Curso Técnico de Nível Médio em Edificações na forma integrada, ao articular o Ensino Médio à Educação Profissional, visa propiciar a formação humana integral, em que o objetivo profissionalizante não tenha um fim em si, nem seja orientado pelos interesses do mercado de trabalho, ao contrário, constitua-se em uma possibilidade para a consecução dos projetos emancipadores de vida dos estudantes.

Diante do exposto, percebemos a reincidência de respostas que expõem a não compreensão por grande parte dos docentes participantes do que diz respeito à contribuição da prática do projeto para a formação dos estudantes em uma perspectiva integral. Nesse âmbito, inferimos que as instituições que tenham compromisso com projeto formativo ético-político do EMI possibilitem a construção de um perfil para além das questões operacionais, contemplando as diversas dimensões da formação humana.

Na dissertação 2, Santos (2018) registra que não é possível identificar nas falas dos respondentes marcas de contribuições efetivas que tocassem no objetivo central do PI, como uma proposta que pretende colocar numa perspectiva relacional a área de formação geral e a área de formação técnico-profissional. Convém assinalar que o direcionamento que reforça as disciplinas técnicas no PI condiciona também percepções reduzidas de contribuições apenas para essa área técnica. Mesmo se afastando dos propósitos centrais do projeto, Santos (2018, p. 87) afirma:

Com muita frequência, identificamos o PI como sendo responsável pela oportunidade de ampliar os conhecimentos da área técnica, permitindo associações dos conhecimentos adquiridos com a prática profissional, de modo a colaborar para a apropriação dos saberes vinculados à área da informática. Dessa maneira, não foi possível verificar nas falas dos estudantes resultados do projeto que estejam em consonância com seus objetivos propostos nos documentos orientadores. Também observamos que foi por meio do PI que houve uma maior abertura para as vivências profissionais e para a prática de conhecimentos escolares. Houve ainda 17% dos respondentes considerando que não houve contribuições no PI para sua formação. Assim, assumem uma posição em que parecem não estar convencidos da importância do PI em seus processos formativos.

Desse modo, na análise geral da fala dos respondentes a respeito da execução do PI, observamos que estes ainda possuem dificuldades no tocante à concepção, conforme orientação das diretrizes oficiais do IFRN. Nessa perspectiva, também é possível observar que esse formato de desenvolvimento do PI não se consolidou sistemática e periodicamente como deveria ser segundo o documento XX, e nem se perceberam ajustes operacionais no seu percurso com vistas à adequação entre o desenho e o seu desenvolvimento. Sintetizando nossa análise, parece-nos que as experiências do PI acabaram se reduzindo a uma prática conteudista e instrumental.

3.5 Desafios ou limitações no desenvolvimento do PI

Sobre os desafios ou limitações na realização do PI, a pesquisa de Leite (2022) destaca as respostas dos docentes R3, R14, R22, R24 e R25 para evidenciar, mais uma vez, a exigência de utilização de um instrumento de orientação para efetivação do projeto de maneira interdisciplinar. Como podemos constatar, as dificuldades mais apontadas foram a falta de tempo destinado a seu planejamento e sua realização, e a falta de formação docente sobre a temática em questão.

Percepçõesdeprofessoresacercadocurrículointegradono InstitutoFederaldeEducação,CiênciaeTecnologiadoRioGrandedoNorte(IFRN) Luiz Antonio da Silva dos Santos, Maria da Conceição Souza do Nascimento Carlos Leite, Francisco das Chagas Silva Souza 550 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 541-555, maio/ago. 2022

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Vejo dois [desafios]: formação docente e as amarras da carga horária colocada para este desenvolvimento. (R3);

Como desafio, acho que seria promover a maior integração entre os professores do curso, de forma a se ter o planejamento e a execução do PI articulado pelo grupo e trabalhando em conjunto. Como limitação, certamente a falta de previsão dessa componente curricular no horário das turmas. (R14);

que falta um melhor entendimento e um maior planejamento dos projetos a desenvolver nessa disciplina. (R22); Falta leitura e capacitação sobre o projeto. (R24);

Falta de horário e um grande limitador. (R25). (LEITE, 2022, p. 76)

Fazendo a interseção dos desafios com a dissertação 2, algumas respostas traduzem as dificuldades dos professores de realmente colocar em prática a integralização do PI no Curso Técnico de Nível Médio em Edificações na forma Integrada do IFRN/Campus Mossoró. Diante do exposto, emergiu a necessidade de se criar situações em que a problematização do ensino técnico de nível médio integrado favorecesse a inquietação e estimulasse o interesse em conhecer o projeto de acordo com os documentos institucionais, conduzindo-os a uma possível efetivação. Em síntese, podemos verificar que os desafios para a realização do PI interdisciplinar no Curso Técnico de Nível Médio em Edificações na forma Integrada do IFRN/Campus Mossoró são diversos e que sinalizam para a carência de um instrumento de orientação.

Na pesquisa de Santos (2018), quando questionado aos professores sobre desafios ou limitações para a concretização do PI, os respondentes argumentaram acerca de vários pontos que limitam seu desenvolvimento. As respostas assinalam uma apreensão com a garantia do desenvolvimento de todas as atividades previstas no projeto, uma vez que necessita de condições objetivas para sua produção.

Conforme descrito na dissertação 2, existe um consenso entre os atores do projeto quanto à falta de uma carga horária específica para a realização do PI durante o horário regular da turma e quanto ao momento em que o PI é proposto oficialmente para que seja realizado, nesse caso específico, no primeiro semestre do 3º ano. Os docentes argumentam que essa falta de carga horária é um grande empecilho:

A gente encaixa o PI nas brechas que a gente consegue nas disciplinas (R3), a falta de horário fixo dificulta porque o aluno, muitas vezes, se envolve com outras atividades e acaba deixando o projeto por último (R4).

Nesse contexto, identificamos na dissertação 2 uma contradição nos documentos orientadores do IFRN, os quais, apesar de defenderem a realização do PI, não oficializaram e nem garantiram em seu currículo uma carga horária destinada à atividade, dificultando a materialização da proposta.

As respostas também revelaram a percepção da exigência em ajustar o período de oferta em que o PI é indicado. Segundo o respondente R2, “ele é realizado ainda muito no início, o aluno não tem uma base técnica suficiente para a sua realização”. O mesmo professor ainda sugere que “[…] o melhor momento para realização desse projeto é no último período, ou seja, no quarto ano, ou no quarto período do subsequente, 4º ano do integrado […]”. No tocante a esse momento, os respondentes argumentam que os estudantes não têm uma base conceitual suficiente para a sua realização.

Nesse âmbito, averiguamos que o diálogo interdisciplinar não ultrapassou as fronteiras das disciplinas e de suas áreas respectivas. No elemento em análise, o respondente R1 explica a Santos (2018, p. 99):

Luiz Silva Carlos Leite, Francisco Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 541-555, maio/ago. 2022

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[…] falta realmente integração, porque eu não percebo isso. Era pra os professores trabalharem mais em conjunto, são três disciplinas que formam o projeto, vou fazer o projeto, são cinco alunos no projeto, preciso reunir os cinco alunos pelo menos com os três professores […]. Se são três, se são dois, porque se for só um, “tá” integrando com o quê? […] De fato, não existe interdisciplinaridade, eu vejo é cada um no seu conjunto, no seu quadradinho.

As dificuldades de planejamento e organização, bem como as necessidades formativas, impactam negativamente o desempenho dos professores no PI, fato observável em ambas as dissertações. Logo, configura-se a carência do estabelecimento de uma política formativa que favoreça as práticas integradoras dentro do IFRN.

Os estudos de Silva (2014) elencam como desafios para a concretude de currículo integrado a realização de um trabalho interdisciplinar ancorado numa ótica de totalidade, a superação das lógicas hierárquicas produzidas historicamente entre as áreas do conhecimento, assim como a necessidade de abertura dos atores envolvidos para o trabalho coletivo e para novas experiências pedagógicas.

A partir dessa discussão, sistematizamos reflexões concernentes a práticas pedagógicas integradoras decorrentes de contextos formativos do Ensino Médio Integrado (EMI), considerando o espaço formativo do PI como metodologia propícia para aprendizagens globalizadoras, além da oportunidade de potencializar a interseção entre formação geral e formação técnica.

Portanto, ao analisarmos a percepção dos docentes do IFRN, podemos verificar a demanda que essa instituição tem de criar ou aperfeiçoar mecanismos que levem em consideração a necessidade de promover uma maior integração dos envolvidos, favorecer a aproximação da equipe pedagógica no desenvolvimento do referido projeto, assim como de abrir uma discussão sobre o processo de formação continuada no Instituto e sobre a relevância de se garantir aos docentes esses momentos formativos.

4ConsideraçõesFinais

Essa pesquisa desvelou algumas evidências que devem ser consideradas ao planejar ações de formação integrada para os professores e estudantes do IFRN. Nesse sentido, os projetos integradores são apresentados como uma alternativa possível para a construção de prática pedagógica integrada, pois procede do diálogo das diversas áreas do conhecimento para resolução de uma situação contextualizada. Acredita-se na relevância desse projeto uma vez que se constitui em uma interface pedagógica e dialógica que visa auxiliar no planejamento de práticas interdisciplinares na referida instituição.

A pesquisa evidenciou que o EMI está assentado em bases interdisciplinares e é orientado pela perspectiva de um currículo integrado que consiste na não fragmentação entre os currículos da formação geral e os do ensino técnico, todavia, as dissertações analisadas apontam que as experiências formativas mediadas pelo PI não conseguiram colocar em diálogos essas áreas do conhecimento.

Ainda sobre os resultados, verificamos que o PI se constituiu em um processo permeado por dificuldades na realização de um planejamento integrado, de forma que não possibilitou ambiências formadoras que suscitassem diferentes óticas disciplinares e que favorecessem o diálogo e a interação entre os atores representativos de suas áreas.

Luiz Antonio da Silva da Conceição do Nascimento Carlos Leite, Francisco Chagas Silva Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 541-555, maio/ago. 2022

InstitutoFederaldeEducação,CiênciaeTecnologiadoRioGrandedoNorte(IFRN)
dos Santos, Maria
Souza
das
Souza 552 | VÉRTICES, Campos dos

Somado a isso, percebemos que para que os objetivos delineados se efetivassem seria também necessário otimizar dispositivos que levassem o IFRN a adotar sistematicamente um planejamento integrado apropriado visando não apenas garantir trocas dialógicas entre os atores envolvidos, como também buscar a aproximação do setor pedagógico na consecução do projeto, além de garantir na matriz curricular uma carga horária para o seu desenvolvimento e de revisar os procedimentos de educação continuada do Instituto.

Diante das assertivas, concluímos que as dificuldades do IFRN na efetivação de propostas interdisciplinares não eliminam o comprometimento da instituição em promover práticas interdisciplinares; entendemos, todavia, que, para alcançar os seus propósitos formativos, será necessária uma reformulação na proposta das configurações na qual se dá o PI, a fim de que tais dificuldades não limitem a materialização da formação integral e integradora advogada nos documentos oficiais do IFRN.

É importante considerar que as diferentes concepções sobre a interdisciplinaridade entre os professores participantes não determinam suas práticas formativas, pois, embora alguns se apresentem dentro de uma perspectiva integradora, isso não significa que sua atitude seja interdisciplinar, ou, o contrário, que um discurso com premissa tradicional, linear ou fragmentada, na prática, se aproxime mais de uma perspectiva interdisciplinar. Desse modo, quando perguntados sobre a concepção do PI, grande parte dos docentes participantes não soube responder, dizendo não saber, não conhecer essa prática ou nunca ter estudado sobre ela.

Portanto, sem a pretensão de esgotar essa complexa discussão, consolidamos a análise proposta nesta investigação. No horizonte desses estudos-amostras temos a expectativa de que as ideias aqui sistematizadas possam suscitar novos olhares e ações que busquem o aperfeiçoamento do PI no âmbito do IFRN.

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Percepçõesdeprofessoresacercadocurrículointegradono InstitutoFederaldeEducação,CiênciaeTecnologiadoRioGrandedoNorte(IFRN) Luiz Antonio da Silva dos Santos, Maria da Conceição Souza do Nascimento Carlos Leite, Francisco das Chagas Silva Souza 555 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 541-555, maio/ago. 2022

Submetido em: 13 dez. 2021

Aceito em: 11 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p556-566

Alexandre Maia do Bomfim https://orcid.org/0000-0002-5617-2229

Pós-doutor em Educação pela PPGE - UFPE. Doutor em Ciências Humanas-Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Professor associado II em Sociologia da Educação e do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ensino de Ciências (PROPEC) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) – Rio de Janeiro/RJ – Brasil. E-mail: alexandre.bomfim@ifrj.edu.br.

Resumo

A proposta deste artigo é refletir como a questão ambiental (inclusive por sua característica transversal) perpassa a área de Trabalho e Educação (TE), considerando um caminho crítico e os desafios contemporâneos. É também uma reflexão sobre o encontro entre a “Educação Ambiental Crítica” e a “Educação para o Trabalho”. Artigo de apelo teórico que pressupõe anos de pesquisa empírica, leituras e debates de um grupo de pesquisa dentro dessa temática. O estudo refletiu sobre dois temas-exemplos, a pandemia e o agronegócio brasileiro, associando-os à questão ambiental, fez-se especialmente por meio de autores críticos, destaque aos marxistas, marcando o posicionamento anticapitalista. O texto procurou mostrar o movimento da teoria que considera a realidade concreta para indicar caminhos de luta. Por fim, o artigo alcançou que o pressuposto do conflito socioambiental é imprescindível para compreensão da relação entre Trabalho, Ambiente e Educação, sendo possível incluir outros conceitos como trabalho, contradição, luta de classes etc. Conceitos que se correlacionam, especialmente dentro do materialismo histórico-dialético.

Palavras-chave: Trabalho, Ambiente e Educação. Educação Ambiental Crítica. Educação para o Trabalho. Trabalho e Educação. Trabalho e Meio Ambiente.

Labor, Environment and Education: reflections, action and research paths in "Environmental Education" and in "Education for Work"

Abstract

The purpose of this article is to reflect on how the environmental issue (moreover due to its transversal characteristic) permeates the area of Work and Education (TE), considering a critical path and contemporary challenges. It is also a reflection about the meeting between “Critical Environmental Education” and “Education for Work”. Article with theoretical appeal that presupposes years of empirical research, readings and debates by a research group within this theme. The study reflected on two themes-examples, the pandemic and Brazilian agribusiness, associating them with the environmental issue, especially through critical authors, especially Marxists, marking the anti-capitalist stance. The text sought to show the movement of theory that considers concrete reality to indicate ways of struggle. Finally, the article reached that the assumption of socio-environmental conflict is essential for understanding the relationship between Work, Environment and Education, being possible to include other concepts such as work, contradiction, class struggle, among others. Concepts that are especially correlated in dialectical historical materialism.

Keywords: Labor, Environment and Education. Critical Environmental Education. Education for Work. Labor and Education. Labor and Environment.

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Trabalho,AmbienteeEducação:reflexões,pistasdeaçãoedepesquisana "EducaçãoAmbiental"ena"EducaçãoparaoTrabalho"

Resumen

El propósito de este artículo es reflexionar sobre cómo la problemática ambiental (incluso por su característica transversal) permea el área de Trabajo y Educación (TE), considerando un camino crítico y desafíos contemporáneos. También es una reflexión sobre el encuentro entre “Educación Ambiental Crítica” y “Educación para el Trabajo”. Artículo con atractivo teórico que presupone años de investigación empírica, lecturas y debates por parte de un grupo de investigación dentro de esta temática. El estudio reflexionó sobre dos temas-ejemplos, la pandemia y la agroindustria brasileña, asociándolos con el tema ambiental, especialmente a través de autores críticos, especialmente marxistas, que marcan la postura anticapitalista. El texto buscó mostrar el movimiento de la teoría que considera la realidad concreta para indicar formas de lucha. Finalmente, el artículo llegó a que el supuesto de conflicto socioambiental es fundamental para entender la relación entre Trabajo, Medio Ambiente y Educación, siendo posible incluir otros conceptos como trabajo, contradicción, lucha de clases, etc. Conceptos que están especialmente correlacionados en el materialismo histórico dialéctico.

Palabras clave: Trabajo, Medio Ambiente y Educación. Educación ambiental crítica. Educación para el trabajo. Trabajo y Educación. Trabajo y Medio Ambiente

EstedocumentoéprotegidoporCopyright©2022pelosAutores

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Trabajo, Medio Ambiente y Educación: reflexiones, caminos de acción e investigación en la "Educación Ambiental" y en la "Educación para el Trabajo"

1EmbuscadecriticidadeparaaEducaçãoAmbiental

Ecologia sem luta de classes é jardinagem. (Chico Mendes)

De forma direta, compartilhemos imediatamente a problematização que assumimos neste artigo: como/quanto a questão ambiental contemporânea, não somente por sua transversalidade, se coloca à Educação para o Trabalho? E seu desdobramento: que reflexão urge, que encaminhamentos podemos dar para pesquisar e agir?

Antes dessa questão, vale dizer que iniciaremos com um percurso teórico-político que perpassará por algumas obras e autores, estudados e praticados por alguns anos em nosso grupo de pesquisa1, em que se buscou promover precisamente esse encontro: entre a Educação Ambiental – que propomos como –Crítica (EA-Crítica) e a área de Trabalho e Educação (TE).

Quando Löwy (2005) buscou convergir a pauta da luta dos socialistas (os vermelhos) com a dos ambientalistas (os verdes) para criticar o “sistema do capital” (MÉSZÁROS, 2002), acentuou que há ambientalistas que persistem em uma militância ineficaz (ou ingênua ou mesmo mal-intencionada) ao defender, por exemplo, o “Desenvolvimento Sustentável” (termo essencialmente economicista) como solução à questão ambiental. Para Löwy (2005), os ambientalistas restritos ao Desenvolvimento Sustentável, estão fazendo, na verdade, uma proposta conciliatória com o capital. Noutro sentido, Löwy (2005) mostrou aos socialistas que a preocupação com o meio ambiente também urge, indicando que além da luta pela tomada do Estado deve-se empenhar em lhe retirar sua característica degradadora. Não obstante, Löwy (2005) apresentou incongruências quando somente tangenciou a luta de classes, apresentando um erro conceitual de que a destruição da natureza seria a segunda contradição do capitalismo. Vale uma de suas passagens: “(…) O combate para salvar o meio-ambiente, que é necessariamente o combate por uma mudança e civilização, é um imperativo humanista, que diz respeito não apenas a esta ou àquela classe social, mas ao conjunto dos indivíduos.” (LÖWY, 2005, p. 73).

Com o aporte de Chesnais e Serfati (2003) foi possível ver que a contradição original e principal do capitalismo continuaria a ser: a necessidade do capital valorizar-se pela exploração do Trabalho. A destruição da natureza não é uma contradição para o sistema do capital, mas para a humanidade. Na verdade, a degradação da natureza poderá prosseguir até o seu próprio colapso dentro do capitalismo, inclusive cumprindo algumas máximas desse modo de produção (como a valorização advinda da escassez), porque sua estrutura econômica não confere sustentabilidade. Esses primeiros passos do ecossocialismo de Löwy desconsideraram que as responsabilidades com a degradação ambiental e as experimentações de suas mazelas se dão de forma diferenciada entre os grupos sociais, sendo especialmente mais drásticas para os mais pobres.

Löwy faz uma revisão dessas ideias em textos posteriores, especialmente um de 2013, quando aparou essas arestas, mencionando Walter Benjamin, relembrou que “o capitalismo nunca vai morrer de morte natural” (LÖWY, 2013). Nesse outro momento, Löwy recupera a luta de classes, atinge que a agressão ao meio ambiente não é contradição para o sistema do capital e recupera a necessidade da

1 Esse percurso teórico-político de nosso grupo de pesquisa foi apresentado e debatido no GT 09 da reunião anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação no ano de 2021, obtendo a publicação de um resumo expandido em seus Anais. Esse debate é parcialmente registrado aqui na parte inicial deste artigo.

Trabalho,AmbienteeEducação:reflexões,pistasdeaçãoedepesquisa na"EducaçãoAmbiental"ena"EducaçãoparaoTrabalho" Alexandre Maia do Bomfim 558 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 556-566, maio/ago. 2022

revolução. E, considerando o que veio depois, seu texto acertou profeticamente (considerando que foi muito antes da pandemia da Covid-19) ao sugerir que: “(…) o sistema continuará a explorar o planeta, até que a própria vida humana se encontre ameaçada” (LÖWY, 2013, p. 79).

Ajustadas essas primeiras ideias, vale repassar brevemente pelo conceito de “Desenvolvimento Sustentável” (DS). O conceito de DS é utilizado por ambientalistas (inclusive pelos críticos porque é impossível escapar de algumas conjunturas) de forma ampla, porém não se pode esquecer que é resultado de uma disputa, não só de seus termos, mas de compreensões políticas que estavam presentes nos organismos internacionais (LAYRARGUES, 1997). “Desenvolvimento Sustentável” é a vitória da perspectiva conservadora, conceituação temerária que remete sua preocupação às gerações futuras (o que implicaria uma indeterminação) para, no fim das contas, não se comprometer com gerações do presente (FOLADORI, 2001).

Nesse percurso teórico-prático, vale incluir a relação entre “Cultura” e “Trabalho”, categorias sociológicas importantes, porém frequentemente malpostas à Educação Ambiental (EA). A Cultura pode explicar a relação que agrupamentos humanos possuem com a natureza e consigo mesmos, mas não pode ser posta como um conceito metafísico que paira sobre tudo e todos, como se fosse a-histórico e apolítico. Por outro lado, Trabalho não pode ser reduzido à sua manifestação histórica (sua mediação de segunda ordem). O Trabalho, em seu sentido ontológico, é a própria mediação metabólica entre homem e natureza, onde se realiza a reprodução da vida e a constituição também da própria Cultura (BOMFIM; PICCOLO, 2011). Os homens experimentam diferentes culturas, caracterizam-se pela diversidade, de forma sincrônica e de forma diacrônica, ou seja, não precisamos ter respostas únicas para relação com a natureza. E mais, podemos observar que algumas culturas até foram “pró-vida” em sua origem, porém, no devir histórico, tornaram-se “culturas de morte”

(…) Nós não devemos nos vangloriar demais das nossas vitórias humanas sobre a natureza. (…) É verdade que cada vitória nos dá, em primeira instância, os resultados esperados, mas em segunda e terceira instâncias ela tem efeitos diferentes, inesperados, que muito frequentemente anulam o primeiro. (ENGELS apud LÖWY, 2005, p. 22).

Enquanto isso, povos originários, que ainda possuem relação menos depredadora, por exemplo, podem nos oferecer caminhos melhores para nossa relação com o ambiente. Talvez por esse caminho possamos sair das armadilhas e distorções conceituais impostos pelo sistema do capital, como: o de opor “desenvolvimento” de lado contra a “preservação da natureza” do outro lado; ou o de inflar nossa necessidade por supérfluos. Então, podemos acompanhar Mészáros (2002), a partir do livro “Para além do capital”: não há caminho conciliatório com o sistema do capital.

Com Mészáros (2005) é possível indicar “outra educação” exatamente numa reconstrução que se coloca absolutamente no lado antagônico à educação formal capitalista. Isso também vale para a Educação Ambiental Crítica. Mészáros (2005) vê que essa outra educação deveria ser especialmente construída na sociedade socialista, mas, até lá, melhor que seja em espaços contra-hegemônicos (como no espaço sindical, no espaço do partido, nos movimentos sociais). E que nesses lugares se busquem as “aspirações emancipadoras” (MÉSZÁROS, 2002). O problema é que há um limite teórico-prático para nós, pois vale a questão: como buscar essas aspirações emancipadoras no interior da escola formal, possivelmente reprodutora e favorável ao capital?

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Para a questão acima, com a ajuda de Mészáros e Marx, construímos “onze teses para [constituir] uma EA-Crítica” (BOMFIM, 2011): I) resgatar o humanismo; II) desmitificar o capitalismo, apontando que a depredação do ambiente não é uma contradição para o capital; III) mostrar os limites do desenvolvimento sustentável; IV) manter-se em revisão permanente; V) criticar a perspectiva conservadora/reacionária da EA; VI) mostrar os limites das propostas comportamentalistas e individualistas da EA; VII) problematizar ou redimensionar as ações paliativas à questão ambiental; VIII) denunciar os principais responsáveis pela degradação ambiental; IX) mostrar quem mais sofre com a degradação; X) mostrar que a proposta idealista de conscientização ambiental tende a ser insuficiente à transformação; XI) buscar aspirações e experiências emancipadoras.

Outro elemento a ser considerado, que poderia até ajustar nossas “onze teses”, é: a perseguição pela materialidade, pela totalidade concreta (KOSIK, 1976), como sendo escopo principal de nossas pesquisas. Acessar a realidade para depois re-apresentá-la – sendo esse o próprio papel da ciência – tem sido um desafio enorme. O sistema do capital, em sua fração mais reacionária, chega a promover a rejeição da ciência, propor a mordaça aos educadores, fazer proselitismo, e mesmo sua fração mais liberal reitera propagandas pelo agronegócio, pelas empresas supostamente clean, na verdade, para esconder a face nefasta da grilagem, do desmatamento, das indústrias poluidoras, da pilhagem de elementos da natureza, da submissão dos grupos originários etc.

2Antesquesejatardedemais…:temasconvergentesparaverdesevermelhos

Destarte, vale agora exemplificar com dois temas, a pandemia e o agronegócio no Brasil, sob nossa abordagem que passa (especialmente) por autores marxistas e que se caracteriza como anticapitalista. Defendemos que a característica dessa abordagem, muito recorrente entre pesquisadores da área de TE que pesquisam “Educação para o Trabalho”, serve também para a Educação Ambiental se constituir efetivamente Crítica.

2.1 A pandemia como temática ambiental para verdes e vermelhos

O que primeiramente podemos ter para essa reflexão é que a pandemia não deve ter os pesquisadores das Ciências Médicas e Biológicas como autoridades científicas exclusivas. Mesmo que esses pesquisadores estejam protagonistas em muitas situações, como no próprio momento do aparecimento do vírus e da doença, quando no mapeamento do vírus, passando pelo desenvolvimento, aplicação e avaliação das vacinas, há inúmeros outros momentos em que faz necessário e urgente obter pesquisas diferenciadas. Qual das questões, a seguir (Quadro 1), seriam menos importantes? Vale um exercício com perguntas mais próximas às Ciências Sociais.

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Quadro 1. Questões (pistas) amplas às Ciências Sociais

Quais ensinamentos alcançamos de outras epidemias e pandemias advindos do passado, conforme as contribuições da História?

Quais ensinamentos, não exclusivamente epidemiológicos, o passado nos oferece, quanto a comportamentos sociais, ações do Estado, condições materiais para maior ou menor propagação etc.?

Qual a influência da cultura para maior ou menor propagação de uma doença?

Como práticas e costumes (como as formas de se alimentar, de higiene e até de se cumprimentar) podem se associar à instalação e propagação maior ou menor de uma doença, por exemplo?

Por que países vizinhos conseguiram ter números tão discrepantes em relação à mesma epidemia?

Como modos de produção e reprodução da vida podem ser mais decisivos para propagação ou não da pandemia?

Por que ou quanto as Artes (a música, a literatura, as artes plásticas) estão contribuindo para enfrentamento da pandemia?

Que modelos econômicos são mais bem-sucedidos em remediar e encaminhar saídas de crises sanitárias, de crises ambientais?

Como ou quanto a globalização contribuiu para a propagação do novo coronavírus?

O quanto as novas mídias digitais se tornaram terrenos férteis para falsas informações, para acolher soluções messiânicas?

O quanto essas mesmas novas mídias digitais podem ou poderão se tornar mecanismos de propagação de orientações e procedimentos que possam indicar melhores condutas para salvar vidas?

Há ou quanto há de relação entre um período político conservador por que passam muitas nações no mundo, o avanço de ideários fascistas, o maior obscurantismo, o maior desprestígio científico, com a propagação da Covid19 ou com as dificuldades de contê la?

No Brasil, qual tem sido o papel e/ou a influência das religiões neopentecostais sobre o Estado, por seus representantes políticos, para que se obtenha respostas menos laicas e científicas para as ações sanitárias?

No Brasil, como tem sido a propagação ou controle da pandemia depois de uma excessiva ideologização das ações de Estado em relação à doença?

O que é possível se dizer, considerando o comportamento coletivo, sobre condutas messiânicas, alienantes e subservientes que muitos grupos vêm mantendo em relação às situações que enfrentam, inclusive para aquelas que os conduzem à morte?

De que forma estão se caracterizando e como ficarão os jogos políticos durante e após a passagem da pandemia?

Quais instituições estão sendo problematizadas, quais serão colocadas abaixo, quais surgirão?

É possível construir uma nova economia e sob novas bases?

Que nações poderão construir novas relações entre Estado, Sociedade e Ambiente?

Quais novas relações temos e ainda podemos ter com o ambiente que ocupamos?

Como ficam as questões das classes sociais diante do avanço da pandemia ou como ficarão?

Que teorias políticas e organizacionais poderão se fazer mais influentes no Estado?

Haverá novas pautas para se lutar ou constituir partidos (recortes ideológicos)?

Que reformulações de lutas as partições políticas do mundo precisarão rever?

Como entender pessoas que seguem líderes notadamente ruins, que aprovam medidas contra si mesmas, que esquecem seus próprios princípios, que estabelecem fanatismos e idolatria injustificáveis?

O que poderá prevenir mais a humanidade em relação a novas epidemias: as descobertas de novos vírus e vacinas ou novas reflexões e ações da relação entre o ser humano e o meio ambiente?

Fonte: Elaboração própria

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Há como tratar as questões acima como secundárias ou coadjuvantes? Algumas delas nos parece muito necessárias, prontas para estabelecer novas pesquisas e capazes de tratar de causas e consequências tão importantes como a descoberta do próprio vírus. Vale perceber que são questões que lidam com muitas variáveis. A maior parte dos objetos de estudo das Ciências Sociais é pluricausal, como também suas variáveis costumam ser interligadas, interconectadas, interdependentes e até indivisíveis. E vale problematizar: é possível responder às questões acima sem um planejamento, sem rigor, sem expor provas, sem respaldo da materialidade, sem o compartilhamento de um método de análise, sem uma análise densa e minuciosa, sem o debate, sem revisão, sem a publicização, sem a averiguação e testagem, sem a revalidação imposta pela própria realidade e pelo processo histórico2?

Na tradição anticapitalista da área de Trabalho e Educação e para o que desejamos para EA-Crítica, não é tempo de questões novas? Vamos, a seguir, para questões mais próximos do escopo deste artigo. Que modelo(s) existente(s) de sociedade favoreceu(ram) a propagação do vírus? Que disputas entram em questão agora sobre os modelos societários que possuímos? O capitalismo sofre um baque? O horizonte do socialismo renasce? Reformas capitalistas certamente acontecerão, mas, de qual alcance? Surgem novas possibilidades de reorganização societária para o século XXI, inclusive diferentes do capitalismo e do socialismo? Há risco de um revés no processo histórico da humanidade (o oposto ao processo civilizatório para alguns ou oposto ao processo de emancipação das classes dominadas para outros)? A barbárie caminha ao lado?

Sempre haverá o risco de respostas prolixas e diletantes, mas a própria urgência que vem da realidade concreta será o primeiro filtro, não há como passar impunemente por essa realidade que surge das ruas como no grafito encontrado no mundo inteiro, usado para problematizar a própria pandemia: “não podemos voltar ao normal, porque o que era normal era exatamente o problema”3. O segundo filtro será a própria realidade no seu processo histórico4

Por fim, um dos pontos que viemos defender aqui: a pandemia deve ser tratada dentro da problemática ambiental, mais precisamente, da problemática socioambiental. O estresse que o ser humano vem impondo ao planeta também pode ser visto como causa da pandemia, a nossa forma de viver atual tem desmatado excessivamente, tem realizado muita mineração calamitosa, praticado uma agropecuária predatória, expandido cidades sem planejamento (ao mesmo tempo que essas cidades são excludentes e não dão moradia digna a todos), poluído vários ambientes, vem descaracterizando solos, mantando ou encurralando a fauna, desiquilibrando biomas de várias maneiras (desde destruição da fauna e da flora, passando por traslados ilegais de espécies que as farão exóticas), promove a desertificação. Devido a tudo isso, por vezes, o SARS-CoV-2 parece mais uma reação da natureza ao ser humano. A Educação Ambiental e a Educação para o Trabalho terão grandes desafios à frente, talvez, além desses temas expressivos e amplos (como a pandemia), tenham ainda a tarefa de trazer à tona as lutas de grupos originários que estão

2 Vale reiterar que esse “outro” caminho não é posto para tolerar a opção pelo obscurantismo, pelas “meias verdades”, pelos argumentos sustentados em falsas premissas e à revelia dos fatos. O debate científico é bem-vindo e indispensável exatamente para apurar, burilar, recompor a questão, recuperar os objetivos da pesquisa e da reflexão. Qual o limite entre o debate científico legítimo (considerando que não se apreende a realidade de “uma vez por toda” e sem interpretação) e o debate retórico (incapaz de sair do mesmo lugar, pois está capturado pelas mentiras intencionais e pelos jogos de poder)?

3 Possivelmente apareceu antes, nos protestos do início do ano de 2019 em Hong Kong, mas foi na pandemia declarada pela OMS em 2020 que essa frase se espalhou pelos muros do mundo inteiro.

4 “Somos seres de carne e osso, seres vivos, engajados na aventura de viver. Existimos agindo, tomando decisões, fazendo escolhas, tomando iniciativas, trabalhando, utilizando na nossa atividade o imprescindível (embora precário) conhecimento disponível. É na prática, na realização dos nossos projetos, que checamos a justeza de nossos pensamentos e a verdade dos conhecimentos em que nos apoiamos” (KONDER, 2002, p. 261).

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我們不能回復正常因為原來的正常 就是問題所在

à margem da sociedade capitalista globalizada, talvez tenham que trazer questões sobre disputas de territórios e formas diferenciadas e modos de reproduzir a vida.

2.2 O agronegócio e suas tentativas de pacificação

Quando assistimos à campanha publicitária “Agro, a Indústria-Riqueza do Brasil” da Rede Globo (acompanhada de outros patrocinadores) a favor do agronegócio, vemos, evidentemente, que o primeiro propósito é dar apoio a um dos principais setores da economia, participante direto de forma significativa no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Antes mesmo de falarmos do conteúdo, vale mirar nessa campanha que possui um tratamento muito sofisticado, potencializa as benfeitorias advindas do agronegócio, caracteriza positivamente toda uma rede como fosse um setor agrário único (ou ao menos integrado) no Brasil, que vai do campo, passando pela agroindústria, até a indústria de consumo, prosseguindo por relações desde o que é interno ao território nacional até o exterior, do latifúndio à agricultura familiar. Tudo isso com uma apresentação estética muito bem-feita. Posto isso, qual seria a nossa problematização?

A proposta de criticar essa campanha da Globo, quanto às suas intenções, em relação ao seu plano ideológico a favor de um “projeto desenvolvimentista agrário” já engendraria possivelmente um bom projeto de pesquisa (mais uma pista de pesquisa e ação). Nessa toada, já seria possível pesquisar (e denunciar) as fronteiras e a mazelas que a escolha por um desenvolvimentismo desse tipo, do agronegócio, poderia trazer ao país, desde a dispensa de força de trabalho para as cidades, passando pelo ataque à natureza, até o sequestro de um Estado que precisaria aceitar essa força econômica atrelada ao capital financeiro internacional, sem projeto de nação, sem projeto de interesse popular.

Não obstante, os “apologetas” desse projeto de desenvolvimentismo específico se defenderiam, dizendo que não são responsáveis pelas atrocidades de fronteira, pois pertenceriam ao núcleo clean, distante dos latifundiários escravocratas, dos degradadores da natureza, dos garimpos e das madeireiras ilegais etc. Contrário a eles, eis uma hipótese de trabalho possível: o sucesso do capitalismo baseado no desenvolvimentismo agrário é nocivo para a própria sociedade, para o trabalhador, para o meio ambiente e tem implicações sérias na educação5 .

Dessa forma, nosso pano de fundo é demonstrar que a força degradadora da natureza e exploradora dos trabalhadores é o braço estendido do agronegócio higienizado, representa vocação desse setor no Brasil, e que o dito setor clean6 não quer nada de diferente dos setores visivelmente atrasados: o avanço das fronteiras agrícolas! Essas seriam as características de um desenvolvimento de um capitalismo subordinado: que não tem condições de melhorar significativamente a vida dos trabalhadores porque possui um modelo agrário exportador excludente; que sempre nos recupera para o país dos engenhos, para o país das desigualdades; que só pode propor ao trabalhador uma “educação até certo ponto”; e que, para manter tudo isso, precisa de uma forte propaganda ideológica extensiva e massificante por longuíssimo prazo.

5 (…) Desde 2001, a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) passou a difundir o agronegócio por meio do programa de educação ambiental “Agronegócio na escola”, desenvolvido na rede pública de ensino de diversos municípios do estado de São Paulo. (LAMOSA; LOUREIRO, 2014, p. 533).

6 Emblemática é uma reportagem da própria imprensa hegemônica, realizada pelo Jornal O Globo intitulada: “Fundo do Desmate – bancos repassaram 165 milhões para empresas com áreas embargadas na Amazônia”, em que mostra a ligação de empresas apontadas, sobretudo pelo IBAMA, como degradadoras do meio ambiente e que continuam recebendo vultosos empréstimos bancários de bancos, como o BRADESCO, ITAÚ, BANCO DO BRASIL, BANCO DA AMAZÔNIA etc. (cf. PRAZERES; PORTINARI, 2019).

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Podemos dizer que chegamos, considerando essa relação Trabalho, Ambiente e Educação, até um ponto de interseção que une os termos, criticamente: o pressuposto de que a problemática ambiental está assentada no “conflito socioambiental”. Pressupor o conflito socioambiental é pressupor que a luta de classes se mantém no interior do sistema do capital, em todas as suas frentes, desde as mais evidentes até as mais disfarçadas, desde a luta por território, desde o que passa pela expansão de grileiros e garimpeiros sobre terras indígenas, até produtos camuflados por selos ecológicos que escondem contradições de empresas capitalistas que se dizem preocupadas com o meio ambiente. E está na educação também!

É a perspectiva do conflito que pode garantir o movimento da crítica, que buscará o conhecimento pela investigação, pelo desvelamento, pela denúncia. Essa perspectiva também busca aspirações e experiências emancipatórias, mas pressupõe também que caso consigam se desenvolver não conseguirão se desvencilhar do conflito, que aparecerá mais cedo ou mais tarde, porque em se tratando de uma sociedade de classes, as questões ambientais possuem causas e consequências ligadas a inserções que fazem os lados antagônicos.

Assim como Chico Mendes (nossa referência desde a epígrafe), a área de Trabalho e Educação (TE) provavelmente terá, cada vez mais, que considerar a problemática ambiental, para devolver (como sempre fez) ainda mais elementos teórico-práticos aos educadores. Chico Mendes iniciou sua trajetória buscando a organização dos trabalhadores contra a exploração dos latifundiários e das grandes empresas desmatadoras, para somente depois colocar a convergência das lutas, incluindo efetivamente o ambientalismo. Num primeiro momento, Chico Mendes, inclusive, possuía uma compreensão desenvolvimentista para a Amazônia (VENTURA, 2003). É o horizonte de superação do capitalismo que interessa a todos, aos vermelhos e aos verdes. O capitalismo continua pujante em suas características principais, como na exploração do trabalho, no processo de mercantilização da vida e no aprisionamento do Estado pelas mãos de uma minoria de proprietários de bens de produção. A questão ambiental, exatamente por não ser uma contradição imediata ao sistema do capital, se torna mais vulnerável. O capitalismo pode destruir a natureza até a última folha. Essa falta de cuidado inerente do capitalismo com o ambiente, certamente, engendrará eventos extraordinários (como uma pandemia!), mas o curioso é que nem isso garante que a sociedade enxergue. Por isso, a educação é urgente, a educação cientifica é imprescindível, a educação política está em atraso. Continuamos perseguindo uma educação da “classe para si” que, mesmo irrealizável na atual sociedade, precisa obter um caminho. Semelhante à Rachel Carson (outra referência importante), em que seu próprio fazer científico a levou ao status de “inimiga da indústria química”, a práxis que aqui apontamos nos leva/levará para uma crítica inegociável do sistema (CARSON, 2010). Da mesma forma que aconteceu com ela, as forças reacionárias nunca acataram e nunca acatarão passivamente esse anúncio, farão suas deturpações, difamações, buscarão silenciar, protegerão seu “homo economicus” (KOSIK, 1976) até o fim, mesmo que esteja agonizando… O conflito está (re)novamente posto!

3OndeseencontramaEducaçãoAmbientalCríticaeaEducação(tambémCrítica)parao Trabalho
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4Consideraçõesfinais

Tentamos até aqui realizar um artigo que não possuísse somente uma reflexão teórica, ainda que seja sua principal característica, mas que chegasse ao final se debruçando sobre a realidade e indicando caminhos. Para isso, trouxemos a pandemia e trouxemos a questão do agronegócio brasileiro, associamos esses dois à temática ambiental, relemos sob o referencial teórico da área de TE, que se caracteriza em ser marxista e ser crítico ao sistema do capital. Para no fim, mostrar que o pressuposto do conflito socioambiental é quem pode convergir Educação Ambiental (EA) e da Educação para o Trabalho num mesmo modus operandi.

Vale perceber que não usamos “Educação Profissional” no desenvolvimento do artigo, preferimos “Educação para o Trabalho” porque é dessa forma ampla que desejamos prosseguir. Trabalho é uma categoria sociológica chave – ainda que tenha sua apresentação histórica manifesta (mediação de segunda ordem) estabelecida dentro de um sistema social – que está diretamente ligada ao processamento que o homem faz do seu ambiente, numa relação de interconexão, interdependência e indissociabilidade. Essa centralidade posta impõe que a Educação Ambiental e a Educação para o Trabalho avaliem como perpassa a questão ambiental na formação e no próprio mundo do trabalho, como também trabalhadoras e trabalhadores realizam a reprodução de suas vidas e como impactam o ambiente. Inclusive podendo considerar as contradições desses próprios trabalhadores. De qualquer forma, é importante ver como esses conceitos e movimentos práxicos são inter-relacionados: trabalho, luta de classes, contradição, conflito socioambiental, crítica não conciliatória ao capitalismo etc.

Por fim, nossa expectativa é que mais e mais estudos considerem essa necessidade de tratar a luta dos trabalhadores por transformação da sociedade ligada à urgência de reflexão e militância ambientais

Cada palavra tem a sua consequência, cada silêncio, também (Jean-Paul Sartre)

Referências

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COMO CITAR (ABNT): BOMFIM, A. M. Trabalho, Ambiente e Educação: reflexões, pistas de ação e de pesquisa na "Educação Ambiental" e na "Educação para o Trabalho". Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 556-566, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p556-566. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16524.

COMO CITAR (APA): Bomfim, A. M. (2022). Trabalho, Ambiente e Educação: reflexões, pistas de ação e de pesquisa na "Educação Ambiental" e na "Educação para o Trabalho". Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 556566. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p556-566.

Trabalho,AmbienteeEducação:reflexões,pistasdeaçãoedepesquisa na"EducaçãoAmbiental"ena"EducaçãoparaoTrabalho" Alexandre Maia do Bomfim VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 556-566, maio/ago. 2022

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Submetido em: 30 jan. 2022

Aceito em: 26 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p567-580

Izaías Serafim de Lima Neto https://orcid.org/0000-0003-4020-6487

Doutorando em Letras no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) do Campus Avançado de Pau dos Ferros da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Professor Assistente na Universidade Federal do Amapá, Campus Binacional de Oiapoque/AP – Brasil. E-mail: izaiaslima5@gmail.com.

Francisco Vieira da Silva https://orcid.org/0000-0003-4922-8826

Doutor em Linguística pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professor na Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA) – Mossoró/RN – Brasil. E-mail: francisco.vieiras@ufersa.edu.br.

Resumo

O artigo debruça-se sobre o Caderno Modelo Pedagógico (CMP) do Instituto Corresponsabilidade pela Educação (ICE, 2019) para propor uma análise discursiva, de base foucaultiana, acerca do incurso neoliberal sobre a educação, especialmente a Educação Integral do estado da Paraíba. Tomamos aquele documento enquanto monumento, na perspectiva de Michel Foucault, para compreender como funcionam, na ótica da governamentalidade neoliberal, os discursos que intentam constituir subjetividades estudantis cooptadas pelas premissas mercadológicas de formação do capital humano a partir da Educação Integral e dos ideários de competência, empreendedorismo e liberdade. Para tanto, recorremos em especial às proposituras de Laval (2019), e Dardot e Laval (2016), bem como às de Foucault (2004) que dizem respeito ao neoliberalismo e aos procedimentos de transmutação educacional na contemporaneidade. Nossas análises do CMP atestam o intento de constituir subjetividades estudantis flexíveis e capacitadas para a mudança ágil e ininterrupta do mercado de trabalho, tendo como ferramenta a feitura de Projetos de Vida nos quais a liberdade do sujeito é vértice tanto do sucesso quanto do fracasso individual.

Palavras-chave: Escolas Cidadãs Integrais. Governamentalidade. Neoliberalismo.

Neoliberal inflows in the configuration of the Escolas Cidadãs Integrais (ECI) of the state education network in Paraíba: a discursive reading

Abstract

The article focuses on the Caderno Modelo Pedagógico (CMP) of the Instituto Corresponsabilidade pela Educação (ICE, 2019) to propose a Foucaultian-based discursive analysis of the neoliberal incursion into education, especially Integral Education in the state of Paraíba. We take that document as a monument, from the perspective of Michel Foucault, to understand, from the perspective of neoliberal governmentality, how the discourses work. Discourses that attempt to constitute student subjectivities co-opted by the market premises of the formation of human capital from the Integral Education and the ideals of competence, work, entrepreneurship, and freedom. In order to do so, we resort in particular to the propositions of Laval (2019), and Dardot and Laval (2016), as well as to Foucault (2004), which concern neoliberalism and the procedures of educational transmutation in contemporary times. Our analyses of the CMP attest to the intention of constituting flexible and capable student subjectivities for the agile and uninterrupted change of the job market, having as a tool the creation of Life Projects in which the freedom of the subject is the vertex of both success and individual failure

Keywords: Escolas Cidadãs Integrais. Governmentality. Neoliberalism.

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InfluxosneoliberaisnaconfiguraçãodasEscolasCidadãsIntegrais(ECI)da redeestadualdeeducaçãodaParaíba:umaleituradiscursiva

Influjos neoliberales em la configuración de las Escolas Cidadãs Integrais (ECI) de la red estatal de educación en Paraíba: una lectura discursiva

Resumen

El artículo se centra en el Caderno Modelo Pedagógico (CMP) del Instituto Corresponsabilidade pela Educação (ICE, 2019) para proponer un análisis discursivo de base foucaultiana de la incursión neoliberal en la educación, especialmente en la Educación Integral en el estado de Paraíba. Tomamos ese documento como un monumento, desde la perspectiva de Michel Foucault, para comprender cómo funcionan, desde la perspectiva de la gubernamentalidad neoliberal, los discursos que intentan constituir subjetividades estudiantiles cooptadas por las premisas de mercado de la formación de capital humano desde la Educación Integral y de los ideales de competencia, trabajo, emprendimiento y libertad. Para ello, recurrimos en particular a las proposiciones de Laval (2019) y Dardot y Laval (2016), así como a las de Foucault (2004) que se refieren al neoliberalismo y a los procedimientos de transmutación educativa en la contemporaneidad. Nuestros análisis del CMP atestiguan la intención de constituir subjetividades estudiantiles flexibles y capaces para el cambio ágil e ininterrumpido del mercado de trabajo, teniendo como herramienta la creación de Proyectos de Vida en los que la libertad del sujeto es el vértice tanto del éxito como del fracaso individual.

Palabras clave: Escolas Cidadãs Integrais. Gubernamentalidad. Neoliberalismo.

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1Introdução

No ano de 2015, através do decreto de n.º 36.408 de 30 de novembro, o então Governador do estado da Paraíba, Ricardo Vieira Coutinho (PSB), instituiu as Escolas Cidadãs Integrais (ECI) como ferramenta para a integralização do ensino médio no referido estado. Esse novo modelo de educação, cuja carga horária semanal integraliza 40h, distribuídas de segunda à sexta feira, entre as 7h30 da manhã às 17h da tarde, foi planejado a partir das orientações presentes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB, 1996), no Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 e no Plano Estadual de Educação da Paraíba (PEE-PB) – 2015-2025 sobre o incurso de ampliação da carga horária das escolas brasileira e paraibana, visando, notadamente, à melhoria da qualidade, dos índices educacionais nas avaliações externas, bem como à possibilidade de ampliar a qualificação profissional das gerações estudantis atuais e futuras do Brasil (PARAÍBA, 2015, 2018).

As Escolas Cidadãs Integrais (ECI), as Escolas Cidadãs Integrais Técnicas (ECIT) e as Escolas Cidadãs Integrais Socioemocionais (ECIS)1 são um empreendimento resultante de políticas de gestão e melhoria da educação paraibana implementadas desde 2012, quando da criação do Ensino Médio Inovador, protótipo do que viria a ser o modelo pedagógico que funda e organiza o programa de Educação Integral institucionalizado em 2018, pelo ainda Governador Ricardo Coutinho, por meio da Lei 11.100, de 06 de abril daquele ano.

Para a execução da proposta educativa, o estado da Paraíba firmou um convênio com instituições privadas, especialmente o Instituto Corresponsabilidade pela Educação (ICE), que colocou em funcionamento o Modelo Pedagógico cujo documento aqui analisaremos. A filosofia educacional que inaugura e estabiliza as ECI paraibanas foi concebida por volta dos anos iniciais da década de 2000 no estado de Pernambuco. O marco temporal a viabilizar o surgimento desse modelo, que é tanto pedagógico quanto de gestão, consiste na revitalização do Ginásio Pernambucano pela iniciativa pública e privada daquele estado (ICE, 2019).

Toda a tessitura organizacional do Modelo do ICE, seus marcos temporais, filosóficos, estatísticos e éticos estão presentes nos Cadernos ICE (onze documentos teórico-práticos que definem os moldes da Escola da Escolha, principal jargão do modelo). Tais cadernos serão nosso objeto de análise, tendo em vista seu status de monumento, conforme a perspectiva arqueológica dos discursos proposta por Michel Foucault. Dito isso, nosso gesto de análise não se pauta em qualificar ou desqualificar o modelo e seus resultados, mas, sobretudo, na crítica analítica dos discursos que produzem e são produzidos por meio dos Cadernos do ICE. Partimos, pois, da compreensão de que a educação é um dispositivo de poder no qual se exercem vontades de verdade e práticas de governo das condutas, produção de subjetividades e, como corolário, estratégias de governamentalidade. Esses pressupostos teóricos são tomamos sob a problematização do poder promovida por Foucault em sua vasta produção sobre as práticas de governo que funcionam na sociedade ocidental para instituir modos de ser dos sujeitos, especialmente a partir de táticas disciplinadoras e de estratégias biopolíticas dedicadas à gestão do corpo individual e populacional. Neste estudo, o foco incide sobre o caderno Modelo pedagógico: concepção do Modelo Pedagógico –ensino médio (ICE, 2019), doravante CMP, que é o primeiro entre os onze supracitados. Neste, constam o contexto da concepção do modelo, os marcos conceituais, filosóficos, lógicos e pedagógicos, bem como a estrutura curricular que deles deriva. Conforme descrito no caderno, o modelo sofreu inúmeras

1 No ano de 2022, as ECI contabilizam um total de 302 escolas no estado da Paraíba, sendo que deste montante 152 ofertam cursos técnicos, ou seja, são denominadas ECIT.

InfluxosneoliberaisnaconfiguraçãodasEscolasCidadãsIntegrais(ECI) daredeestadualdeeducaçãodaParaíba:umaleituradiscursiva Izaías Serafim de Lima Neto, Francisco Vieira da Silva Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 567-580, maio/ago.

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alterações desde sua concepção, em 2003 e vem sendo atualizado à medida que novas necessidades pedagógicas emergem. Nesse sentido, todos os cadernos apresentam a operacionalização de conceitos caros à educação contemporânea, sob o prisma da governamentalidade neoliberal, tais como inclusão, mercado de trabalho e protagonismo, bases do discurso educativo que os constitui. Escolhemos analisar o discurso desse documento, em virtude das influências cada vez mais indisfarçáveis da racionalidade neoliberal na educação, atestada proeminentemente a partir dos estudos de Laval (2019) e Dardot e Laval (2016), os quais discorrem acerca da intromissão dos interesses do mercado nas políticas educacionais em escala global e, de modo mais particular – conforme diagnostica Laval (2019) –, na educação brasileira. Ainda que estudos como de Pugliesi (2021) discutam, sob o prisma foucaultiano, livros didáticos de História adotados na rede estadual da Paraíba, há uma considerável escassez de trabalhos que tomem Foucault como norte analítico para examinar o discurso na relação com o neoliberalismo no bojo das recentes configurações da educação paraibana. Cremos que a presente pesquisa pode contribuir na constituição de uma rede de análises pertinente à temática.

Para tal intento, organizamos o estudo tendo em vista as principais considerações sobre as relações instauradas entre os ideários mercadológicos, o capital privado e a educação pública mundial, cotejando com a apreciação analítica de excertos do CMP, de modo a ponderar sobre como o discurso neoliberal intenta constituir certo tipo de formação educacional afiançada nas premissas do mercado de trabalho e na constituição de sujeitos competentes e hábeis. Trata-se, então, de uma pesquisa documental, de cunho descritivo-interpretativo e de natureza qualitativa, permeada pela arquegenealogia dos discursos de orientação foucaultiana.

O conglomerado enunciativo, arquitetônico, imagético e não discursivo que recobre um determinado objeto, diversamente tomado por redes de saber e regimes de verdade, compõe o que Foucault (2015) chama de dispositivo. Segundo Deleuze (1996), podemos notar que no dispositivo concorrem e coordenam-se entre si linhas de visibilidade, enunciabilidade, subjetivação e fissura. Há, dessa forma, uma multiplicidade incontrolável na composição desse complexo (não)discursivo, de modo que é notoriamente impossível realizar uma descrição exata de seus componentes. Diante disso, aqui nos centramos em pensar a composição do dispositivo educacional a partir da discussão sobre a educação integral e formação de um currículo no Brasil, em especial no estado da Paraíba, que funde em diversas medidas os ideais do mercado financeiro neoliberal com as propostas de formação educacional alicerçadas na produção de capital humano. É nessa ótica que nos centramos nas linhas de subjetivação para analisar a constituição do sujeito estudante protagonista enredado pelos discursos neoliberais que o tomam por alvo.

Na racionalidade neoliberal, a escola ocupa um lugar que excede o disciplinamento dos corpos e a docilização, conforme já escrutinado pela ótica foucaultiana sobre a sociedade disciplinar na obra Vigiar e Punir. Nos ditames neoliberais, é compreendida como um bem essencialmente privado (LAVAL, 2019) por meio do qual os indivíduos devem capitalizar recursos (o seu capital humano), a fim de produzir garantias futuras para a sociedade e para si mesmos. A escola integral, tal como orientam o Plano Nacional de Educação (PNE) e a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), é notadamente um investimento na formação cada vez mais profícua de uma classe trabalhadora que acessa as tecnologias do universo empresarial, mas não necessariamente os bens culturais produzidos ao longo da história da humanidade.

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Estormovski (2021) arrola algumas bases subjetivas desse modelo escolar, a saber: o empreendedorismo como cerne da formação educacional – tanto tomado enquanto técnica de mercado, quanto técnica de si; a responsabilização individual dos sujeitos estudantes sobre seus projetos de vida, isto é, sobre o maquinamento e arquitetura de seus planos de trabalho, metas e objetivos de vida num assessoramento estratégico em que sucesso e fracasso balizam-se por relações do tipo causa-efeito, de decisões que recaem única e exclusivamente sobre o estudante protagonista; a apropriação de saberes socioemocionais para o desenvolvimento de competências estritamente mercadológicas, em que se busca extrair dos sujeitos rendimento máximo, inclusive dos seus sofrimentos, segundo esclarece Safatle (2021).

Documentos oficiais, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), nos dão certa margem para problematizar essas premissas que são notoriamente empresariais, mas incutidas nos ditames educacionais como uma lógica supostamente técnica e “neutra”. Por essa ótica, tem-se como foco no ensino médio brasileiro, em especial, a formação para uma rápida adaptação a desafios bem como para a capacidade de promover a construção de projetos de si assessorados pelo ideal tecnológico e trabalhista:

A dinâmica social contemporânea nacional e internacional, marcada especialmente pelas rápidas transformações decorrentes do desenvolvimento tecnológico, impõe desafios ao Ensino Médio.

Para atender às necessidades de formação geral, indispensáveis ao exercício da cidadania e à inserção no mundo do trabalho, e responder à diversidade de expectativas dos jovens quanto à sua formação, a escola que acolhe as juventudes tem de estar comprometida com a educação integral dos estudantes e com a construção de seu projeto de vida. (BRASIL, 2018, p. 464, grifos do autor).

As vontades de verdade da inclusão das juventudes (pensemos, aqui, que a escola que acolhe corpos que antes não eram aceitos para incluí-los e fazê-los produtivos, tais como sujeitos PCD [Pessoas com Deficiência], corpos travestis e outros), são problematizáveis pelo ideário de uma educação integral, a qual se exaspera a noção meramente cognitiva e acrescenta-se a formação emocional, econômica, técnica e cidadã Notamos isso nas premissas educativas que delineiam o CMP do ICE, ao tomar como marco ideário “[…] o compromisso pleno e determinado com a integralidade da ação educativa, ou seja, educar é assegurar uma formação para além da dimensão cognitiva” (ICE, 2019, p. 16). Assim, prevê-se que o estudante esteja apto a lidar em uma sociedade diversamente flexível, sendo necessário que as suas diversas dimensões subjetivas sejam tomadas pelo saber pedagógico e orientadas por técnicas de si cuja eficiência dá-se no entrelaçamento entre saberes psicológicos e mercadológicos (SAFATLE, 2021).

Nesse diapasão, integra a ótica neoliberal o fato de que, ao término do Ensino Médio, o sujeito estudante necessita ter “[…] desenvolvido amplas competências que permitam capacitar-se permanentemente nas várias dimensões da sua vida, executando o projeto construído e idealizado para o seu futuro – seu Projeto de Vida, essência do Modelo da Escola da Escolha” (ICE, 2019, p. 18, grifos nossos). Concordamos com Han (2018), quando o filósofo alega que, no sistema neoliberal, o sujeito é clivado em suas mais íntimas esferas, num autoempresariamento que tem como norte a liberdade. É essa liberdade de produzir um projeto de vida e (re)executá-lo através da permanente formação de competências e habilidades (técnicas, emocionais, sociais, políticas) que constitui o chavão da Educação Integral neoliberal. Quanto a isso, Han (2018, p. 11) pontua: “[…] o neoliberalismo é um sistema muito eficiente – diria até inteligente – na exploração da liberdade: tudo aquilo que pertence às práticas e às formas de expressão da liberdade (como a emoção, o jogo e a comunicação) é explorado.”.

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Assim, nessa racionalidade, podemos considerar a educação como essencialmente produtora de capital humano. Para examinarmos tal conceito, retomamos a problematização feita por Foucault (2004) sobre como a educação integra essa forma de capital, no decorrer do curso ministrado no Collège de France, no ano de 1979, postumamente publicado sob o título O nascimento da biopolítica. O professor francês pontua que a educação é primordial nessa construção, pois, através de investimentos educativos, operam-se as forças de habilitação do sujeito trabalhador, entrevisto como um produtor de certo tipo de renda.

No entanto, não é só no universo escolar que se encontram as ferramentas de aprimoramento do capital humano, pois tal aprimoramento envolve outras variáveis, como o tempo que as mães e pais dedicam a seus filhos, o nível cultural dos pais, o cuidado com a saúde e o ambiente de experiência de vida, dentre outros (FOUCAULT, 2004). Por isso mesmo, “[…] se chama capital humano na medida em que, precisamente, a competência-máquina da qual é o rendimento não pode ser dissociada do indivíduo humano que é seu portador” (FOUCAULT, 2004, p. 287).

A teoria do capital humano, aludida por Foucault (2004), advém das investigações de Jacob Mincer, empreendida nos anos de 1950, ao conectar a educação com o desenvolvimento financeiro. Segundo a leitura de Viana e Lima (2010), Mincer apregoava a necessidade de correlacionar tempo e aquisição de conhecimentos para aplicação profissional. Posteriormente, Theodore W. Shultz argumenta que o empreendimento econômico de uma determinada nação só é eficiente e pode vir a crescer se houver investimentos educativos, em saúde e seguridade (SILVA; SILVA, 2020).

Em sua gênese, a teoria surge como empreitada de contenção de avanços da perspectiva socialista nos países periféricos do globo. Houve, entretanto, uma virada desse discurso para uma ótica explicitamente educacional. Nesse sentido, os sujeitos possuem competências e habilidades, as quais podem ser ampliadas com investimentos que, a priori, são individuais. Viana e Lima (2010) compreendem que a inclusão dos modelos de capital humano é tomada como imprescindível para o desenvolvimento econômico a partir daquele momento.

Em continuidade, Gary S. Becker, nos anos de 1960, postula que o capital humano “[…] é formado pelos investimentos, com intuito de melhorar a sua habilidade produtiva e seu estoque de conhecimentos adquiridos ao longo do tempo, especialmente pelo seu nível de escolarização, de aprendizado, entre outros.” (VIANA; LIMA, 2010, p. 141). Nesse ponto de vista, o capital humano pode ser conceituado como o valor do sujeito cifrado pelas suas capacidades técnicas, emocionais e sociais adquiridas no ambiente escolar voltadas única e exclusivamente para o universo do trabalho. Assim, a gramática corporativa (LAVAL, 2019) inscreve-se no campo educacional para formar uma classe trabalhadora supostamente capacitada para enfrentar a feroz incerteza da contemporaneidade. O capital humano resume-se, então, ao corpo-máquina dos sujeitos que têm sua valorização no conhecimento e na capacitação educacional que detêm ou, no discurso da BNCC (2018), em suas competências e habilidades a serem desenvolvidas. Em epítome, o discurso financeiro emerge cada vez mais no ambiente educacional, empregando toda uma argumentação de matriz gerencial em torno do ideário de investimento.

A partir dessa emergência enunciativa, vemos que a escola está cada vez mais permeada pela retórica gerencial (LAVAL, 2019), que tende a fazer com que os processos de ensino e de aprendizagem se adaptem às instabilidades do mercado. Constitui-se, como intento final dessa relação de formação integral, o capital humano, a monetização da educação e da vida, pela via do sujeito estudante protagonista. Essa forma de subjetividade instaura-se primordialmente porque, conforme o CMP: “Os educandos devem ser tratados como fontes de iniciativa, porque devem ser parte da ação; de liberdade, uma vez que às ações devem ser associadas as suas decisões; e de compromisso, na medida em que devem

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aprender a responder pelo que decidem. (ICE, 2019, p. 43). A liberdade é, novamente, a problemática que enfocamos. A partir de Dardot e Laval (2016), depreendemos que no neoliberalismo a classe trabalhadora é governada em sua liberdade. A liberdade excessiva é, segundo Han (2018), o regime de nossa atualidade, porque se trata da ferramenta mais eficiente da exploração do sujeito.

O filósofo sul-coreano ainda elucida que “A técnica de poder do regime neoliberal assume uma forma sutil. Não se apodera do indivíduo de forma direta. Em vez disso, garante que o indivíduo, por si só, aja sobre si mesmo de forma que reproduza o contexto de dominação dentro de si e o interprete como liberdade.” (HAN, 2018, p. 44).

Assim sendo, este modelo pedagógico tem como razoabilidade o sujeito capacitado para exercício estritamente autônomo de suas capacidades e competências e, por isso mesmo, é notoriamente braço do mercado na formação do capital humano no ambiente escolar, pois é um fazer educativo que “[…] está ligado a um economicismo aparentemente simplista, cujo principal axioma é que as instituições no geral e a escola em particular só têm sentido com base no serviço que devem prestar às empresas e à economia. O ‘homem flexível’ e o ‘trabalhador autônomo’ são as referências do novo ideal pedagógico.” (LAVAL, 2019, p. 29).

Tendo ciência disso, Duarte e Derisso (2017) assinalam que os conhecimentos escolares, nessa racionalidade neoliberal, são expressamente um instrumentalizador dos sujeitos do trabalho, pois, conforme Frigotto (2010), tais conhecimentos são preponderantes geradores de capacidades, competências e habilidades de trabalho que são submetidas à ótica financeira e mercadológicotecnocrática. A face “invisível” do mercado (DARDOT; LAVAL, 2016) aparelha o saber pedagógico atual, afincando a construção de sujeitos cujos conhecimentos, competências e habilidades devem ser capitalizáveis. É do conhecimento escolar que deriva o trunfo da racionalidade neoliberal, exasperando a norma disciplinadora que antes vigorava para constituir e justificar sujeitos autossubjugados.

Ao discutir o poder disciplinar, Foucault (2014) engendrou um olhar sobre a arquitetura do hospital, das prisões, da fábrica e, também, da escola, problematizando a eficácia dessa última no processo de docilização e controle dos corpos. Em Vigiar e punir, compreendemos o funcionamento de certa engrenagem que, exercida pelo detalhe e seu controle quase sorrateiros, produz sujeitos cuja força de rebelião é minada tanto quanto se possa. Na sociedade panóptica, tal tecnologia encontrava sua eficiência na minúcia e na reprodução dos comportamentos, hierarquizados e calculados para tornar indivíduos corpos obedientes.

Em nosso presente, um refino dessa tecnologia se instaura cotidianamente, exercendo-se, sobretudo, por meio de discursos no entorno do corpo (ainda) eficiente, mas, sobretudo, empreendedor Enquanto a sociedade da disciplina fulgurava sua maquinaria de plena reprodução, a sociedade neoliberal cintila práticas de governo em consonância com imperativo que sonda uma nova representação do homo aeconomicus, agora não mais concebido como o sujeito da troca do liberalismo clássico, senão como o empresário de si mesmo da racionalidade neoliberal (FOUCAULT, 2004). O filósofo francês nos apresenta tal racionalidade sob o entendimento de que ela permite “[…] reinterpretar em termos econômicos, e em termos estritamente econômicos, todo um domínio que, até então, podia ser considerado, e era de facto considerado, não econômico” (FOUCAULT, 2004, p. 279).

A racionalidade de nosso tempo, conforme defende Laval (2019), ultrapassa o poder disciplinar, vence o estratagema biopolítico e se assegura nas curvas da sociedade de controle, tal qual já antevia Deleuze (1996). No neoliberalismo, os sujeitos transitam na inconstância – oposto do detalhe repetido da disciplina – para que haja governamentalidade, agora não mais ligada ao governo meramente institucional de si e dos outros, mas a uma forma de gestão de si muito mais empresarial que moral. Não há, a priori, uma ascese do sujeito em torno de uma moral de si; todavia, formula-se certo vínculo entre a

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economia de si – essencialmente financeira e estatística – e um imperativo de competitividade. Em consequência, o governo de si constitui o empreendedorismo e o governo dos outros, competição.

Tomemos estas duas acepções para refletir sobre a escola na racionalidade neoliberal: empreender e competir. Notemos que, na razão neoliberal, o empreendedorismo constitui uma ética do sujeito, fundamental por isso para constituir subjetividades fundadas na razoabilidade mercadológica da competição (consigo e com os outros). Assim, “[…] o neoliberalismo precisa de uma educação inclusiva que prepare os indivíduos para a competição, para a flexibilidade, para o empreendedorismo e autoempresariamento, para o endividamento e para a despolitização […]” (VEIGA-NETO, 2018, p. 43).

A predominância de discursos com esse viés na educação pode ser ilustrada por meio da recente inserção em documentos oficiais brasileiros, como a BNCC, ou a operação de uma transmutação do objetivo da educação na formação científico-filosófico-humana para a capacitação técnica e financeira dos sujeitos, injetando no componente educacional estratégias de administração de si em todos os níveis, as quais visam emoldurar um sujeito competente e gestor de si, escolhendo por meio do seu Projeto de Vida os trajetos de seu êxito (ou não). Observemos, desse modo, como orienta a BNCC, ao inscrever a importância de uma escola acolhedora preparar o jovem por meio de experiências que “[…] favorecem a preparação básica para o trabalho e a cidadania […] no sentido de aparatar as próximas gerações para “[…] o desenvolvimento de competências que possibilitem aos estudantes inserir-se de forma ativa, crítica, criativa e responsável em um mundo do trabalho cada vez mais complexo e imprevisível […]” (BRASIL, 2018, p. 465).

Na BNCC constam as dez Competências que devem ser alcançadas através da educação básica brasileira. A competência de número seis assim se expressa:

Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade. (BRASIL, 2018, p. 9, grifos nossos).

Nota-se que a apropriação do conhecimento ofertado pela escola objetiva a formação de habilidades férteis ao mundo do trabalho, no qual a mão de obra qualificada é aglomerada nas redes de poder que insistem na tríade autonomia-consciência-cidadania, sorrateira em propiciar ao sujeito trabalhador a visão de que é necessário estar tão mais livre quanto possível (autônomo) das seguranças que são ilusórias (consciência), a fim de exercer com mais rapidez, competência e produtividade o seu dever para a melhoria do mundo (cidadania). A educação, nessa conjuntura, serve à formação dessa massa de sujeitos aptos e competentes para o mercado de trabalho.

Ao volvermos o olhar sobre o CMP do ICE, documento que orientou a organização das Escolas Cidadãs Integrais (ECIs) da Paraíba, podemos rastrear pistas desse discurso, intentando constituir subjetividades estudantis que, a curto e longo prazo, formem-se para o trabalho, tomado como um fim em si mesmo da experiência educacional.

No excerto 1, constam as tarefas formativas que o modelo pedagógico do ICE tem como finalidade. Observemos:

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EXCERTO 1

• Pessoas autônomas, capazes de avaliar e decidir baseados em suas crenças, conhecimentos e interesses;

• Cidadãos solidários, capazes de se reconhecerem como parte da solução dos problemas reais;

• (Futuros) profissionais competentes, capazes de definir o que desejam para a sua vida, de projetar seus sonhos em forma de ações e de executá-las; capazes de compreender as exigências do novo mundo do trabalho e de reconhecer as necessidades de aquisição de habilidades específicas requeridas para a execução do seu Projeto de Vida (ICE, 2019, p. 21).

O sujeito a ser formado, de acordo com esse discurso do documento, é notadamente um avaliador de si, uma espécie de autogestor com uma racionalidade de decisão: sua eficiência está em si próprio e nas capacidades de flexibilização adquiridas. A capacidade ascética de inserir-se na problemática do presente, a habilidade de decidir sobre o seu futuro, bem como o reconhecimento são componentes de uma racionalidade que Foucault (2004, p. 286) nos apresenta como produtora de um sujeito do empresariamento, uma forma-empresa que é um indivíduo, subjetivando-se como empresário de si:

O homo aeconomicus é um empresário, e um empresário de si mesmo. E isto é de tal modo verdade que em praticamente todas as análises dos neoliberais se substitui o homo aeconomicus parceiro a troca por um homo aeconomicus empresário de si, sendo ele mesmo o seu próprio capital, sendo para si mesmo seu próprio produtor, sendo para si mesmo a fonte de seus rendimentos (FOUCAULT, 2004, p. 286).

E por competente depreendemos um sujeito que, nas dimensões técnicas, emocionais, organizacionais e financeiras, gere de maneira calculada sua própria existência. Na educação, a racionalidade neoliberal opera pela produção de uma subjetividade voltada para a governança de si, imputando a esse planejamento estratégico da própria existência tanto as benesses quanto os malefícios. É, portanto, um sujeito empreendedor constantemente responsável. Como frisa Foucault (2004, p. 285), trata-se de um detentor de um “capital-competência”, constituído no sujeito que é uma forma de trabalhador-máquina.

Conforme consta no excerto a seguir, um dos fins da Educação é a constituição de um sujeito flexível. O discurso da flexibilidade alicerça-se na constituição daquilo que Standing (2020) afirma ser o precariado, isto é, uma massa de trabalhadores que, inseridos na ótica neoliberal do empresariamento de si, não galga os lugares de sucesso pretensamente ofertados por uma educação das competências e acaba por submeter-se a condições degradantes de emprego, sem direitos e garantias e nem remuneração adequada. O precariado constitui o resultado da flexibilidade enquanto parte da subjetividade estudantil construída pela educação da Escola da Escolha. Quanto a isso, vejamos o excerto 2:

EXCERTO 2

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• O objetivo da educação não se restringe a assegurar a transmissão de conhecimentos, mas a criação de um desejo de continuar a aprender por toda a vida a partir do reconhecimento de que aprender é viver em transformações de si próprio e dos outros; (ICE, 2019, p. 22, grifos nossos).

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Trata-se de um dos objetivos da educação básica discursivizado pelo Modelo Pedagógico do ICE, no qual reverberam as práticas de aprendizagem constante e capacidade de adaptação, o que, para Laval (2019), são regularidades discursivas da formação do capital neoliberal. Neste, o trabalhador sobrevive na insegurança de direitos e, por isso, a inovação de si é imperiosa, dado o fato de que, a qualquer instante, as condições de trabalho e os empregos são tomados desses sujeitos, que devem estar atentos à mudança e às intempéries. Por isso, a educação nesse modelo, ao formar para o sucesso da gestão de si, prepara para o fracasso, embora isso não seja explicitado.

Ao analisarmos tal discurso, recorremos à assertiva de Laval (2019, p. 29), quando assinala:

O novo modelo escolar e educacional que tende a se impor se baseia, em primeiro lugar, em uma sujeição mais direta da escola à razão econômica. Está ligado a um economicismo aparentemente simplista, cujo principal axioma é que as instituições no geral e a escola em particular só têm sentido com base no serviço que devem prestar às empresas e à economia. O “homem flexível” e o “trabalhador autônomo” são as referências do novo ideal pedagógico (LAVAL, 2019, p. 29).

Há, nessa ótica, um desvio do papel do Estado de assegurar condições de dignidade, pois se desvia a responsabilidade para o indivíduo e seu Projeto de Vida, catapultado por uma perspectiva de protagonismo. Na acepção de Han (2018, p. 9), “Hoje, acreditamos que não somos sujeitos submissos, mas projetos livres, que se esboçam e se reinventam incessantemente. A passagem do sujeito ao projeto é acompanhada pelo sentimento de liberdade.” Isso se instaura como mola propulsora para uma subjetividade estudantil que angaria a si a liberdade de projetar sua existência não tomando em medida as intempéries que o sistema capitalista contemporâneo forja. Assim, de acordo com o Modelo Pedagógico do ICE,

EXCERTO 3

O Modelo guarda fidelidade ao compromisso com uma educação que possibilita às crianças, adolescentes e jovens as condições para que construam uma visão de si próprios no futuro e a executem, valendo-se do protagonismo como mecanismo de ação mobilizadora de forças, talentos e potencialidades para essa construção que se materializa como Projeto de Vida – tema que reside no coração do Modelo da Escola da Escolha. (ICE, 2019, p. 13, grifos nossos).

Ao analisarmos o excerto acima, entrevemos que o discurso de liberdade está imbricado na formação do sujeito do desempenho, que, quando “[…] se julga livre, é na realidade um servo: é um servo absoluto, na medida em que, sem um senhor, explora voluntariamente a si mesmo.” (HAN, 2018, p. 10, grifos do autor). Tem-se, então, certa curvatura daquilo que Foucault (2010) nos fala sobre o governo de si e dos outros. Na formação do poder pastoral, informa o filósofo francês, havia um jogo incessante do olhar do outro como avaliador, papel este que era desempenhado essencialmente pelo pároco, o médico, o pedagogo. Nessa virada das relações de poder em que surge o sujeito do desempenho, conforme Han (2018) descreve, o pastor é substituído por uma forma de exame de si muito mais eficiente. É profícuo pensar no sujeito constituído como constante contador na medida em que apresenta a si mesmo dados, estatísticas, rendimentos, cobra e pune, incentiva e envilece. O sujeito do desempenho pratica o exame de si, aperfeiçoado pela pastoral cristã (FOUCAULT, 2015), num nível econômico de si em que o rendimento importa mais que a busca pelo ideal religioso. Abandona-se o sujeito da devoção para constituir, por meio da prática pedagógica, o sujeito da produção eficiente.

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Nessa perspectiva, a educação, segundo o Modelo Pedagógico do ICE, deve tornar capazes os estudantes ofertando-os capacidades e competências mínimas. Tais noções são tomadas do discurso do filósofo José Bernardo Toro, mencionado nos documentos pedagógicos que aqui analisamos como criador dos Códigos da Modernidade: Capacidades e competências para participação produtiva no século XXI (ICE, 2019, p. 24). A reatualização desse discurso (FOUCAULT, 2020) no campo da educação nos permite considerar a inserção cada vez mais robusta dos preceitos do mundo corporativo e financeiro na pedagogia. Segundos os Códigos da modernidade retomados pelo Modelo Pedagógico do ICE, os sujeitos devem, em nosso presente, adquirir:

EXCERTO 4

Capacidade de planejar, trabalhar e decidir em grupo: Saber associar-se, trabalhar e produzir em equipe são capacidades estratégicas para a produtividade e fundamentais para a democracia. Essas capacidades se formam cotidianamente através de um modelo de ensino e aprendizagem autônomo e cooperativo, em que o professor é um orientador e um motivador para a aprendizagem. (ICE, 2019, p. 25, grifo nossos).

Enfoca-se, pois, a construção de um sujeito que performa tais códigos da modernidade, todos produtivos ou do universo do trabalho, a fim de que haja em sua convivência o vice-versa dos direitos e deveres da democracia. É característico da força do neoliberalismo esse modelo de sujeito performático, porque essa racionalidade enquanto poder de controle, estratégia de governo, ou governamentalidade específica de nossa atualidade, atua na molda de nossos desejos, e “[…] nesse sentido, a performatividade neoliberal […] recodifica identidades, valores e modos de vida por meio dos quais os sujeitos realmente modificam a si próprios, e não apenas o que eles representam de si próprios.” (SAFATLE, 2021, p. 11).

3Consideraçõesfinais

Neste estudo, buscamos analisar, sob o horizonte teórico foucaultiano, os pressupostos educacionais das Escolas Cidadãs Integrais (ECI) da Paraíba orientados a partir do CMP do ICE. Para isso, reunimos alguns apontamentos teóricos sobre as relações do campo educacional contemporâneo com as premissas mercadológicas do neoliberalismo. Tomamos o norte conceitual apresentado por Foucault (2004), Dardot e Laval (2016) e Laval (2019) para interpretar as práticas da governamentalidade neoliberal que constituem os marcos filosófico, lógico, didático e prático do CMP. Pudemos constatar, na análise documental, algumas regularidades discursivas (FOUCAULT, 2020), a seguir enumeradas:

● O propósito educacional que se instaura por meio do Modelo Pedagógico proposto pelo ICE é notadamente uma formação para o mercado de trabalho. Isso se materializa pela marcação da importância de uma formação não somente cognitiva, mas técnica e emocional, aspectos estes preponderantes ao universo do trabalho na atualidade.

● O imperativo da flexibilidade, constante nos mais diversos documentos pedagógicos que listamos – BNCC, PNE, PEE, LDB – estabelece que o discente precisa se responsabilizar sobre o seu percurso formativo e estar atento às mudanças a que estamos suscetíveis no esteio do neoliberalismo.

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● A construção do capital humano emerge como central no discurso que analisamos, especialmente por considerá-lo como a “moeda” da contemporaneidade, isto é, as competências e habilidades dos sujeitos, a serem ampliadas e refinadas à exaustão, constituem o valor destes corpos e também sua maneira de acessar os bens materiais.

● A educação, nessa visada mercadológica, implica também a necessidade de refazer ou problematizar os impactos das estratégias de governamentalidade neoliberais sobre as subjetividades estudantis, construídas notadamente para o serviço tecnocrático de nosso presente, o qual explora – conforme Han (2018) e Safatle (2021) – inclusive as emoções, os sofrimentos e o ideário de liberdade.

Finalmente, compreendemos que nossos apontamentos são iniciais e requerem refino ao longo do tempo. Isso se dará pela refeitura constante e sistemática de nossas apreciações dos discursos que constituem as configurações da educação integral paraibana e, consequentemente, dos modos de engendrar subjetividades dentro desse dispositivo que, consideramos, mais que disciplinar e docilizar, objetiva flexibilizar os corpos estudantis para que estes sejam tão mais eficientes quanto explorados, tanto pelo mercado financeiro como por si mesmos.

Referências

BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, Lei 9.394. Diário Oficial da União, 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Plano Nacional de Educação. PNE. Lei n.º 13.005/2014. Diário Oficial da União, 2014.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Conselho Nacional de Educação, 2018.

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Submetido em: 29 nov. 2021

Aceito em: 15 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p581-600

Xênia de Castro Barbosa https://orcid.org/0000-0002-8082-6974

Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora de História no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO), Coordenadora do Núcleo de Estudos Históricos e Literários do IFRO e Chefe do Departamento de Pesquisa, Inovação e Pós-graduação do IFRO Campus Porto Velho Calama/RO Brasil. E-mail: xenia.castro@ifro.edu.br.

Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira https://orcid.org/0000-0001-8011-788X

Pós-Doutorado em andamento na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-Doutorado concluído na Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Doutor na linha "História Social da Cultura" no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO) no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT) – Rondônia – Brasil. E-mail: rodrigo.leonardo@ifro.edu.br.

Resumo

Este artigo visa comunicar os resultados da pesquisa intitulada “Pedagogia da presença aplicada à prevenção de ideações suicidas e autoagressão na adolescência”, desenvolvida no Instituto Federal de Rondônia. Os objetivos do estudo consistiram em contribuir para o manejo pedagógico do problema da ideação suicida e conduta autolesiva em adolescentes, mediante reflexão teórica e transferência de dois produtos educacionais. A pesquisa foi desenvolvida em abordagem qualitativa, com base na metodologia da Pesquisa-ação educacional. Os resultados indicam que a Escola tanto é fator de estresse e adoecimento como tem o potencial de contribuir para a promoção da saúde mental dos estudantes, do cuidado de si e do cuidado do outro. Defende-se que uma formação omnilateral, apoiada na Pedagogia da Presença, seja capaz de favorecer a compreensão dos fatores estruturais e conjunturais de nosso tempo – o que favorece a redução das frustrações pessoais, a flexibilização das noções de fracasso e sucesso entre os adolescentes, e o desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais, para além do que tem sido estimulado pelas reformas neoliberais da Educação.

Palavras-chave: Saúde Mental. Educação Profissional e Tecnológica. Pedagogia da Presença.

Self-injurious behavior and suicidal ideation in Adolescence: challenges in Vocational Education and Training

Abstract

This article aims to communicate the results of the research entitled “Pedagogy of presence applied to the prevention of suicidal ideation and self-harm in adolescence”, developed at the Federal Institute of Rondônia. The objectives of the study were to contribute to the pedagogical management of the problem of suicidal ideation and self-harming behavior in adolescents, through theoretical reflection and transfer of two educational products. The research was developed in a qualitative approach, based on the Educational Action Research methodology. The results indicate that the school is both a factor of stress and illness and it has the potential to contribute to the promotion of students' mental health, self-care and care for others. It is argued that an omnilateral training, supported by the Pedagogy of Presence is capable of favoring the understanding of the structural and conjunctural factors of our time - which favors the reduction of personal frustrations, the flexibilization of the notions of failure and success among adolescents, and the development of cognitive and socio-emotional skills, in addition to what has been stimulated by neoliberal education reforms.

Keywords: Mental health. Vocational Education and Training. Pedagogy of Presence.

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ComportamentoautolesivoeideaçãosuicidanaAdolescência:desafiosna EducaçãoProfissionaleTecnológica

Conducta autolesiva e ideación suicida en la adolescencia: desafíos en la Educación Profesional y Tecnológica

Resumen

Este artículo presenta los resultados de la investigación titulada “Pedagogía de la presencia aplicada a la prevención de la ideación suicida y las autolesiones en la adolescencia”, desarrollada en el Instituto Federal de Rondônia. Los objetivos fueron contribuir al manejo pedagógico del problema de la ideación suicida y la conducta autolesiva en adolescentes, a través de la reflexión teórica y transferencia de dos productos educativos. La investigación se desarrolló en un enfoque cualitativo, basado en la metodología de la Investigación Acción Educativa. Los resultados indican que la Escuela es tanto factor de estrés como de enfermedad y tiene el potencial de contribuir para la promoción de la salud mental de los estudiantes, el autocuidado y el cuidado de los demás. Se argumenta que una formación omnilateral, apoyada en la Pedagogía de la Presencia, es capaz de favorecer la comprensión de los factores estructurales y coyunturales de nuestro tiempo - lo que favorece la reducción de las frustraciones personales, la flexibilización de las nociones de fracaso y éxito entre los adolescentes, y el desarrollo de habilidades cognitivas y socioemocionales, además de lo que ha sido estimulado por las reformas educativas neoliberales.

Palabras clave: Salud mental. Educación Profesional y Tecnológica. Pedagogía de la Presencia.

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1Introdução

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IF) têm nos estudantes de Ensino Médio Integrado ao Técnico a maior parte de seu alunado. Esses estudantes, em sua maioria adolescente, encontram na instituição oportunidades de aprendizagem, desenvolvimento pessoal e profissional e de convivência social. Muitos deles, contudo, são oriundos de contextos de violência e trazem em suas histórias de vida experiências de dor, abuso, exploração e uso de substâncias ilícitas, que configuram situações de sofrimento mental. Por outro lado, a própria vivência nos espaços da instituição pode ser também fator de adoecimento, em função de estresse, excesso de atividades, dificuldades de aprendizagem, exclusão, bullying e assédio, como atestam os estudos de Soares (2015) e de Pacheco, Nonenmacher e Cambraia (2020).

Não menos relevante é o fato de que tem havido progressivo direcionamento de organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sobre a Educação dos países em desenvolvimento. Esses organismos internacionais têm induzido reformas educacionais, como a reforma do Ensino Médio brasileiro de 2017 e a da nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que reduzem as oportunidades de desenvolvimento cognitivo em favor do desenvolvimento de competências socioemocionais, as quais, sob o manto de favorecer o autoconhecimento, a criatividade e as relações humanas saudáveis, funcionam, na prática, como mecanismos de coerção, ajustamento e controle do futuro trabalhador ao sistema capitalista (ACCIOLY, 2021).

Competências socioemocionais são necessárias para a vida em sociedade, constituem-se em elementos de destaque para a promoção e proteção da saúde mental (PORTUGAL, 2019), e têm ganhado cada vez mais espaço nos processos de escolarização, configurando o que Ciervo (2019) denominou de “giro emocional”. A forma como elas têm sido inseridas no currículo e promovidas nas práticas escolares, desvia-se, contudo, de uma formação omnilateral, tal qual proposta por Ramos (2014) e pelos clássicos do pensamento educacional de matriz marxista, e evidencia claro alinhamento a uma perspectiva conservadora, na qual as emoções são esvaziadas de seu sentido e transformadas em objetos, instrumentalizando o que Ciervo (2019) identificou como “capitalismo emocional”.

Em face dessas disputas de sentidos e do crescente número de casos de comportamentos autolesivos e suicídio no Brasil entre adolescentes (BRASIL, 2019; GABRIEL et al., 2020; PREITE SOBRINHO, 2019), o artigo em tela visa contribuir para uma reflexão crítica acerca dos desafios da promoção da saúde mental nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, bem como compartilhar experiências construídas no Instituto Federal de Rondônia, no âmbito do projeto de pesquisa intitulado “Pedagogia da Presença aplicada à prevenção de ideações suicidas e autoagressão na adolescência”, desenvolvido no período de julho de 2019 a agosto de 2021.

As categorias de análise centrais ao estudo foram: comportamento autolesivo (também conhecido pela sigla SIB - do inglês, Self-Injurious Behaviors), ideação suicida e suicídio. Por comportamento autolesivo entende-se uma série de condutas individuais que visam produzir lesões mais ou menos graves no próprio corpo. Essa prática é também conhecida como autoagressão e automutilação. Cedaro e Nascimento (2013) a definem como o ato de se machucar intencionalmente, de forma superficial, moderada ou profunda, sem que haja intenção suicida consciente. Caracteriza-se, portanto, por atos lesivos contra o próprio corpo, como cortes, perfurações e escoriações, feitos com as próprias mãos ou com o uso de objetos – geralmente cortantes e perfurantes. Em geral, condutas autolesivas não estão associadas à intenção suicida – o adolescente que se corta quer apenas, na maioria das vezes, dar vazão à dor emocional que sente por meio de uma dor física latente, que desvie o foco da primeira, bem como

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pedir ajuda – chamar a atenção para seu sofrimento. Contudo, determinadas condutas, mesmo que não intencionais, podem levar à morte, como o consumo ou exposição a medicamentos e substâncias químicas (VIEIRA; SANTANA; SUCHARA, 2015).

Embora a maioria dos casos de condutas autolesivas seja praticada sem a intenção de pôr fim à própria vida, há casos em que essa intencionalidade está presente. Ambas as manifestações precisam de acompanhamento especializado, pois tais comportamentos podem se apresentar de forma crônica e causar riscos graves a quem se engaja neles, e podem se mostrar em padrões rítmicos ou repetitivos que variam em intensidade, grau de lesão e rompimento com o ambiente social (CEPPI; BENVENUTI, 2011). Desse modo, é fundamental desencorajar sua prática, e auxiliar os adolescentes a superar o sofrimento vivenciado, por meio de acompanhamento médico e psicológico, e do desenvolvimento de formas saudáveis de se expressar e de habilidades cognitivas e emocionais que lhes possibilitem novas formas de interpretação da situação em que vivem e da interação com o meio.

No campo científico, o problema das condutas autolesivas ainda necessita de mais estudos e não há consenso sobre seus fatores desencadeantes. De modo, sintético, considera-se o fenômeno como produto de “complexas interações entre fatores genéticos, biológicos, psiquiátricos, psicológicos, sociais e culturais” (SANTOS et al., 2018, p. 124). Os autores destacam ainda que, no Brasil, não foram encontrados estudos epidemiológicos em nível nacional sobre a incidência do fenômeno, mas pesquisas realizadas no exterior mostram o crescimento da prática nos últimos anos em populações adolescentes (HESTER, 2022; MARTÍNEZ-ALÉS; JIANG; KEYES; GRANDUS, 2022; MCLOUGHLIN; GOULD; MALONE, 2015).

Ideações suicidas, por sua vez, são entendidas como pensamentos/fantasias acerca da autodestruição. Podem ser expressos por meio de pensamentos eventuais e não consequentes, rapidamente esquecidos, como também por meio de pensamentos repetitivos, que resultam em planejamento da abreviação da própria vida (REYNOLDS, 1988). De acordo com Azevedo e Matos (2014), a presença de ideação suicida é habitualmente um sinal de sofrimento emocional grave e aparece como um dos principais preditores de tentativas de suicídio e de suicídio consumado. Desse modo, é fundamental construir, no âmbito escolar, uma atmosfera de acolhimento, respeito e abertura para o diálogo, bem como oferecer ajuda oportuna aos adolescentes que demonstrem estar em sofrimento emocional. É fundamental também superar o mito de que conversar sobre sofrimento psíquico gera mais sofrimento, e que falar de ideação suicida e suicídio desencadeia ondas de suicídio. O diálogo aberto, responsável, respeitoso e sem julgamentos morais é recurso relevante para o conhecimento das situações de sofrimento emocional vivenciados pelos estudantes e oportunidade singular para a construção de uma rede de apoio, que deve envolver tanto o aconselhamento e acompanhamento pedagógico constante, como a disponibilização ou encaminhamento para serviços de saúde especializados.

O suicídio, por sua vez, caracteriza-se como morte voluntária, e é um fenômeno histórico que possui registros desde a Antiguidade. Os valores em torno dele, contudo, variam culturalmente, sendo representados de maneira diferente conforme a religião, o período histórico, a classe social ou a situação vivenciada pelo sujeito que praticou o ato de pôr fim à própria vida (BARBAGLI, 2019; MINOIS, 2018).

Da Antiguidade até os dias de hoje, a escolha voluntária da morte tem causado inquietações e quase sempre foi vista como objeto de reprovação social, salvo raras exceções, em que a morte voluntária foi considerada um ato de heroísmo, de fidelidade e subsunção ao Estado ou de suprema liberdade. Em todos os casos se mostrou inquietante, ainda que essas inquietações fossem dissimuladas sob discursos ou

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silêncios, isso porque “a morte voluntária é um tipo de óbito cujo significado não é de ordem demográfica, mas filosófica, religiosa, moral, cultural” (MINOIS, 2018, p. 2).

Do ponto de vida da saúde pública, o suicídio pode e deve ser prevenido (OMS, 2019), e isso é factível por meio de ações educativas que levem ao desenvolvimento do senso crítico, da compreensão histórica e conjuntural dos fenômenos, e da construção de habilidades cognitivas e socioemocionais. De igual relevância é a disponibilização de informações responsáveis, a demonstração de empatia e solidariedade e a restrição aos meios e objetos capazes de resultar em lesões autoinfligidas e em suicídio.

2Metodologia

A pesquisa ora comunicada foi desenvolvida com base no método da Pesquisa-ação educacional (TRIPP, 2005). De acordo com esse autor, “a pesquisa-ação educacional é principalmente uma estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos” (TRIPP, 2005, p. 445). Trata-se, portanto, de investigação fortemente ligada ao contexto escolar. Na experiência aqui reportada, o principal objetivo com o acionamento deste método foi colaborar para a melhoria das práticas pedagógicas desenvolvidas no espaço do Instituto Federal de Rondônia Campus Porto Velho Calama, notadamente as concernentes à promoção da saúde mental de estudantes adolescentes.

Classifica-se, quanto ao gênero, como pesquisa metodológica – por se tratar de investigação voltada ao desenvolvimento de metodologia de abordagem pedagógica do problema das condutas autolesivas praticadas por adolescentes. Segundo Demo (1994), essa modalidade de pesquisa não só se direciona à formulação metodológica, como também se destaca pelo estudo dos paradigmas, das crises da ciência, dos métodos e técnicas predominantes nessa forma de produção de conhecimento. Quanto aos objetivos, a pesquisa em esquadro delineia-se como pesquisa explicativa, e quanto à natureza, como pesquisa aplicada. Sua aplicação consistiu no desenvolvimento de metodologia para a abordagem educacional do problema da ideação suicida e de comportamentos autolesivos demonstrados por adolescentes, e de um portal com informações educativas sobre o tema.

O processo de ensino-aprendizagem no campo da Educação Profissional e Tecnológica pública pauta-se no princípio do trabalho como princípio educativo, que articulado a uma sólida base cultural, técnica e científica possibilitará uma formação omnilateral (BRASIL, 2019; MOURA, 2007). Assim, o aprendizado se refere não só aos componentes curriculares como também à cidadania, à ética e aos valores necessários para vida em sociedade. Nessa toada, uma educação efetivamente politécnica deve ocupar-se, também, da promoção da saúde mental dos educandos, levando-os a compreender os mecanismos socioeconômicos e culturais que resultam nas diversas formas de opressão do ser, e a identificar quando, como e onde buscar ajuda profissional para os casos de sofrimento emocional que não possam ser geridos por eles próprios.

A pesquisa em tela visou o aprofundamento teórico de situações que emergiram espontânea e contingencialmente na prática profissional dos autores, e não coletou dados de seres humanos, nem revelou informações capazes de identificar os atores escolares em sofrimento emocional, o que, conforme item VII do Art. 1.º da Resolução n.º 510, de 07 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2016), isenta o projeto de avaliação em Comitê de Ética em Pesquisa. Prevalece desse modo, o

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caráter de revisão de literatura. Em oportunidade futura estima-se desenvolver novos desdobramentos deste estudo, a partir da definição de novos objetivos e instrumentos de coleta de dadas. No atual momento optou-se por observações participantes, revisão de literatura e desenvolvimento da metodologia de abordagem pedagógica do problema e do portal informativo.

Os materiais utilizados para a coleta de dados foram dissertações, teses, livros, artigos científicos e relatórios publicados nos repositórios do Ministério da Saúde, como o VIVA/Sinan, o SIM – Sistema de Informações de Mortalidade e as notas de pesar publicadas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO) acerca dos óbitos por suicídio de estudantes matriculados nos diversos campi que integram a instituição. As fontes coletadas foram lidas e fichadas em editor eletrônico de texto, e na sequência, foram serializadas por tipo e discutidas entre os professores e os estudantes bolsistas do projeto.

As análises dos dados foram realizadas com base em literaturas concernentes ao assunto, colacionando-se as evidências teóricas com os conhecimentos empíricos vivenciados no espaço de desenvolvimento da pesquisa: o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia Campus Porto Velho Calama com vistas à formulação da metodologia de abordagem do problema, e do portal educativo – produtos educacionais resultantes desta pesquisa.

No que se refere ao desenvolvimento da Metodologia de Abordagem Pedagógica de Ideações Suicidas e Comportamento Autolesivos na Adolescência, foram realizadas as seguintes operações: (1) Pesquisa de similares; (2) Elaboração do protótipo; (3) Teste do protótipo; (4) Elaboração do produto; (5) Transferência do produto. A pesquisa de similares foi realizada em sites da Internet, por meio do buscador Google e os documentos encontrados foram lidos e fichados, servindo de base para os protótipos da metodologia e do portal de informações. O protótipo da Metodologia de Abordagem Pedagógica de Ideações Suicidas e Comportamento Autolesivos na Adolescência foi elaborado em forma de orientação técnica, e seu teste foi procedido mediante avaliação por cinco profissionais, sendo dois professores da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (EBTT), uma pedagoga e uma psicóloga. Com base nas avaliações realizadas pelos colaboradores, realizamos os ajustes apontados e elaboramos o produto final, que foi apresentado durante a 11.ª Semana Pedagógica do IFRO Campus Porto Velho Calama. Quanto ao desenvolvimento do portal eletrônico, foram levados em consideração os itens apontados pelos bolsistas do projeto, os quais se enquadram na faixa etária da adolescência. Assim, foi escolha deles a palheta de cores, o tipo de linguagem utilizada, bem como os conteúdos publicados.

3Resultados

Conforme dados da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS, 2018), cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos, sendo esta a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos em todo o mundo, no ano de 2016. Estima-se que cerca de 20% dos suicídios globais acontecem por autoenvenenamento com pesticidas, dos quais a maioria ocorre em zonas rurais de países com baixa e média renda. Outros métodos recorrentes são enforcamento e uso de armas de fogo (OPAS, 2018).

Os dados globais acerca da morte voluntária apresentaram uma diminuição de 32% no período de 1990-2016, mas na contramão dessa tendência geral, no Brasil, a taxa de suicídio entre adolescentes de 15 a 19 anos é crescente: aumentou 24% nas grandes cidades no período de 2006 a 2015, e 13% no interior do país (PREITE SOBRINHO, 2019). Provavelmente, esses números estão subnotificados, uma

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vez que se trata de tema tratado como tabu na sociedade brasileira, de modo que, muitas vezes, quando ocorrem mortes por suicídio, as famílias preferem omitir essa informação, para não gerar estigma, e solicitam que nos atestados de óbitos constem outras causa mortis. Ainda de acordo com Preite Sobrinho (2019), o suicídio é três vezes maior entre elementos do sexo masculino do que entre elementos do sexo feminino. Os dados são alarmantes e comprometeram a meta traçada pela OMS, de reduzir a taxa global de suicídio em 10% até 2020.

Muitos fatores estão atrelados a esse aumento do suicídio entre adolescentes, sendo que a popularização do uso da internet e a escassez de políticas públicas de Juventude e de Saúde Mental são vistas como fatores de grande influência sobre o fenômeno. Muniz, Silva e Marins (2020) apontam que o uso intensivo da internet e de Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) aumentam o risco de o adolescente sofrer cyberbullying, experiência que pode gerar sofrimento emocional e angústia, devido às possibilidades de o perpetrador não ser responsabilizado criminalmente, e mesmo no que se refere à reparação do dano, pois o constrangimento sofrido pode “viralizar” rapidamente, dificultando medidas de contingenciamento e reparação. O cyberbullying e a exposição negativa (exposed) podem ocasionar nível intenso de sofrimento mental em alguns adolescentes, contribuindo para ideações e tentativas de suicídio, assim como para a consumação de suicídio, sem falar na existência de grupos virtuais que estimulam o referido ato, incentivando, inclusive, a sua transmissão ao vivo.

O uso exacerbado da internet, a redução de vínculos afetivos, a substituição de relações reais por relações virtuais idealizadas, e muitas vezes prejudiciais, têm levado ao aumento do isolamento social de adolescentes, perda de vínculos com a realidade e posturas de excessiva flexibilidade em relação a responsabilidades, compromissos, cuidado de si e cuidado do outro. O problema se amplia em razão da ausência dos progenitores na maior parte do dia, em função das necessidades de trabalho e renda, e do despreparo ou falta de vontade política das instituições – inclusive as escolares, em contribuir para a mitigação do desafio.

Os principais fatores de risco para o suicídio em crianças e adolescentes apontados pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2000) são de seis ordens, a saber:

- Fatores culturais e sociodemográficos, como baixo nível socioeconômico e/ou educacional e desemprego na família;

- Padrão familiar e eventos de vida negativos durante a infância, como abuso sexual, brigas e divórcio;

- Estilo de personalidade e cognitivo, tais como humor instável, raiva e comportamento agressivo;

- Transtornos psiquiátricos, como depressão, transtornos de ansiedade, transtornos alimentares e agressividade;

- Tentativas prévias de Suicídio;

- Presença de eventos de vida negativos, desencadeadores de comportamento suicida, tais como eventos estressantes e sensações que podem ser vividas como prejudiciais (sem necessariamente serem, quando avaliadas objetivamente), como problemas familiares, separação de amigos, namorado (a) e colegas de classe.

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Estima-se que os conjuntos de fatores elencados pela OMS estejam presentes na vida de muitos adolescentes, seja como desafios cotidianos, seja como experiências passadas que legaram marcas dolorosas na memória. Esses conjuntos de fatores podem ainda se articular e se sobrepor um aos outros, elevando ainda mais o risco para condutas autolesivas e suicídio.

Quanto aos principais fatores de proteção contra o comportamento suicida, a OMS (2000) apresenta os seguintes:

- Padrões familiares: bom relacionamento com familiares, apoio familiar;

- Personalidade e estilo cognitivo: boas habilidades/relações sociais, confiança em si mesmo, em suas conquistas e sua situação atual, capacidade de procurar ajuda quando surgem dificuldades, capacidade de procurar conselhos quando decisões importantes devem ser tomadas, estar aberto para os conselhos e as soluções apresentadas por outras pessoas mais experientes, estar aberto ao conhecimento.

- Fatores culturais e sociodemográficos: integração social, como a participação em esportes, igrejas, clubes e outras atividades, bom relacionamento com colegas de escola, bom relacionamento com professores e outros adultos, capacidade de aceitar ajuda de professores, enfermeiros, assistentes sociais, médicos, psicólogos e outros adultos mais experientes.

A Escola, embora não deva responder por todos os problemas sociais, é uma instituição capaz de promover ações relevantes na promoção do conhecimento e na promoção da própria saúde mental da criança e do adolescente, tendo em vista seu papel precípuo: o de educar, de ensinar a pensar, de ensinar a ver além da opacidade do mundo. Nesse sentido, a educação escolar não deve se limitar a desenvolver o currículo, mas assumir de fato um projeto de desenvolvimento social, que passa, necessariamente, pelo indivíduo. Nesse tempo de dissociação, de identidades e fronteiras líquidas (BAUMAN, 2001), em que as relações humanas se vêm pautadas pelo utilitarismo e pelo consumismo, é indispensável que a escola promova ações integrativas e afetivas, que promovam a ética, o diálogo, o autocuidado e o cuidado do outro. Nas sociedades atuais, tecnificadas e centradas no ter, as pessoas têm se distanciado umas das outras, substituindo a convivência por relações virtuais efêmeras, nas quais, muitas vezes, o rosto, o nome, as experiências narradas não são genuínas. Cada vez mais, adultos, crianças e adolescentes têm menos tempo para conviver, conversar, partilhar experiências, experimentar a alegria do convívio. A solidão, a falta de boas referências, e os horizontes de futuro limitados pela conjuntura política e econômica têm tornado os adolescentes especialmente vulneráveis às ideações suicidas, à autoagressão e à morte voluntária. Considerando que os adolescentes passam boa parte de seus dias no espaço escolar, esse problema se torna em certa medida um problema da escola. Não que caiba a ela saná-lo, mas que dela é esperado o esforço de ser uma presença de esperança, um espaço de diálogo e inclusão. A instituição escolar pode promover o diálogo, a escuta ativa e a orientação sobre o caráter histórico, necessariamente dinâmico dos fenômenos socioeconômicos que angustiam seu corpo discente. No âmbito escolar, notadamente nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, a adoção da Pedagogia da Presença (SANTOS, 2016; SÍVERES, 2015) em uma perspectiva educacional integradora, voltada à omnilateralidade, pode ser positiva na medida em que redimensiona a relação entre professor e aluno, constituindo-os em colaboradores do processo de aprendizagem – processo esse que não se limita aos aspectos técnicos e propedêuticos, mas à transversalidade dos temas que afetam a vida humana. Essa Pedagogia tem se revelado capaz de impulsionar relações embasadas em compreensão, acolhimento, solidariedade e respeito.

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Estimulados pelas possibilidades humanizadoras oferecidas pela Pedagogia da Presença, desenvolvemos um portal educativo, que pode ser acessado pelo endereço: https://pedagogiadapresenca.org/ e uma Metodologia de Abordagem Pedagógica de ideações suicidas e autoagressão na adolescência, cujo uso recomendamos a professores e demais profissionais da educação que trabalham direta ou indiretamente com adolescentes. Dada a limitação de espaço, priorizaremos neste artigo a apresentação da Metodologia desenvolvida. Essa Metodologia consiste em ações continuadas, e em ações específicas, a serem realizadas em periodicidade semanal ou quinzenal (conforme a possibilidade da escola), no contraturno das aulas.

No que se refere às ações cotidianas de prevenção de ideações suicidas, recomenda-se aos professores e demais profissionais da educação que compõem a equipe multidisciplinar da escola um olhar atento aos sinais de sofrimento mental dos alunos e de risco para comportamentos autolesivos. No caso de perceberem indícios do fenômeno, orienta-se uma abordagem direta e clara, que convide o estudante a narrar sobre seus problemas narrativa esta que pode ser feita oralmente ou por meio de texto. É fundamental realizar uma escuta ativa, sem julgamentos e preconceitos, e na sequência, oferecer conselhos e orientações, em especial no que se refere ao diálogo com a família e à busca de ajuda profissional.

Após escuta atenciosa, em ambiente acolhedor e privativo, deve-se solicitar do estudante a autorização para apresentar sua situação à equipe de apoio ao discente, que nos Institutos Federais é composta por profissionais da Psicologia, da Enfermagem, Serviço Social e Educação, dentre outros. Nas escolas regulares essa equipe costuma ser composta por pedagogos e orientadores. Solicitar o assentimento é uma atitude de respeito ao estudante e de valorização de sua autonomia, entretanto as responsabilidades do adulto em relação ao menor o autorizam a mover ação em benefício de sua saúde, mesmo diante de sua negativa. A obtenção do assentimento formal é o cenário ideal, contudo, caso haja resistência por parte do adolescente, é importante esclarecer quanto às responsabilidades da instituição, e que se trata de um ato de cuidado para com ele, visando ao seu bem-estar físico e emocional. Havendo constatação de riscos ou práticas consumadas de autolesão, e tentativa prévia de suicídio ou risco em relação a isso, é preciso informar a família e pedir sua colaboração, bem como mediar o acesso do estudante em sofrimento emocional aos profissionais específicos que poderão auxiliá-lo a superar o sofrimento.

A abordagem que se seguirá será feita por profissionais específicos, conforme o caso: médico, psicólogo, assistente social, agente comunitário de saúde, agente indígena de saúde, e na falta desses profissionais na escola, deve-se recorrer aos Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) e unidades básicas de saúde, ou outros serviços de saúde conveniados com a instituição de ensino. O encaminhamento para avaliação de saúde e terapêuticas específicas é um passo relevante para a prevenção dos danos, todavia o trabalho pedagógico não se encerra aí.

A postura em relação a esses estudantes, mesmo quando já estejam em tratamento, deve ser a de acolhimento, de presença constante e solidária e de promoção da reflexão crítica sobre as implicações das escolhas políticas e econômicas e das configurações de nossa cultura sobre o nosso bem-estar. É importante que, ao promover essas reflexões, o professor também se inclua, fazendo o estudante perceber que determinados fenômenos possuem impactos coletivos, não apenas sobre sua vida, e que determinados problemas são comuns à maioria das pessoas, acontecem mais em determinadas fases da vida e podem ser superados, ou que se pode aprender a conviver com eles, redimensionando a interpretação sobre o sofrimento. Observe-se que não se trata de negar, minimizar ou depreciar a dor do outro, mas de ensiná lo a olhar por outros ângulos, visualizar outros cenários e acessar recursos de ajuda. Para isso, o portal informativo que elaboramos apresenta informações de utilidade pública.

ComportamentoautolesivoeideaçãosuicidanaAdolescência:desafiosnaEducaçãoProfissionaleTecnológica Xênia de Castro Barbosa, Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira 589 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 581-600, maio/ago. 2022

O trabalho educativo com esses estudantes deve ser contínuo, global e sequencial, o que implica “alterações do ambiente físico e social, das relações interpessoais e mudança de comportamentos de todos os intervenientes nos processos de ensino-aprendizagem” (PORTUGAL, 2019, p. 13). Ele não pode se limitar à sala de aula, uma vez que ela congrega uma série de demandas que nem sempre pode ser interrompida para se dar a atenção devida ao aluno em sofrimento mental. Desse modo, além de trabalhar em sala de aula, de modo transversal, o tema da saúde mental e dos fatores econômicos, sociais e culturais que levam ao adoecimento – superando, portanto, o modelo biomédico de explicação do processo saúdedoença, propomos a realização de Rodas de Conversa no contraturno das aulas.

As rodas de conversa devem ser um espaço acolhedor e favorável ao diálogo, onde os estudantes possam falar de forma voluntária sobre suas preocupações e angústias e compartilhar possíveis alternativas para enfrentamento dessas questões. As rodas de conversa devem possibilitar o livre-falar, mas sempre com a mediação do profissional da educação responsável pela atividade. Atitudes discriminatórias ou de estímulo à violência devem ser reprimidas. É importante que as regras da atividade (ações permitidas e proibidas) sejam informadas no início de cada reunião, de modo a evitar desconforto entre os participantes.

Como incentivo ao diálogo, pode-se proporcionar a oitiva de uma música, a exibição de um filme ou documentário e mesmo a disponibilização de textos que contribuam para a reflexão. Temas como preconceito, bullying, cyberbullying, sexualidade, pensamento de morte, autoagressão, suicídio, violência doméstica e violência sexual podem ser problematizados. Em face de tais temas é importante que o mediador apresente os mecanismos de defesa/suporte às vítimas, tais como telefones para denúncia, legislação vigente, instituições de apoio, bem como se prontifique a auxiliar os alunos a buscarem ajuda, caso estejam passando por situação de violência e abuso. É recomendada, ainda, a presença de profissional da Psicologia nesses eventos, se possível.

Com essas rodas de conversa acontecendo periodicamente, aos poucos se consolidará na instituição uma cultura de acolhimento, e elas passarão a ser vistas como espaços humanizados, onde os estudantes em sofrimento emocional podem conversar e buscar ajuda. Ao final de cada roda de conversa, os novos participantes deverão ser convidados a preencher uma ficha de registro, a qual conterá informações sobre sua vida familiar, situação econômica, problemas de saúde, existência de pensamentos de suicídio, se já se lesionou voluntariamente, tipos de lesões autoprovocadas, periodicidade, motivos percebidos/desencadeantes do comportamento, tipo de tratamento ou suporte buscado à época. Ao final da ficha deverá constar termo de assentimento ou consentimento do estudante em receber ajuda institucional, caso apresente-se em risco em relação à sua saúde mental.

Estima-se que a metodologia proposta possa contribuir tanto com profissionais da educação quanto com estudantes adolescentes. Em relação aos primeiros, a metodologia proposta auxiliará a desenvolver ações coordenadas de prevenção aos riscos concernentes ao comportamento autolesivo e ideações suicidas em prol de seus alunos; em relação aos estudantes, a metodologia poderá impactar positivamente na sua saúde mental, na medida em que promoverá acolhimento, escuta e encaminhamentos para ajuda especializada. Por oportuno, informa-se que a metodologia desenvolvida ao longo desta pesquisa alinha-se às orientações da Organização Mundial de Saúde para professores (OMS, 2000) e a programas internacionais já validados acerca da matéria, como o Youth Aware of Mental Health (YAM) e o Programa de Prevenção do Suicídio Question Persuade Refer (QPR).

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4Discussão

A adolescência é uma fase da vida marcada por importantes mudanças biológicas, cognitivas, comportamentais, emocionais e sociais (REIS; MALTA; FURTADO, 2018). Novas experiências vivenciadas nessa fase podem se constituir em fatores de risco para a saúde física e mental, como uso de tabaco, consumo de álcool, alimentação inadequada, o sedentarismo, a solidão e exposição por longas horas às Tecnologias da Informação e Comunicação (MUNIZ; SILVA; MARINS, 2020).

Esses fatores tendem a se tornar ainda mais relevantes do ponto de vista da saúde pública na medida em que vivemos um momento particularmente complexo, sobrecarregado de sons, imagens e temporalidades múltiplas e irrefletidas, que objetificam a vida (MARQUETTI, 2011). Nesse contexto, presenciamos o crescimento do número de casos de suicídio, de ideações suicidas e de comportamentos autolesivos. Embora suicídio, ideação suicida e comportamento autolesivo sejam ações diferentes, com intencionalidades próprias (nem sempre visam ao suicídio), apresentam-se como desafio relevante para a família, a escola e para o campo da Saúde, causando inquietação e desconforto nos adultos que se veem responsáveis pelo cuidado de adolescentes (SIMONSEN, 2015).

Situações de sofrimento emocional podem desencadear condutas autolesivas, como a prática de cortes, escoriações e perfurações em partes do corpo, ideações suicidas e, em casos extremos, pode levar à morte por suicídio. Condutas autolesivas configuram um problema de saúde pública, que demanda ações intersetoriais para seu enfrentamento, assim, não se trata de um problema exclusivo da escola; mas de um problema que, ao se manifestar, muitas das vezes, nos espaços escolares, demanda que essas instituições reavaliem suas teorias e práticas pedagógicas, de modo a promover um ensino que colabore para uma compreensão ampla dos contextos sócio-históricos que envolvem os estudantes e que resultam em adoecimento e falta de esperança. Não obstante esse trabalho pedagógico continuado de reflexão e ação em favor da valorização e da defesa da vida, também são pertinentes ações específicas de promoção da saúde mental e de suporte biopsicossocial aos estudantes em sofrimento emocional.

Segundo Santos e Faro (2018), condutas autolesivas representam um comportamento típico entre adolescentes. Em geral, são atos acidentais ou impulsivos, e ocorrem “quando a pessoa sente raiva, medo ou ansiedade de forma tão esmagadora que não sabe como expressá-los” (SANTOS; FARO, 2018, p. 2). Não se trata, contudo, de problema de menor importância, mas sim de um problema de saúde pública, sobretudo porque pode ocorrer de tais condutas estarem acompanhadas de ideações suicidas, ou de serem mal calculadas e resultarem em lesões comprometedoras, ou mesmo na morte da pessoa. Já as ideações suicidas podem ser conceituadas como pensamentos sentimentos autolesivos em um grau mais avançado, sendo, também, comum na adolescência. Para Herenio e Zanini (2020, p. 234), “a alta incidência de ideações e tentativas de suicídio neste período da vida pode ser explicada pelos conflitos típicos da adolescência”.

O fato de práticas autolesivas e ideações suicidas serem comuns na adolescência, não quer dizer que devam ser negligenciadas, nem que serão superadas automaticamente com o avançar para a idade adulta. Evidenciam situações mais ou menos graves de sofrimento emocional, que podem ser intensificadas e se tornar insustentáveis em função do ambiente, das relações estabelecidas e do funcionamento cognitivo de cada adolescente. No limite, esse sofrimento mal gerenciado pode resultar em morte por suicídio. Assim, fazem-se necessárias ações integradas, efetivas e continuadas de promoção da saúde psíquica, inclusive no espaço escolar, pois “Suicídios são evitáveis. Há uma série de medidas que podem ser tomadas junto à população, subpopulação e em níveis individuais para prevenir o suicídio e suas tentativas” (JAEN-VARAS et al., 2019; OPAS, 2018), assim como para prevenir comportamentos

ComportamentoautolesivoeideaçãosuicidanaAdolescência:desafiosnaEducaçãoProfissionaleTecnológica Xênia de Castro Barbosa, Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira 591 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 581-600, maio/ago. 2022

autolesivos. Essas ações se fazem urgentes, tendo em vista as crescentes ameaças às condições materiais de subsistência da classe trabalhadora, que se somam à solidão, ansiedade, depressão, falta de perspectivas de vida, vínculos sociais frágeis, relações utilitaristas, rápidas transformações tecnológicas, instabilidade e insegurança.

De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2019), o suicídio está entre as dez principais causas de morte na população mundial em todas as faixas etárias, ocupando o terceiro lugar no grupo com idade entre 15 e 34 anos. Sua prevalência é maior em indivíduos do sexo masculino, todavia as ideações e tentativas de suicídio são mais frequentes entre pessoas do sexo feminino. No Brasil os indicadores para o fenômeno apresentam baixa magnitude quando comparados com países nórdicos, balcânicos e asiáticos, mas ainda assim são dignos de preocupação, pois se revelam ascendentes. Dados do Portal PEBMED (https://pebmed.com.br/setembro-amarelo-taxa-de-suicidio-aumenta-7-no-brasil-emseis-anos/) informam que a taxa de suicídios no Brasil para cada 100 mil habitantes aumentou 7% no período de 2014 a 2019, revelando-se o oposto da tendência mundial, que foi de queda de 9,8%. Ainda segundo o referido portal de notícias médicas, o suicídio foi a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, após os acidentes de carro. Entre os adolescentes de 15 a 19 anos, o suicídio foi a segunda principal causa de óbito entre meninas (após condições maternas) e a terceira principal causa de morte de meninos (após lesões na estrada e violência interpessoal). Assim, estamos diante de um problema de saúde pública, que atinge de maneira significativa pessoas em idade escolar, o que desafia não só os serviços de saúde e as famílias, como também as instituições escolares.

No que se refere à violência interpessoal e à autoprovocada, o sistema de Vigilância de Violências e Acidentes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (VIVA/Sinan), do Ministério da Saúde, informa que no período de 2011 a 2016 foram registrados 1.173.418 casos de violências interpessoais ou autoprovocadas, sendo que 176.226 (15%) é relativo à prática de lesão autoprovocada. Também foi constatado no período o aumento no número de casos de lesão autoprovocada, tanto em indivíduos do gênero feminino (209,5%) quanto do masculino (197,7%), sendo que a faixa etária que apresentou maior prevalência desses casos é justamente a da adolescência, definida no Brasil, para fins de políticas públicas, como a que vai de 10 a 19 anos de idade.

Entende-se que as instituições educacionais possam contribuir de maneira significativa para a promoção da saúde mental dos estudantes, mediante ações continuadas de acolhimento, inclusão, diálogo e reflexões sistemáticas sobre os temas em questão. Também podem desenvolver campanhas de promoção da saúde mental, oferecer aconselhamento e acompanhamento pedagógico aos estudantes em sofrimento mental, firmar parecias com serviços especializados, ou oferecer, de modo direto, suporte biopsicossocial, quando dispuser, em seus quadros, de profissionais como psicólogo, assistente social e enfermeiro – como ocorre em grande parte dos Institutos Federais (IF), que contam com esses recursos humanos.

Nesse sentido, os IF têm condições diferenciadas para oferta desse suporte, sendo relevante sua defesa enquanto instituição pública, gratuita, laica e autônoma do ponto de vista financeiro e didáticopedagógico. É fundamental, portanto, barrar os processos de precarização e desvio de seus objetivos sociais: “Urge que, nesse ‘tempo presente’, lutemos no sentido da contra-hegemonia” (SOUZA; MEDEIROS NETA, 2021, p. 120). Por outro lado, não podemos desconsiderar que as próprias dinâmicas escolares podem se tornar elementos estressores, capazes de contribuir com o adoecimento dos estudantes. Sobrecarga de atividades, tensão por rendimento, competitividade, falta de aceitação social e bullying são fatores que podem desencadear adoecimento físico e mental, resultando em processos de autoagressão e de ideação suicida quando o estudante não vê alternativas para seus sofrimentos.

ComportamentoautolesivoeideaçãosuicidanaAdolescência:desafiosnaEducaçãoProfissionaleTecnológica Xênia de Castro Barbosa, Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira 592 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 581-600, maio/ago. 2022

É difícil mensurar em que medida as instituições escolares contribuem para o adoecimento emocional de estudantes, entretanto, a suspeita é de que essa escala de contribuição seja vasta. Contribuem para essa percepção fatores como a dualidade estrutural presente na educação pública brasileira, a exclusão justificada a partir de parâmetros psicométricos e o “giro emocional” contemporâneo (CIERVO, 2019), conexo à lógica gerencial/capitalista, que limita e subverte o sentido do trabalho educativo, ampliando ainda mais a cisão entre cognição e emoção, capacidade intelectual e capacidade emocional. Ademais, não podemos esquecer que desde o início de nossa vida republicana, a Educação foi estruturada a partir de instituições, currículos e práticas formativas diferenciadas para ricos e pobres: aos filhos da classe trabalhadora foi oferecida, tão somente, a educação básica, quase sempre de perfil profissionalizante, com vistas a formar mão de obra para atividades produtivas de baixa remuneração; enquanto para os filhos das elites não foram medidos esforços para consolidar uma educação humanista, que assegurasse o acesso ao ensino superior e à pós-graduação. Aos pobres, portanto, formação técnica; aos ricos, formação universitária. Essa dualidade injusta que marca, até os dias de hoje, a educação pública brasileira, é estratégica aos interesses do grande capital:

[…] a divisão social e técnica do trabalho constitui-se estratégia fundamental do modo de produção capitalista, fazendo com que seu metabolismo requeira um sistema educacional classista e que, assim, separe trabalho intelectual e trabalho manual, trabalho simples e trabalho complexo, cultura geral e cultura técnica, ou seja, uma escola que forma seres humanos unilaterais, mutilados, tanto das classes dirigentes como das subalternizadas (MOURA; LIMA FILHO; SILVA, 2015, p. 1.059).

Outro aspecto a ser considerado em relação ao “mal-estar” gerado pela própria escola se refere aos processos de exclusão que lhes são inerentes, e que resultam em fracasso escolar e interrupção do processo formativo dos estudantes que não correspondem às suas expectativas de normalidade e rendimento. Essas práticas de exclusão basearam-se amplamente, nas décadas de 1930 a 1980, de ideologias segregadoras pautadas em parâmetros psicométricos, que serviram para rotular como “problemáticos”, “atrasados” ou “incapazes de acompanhar a turma” os estudantes com dificuldades de aprendizagem, desconsiderando os contextos e desafios enfrentados por eles. Nesse período, os discursos higienistas, médicos e psicológicos tiveram realce (MOLERO, 2015).

Mesmo com o advento das políticas de regularização de fluxo, que contribuíram para a redução do fracasso e evasão escolar e da distorção idade-série, a exclusão e marginalização social produzidas pela escola não cessaram, apenas mudaram de forma. Conforme Paparelli:

Apesar de produzirem o aumento nos índices de aprovação escolar e menor evasão, não incidem sobre a lógica excludente do sistema escolar, não garantem aos alunos uma educação de qualidade, conforme revelam os próprios dados oficiais constituídos pelos programas de avaliação escolar. Ao que tudo indica, temos aqui um processo de sutilização dos mecanismos de exclusão dos alunos, caracterizado pela diminuição da exclusão DA escola, acompanhada de um aumento da exclusão NA escola (PAPARELLI, 2009, p. 21).

A partir da década de 1990, os agenciamentos neoliberais sobre a escola têm conjugado reformas educacionais que reduzem o currículo, suprimem conteúdos e mesmo disciplinas inteiras, limitando as oportunidades de desenvolvimento cognitivo – que são fundamentais para a compreensão dos fenômenos e o posicionamento crítico no mundo. Ao empobrecerem os currículos, estreitam os horizontes da

ComportamentoautolesivoeideaçãosuicidanaAdolescência:desafiosnaEducaçãoProfissionaleTecnológica Xênia de Castro Barbosa, Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira 593 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 581-600, maio/ago. 2022

cidadania e ampliam as desigualdades sociais, reforçando as diferenças de classe, já que, mais uma vez, os estudantes que possuem dinheiro poderão estudar em escolas particulares, que fogem a essa regra e oferecem sólida formação propedêutica; e os que não o possuem, ficarão limitados ao currículo assistemático e fragmentado, sob a ilusão de “poder escolher” o itinerário formativo que quiserem. No contexto dessas reformas, o desenvolvimento de competências socioemocionais tem ganhado cada vez mais relevo, e isso fica claro quando direcionamos nosso olhar para o Novo Ensino Médio brasileiro:

Concretamente, do total de 3.000 horas (ou 4.200 horas, no caso de expansão para 1.400 horas anuais) do ensino médio, apenas 1.800 horas poderão ser dedicadas ao ensino do currículo mínimo. As 1.200 horas restantes (ou 2.400, no caso de currículo com 1.400 horas anuais), deverão compor itinerários educativos que sigam quatro eixos estruturantes: “investigação científica; processos criativos; mediação e intervenção sociocultural; e empreendedorismo” (BRASIL, 2019). […] Assim, os itinerários formativos consomem uma parte expressiva da carga horária da escolarização da juventude em nível médio e se apresentam como meio de viabilizar a efetiva orientação da oferta de competências de acordo com a demanda do empresariado (ACCIOLY, 2021, p. 713).

O que está por trás, portanto, dessa ênfase nas competências socioemocionais é a formatação de um tipo de trabalhador flexível às demandas do capital, limitado em sua capacidade de compreensão das relações sociais de produção e conformado com sua situação no mundo. Diante do exposto, concordamos com Molero quando diz que: “Não há como deixar de associar tal ideologia aos padrões comportamentais de resignação produtiva e de condicionamento e docilização dos corpos dos alunos, máxima da escola contemporânea” (MOLERO, 2015, p. 9).

Na dialética entre as pressões dos organismos neoliberais sobre a educação pública dos países em desenvolvimento e os inúmeros desafios vivenciados pelos profissionais da educação no chão da escola, tem havido, por parte desses últimos, boa aceitação da proposta de desenvolver educação emocional. Há a crença de que esta possa resultar não só em ganhos econômicos e produtivos, mas em benefícios para os alunos, dentre os quais a redução de comportamentos de risco, a melhoria da saúde mental e a melhoria do rendimento escolar (PORTUGAL, 2019). Nesse contexto, a formação de competências socioemocionais desponta como a nova panaceia da resolução dos problemas educacionais.

Como toda promessa fácil, nossa postura deve ser de cautela. Não se trata de negar os benefícios do aprimoramento das formas de expressão das emoções, do autoconhecimento, do cuidado de si, e da definição de parâmetros éticos na relação com outro, mas de identificar os interesses que se ocultam nesses novos discursos (que na verdade nem são novos), e de buscar promover uma educação integradora, omnilateral, atenta ao desenvolvimento dos diversos aspectos constituintes do ser humano.

Em face de tal perspectiva, defendemos que é pertinente que as instituições escolares se consolidem como ambiente acolhedor e comprometido com o cuidado de seus alunos, inclusive no que reporta à proteção e promoção da saúde mental, de modo a ampliar os fatores de proteção aos riscos de comportamentos autolesivos e suicídio. Entretanto, o desenvolvimento das competências socioemocionais não pode ser trabalhado em dissociação dos aspectos cognitivos. O que propomos é a integração dessas competências em prol de uma formação omnilateral – ou seja, de uma formação comprometida com as diferentes dimensões do ser humano, dentre as quais o trabalho, a ciência e a cultura (RAMOS, 2014). Para que essa ocorra, é imprescindível, portanto, uma base sólida de História, Geografia, Filosofia, Sociologia, Literatura, em suma, de cultura universal, bem como de compreensão do trabalho como princípio educativo, incluindo suas apropriações pelo capitalismo nas relações contemporâneas de produção.

ComportamentoautolesivoeideaçãosuicidanaAdolescência:desafiosnaEducaçãoProfissionaleTecnológica v.24, n.2, p. 581-600, maio/ago.

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5Consideraçõesfinais

Vivemos em um tempo acelerado em determinados aspectos, mas limitado e reprodutivo das velhas mazelas sociais em outros aspectos. Um tempo que promete liberdade, realizações, horizontes quase que infinitos, mas que se omite em relação ao essencial: a saúde mental, as dificuldades de aprendizagem e de convivência, as condições materiais da existência. Neste tempo, ideações suicidas, comportamentos autolesivos e suicídio configuram um problema de saúde pública que tem se agravado entre adolescentes e jovens, o que indica que esse segmento populacional está sofrendo de várias maneiras e em variados níveis.

Esses problemas se fazem presentes também em estudantes dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, desafiando a Educação Profissional e Tecnológica a considerar tais problemáticas em suas formulações teóricas e em suas práticas pedagógicas, visto que negligência, abandono, carências materiais, violência familiar, escolar e social, incertezas em relação ao futuro (estudos, trabalho, constituição de família), preconceitos de gênero, etnia e cor compõem o complexo mosaico da vida cotidiana de milhares de pessoas em idade escolar no Brasil.

Apesar dos agenciamentos neoliberais que a escola vem sofrendo, e de seu perfil reprodutor da ordem social vigente – em outros termos, instrumento do capital, ela também é espaço de resistência e de recriação das relações humanas. Por isso pode ser um importante ponto de apoio para o desenvolvimento saudável de adolescentes e jovens, desde que se comprometa a ser “presença gentil”, empática, compreensiva e disposta a contingenciar os fatores de risco para comportamento autolesivo, por meio de uma educação problematizadora dos fatores econômicos e socioculturais que contribuem para o adoecimento psíquico. Mas a responsabilidade em relação à prevenção de riscos e promoção da saúde mental de adolescentes não pode ser apenas da escola. A comunidade, a família e a escola devem caminhar juntas, pois o perigo do suicídio é real, as ideações suicidas, autoagressão e tentativas de morte autoinfligida são mais comuns do que se costuma imaginar.

Na esteira do compromisso político com uma formação omnilateral, que integre as múltiplas dimensões do ser, a pedagogia da presença é o horizonte pedagógico indicado por este estudo para o enfrentamento dos problemas aqui discutidos, pois ela traz em seu enredo a necessidade da “presença”, do estar junto sem julgar, do acolher e ensinar não só por palavras, mas por exemplos. Ela se apresenta como um convite à reflexão sobre os desafios do mundo moderno que se reproduzem no microcosmo escolar e se revela estratégia relevante para uma educação integradora.

Recomenda-se aos profissionais da educação que atuam na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica a aproximação em relação a essa pedagogia, com vistas avaliar os benefícios que ela pode gerar em seus espaços de trabalho e desenvolver oportunidades continuadas de promoção da saúde mental de seus estudantes.

Agradecimentos

Agradecemos aos bolsistas de Iniciação Científica Maria Eduarda Almeida Lustosa e Gustavo Brito Bezerra Siqueira pela colaboração na pesquisa, bem como à Pró-Reitoria de Pesquisa, Inovação e Pós-graduação do IFRO e ao CNPq, pelo subsídio concedido.

ComportamentoautolesivoeideaçãosuicidanaAdolescência:desafiosnaEducaçãoProfissionaleTecnológica Xênia de Castro Barbosa, Rodrigo Leonardo de Sousa Oliveira 595 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 581-600, maio/ago. 2022

Referências

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COMO CITAR (APA): Barbosa, X. C., & Oliveira, R. L. S. (2022). Comportamento autolesivo e ideação suicida na adolescência: desafios na Educação Profissional e Tecnológica. Vértices(CamposdosGoitacazes),24(2), 581-600. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p581-600.

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Submetido em: 18 fev. 2022

Aceito em: 8 ago. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p601-621

Marcio Adriano de Azevedo https://orcid.org/0000-0003-1964-786X

Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) – Natal/RN – Brasil. E-mail: marcio.azevedoifrn@gmail.com.

Tathyane Torres da Silva Duarte https://orcid.org/0000-0002-1771-3512

Mestre em Educação Profissional (PPGEP) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Assistente em administração do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) – Natal/RN – Brasil. E-mail: tathyanetorres@yahoo.com.

Sandyeva Francione Silva Araújo https://orcid.org/0000-0003-2002-9217

Mestre em Educação Profissional pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Membro do Observatório em Políticas Públicas em Educação Profissional (OppEP-IFRN/CNPq) – Natal/RN – Brasil. E-mail: sandyevasilva15@gmail.com.

Resumo

O artigo tem como objetivo levantar a produção acadêmica em torno do Programa Mulheres Mil, como resultado de pesquisas concluídas ou em andamento no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional do IFRN, tendo a opção teórico-metodológica de análises bibliográfica e documental, com base no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES (20132021), cujos procedimentos decorrem da abordagem da pesquisa qualitativa. Como política pública de educação profissional, o Programa foi inicialmente formulado e implementado como experiência-piloto em 13 estados das Regiões Norte e Nordeste do Brasil, mediante acordo estabelecido com o Canadá, a partir de 2007. Inicialmente o objetivo seria promover a formação profissional e tecnológica para mil mulheres, originárias das regiões Norte e Nordeste do País, até o ano de 2010. Em 2011, o MEC institucionalizou em nível nacional o Programa, visando qualificar 100 mil mulheres em vulnerabilidade social, até 2014. Os resultados parciais mostram que as pesquisas sobre o Mulheres Mil ainda são incipientes para indicar os resultados da sua implementação e da consecução dos objetivos em relação ao desenho original.

Palavras-chave: Programa Mulheres Mil. Política Pública. Educação Profissional. Pesquisas. CAPES.

Abstract

The article aims to collect the academic production about the Mulheres Mil Program, as part of already finished or ongoing researches within the context of the Postgraduation Program in Professional Education (TVET) at IFRN, having as the theoretical-methodological option the bibliographic and documentary analysis, based on the CAPES’ Database of Theses and Dissertations (2013-2021), whose procedures derive from the qualitative research approach. As a professional education public policy, the program was initially conceived and implemented as a pilot project in thirteen states in the North and Northeast regions of Brazil, through an agreement established with Canada, starting in 2007. Initially, the objective would be promoting professional and technical qualification for 1,000 women from the North and Northeast regions of the country until the 2010.

In 2011, MEC Ordinance institutionalized the program at a national level, aiming to qualify 100,000 women in social vulnerability, until 2014. The partial results show that research on the Mulheres Mil is still incipient to indicate the results of its implementation and the achievement of the objectives regarding the original design.

Keywords: Mulheres Mil Program. Public Policy. Professional Education (TVET). Research. CAPES.

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OprogramaMulheresMilcomopolíticapúblicadeeducaçãoprofissional: levantamentoedescritoresdasproduçõesacadêmicasemnívelstrictosensu (2013-2021)
Mulheres Mil program as a professional educationpublic policy:survey and descriptors of academic productions at the stricto sensu postgraduation level (2013-2021)

El programa Mujeres Mil como política pública de educación profesional: levantamiento y descriptores de las producciones académicas a nivel stricto sensu (2013-2021)

Resumen

El artículo tiene como objetivo identificar la producción académica al entorno del programa Mulheres Mil, como resultados de estudios finalizados o en progreso en el ámbito del programa de Posgrado en Educación Profesional del IFRN, teniendo la opción teórico-metodológica de análisis bibliográfica y documental, con base en el catálogo de tesis y disertaciones de la CAPES (2013-2021), cuyos procedimientos resultan de abordaje de pesquisas cualitativas. Como política pública de educación profesional, el programa fue inicialmente formulado e implementado como experiencia piloto en 13 Estados de las regiones Norte y Nordeste de Brasil, mediante acuerdo establecido con Canadá, a partir de 2007. Inicialmente el objetivo sería promover la formación profesional y tecnológica para mil mujeres, originarias de las regiones Norte y Nordeste del País, hasta el año de 2010. En 2011, un Boletín del MEC, institucionalizó el programa en ámbito nacional, visando cualificar 100 mil mujeres en vulnerabilidad social hasta el 2014. Los resultados parciales demuestran que las investigaciones acerca de Mujeres Mil todavía son incipientes para indiciar los resultados de su implementación y consecución de los objetivos en relación al diseño original

Palabras clave: Programa Mulheres Mil. Política Pública. Educación Profesional. Investigaciones. CAPES.

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1Introdução

O presente artigo decorre de pesquisas em andamento no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – PPGEP/IFRN, problematizando e apresentando alguns resultados de pesquisas qualitativas, ainda que parciais, ao se ancorar, metodologicamente, na revisão bibliográfica e na análise documental, com enfoque na implementação das políticas públicas, sendo o caso particular do Programa Mulheres Mil uma iniciativa com a finalidade de atender o público-alvo de mulheres em vulnerabilidade social.

O objetivo, pois, é o de levantar a produção acadêmico-científica sobre o Programa Mulheres Mil no âmbito da educação profissional, a partir de Dissertações e Teses, compreendendo o período de 2013 a 2021, mapeando as pesquisas que se utilizaram de metodologia de avaliação de políticas públicas em seu suporte de investigação.

A revisão foi realizada, neste sentido, a partir do Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando-se dos descritores “Programa Mulheres Mil” e “Programa Nacional Mulheres Mil”, cujas buscas e pesquisas foram iniciadas em junho de 2019 e finalizada em novembro de 2021, sendo localizadas um total de 68 produções para esses descritores, em que os trabalhos contemplados por ambos foram registrados apenas uma vez.

2Análisedepolíticaspúblicas:processos,dimensõesecaracterísticas

As discussões em torno das políticas públicas têm a sua gênese a partir dos anos de 1930, nos Estados Unidos da América, quando a ação estatal, em particular a governamental, assumiu um papel significativo no desenvolvimento do sistema capitalista, por meio de medidas como o controle da moeda e da força de trabalho.

Após a Segunda Guerra Mundial, por conseguinte, o debate sobre o assunto transitou no âmbito do direito público e da economia institucional, e, a partir dos anos de 1950, afloraram discussões acerca das análises de políticas públicas à luz da ciência política. Na Europa, especificamente na Alemanha, por exemplo, “[…] a preocupação com determinados campos de políticas só toma força a partir dos anos de 70, quando com a ascensão da socialdemocracia o planejamento e as políticas setoriais foram estendidos significativamente” (FREY, 2000, p. 214).

Nos anos de 1980, portanto, os estados norte-americanos adotaram a iniciativa de criar o grupo temático de políticas públicas por meio da Associação Americana de Ciência (1983), e, nos anos de 1990, a economia foi incorporada às análises de políticas públicas. Nos anos 2000, por sua vez, o enfoque na análise de políticas públicas ganhou mais notoriedade em torno da fase da agenda, em particular naqueles países que desenvolveram políticas restritivas de gastos, sobretudo aqueles considerados pelos organismos multilaterais em fase de desenvolvimento.

Nessa direção, Frey (2000) explicita alguns conceitos básicos e abordagens de análise de políticas públicas, além de suas implicações político-administrativas em países como o Brasil. Para defini-las conceitualmente, pois, têm-se adotado, no âmbito da ciência política, os termos polity (instituições públicas), politics (processos políticos) e policy (conteúdos da política), assim conceituadas por Frey (2000):

OprogramaMulheresMilcomopolíticapúblicadeeducaçãoprofissional: levantamentoedescritoresdasproduçõesacadêmicasemnívelstrictosensu(2013-2021) Marcio Adriano de Azevedo, Tathyane Torres da Silva Duarte, Sandyeva Francione Silva Araújo Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 601-621, maio/ago.

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A dimensão institucional polity se refere à ordem do sistema político, delineada pelo sistema jurídico, e à estrutura institucional do sistema político-administrativo; no quadro da dimensão processual politics, tem-se em vista o processo político, freqüentemente de caráter conflituoso, no que diz respeito à imposição de objetivos, aos conteúdos e às decisões de distribuição; a dimensão material policy refere-se aos conteúdos concretos, isto é, à configuração dos programas políticos, aos problemas técnicos e ao conteúdo material das decisões políticas (FREY, 2000, p. 217, grifos do autor).

Logo, percebe-se que a análise de políticas públicas se preocupa com o grau de influência de suas estruturas (polity) e dos processos de negociação (politics) sobre os resultados materiais que se julgam concretos (policy). Assim, ainda no campo dessas concepções, destacam-se as disputas políticas, econômicas e ideológicas, bem como outras formas que expressam relações de força e de poder, sempre que traduzem as suas marcas nos programas, repousando “[…] em orientações e preferências, envolvendo cálculos estratégicos, escolhas e decisões por parte dos agentes que o conduzem e o implementam ou dele se beneficiam” (DRAIBE, 2001, p. 27).

Desse modo, entrecruzam-se relações de forças em âmbito nacional, regional e local, sobretudo no processo de formulação e de implementação de políticas. Ao discutir sobre a problemática, Arretche (2001) destaca que, no Brasil, os programas de ação pública são formulados e implementados por meio de um processo de integração entre vários níveis de governo e de agentes não governamentais, quando diz que, “[…] atualmente, raros são os programas que não são implementados no contexto de um sistema de relações intergovernamentais e de parcerias as mais diversas com a sociedade civil” (ARRETCHE, 2001, p. 54). Essas interações geram, por conseguinte, conflitos e coalizões na esfera político-administrativa, de modo que, geralmente, os membros “[…] acabam criando laços internos de solidariedade, o que lhes possibilita se defender e agir contra os outros policy networks, considerados concorrentes” (FREY, 2000, p. 222, grifo do autor).

A respeito da análise na concepção de arena política (policy arena)1, há o pressuposto de que “[…] as reações e expectativas das pessoas afetadas por medidas políticas têm um efeito antecipativo para o processo político de decisão e de implementação” (FREY, 2000, p. 223). Nessa direção, Souza (2006a) discorre que há diferentes formas de apoiar ou de rejeitar as iniciativas políticas por parte dos chamados planejadores, beneficiários, sujeitos ou interessados pelas políticas, e que os conflitos e as disputas no âmbito das decisões passam por diferentes arenas, destacando-se quatro dimensões, a saber:

O primeiro [aspecto] é o das políticas distributivas, cujas decisões são tomadas pelo governo, que consideram a questão dos recursos limitados, gerando impactos mais individuais do que universais ao privilegiar certos grupos sociais ou regiões em detrimento do todo. O segundo é o das políticas regulatórias, que são mais visíveis ao público, envolvendo burocracia, políticos e grupos de interesse. O terceiro é o das políticas redistributivas, que atinge maior número de pessoas e impõe perdas concretas, em curto prazo para certos grupos sociais, e ganhos incertos e futuro para outros; […] O quarto é o das políticas constitutivas, que lidam com procedimentos […]. (SOUZA, 2006a, p. 5, grifos nossos).

1 Conceito usado por Lowi (1964) para definir os espaços em que se desenham as tipologias de políticas.

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Sobre a subdivisão da política em ciclo2, Frey (2000) parece atribuir consistência do ponto de vista analítico, pois possibilita distinguir a percepção e a definição de problemas (agenda), a tomada de decisões (formulação), a implementação (execução) de políticas e a avaliação política e/ou da política, subsidiando eventual correção nos rumos da(s) política(s). Para Cavalcanti (2006), por sua vez, o ciclo da política (policy cycle) é um processo dinâmico, devendo envolver os formuladores, os executores e os sujeitos ou beneficiários da política pública.

No Brasil, conforme Souza (2006b), as discussões em torno da agenda das políticas públicas, enfocando os problemas sociais, se desencadearam pela primeira vez em 1979. O interesse pelos estudos nessa área data dos anos de 1980 e de 1990, quando a ideia de Reforma do Estado tornou-se um dos princípios norteadores da agenda pública. Atualmente, observa-se maior participação de setores ou instituições sociais nesse processo, fazendo com que a agenda pública não se reduza a governos ou técnicos, mas que ocorra o envolvimento e a participação da sociedade civil, dos movimentos sociais e de representantes dos grupos de interesse das políticas públicas, tanto na agenda quanto na formulação.

Com a formulação, pois, se definem os princípios e as concepções que fundamentam os conteúdos e os objetivos, as metas e os recursos, dentre outros aspectos. “Na visão clássica do policy cycle, a formulação é desenvolvida por uma autoridade, ou por um conjunto de autoridades que expressam suas escolhas, preferências que podem divergir daquelas que a sociedade considera relevante” (CAVALCANTI, 2006, p. 3).

Assim, numa perspectiva mais participativa, a ideia de formulação do policy cycle não ficaria restrita à visão de que os formuladores são pessoas ou agências revestidas de alguma autoridade, mas também incluiria os sujeitos ou beneficiários da política, o que ainda é um desafio na realidade brasileira, em que o financiamento da maioria das políticas sociais depende de apoio e fomento de agências externas, como o Banco Mundial, cuja concepção na formulação e implementação de políticas públicas geralmente não possui viés e orientações de cunho democrático ou participativo quanto à elaboração e implementação das iniciativas governamentais, visto o seu caráter técnico, meritocrático e regulador.

No que diz respeito à fase da implementação, portanto, no ciclo da política, esta significa precisamente levar a cabo, lograr, realizar, produzir ou completar uma ação, o que no Brasil é gargalo no âmbito das políticas, sobretudo porque geralmente se descaracterizam do desenho original ou porque são descontinuadas (AZEVEDO, 2018). Talvez por isso “[…] os resultados e impactos reais de certas políticas não correspondem aos impactos projetados na fase de formulação” (FREY, 2000, p. 228). Além disso, também é relevante considerar que

[…] a implementação de políticas ocorre em um ambiente caracterizado por contínua mutação, mutação esta que é inteiramente alheia à vontade dos implementadores […] Ou, ainda, é possível que um fato novo, que pode ser desde um escândalo de natureza política até uma alteração (inesperada) em uma variável econômica extremamente relevante, implique modificações […] (ARRETCHE, 2001, p. 51-52).

2 Em algum momento, os debatedores da Mesa Temática expuseram a discordância à ideia de ciclo (policy cycle), cuja abordagem delineia-se na conjuntura das análises de políticas (policy analysis) Essa concepção “[…] acaba se revelando um modelo heurístico bastante interessante para a análise da vida de uma política pública. As várias fases correspondem a uma sequência de elementos do processo políticoadministrativo e podem ser investigadas no que diz respeito às constelações de poder, às redes políticas e sociais e às práticas políticoadministrativas que se encontram em cada fase” (FREY, 2000, p. 226).

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Parte da literatura esclarece, ainda, que a implementação de uma política depende do cumprimento de suas ações e metas, pois “[…] la implementación puede considerarse como un proceso de interacción entre la fijación de metas y las acciones engranadas para alcanzarlas” (PRESSMAN; WILDAVSKY, 1998, p. 55). Neste sentido, a implementação somente ocorre, segundo os autores, quando a política se transforma em programa, sendo um processo que ocorre logo após um determinado projeto transformar-se em lei, diretrizes, dentre outros marcos que fazem as decisões políticas em propostas de serviços públicos executáveis, conforme também sugere Pedone (1986). Igualmente à perspectiva teórico-metodológica de Pressman e Wildavsky (1998), entende-se que essa fase se consolida quando a legislação que regulamenta o programa é aprovada, “[…] e quando recursos tenham sido destinados no orçamento ou por outros meios de custear a atividade” (PEDONE, 1986, p. 31).

De acordo com Azevedo (2018), no Brasil, a configuração das políticas públicas pode se traduzir em quatro categorias operacionais: a) programa; b) projeto; c) atividade e d) operações especiais. Em educação, geralmente, a terminologia mais usada é a de programa e de projeto, assim definidas:

Programa: instrumento de organização da ação governamental, visando a concretização dos objetivos pretendidos, sendo mensurado por metas estabelecidas […]. Projeto: instrumento de programação para alcançar o objetivo de um programa, envolvendo um conjunto de operações limitadas no tempo, das quais resulta um produto que concorre com a expansão e o aperfeiçoamento da ação do governo (SILVA; COSTA, 2000, p. 10, grifos nossos).

A compreensão desses conceitos, portanto, é fundamental para que não se atribuam terminologias inadequadas às políticas públicas, sobretudo para não se confundir ou tornar sinônimas as categorias, bem como melhor compreender a concepção e os fundamentos do Programa Mulheres Mil, o qual será descrito a seguir.

Os resultados da pesquisa dão conta de 68 trabalhos acadêmicos, sendo, respectivamente, 54 dissertações e 14 teses no período de 2013 a 2020.

No Gráfico 1, dispõem-se as informações encontradas no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), utilizando os descritores “Programa Mulheres Mil” e “Programa Nacional Mulheres Mil”, conforme já mencionamos anteriormente inclusive separando as dissertações e teses. Verificou-se, pois, que as produções tiveram um aumento significativo no ano de 2015, e, posteriormente, sofreram decréscimo até 2020.

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Gráfico 1. Produções Acadêmicas strictosensusobre o PMM no Brasil - 2013-2020

Fonte:Elaboraçãodosautores(2021)

No Gráfico 2, por sua vez, agruparam-se os trabalhos por Região do Brasil, em que pôde ser observado que a produção acadêmica sobre o PMM se concentra no Nordeste e Sul.

Gráfico 2. Produções Acadêmicas Programa Mulheres Mil por Regiões do Brasil – 2013-2020

Fonte:Elaboraçãodosautores(2021)

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Visualizou-se, portanto, que a produção acadêmica sobre o PMM apresenta baixos números nas regiões Norte e Centro-Oeste, sendo 4% e 15%, respectivamente, além de que o número de produções no Nordeste e Sul é elevado, sendo 31% para ambos, demonstrando que os estados das regiões Nordeste e Sul do Brasil concentram 62% das produções acadêmicas, de 2013 a 2020, sobre o PMM. O baixo índice de produção acadêmica em nível stricto sensu nas regiões Norte e Centro-Oeste em relatórios de Dissertações e Teses se deve talvez ao fato de naquelas regiões os Programas de Pós-Graduação mais voltados aos enfoques das Ciências Humanas e Sociais, áreas em que predominam as pesquisas sobre o PMM, estejam concentrados nas Universidades, onde o interesse pela análise e avaliação do referido Programa mostrou-se incipiente.

Neste sentido, considera-se importante ressaltar que na discussão dos resultados se apresentam as referências das dissertações que tratam efetivamente do PMM, posto que foram retiradas as produções de Almeida (2016), Costa (2017), Freitas (2020), Heckler (2017), Lagos (2014), Giraldo (2017) e Mello (2016), uma vez que, apesar de terem sido encontradas através da busca no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes, ao serem lidos os trabalhos, constatou-se que não analisam o PMM, bem como se observou que 08 trabalhos não constavam o texto completo, maioria por não ter sua divulgação autorizada, cujos motivos não estão explicitados, quais sejam: Altoe (2017), Campos (2015), Carvalho (2016), Costa (2014), Corcetti (2018), Damasceno (2017), Diniz (2018), Frazão (2018), Guerra (2016), Nascimento (2015), Oliveira (2020), Santos (2015) e Silva (2016).

Para Almeida (2018), O PMM implantado em 2011, no IFAL, vem crescendo e se estabelecendo nos Institutos Federais de todo o Brasil, sendo posto como importante política inclusiva na promoção da autonomia econômica e financeira das mulheres em situação de vulnerabilidade social. Nos estudos de Amorim (2015), visualizou-se que o Programa é uma política social de inclusão e gênero, que possibilita o acesso à educação profissional, ao trabalho e à renda através de espaços, escolhas, novos significados e sentidos, em especial das mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Segundo Alves (2015), o Programa Mulheres Mil se tornou parte do conjunto de prioridades das políticas públicas no Governo Brasileiro, visto sua atuação na promoção da equidade entre sexos e no combate à violência contra a mulher, o qual, em 2011, através da Portaria MEC n.º 1.051, passou a constituir uma das ações do Plano Brasil sem Miséria. Entretanto, ainda é cedo para concluirmos se o PMM conseguirá consolidar-se como uma política prioritária, visto que no Brasil o ciclo das políticas públicas para a educação e para os sujeitos mais vulneráveis historicamente é sempre interrompido, antes mesmo de ser avaliado, conforme explicitam Pressman e Wildavsky (1998) e Azevedo (2018). É importante observar ainda que a consolidação de iniciativas, como o PMM, depende de financiamento público e destinações orçamentárias próprias, sobretudo das políticas focalizadas, como observa Pedone (1986).

Araújo (2015), por sua vez, compreende o PMM enquanto uma política que responde à forma estatística, levando em consideração a desigualdade alarmante na sociedade. Para tanto, ao mesmo tempo que o sistema econômico exclui, o Estado cria programa para minimizar a questão social da desigualdade social, e, assim, chega a política de educação do PMM ao Campus de Ilhéus, como forma de garantir a inclusão e emancipação de mulheres do entorno.

Azevedo (2017), neste sentido, diz que o programa se define como Política Pública e parte de algo maior, de uma demanda social para a busca de implementação de Políticas Públicas para Mulheres, estando, dessa forma, relacionando-se com a questão regional. Concomitante a esta relação, o programa tem como fruto a luta das mulheres por mais espaço, por menos desigualdade social, inclusive nas relações de trabalho. Isso apresenta-se como um exponencial desafio ao PMM, visto que no geral o desenho, o

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planejamento e a própria execução das políticas e dos programas, como o PMM sofrem mudanças significativas, sobretudo no que diz respeito aos resultados e impactos, como mostra Frey (2000). Ademais, também é recorrente que a própria implementação não seja executada com base nos princípios explicitados na formulação e no interesse dos próprios sujeitos beneficiários, como destaca Cavalcanti (2006).

Para Bravin (2015), a estruturação do Programa Mulheres Mil, sendo ofertado pelos Institutos Federais, busca suprir a demanda do frágil acesso à educação profissional. Considera-se, por outro lado, que o Pronatec Brasil Sem Miséria Mulheres Mil visa à organização de arranjos produtivos socioculturais locais (APSL), além do incentivo ao microempreendedor. Com base no que analisamos, além dos aspectos mencionados por Bravin (2015), é importante considerar também que a implementação de programas como o PMM é resultado de demandas e iniciativas decorrentes de um sistema de relações, como explicita Arretche (2001), tanto em nível das esferas pública e privada, quanto no arcabouço de programas e projetos já implementados, que sofrem adequações ou adaptações.

Na percepção de Cardoso (2015), o PMM é bem elaborado à medida que promove o acesso e a continuidade em sua proposta de acompanhamento e apoio à permanência das educandas em um ambiente propício a torná-las protagonistas de sua história, mas complexo em sua implementação e execução. Ademais, o PMM tem natureza e configuração curricular diferente daquelas ofertadas por meio de cursos técnicos e com maior abrangência formativa e curricular.

De acordo com Carmo (2019), o PMM, enquanto política pública afirmativa de inclusão social e equidade, interfere na vida das participantes do Programa ao proporcionar conhecimento, promover a elevação da autoestima, influenciar positivamente o bem-estar subjetivo feminino e, consequentemente, contribuir para o enfrentamento da violência doméstica contra a mulher.

Já no trabalho de Costa (2018), considera-se que, no PMM, predomina-se a perspectiva tradicional de gênero, impactando numa formulação de cursos atada à divisão sexual dos papéis e compreensões convencionais do feminino, uma vez que capacita mulheres para o desempenho de atividades voltadas para a esfera do cuidado, que podem ser desenvolvidas no âmbito doméstico.

Para Cota (2017), o discurso sobre o papel das mulheres no PMM visa a uma discussão acerca das políticas públicas voltadas para a garantia da participação social das mulheres, tendo em vista que, na atualidade, as mulheres ainda não possuem as mesmas oportunidades que os homens. Contudo, a participação social ainda é um gargalo no ciclo da política pública, visto que já na agenda dificilmente os sujeitos-beneficiários tomam parte das escolhas e do processo decisório.

Coutinho (2015) desenvolve sua pesquisa percebendo o programa como uma política pública que almeja proporcionar às mulheres em condição de vulnerabilidade social a inclusão educacional, social e cidadã através da formação profissionalizante, de maneira a fomentar o empoderamento e a equidade de gênero.

Duarte (2016) fundamenta seu trabalho partindo da concepção do PMM como fruto de uma formação discursiva que tem se difundido no mundo, no sentido de criar ações afirmativas para incluir aqueles que vêm sendo excluídos socialmente há tempos, neste caso específico: as mulheres. Desse modo, a investigação delineada está diretamente ligada ao gênero feminino e à educação profissional.

Para Ferreira (2016), o Programa Mulheres Mil compreende um processo de envolvimento da comunidade para somar valores de solidariedade na atividade produtiva às ações de consumo sustentável, com a qualificação profissional, promovendo o desenvolvimento humano dessas mulheres e possibilitando melhores condições de vida.

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Gois (2016), de outro modo, interpreta o Programa como tendo o objetivo de capacitar mulheres para que alcancem o empoderamento e sejam capazes de desenvolver suas habilidades no campo socioeconômico. Nessa perspectiva, pois, pode-se considerar a proposta do PMM como uma alternativa para combater as desigualdades de gênero no Brasil por meio da redução da divisão sexual do trabalho.

Segundo Gomes (2014), as dimensões do programa compreendem como resultado muito mais que um emprego: enquanto educação profissional, quando trabalhada de forma transversal e interdisciplinar, oportuniza à mulher uma atitude de mudança, uma vez que contribui para o fortalecimento de sua cidadania, instrumentalizando-a para alcançar um papel social mais relevante e atuante.

Gomes (2015) desenvolve a discussão do tema no contexto da implementação de políticas públicas que visam à inclusão, à equidade de gênero, à emancipação e ao empoderamento das mulheres pelo acesso à educação e ao mundo do trabalho, tendo, como exemplo dessas políticas, no Brasil, o Programa Nacional Mulheres Mil.

Lopes (2015) aponta, em seus estudos, que, no caso do Programa Mulheres Mil, pretende-se oportunizar a inserção social e econômica de mulheres em situação de vulnerabilidade, proporcionada pela formação profissional, uma vez que, nessa política pública, percebe-se a presença da intervenção internacional agindo sobre a função de regulação do Estado e, consequentemente, impactando as ideias e as ações colocadas em prática para sua execução.

Nos estudos de Mantovani (2015), desenvolvido no âmbito do Paraná, a formação profissional proporcionada às mulheres pelo PMM (IFPR) as inseriu no trabalho informal; em outros casos, a qualificação não resultou em nenhum tipo de inserção no trabalho. O programa, como educação profissional e tecnológica, permitiu evidenciar que as ações de qualificação voltadas a um público-alvo considerado vulnerável ocupam, no discurso governamental, certo destaque.

Depreendendo-se dos aspectos descritos e explicitados anteriormente, com os quais concordamos e que são próprios dos objetivos do ciclo da política pública e do próprio PMM, a observação de Lopes (2015) desvela o caráter regulatório e mesmo provisório e de descontinuidade que a maioria das iniciativas governamentais possuem. Souza (2006a) chama a atenção para o caráter redistributivo que certas políticas possuem, com significativo alcance de beneficiários, com perdas concretas na continuidade e resultados, em curto prazo e ganhos sociais incertos, para grupos sociais como o que atende o PMM.

Para Melo (2019), a política do PMM desvelou uma problemática até então pouco visível ou discutida: a relação entre gênero e pobreza. Entretanto, para ele, o programa não alcança o objetivado em suas bases conceituais, pois, além de não ter sido capaz de gerar a inserção dessas mulheres no mercado de trabalho, também não as proporcionou um nível real de emancipação.

Em Michelotti (2013), o Programa possibilita que mulheres moradoras de comunidades com baixo índice de desenvolvimento humano tenham uma formação educacional, profissional e tecnológica, uma formação que permite a elevação da escolaridade, a emancipação e o acesso ao mundo do trabalho através do empreendedorismo, da empregabilidade e de formas associativas.

Nascimento (2017) entende que os resultados de uma política que se fundamenta em promover a educação para pessoas em condição de vulnerabilidade não têm o seu sucesso evidenciado através de números, dada a complexidade e a amplitude das experiências vividas e experimentadas.

Condizente aos resultados analisados de Nunes (2016), eles apontam a evolução em grande parte do grupo das egressas no que se refere à apreensão de conhecimento profissional, que se coaduna com melhorias na empregabilidade e atividades empreendedoras, dando resposta positiva para a proposição do programa Mulheres Mil.

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Em Oliveira (2013), é irrefutável que o programa Mulheres Mil tem proporcionado às mulheres a elevação da sua autoestima, despertando-as para a inserção em cursos profissionalizantes, para os conhecimentos sobre alguns direitos sociais e para a saída do mundo privado para outros ambientes públicos antes não frequentados. Numa conjuntura social amparada em padrões machistas e patriarcais, tais aspectos têm relevância e contribuem para que se traga ao centro de debates fatores importantes relativos à participação da mulher na sociedade.

Oliveira (2014) avalia o PMM enquanto Política Pública desenvolvida no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) Campus Iguatu, apontando enquanto proposta não somente a qualificação profissional, mas o reconhecimento da importância dessas mulheres em suas famílias e comunidades. Pereira (2015) constatou que, na proposta de inclusão do PMM, são utilizadas palavras de caráter humanitário, fazendo com que, na aparência, o programa responda às reivindicações da classe trabalhadora, mas, essencialmente, aglutine forças à hegemonia do capital por meio do discurso político. Identificou-se, também, que a perspectiva de inclusão social vinculada ao PMM está fortemente ligada à geração de renda, ao incentivo à empregabilidade e ao empreendedorismo, bem como à assistência social, na orientação das mulheres à busca de seus direitos básicos.

Para Pinheiro (2019), o Programa Mulheres Mil, enquanto política pública, mostra-se uma ação importante para a vida das mulheres, abordando sua inclusão na sociedade e possibilitando a qualificação para o mercado, modificando, assim, a realidade em que estão inseridas, trazendo, assim, resultados para a comunidade científica e para a sociedade em geral. De acordo com Ponciano (2017) e Ribeiro (2013), o programa em questão é uma política pública inclusiva de qualificação profissional com vistas a possibilitar o acesso, com exclusividade, de mulheres em situação de pobreza e vulnerabilidade social à educação profissional e tecnológica, na tentativa de ampliar as oportunidades de acesso à qualificação, ao emprego e à renda, por meio de uma formação profissional e cidadã.

Rocha (2017) compreende o Programa Mulheres Mil como política pública que objetiva a ampliação dos direitos das mulheres quanto ao acesso à educação, tendo a educação profissional uma importante dimensão da construção da cidadania. Esse seria, portanto, o começo da travessia, numa tentativa de dar respostas à classe social de trabalhadores que aspiram por um lugar nessa sociedade competitiva, de forma a atender à formação humana cidadã.

No trabalho de Rodrigues (2017), o Programa Mulheres Mil é percebido como uma política pública de inclusão que tende a proporcionar a mulheres em condições de vulnerabilidade social o acesso à educação, à qualificação, ao emprego e à renda, por meio de uma formação profissional.

Com outra perspectiva, Rosa (2016) trata o Programa Mulheres Mil como uma política recente, implementada nacionalmente em 2011, cuja relevância é centrada na articulação entre EJA e Educação Profissional, com recorte de gênero.

Já Silva (2015a) entende o PMM como uma das ações do Estado brasileiro, coordenada pelo Governo Federal, que tem como um de seus propósitos a formação profissional e tecnológica articulada com a elevação do nível de escolaridade de mulheres de baixa renda. Entretanto, para Silva (2015b), o programa não resolve problemas históricos relacionados às questões de gênero, saúde, educação e trabalho, mas, por outro lado, avança no tocante a uma metodologia e a uma sensibilização das mulheres para um algo a mais.

Para Silva (2016) e Silva (2019), trata-se de um programa digno para quem participa deles, desde a gestão até a sala de aula, e está vinculado à educação profissional como uma resposta às demandas das mulheres em situação de vulnerabilidade. Neste estudo, indicam-se cursos de qualidade, com

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sustentabilidade e num formato compatível com a realidade de cada localidade, para que elas possam adquirir autonomia, dignidade e cidadania.

Souza (2018) aborda as políticas públicas executadas no recorte de gênero com elementos fundamentais para a contribuição da inclusão da mulher, de modo a fomentar as equidades nas mais diversas esferas, sejam elas sociais, econômicas, políticas e culturais. É, portanto, dentro desta perspectiva que se encontra o Programa Mulheres Mil.

Como resultado da pesquisa de Tavares (2019), são destacadas as categorias Gênero, Empoderamento e Vulnerabilidade Social, presentes no discurso oficial do PMM, percebido como programa educacional com potenciais social e psicológico para a vida das mulheres.

Teles (2015) apresenta as políticas públicas como parte das ações do governo que visa a promover o desenvolvimento social. Nesse sentido, aponta que as políticas públicas vinculadas à educação, ao trabalho e ao emprego têm crescido nos últimos anos.

Já Tunin (2015) concebe que, de acordo com os princípios e diretrizes preconizados pelo Programa Mulheres Mil, torna-se um desafio atingir e executar todas as ações programadas com os recursos humanos e financeiros disponíveis.

Tupina (2015) enfatiza como o PMM se alimenta do pressuposto de que a qualificação profissional de mulheres pobres é o caminho ideal para a promoção da igualdade entre gêneros e o combate à pobreza. No entanto, considera que ele precisa ser visto como mais que um programa social, mas como um espaço de formação profissional, o que exige que as mulheres sejam cobradas e avaliadas até o ponto verdadeiramente necessário para que se tornem profissionais, levando em consideração o contexto social e as dificuldades individuais. É necessário, pois, que elas sejam vistas como alunas da instituição e não como projeto social da instituição.

Em Zago (2016), este programa, considerado uma política pública inclusiva, foi instituído aos IFs como projetos de extensão, com o intuito de oportunizar às mulheres em condições de vulnerabilidade social o acesso à educação, à cidadania e à qualificação profissional.

Ao considerar o referido programa como uma política pública de educação profissional com recorte de gênero, as discussões dos trabalhos frisam mais do que a inserção no mundo do trabalho remunerado como resultado de avaliação, mas, sim, como a metodologia e proposta inclusiva do programa fortaleceu o empoderamento das participantes.

Silva (2015a) percebe o PMM como um avanço, mas não como uma política que traga resolutividade a problemas históricos. Já os estudos de Rocha (2017) apresentam sua importância para a construção da cidadania a partir da ampliação dos direitos das mulheres, embora considere que ainda há um longo caminho a ser percorrido. As dissertações construídas em torno do tema, de acordo com o exposto acima, demonstram a percepção dos autores e autoras sobre o Programa enquanto política de inclusão e de acesso à educação profissional, considerando a inserção das mulheres no mundo do trabalho e a geração de renda, bem como olhando para a formação cidadã, a dignidade e a transformação da subjetividade dessas mulheres.

Acerca das teses de doutorado, as quais compreendem o período entre 2014 e 2019, apresentamse, a seguir, as percepções identificadas de acordo com seus autores.

Linhares (2019), que apresenta o Programa Mulheres Mil analisado sob a ótica da Cultura de Si, revelou importantes práticas discursivas que se engendram como um dispositivo eficaz na produção de subjetividades. Pode-se considerá-lo, pelos textos analisados, que sua organização se dá em função da transformação do outro e em função de tecnologias do eu bem determinadas. Para Medeiros (2019), por

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conseguinte, o Programa representa uma política de educação técnico-profissional, inclusiva, de caráter afirmativo e voltado à questão de gênero, que teve desdobramentos positivos percebidos através da incorporação ao trabalho pela via do cooperativismo e associativismo.

Moraes (2018), por sua vez, discute as dimensões que materializam o Programa a partir das participantes, atentando para a herança educativa e o compreendendo no contexto da qualificação profissional que se sustenta na educação, desenvolvimento sustentável e cidadania. Já Trindade (2017) identifica o Programa Mulheres Mil como uma política realizada através do III Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, emergindo no contexto contemporâneo econômico neoliberal, que tem no indivíduo – nas mulheres – a sua força de trabalho e o seu capital.

Viana (2019), por fim, aponta que, no Brasil, o Programa Mulheres Mil procura, através da educação, principalmente do ensino profissional, proporcionar oportunidades às mulheres em vulnerabilidade econômica e social, que vivem em situação de miséria ou pobreza, mudando a realidade em que estão inseridas. Assim, pode ser um modelo a ser seguido não só para a formação de mulheres, como também das demais pessoas que se encontram em vulnerabilidade econômica e social.

As análises das teses demonstram, portanto, que a maior parte das produções acadêmicas que estuda o Programa Mulheres Mil traz em sua abordagem a concepção do Programa Mulheres Mil como política estratégica para mitigação da situação de pobreza das mulheres brasileiras, cuja implementação acompanhou a agenda de políticas de inclusão do governo brasileiro, que, neste caso em especial, iniciou, como projeto de cooperação internacional através da Agência Canadense para o Desenvolvimento Internacional (Cida/ACDI) e da Associação de Colleges Comunitários do Canadá (ACCC), nos anos 2000, sua formulação, tomada de decisão, implementação, avaliação e processos de integração das políticas públicas.

4Consideraçõesfinais

Foi possível visualizar que, no contexto e no transcorrer do ciclo das políticas públicas, entrecruzam-se relações de forças nas diferentes esferas dos entes federados, principalmente no processo de formulação e de implementação de políticas públicas, cujas fases foram contextualizadas e problematizadas com base na realidade do Programa Mulheres Mil.

Constatou-se, ainda, que, no Brasil, geralmente as iniciativas governamentais integram vários níveis de governo e de agentes não governamentais, sendo raro os programas que não são implementados permeados por um sistema de relações intergovernamentais e de parcerias das mais diversas com a sociedade civil, embora nem sempre os sujeitos ou beneficiários participem direta e/ou ativamente das etapas iniciais do ciclo das políticas públicas, a saber a agenda, a formulação e a implementação.

Ao longo da leitura das produções acadêmicas em níveis de Dissertações e Teses, evidenciou-se que a formação profissional oferecida pelo PMM se enquadra no escopo das ações de políticas focalizadas e redistributivas junto aos setores social e economicamente mais pobres, o que é bem próprio das iniciativas governamentais financiadas pelas agências externas, como o Banco Mundial, mas que no caso do PMM tem a matriz de financiamento pautada nos Colleges Canadenses.

Observou-se, pois, que as ressonâncias acadêmicas do PMM têm rebatimentos em todas as regiões do País, conforme mostram as produções acadêmico-científicas levantadas, a saber em 20 Estados da Federação e no Distrito Federal, havendo a maior representatividade dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia das regiões Nordeste e Sul.

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Por fim, é importante destacar que os estudos e as pesquisas em torno do PMM ainda são incipientes no âmbito da educação profissional, ao se considerar outros programas, como o PROEJA e o PRONATEC, constituindo-se, assim, o Programa Mulheres Mil como relevante problemática e pertinente objeto a ser investigado, sobretudo no que diz respeito à análise e avaliação de políticas públicas como pesquisas científicas.

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COMO CITAR (ABNT): AZEVEDO,M.A.;DUARTE,T.T.S.;ARAÚJO,S.F.S.OProgramaMulheresMil como política pública de educação profissional: levantamento e descritores das produções acadêmicas em nível stricto sensu (2013-2021). Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 601-621, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p601-621. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16989.

COMO CITAR (APA): Azevedo,M.A.,Duarte,T.T.S.,&Araújo,S.F.S.(2022).OProgramaMulheresMil como política pública de educação profissional: levantamento e descritores das produções acadêmicas em nível stricto sensu (2013-2021). Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 601-621. https://doi.org/10.19180/18092667.v24n22022p601-621

OprogramaMulheresMilcomopolíticapúblicadeeducaçãoprofissional: levantamentoedescritoresdasproduçõesacadêmicasemnívelstrictosensu(2013-2021) Marcio Adriano de Azevedo, Tathyane Torres da Silva Duarte, Sandyeva Francione Silva Araújo Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 601-621, maio/ago. 2022

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Submetido em: 9 jan. 2022

Aceito em: 12 jul. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p622-633

Tertuliano Soares e Silva https://orcid.org/0000-0003-3101-351X

Doutorando em Educação pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP) – Petrópolis/RJ – Brasil. E-mail: tertuliano@tertuliano.pro.br.

Maylta Brandão dos Anjos https://orcid.org/0000-0001-6272-5056

Doutora em Ciências Sociais pelo CPDA da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Profissional e Tecnológica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro/RJ Brasil. E-mail: maylta.anjos@unirio.br.

Resumo

O artigo traça um caminho metodológico de revisão bibliográfica e tem como ponto de partida a reflexão sobre a inclusão de pessoas com altas habilidades ou superdotação (AH ou SD) e a formação de professores na perspectiva do Ensino Médio Integrado (EMI) na Educação Profissional e Tecnológica. Tem por referência dados sobre essa realidade na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT). Conclui que o docente na EPT que está em campo no EMI ou nos cursos superiores oferecidos por todo o Brasil precisa estar em constante aperfeiçoamento para lecionar e contribuir para a inclusão e emancipação humana de seus alunos. Isso consiste, também, em reconhecer, identificar e atender alunos com AH ou SD em suas comunidades escolares para que atendam as potencialidades e as desenvolvam.

Palavras-chave: Formação de Professores. Pessoas com Altas Habilidades ou Superdotação. Educação Profissional e Tecnológica.

Abstract

The article traces a methodological path of bibliographic review and its starting point is the reflection on the inclusion of people with high abilities or giftedness (AH or SD) and teacher training from the perspective of Integrated High School (EMI) in Technical and Vocational Education and Training. It has as reference data on this reality in the Federal Network of Professional, Scientific and Technological Education (RFEPCT). It concludes that EPT professors who are in the field at EMI or in higher education courses offered throughout Brazil need to be in constant improvement to teach and contribute to the inclusion and human emancipation of their students. That also consists of recognizing, identifying and assisting students with AH or SD in their school communities so that they meet their potential and develop it.

Keywords: Teacher training. People with High Abilities or Giftedness. Technical and Vocational Education and Training (TVET).

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Formaçãodeprofessoreseinclusãodepessoascomaltas habilidades ou superdotação:umdebatenaeducaçãoprofissionaletecnológica
Teacher training and inclusion of people with high abilities or giftedness: a debate in Technical and Vocational Education and Training

Formación de profesores e inclusión de personas con altas habilidades o superdotación: un debate en educación profesional y tecnológica

Resumen

El artículo traza un camino metodológico de revisión bibliográfica y tiene como punto de partida la reflexión sobre la inclusión de personas con altas habilidades o superdotación (AH o SD) y la formación docente en la perspectiva de Bachillerato Integrado (EMI) en Educación Profesional y Tecnológica. Tiene como datos de referencia sobre esta realidad en la Red Federal de Educación Profesional, Científica y Tecnológica (RFEPCT). Se concluye que los profesores de la EPT que se encuentran en el campo en el EMI o en los cursos de educación superior que se ofrecen en todo Brasil deben estar en constante perfeccionamiento para enseñar y contribuir a la inclusión y emancipación humana de sus estudiantes. Eso también consiste en reconocer, identificar y ayudar a los estudiantes con AH o SD en sus comunidades escolares para que alcancen su potencial y lo desarrollen.

Palabras clave: Formación de profesores. Personas con altas habilidades o superdotación. Educación Profesional y Tecnológica.

EstedocumentoéprotegidoporCopyright©2022pelosAutores

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1Introdução

Vivemos uma crise de civilização gravíssima. As distorções sociais são agudas e observamos, dentre outras, a invisibilidade de um número sem igual de pessoas com altas habilidades ou superdotação (AH ou SD). Pesquisas como a de Mettrau (2000, p. 7) assinalam que "segundo estatísticas internacionais, os portadores de altas habilidades estão contidos numa faixa de 1% a 10% de qualquer população, independente de etnia, origem ou situação sócio-econômica". Em recente publicação Renzulli (2021) defende que de 10% a 15% de um população tenham AH ou SD.

Ainda no final do século XX, um estudo do MEC (1999 apud REIS, 2006, p. 21) baseado em pesquisas comprovadas alertou que diante dos dados da rede escolar à época haveria “38,75 milhões de sujeitos talentosos; 1,55 milhão de pessoas com AH ou SD; e 155 gênios”. Após 22 anos do estudo, de acordo com o censo escolar 2020, existem identificados na rede pública brasileira apenas 24.424 estudantes com AH ou SD de um universo de 47,3 milhões de matriculas na educação básica.

É de grande relevância para os estudos sobre inclusão de pessoas com AH ou SD no âmbito da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) um estudo de caso da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), realizado por Bruno (2020), que demonstrou existir 51 AH ou SD em 11 Institutos Federais localizados em 17 campi. No Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), segundo o mesmo estudo, havia apenas 1 AH ou SD identificado no Campus de Realengo. Na ocasião da pesquisa, segundo o MEC (BRASIL, 2018, p. 2 apud Bruno, 2020, p. 50), a RFEPCT tinha ao todo “661 unidades distribuídas entre as 27 unidades federadas do país com um universo de 602.361 alunos”. Assim, em termos estatísticos tem-se apenas 0,0084% da população identificada de um percentual que deveria atingir entre 6.023 (1%) e 90.354 (15%), segundo estudos de Mettrau (2000) e Renzulli (2021).

Diante desse contexto, Reis (2006, p. 201) já alertava que “o campo teórico das altas habilidades ou superdotação no Brasil não se fortalece porque não temos formação que prepare profissionais para atuar nessa área”. Esse escopo de pesquisas aponta que as políticas públicas para formação docente devem considerar a inclusão de pessoas com AH ou SD como um de seus eixos mais importantes, sob pena de desperdício e exclusão de talentos.

O ponto de partida escolhido para a reflexão sobre a inclusão de pessoas com AH ou SD é a formação de professores na perspectiva do EMI na EPT tendo por referência dados sobre essa realidade na RFEPCT, segundo pesquisas de Bruno (2020) e Silva (2020), as quais podem servir de subsídios para formulação de políticas públicas para inclusão de AH ou SD em todo o país.

Inicialmente é necessário o reconhecimento de que existem disputas de poder e de visões de mundo no currículo da EPT, e o EMI é uma possibilidade metodológica contra-hegemônica para a superação dos dilemas de exclusão, que ora ainda subsistem nos desafios da educação brasileira. Nesse sentido, o EMI é historicamente pensado para fazer existir duas escolas que reproduzem uma sociedade dual – a daqueles que são formados numa escola para pensar e liderar, e outra escola onde são formados aqueles que irão obedecer acriticamente e realizar obra braçal que o capitalismo precisa para subsistir. Doravante a classe dirigente e a classe trabalhadora têm no ensino médio a arena de luta pela hegemonia de seus projetos (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012).

No tocante à inclusão de pessoas com AH ou SD, os projetos de poder podem assumir a defesa de consolidação de um modelo de sociedade excludente e elitista que garante reconhecimento,

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identificação e atendimento somente a pessoas com AH ou SD que têm condições econômicas de acesso a tais serviços; ou podem ser projetos inclusivos e distributivos das riquezas produzidas pela sociedade, incluída a pessoa com AH ou SD. A concepção de Mettrau (2000) concebe a inteligência humana sobre um aspecto novo: vê-la como patrimônio social de todos e para todos, ou seja, deve ser compartilhada com a coletividade o seu saber, sua compreensão de mundo e seus projetos para o benefício da sociedade E é no sujeito com AH ou SD que a inteligência pode expressar-se no seu maior potencial de realização, impondo o dever de a ele ofertar a formação humana integral para sua inclusão e para o desenvolvimento de suas potencialidades. A coletividade carece das possíveis contribuições e realizações que a pessoa com AH ou SD tem a compartilhar com suas produções, quando de sua inclusão e da sua alta capacidade.

Nesse contexto, a educação profissional, em seus níveis básicos e médios, foi apartada da educação propedêutica (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012). Esse mecanismo de exclusão e reprodução das lógicas de poder e dominação do sistema capitalista também se instaura na educação especial com seus diversos públicos. Assim, a discussão entre a educação especial e a educação profissional acabou por dar ênfase à profissionalização da pessoa com deficiência para tarefas simples, de caráter manual e com o mínimo possível de reflexão, pensamento ou uso da potencialidade humana que todos possuem (PASSERINO; PEREIRA, 2014).

Em raros momentos históricos se incluiu nas políticas públicas alguma estratégia de profissionalização da pessoa com AH ou SD, mas essas medidas não consignaram as estratégias para inclusão da dupla excepcionalidade da pessoa com deficiência, ou seja, quando ela vier também a possuir a condição de AH ou SD. Portanto, as pessoas com AH ou SD são um público que merece maior aprofundamento e visibilidade na Educação Especial. Recente pesquisa reitera esse pensamento:

Diferentemente dos demais alunos público-alvo da educação especial, […] pessoas com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) ainda são pouco visualizadas, se comparadas às pessoas com deficiência, tanto pela família quanto pela escola. Este aspecto, talvez, possa ser compreendido, uma vez que as pessoas com deficiências, geralmente, apresentam uma característica que os identificam, que os marcam, diferentemente da pessoa com AH/SD, pois essa não tem um traço que a identifique de forma instantânea. (RECH, 2018, p. 159).

Mesmo sob o paradigma da inclusão os avanços para a público das pessoas com AH ou SD é pequeno – mais ainda em Educação Profissional e Tecnológica (EPT). O que faz oportuno discutir o tema da formação de professores para inclusão de pessoas com AH ou SD, com foco na formação continuada docente para o reconhecimento desse público.

O presente artigo discute os resultados parciais da pesquisa qualitativa na forma bibliográfica em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (PROFEPT) na linha de pesquisa Práticas Educativas em EPT sendo, por fim, abrigado como macroprojeto de inclusão e diversidade em espaços formais e não formais de ensino na EPT. O objetivo geral da pesquisa é discutir a formação continuada de professores da EPT para o reconhecimento, identificação e atendimento de pessoas com AH ou SD no corpo discente do IFRJ. E tem por objetivos específicos identificar a formação continuada de professores na EPT nas políticas públicas para inclusão de pessoas com AH ou SD; apontar os saberes necessários para o reconhecimento, identificação e atendimento de pessoas com AH ou SD na EPT; elaborar um plano de curso de formação continuada de professores na modalidade EaD para a inclusão de alunos com AH ou SD adequada à conformação institucional do Instituto Federal do Rio de Janeiro.

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Assim a pesquisa vem sendo realizada conforme as etapas previstas por Gil (2018): escolha do tema; levantamento bibliográfico preliminar; formulação do problema; elaboração do plano provisório de assunto; busca das fontes; leitura do material; fichamento; organização lógica do assunto; e redação do texto. De tal forma que a partir do diagnóstico do estado da arte se pode inferir novos olhares e interpretações ao objeto deste trabalho.

Enfim deve anotar que serão usados como terminologia as expressões “Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD)” quando de citações anteriores a Lei n.º 13.234, de 29 de dezembro de 2015, que consignou ao texto legal a expressão “Altas Habilidades ou Superdotação (AH ou SD)” sendo a terminologia oficial utilizada atualmente.

2AformaçãodeprofessoresnocontextodoEnsinoMédioIntegrado(EMI)naRedeFederal deEducaçãoProfissional,CientíficaeTecnológica(RFEPCT)

Não se pode fazer perdurar a exclusão pela invisibilidade do público com AH ou SD diante da existência de uma proposta inovadora nas políticas públicas brasileiras que é o caso da opção teóricometodológica da concepção de EMI na RFEPCT.

A proposta teórica, investida nesse artigo, almeja trazer a referência de educação omnilateral, integral e unitária sob a qual se assenta o trabalho como princípio educativo. Nesse sentido, a defesa é que o currículo deva proporcionar que todos sejam incluídos e tenham uma formação na qual os sujeitos emancipem-se para existirem como trabalhadores que liderem o movimento de pensar-fazer-produzir, conforme defendem Frigotto; Ciavatta e Ramos (2012, p. 17):

A educação integrada ou do ensino médio integrado ao ensino técnico e à educação profissional, postula que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos processos educativos como a formação inicial, como o ensino técnico, tecnológico ou superior. Significa que se busca enfocar o trabalho como princípio educativo, no sentido de superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, de incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo, de formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos.

Os autores defendem um novo EMI como contribuição a uma nova sociedade, o que impõe pensar que os diversos públicos que a escola alcança tenham condições de exercício pleno da cidadania e da felicidade por meio do trabalho. De sorte que as práticas educativas que se realizam no currículo do EMI devem servir a uma educação libertária que não pode excluir grupos quaisquer, pelo contrário devem ser concebidos processos que aprimorem os mecanismos intrínsecos de inclusão no currículo. A formação de professores para inclusão de pessoas com AH ou SD é uma estratégia para promover a liberdade dentro da EPT, conforme afirma Anjos (2021, p. 271):

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A liberdade é arma que empunharemos como causa de entendimento do universo escolar na educação profissional e tecnológica que assuma o trabalho como princípio educativo. A conquista da liberdade como caminho da felicidade põe em evidência a capacidade que temos de poder sermos quem queremos ser; de trilhar caminhos universais para a felicidade, traçando itinerários para o sensível, para a prática de uma educação divertida. Todos esses ingredientes tornam os processos para a educação libertária a grande pauta

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A partir desse ponto de reflexão sobre aspectos principiológicos da educação freiriana, em sua intersecção com a EPT, é preciso aprofundar o entendimento sobre a temática da formação de professores que, segundo Franco (2008), deve primar por desenvolver a postura crítico-reflexiva sobre o destinátário da ação educativa em termos de saber como educá-lo no contexto e suas necessidades. Não obstante, Tardif (2014) concorda e acrescenta o imperativo de compreender o professor na sua realidade e no seu processo de trabalho docente.

Portanto, existe um cotidiano escolar em que o professor ensina e aprende, pesquisa e reflete, constrói e desconstrói. Nesse cenário de investigação-intervenção para formação continuada de professores, as iniciativas devem superar os preceitos de uma educação bancária, meramente reprodutiva e alienada.

Destarte, Soffner (2014) defende que somente num contexto de reflexão e pesquisa sobre o fazer, o aprender e o ensinar é que a formação continuada de professores pode contribuir para que eles sejam inovadores em sua práticas educativas. Se os professores não forem imersos num ambiente de pesquisa e inovação terão muitos problemas e falhas para serem inovadores. É imperativo compreender a formação de professores a partir do princípio de que os atributos da educação inclusiva e democrática são basilares da EPT.

Assim, há um desafio a enfrentar que é a superação de um fato crucial na formação de professores da EPT que trata da crença que somente os cursos de capacitação complementares é que são necessários para que os docentes, que comumente são chamados de “instrutores” nos cursos de formação inicial e continuada, mais conhecidos como “cursos básicos”, sejam bem-sucedidos no exercício do magistério, situado como, meramente, preparador dos estudantes para o mercado de trabalho de acordo com seus ciclos. Como também entendem Cordão e Moraes (2017, p. 157):

O que se exigia dos professores desse ensino profissional era, simplesmente, alguma formação em "cursos apropriados", ou então em "cursos especiais" ou "cursos emergenciais". O nome mais comum para designar esses docentes era o de "instrutores". Sua formação consistia principalmente em orientar aprendizes em cursos e treinamentos que pudessem dar conta do atendimento às necessidades específicas do mundo do trabalho. (grifo nosso)

A EPT começa a discutir e a agir nesse estigma quanto ao seu corpo magisterial. A RFEPCT representa uma proposta que defende a educação unitária, omnilateral, politécnica e tem o trabalho como princípio educativo, por isso realizar a crítica quanto à força da tradição secular que produziu a diferença entre formar para pensar e formar para o emprego às artes manuais – estas menores em status – produz influências de tradições antigas na formação de professores.

Outro aspecto que chama atenção na interpretação de Cordão e Moraes (2017) é a conclusão de que há a primazia da orientação para o mundo do trabalho. A existência dessa dimensão ao pensar a formação continuada não é equivocada, deve existir; mas como uma dimensão que não pode prescindir da formação integral do ser humano que ora está na EPT. Assim, oferecer formação continuada a professores para que possam contribuir para o desenvolvimento pessoal dos alunos em sua dimensão propedêutica deve ser também relevante e comum quando do cotidiano docente na EPT.

A continuidade da formação docente em serviço se traduz num esforço contínuo que a escola deve fazer a fim de aprimorar não somente o sujeito professor, mas também o sujeito aluno que é alvo do exercício profissional do primeiro. Esse dever está previsto no Art. 67, inciso II da Lei 9.394/96 que informa:

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Art. 67 Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira do magistério público:

(…)

II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico remunerado para esse fim.

Esse aperfeiçoamento não é somente um dever legal, mas um dever ético, moral e de comprometimento da EPT com uma formação integral. Segundo Silva (2020), em levantamento realizado junto a Plataforma Nilo Peçanha, existem na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica 46.688 docentes que combinados com os dados do Censo da Educação Básica (BRASIL, 2020) somam 150 mil professores sem habilitação para o exercício profissional na EPT. O autor chama a atenção que com o advento da Reforma do Ensino Médio que estimula a formação técnica e profissional existe uma grande probabilidade da demanda por docentes na EPT crescer vertiginosamente. E indaga-se se a formação oferecida a esses professores será a de caráter “emergencial”, “de curta duração” e para formar “instrutores”. Reforçando as representações sociais e as “constatações sociais” que cursos de formação continuada servem apenas para o ensino de competências “de fábrica” e não para contribuir para a formação integral dos sujeitos. Sobre esse debate, Silva (2020, p. 73) destaca que “uma quantidade mínima dos docentes possui apenas Ensino Fundamental, 3,3% Ensino Médio, 39,4% Graduação e 57,3% Pós-graduação. Observa-se também que, dentre aqueles que possuem Graduação, 43,3% não possuem Licenciatura”. Segundo Silva (2020) haverá uma grande demanda por formação continuada de professores em razão do grande número da falta de escoloridade e formação adequada em nível superior (Quadro 1).

Quadro 1. Escolaridade e formação acadêmica dos docentes em EP Total Escolaridade e Formação Acadêmica

Fundamental Ensino Médio Ensino Superior Graduação Pós Graduação Total Com Licenciatura Sem Licenciatura Especialização Mestrado Doutorado 130,05 69 7,101 122,835 70,858 51,977 52,823 23,559 8,050

Fonte: Sinopse Estatística da Educação Básica, INEP/MEC (2019 apud SILVA, 2020, p. 73)

A formação de professores em serviço ganhará grande impulso nos próximos anos como estratégia para confrontar a demanda, que em suposição irá crescer nos próximos anos pelas consequências da Reforma do Ensino Médio e/ou por retomada econômica no pós-pandemia (SILVA, 2020). O problema identificado é se a formação continuada do docente – que ora já está em atividade –deverá abster-se da dimensão propedêutica, mantendo a ruptura conceitual entre trabalho intelectual e manual. Se tal perspectiva ainda se mantiver, servirá ao propósito que evitará o alcance de outras práticas pedagógicas promotoras do desenvolvimento da consciência de que a existência serve à transformação do mundo, ao exercício pleno da cidadania, da emancipação humana, leitura de mundo e da busca do conhecimento com autonomia e felicidade.

Cabe entender sobre “onde” e “como” a formação de professores se realiza; se deve ocorrer na universidade – um espaço escolar de saber erudito – ou na escola profissional – espaço do saber de aplicação.

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Nesse sentido, Silva (2020, p. 79) destaca que “quando comparados, os professores da universidade e das escolas de educação profissional, surge a oposição entre a escola do saber e a escola do fazer – uma divisão ideológica, marcada pela repulsa ao trabalho e pelo preconceito com as atividades manuais”. Aos egressos da universidade, o saber propedêutico lhes foi apresentado como mapa do caminho, isto é, que tudo que lhes fosse necessário ao exercício da profissão pudesse ser encontrado à consulta desse mapa.

A formação realizada sob a tradição da falsa oposição entre teoria e prática faz com que docentes sejam reféns da percepção de que o conhecimento teórico erudito deve prevalecer sobre os saberes práticos em sua generalidade – não somente oriundos do senso comum, mas os trabalhos práticos como um todo. Tal abordagem induz à falsa noção de que basta saber em que livro encontrar a resposta que o docente será capaz de responder ao problema da realidade que ele enfrenta (SILVA, 2020).

A ausência do reconhecimento e da valorização dos saberes práticos, mas também a sua prática, ou seja , o “saber-fazer” mobilizado para o “fazer-aprender” produz uma reprodução da tradição “conteudista” nas instituições de EPT e na sociedade como um todo desse modus operandi no exercício das profissões. Essa pespectiva cria estereótipos para pessoas e para instituições que são: professores teóricos demais ou professores práticos demais; escolas que só ensinam teoria ou escolas que só ensinam para o mercado.

Tais estereótipos refletem a dicotomia existente no plano epistemológico da EPT no que tange às abordagens de formação docente. Portanto, responder à questão do lugar onde ocorre a formação de professores é menor do que a necessidade de superar a dualidade nociva de saberes teóricos versus saberes práticos. Seja na universidade ou na escola média, a abordagem de que o conhecimento é uno, complementar, interdependente e sistêmico deve ser o paradigma a se refletir.

A identidade profissional e o trabalho docente produzem uma nova reflexão à inclusão do aluno com AH ou SD na EPT. O fato de que o professor da educação profissional e tecnológica deva saber reconhecer, identificar e atender os alunos com AH ou SD é digno de grande debate e relevância de ação. O trabalho docente não pode se restringir à técnica; outras dimensões da formação lhe cabem na educação. Moraes (2016) assinala sobre a identidade do professores da EPT na RFEPCT. Seu estudo demonstra que os docentes da RFEPCT são também professores-pesquisadores da realidade que os envolvem, e assim produzem novos conhecimentos e aplicam-nos às suas práticas pedagógicas.

A RFEPCT tem na oferta da educação profissional a sua premissa de existência e tem no aporte teórico no Ensino Médio Integrado um ponto importante para realização dessa missão. Por meio da opção teórico-metodológica de organização institucional, a RFEPCT mobiliza-se para atender as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Técnica de Nível Médio. A Resolução CNE/CEB n.º 6, de 20 de setembro de 2012, determina a observância no seu artigo 6.º, inciso IX, da obrigatoriedade da “articulação com o desenvolvimento socioeconômico-ambiental dos territórios onde os cursos ocorrem, devendo observar os arranjos socioprodutivos e suas demandas locais, tanto no meio urbano quanto no campo” (BRASIL, 2012).

Logo, se há o desejo de uma oferta de ensino que tenha por foco a necessidade local, se infere que o docente seja preparado para trabalhar além dos muros de sua instituição, interagindo com esses universos do trabalho e trazendo para sua sala de aula esses componentes do mundo real.

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3AidentidadeprofissionaleotrabalhodocentenaEducaçãoProfissionaleTecnológica(EPT)
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Retomando o ponto do lugar onde se realiza a formação docente, a educação profissional de nível médio, em oferta inicial ou continuada, importa que o docente possa ser educado na mesma perspectiva de uma formação integral, omnilateral e observando o trabalho como princípio educativo. Nesse lugar teórico o docente poderá se constituir para o desafio que a nação exige por meio de suas DCN para Educação Profissional Técnica de Nível Médio, observando os princípios da educação inclusiva e democrática.

Na interpretação desse marco regulatório, Moraes (2016) entende que a diretriz não é apenas no sentido da articulação dos currículos, mas também do perfil do docente. Logo, sua abordagem sugere que os docentes que realizarão o seu exercício de magistério na RFEPCT devem exercer sua práxis educativa sob novos princípios, superando as possíveis lacunas de sua formação que lhes tornam afeitos à cultura da desvalorização do conhecimento prático e do trabalho.

A configuração institucional dos Institutos Federais possui a oferta do ensino médio integrado e a oferta da educação tecnológica como razão de existir. Isso uniu a escola técnica com o modelo universitário. Nesse sentido, propostas de formação continuada não podem se afastar do que esteja entrelaçado com a profissionalização técnica.

Silva (2020, p. 84) assinala que “um programa de formação de professores de abrangência nacional precisa ser flexível, coerente, de ampla capilaridade e especialmente sintonizado às demandas formativas dessa modalidade”. Essa reflexão cabe na RFEPCT, dada a heterogeneidade de seus docentes em suas diversas regiões em suas instituições que têm uma missão institucional a cumprir à luz do interesse público e já determinada em sua regulação.

Destarte, para que a EPT se realize na RFEPCT numa perspectiva de educação omnilateral impõem-se novas possibilidades de formação continuada que contribuam para a construção de saberes humanísticos que permitam ao docente pensar sua práxis e a historicidade de seu fazer pedagógico de forma verticalizada e integral. O alunado participante das práticas educativas do professor na EPT, ao viver uma formação integral, exige da RFEPCT um esforço maior para superar velhas práticas alienantes, compartimentalizadas e redutoras do conhecimento, práticas essas que não contribuem para a emancipação humana desejada para o corpo acadêmico e escolar. Como diz Tardif (2014, p. 17):

Os saberes nunca são relações estritamente cognitivas: são relações mediadas pelo trabalho que lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas. Essa ideia possui duas funções conceituais: em primeiro lugar, visa a relacionar organicamente o saber à pessoa do trabalhador e ao seu trabalho, àquilo que ele faz, mas também ao que foi e fez, a fim de evitar desvios em direção a concepções que não levem em conta o seu processo de trabalho, dando ênfase à socialização na profissão docente e ao domínio contextualizado da atividade de ensinar.

Em segundo lugar, ela indica que o saber do professor traz em si mesmo as marcas do seu trabalho, que ele não é somente utilizado como um meio no trabalho, mas é produzido e modelado no e pelo trabalho.

Tardif (2014) destaca que a formação de professores acontece com o trabalho docente cotidiano enfrentado pelo professor. Desse cotidiano vem a fonte de desafios e saberes que respondem a tal realidade e a resolução de problemas apresentado por ela. Fala de uma formação de professores que advém da tarefa e da interação do docente com sua comunidade escolar em todas as suas dimensões – não apenas no ensino técnico, mas em tudo que rodeia e faz pensar e agir o professor. Fato que vai muito além do que se prescreve em teorias. Para o autor, é também criar soluções educativas para a formação continuada que funcione na relação de conflito e oposição de teoria versus prática e educação média, é criar outras possibilidades de interpretação da realidade social que rompa com a forma dicotômica de ver o mundo.

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Inovar na formação de professores, para além dessa antiga discussão e, a partir do trabalho como princípio educativo, efetivar programas de educação continuada dos docentes, eis aí um grande desafio.

4ConsideraçõesFinais

A formação de professores e a inclusão de pessoas com AH ou SD têm sua correlação na EPT quando se faz necessário ao docente e aos demais protagonistas do cotidiano escolar na EPT reconhecer, identificar e atender alunos com AH ou SD. Essa tarefa impõe aos docentes adquirir competências, habilidades e atitudes em formação continuada com comprometimento à formação integral.

Tal aquisição de saberes para o enfrentamento da invisibilidade da pessoa com AH ou SD na EPT deve ser compreendida como um investimento público a ser realizado no professor em sede de formação continuada em concomitância no aparelhamento das salas de recursos. Conciliar formação continuada do professor com sua valorização nesse processo inclusão, bem como com as melhorias de infraestrutura das condições materiais de trabalho e de atendimentos aos alunos com AH ou SD é imprescindível para a superação da precarização do trabalho docente no setor público em particular na RFEPCT.

O docente na EPT que está em campo no EMI ou nos cursos superiores oferecidos por todo o Brasil precisa estar em constante aperfeiçoamento para lecionar e também estar apto a contribuir para o desenvolvimento e emancipação humana de seus alunos. O que consiste em reconhecer, identificar e atender alunos com AH ou SD em suas comunidades escolares para que atendam as potencialidades e as desenvolvam. Para tanto, novos saberes docentes são necessários e vão além dos conteúdos que o professor recebe em sua formação inicial.

As recentes pesquisas realizados no âmbito da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica servem de referência para a elaboração de políticas públicas para EPT como um todo. O magistério que atua nas escolas técnicas e nos cursos superiores de tecnologia enfrentam a mesma problemática e estão diante de alunos com AH ou SD que do mesmo modo são invisiveis – problema que poderia ser minimizado pela formação continuada para reconhecimento, identificação e atendimento de AH ou SD, fato esse que amplia a ação inclusiva.

Por fim, a formação continuada de professores é essencial ao desenvolvimento EPT no Brasil para que essa dimensão da escolarização dos brasileiros venha superar a dualidade histórica que ainda existe e resiste. A inclusão de pessoas com AH ou SD é vital como ação inclusiva nas RFEPCT.

Agradecimentos

Os autores registram seu agradecimento à comunidade acadêmica do Programa de Pós-graduação do Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) no Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) Campus Mesquita em razão do apoio de seu corpo docente e administrativo à pesquisa e à inovação.

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Submetido em: 10 jan. 2022

Aceito em: 8 ago. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p634-658

Maria Carolina Xavier da Costa https://orcid.org/0000-0002-3863-6683

Mestranda em Educação Profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) Campus Central – Natal/RN – Brasil. E-mail: caroliinaxaviier1@gmail.com.

Avelino Aldo de Lima Neto https://orcid.org/0000-0003-4810-8742

Doutor em Ciências da Educação pela Université Paul Valéry e pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) – Natal/RN – Brasil. E-mail: ave.neto@hotmail.com.

Julie Thomas https://orcid.org/0000-0003-1718-4144

Pós-doutora em science education/curriculum & instruction pela University of Nebraska (EUA). Pesquisadora e Professora no Centre Max Weber da Universidade Jean Monnet Saint Étienne França. E-mail: julie.thomas@univ-st-etienne.fr.

Resumo

As violências baseadas no gênero ocorrem no contexto da Educação Profissional e Tecnológica (EPT) brasileira e francesa. Diante desse problema, o presente artigo objetiva mapear as pesquisas sobre violência de gênero na Educação Profissional em repositórios digitais no Brasil e na França. Metodologicamente, recorreu-se a Creswell (2010) para empregar o estado do conhecimento. Teoricamente, os trabalhos de Cisne (2018), Cisne e Santos (2018), Delphy (2005), Federici (2017; 2019) e Saffioti (2004) embasam a discussão. Os resultados apontam a escassez de investigações sobre a temática. Ademais, o estudo mostrou a existência dos seguintes temas de pesquisa: a divisão sexual nos percursos escolares, a reprodução dos estereótipos de gênero, a invisibilidade do sofrimento psíquico, as estratégias de neutralização do feminino em cursos predominantemente masculinos, as táticas de enfrentamento colocadas em marcha por mulheres estudantes de cursos técnicos no Brasil e na França. A conclusão aponta a necessidade de uma melhor circunscrição epistemológica do objeto “violência de gênero” e as possibilidades de novos estudos comparativos entre Brasil e França, dadas as similitudes na história e organização da EPT de ambos os países.

Palavras-chave: Gênero. Violência de gênero. Educação Profissional. Brasil. França.

Research on gender-based violence in Brazilian and French vocational education: a state of knowledge

Abstract

Gender-based violence occurs in the context of Brazilian and French Vocational and Technological Education (TVET). Given this problem, this paper aims to map research on gender-based violence in TVET in digital repositories in Brazil and in France. Methodologically, we resorted to Creswell (2010) to employ the state of knowledge. Theoretically, the work of Cisne (2018), Cisne and Santos (2018), Delphy (2005), Federici (2017; 2019), Saffioti (2004) underpin the discussion. The results point to the scarcity of research on the topic. Moreover, the study showed the existence of the following research themes: the sexual division in school paths, the reproduction of gender stereotypes, the invisibility of psychic suffering, the strategies of neutralization of the feminine in predominantly male courses, the coping tactics set in motion by women students of technical courses in Brazil and France. The conclusion points to the need for a better epistemological circumscription of the object "gender violence" and the possibilities of new comparative studies between Brazil and France, given the similarities in the history and organization of TVET in both countries.

Keywords: Gender. Gender based violence. Vocational Education (TVET). Brazil. France.

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Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissional brasileira e francesa:umestadodoconhecimento

Resumen

La violencia de género se da en el contexto de la Educación Profesional y Tecnológica (EPT) brasileña y francesa. Frente a este problema, este trabajo pretende mapear la investigación sobre la violencia de género en la EPT en los repositorios digitales de Brasil y Francia. Metodológicamente, se recurrió a Creswell (2010) para emplear el estado del conocimiento. Teóricamente, los trabajos de Swan (2018), Swan y Santos (2018), Delphy (2005), Federici (2017; 2019), Saffioti (2004) sustentan la discusión. Los resultados apuntan a la escasez de investigaciones sobre el tema. Además, el estudio mostró la existencia de los siguientes temas de investigación: la división sexual en las trayectorias escolares, la reproducción de los estereotipos de género, la invisibilidad del sufrimiento psíquico, las estrategias de neutralización de lo femenino en los cursos predominantemente masculinos, las tácticas de afrontamiento puestas en marcha por las estudiantes de cursos técnicos en Brasil y Francia. La conclusión señala la necesidad de una mejor circunscripción epistemológica del objeto "violencia de género" y las posibilidades de nuevos estudios comparativos entre Brasil y Francia, dadas las similitudes en la historia y la organización de la EPT en ambos países.

Palabras clave: Género. Violencia de género. Formación Profesional. Brasil. Francia.

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La investigación sobre la violencia de género en la formación profesional brasileña y francesa: un estado del conocimiento

Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento

1Introdução

Nas instituições educativas brasileiras, inclusas aquelas pertencentes à Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), as violências baseadas no gênero são frequentes. Na França, essas questões também se fazem presentes nas instituições de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), com o agravante da existência de uma acentuada desvalorização social da educação profissional, notadamente a de nível médio (LIMA NETO et al., 2021).

Condenadas por muito tempo ao silêncio, as estudantes das instituições da RFEPCT, no Brasil, têm encontrado diversos modos de fazer-se ouvir. Algumas buscam as ofertas de ensino para se qualificar e se desembaraçar de práticas misóginas, por tanto tempo naturalizadas (COSTA; LIMA NETO, 2020; QUIRINO; LIMA NETO, 2021; SOUZA; LIMA NETO; GLEYSE, 2021); outras, sobretudo as mais jovens, se organizam em espaços como coletivos feministas, negros ou LGBT+, usando perfis em plataformas como o Instagram e o YouTube, conforme nos revelaram recentemente o documentário Meu fuá tem poder e a revista Gênero e Sexualidade no Ensino Médio Integrado1

Esses dispositivos de sociabilidade juvenil permitem a emersão de experiências como aquelas concernentes às violências inscritas no corpo, nomeadamente relativas ao gênero, em seus atravessamentos com os pertencimentos de raça e classe. As estudantes continuam a lidar com variados tipos de agressão, mas agora a invisibilização de suas presenças é perturbada por maneiras de resistir espalhadas pelos corredores, pátios e salas de aulas (GEMAQUE; CAVALCANTI; JESUS, 2021). Essa perturbação também se manifesta pelo crescimento, ainda tímido, das pesquisas sobre a temática (RAMOS, 2021), como apontaram os estados do conhecimento realizados por Lima Neto, Cavalcanti e Gleyse (2018), Souza e Lima Neto (2019), Sampaio e Lima Neto (2019), Santos Junior e Cavalcante (2021), Costa e Lima Neto (2020), Costa, Maia e Lima Neto (2021).

O presente texto soma-se às iniciativas precedentes ao objetivar mapear e analisar, introdutoriamente, a produção científica brasileira e francesa acerca das violências de gênero na Educação Profissional, compreendendo o recorte temporal de 20082 a 2021. Tal esforço materializa parte de uma pesquisa de mestrado3 em andamento no Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (PPGEP/IFRN). A investigação de mestrado situa-se, ademais, no interior de um projeto de pesquisa internacional intitulado Corpo, gênero e sexualidade na Educação Profissional: cenários epistemológicos e subjetivos, financiado pela chamada universal 2018 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e desenvolvido em parceria entre instituições brasileiras e francesas por meio do grupo de pesquisa Observatório da Diversidade (IFRN/CNPq).

Isso posto, inicialmente, apresentamos em linhas gerais os conceitos basilares sobre os quais nos fundamentamos teoricamente. Em seguida, explicitamos os procedimentos metodológicos adotados para a realização do estado do conhecimento em repositórios brasileiros e franceses. Após a exposição dos dados

1 Essas produções se originam das pesquisas de mestrado de Shirlene Coelho e Robelânia Gemaque, egressas do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) – Polo IFPA, sob a orientação da Profa. Dra. Natália Cavalcanti. O documentário está disponível no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=C43b5NOa_oY . A revista está disponível no Portal EduCAPES: https://educapes.capes.gov.br/handle/capes/586370 .

2 Consideramos esse recorte em virtude de, em 2008, pela Lei n. 11.892, ter sido instituída a RFEPCT.

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3 Registramos nossos agradecimentos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa da qual usufrui a mestranda. Agradecemos, igualmente, à professora Lenina Lopes pela leitura crítica deste texto.

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encontrados, tecemos algumas considerações, com vistas a proporcionar à Educação Profissional (EP) novas reflexões epistemológicas acerca da construção das pesquisas sobre gênero e dos objetos a elas conectados.

2FundamentaçãoTeórica

Em concordância com Alemany (2009, p. 271), chamamos de violência contra as mulheres “todos os atos que, por meio de ameaça, coação ou força, lhes infligem, na vida privada ou pública, sofrimentos físicos, sexuais ou psicológicos com a finalidade de intimidá-las, puni-las, humilhá-las, atingi-las na sua integridade física e na sua subjetividade”. No contexto epistêmico da EP, especificamente na RFEPCT, cuja produção científica é bastante influenciada pelo marxismo (SOUZA; LIMA NETO, 2019), para melhor compreender a violência de gênero se faz necessária uma aproximação com o feminismo marxista. Nesta ocasião, recorreremos sobretudo aos trabalhos de Cisne (2018), Cisne e Santos (2018), Delphy (2005), Federici (2017, 2019) e Saffioti (2004).

Ao apontar o espaço doméstico enquanto lugar de produção material da existência, Delphy (2005) aproxima o materialismo do feminismo. Revela-se a contribuição das relações sociais de sexo, especialmente aquelas elaboradas pelo casamento, para o estabelecimento da base econômica do patriarcado (DEVREUX, 2009). Essa perspectiva alinha-se à de Federici (2017, 2019), que refina a análise da relação intrínseca entre a violência e o desenvolvimento do capitalismo.

Para a filósofa italiana, a violência não só foi essencial no processo de acumulação primitiva a partir da conquista do Novo Mundo por meio de práticas como o cerceamento, a caça às bruxas, as marcações a fogo, a escravização de africanos ou a subalternização de povos originários. Para Federici, a degradação das mulheres é condição sine qua non da existência do capitalismo. E a forma mais sutil dessa violência está disfarçada no trabalho doméstico ou nas ocupações dedicadas ao cuidado.

Saffioti (2004), por sua vez, postula a necessidade de ir além da noção de “gênero” e pensar em termos de “patriarcado”, cujas características ela sintetiza do seguinte modo: trata-se de uma relação civil, não privada, organizada hierarquicamente em todos os espaços sociais; concede direitos sexuais aos homens sobre às mulheres, corporificando-se; tem uma base material e fundamenta-se tanto na ideologia quanto na violência.

Nessa direção, Cisne e Santos (2018) criticam o uso do termo “violência de gênero” e adotam a expressão “violência contra a mulher”. As autoras reforçam ser esse fenômeno o resultado das relações patriarcais que, por sua vez, dialeticamente, são estruturadas pela mesma violência. Cisne e Santos (2018) concordam com Saffioti (2004) ao defenderem o fenômeno em foco concernente à apropriação do corpo e da vida das mulheres em variadas dimensões, com base no controle e no medo.

Assim, compreende-se um movimento epistêmico de aproximação de diversas correntes teóricas do marxismo e do feminismo, sobretudo a partir de meados do século XX. Para Cisne (2018), engendrado na lógica capitalista, o patriarcado não pode ser compreendido sem uma análise da classe trabalhadora enquanto sujeito coletivo. Por isso, conforme a autora, o feminismo marxista ofereceria “o método de análise para desvelar com criticidade e em uma perspectiva de totalidade a construção histórica das opressões e explorações consubstanciada pelas relações sociais de classe, raça e sexo” (CISNE, 2018, p. 227).

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Esses conceitos basilares, orientadores da análise empreendida no presente estudo, remetem-nos às transformações epistemológicas em vias de operação no campo da EPT no Brasil e na França. Assim, os dados a serem apresentados posteriormente se somarão àqueles já indicados nos estados do conhecimento supracitados, funcionando enquanto indícios de um campo epistêmico em construção que, por sua vez, se edifica por embates epistemológicos nutridos pelas relações sociais entre os sexos.

3Metodologia

Recorremos ao estado do conhecimento enquanto estratégia de pesquisa cuja aplicação permite mapear a produção científica já existente e legitimar, numa perspectiva epistemológica, a realização de uma dada investigação ao suprir eventuais lacunas (CRESWELL, 2010). Em nosso caso, os estudos mencionados na introdução deste artigo já evidenciaram a existência de uma certa ausência das investigações sobre gênero na EP. A presente iniciativa, contudo, se diferencia das anteriores de duas formas: primeiramente, por buscar refinar os resultados anteriores ao explorar especificamente as teses relativas à violência de gênero na EP; em segundo lugar, por realizar uma comparação com a produção científica francesa, levando em conta a internacionalização das redes de estudo sobre EP e gênero entre Brasil e França. Dito isso, para a implementação desse estado do conhecimento, escolhemos as fontes de busca em ambos os países. Foram elas: no Brasil, a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e o Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. Para esse país, nos utilizamos dos descritores: “Violência de Gênero” e “Educação Profissional”; “Violência” e “Educação Profissional”; “Violência de Gênero” e “Educação” (com uso de aspas nas pesquisas). Na França, fizemos a varredura na plataformas HAL-SHS (Sciences de l'Homme et de la Société4) com os descritores: Violences de genre ET Éducation professionnelle; Violences de genre ; "Violences" ET "genre" ET "lycée" (gostaríamos de sinalizar que dentro da busca francesa somente neste descritor foram utilizadas aspas); Lycée professionnel ET violences sexistes; Lycée ET violences de genre; Violences genrées ET Lycée; Violences ET baccalauréat professionnel ET genre; Violences ET éducation professionnelle. Também nos utilizamos do repositório Theses.fr com as seguintes combinações de descritores: Violences + genre + lycée; Violences + lycée; Violences + enseignement professionnel; Violences + enseignement technologique; Violences + enseignement; Violences + genre + éducation; Violences + école après 2008; Violences de genre, à partir de 2008; Genre + lycée.

Em seguida, identificamos os trabalhos com prováveis associações com os descritores. Posteriormente, lemos os resumos e conferimos os sumários. Foram escolhidos os materiais nos quais foi possível diagnosticar a referência aos descritores de busca, bem como uma relação com a temática da violência de gênero na EP. Vale salientar que encontramos muitas produções relativas à violência de gênero, mas sem vínculo com a Educação ou com a EP. Nesses casos, os achados foram descartados. Por fim, recuperamos as teses selecionadas no passo anterior. Foram extraídos o nome, ano da defesa, área da pesquisa, objetivo e lócus empírico da investigação, que passamos a descrever nas seções seguintes.

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago.

4 Tradução: Ciências do Homem e da Sociedade.
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4Buscanosrepositóriosbrasileiros

4.1 Violência de gênero e educação profissional na BDTD

A BDTD integra os sistemas de informação de teses e dissertações existentes nas instituições de ensino e pesquisa do Brasil. Foi desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict). A BDTD permite acesso aos resumos e textos integrais disponibilizados no sítio, o que estimula a publicação e a difusão do conhecimento científico.

Realizamos a procura nessa fonte por meio da opção “busca avançada”. Inicialmente, digitamos os descritores nos respectivos espaços, sem aspas, e com uso do “booleano” AND, o que resultou em um número de achados muito grande. Em seguida, selecionamos a procura por todos os campos, que incluíam título, autor, assunto, resumo em português, resumo em inglês, editor e ano da defesa. Ou seja, a pesquisa iria buscar os descritores levando em conta todos esses aspectos. Nessas buscas finais, também usamos aspas, o “booleano” AND e o filtro de temporalidade de 2008 até 2020. No Quadro 1 indicamos os resultados da varredura feita após a leitura dos resumos.

DESCRITORES

“Violência de Gênero” e “Educação Profissional” 0 “Violência” e “Educação Profissional” 3 “Violência de Gênero” e “Educação” 1

RESULTADOS

Com os descritores “Violência de Gênero” e “Educação Profissional” obtivemos o resultado de 48 materiais. Refinamos a procura filtrando por data e chegamos a 46 produções. Usamos, então, as aspas nos descritores e obtivemos 0 resultados.

Para os descritores “Violência” e “Educação Profissional”, seguimos os mesmos passos aplicados anteriormente. Na primeira procura não usamos aspas, nem filtro de tempo, o que resultou em 285 produções. Refinamos a busca com o emprego do filtro de tempo, sem aspas e com uso de AND, chegando a 269 achados. Por fim, usamos aspas e chegamos a 16 produções, sendo 13 dissertações e 3 teses. Para o presente trabalho, consideramos somente as teses, a fim de podermos realizar uma comparação viável com os achados nos repositórios franceses. Catalogamos esses achados em um quadro com título, tipo, autor, ano de publicação, área do programa de pós-graduação e lócus da pesquisa (Quadro 2).

Quadro 1. Resultados dos descritores utilizados durante a varredura feita no repositório da BDTD Fonte: Elaborado pelos autores
Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas 639 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago. 2022

Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento

Quadro 2. Teses encontradas na BDTD/IBICT com os descritores "Violência” e "Educação Profissional"

TÍTULO

Obstáculos materiais e simbólicos da desistência deestudantesdoProeja/IFRN:umestudoàluzda teoria das representações sociais e da Praxiologia de Pierre Bourdieu

TIPO AUTOR ÁREA LÓCUS

Tese CARDOSO (2018) Educação Proeja/IFRN Pesquisa-açãonagestãodaeducaçãoedoprocesso de trabalho em saúde: uma ferramenta estratégica para acolhimento qualificado da violência entre parceiros íntimos na gravidez

Tese BERGER (2010)

Saúde Hospital Público no Rio de Janeiro

“Só vencem os fortes”: a barbárie do trote na Educação Agrícola Tese SILVA (2016)

Educação Colégio Agrícola de Uberlândia Fonte: Elaborado pelos autores

Cardoso (2018) faz um estudo sobre os obstáculos materiais e simbólicos enfrentados por estudantes do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), contribuindo para a evasão desses alunos. A palavra “Violência” aparece no resumo e nas palavras-chave, mas no sentido de “Violência simbólica”. No que diz respeito à “Educação Profissional”, embora a autora lide com esse lócus empírico, ela só menciona a expressão no resumo ao especificar o significado da sigla Proeja.

Berger (2010), por sua vez, menciona “Violência” no resumo e nas palavras-chave, mas somente nesse último campo emprega a expressão “Educação Profissional”. O objetivo da pesquisa é “analisar o fenômeno da violência doméstica na gravidez (VDG), com foco na violência entre parceiros íntimos (VPI) e o uso da pesquisa-ação como ferramenta estratégica na qualificação da atenção em saúde para acolhimento dos casos” (BERGER, 2010, p. 28). Por fim, Silva (2016) analisou os tradicionais trotes ocorridos no Colégio Agrícola de Uberlândia no período de 1969 a 1985. Alude-se à “Violência” e à “Educação Profissional” apenas no resumo.

Salientamos que em nenhum desses trabalhos o descritor “Educação Profissional” é empregado no título, ao passo que a palavra “Violência” figura somente no título da pesquisa de Berger (2010). Este último trabalho é o único que, de modo geral, se aproxima da nossa pesquisa, sendo os demais irrelevantes, pois não se conectam à violência tal como a concebemos.

Na primeira busca sem aspas com os descritores “violência de gênero” e “educação”, sem filtro de tempo, obtivemos 350 resultados. Com a inclusão do recorte temporal chegamos a 321 e com o uso das aspas obtivemos 45 produções, das quais apenas 9 são teses. Lemos os resumos e apenas 1 foi considerada, usando como critérios aqueles em que a temática da violência de gênero estivesse relacionada ao campo da Educação. Catalogamos suas informações no Quadro 3.

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago.

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Quadro 3. Tese encontrada na BDTD/IBICT com os descritores "Violência de gênero” e "Educação"

TÍTULO TIPO AUTOR ÁREA LÓCUS

Mediações sobre gênero, sexualidade e violências: caminho metodológico para a elaboração de uma proposta de curso EaD no âmbito do Programa Saúde na Escola para o Plano Brasil sem Miséria

Fonte: Elaborado pelos autores

Tese DANTAS (2018) Ciências Programa Saúde na Escola para o Plano Brasil sem Miséria desenvolvido pelo Governo Federal.

Dantas (2018) analisa os temas da violência de gênero e orientação sexual sob a mediação e representação cultural do campo da comunicação e saúde. A tese almeja descrever um caminho metodológico para elaborar uma proposta de curso na modalidade Educação a Distância (EaD) no Programa de Saúde na Escola. O descritor “Violência de gênero” é apresentado apenas no resumo, mas a autora coloca as expressões separadamente nas palavras-chave. “Educação” aparece no resumo e nas palavras-chave associada a “à distância”.

4.2 Busca no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES

O mecanismo de busca no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES é bastante diferente do da BDTD. No sítio da CAPES, empregamos o filtro de tempo até 2019, pois ainda não estava disponível o ano de 2020. Não havia uma aba para selecionar em qual campo seria realizada a pesquisa dos descritores, então supomos que na varredura o sistema procura em todos os campos. O resultado dos cruzamentos dos descritores está apresentado no Quadro 4.

Quadro 4. Resultados dos descritores utilizados durante a varredura feita no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes

DESCRITORES

“Violência de Gênero” e “Educação Profissional” 0

“Violência” e “Educação Profissional” 1

“Violência de Gênero” e “Educação” 2

Fonte: Elaborado pelos autores

RESULTADOS

Com os descritores “Violência de Gênero” e “Educação Profissional”, fizemos a primeira pesquisa sem aspas, sem filtro de tempo e sem uso de AND, obtendo 1211480 achados. Em seguida, usamos o “booleano” AND e reduzimos o total para 7716 produções. Resolvemos refinar por ano, clicando nos anos correspondentes a 2008 até 2019 e chegamos a 6049, cifra ainda bastante elevada. Quando procuramos com aspas, filtro de tempo e uso de AND chegamos ao surpreendente resultado de apenas quatro dissertações, sem nenhuma tese.

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago. 2022

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Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento

Seguimos o mesmo percurso de busca com os descritores “Violência” e “Educação Profissional”. Na primeira varredura obtivemos 1.207.544 produções, na segunda 3.355, na terceira 2.565 e na quarta 29, sendo 26 dissertações e 3 teses. Das 3 apenas 1 foi selecionada, cujos dados podem ser consultados no Quadro 5.

Quadro 5. Teses encontradas no Catálogo de Teses e Dissertações da Capes com os descritores "Violência” e "Educação Profissional"

TÍTULO

O internato no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia: pensionato ou educandário?

Fonte: Elaborado pelos autores

TIPO AUTOR ÁREA LÓCUS

Tese ESPIT (2014) Educação Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Catarinense (IFC) - Campus Concórdia

Espit (2014) não realiza um trabalho diretamente sobre violência. O tema aparece como uma consequência da organização, da estrutura, do funcionamento e das práticas pedagógicas do IFC, dimensões semelhantes aos adotados pelos patronatos agrícolas, segundo o autor. O objetivo da pesquisa foi identificar os processos formais e informais constitutivos da vida de alunos residentes no internato do IFC e a relação do cotidiano deles com o Projeto Político-Pedagógico institucional. O descritor “Violência” aparece uma vez no resumo, já “Educação Profissional” se mostra um termo importante por conta do lócus em que a pesquisa está sendo inserida e aparece no resumo e nas palavras-chave. Diante do observado, a temática da tese não demonstra ser de relevância para nossa pesquisa.

Nas buscas com os descritores “Violência de Gênero” e “Educação” tivemos uma quantidade maior de resultados do que nos anteriores. Na primeira varredura, foram 1.211.300 produções, na segunda, 8.237 produções, na terceira, 6.570 e na quarta, o número caiu para 66. Delas, 17 são teses. Por fim, consideramos apenas 2 teses, cujas informações estão no Quadro 6.

Quadro 6. Teses encontradas no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES com os descritores "Violência de Gênero” e "Educação"

TÍTULO

A juridicização da vida frente à violência domésticaefamiliarcontraamulher:umolhar educativo para as Políticas Públicas de prevenção e de erradicação da violência.

Violência de gênero no namoro entre adolescentes sob a ótica dos adolescentes, educadores e profissionais da saúde

Fonte: Elaborado pelos autores

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago. 2022

TIPO AUTOR ÁREA LÓCUS

Tese DIEHL (2016) Educação nas Ciências Centro de Referência Regional de Atendimento à Mulher Dirce Grösz de Santa Rosa, RS – CRRM.

Tese OLIVEIRA (2014)

Ciências Escolas públicas e particulares e profissionais desaúdedascidadesRiode Janeiro/RJ, Recife/PE, Cuiabá/MT, Porto Alegre/RS e Manaus/AM.

642 | VÉRTICES,

Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento

Diehl (2016) analisa a juridicização da vida de mulheres diante da intervenção do Estado, frente à violência doméstica e familiar, com foco nas práticas educativas que possibilitam a fuga das situações de violência implementadas pelo Centro de Referência Regional de Atendimento à Mulher Dirce Grösz. O descritor “Violência de gênero” só aparece no resumo, no entanto, a expressão “Violência Doméstica e Familiar” é utilizada no resumo e nas palavras-chave. “Educação” aparece em ambos.

Oliveira (2014) estuda a violência no contexto dos namoros entre adolescentes, perguntando-se quais seriam as possibilidades de enfrentamento desse problema sob o enfoque de gênero. O descritor “Violência de gênero” não figura no resumo, apesar de aparecer no título e nas palavras-chave. Contudo, a expressão “violência no namoro entre adolescentes” é utilizada no resumo e palavras-chave. “Educação” só aparece no resumo. A tese não é muito relevante para nossa pesquisa, pois o foco da discussão são os relacionamentos amorosos.

5Buscanosrepositóriosfranceses

Realizamos a pesquisa em dois repositórios franceses. O primeiro foi o HAL-SHS. Trata-se de um arquivo aberto cujo objetivo é divulgar investigações realizadas em instituições de ensino e pesquisa francesas ou estrangeiras, com foco nas Ciências Humanas e Sociais. O segundo repositório foi o Theses.fr, no qual se pode acessar gratuitamente a teses defendidas ou em preparação.

5.1 Busca no HAL-SHS

Para a varredura no HAL-SHS, clicamos em Rechercher, depois em Travaux universitaires e, por fim, em Thèse5 Realizamos o cruzamento dos seguintes descritores e obtivemos os resultados apontados no Quadro 7.

Quadro 7. Resultados dos descritores utilizados durante a varredura feita no HAL DESCRITORES RESULTADOS

Violences de genre ET Éducation professionnelle 1

Violences de genre 25

"Violences" ET "genre" ET "lycée" 0

Lycée professionnel ET violences sexistes 0

Lycée ET violences de genre 0

Violences genrées ET Lycée 0

Violences ET baccalauréat professionnel ET genre 0

Violences ET éducation professionnelle 2

Fonte: Elaborado pelos autores

Nota: Tradução dos descritores em Língua Portuguesa: Violências de gênero e Educação profissional; Violências de gênero; Violências e Gênero e Liceu; Liceu profissional e violências sexistas; Liceu e violências de gênero; Violências generificadas e Liceu; Violências e bacharelado profissional e gênero; violências e educação profissional.

5 Traduções: Buscar (Rechercher), Trabalhos universitários (Travaux universitaires) e Tese (Thèse).

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas n.2, p. 634-658, maio/ago.

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Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento

Com os descritores Violences de genre ET Éducation professionnelle obtivemos 1 resultado, cujos dados podem ser analisados no Quadro 8.

Quadro 8. Teses encontradas no HAL com os descritores Violences de genre ET Éducation professionnelle TÍTULO AUTOR ÁREA LÓCUS

Pratiques enseignantes et diversité sexuelle. Analyse des pratiques pédagogiques et d'intervention d'enseignants de l'école secondaire québécois

Fonte: Elaborado pelos autores

Gabrielle Richard (2014) Ciências Humanas e Sociais; Estudos de Gênero; Educação; Sociologia.

Escolas secundárias do Quebec

Nota: Tradução do título: Práticas docentes e diversidade sexual. Análise das práticas pedagógicas e da intervenção de professores da escola secundária quebequense.

A pesquisa de Richard (2014) foi realizada em uma universidade francófona canadense. Seu lócus se situa nas escolas secundárias do Quebec, região francófona do Canadá. Seu objetivo foi compreender as práticas de ensino e de intervenção usadas por professores de todas as orientações sexuais do ensino médio do Quebec. A autora circunda seu debate em torno da diversidade sexual e da homofobia. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 22 professores do ensino secundário e questionário online com 243 professores. A pesquisa tem conexões com nosso campo temático, mas não se detém especificamente à EP e aborda muito pouco o ensino superior. Além disso, foi realizada no Quebec, e não na França.

No que diz respeito à busca com o descritor Violences de genre, o achado inicial contabilizou 25 teses (Quadro 9). Ao ler os resumos e ter contato com as pesquisas, identificamos que apenas 8 tinham relação com a temática da violência de gênero. Alguns trabalhos não possuíam conexão alguma com o tema – o que pode ser consequência do mecanismo de busca do sítio, pois ao realizar a varredura ele buscava os descritores em todos os campos, isto é, tanto no título e no resumo quanto no texto integral.

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago. 2022

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Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento

Quadro 9. Teses encontradas no HAL com o descritor Violencesdegenre TÍTULO AUTOR ÁREA LÓCUS

Les violences de genre en contexte de migrations forcées : les réfugié·e·s rohingyas de Birmanie. Sociologie critique de l’aide humanitaire en Malaisie

Etude des profils des femmes victimes de violences, de leurs agresseurs et les caractéristiques de la violence subie

Elodie Voisin (2018)

Gethro Borgelyn (2019)

Les violences entre partenaires intimes : de l'indignation politique et morale aux pratiques routinières des institutions pénales : une comparaison entre la France et la Suède Delaunay Marine (2019)

Féminisme, travail social et politique publique. Lutter contre les violences conjugales Elisa Herman (2012)

Le refus de la violence. Vies de femmes, entre l'Algérie et la France Clotilde Lebas (2013)

La dimension spatiale de la violence conjugale Evangelin a San Martin (2019)

Penser les lieux queers : entre domination, violence et bienveillance : Etude à la lumière des milieux parisiens et montréalais

Les pratiques enseignantes en faveur de l'égalité des sexes et des sexualités a l'école primaire : vers un nouvel élément du curriculum

Fonte: Elaborado pelos autores

Cha Prieur (2015)

Gaël Pasquier (2013)

Ciências Humanas e Sociais; Estudos de Gênero;Sociologia.

Ciências Humanas e Sociedade; Estudos deGênero;Medicina.

Ciências Humanas e Sociedade; Sociologia.

Ciências Humanas e Sociais;Sociologia

Refugiados da Malásia, Rohingyas

Departamento de medicinalegaldoHospital UniversitárioIbnSina,em Rabat.

Instituiçõespenais

Ciências Humanas e Sociais; Antropologia SocialeEtnologia.

Ciências Humanas e Sociais;Geografia.

Associações feministas de acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica; Instituições estaduais.

Militantes feministas e mulheres refugiadas da Argélia

Associação especializada no acolhimento e apoio a mulheres vítimas de violência

Ciências Humanas e Sociais; Estudos de gênero;Geografia.

Ciências Humanas e Sociedade; Estudos deGênero;Educação; Sociologia.

Espaços queer

Escolasprimárias

Nota: Tradução dos títulos: As violências de gênero em contexto de migrações forçadas: os(as) refugiados(as) rohingyas da Birmânia. Sociologia crítica da ajuda humanitária na Malásia; Estudo dos perfis de mulheres vítimas de violências, de seus agressores e as características das violências sofridas; As violências entre parceiros íntimos: da indignação política e moral às práticas rotineiras dasinstituiçõespenais: uma comparação entre a França e a Suécia; Feminismo, trabalho social e política pública. Lutar contra as violências conjugais; A recusa da violência. A vida das mulheres, entre a Argélia e a França; A dimensão espacial da violência conjugal; Pensar os lugares queers: entre dominação, violência e benevolência: estudo à luz dos ambientes parisienses e montrealenses; As práticas docentes emfavor daigualdadedossexosedassexualidadesnaescolaprimária:emdireçãoaumnovoelementodocurrículo.

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas Campos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago.

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dos
2022

A tese de Voisin (2018) busca examinar as masculinidades e feminilidades de refugiados da Malásia, os chamados Rohingyas. Mostra um modelo hegemônico baseado em um masculino protetor e feminino vulnerável, uma forma de relações de gênero que termina por ser reapropriada e distanciada pelos refugiados. A migração tem papel fundamental no estudo e nas relações entre os sexos, tendo em vista que a discriminação racial e as desigualdades econômicas vão aumentar mais ainda as tensões de gênero. Isso intensifica a violência doméstica e sexual, o surgimento de outros tipos de violência e a supremacia masculina.

A tese de Borgelyn (2019) foi desenvolvida em uma universidade situada no Marrocos e tem por objetivo fornecer um conjunto de indicadores estatísticos sobre a violência contra a mulher nesse país, além de apresentar dados acerca do ambiente socioeconômico e das características da população-alvo do estudo. O autor faz um estudo transversal para definir o perfil das mulheres vítimas de violência, assim como de seus agressores e das características da violência vivida. Constata-se que 80,4% das mulheres vítimas de violência são casadas, sendo a maioria jovem, instruída e ocupantes de postos de trabalho.

Delaunay (2019) busca compreender as origens do distanciamento entre a indignação política e moral provocada pela violência entre parceiros íntimos na França e na Suécia e as práticas de seu encaminhamento para a instituição penal. Já a pesquisa de Herman (2012) almeja estudar os fundamentos da ação do combate público à violência doméstica, bem como tornar visível as práticas profissionais feministas. A autora realiza uma etnografia em associações feministas de acolhimento a mulheres vítimas de violência e a seus filhos, além de aplicar entrevistas com profissionais de instituições estaduais.

Lebas (2013) também lança mão de uma etnografia junto a militantes feministas e mulheres que fugiram de seu lar por conta da violência na França e na Argélia. A pesquisa traz à tona a reconfiguração de vidas que foram transformadas por conta da recusa da violência e da migração. Por sua vez, San Martin (2019) tem como interesse os efeitos do poder provocado pela violência conjugal e nas formas em que as parceiras habitam os espaços. A autora se apoia em uma abordagem etnográfica e constrói seus dados a partir de grupos focais, oficinas e entrevistas. Ela conclui que a violência se inscreve em todos os espaços da domesticidade, além de reduzir os locais que mulheres devem frequentar, ocorrendo uma privação espacial.

Cha Prieur (2015) estuda a forma como os lugares queer são pensados, realizando uma arqueologia desses espaços e um estudo sobre a violência experimentada por essas pessoas tanto em ambientes públicos quanto em privados. O autor também propõe uma crítica aos lugares queer seguros para que haja uma construção de espaços benevolentes. Pasquier (2013) problematiza as questões envolvendo as escolas mistas e as relações de gênero, assim como a igualdade do tratamento de crianças e adolescentes baseados no gênero e a implementação de uma pedagogia antissexista. A pesquisa concentra-se em professores que abordam tais questões no contexto das escolas primárias. Foram realizadas vinte entrevistas abertas com a tentativa de identificar a natureza específica do trabalho do professor, assim como as possibilidades e as características da educação de gênero e sexualidade na escola primária.

Por fim, salientamos que encontramos duas teses ao empregar os descritores Violences ET Education Professionnelle. Ao consultá-las, identificamos que uma não se relacionava com a nossa temática e a outra era a pesquisa de Gabrielle Richard (2014) já citada anteriormente.

Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento Maria Carolina Xavier da Costa, Aldo Lima Neto, Julie Thomas 634-658,

Avelino
de
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Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento

5.2 Busca no Theses.fr

Para a varredura pelo repositório Theses, procedemos da seguinte forma: clicamos na aba “Toutes les thèses”6 , depois digitamos o descritor e clicamos em “Rechercher”7 . Realizamos o cruzamento dos seguintes descritores e obtivemos os resultados que podem ser vistos no Quadro 10.

Quadro 10. Resultados dos descritores utilizados durante a varredura feita no Theses.fr

DESCRITORES RESULTADOS

Violences + genre + lycée 0

Violences + lycée 0

Violences + enseignement professionnel 0

Violences + enseignement technologique 0

Violences + enseignement 1

Violences + genre + éducation 3

Violences + école après 2008 1

Violences de genre, à partir de 2008 34

Genre + lycée (Todos os campos) 21

Genre + lycée (Título) 3

Fonte: Elaborado pelos autores

Nota: Tradução dos descritores: Violências + gênero + liceus; violências + liceu; violências + ensino profissional; violências + ensino tecnológico; violências + ensino; violências + gênero + educação; violências + escola depois 2008; violências de gênero, a partir de 2008; gênero + liceu.

A tese encontrada com os descritores Violences + enseignement não se enquadra dentro de nosso campo de pesquisa, pois busca historicizar a emergência paradoxal de subúrbios negros que são governados por uma minoria branca.

Realizamos a varredura com os descritores Violences + genre + éducation selecionando os resumos na aba de “Recherche avancée”8 como alvo da busca. Encontramos 3 teses; identificamos que 2 estavam fora do nosso campo de estudo e uma se relacionava aos espaços das escolas, ainda assim distanciando-se de nossa temática. No Quadro 11, podemos consultar as informações sobre tal achado.

6 Tradução: Todas as teses.

7 Tradução: Buscar.

8 Tradução: Busca avançada.

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago.

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2022

Quadro 11. Tese encontrada no Theses.frcom os descritores Violences+genre+éducation

TÍTULO AUTOR ÁREA LÓCUS

« Avoir une réputation » : étude du (cyber)harcèlement scolaire comme risque réputationnel genré

Fonte: Elaborado pelos autores

Margot Déage (2020)

Educação; Violência nas escolas; Estudos de gênero; Redes sociais digitais; Assédio na Internet.

Colégios parisienses; Redes sociais: Snapchat e Instagram.

Nota: Tradução do título: “Ter uma reputação”: estudo do (ciber)assédio escolar como risco generificado da reputação

A tese de Margot Déage (2020) tem como objetivo estudar a construção da reputação dos estudantes vulneráveis ao assédio. Ela empreende uma etnografia em quatro colégios parisienses. Também faz uma netnografia no Snapchat e Instagram, aplica um questionário online com os alunos e traça um exame das pesquisas francesas sobre violência escolar. A autora analisa como os alunos do ensino médio fabricam a reputação dentro da escola e no âmbito da internet, espaço considerado favorável ao assédio. Déage (2020) constata que o sexo e a idade influenciam de modo particular na imagem devolvida aos outros, podendo despertar zombarias e outros tipos de violência. Também percebe que alguns estudantes tentam construir uma reputação de vingança ou obter privilégios de relacionamento. Além disso, Déage (2020) afirma que as redes sociais estimulam tais iniciativas.

Com os descritores Violences + école après 2008, encontramos apenas uma tese concernente ao âmbito escolar. No Quadro 12 podemos analisar os seus dados.

Quadro 12. Tese encontrada no Theses.frcom os descritores Violences+écoleaprès2008 TÍTULO AUTOR ÁREA LÓCUS

Harcèlement scolaire et cyber-harcèlement : étude des violences scolaires chez les élèves français Natacha Hoareau (2018)

Fonte: Elaborado pelos autores

Assédio escolar; Assédio cibernético; Educação Escolas francesas

Nota: Tradução do título: Assédio escolar e ciberassédio: estudo das violências escolares entre alunos franceses

A tese de Natacha Hoareau (2018) teve como objetivo principal identificar os fatores que levam os alunos a adotarem comportamentos de bullying dentro e fora da escola. A pesquisa foi feita a partir de estudos exploratórios e experimentais. A autora também buscar propor e avaliar uma ação psicoeducativa que reduza o comportamento agressivo de alunos do ensino secundário.

Por meio da busca com os descritores Violences de genre, à partir de 2008 encontramos 34 teses. Com análise preliminar dos títulos e resumos identificamos que 2 já haviam sido identificadas anteriormente. Somente 1 era de nosso interesse, e embora se aproxime de nossa temática, ainda permanece fora do campo da educação profissional. No Quadro 13 sintetizamos os seus dados principais.

Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: 634-658,

umestadodoconhecimento Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas 648 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p.
maio/ago. 2022

Pesquisassobreviolênciadegêneronaeducaçãoprofissionalbrasileiraefrancesa: umestadodoconhecimento

Quadro 13. Tese encontrada no Theses.frcom os descritores Violencesdegenre,àpartirde2008 TÍTULO AUTOR ÁREA LÓCUS

Enquête sur la microphysique du pouvoir à l'école : actualisation, imbrication des rapports de domination et modalités d’une pédagogie émancipatrice

Fonte: Elaborado pelos autores

Joelle MagarBraeuner (2017)

Estudos de gênero; Pedagogia. Escolas da França e Quebec.

Nota: Tradução do título: Pesquisa sobre a microfísica do poder na escola: atualização, imbricação das relações de dominação e modalidades de uma pedagogia emancipatória.

Joelle Magar-Braeuner (2017) evoca a tradicional compreensão foucaultiana acerca da microfísica do poder para investigar o campo escolar e detectar os mecanismos de dominação nele postos em marcha. Ela realizou uma investigação etnográfica em 4 escolas na França e no Quebec, com vistas a identificar os modus operandi nos quais as relações de sexo, raça e classe são construídas de modo entrelaçado. Com os descritores genre + lycée identificamos 21 teses, mas somente 4 se encaixam em nosso campo de pesquisa (Quadro 14).

Quadro 14. Teses encontradas no Theses.frcom os descritores genre+lycée TÍTULO AUTOR ÁREA LÓCUS

L'interaction dans les espaces communs au lycée : étude des modalités de réévaluation de l'ordre sexué

Le mécanisme de la transgression genrée dans un réseau d'éducation à Montpellier : la formation de deux univers scolaires

L'enseignement professionnel dans l'École massifiée : fonctions, structure et usages d'un ordre d'enseignement dominé

Être une fille et s'engager dans une filière scolaire de garçons : la place des activités physiques et sportives dans la construction de l'atypicité scolaire

Fonte: Elaborado pelos autores

Frédérique Cool (2012) Educação; Estudos de Gênero.

Sophie Duteil Deyries (2018)

Escolas secundárias gerais e tecnológicas

Ciências Humanas e Sociais; Educação. Um liceu, um colégio, uma escola primária e dois colégios suplementares.

Ugo Palheta (2010) Educação profissional; Sociologia da educação. Escolas de Educação Profissional

Julie Thomas (2010)

Esporte; Estudos de Gênero Cursos profissionalizantes, tecnológicos ou de educação geral

Nota: Tradução dos títulos: A interação nos espaços comuns do liceu: estudo das modalidades de reavaliação da ordem sexuada; O mecanismo da transgressão generificada em uma rede de educação em Montpellier: a formação de dois universos escolares; O ensino profissional na Escola massificada: funções, estrutura e usos de uma ordem dominada de ensino; Ser uma menina e se inserir num curso de meninos: o lugar das atividades físicas e esportivas na construção da atipicidade escolar.

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago. 2022

649 | VÉRTICES,

A tese de Frédérique Cool (2012) busca examinar as interações e experiências cotidianas em espaços comuns nas escolas secundárias gerais e tecnológicas. Busca apreender, em uma perspectiva goffmaniana, como as relações de gênero são expressas através de uma observação das encenações e práticas cotidianas.

Sophie Duteil Deyries (2018) desenvolve uma tese com uma abordagem quanti-qualitativa em um lycée9, um collège, uma école primaire e dois outros collèges, com o objetivo de investigar as transgressões escolares a partir do filtro de gênero de alunos e funcionários educacionais. A autora também busca destacar os diferentes fatores que participam do mecanismo de transgressão de gênero na escola. Constata que os meninos são vistos como indivíduos naturalmente transgressores, ao passo que as meninas são identificadas como alunas-modelo capazes de se adaptar às normas educativas. Para Deyries (2018), essa ambiência alimenta ainda mais a discriminação de gênero.

Ugo Palheta (2010), ao tomar como lócus a Educação Profissional em escolas massificadas, questiona as funções, estruturas e usos de uma ordem dominada de ensino. Ele pontua que a Educação Profissional, anteriormente rejeitada por ser uma espécie de parente pobre da história e da sociologia da educação, tem hoje se inserido em grandes debates. Segundo o autor, muitas perguntas sobre esse campo foram esquecidas e negligenciadas, sobretudo aquelas ligadas ao gênero.

Julie Thomas (2010) realiza uma análise da construção do gênero e das socializações que contribuem para reproduzir as relações sociais do sexo conectadas às relações de classe. A autora realiza um estudo de caso com meninas matriculadas em instituições predominantemente masculinas, visando entender as relações entre as escolhas educacionais dos entrevistados e suas relações corporais e com as atividades físicas.

A pesquisa teve como técnica de construção de dados a aplicação de questionários com alunas atípicas e típicas, seguidos de entrevistas com meninas atípicas que estavam matriculadas em cursos profissionalizantes, tecnológicos ou de educação geral, além da utilização da observação em escolas secundárias.

A busca com os descritores Genre + lycée a partir do filtro “Título” gerou um resultado de 3 produções, das quais 2 se situam fora de nosso debate de interesse e 1 dentro do escopo. No Quadro 15, apresentamos as informações sobre o achado.

Quadro 15. Tese encontrada no Theses.frcom os descritores Genre+lycéea partir do filtro título TÍTULO AUTOR ÁREA LÓCUS

Rapport à l’école et rapport de genre chez les élèves de lycée professionnel : Pour une pensée relationnelle de l’expérience scolaire des filles et des garçons de milieux populaires

Fonte: Elaborado pelos autores

Séverine Depoilly (2011) Educação profissional; Estudos de Gênero.

Escolas de Educação Profissional.

Nota: Tradução do título: Relação com a escola e relação de gênero entre alunos de liceu profissional: por um pensamento relacional da experiência de meninas e de meninos de meios populares.

Séverine Depoilly (2011) questiona o senso comum e os debates da mídia acerca do alto nível de fracasso escolar entre meninos da classe trabalhadora. Para tanto, a autora realizou um estudo etnográfico

9 Tradução: o lycée corresponde ao Ensino Médio no Brasil; já o collège equivale ao Ensino Fundamental II, ao passo que a école primaire seria correspondente ao nosso Ensino Fundamental I.

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em uma escola de educação profissional visando apreender os modos diferenciados de ser e de fazer-se menina e menino entre alunos provenientes da classe trabalhadora. A partir de suas análises, Depoilly constatou que as meninas conseguem lidar com as injunções escolares e de gênero, ao passo que os meninos correm o risco de romper com a escola.

6Consideraçõesfinais

No prefácio da coletânea Sexo, sexualidade e gênero na Educação Profissional no Brasil e na França: estudos exploratórios, afirmou Marise Ramos (2021, p. 16) acerca das investigações em torno do gênero e da sexualidade na EP:

Na Educação Profissional e Tecnológica, não se tem uma tradição consolidada de estudos dessa ordem, ainda que estejam crescendo, ao passo que tais questões são concretas e incidem não somente na escola, mas também sobre a dinâmica produtiva e de desenvolvimento científicotecnológico, associada à divisão sexual do trabalho. Desvelá-las, debatê-las e enfrentá-las é urgente.

Os dados apresentados nas seções precedentes deste artigo indicam a existência de apenas 1 tese, no Brasil, que dialoga com a violência de gênero na EP. Na França, o número aumenta para 4. Essas informações confirmam a continuidade da escassez das pesquisas sobre gênero na Educação Profissional brasileira, como já sinalizaram estados do conhecimento realizados recentemente (LIMA NETO; CAVALCANTI; GLEYSE, 2018; SOUZA; LIMA NETO, 2019; SAMPAIO; LIMA NETO, 2019; SANTOS JUNIOR; CAVALCANTE, 2021; COSTA; LIMA NETO, 2020; COSTA; MAIA; LIMA NETO, 2021). A necessidade de trazê-las à ordem do dia é urgente, conforme menciona Ramos (2021) na citação acima ao diagnosticar a lacuna no interior do campo epistêmico da EP, mas também ao sinalizar para as implicações dessa lacuna na materialidade da vida dos cidadãos, especialmente para os oriundos das classes populares no cenário sociopolítico hodierno.

Por muito tempo, no Brasil, o gênero foi desprezado enquanto categoria estruturante das relações sociais. Esquecia-se de que “o sistema de gênero não é mero ‘apêndice residual’ do modo de produção capitalista, mas participa de sua gênese – e dizê-lo não implica negar a determinação da classe e das relações de trabalho, mas avançar na compreensão de seu conteúdo, suas expressões e decorrências” (PALHA, 2019, p. 42). Gênero – mas também sexualidade e raça – seria uma “dimensão menor da vida social” ou uma “agenda secundária” (QUINALHA, 2019, p. 25) diante do modelo ortodoxo da luta de classes.

Os resultados obtidos nos repositórios franceses também são bastante insignificantes do ponto de vista numérico. Na França, o marxismo se articula ao feminismo materialista desde meados dos anos 1960, nomeadamente a partir dos movimentos de Maio de 1968 (DELPHY, 2005). Trabalhos recentes, como os de Thomas (2018) e Depoilly (2021), nos mostram como a categoria de gênero se associa às de classe e de raça para estudar as relações estabelecidas no interior dos liceus profissionais franceses, não raro eivadas por contextos violentos dentro e fora da instituição.

É bem verdade que os objetos de pesquisa são fabricados (CANGUILHEM, 2012), e que o gênero, especialmente, é um objeto epistêmico em construção desde fins do século XIX e início do século XX (DELPHY, 2005; FEDERICI, 2019; HARAWAY, 2004). Além disso, desde o seu nascimento epistemológico, a categoria “gênero” se associa, de algum modo, à de “violência”, pois a divisão sexual do

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trabalho baseia-se sobre a exploração do corpo das mulheres, fenômeno intrinsecamente violento. O corpo enquanto lugar de controle da sexualidade, da maternidade e da sexualidade a serviço da manutenção da ordem patriarcal capitalista ocupou desde os anos 1970 as teóricas feministas (FEDERICI, 2017). A violência contra a mulher tanto é resultante do patriarcado quanto, dialeticamente, da estrutura, estendendo-se para as diversas dimensões da vida social, para além da esfera privada (CISNE; SANTOS, 2018).

No interior das investigações sobre gênero na EP, caberia agora iniciar um trabalho paralelo, em duas frentes. Primeiramente, faz-se necessário circunscrever um objeto secundário – não em importância, mas no sentido de estar inserido no campo mais amplo delimitado pela categoria “gênero” – em torno da violência. Sendo a violência de gênero ela mesma ampla, será preciso definir suas peculiaridades no contexto epistêmico da EP e nas manifestações institucionais da EPT. Em segundo lugar, a perspectiva de estudos comparativos em Educação entre o Brasil e a França se faz viável, uma vez que a EP nesses países apresenta similitudes na legislação educacional e nas disputas entre os grupos socioeconômicos ao longo da história (THOMAS; MEDEIROS NETA; LIMA NETO, 2020).

Continuar a investir em estudos comparados como uma estratégia teórico-metodológica em investigações futuras sobre a violência de gênero se constitui numa possibilidade de construção desse objeto de pesquisa. Recorrer à pluralidade dos sentidos, em contextos diversos, e às soluções encontradas para problemas comuns, passa pela dialética conciliativa entre o particular e o universal, o local e o global, o conhecido e o estrangeiro, em um esforço muito mais de compreensão das diferenças que do mapeamento delas (DEVECHI; TAUCHEN; TREVISAN, 2018). Tal empreitada já está consolidada em parcerias franco-brasileiras, como o comprova a coletânea supracitada, prefaciada por Ramos (2021), mas também a coletânea Gênero e trabalho no Brasil e na França: perspectivas interseccionais (ABREU; HIRATA; LOMBARDI, 2016)

Essa ótica coaduna-se com esforços empreendidos pela RFEPCT nos últimos anos na direção de criar outras táticas para suprir uma das lacunas, a saber, a internacionalização (COELHO, 2018). As parcerias franco-brasileiras estabelecidas no grupo de pesquisa Observatório da Diversidade (IFRN/CNPq) mostram-se terreno profícuo para o desenvolvimento de estudos comparativos, ao mesmo tempo em que materializam ações já vislumbradas na análise de Lima (2018) como necessárias para o fortalecimento da internacionalização na instituição, superando uma perspectiva excessivamente centrada na mobilidade (LIMA, 2021) – sem desprezá-la, evidentemente.

À guisa de conclusão, faz-se mister salientar que a EP é um campo recente de pesquisa no Brasil (MEDEIROS NETA, 2016), estando ainda, portanto, em formação. A RFEPCT é criada em 2008, e os programas de pós-graduação stricto sensu – espaços privilegiados, no cenário brasileiro, da pesquisa científica – são posteriores a 201310. Os pesquisadores da EP se encontram justamente no momento de fissurar esse campo com as temáticas e as estratégias – como as anunciadas anteriormente – que o compromisso ético-político da produção do conhecimento científico nas Ciências da Educação exige: pesquisa em rede internacional e coragem de enfrentar tensões de correntes teóricas distintas, com vistas a fazer emergir nessa episteme em que estamos imersos outras condições de possibilidade do conhecimento.

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10 Referimo-nos ao Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional (PPGEP) do IFRN, cuja primeira turma de mestrado se inicia em 2013, e ao Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT/RFEPCT), que iniciou suas atividades em 2017.
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COMO CITAR (APA): Costa, M. C. X., Lima Neto, A. A., & Thomas J. (2022). Pesquisas sobre violência de gênero na educação profissional brasileira e francesa: um estado do conhecimento. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 634-658. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p634-658.

Maria Carolina Xavier da Costa, Avelino Aldo de Lima Neto, Julie Thomas Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 634-658, maio/ago. 2022

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Submetido em: 29 mar. 2022

Aceito em: 9 ago. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p659-679

Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti https://orcid.org/0000-0002-4678-2779

Doutorado em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Professora Titular da Educação Básica, Técnica e Tecnológica (EBTT) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte Campus Macau/RN – Brasil. E-mail: natalia.cavalcanti@ifpa.edu.br.

Jéssica Marcela Pedreira da Silva https://orcid.org/0000-0002-7284-657X

Especialista em Saberes, linguagens e práticas educacionais na Amazônia pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) Pará Brasil. E-mail: jess2014silva@hotmail.com.

Resumo

O estudo “O Enfrentamento à Transfobia no IFPA- Campus Belém: percepções sobre a Resolução 363/2017” teve como objetivo investigar o nível de conhecimento da comunidade do Campus Belém sobre a política institucional de combate à transfobia no IFPA. Procurou-se compreender como na prática se implementa a Política do Uso do Nome Social e qual o conhecimento da comunidade sobre a Resolução 363/2017 CONSUP-IFPA, que garante esse direito. Além disso, investigaram-se as percepções dos docentes, discentes e técnicos administrativos sobre os estudantes Trans. Tratou-se de uma pesquisa com procedimentos quantitativos e qualitativos com busca documental, bibliográfica e de campo, por meio da aplicação de questionários. A revisão da literatura partiu das contribuições de autores como Louro (2000), Peres (2009), Rios (2009), Alves e Moreira (2015), Bento (2002), Junqueira (2009), Lima Neto, Cavalcanti e Gleyse (2018). Como resultado, constatou-se um significativo desconhecimento da Resolução 363/2017 e emergiu a urgência de formação continuada para os servidores sobre identidade de gênero, gênero e sexualidade, como estratégia para garantir uma formação humana, crítica e cidadã a todos os sujeitos da Educação Profissional e Tecnológica.

Palavras-chave: Nome Social. Transfobia. Identidade de Gênero. IFPA.

Abstract

The study “O Enfrentamento à Transfobia no IFPA- Campus Belém: percepções sobre a Resolução 363/2017” aimed to investigate the level of knowledge of the Campus Belém community about the institutional policy to combat transphobia at the IFPA. We sought to understand how the Social Name Use Policy is implemented in practice and what is the community's knowledge of Resolution 363/2017-CONSUP-IFPA, that guarantees this right. In addition, we investigated the perceptions of teachers, students and administrative technicians about Trans students. It was a quantitative and qualitative research with documental, bibliographic and field searches, through the application of questionnaires. The literature review was based on contributions from authors such as (2000), Peres (2009), Rios (2009), Alves e Moreira (2015), Bento (2002), Junqueira (2009), Lima Neto, Cavalcanti e Gleyse (2018). As a result, there was a significant lack of knowledge of the Resolution 363/2017 and the urgency of continuing education for the servers on gender identity, gender and sexuality, as a strategy to guarantee a human, critical and citizenly formation for all the subjects of Vocational and Technological Education.

Keywords: Gender. Social Name. Transphobia. Gender Identity. IFPA.

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Confronting transphobia at the Federal Institute of Education, Science and Technology of Pará-Campus Belém: perceptions about Resolution 363/2017 CONSUP
OenfrentamentoàtransfobianoInstitutoFederaldeEducação,Ciênciae TecnologiadoPará-CampusBelém:percepçõessobreaResolução363/2017 CONSUP

Enfrentando la transfobia en el Instituto Federal de Educación, Ciencia y Tecnología del Pará-Campus Belém: percepciones sobre la Resolución 363/2017 CONSUP

Resumen

El estudio “O Enfrentamento à Transfobia no IFPA- Campus Belém: percepções sobre a Resolução 363/2017” tuvo como objetivo investigar el nivel de conocimiento de la comunidad del Campus Belém sobre la política institucional de combate a la transfobia en el IFPA. Buscamos comprender cómo se implementa en la práctica la Política de Uso del Nombre Social y cuál es el conocimiento de la comunidad de la Resolución 363/2017-CONSUP, que garantiza este derecho. Además, investigamos las percepciones de docentes, estudiantes y técnicos administrativos sobre los estudiantes Trans. Fue una investigación cuantitativa y cualitativa con búsquedas documentales, bibliográficas y de campo, a través de la aplicación de cuestionarios. La revisión bibliográfica se basó en aportes de autores como (2000), Peres (2009), Rios (2009), Alves y Moreira (2015), Bento (2002), Junqueira (2009), Lima Neto, Cavalcanti y Gleyse (2018). Como resultado, se registró un importante desconocimiento de la Resolución 363/2017 y surgió la urgencia de la educación permanente de los servidores sobre identidad de género, género y sexualidad, como estrategia para garantizar una formación humana, crítica y ciudadana para todos los sujetos de la Educación Profesional y Tecnológica.

Palabras clave: Nombre Social. Transfobia. Identidad de Género. IFPA.

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1Consideraçõesiniciais

Em estudo recente sobre identidade de gênero e mundo do trabalho, Gemaque, Cavalcanti e Jesus (2021, p. 16) afirmam que:

embora a escola, nos discursos dos professores e gestores, reconheça e manifeste o direito de todos os estudantes às oportunidades de formação integral e encaminhamento para o mundo do trabalho com qualidade social, fica patente o não reconhecimento de especificidades da população LGBTI+ nas práticas educativas, no que diz respeito ao acesso com qualidade ao mundo do trabalho. (GEMAQUE; CAVALCANTI; JESUS, 2021, p. 16).

Nesse sentido, concordamos com Nogueira, Cavalcanti e Cavalcante (2021, p. 5) que defendem que é “fundamental compreender a existência da pluralidade social que frequenta os Institutos Federais e manter o sinal de alerta quanto aos episódios de qualquer tipo de violência que causam sofrimento e adoecimento tanto à comunidade LGBTQIA+ quanto às mulheres, ao se sentirem ameaçados (as) em relação a sua liberdade de expressão e ao seu direito à vida”.

O estudo em tela, desenvolvido em 2020 no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) Campus Belém, foi motivado pelo interesse em pautar os desafios da permanência da juventude Trans na escola, as questões de gênero, identidade de gênero e sexualidade no percurso da formação profissional oferecida nos Institutos Federais de Educação Profissional e Tecnológica e a avaliação de como as políticas de inclusão da diversidade sexual e de gênero são vivenciadas no cotidiano institucional.

Ressaltamos que o Brasil lidera o ranking de assassinatos contra pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais – LGBT (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2020). Em nosso país, presenciamos um cenário extremamente violento contra essa população, vítima de estigmas e exclusões que limitam seu acesso e permanência nas instituições de ensino, contribuindo para sua vulnerabilidade econômica e marginalização social. Conforme a publicação da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (ANTRA):

as mortes de travestis e transexuais continuam subnotificadas. No Brasil, 90% das travestis e mulheres transexuais ainda vivem da prostituição que, em maioria, acontece nas ruas, exposição que aumenta ainda mais a vulnerabilidade diante das inúmeras violências físicas e psicológicas a que são submetidas, e que resultam em mortes, muitas vezes (BENEVIDES; NOGUEIRA, 2020).

“Transexual” é um termo genérico que caracteriza a pessoa que não se identifica com o gênero que lhe foi atribuído quando de seu nascimento. Entende-se que mulher transexual é aquela que reivindica o reconhecimento social e legal como mulher; homem transexual é aquele que reivindica o reconhecimento social e legal como homem (JESUS, 2012, p. 8). De acordo com a transfeminista, professora e pesquisadora Jaqueline Gomes de Jesus, “vivências identitárias de gênero divergentes das socialmente aceitas são patologizadas e submetidas a preconceitos e discriminações” (JESUS, 2013, p. 101). Cotidianamente, as pessoas transgêneros (travestis e transexuais) são marginalizadas, estigmatizadas e perseguidas.

Possivelmente, as expressões de violências vividas por essa população são heranças da sociedade brasileira historicamente patriarcal baseada em preconceitos, entre eles o machismo, o racismo, a homofobia, a transfobia, que inferioriza uns em detrimento de outros, que secularmente dita regras de comportamentos considerados certos e apropriados, impondo um padrão comportamental e social que não existe, mas que ainda hoje continua sendo cobrado. As instituições de ensino, lamentavelmente,

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reproduzem muitas dessas violências e a transfobia – qualquer ação ou comportamento que se baseia no medo, intolerância, rejeição, aversão, ódio ou discriminação às pessoas trans por conta de sua identidade de gênero – aparece como uma triste realidade nos espaços educativos.

Consideramos que é necessário discutir sobre identidade de gênero e sexualidade, consequentemente sobre transfobia e lgbtfobia, na família, na escola, na sociedade de maneira ampla, enfatizando os direitos dessas pessoas e promovendo ações de combate a toda e qualquer violência. Assim, estudos como o proposto aqui, que enfatizem políticas públicas de inclusão e avaliem sua efetividade, são pertinentes como estratégia de enfrentamento às violências e garantia de direitos.

A instituição lócus desta pesquisa oferta cursos e programas de formação inicial e continuada; de educação profissional técnica de nível médio; de educação superior de graduação e pós-graduação, em que o ensino se desenvolve e se articula com a pesquisa e extensão. Como parte da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, o IFPA prepara jovens e adultos para sua inserção no mundo do trabalho, propondo uma formação humana integral (CIAVATTA, 2016). Autores como Lima Neto, Cavalcanti e Gleyse (2018), a partir da produção do conhecimento sobre gênero e sexualidade na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), ressaltam que ainda há incipientes estudos e ações pedagógicas que considerem tais categorias como pauta da formação profissional nos Institutos Federais, mesmo sendo marcante a presença de gays, lésbicas e transexuais nesses espaços. Problematizam o novo cenário e os sujeitos da educação profissional:

Num primeiro momento, profissionalizando as mulheres, as instituições de EPT relacionaramse diretamente à divisão sexual do trabalho: de um lado, a necessidade de reconfigurar as responsabilidades no espaço doméstico; de outro, a inserção laboral em universos técnicos outrora predominantemente masculinos. Perturbou-se, assim, a ordem sexual naturalizada. Agora as tensões tomam novos contornos, com a crescente visibilidade de pessoas LGBTI+ na sociedade e nessa modalidade educativa. Violências como o assédio moral e sexual, insultos e injúrias, a invisibilização de suas presenças, a repatologização das homossexualidades, a misoginia, o machismo, a LGBTfobia geram não somente sofrimento psíquico, mas são ataques diretos à cidadania dos sujeitos em questão (LIMA NETO; CAVALCANTI; GLEYSE, 2018, p. 24).

Tendo em vista as considerações acima, apresentamos neste artigo os resultados do estudo que investigou a política de combate à transfobia no IFPA e qual o nível de conhecimento da comunidade acadêmica do Campus Belém sobre a Resolução 363/2017 do CONSUP/IFPA (IFPA, 2017a). Procuramos identificar como o uso do Nome Social é vivenciado no cotidiano da instituição, a partir das percepções de servidores e estudantes. A partir da constatação da aprovação do documento, delineamos o questionamento: será que tal regulamentação é suficiente para garantir o direito ao uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero dos estudantes transgêneros? Como é colocada em prática tal resolução dentro do IFPA Campus Belém? Será que tal medida é bastante para o enfrentamento da transfobia? Que outras medidas se fariam necessárias?

O artigo apresenta uma seção com os aspectos metodológicos, seguido de uma análise do material produzido pelos interlocutores da pesquisa, finalizando com as considerações finais.

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2EsclarecimentosMetodológicos

Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa com procedimentos quantitativos e qualitativos. Aplicou-se um questionário com 13 questões fechadas e 2 abertas via e-mail institucional disponibilizado pela Ferramenta Google Forms para a comunidade do IFPA Campus Belém (técnicos, professores e discentes). Ressaltamos que a importância do questionário não foi quantificar dados, e sim analisar as respostas dos sujeitos de forma qualitativa. A recolha dos dados se deu progressivamente do dia 02 de agosto de 2020 até o dia 02 de setembro de 2020; obtivemos 48 respostas dos segmentos docentes (D), estudantes (E) e técnicos (T). D, E e T serão as referências para identificar as falas dos interlocutores nesse estudo.

O estudo em tela foi um estudo de caso de caráter exploratório, inicialmente, por trazer os elementos (bibliografia, observação) que são necessários para alcançar os objetivos da pesquisa. O objetivo foi proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses. A etapa exploratória envolveu: (a) levantamento bibliográfico; (b) aplicação de questionário com questões fechadas e abertas com a comunidade acadêmica; e (c) análise do material.

Após a coleta de dados com a comunidade do IFPA Campus Belém, deu-se início à análise, com o objetivo de organizar sistematicamente o material de forma que possibilitassem o fornecimento de respostas ao problema de investigação. O adensamento teórico foi construído no diálogo com as contribuições de autores como Louro (2000), Peres (2009), Rios (2009), Alves e Moreira (2015), Bento (2002), Junqueira (2009), Lima Neto, Cavalcanti e Gleyse (2018).

Em relação aos procedimentos éticos, considerando o contexto pandêmico, respeitou-se o distanciamento social e os protocolos de biossegurança. A comunidade foi esclarecida sobre o estudo e convidada a participar de forma remota e assíncrona, sendo informada sobre a garantia do anonimato.

Este estudo insere-se em uma pesquisa interinstitucional (IFRN, IFPA e IFPE) mais ampla denominada “Corpo, gênero e sexualidade na Educação Profissional: cenários epistemológicos e subjetivos”. Por se tratar de pesquisa com envolvimento de seres humanos, foi apreciado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e aprovado com o registro CAAE: 29258719.6.0000.5537.

3ResultadoseDiscussão

3.1 A proposta pedagógica do IFPA

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA), parte da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, é uma instituição de educação superior, básica e profissional, pluricurricular e multicampi, especializada na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos e suas práticas pedagógicas. O IFPA foi criado pelo Art. 5.º, inciso XX, da Lei n.º 11.892, de 29/12/2008, pela integração do Centro Federal de Educação Tecnológica do Pará (CEFET/PA), da Escola Agrotécnica Federal de Castanhal (EAFC) e da Escola Agrotécnica Federal de Marabá (EAFMB). O CEFET-PA tem 108 anos de atuação na educação profissional e a Escola Agrotécnica Federal de Castanhal atua há 96 anos. A mais nova das três instituições que se integraram para formar o IFPA foi a Escola Agrotécnica Federal de Marabá, que foi criada em 2008. (IFPA, 2019, p. 57).

OenfrentamentoàtransfobianoInstitutoFederaldeEducação,CiênciaeTecnologiado Pará-CampusBelém:percepçõessobreaResolução363/2017CONSUP Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti, Jéssica Marcela Pedreira da Silva 663 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 659-679, maio/ago. 2022

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O IFPA tem um importante papel principalmente na vida dos jovens trabalhadores, que vislumbram no instituto a busca por uma vida mais digna, por profissionalização agregada ao conhecimento teórico para sua formação humana e sua inserção no mundo do trabalho. No tocante aos currículos do Ensino Médio Integrado, os Institutos Federais ofertam disciplinas propedêuticas e técnicas contribuindo para uma formação que considere os sujeitos em sua totalidade humana. Conforme Ronaldo Araújo:

A ideia do trabalho como princípio educativo é uma referência central para o ensino integrado e tem inspirado diferentes projetos de educação destinada aos trabalhadores que buscam caracterizar-se em função de seu compromisso com a utopia de uma sociedade socialista, opondose a concepções pedagógicas de cunho liberal que buscam, em essência, condicionar o trabalho somente ao domínio dos procedimentos técnicos necessários ao seu desempenho profissional e à consequente reprodução do capital. (ARAÚJO, 2014, p. 36).

Portanto, nos Institutos Federais busca-se proporcionar aos estudantes um processo formativo que contribua para sua independência e autonomia, que possibilite a inserção no mundo do trabalho, com garantia de uma formação intelectual, física e mental.

O Projeto Pedagógico Institucional – PPI do IFPA parte da definição da educação como direito público subjetivo sustentado na Constituição Federal de 1988, Art. 205.

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber (IFPA, 2019, p. 70-71).

O PPI-IFPA, além de defender uma educação para todos, garante que será ofertada uma educação baseada no princípio de igualdade humanística, que promova o respeito, uma educação para todos sem distinção de qualquer espécie. Conforme o documento, o IFPA está regulamentado e regido em consonância com as leis educacionais vigentes e resoluções educacionais que versam sobre inclusão e diversidade. Ressalta que o IFPA propõe uma Educação Inclusiva, compreendida como um direito a uma educação de qualidade por meio da valorização da diferença, independentemente de sexo, idade, origem étnica, condição sexual e deficiência (IFPA, 2017b, p. 124).

Contudo, o PPI apresenta seções que tratam apenas de pessoas com necessidade especiais e negros. Embora defenda uma inclusão social, o documento não menciona as questões de gênero, identidade de gênero e sexualidade, nem os desafios da formação profissional de mulheres e pessoas LGBT, razão pela qual se faz importante estudar a temática em foco. De toda forma, o documento apresenta a Constituição Federal de 1988, a Lei 9.394/96 (LDB) e outros marcos legais que podem fundamentar resoluções que ampliem institucionalmente os direitos de pessoas trans.

Como vimos anteriormente, políticas educacionais que combatam todo e qualquer tipo de preconceito se tornam imprescindíveis. A transfobia é um dos preconceitos frequentes dentro das instituições de ensino e o direito ao uso do nome social ainda é um desafio nesses espaços.

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3.2 O enfrentamento à transfobia nos espaços escolares e o uso do Nome Social no IFPA
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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, garante a igualdade e o acesso à escola para todos, respeito a liberdade, assim como o Estatuto da Criança e do adolescente – ECA de 8.069, de 13 de julho de 1990, que também ressalta em seus artigos os mesmos direitos entre todas as crianças e adolescentes para que possam se desenvolver de forma integral, assim como assegurar seu direito à liberdade e dignidade. A Portaria MEC nº 1.612, de 18 de novembro de 2011, adota procedimento análogo nos atos e procedimentos no âmbito do Ministério da Educação. Amparado nesses marcos legais, o Decreto Federal nº 8.727, de 28 de abril de 2016, em seu art. 1º regulamenta “o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.” (BRASIL, 2016).

O nome social é a designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida.

O nome social é o nome pelo qual travestis e transexuais, femininos ou masculinos se reconhecem e preferem ser chamadas/os, enquanto o seu registro civil não é adequado, por via judicial, a sua identidade de gênero. O nome social é construído junto com a identidade e o corpo trans. O nome social não é apelido. É ele que garante a adequação do nome à identidade de gênero da pessoa e pode representar a diferença entre ser respeitada/o e/ou ridicularizada/o nos diversos espaços sociais. (PARANÁ, 2017, p. 2).

Conforme o Decreto Federal 8727/2016, os registros dos sistemas de informação de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter o campo ‘nome social’ em destaque, acompanhado do nome civil, que será utilizado apenas para fins administrativos internos; além disso, conforme o Art. 6º:

a pessoa travesti ou transexual poderá requerer, a qualquer tempo, a inclusão de seu nome social em documentos oficiais e nos registros dos sistemas de informação, de cadastros, de programas, de serviços, de fichas, de formulários, de prontuários e congêneres dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. (BRASIL, 2016).

No IFPA, a partir de demanda de um estudante do Campus Belém, a Pró-Reitoria de EnsinoPROEN coordenou a construção da Resolução de Uso do Nome Social, buscando a regulamentação de procedimentos internos que assegurassem esse direito. Conforme o Memorando n. 98/2017/PROEN (IFPA, 2017c), não houve contribuições de todos os setores à proposta de resolução. Assim, diante da ausência de contribuição de setores, como DGP e PROPPG, e temerosos com a judicialização, a PROEN solicitou que o Reitor aprovasse ad referendum a resolução. Portanto, não houve um envolvimento da comunidade acadêmica do IFPA na aprovação dessa política. Tal fato pode ser indicativo do distanciamento da comunidade em relação ao reconhecimento do uso do nome social na instituição. Em geral, outras Pró-Reitorias, como a de extensão – PROEX, disponibilizam a minuta das políticas no sistema acadêmico – SIGAA – garantindo que estudantes e servidores possam apreciar e contribuir com sugestões. Esse procedimento contribui para que haja uma aproximação e comprometimento dos sujeitos com os rumos das decisões do IFPA.

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Levando em consideração os artigos da Constituição Federal de 1988, art. 205, 206, 207 que garantem a educação como direito de todos, com as mesmas condições de acesso e permanência, os quais asseguram que perante a lei todos são iguais e possuem os mesmo direitos e deveres, sem qualquer discriminação de qualquer espécie; considerando as leis educacionais como a LDB de 1996, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, a Resolução n.º 12 de 16 de janeiro de 2015 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos LGBTQ+ e demais leis, portarias e resoluções que discorrem sobre os direitos humanos, o IFPA resolveu aprovar o uso do nome social e reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis ou transexuais no documento 363/2017, CONSUP, de 01 de setembro de 2017.

O Artigo 1.º da resolução traz em seus incisos conceitos básicos, tais como: que o nome social é aquele que as pessoas transexuais e travestis se identificam; que identidade de gênero é como a pessoa se identifica e se relaciona como o ser feminino e ser masculino sem ser necessariamente ao sexo biológico ao qual ela nasceu; que o nome social poderá ser solicitado tanto por servidores como por estudantes, sempre quando o nome do seu registro civil não refletir a sua identidade de gênero, devendo ser este respeitado e incluído quando solicitado em todos os documentos que se fizerem presentes dentro do IFPA, assim como poderá ser excluído se solicitado, antes ou após o seu desligamento do IFPA.

A Resolução 363/2017 garante que, nas dependências e documentos estudantis dentro do IFPA, seja utilizado o nome social não só dos estudantes como de servidores, propondo o respeito e o reconhecimento à identidade de gênero de todos, buscando contribuir no combate à discriminação, à transfobia e à violência escolar, para a promoção da igualdade.

3.3 O Perfil dos participantes da pesquisa

Esta seção foi elaborada com base no questionário de 15 perguntas – duas abertas e treze objetivas –disponibilizado à comunidade acadêmica do Campus Belém. O objetivo foi identificar o nível de conhecimento sobre transexualidade, sobre a Resolução 363/2017 e suas percepções sobre tais temas. A amostragem constou de 48 respostas ao questionário.

No primeiro momento, procurou-se identificar a idade, sexo, gênero e vínculo que os sujeitos tinham com o IFPA Campus Belém. Informações que consideramos importantes para conhecer um pouco do sujeito e sua relação a instituição. A primeira pergunta então foi em relação à idade dos participantes: podemos observar um número bem balanceado e sujeitos de todas as idades a partir dos 14 anos em diante, porém maior entre sujeitos de 30-40 anos, indicando 27,1% do total de respondentes. Mais de 60% das pessoas que participaram são do sexo feminino, o que pode ser um indicativo que cada vez mais as mulheres estão envolvidas em pautas relacionadas ao tema da pesquisa, além de indicar que elas estão conquistando cada vez mais espaço nas instituições de educação profissional. Posteriormente foi perguntado aos sujeitos o seu gênero, e novamente mais de 60% disseram ser do gênero feminino. Interessante observar que dos 62,5% de mulheres que disseram ser do sexo feminino na pergunta anterior, 2,1 % se identificam como sendo do gênero masculino. Em contrapartida, nenhum dos sujeitos participantes respondeu ser de outro gênero que não o feminino e masculino.

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Identificamos que 29,2% dos participantes tinham mestrado e 22,9% nível superior cursando, somando 52,1% que estão inseridos no ensino superior. Constata-se que já tenham um nível de formação mais elevado, participem de pesquisa de cunho acadêmico e se interessem por tal temática, o que contribui para a sua formação e para a comunidade do IFPA.

É interessante observar que apenas um total de 6,3% dos que responderam concluíram a educação básica. Isso preocupa, pois pode significar que ou não apresentam interesse em pesquisas dessa temática ou que têm pouco acesso a essas pesquisas dentro do IFPA; o que leva a perceber que é preciso mais informação e divulgação de pesquisas participativas para que todos que façam parte da comunidade tenham acesso a elas.

Como o IFPA oferta Ensino Médio Integrado, no qual estão inseridos muitos adolescentes em uma fase de formação decisiva para o seu futuro e para a sua inserção no mundo do trabalho, torna-se necessário que eles conheçam e participem de pesquisas desse teor, não somente como uma forma de autoconhecimento pois muitos ainda estão lidando com as definições de identidade de gênero e/ou orientação sexual mas também para inseri-los nas políticas de inclusão da instituição.

Dando seguimento, foi perguntado aos sujeitos seu vínculo com o IFPA Campus Belém: mais de 45% responderam ser docentes e um pouco mais de 30%, estudantes. O número de técnicos também foi expressivo, indicando o interesse pelo tema. Infelizmente, a ausência de respostas de familiares indica o não alcance do formulário a esse segmento, ainda que os coordenadores de cursos e gestores de ensino tenham sido notificados sobre a pesquisa. Em nosso juízo, insinua um distanciamento do Campus Belém com as famílias dos estudantes atendidos pela instituição.

3.4 O Conhecimento da comunidade do Campus Belém sobre Transexualidade e a Resolução de Uso do Nome Social

Com os dados que nos possibilitaram conhecer o perfil dos participantes do estudo, nosso olhar se volta ao nível de conhecimento sobre transexualidade e a Resolução de Uso do Nome Social. Foi perguntado aos sujeitos se eles sabiam o que era uma pessoa transexual e mais de 90% responderam que sim, que sabiam o que era uma pessoa trans, e 2% disseram que não, a nosso ver representando ainda uma parcela significativa que necessita formação sobre o tema. Segundo Vasconcelos (2018), é importante que os profissionais da escola promovam uma educação igualitária. Mesmo havendo diversos conflitos nas instituições de ensino, os profissionais da escola devem promover uma educação igualitária, deste modo quebrando o modelo heteronormativo.

Diante de uma sociedade que se diz instruir cidadãos para o caminho da justiça, solidariedade, livres de qualquer tipo de discriminação, é importante enfrentar as problemáticas existentes na mesma, promovendo os direitos humanos e mostrar que atos transfóbicos têm seus efeitos imediatos. (VASCONCELOS, 2018, p. 3).

Posteriormente a essa questão, foi perguntado aos sujeitos se eles já haviam vivenciado ou presenciado algum tipo de preconceito relacionado a identidade de gênero dentro do Campus Belém. 54,2% responderam que não, e 43,8% que sim. Portanto, muitos sujeitos já viveram ou presenciaram algum tipo de preconceito de gênero, o que demonstra que é preciso discussões sobre gênero e sexualidade que promovam reflexões e conhecimentos, para que o preconceito seja enfrentado, pois só assim se

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combate a violência, com ações formativas. Desse modo, falar sobre concepções de gênero é começar a desconstruir o que há muito tempo vem sendo construído.

Dando seguimento, foi perguntado aos sujeitos se eles conheciam a Resolução 363/2017 do CONSUP/IFPA: 45,8% responderam que sim, e 35,4% que não, mas que gostariam de conhecer, o que resulta em 81,20% de sujeitos que se não conheciam, gostariam de conhecer. Os dados nos levam a perceber que quem não conhece a resolução ainda não teve a oportunidade para isto, o que pode ser resolvido com a disponibilidade do documento no SIGAA, palestras e eventos para estudantes, professores e demais comunidade do Campus.

Ressaltamos com Louro (2000) que:

É indispensável admitir que a escola, como qualquer outra instância social, é, queiramos ou não, um espaço sexualizado e generificado. Na instituição escolar, estão presentes as concepções de gêneros sexuais que histórica e socialmente constituem uma determinada sociedade. A instituição, por outro lado, é uma ativa constituidora de identidade de gêneros sexuais. (LOURO, 2000, p. 87-88).

Como podemos perceber até aqui, muitas pessoas ainda não conhecem a Resolução 363/2017 do CONSUP, o que pode sugerir a carência de informações sobre tais temáticas dentro do Campus Belém.

Quando questionados se apenas a Resolução 363/2017 seria suficiente para enfrentar a transfobia, a maioria dos sujeitos, mais de 70% reconhecem que não. É importante esse resultado, pois mostra que os próprios participantes reconhecem que, apesar da resolução, são necessárias outras ações.

Não podemos deixar de observar que mais de 16% acreditam que tal resolução seja suficiente, e um 1% ainda diz ser desnecessário, o que nos leva a perceber por que tantas pessoas dentro do IFPA sofrem transfobia.

Emerge da presente pesquisa uma significativa invisibilidade da política de inclusão das pessoas trans, acompanhada da invisibilidade desses sujeitos na instituição. As pessoas trans são historicamente silenciadas e invisibilizadas. Dentro do IFPA Campus Belém, não é diferente.

Perguntamos aos sujeitos se eles já haviam participado de alguma palestra, seminário, capacitação, ou qualquer outro evento promovido pela gestão do Campus Belém, ou se ao menos já haviam ouvido falar sobre gênero e sexualidade. Um total de 47,9% respondeu que não, mais de 39% que sim, e outros 12,5% deram outras respostas. Podemos perceber que quase metade dos sujeitos responderam que não participaram e nem ouviram falar.

Considerando o significativo extermínio de pessoas LGBT no Brasil, não é razoável que temas urgentes como identidade de gênero e orientação sexual sejam tratados de forma negligente por gestores da educação profissional. Levando em consideração que mais de 40% dos participantes desta pesquisa são docentes, formações são necessárias.

Conforme Castro, Abramovay e Silva:

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A orientação sexual e prevenção nas escolas são temas que pedem políticas públicas, com parcerias entre governo e ONG. Isso significa incluir ações especificas como uma capacitação mais qualificada para os professores; promover uma maior proximidade com os pais; potencializar com os alunos uma abertura ao diálogo com possibilidades de se compreender e se apropriar da sexualidade de novas formas, propiciando uma cultura de prevenção atrelada a ética de convivência, a estética, ao prazer, ao sentimento, respeitando direitos a privacidade e formas de ser de culturas jovens. (CASTRO; ABRAMOVAY; SILVA, 2004, p. 4).

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Complementando a questão anterior, foi perguntado aos sujeitos se eles consideravam importantes ações que promovessem respeito às diferenças diante dos preconceitos vivenciados pela comunidade LGBTQI+, como os estudantes transexuais. Mais de 80% dos sujeitos responderam que sim. Mais de 81,3% dos sujeitos responderam considerar a abordagem de gênero importante, o que demonstra que cada vez mais pessoas estão interessadas em ações que combatam preconceitos tão vivenciados socialmente por questões referentes a gênero e sexualidade.

Posteriormente, procuramos identificar se os sujeitos avaliavam pertinente que todos tivessem conhecimento da Resolução 363/2017. Destes, apenas 6,3% disseram tanto faz; os outros sujeitos consideraram importante e a maioria deles, inclusive, disseram que o IFPA deveria promover ações abordando a resolução.

Para se enfrentar preconceitos e fazer uso de direitos é necessário conhecer as legislações que regem não somente a sociedade como um todo, como também as instituições na qual estamos inseridos de alguma forma. É preciso conhecer para fazer uso. Sujeitos transexuais dentro do IFPA Campus Belém talvez nem sequer conheçam tal resolução que lhe garante o direito do uso do nome social.

Em seguida, também foi perguntado aos sujeitos se participariam de alguma dessas ações educativas sobre a temática: 70,2 % disseram que participariam. É interessante observar que, no que tange à pergunta anterior, 93,7% dos sujeitos falaram ser importante que todos conhecessem a Resolução 363/2017; porém quando foi perguntado se participariam de formações, apenas 70% responderam sim, os demais responderam que não ou talvez.

Podemos perceber que nem todos se sentem confortáveis para participar dessas ações, por diversos motivos que não sabemos, o que indica ainda um número significativo de pessoas que consideram não ser importante conhecer sobre o assunto ou se apresentam indiferentes.

3.5 A Percepção de docentes, técnicos e estudantes do Campus Belém sobre a Resolução de Uso do Nome Social

A presente seção foi escrita com base nas questões abertas do questionário disponibilizado para toda a comunidade do Campus Belém, no período de 02 de agosto a 02 de setembro de 2020. Após a análise das respostas obtidas, constatou-se que mais de 45% dos sujeitos respondentes eram docentes (D), mais de 30% estudantes (E) e mais de 20% técnicos administrativos (T). Assim, consideramos pertinente analisar as questões a partir do segmento dos interlocutores – docentes, técnicos e discentes. A primeira questão subjetiva buscou identificar na opinião dos sujeitos participantes como o Campus Belém tem acolhido as identidades de gênero e orientações sexuais; a segunda pergunta questionou aos sujeitos quais ações poderiam ser desenvolvidas no Campus Belém para combater a transfobia e outras formas de discriminação relacionadas ao gênero.

O grupo dos docentes teve o maior número de participação na pesquisa: 45,8% dos respondentes. Desse percentual, 59% eram do sexo feminino. Dados como estes são importantes para termos conhecimento do engajamento de docentes, homens e mulheres em pesquisas com temáticas de gênero, assim como analisar as suas percepções a respeito do tema.

46% dos docentes responderam que não existe acolhimento algum por parte do Campus Belém; 36% responderam que esse acolhimento até existe, porém não é suficiente; 18% não responderam nada. Entre as duas categorias de respostas que mais apareceram nesse grupo é importante destacar algumas.

OenfrentamentoàtransfobianoInstitutoFederaldeEducação,CiênciaeTecnologiado Pará-CampusBelém:percepçõessobreaResolução363/2017CONSUP Natália Conceição Silva Barros Cavalcanti, Jéssica Marcela Pedreira da Silva 669 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 659-679, maio/ago. 2022

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Sujeito D 1 - Acho que não tem acolhido. Tanto que o nome social só é conhecido por departamentos que trabalham diretamente com isso, como biblioteca e secretaria. Os docentes nunca tiveram nenhuma orientação.

Percebe-se no trecho acima que a Resolução 363/2017, na percepção do interlocutor, fica mais restrita aos setores administrativos e operacionais do Campus – bibliotecas e secretarias, o que contribui com sua avaliação de inexistência de acolhimento às pessoas trans. Indica, inclusive, uma percepção de que o acolhimento deveria ser muito mais amplo do que o previsto em um instrumento administrativo/jurídico.

Para outros docentes, também não há acolhimento no Campus e ainda destacam preconceitos de funcionários, inclusive de chefias:

Sujeito D 2 - Não vejo esse acolhimento. Vejo, em grande parte, preconceito dos funcionários e comentários maldosos inclusive das chefias.

Sujeito D 3 - O papel tem sido aquém de suas possibilidades! Pela necessidade de discussões com este público sobre direitos e deveres especialmente no ensino técnico integrado.

Sujeito D 4 - Em parte, pois como sabemos que a fiscalização, ou mesmo a participação do setor pedagógico, em relação aos alunos é falha (mais pela falta de servidores) e o tamanho físico do campus, como um todo, é evidente que acontecerá muitas "janelas" de oportunidade ao preconceito. Nossos alunos, nossos professores e servidores devem ser olhados sempre e não só quando acontece um problema sério. Os servidores do social e da pedagogia devem ficar em diligências, olhar o que os alunos andam estudando, como são as salas de aula, os laboratórios, saber onde estão e o que fazem, senti-los e se o problema é falta de pessoal, então lutar para melhorar esse quadro pessoal, o que não pode são esses setores (Social e Pedagógico) ficarem como estão, onde parecem delegacias burocráticas que só agirão, se agirem, quando uma denúncia formal chegar devidamente protocolada na mesa deles”.

É preocupante o conjunto desses relatos anteriores, evidenciando enormes problemas quanto à política de acolhimento no Campus Belém. Destacam práticas preconceituosas, negligências, indiferença e falta de práticas de inclusão que efetivem a política proposta pela Reitoria do IFPA.

Posteriormente foi perguntado aos sujeitos quais ações poderiam ser desenvolvidas no Campus Belém para combater a transfobia e outras formas de discriminação relacionadas ao gênero. 73% dos docentes citaram como medidas: palestras educativas, eventos, seminários, formação continuada de professores, e uma divulgação mais ampla a respeito das resoluções existentes, como a 363/2017 do uso do nome social; 18% deram outras respostas e 9% não responderam à pergunta. Destacamos algumas respostas:

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Sujeito D 5 - Ampla divulgação da Resolução 363/2017 (eu mesma não conheço), fazer campanhas deixando claro que se trata de um crime e orientação aos docentes que, em muitas vezes, são responsáveis pela transfobia”.

Sujeito D 6 - Palestras educativas, deveríamos ter esse tema dentro de algum conteúdo de disciplina, se puder.

Sujeito D 7 - Acho que seria muito importante engajar mais os docentes para tratarem desses assuntos de forma transversal dentro das salas de aula e de suas disciplinas com respeito e o cuidado que o assunto merece, sem tabus ou preconceitos.

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Sujeito D 8 - Cursos de capacitação sobre direitos humanos; cartilhas sobre o assunto constando a quem os alunos trans podem se dirigir, caso necessitem e os demais alunos para denunciar discriminação, seja de outros alunos ou mesmo de servidores.

Algumas falas dos docentes que responderam ao estudo evidenciam o quanto eles têm clareza de seu papel na vida dos estudantes, o que faz com que necessitem estar em constante aprendizado; mais do que isso, eles identificam o preconceito presente dentro do Campus. Muitas vezes presenciam que esse preconceito é ativo e não pode ser mais silenciado, percebem que são necessários espaços de falas para os sujeitos trans, e que é preciso que toda a comunidade presente no Campus tenha uma educação voltada para reconhecimento e valorização da diversidade.

Conforme Seffner:

O professor é um importante adulto de referência, por vezes a primeira pessoa fora do círculo familiar com quem a criança ou o adolescente pode conversar com franqueza sobre temas do seu cotidiano. Novamente repito: a escola é um lugar de aprendizagens, e o professor deve conduzir sua relação com os alunos no sentido de explorar as possibilidades desta aprendizagem. (SEFFNER, 2009, p. 132).

Como podemos perceber nas falas dos docentes, a grande maioria tem essa percepção de que precisa conhecer não somente as resoluções existentes no IFPA, mas ampliar o conhecimento da transfobia como um crime. Como destaca o sujeito D 5, às vezes os próprios docentes são responsáveis pela transfobia, daí a importância de uma formação continuada voltada a temas tão urgentes como transfobia, como bem destacou o sujeito D 8.

Dando seguimento às análises das questões subjetivas, destacamos neste momento as respostas do grupo dos discentes. Os estudantes que participaram são de diferentes níveis de ensino do IFPA, desde o médio integrado até a especialização. Dos mais de 30% dos estudantes participantes da pesquisa, consideramos importante destacar que mais de 76% dos respondentes eram mulheres.

Quando perguntados sobre a primeira questão temática referente ao acolhimento das identidades de gênero e orientação sexual, as respostas dos sujeitos foram bastantes distintas uma das outras. 47% não responderam à pergunta, 33% disseram que o IFPA não tem acolhido as identidades de gênero e 20% responderam que existem uma invisibilidade, não existindo medidas efetivas, como mostra algumas falas dos sujeitos:

Sujeito E 1 - Acho que há coisas mais importantes com o que se preocupar.

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Sujeito E 2 - São iniciativas isoladas de docentes e seus discentes, mas o preconceito é esboçado em forma de piadas, ironias e desvalorização das iniciativas que tentam incluir a todos com respeito.

Sujeito E 3 - Desde que comecei a frequentar o IFPA, pude ver com clareza que eu estaria em um local onde a diferença se faria presente em maioria e em todos os aspectos, inclusive, me senti acolhida, tanto devida à minha orientação sexual quanto à liberdade de expressão dos demais alunos, então, de certa forma, sim o Instituto acolheu e acolhe toda essa diversidade de modo decente. Todavia, deve-se haver melhorias nesse acolhimento, de forma que transpareça a consciência e importância do assunto dado pela instituição, e que tais melhorias alcancem mais alunos e docentes e os conscientizem que o único padrão a ser seguido é o do respeito às diferenças.

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Mais de 33% dos estudantes não souberam o que responder, o que pode significar que desconhecem tais acolhimentos ou porque não existem, ou porque não é um assunto de seu interesse. São apenas suposições, que dialogam com as respostas dos outros 20% dos estudantes participantes, que responderam que existe uma invisibilidade e que tais medidas não existem; os outros 47% deram respostas diferentes umas das outras não podendo assim ser categorizadas. As opiniões dos estudantes sobre a mesma pergunta são diferentes, o que pode demonstrar que as ações de acolhimento do Campus Belém de fato não são suficientes para alcançar a todos os estudantes, pois enquanto uns se sentem acolhidos outros simplesmente acham que o tema em questão não é importante.

Conforme Ribeiro et al. (2009),

Não por acaso, a escola, espaço público e coletivo por excelência, importante instância social constituidora de identidades, evita discutir e problematizar as sexualidades e as possíveis identidades sexuais. Muito pouco tem ela oportunizado discussões sobre os processos em que os sujeitos ditos “diferentes” (como as pessoas gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, transgéneros) são objeto de preconceito e estigma, por considerar ou entender que existe uma única forma de sexualidade “normal” e que essa temática é uma questão privada e difícil de ser abordada nesse ambiente. Outro argumento utilizado nesse sentido é que, se os/as alunos/as não “souberem sobre homossexualismo, mais estarão protegidos/as em relação a ele. (p. 185).

Na segunda questão subjetiva, foi perguntado aos sujeitos quais ações poderiam ser desenvolvidas no Campus Belém para combater a transfobia e outras formas de discriminação relacionadas ao gênero. 47% deram como respostas palestras, debates e conscientização; 33% citaram que se precisa de formação de professor; e outros 20% não responderam à pergunta. A seguir, destacamos algumas falas.

Sujeito E 1 - Práticas educativas com toda a comunidade escolar e formação continuada com os docentes e técnicos para uma educação inclusiva e em diretos humanos.

Sujeito E 2 - O Campus não tem que se preocupar nem incentivar crise de identidade de "crianças" que ainda nem sabem o que querem.

Sujeito E 3 - Acho que existe apenas mulher e homem como os únicos dois gêneros, não existe extraterrestre e o homem deve se educar para ser macho e mulher deve se educar para ser fêmea.

Sujeito E 4 - Palestras, a liberdade de escolha do uso dos banheiros, rodas de conversas, eventos comemorativos em datas importantes para comunidade LGBTQI+. Analisar o quadro docente, para que não haja discriminação por parte dos mesmos. Projetos de extensão com o curso de biologia para debater a parte biológica dos assuntos, projetos com pedagogos e psicólogos também.

Observa-se em algumas respostas do grupo dos estudantes o quanto ainda existe a ideia de que só existem dois gêneros, como colocado pelo sujeito E 3. Outros acreditam que discutir o tema é incentivar a “crise de identidade” entre crianças, como observamos na fala de E 2. O que preocupa nessas falas é a transfobia que elas carregam, negando a existência das pessoas trans.

Peres (2009) destaca que

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A partir da exclusão familiar e da vizinhança, as relações estabelecidas entre travestis, transexuais e transgêneros e a escola também se mostram bastante prejudicadas. A escola apresenta muita dificuldade no trato da orientação sexual e de identidade de gênero, mostrando-se muitas vezes insegura e perdida diante das cenas que não estão presentes em seus manuais. Neste sentido, reifica os modelos sociais de exclusão por meio de ações de violência (discriminação e expulsão) ou de descaso, fazendo de conta que nada está acontecendo (não escuta as denúncias da dor da discriminação). (PERES, 2009, p. 245).

Identificamos muito preconceito em algumas falas que não devem ser naturalizadas. É necessário que ações de enfrentamento à transfobia sejam mais enérgicas; que não sejam ações pontuais, realizadas apenas em datas que lembram a diversidade da comunidade LGBTQI+. Consideramos pertinente que sejam medidas frequentes, que estejam presentes nas disciplinas, na formação de professores, em debates em sala de aula, em palestras, em didáticas realizadas, etc.

De todos os estudantes que participaram da pesquisa, apenas um sujeito se identificou como sendo do gênero oposto a seu sexo de nascimento, como sujeito trans. O respondente que se identifica como trans não respondeu a nenhuma das duas questões subjetivas do questionário. O silenciamento pode revelar muitas coisas, entre elas o medo dos sujeitos trans de falarem, por conta da violência e negligência que sofrem por vezes durante todo o percurso acadêmico.

Finalizando, destacaremos o último grupo mais participativo do estudo: os técnicos, com mais de 20% de respondentes: 64% das respostas são de mulheres.

Em relação à primeira questão subjetiva da pesquisa sobre como o Campus Belém tem acolhido as identidades de gênero e orientação sexual, o grupo de técnicos administrativos apresentou respostas bem distintas entre si: 55% deram respostas diversas, 27% não responderam, e outros 18% disseram não haver acolhimento. Destacamos algumas das percepções:

Sujeito T 1 - Identidade e orientação sexual é papel da família, então, toda ação nesse sentido é mais que suficiente ou desnecessária

Sujeito T 2 - Ainda há muito o que avançar no IFPA quanto ao reconhecimento e garantia de direitos de pessoas cuja orientação sexual e/ou identidade de gênero destoam da norma. Embora exista uma resolução que reconhece o uso do nome social no instituto, o uso de banheiros conforme identificação de gênero ainda não está regulamentado de modo a garantir o reconhecimento dessas identidades no exercício de seus direitos básicos. Também ainda é insuficiente o debate institucional acerca das pautas de pessoas transsexuais da comunidade acadêmica.

Sujeito T 3 - De forma bem informal e incipiente. Muitos não têm conhecimento de nada e a falta de informação gera mais preconceito e desrespeito.

Como observado em outros grupos, as respostas dos técnicos são diversas entre si. Enquanto alguns acreditam que a temática é pauta da família e lhes cabe essa orientação; outros têm o entendimento de que o IFPA necessita de ações de enfrentamento da transfobia e que a resolução é insuficiente para garantir os direitos dos sujeitos Trans no Campus Belém.

Na segunda questão subjetiva da pesquisa, 55% citaram como medidas a serem desenvolvidas: palestras e debates; 18% responderam formação de professor, e 27% não responderam.

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Sujeito T 4 - Pautar em debate amplo as demandas de pessoas trans, incentivando e favorecendo a sua participação nos espaços de decisão e na construção de um instituto menos excludente e mais saudável para o seu pertencimento e desenvolvimento. Esse é um debate que pode comparecer e ser incentivado em diferentes espaços e formatos, tais como fóruns, seminários, consultas públicas, também sendo acolhido como assunto curricular, nos debates cotidianos de sala de aula e outras atividades formativas, seja no ensino, seja na pesquisa e na extensão

Sujeito T 5 - Ampliar o debate e as informações sobre a questão à comunidade em geral, especialmente aos docentes e servidores mais velhos, que possuem certa dificuldade em compreender o assunto.

Sujeito T 6 - Politicamente, não acho prudente ações específicas para a população LGBTQIA+, mas essa temática deve constar em ações gerais, sobre direitos humanos por exemplo, que envolva préconceito religioso e afins. Ações sobre o tema, quem deve ouvir primariamente não comparece.

Sujeito T 7 - Basta Respeitar o "ser humano" e entender q o meu direito acaba quando começa o direito do meu próximo.

Podemos perceber nas falas que a maioria tem consciência da relevância do tema abordado. Destacam a importância do respeito e a pertinência do combate a todo e qualquer preconceito, incluindo o transfóbico. Percebem-se como membros de uma comunidade acadêmica e o quanto ampliar o conhecimento sobre a transfobia e violações de direitos é papel de todos na instituição.

Analisando as respostas dos três grupos abordados no estudo, podemos perceber que parcela significativa dos sujeitos que trabalham ou estudam dentro do IFPA Campus Belém não consegue identificar nenhuma ação de enfrentamento à transfobia nas dependências da instituição. Muito sequer tem conhecimento da resolução existente sobre o nome social, que garante direitos dentro dos espaços públicos a pessoas trans.

Dos resultados emerge que existe ainda no Campus Belém uma parcela de docentes, técnicos e estudantes que acreditam que a transfobia não é um assunto que deva ser debatido na instituição, indicando um preconceito enraizado que não admite outros gêneros sem ser o feminino e o masculino ou que a morte dos sujeitos trans não merece atenção. Tais indiferenças ou negligências legitimam a transfobia e promovem mais intolerância, invisibilidade e marginalização das pessoas trans.

A grande maioria dos docentes, discentes e técnicos participantes da pesquisa propuseram medidas de enfrentamento como debates, palestras, formação. Porém, o mais importante foi perceber que eles compreendem que há transfobia e violência de gênero no Campus, uma vez que ressaltam os risos, piadas, ironias e olhares, visíveis e latentes. Consideramos significativo que os docentes reconheceram que, algumas vezes, estão despreparados para falar de assuntos como gênero e sexualidade, e que precisam de formação e capacitação, corroborando, assim, o que teóricos como Louro (2000) e Junqueira (2009) já trouxeram em suas pesquisas, ao ressaltarem que é necessário que docentes tenham formação para abordar gênero e sexualidade na escola. Compreendemos que:

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A cultura escolar está permeada de conflitos. Entendemos que a escola reproduz violações de direitos e violência contra pessoas de orientação sexual diversa da “norma”, mas também constitui espaço privilegiado de reflexão, troca de conhecimentos e experiências de vida e de novas aprendizagens. Trata-se de educar para a cidadania, valendo-se da potencialidade de estudantes e profissionais da área da educação visando à formação de uma cultura democrática que tenha como ponto de partida o reconhecimento e o respeito às questões relativas à diversidade sexual e à identidade de gênero. (HAGE, 2011, p. 50)

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As marcas dos preconceitos vivenciados na escola pelos alunos trans perduram pela vida e por muito tempo; são comuns os relatos de violências, de humilhações e xingamentos, presentes na grande maioria das instituições educacionais.

No IFPA, o uso do nome social precisa avançar, ampliando os direitos da população trans, como o uso do banheiro, ainda um tema tabu dentro de nossa instituição. Daí a relevância de ampliarmos a compreensão da comunidade acadêmica do Campus Belém sobre transfobia e sobre a Resolução 363/2017- CONSUP-IFPA, no intuito de fortalecer o reconhecimento da diversidade de gênero e sexual em uma instituição de formação profissional.

5Consideraçõesfinais

O direito ao uso do nome social não acaba com o preconceito vivenciado todos os dias pelas pessoas LGBT principalmente travestis e transexuais dentro das instituições de ensino, mas já se constitui em um grande avanço para o reconhecimento das diferenças e o respeito à diversidade sexual, fortalecendo a igualdade de direitos. O índice de evasão escolar é alto entre a população trans, vítimas de discriminação, preconceitos e estigmas, sendo cotidianamente impedidos de serem quem são nos ambientes escolares, tendo o percurso formativo interrompido.

Portanto, a Resolução 363/2017 do IFPA como parte da política de inclusão da diversidade sexual e de gênero, em construção na instituição, tem potencial para contribuir na permanência dos estudantes trans nos campi do IFPA. Contudo, é fundamental que os gestores e equipes multiprofissionais planejem e executem de forma integrada com a comunidade ações como as apontadas pelos interlocutores da pesquisa – cursos, palestras, produção de materiais informativos, etc., dando amplitude ao conhecimento do tema e das práticas de combate à transfobia e demais preconceitos de gênero e orientação sexual.

Concluímos que a Resolução 363/2017, de 01 de setembro de 2017, embora seja um avanço no sentido de reconhecer a diversidade da identidade de gênero, rompendo com o binarismo de feminilidade e masculinidade, enquanto política de combate à transfobia é insuficiente, pois ainda é desconhecida da maioria da comunidade acadêmica. Sua efetividade também depende dos avanços de outras ações, como o reconhecimento do uso do banheiro por homens e mulheres trans nos campi do IFPA, além da escuta e participação das pessoas trans na construção e avaliação das políticas e ações.

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Submetido em: 5 fev. 2022

Aceito em: 3 jun. 2022

DOI: 10.19180/1809-2667.v24n22022p680-694

Saberesedisposiçõesparaadocência:umestudocomprofessoresdeLibras doensinosuperior

Lucinara Bastiani Corrêa https://orcid.org/0000-0003-4878-8098

Mestre em Educação Profissional e Tecnológica pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Santa Maria/RS – Brasil. E-mail: lucinara.correa@iffarroupilha.edu.br.

Vantoir Roberto Brancher https://orcid.org/0000-0003-2829-7320

Doutor em Educação (2013) pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha – Santa Maria/RS – Brasil. E-mail: vantoir.brancher@iffarroupilha.edu.br. Luana Cassol Bortolin https://orcid.org/0000-0003-1129-4625

Graduada em Pedagogia pelo Centro Universitário Internacional e em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora de arte na Secretaria Municipal de Educação Uruguaiana e coordenadora de formação continuada de arte da Prefeitura Municipal de Uruguaiana – Uruguaiana/RS – Brasil. E-mail: luana.cassol@hotmail.com.

Resumo

Este artigo tem como objetivo conhecer os saberes docentes que são mobilizados pelos professores de Língua Brasileira de Sinais (Libras) no Ensino Superior. A profissão de professores de Libras é relativamente recente, sendo que passou a existir no Brasil com a oficialização da Libras como língua de comunicação e expressão das pessoas surdas brasileiras através da Lei nº 10.436/2002. Dessa forma, pesquisar os saberes docentes se torna importante na qualificação na formação de professores de Libras. Através de uma metodologia qualitativa, foi possível entrevistar seis professores de Libras atuantes do Ensino Superior; tais entrevistas foram categorizadas pela análise de conteúdo (BARDIN, 2016) para a posterior interpretação. Autores como Nóvoa (2009), Tardif (2014) e Cunha (2010) referenciaram teoricamente para as discussões sobre a docência em Libras. Como resultado, os dados mostram as distintas origens desses saberes que se estabeleceram desde a entrada na escola como alunos e se desenvolvem ao longo da vida. Desse modo, indicam a temporalidade da formação e desenvolvimento profissional, sendo um processo contínuo, a importância do trabalho coletivo e das trocas entre os pares como um dispositivo de formação significativo.

Palavras-chave: Saberes docentes. Libras. Ensino Superior. Formação. Docência.

Knowledge and provisions for teaching: a study with higher education Libras teachers

Abstract

This article aims to get to know the teaching knowledge that is mobilized by Libras (Brazilian Sign Language) teachers in Higher Education. The profession of Libras teachers is relatively recent, and it came into existence in Brazil with the officialization of Libras as a language of communication and expression for Brazilian deaf people according to Law 10436/2002. Thus, researching teaching knowledge becomes important in qualifying the training of Libras teachers. Through a qualitative methodology it was possible to interview six Libras teachers working in Higher Education. The interviews were categorized by content analysis (BARDIN, 2016) for further interpretation. Authors such as Nóvoa (2009), Tardif (2014), and Cunha (2010) theoretically referred to the discussions about teaching in Libras. As a result, the data showed the different origins of this knowledge which have been established since entering school as students and developing throughout life. Furthermore, it indicated the temporality of training and professional development, as a continuous process, and the importance of collective work and the exchanges between peers as a device of significant training

Keywords: Knowledge Teaching. Libras. Higher Education. Training. Teaching.

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Saberes y disposiciones para la docencia: un estudio con profesores de Libras de educación superior

Resumen

Este artículo tiene como objetivo conocer los saberes didácticos que movilizan los profesores de Lengua de Signos Brasileña (Libras) en la Educación Superior. La profesión de profesores de Libras es relativamente reciente, habiendo surgido en Brasil con la oficialización de Libras como lengua de comunicación y expresión de las personas sordas brasileñas a través de la Ley N.º 10.436/2002. De esta forma, la investigación del saber docente cobra importancia en la cualificación de la formación de los profesores de Libras. A través de una metodología cualitativa, fue posible entrevistar a seis profesores de Libras que trabajan en la Educación Superior; dichas entrevistas fueron categorizadas por el análisis de contenido (BARDIN, 2016) para su posterior interpretación. Autores como Nóvoa (2009), Tardif (2014) y Cunha (2010) referenciaron teóricamente discusiones sobre la enseñanza en Libras. Como resultado, los datos muestran los diferentes orígenes de este conocimiento que se establece desde que ingresan a la escuela como estudiantes y se desarrollan a lo largo de la vida. Así, indicando la temporalidad de la formación y el desarrollo profesional, siendo un proceso continuo, la importancia del trabajo colectivo y los intercambios entre pares como dispositivo significativo de formación.

Palabras clave: Saber didáctico. Libras. Educación superior. Capacitación. Docencia.

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1Introdução

A docência da Libras, como uma profissão reconhecida, se estabeleceu a partir de muitas lutas do Povo Surdo, as quais levaram ao sancionamento da Lei nº 10.436/2002 e do Decreto nº 5.626/2005. Ambos estão embasados em conceitos como o de Comunidade, Cultura e Identidade Surdas, que levam a uma concepção de diferença e não mais de deficiência (BRITO, 2013; DALL’ALBA, 2013; SKLIAR, 1997), relativas aos sujeitos surdos.

Pode-se dizer que é uma profissão relativamente recente, que se estabeleceu nas Instituições de Ensino Superior (IES) a partir do ano de 2006 com as determinações do Decreto supracitado, ao mesmo tempo em que um curso de Licenciatura em Letras/Libras abriu suas primeiras turmas. Assim, pesquisar como os professores de Libras de IES mobilizam os saberes docentes é importante e qualificador para a formação e o fortalecimento da profissionalização para atuação dos professores da área.

Considerando os autores Tardif (2014), Cunha (2010) e Nóvoa (2009) foi possível delinear a pesquisa sobre os saberes dos docentes de Libras surdos e ouvintes atuantes em duas IES com o intuito de se conhecer as disposições mobilizadas na prática desses profissionais.

Nessa perspectiva, os saberes da prática docente surgem como um modo de ressaltar a profissionalização do ensino. A formação de professores está além da graduação e abarca também o trabalho desenvolvido pelo profissional na escola, por exemplo. Segundo Tardif (2000), os saberes dos professores também são construídos e modelados no local de trabalho, com a prática com os alunos, desse modo a reflexão e a conversa coletiva com os colegas são determinantes para o desenvolvimento profissional.

Desse modo, este artigo consiste em um recorte revisado da pesquisa realizada no período de 2015-2017, que culminou na dissertação de Corrêa (2017)1. O enfoque dessa escrita são os saberes dos professores de Libras surdos e ouvintes atuantes em duas instituições do Ensino Superior do RS, que são mobilizados no processo teoria e prática na sua atuação.

2Saberesdocentes:Pressupostosteóricos

Na contemporaneidade, autores como Tardif (2014) e Cunha (2010) têm se dedicado a tentar sistematizar o que denominam de saberes necessários à docência, ou em uma mesma perspectiva com o que Nóvoa (2009) e Garcia (1999) vão denominar de disposições. Ambos convergindo a um mesmo ponto: a intrínseca relação entre a pessoalidade e a profissionalidade dos professores na constituição de sua identidade profissional, ou de seu processo identitário (NÓVOA, 2000); a complexa e diversificada natureza dos componentes de sua atuação que precisam ser considerados em sua formação.

Tardif (2000) sinaliza os saberes docentes como algo plural e heterogêneo que perpassa vários espaços e influencia na prática pedagógica. Assim sendo, no Quadro 1 é possível perceber os saberes classificados epistemologicamente.

1 O projeto de pesquisa que originou este trabalho foi encaminhado para apreciação pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Instituto Federal Farroupilha, a fim de obter respaldo legal e ético na sua forma e realização. O início da pesquisa somente ocorreu após a liberação por este Comitê sob o número 54945616.0.0000.5574.

Saberesedisposiçõesparaadocência:umestudocomprofessoresdeLibrasdoensinosuperior Lucinara Bastiani Corrêa, Vantoir Roberto Brancher, Luana Cassol Bortolin 682 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.24, n.2, p. 680-694, maio/ago. 2022

Quadro 1. Definição Saberes Docentes a partir de Tardif (2000) SABERES

DEFINIÇÃO

Saber Disciplinar Correspondem aos diversos campos do conhecimento, aos saberes que se encontram integrados às universidades sob a forma de disciplinas.

Saber Curricular Discursos, objetivos, conteúdos e métodos pelos quais as instituições escolares categorizam e selecionam os modelos de currículo.

Saberes Experienciais

Formação Profissional

São fruto da experiência e por ela são validados. Incorporam-se à experiência individual e coletiva pelo habitus e de habilidades, de saber-fazer e saber-ser.

Correspondem àqueles apreendidos nas instituições de formação profissional, inicial e continuada, sobre as doutrinas ou concepções advindas das reflexões sobre a prática educativa.

Fonte: Adaptado de Tardif (2000)

No Quadro 1, ficam explícitos os saberes dos professores classificados de modo organizado. Na prática docente, conforme Tardif (2000), esses saberes ficam como uma espécie de amálgama e misturam-se de modo a dar origem à práxis.

Para Cunha (2010, p. 19), “os saberes dos professores também são heterogêneos e constituídos a partir de múltiplas origens”, que se organizam em alguns núcleos, relativos ao campo pedagógico. Ainda a autora pressupõe a docência como uma ação complexa, na qual, em sua prática pedagógica, o professor aciona os diferentes saberes para a consolidação da prática (CUNHA, 2010). Os saberes dimensionados por Cunha (2010) dialogam com os aspectos relacionais e contextuais que permeiam o trabalho e que também fazem parte da formação docente.

Nóvoa (2009) traz algumas disposições importantes para a prática do professor: o conhecimento, a cultura profissional, o tato pedagógico, o trabalho em equipe e o compromisso social. Essas disposições, segundo o autor, dimensionam a profissão do professor à dimensão subjetiva inseparável de sua prática, o trabalho científico não é suficiente para definir a profissão, deve-se destacar o ser professor, a pessoaprofessor (NÓVOA, 2009). A pessoalidade no centro da profissionalidade demanda reflexão e autoanálise do profissional, visto que seus modos de ensinar estão relacionados ao seu jeito de ser, à sua biografia e ao seu trajeto formativo. O tato pedagógico depende da comunicação e de saber se relacionar com o outro; nessa ótica, a pessoalidade está em torno da profissão.

Além disso, todos os docentes de Libras, colaboradores desta pesquisa, possuem formação em nível de graduação em cursos de Licenciatura; sendo assim, estão familiarizados com os saberes “profissionais incluindo os das ciências da educação e da pedagogia” (TARDIF, 2014, p. 33) que remetem aos conhecimentos didáticos e pedagógicos mobilizados em sua práxis. Entretanto, sendo os saberes oriundos de “múltiplas origens e plurais” (TARDIF, 2000, p. 14), dizem respeito à história de vida e cultura escolar anterior dos professores. Dessa forma, também são compostos por conhecimentos disciplinares adquiridos na formação inicial ou por conhecimentos curriculares, quer dizer, o próprio saber dos professores está ligado à experiência do trabalho e, em tradições peculiares, ao ofício de professor.

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3Metodologia

A partir de uma metodologia qualitativa, foram realizadas entrevistas individuais, do tipo semiestruturada, com professores de Libras. Os colaboradores da pesquisa foram professores surdos e ouvintes efetivos em duas Instituições de Ensino Superior do Rio Grande do Sul. As entrevistas foram gravadas em vídeo com colaboradores surdos e realizadas em Libras, com a autorização de cada um, para que não se perdessem detalhes de suas falas.

A utilização desse procedimento na pesquisa se justifica pelo fato de a Libras ser uma língua de modalidade gestual-visual que demanda uma forma de registro distinta (vídeo) daquela utilizada para as línguas orais-auditivas (gravador de voz). No caso dos docentes ouvintes, a entrevista foi somente gravada em áudio. A partir daí, seguiram-se os seguintes passos: transcrição, devolutiva e análise dos dados produzidos.

Para análise dos dados, optou-se pela Análise de Conteúdo, seguindo os pressupostos de Bardin (2016), que a define como pré-análise, exploração do material, categorização e inferência.

A opção por essa forma de análise se deu em função da busca por uma possível compreensão do que está implícito ou explícito nas narrativas, na tentativa de classificá-los em categorias temáticas, relacionadas ao contexto histórico, psicológico, político e social do narrado e do vivido. Cabe salientar que foram utilizadas letras do alfabeto A, B, C, D, E e F, acompanhados das letras S, no caso de colaborador surdo e O, para colaborador ouvinte, como forma de nomear os colaboradores e preservar sua confidencialidade. No Quadro 2, pode-se ver o codinome de cada colaborador e sua respectiva formação.

Quadro 2. Perfil dos Participantes de Pesquisa PROFESSORES FORMAÇÃO INICIAL

Professor AS Instrutor de Libras e Licenciatura em outra área

Professor BS Instrutor de Libras e Licenciatura Letras/Libras

Professor CO Licenciaturas Educação Especial e Letras/Libras

Professor DS Bacharelado outra área e Licenciatura em Letras/Libras

Professor EO Licenciatura Educação Especial

Professor FO Licenciatura Educação Especial Fonte: Adaptado de Corrêa (2017)

A participação dos colaboradores nesta pesquisa precisou de seus aceites com a assinatura da Carta de Apresentação e o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Esta pesquisa teve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

4Resultados,análiseediscussãodosdados

Nas narrativas dos professores de Libras, colaboradores desta pesquisa, há, pelo menos, dois elementos a serem considerados inicialmente, os quais os apontam como constituintes de seus trajetos formativos e presentes em suas práticas pedagógicas por encontrarem ressonâncias nos autores trazidos anteriormente: “saberes heterogêneos e constituídos a partir de múltiplas origens” e o “contexto da prática pedagógica”.

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Dessa maneira, das narrativas, destacam-se os trajetos percorridos na constituição desses saberes.

O Professor AS expressa a aprendizagem ao longo de sua escolarização de forma sucinta, mas significativa:

Professor AS - […] eu acho que de cada professor que passou acabou deixando uma coisa sabe. […] eu tenho uma coisa talvez muito antiga: pra mim professor é aquele que dá aula, que traz o programa, o seu conteúdo. Então eu tenho algumas coisas assim ainda. E eu tive alguns professores, não é que sejam maus professores, mas a forma como eles percebem a docência, como deve ser ministrar uma aula, é se jogando no chão, indo ao pátio fazendo uma ciranda. Então para ele deve fazer algum sentido, mas para mim eu tenho um sentido mais tradicional, digamos assim, do que é ser professor do que é uma sala de aula.

O Professor DS fala com gratidão de alguns professores que marcaram sua constituição identitária pessoal e profissional, em diferentes momentos de sua vida:

Professor DS - […] aprendi muito, muitas coisas junto com essas duas professoras (na infância). Lembro-me das duas porque me ensinavam muitas coisas. Sou muito grata a elas. Elas me ajudaram muito na construção da minha identidade surda. São exemplos pra mim. Nunca esqueci delas. E agora somos colegas de novo. Eu fiquei muito feliz em encontrá-las em minha vida de novo.

Em período posterior, já com mais idade, o Professor DS ingressou na escola de surdos desenvolvendo trabalho administrativo e foi convidado pelo diretor da escola a ser instrutor de Libras, sendo que estava cursando o Letras/Libras. Dessa experiência, relata o seguinte:

Professor DS - […] Ele me incentivou e me auxiliou na questão dos materiais, planejamento, recurso, conteúdo, questões didáticas, da forma como trabalhado no L/L, e ali eu comecei. Depois, com o passar do tempo fui trabalhar em um curso particular, do [X], ele me ajudou muito com o planejamento do curso e disciplina de Libras, com o conteúdo também. Eu perguntava o que precisava ensinar, olhávamos juntos, está OK e desenvolvia. Eu aprendi muito, aproveitei que estava estudando L/L e observava, estudava profundamente as questões de organização e planejamento e fui melhorando. Quem me ajudou a começar foi este professor surdo.

Nesses relatos, estão presentes os saberes referentes ao contexto pedagógico que foram desenvolvidos no contato com os pares mais experientes e é apontada a importância atribuída a eles, já que, embora estivesse cursando a licenciatura específica para formar-se professor de Libras, considera essas experiências significativas em sua formação. O Professor BS também se refere à aprendizagem da docência ter tido início na observação de outros professores:

Professor BS - […] vendo os professores de lá que me ensinaram a desenvolver o perfil deles como profissionais professores. Observei bastante. E quando eu fui atuar eu trouxe um pouco do jeito deles para me constituir. E comecei estudar como estimular os alunos surdos. A importância de pensar como ensinar a eles.

Aqui, encontram-se indícios de constituição do professor artesão trazido por Gianini (2012, p. 140), o qual demarca:

[…] o modelo do professor artesão, que tinha a possibilidade de construir saberes docente na troca com vários outros professores, o que vai permitir impulsionar e partilhar a criação de procedimentos de ensino e de comportamentos em sala de aula, que a deviam ser cumpridos de forma precisa. Para ensinar era necessário, então, dominar o conteúdo, um método e estratégias para desenvolvê-lo.

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Talvez por se acreditar somente no domínio de conteúdo, é preciso recorrer à imitação de “bons” mestres ou mestres representativos, no entanto, se aprofundar os estudos, talvez seja possível construir as disposições necessárias ao ensino de Libras.

No entendimento de Nóvoa (2009), os elementos abordados pelos professores entrevistados referem-se a uma das “disposições para a docência”, qual seja “a cultura profissional” relativa ao contexto institucional e suas práticas de registros e avaliações, as quais são aprendidas no convívio e diálogos com pares mais experientes no próprio contexto educacional. Cunha (2010, p. 21) também menciona a “dimensão relacional e coletiva das dimensões do trabalho e dos processos de formação” que envolvem o trabalho coletivo, a formação entre pares, parcerias entre professores e atores educacionais, tendo como referência “contextos vivenciais”.

Nesse sentido, o Professor CO acrescenta elementos relativos à temporalidade presente na constituição dos saberes dos professores:

Professor CO - Uma coisa eu tenho aprendido e que eu não me arrependo de fazer, por exemplo, são aulas abertas. Por exemplo, profissões. Eu não chego à sala de aula com uma lista de profissões, que eles não têm interesse. Interessa pra ele é saber a profissão dele, as profissões que ele tem contato: do pai, da mãe, da namorada. […] então essas aulas abertas, elas me colocam como professora numa situação, como é que eu vou te dizer, assim, que eu não tenho tanta segurança. Porque é muito mais fácil para o professor chegar à sala de aula com uma lista, tu entendeste, com uma aula rígida, com uma aula fechada e sair imaginando: ai dei conta de tudo.

Aqui, o Professor CO indica, para além do desenvolvimento profissional ao longo do tempo e da formação que ocorre no viver a docência em contexto real de atuação, a preocupação com o “incentivo à curiosidade dos alunos, de envolvimento com a proposta de ensino e com as tarefas dele decorrentes” que Cunha (2010, p. 21) denomina “Saberes relacionados com a ambivalência da aprendizagem”. Todavia, aproxima-se também dos “saberes relacionados com o contexto sócio-histórico dos alunos”, dado que, ao propor “uma aula aberta”, se permite conhecer um pouco da história dos alunos, seus interesses, os sentidos e significados que os movem e, dessa forma, os estimula e incentiva para a aprendizagem. Retomando essa questão, o Professor AS também declara:

Professor AS - No começo fazia a mesma ementa para todas as turmas, mas à medida que o tempo foi passando, senti falta de algo diferenciado. Fui buscar informações, conversar com outros professores de outras cidades, trocamos conhecimentos e isso contribuiu para modificar de maneira satisfatória o conteúdo.

Mais uma vez aparecem as trocas entre os pares como importante qualificador da docência, além do fator temporal. Embora o processo de formação demande a reflexão e o comprometimento do professor consigo, com suas crenças, valores e sentidos - significações -, também é importante a troca, as discussões, enfim, o intercâmbio com os colegas, com os alunos e com o contexto de atuação.

Tardif (2000, p. 13), por sua vez, considera que “os saberes dos professores são temporais, ou seja, são adquiridos através do tempo”: relativo ao tempo vivido enquanto alunos, mas também aos primeiros anos de prática enquanto professores que irão edificar o “saber experiencial” (TARDIF, 2000, p. 14), ao tempo vivido na carreira, sendo um “processo de vida profissional, bem como fases de mudanças” (TARDIF, 2000, p. 14). Dessa maneira, as significações que os profissionais têm da docência, as interações com os pares, as dificuldades encontradas no processo de ensino são elementos que irão contribuir na composição do saber experiencial.

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No entanto, em outro de seus estudos, Tardif (2002) considera que os saberes dos professores demandam ser sustentados por uma base teórica de reflexão, não podendo serem, simplesmente, entendidos como possíveis de serem adquiridos somente na prática, ou seja, no “aprender fazendo”.

Sendo assim, tais saberes são construções do sujeito, que devem ser refletidas a partir de uma gama de conexões, sendo que exigem planejamento, justificativa, entendimento e reflexão, visto que terão ressonância no contexto da prática pedagógica. Cunha (2010) relaciona com as teias sociais e culturais do espaço, onde o processo de ensino e aprendizagem acontece e suas inter-relações, com a escola como instituição social e com as disciplinas e sua ressignificação na comunidade de aprendizagem. Nas falas dos colaboradores, a preocupação com o contexto da prática pedagógica repetiu-se várias vezes, conforme se vê nas narrativas a seguir:

Professor EO - Um bom professor de libras eu acho que é alguém que planeja, que pensa, por exemplo, em qual curso ele vai trabalhar. Então eu acho que esse professor de Libras ele tem que ter o discernimento de como ele vai trabalhar. Claro que ele tem aquela ementa para seguir, mas algumas coisas ele vai elencar de acordo com o que julgar mais importante para uma licenciatura ou para um bacharelado de uma engenharia, por exemplo.

Professor CO - Depende muito do contexto. Por exemplo, ser professor de Libras no bacharelado e ser professor de Libras na Licenciatura. E tem mais ainda, ser professor de Libras no bacharelado na área da saúde. […] então o interesse desse grupo é diferente, por exemplo, do interesse da licenciatura. A licenciatura quer fazer uma discussão mais pedagógica: como eu vou receber o aluno surdo em função das políticas públicas de inclusão).

Segundo Cunha (2010), um dos saberes que qualificam a docência como uma ação complexa é o saber relacionar o ensino ao contexto sócio-histórico dos alunos, ou seja, saber transpor didaticamente o que faça sentido ao aluno e para sua atuação profissional. Assim, seguem as outras narrativas:

Professor FO - […] E pensar muito no curso, se o curso é mais exato o que eu posso fazer uma dinâmica que seja mais peculiar para o curso dele, se o curso é da saúde então fazer uma dinâmica que eles possam trazer a área da saúde e usar Libras, fazer um vídeo que ensine escovar os dentes, por exemplo, para a Odontologia.

Professor AS - Quando eu trabalho com alunos ouvintes, preciso pensar que esses alunos querem se comunicar com pessoas surdas que estão inseridas na sociedade. Existe uma abordagem de ensino diferenciada para alunos surdos e ouvintes. […] no primeiro momento, observo o perfil dos alunos, pois não há um padrão. Existem alunos com mais dificuldades, por exemplo. A partir deste primeiro olhar, preparo o plano de aula. […] eu recebo a ementa, o conteúdo a ser ensinado e faço adequações a partir de pesquisas e observações. […] não há como manter sempre o mesmo modo de trabalho, com a mesma ementa para todos. Percebi que precisava desenvolver novos conteúdos, criar novas estratégias para despertar o interesse dos alunos. Então, as ementas são bem diferenciadas.

Nessas narrativas, vê-se a preocupação dos professores em trabalhar a disciplina de Libras de forma contextualizada com a realidade dos futuros profissionais que compõem aquelas turmas, sem perder de vista seu “objeto de trabalho”2 (TARDIF, 2000), ou seja, seus alunos. No mesmo viés, Cunha (2010, p. 21) aponta a importância dos saberes “relacionados com a ambivalência da aprendizagem”já citado anteriormente -, em que os professores incentivam a curiosidade e o envolvimento dos alunos.

2 Tardif (2000) considera que o professor no exercício da docência - por ser um trabalho realizado por seres humanos, para/com seres humanos, que embora pertençam a grupos, existem como indivíduos - deve considerar tais individualidades em sua prática profissional.

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A partir do olhar de Nóvoa (2009), os pontos trazidos pelos colaboradores se aproximam das disposições de docência que ele denomina como “tato pedagógico”, que diz respeito às relações e comunicações entre professores e alunos, sem a qual não é viável um processo de ensino e aprendizagem real; e com o compromisso social da docência que obriga os professores irem além da escola, “[…] comunicar com o público, intervir no espaço público da educação, faz parte do ethos profissional docente” (NÓVOA, 2009, p. 31). Entende-se que, ao se preocuparem com a utilização social da Libras por seus alunos de diferentes áreas do conhecimento, esses professores estão demarcando o compromisso social de sua docência. Ademais, os saberes dos professores de Libras - em Libras [conhecimento disciplinar/do conteúdo/da língua] - devem ser amplos, aprofundados e diversificados. Como aprender isso? Onde aprender tais especificidades? Onde buscar suporte para aprofundamento em áreas específicas? Os cursos básicos de Libras, aos quais se tem acesso, não possibilitam conhecimentos mais específicos. O curso de Letras/Libras oferece isso? Será que a formação inicial, mesmo em curso específico, dá conta da realidade de trabalho da Libras como L2 em diferentes cursos de formação?

Em Albres (2016), há um tópico de estudo dedicado ao curso de Letras/Libras, que auxilia a pensar isso. A autora indica que o primeiro curso de Licenciatura em Letras/Libras foi oferecido pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em modalidade EaD “para atender aos surdos interessados em ensinar a língua de sua comunidade e promover uma formação em massa” (ALBRES, 2016, p. 99). Essa colocação já demarca a intencionalidade de qualificar somente os surdos para o ensino da Libras. Nesse sentido, Ferry (1990, p. 50) indica que “lós dispositivos de formación (de lós enseñantes) son portadores de ideologias. No son útiles para todos lós fines”, quer dizer, o curso de Licenciatura foi pensado para promover, em primeira instância, a demarcação de um território de luta e resistência surda, como demarca Carvalho (2016).

A autora explicita também que todas as disciplinas e materiais utilizados no curso foram desenvolvidos em Libras, tendo, inclusive, os textos utilizados nas disciplinas dos núcleos de linguística e educação (metodologias de ensino) traduzidos para a Libras (CARVALHO, 2016). Mais um apontamento que chama a atenção é, segundo Albres (2016, p. 102-103):

Levantamos a questão de que o peso e dimensionamento dos conhecimentos atribuídos a esse curso (organizados em núcleos) estaria dimensionada em quantidade de horas inferior à necessária para uma formação consistente de professores, pois há disciplinas com conteúdo de ensino insuficiente – principalmente as da área pedagógica, e consequentemente estabelece dificuldades de cumprir os requisitos das diretrizes curriculares – formação docente. O núcleo menos privilegiado é pedagógico e isso faz falta para a atuação como professor.

Essa colocação indica que, mesmo em um curso específico para a formação de professores de Libras, a maior preocupação é com o conteúdo, ou seja, com a língua em si, deixando em segundo plano os saberes que compõem a docência. O interessante é observar que, nas narrativas dos colaboradores que não cursaram esta Licenciatura, há a crença de que esta é uma formação completa, que proporciona aos seus acadêmicos e aos futuros professores todos os saberes necessários ao exercício dessa docência, conforme pode-se verificar:

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Professor AS - Alguns surdos fazem o curso de Letras/Libras, pois o currículo é voltado para a licenciatura, bem aprofundado. O Letras/Libras é um curso completo, pois após concluir a formação, já pode trabalhar como professor. O curso proporciona todas as aprendizagens necessárias para atuar em diversos contextos: em escolas, universidades e outras instituições.

Professor FO - […] o Letras/Libras que é um curso completo que é uma formação de graduação quatro anos, que vai dar conta - eu não tenho essa formação - mas que vai dar conta da língua em si e da docência, eu acho. Não conheço a fundo o curso só aqui quando tinha as meninas que o fazem.

Considerando os estudos de Albres (2016, p. 102), conforme mencionado anteriormente, há um núcleo direcionado para os diferentes contextos de atuação – “Língua Materna, Segunda Língua e Literatura Surda”, como sugere o Professor D, porém deixa a desejar nos aspectos pedagógicos, mas está carregado de significações de “um curso completo”, desejo de muitos que não tiveram a oportunidade de cursá-lo, e de legitimador político de ocupação desse lugar.

Pelo visto até o momento, este curso não supre as necessidades específicas da prática pedagógica no ensino superior conforme as narrativas – conhecimento de sinais específicos de diferentes áreas, por exemplo. Nessa perspectiva, os colaboradores apontam, mais uma vez, a importância do “trabalho em equipe” (NÓVOA, 2009) - o qual implica um trabalho coletivo e colaborativo através de projetos educativos na instituição - e do “contexto da prática pedagógica” (CUNHA, 2010), ou seja, do espaço onde o processo de ensino e aprendizagem e suas inter-relações acontecem. Nessa direção, destacam-se as ações propostas pelos colaboradores na busca de qualificar seus fazeres:

Professor AS - […] acho que devemos compartilhar maneiras de melhorar o desempenho na docência. As pessoas têm experiências diversas, temos que incentivá-las para que transformem suas metodologias, que consertem sua maneira de ensinar. […] O contato com outros surdos também é essencial, essa troca de informações qualifica o profissional.

Professor CO - Eu faço parte no WhatsApp de vários grupos do Brasil, […] A gente encaminha vídeos perguntando qual é o sinal daí o pessoal lá do Norte põe o sinal, o pessoal de Santa Catarina, o pessoal de Pernambuco, o pessoal do Rio Grande do Sul. E aí a gente vai fazendo uma análise. Se esse sinal é o mesmo em todo o Brasil ou se tem uma especificidade regional. Isso é bem bacana, porque tem que trabalhar em sala de aula.

Nóvoa (2009) pontua a importância da partilha dos conhecimentos entre os professores para o desenvolvimento e articulação profissional, por isso a importância de, nas universidades, também ter a oportunidade de relação entre os docentes. Assim, segue nas narrativas a importância das trocas com os demais colegas de profissão:

Professor EO - São várias coisas que ao longo do que vai acontecendo nas disciplinas, ou mesmo dentro do departamento e da universidade que vai batendo com a gente, e a gente vem pensando. Quando eu digo “a gente” eu digo dos professores de Libras, pois a gente faz muitas trocas, a gente vem pensando na realidade que a gente tem, porque afinal de contas a gente pode dizer que a universidade é uma pioneira com relação à quantidade de professores de Libras, de professores surdos e de alunos surdos.

Professor FO - […] onde eu vou achar atualização ou um lugar pra pensar na minha formação se eu não tenho esses espaços? É no “cara a cara”, no dia a dia com os meus colegas mesmo. Aquilo de sentar e as necessidades que a gente tem que se transforma em projeto. O que fazemos, de alguma forma é criar um projeto, pensar em projeto que de conta da nossa demanda, mas não tem um “lugar” aonde me atualizo, aonde eu trabalho com a minha formação a não ser entre nós mesmos em algum projeto.

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Percebe-se, nessas narrativas, que há a necessidade de ampliação dos espaços de formação no sentido de aprofundamento linguístico e didático na área, sendo que a formação permanente para o docente de Libras tem sido uma busca incessante de suprir lacunas existentes na prática a partir de um trabalho localizado e colaborativo. Não havendo, então, um “espaço”3 ou um “lugar”4 definido para tais formações, sendo ainda ações mais ou menos isoladas, tendo em vista o exposto por todos os colaboradores, que podem ser sintetizados na fala de Professor F:

Professor FO - E se a gente pensar um curso, um departamento que tem nove professores de libras ouvintes e surdos, que espaço a gente tem pra pensar na nossa formação e ai que esta o papel da gente pensar, gente fazer uma hipercrítica do nosso próprio grupo: ta na hora da gente propor uma formação para o professor de libras, nós não temos em Santa Maria uma atualização entende. Onde a gente continua falando do nosso papel de professor de libras é na nossa sala aqui, nos corredores ou particularmente com um colega ou quando a gente faz a reunião dos professores de libras, mas assim cursos pra nos atualizar pra falar da nossa profissão de libras nós não temos.

A partir de tudo que foi disposto até aqui, entende-se que seja importante olhar explicitamente para os saberes profissionais dos professores a partir do que Tardif (2000, p. 10) chama de uma “epistemologia da prática profissional [entendido por ele como] o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar suas tarefas”. Nesse intuito, utilizar-se-á mais uma vez a fala dos colaboradores para elencar os saberes da prática pedagógica em seus contextos de atuação:

Professor FO - Primeiro o que é mais importante é: Quem é esse sujeito? E ai têm as disciplinas que dão conta disso, mais a psicologia, mais essa vertente. Depois é a parte mais didática, mais técnica que é a metodologia, isso que é necessário para a profissão docente. Daí dentro disso tem as coisas subjetivas: mesmo que tu tenhas disciplinas que te ensinem técnicas de metodologia, tem coisas que estão só na F - os princípios, os valores que tu vais usar de “temperos” pra dar essa tua aula, se tu vais tentar dar o melhor de ti, se tu vais fazer mais ou menos, se tu vais tentar melhorar tua prática todo o dia. E para ser o professor de Libras a mesma coisa, você vai ter que ter tudo isso e conhecimento de língua, isso é base.

Do mesmo modo, o Professor DS reforça como primeiro saber o conhecimento da Libras, conforme trecho a seguir. Além disso, entrelaça a pessoalidade com a profissionalidade:

Professor DS - O professor precisa saber a Libras, buscar entender a língua. Precisa estratégias de ensino, sinto que precisa entender tudo sobre a língua, o foco deve ser a Libras, os alunos precisam entender isso. Também sobre a comunidade surda, essas coisas. O professor precisa ter alegria, ser mediador, expressivo, estimular os alunos, eu gosto disso. É preciso ser sério e ter cobranças – não pode ter bate-papo entre os alunos que atrapalhe a aula. É necessário atenção na Libras porque ela é visual. Se ficarem de bate-papo podem atrapalhar a aula. Precisa estimular, mas precisa ser responsável. Ter controle, eu sinto isso. Estar atenta, observar a turma, pois precisa participar, avaliar e eu sinto que ser responsável, cuidadoso e ter o controle é importante. Eu sou participativa, aviso, combino, faço planejamento e mostro – peço, por favor, olhem me avisem se vão faltar participar em congresso, curso, me avise! Essas trocas são importantes, esta comunicação entre nós. Sempre são combinados que eu considero importantes. Ter responsabilidade.

3 Baseado no conceito de espaço atribuído por Cunha (2010, p. 56) - remete ao elemento físico, podendo ser uma sala de aula, uma sala de professores, um departamento, que “podem ser mapeados com facilidade”.

4 Ainda baseado em Cunha (2010), refere-se aos sentidos e significados atribuídos aos espaços.

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Por sua vez, o Professor AS aponta os saberes disciplinares e a identidade do professor como importantes no processo de ensino-aprendizagem:

Professor AS - O professor é aquele que ensina a teoria e a prática de Libras. Esse professor tem identidade, deve pensar em diferentes contextos, os regionalismos da Libras [e que] o surdo é construído na experiência visual, aprende através de uma língua visual e espacial. O bom professor é aquele que sempre incentiva, conversa, compartilha conhecimento, é exigente, pois sabe que isso proporciona a aprendizagem. Esse professor precisa ter leveza, ser alegre. Esse é o objetivo.

Aqui, o relato dos professores colaboradores sinaliza que a natureza dos saberes dos professores é também “personalizados e situados”, pois os professores “não são somente sistemas cognitivos, […] tem uma história de vida, é um ator social, tem emoções, um corpo, poderes, uma personalidade, uma cultura, ou mesmo culturas, e seus pensamentos e ações carregam as marcas dos contextos nos quais se inserem” (TARDIF, 2014, p. 15). Dessa forma, são saberes personalizados por terem sido “apropriados, incorporados, subjetivados” (TARDIF, 2014, p. 15) a partir da pessoa do professor e de todas as variáveis que a constituem, além da sua experiência e situação de trabalho, conforme apontado anteriormente em outros excertos.

Além disso, o Professor CO reafirma que a base para ser docente de Libras é saber a língua e as questões didáticas e pedagógicas de como ensiná-la, pontos igualmente mencionados pelos outros colaboradores. A narrativa é permeada por questões didáticas e pedagógicas relativas ao planejamento, elaboração de planos de ensino, seleção de conteúdo, metodologias, bibliografias e processos avaliativos, enfim, saberes que envolvem o fazer docente.

Professor CO - Questões da morfologia, da sintaxe, da semântica, da fonologia me encantam, me desafiam, e esses saberes são saberes necessários sim, são saberes necessários para que eu seja professora de Libras. […] saber conduzir uma aula, como se portar no ensino superior como professor de língua.

No entendimento do Professor EO, os saberes necessários ao professor de Libras são:

Professor EO - Primeiro, claro, é a questão da língua. Não que o professor tenha que saber toda a questão da linguística da Libras, não é isso pois como eu disse a língua está em constante movimento. Mas saber por que esses alunos estão tendo essa disciplina; quem vai ser o sujeito que esses futuros professores poderão encontrar na sala de aula, [e situar] de onde ele veio, que língua o constitui. Toda a questão do planejamento da língua é primordial, eu acho. […] um bom professor de Libras é alguém que planeja, que pensa quais estratégias que ele pode utilizar, pensa na dinâmica da sua aula, que busca leituras relacionadas ao ensino da língua, que não fique somente no ensino do ‘ABC’. Alguém que está sempre estudando, se atualizando, na constante procura/estudo, reflexão. Enfim, é professor.

Dessa maneira, nessa narrativa, os saberes da docência da Libras baseiam-se no conhecimento disciplinar específico e adentrando questões teóricas sobre os sujeitos surdos, mas vai além, lembrando que, apesar de ser um professor de uma área específica, continua sendo professor e deve lançar mão dos saberes que compõem a docência como um todo. Nóvoa (2009), Tardif (2000, 2014) e Cunha (2010) auxiliam nesse pensar ao apontarem que os saberes dos professores não se sustentam somente pelo saber disciplinar, mas necessitam ir além, envolvendo saberes da prática pedagógica, do contexto dessa prática e do objeto de ensino, ou seja, os alunos, pontos que vêm sendo tecidos ao longo do texto.

Na narrativa do Professor BS, os saberes listados vêm ao encontro dos demais, quais sejam:

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Professor BS - Principalmente conhecimento da Libras, formação e perfil certo. O professor precisa procurar estratégias diferentes e didática. Para o ensino superior com ouvintes o foco é o ensino da Libras e as estratégias serão para divulgar informações para que eles tenham conhecimento sobre os surdos, como é a cultura, a Lei, o decreto. Temas como: História de surdez - como começou, como veio para o Brasil; discussão sobre escola bilíngue e inclusão ou escola pura. Se responderem que é melhor a inclusão eu faço outras provocações - o professor conhece a Libras? Então? Provoco a discussão para refletirem. Também ensino configurações de mão, sinais contextualizados e depois peço que produzam em Libras um texto. Combino seminário temático em duplas sorteadas - por exemplo, cultura surda, história dos movimentos sociais surdos, o paradigma das leis para os surdos – eles compartilham isso com o grupo.

Esses discursos nos aproximam do processo identitário dos professores de Libras que colaboraram com esta pesquisa, o qual Nóvoa (2000, p. 16) relaciona as dimensões pessoais e profissionais como constituintes, “realçando a mescla dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor”. O autor parte do entendimento de que não é mais possível que a vida escolar seja reduzida às dimensões racionais, tendo a “convivialidade como valor essencial” (NÓVOA, 2000, p. 14) emergente das colocações de grande parte dos atores educativos. Além disso, atribui a crise de identidade dos professores como consequência, dentre outros fatores, da “separação entre o eu pessoal e o eu profissional” (NÓVOA, 2000, p. 15), enfatizada em pesquisas a partir da década de 1980.

No que lhe concerne, Pimenta (2008, p. 19) considera que a “identidade [docente] se constrói, a partir da significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições, também da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas”. Assim, a construção da identidade docente está relacionada às representações simbólicas da profissão instituídas através dos tempos, sendo uma construção histórica, social e cultural.

Tais considerações demonstram o complexo universo da atuação profissional do professor, bem como a complexidade de fatores que merecem ser considerados em sua formação. Em função disso, com as aproximações das narrativas dos professores de Libras do ensino superior - entre si e com os autores -, tenta-se delinear os saberes e as disposições necessárias para a docência que se vivificam em seus trajetos formativos. Embora demarquem - os colaboradores da pesquisa - o domínio do conteúdo - a línguacomo fator primeiro da atuação profissional, reconhecem a dinâmica do ensino, o conhecimento pedagógico e didático, bem como o reconhecimento do contexto de trabalho e dos alunos como importantes elementos a serem considerados na prática e, consequentemente, na formação.

Entretanto, se faz necessário o entendimento de que são saberes paralelos, que não podem ser hierarquizados, ou seja, tão importante como saber Libras, para ser docente, é saber ensiná-la. Caso contrário, é insucesso certo nessa tarefa. Sem qualquer um dos saberes, é impossível ser um bom professor de Libras.

5Consideraçõesfinais

No que se refere aos saberes e disposições para a docência, os professores entrevistados convergem no entendimento de que é importante saber o conteúdo específico - a língua - enquanto saber disciplinar, mas indicam também os saberes relacionados ao contexto da prática pedagógica, aos alunos, organização, planejamento e desenvolvimento da aula, enfim, os múltiplos saberes que envolvem a docência como um todo. Indicam, ainda, as distintas origens desses saberes que se estabeleceram desde a entrada na escola

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como alunos e se desenvolvem ao longo da vida, indicando a temporalidade da formação e desenvolvimento profissional, sendo este um processo contínuo.

Assinalaram, também, a importância do trabalho coletivo e das trocas entre os pares como um dispositivo de formação significativo, mesmo porque mostram não haver espaços e lugares instituídos para a formação continuada especificamente para o exercício da docência da Libras - saberes pedagógicos e didáticos -, nem mesmo no que se refere à apropriação das mudanças linguísticas.

Ao mesmo tempo que há poucos congressos, seminários e eventos sobre a linguística da Libras, menos ainda existe no que tange aos aspectos da docência da Libras em si. Assim, proporcionar a oportunidade de refletirem e narrarem sobre esses fatos se tornou, para boa parte dos colaboradores, uma provocação no sentido de se incluírem como atores/agentes no processo de promoção desses lugares de formação, tendo em vista que será mais significado se passar para dentro de sua profissão e vir ao encontro de seus desejos e necessidades.

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COMO CITAR (ABNT): CORRÊA, L. B.; BRANCHER, V. R.; BORTOLIN, L. C. Saberes e disposições para a docência: um estudo com professores de Libras do ensino superior. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 24, n. 2, p. 680-694, 2022. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p680-694. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16982.

COMO CITAR (APA): Corrêa, L. B., Brancher, V. R., Bortolin, L. C. (2022). Saberes e disposições para a docência: um estudo com professores de Libras do ensino superior. Vértices (Campos dos Goitacazes), 24(2), 680-694. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v24n22022p680-694.

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