Vértices v23n2 (maio/ago. 2021)

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Editorial (v23n2) A revista Vértices lança o seu segundo número de 2021, com a publicação de doze artigos de diferentes temáticas, com autores de várias instituições brasileiras que nos brindam com as suas pesquisas, contribuindo com a ciência e com a sua publicização. Assim, temos a imensa satisfação de apresentar os primeiros quatro artigos na área de Educação, sendo os dois primeiros de revisão: Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros; As concepções de criatividade na Base Nacional Comum Curricular de Língua Portuguesa; Evasão Escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015; Caracterização das questões de Biologia do Vestibular Estadual do Rio de Janeiro e do Exame Nacional do Ensino Médio. Em seguida, da área de Linguística temos o artigo: A "fantasia" da pandemia de Covid-19 em discursos políticos: as aspas e seus efeitos de sentido no gênero jornalístico artigo de opinião. De Serviço Social apresentamos o texto A importância dos indicadores sociais nas pesquisas voltadas para as relações raciais. A temática de Ciências Agrárias foi abordada em Severidade do míldio da cebola em plantio direto fertirrigado sob parcelamento de nutrientes e densidades populacionais. Na área de Ciências da Saúde temos dois trabalhos: Efeitos adversos da maquiagem para a área dos olhos e notificação no NOTIVISA e Avaliação do conhecimento da população do estado do Rio de Janeiro sobre a pandemia de Covid-19. Da área Ecologia e Meio Ambiente, o artigo Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019. Por último, das áreas de conhecimento Segurança do Trabalho e Engenharia Sanitária, os artigos Proposta de uma matriz de risco para programa de gerenciamento de risco em atividades rotineiras e Estudo de caso da eficiência do filtro de carvão ativado granular para remoção de ácidos haloacéticos em amostras sintéticas, respectivamente. Dando continuação à publicação dos pequenos textos sobre temas relacionados à redação científica, junto com o Editorial de nossos números, no presente Editorial abordaremos sobre a seção Material e Método, Método ou Metodologia do artigo científico. No primeiro número de 2021 trouxemos contribuições sobre a Introdução do artigo científico. A Introdução do artigo científico informa de “que” trata a investigação e o “porquê” de sua realização. Na sequência, a seção Material e Método, Método ou Metodologia esclarece “como”, “onde” e “quando” o estudo foi realizado. O autor fornece as informações necessárias e suficientes para o leitor entender a investigação, seus aspectos positivos e limitações. O conhecimento dos detalhes da pesquisa permite a avaliação da qualidade, aplicabilidade e replicabilidade dos resultados (VOLPATO, 2015). Desse modo, a seção Material e Método, Método ou Metodologia do artigo científico informa como a pesquisa foi planejada e como foi executada. É a seção que tem como principais funções: permitir que outros cientistas entendam a metodologia do estudo, de forma a poderem aceitar ou não os resultados e as conclusões; possibilitar que outros cientistas possam refazer esse estudo, de forma idêntica ou similar; e disponibilizar a forma de obtenção da base empírica (resultados) para outros cientistas. Assim, o objetivo dessa seção é apresentar aos leitores: i) a qualidade do estudo: a validade interna da investigação; ii) a aplicabilidade dos resultados: a validade externa da investigação e; iii) a replicabilidade da pesquisa (FERRAZ; NAVAS, 2016).

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A redação será mais bem conduzida se elaborada por itens e torna claro para o leitor os tópicos descritos. Redigir por itens auxilia o autor a não esquecer pontos relevantes da investigação, além de observar ainda aspectos na redação como o público a que o artigo se destina, das exigências estipuladas no periódico ao qual o artigo será submetido (PEREIRA, 2012). Os seguintes tópicos devem ser abordados na seção Material e Método, Método ou Metodologia (artigo original e de revisão): i) Tipo de delineamento; ii) Cenário da pesquisa; o local e a época em que se desenrolou; iii) Amostra de participantes; iv) Coleta de dados; v) Métodos estatísticos empregados; e vi) Aspectos éticos da investigação (PEREIRA, 2012). A extensão da seção estará condicionada ao que é necessário informar ao leitor para que ele entenda o que foi feito, possa repetir a pesquisa ou tenha condições de avaliá-la (VOLPATO, 2010). A leitura da seção não deve suscitar reflexões sobre o que foi provavelmente feito (MEDEIROS, 2016). O que se fez precisa estar claramente exposto. Especialmente quando esse conhecimento é essencial para fundamentar a conclusão da pesquisa (VOLPATO, 2015). Observe ainda as instruções aos autores no periódico que escolher para submeter o seu artigo. Leia a seção Material e Método nos artigos de boas revistas. Essa é uma prática que trará bons ensinamentos. Organize a redação do seu texto em subseções. Depois decida se a subdivisão permanece ou se deve ser apresentada como uma descrição narrativa contínua. A publicação deste segundo número da revista Vértices de forma antecipada é motivo de grande alegria e representa uma grande conquista que vem sendo planejada desde 2019 pelos editores, ou seja, publicar o número no início do interstício proposto. Ao longo desses vinte e quatro anos da Vértices essas publicações vêm sendo realizadas no final de cada quadrimestre (janeiro/abril, maio/agosto e setembro/dezembro), mas o presente número está disponível para nossos leitores três meses antes, possibilitando um acesso mais ágil aos artigos, confirmando nosso propósito de diminuir cada vez mais os prazos de editoração do periódico. Assim, agradecemos a todos que vêm colaborando com a revista, a equipe da Essentia Editora IFFluminense, os autores, os avaliadores, os organizadores de dossiês que têm participado ativamente dos processos de submissão, avaliação, revisão e publicação, tornando possível oferecer aos leitores uma revista de qualidade, dentro da sua periodicidade e pontualidade. Que as nossas energias possam ser renovadas e revigoradas diariamente, com ânimo e coragem para vencermos as dificuldades, não desistindo da luta! Uma ótima leitura a todas e todos!!

Inez Barcellos de Andrade Editora Assistente

Edson Carlos Nascimento Editor Associado

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Referências ABNT. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022:2018. Informação e documentação: Artigo de periódico em publicação técnica e/ou científica. 2018. FERRAZ, E. C.; NAVAS, A. L. G. P. Publicação de artigos científicos: recomendações práticas para jovens pesquisadores. São Paulo, 2016. Ebook. Disponível em: https://www.abecbrasil.org.br/arquivos/recomendacoes_publicacao_jovens_pesquisadores.pdf. Acesso em: 21 maio 2021. MEDEIROS, J. B. Redação de artigos científicos. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. PEREIRA, M. G. Artigos científicos: como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, c2012. VOLPATO, G. L. Método lógico para redação científica. São Paulo: Best Writing, 2010. VOLPATO, G. L. Guia prático para redação científica. São Paulo: Best Writing, 2015.

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Submetido em: 26 abr. 2021 Aceito em: 29 maio 2021

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p405-424

Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros Thaís Carneiro Carvalho https://orcid.org/0000-0002-6556-2122 Licenciada em Pedagogia e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de Viçosa (UFV) – Viçosa/MG – Brasil. E-mail: thaiscarvalho471@gmail.com. Caio Corrêa Derossi https://orcid.org/0000-0001-9762-7392 Licenciado em História e Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de Viçosa (UFV) – Viçosa/MG – Brasil. E-mail: derossi.caio@gmail.com. Karla Helena Ladeira Fonseca https://orcid.org/0000-0002-2370-3281 Bolsista FAPEMIG. Graduada em Pedagogia e Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de Viçosa (UFV) – Viçosa/MG – Brasil. E-mail: karlaladeira1@gmail.com.

Resumo No presente artigo de abordagem qualitativa far-se-á um debate sobre os pontos comuns nos pressupostos de Paulo Freire e István Mészáros acerca da educação. Para tal, em um primeiro momento, foi feita a apresentação dos autores e suas principais contribuições para o campo. Através da utilização de conceitos e categorias emergentes da obra marxiana, os autores elegem a educação como ato político e, portanto, capaz de transformar a realidade. Entende-se que os sujeitos herdam as condições sociais que lhes foram transmitidas de forma pregressa e atuam conforme as possibilidades concretas da vida material, que comporão o ciclo de transmissão dando continuidade ao processo social e à história da humanidade. Nessa perspectiva, Paulo Freire e István Meszáros defendem a promoção da educação como instrumento emancipador dos sujeitos, processo iniciado pelo reconhecimento dos homens frente às condições histórica, econômica e social. No ano de comemoração do centenário de Paulo Freire, o presente artigo se apresenta como um convite: um convite à luta pela educação, pelo respeito, pelo reconhecimento e valorização dos trabalhadores da Educação. Palavras-chave: Consciência de classe. Desigualdade. István Mészáros. Paulo Freire. Educação emancipatória.

Emancipatory education: an approach between the concepts of Paulo Freire and István Mészáros Abstract In the present article with a qualitative approach, there will be a debate about the common points in the assumptions of Paulo Freire and István Mészáros about education. To this end, at first, the presentation of the authors and their main contributions to the field were made. Through the use of concepts and categories emerging from the Marxian work, the authors choose education as a political act and, therefore, capable of transforming reality. It is understood that the subjects inherit the social conditions that were transmitted to them in a previous way and act according to the concrete possibilities of material life, which will compose the cycle of transmission, giving continuity to the social process and the history of humanity. In this perspective, Paulo Freire and István Meszáros defend the promotion of education as an emancipatory instrument for the subjects, process initiated by the recognition of men in the face of historical, economic and social conditions. In the year of the celebration of Paulo Freire's centennial, this article presents itself as an invitation: an invitation to the fight for education, respect, recognition and appreciation of Education workers. Keywords: Class consciousness. Inequality. István Mészáros. Paulo Freire. Emancipatory education.

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Educación emancipadora: una aproximación entre los conceptos de Paulo Freire e István Mészáros Resumen En el presente artículo con enfoque cualitativo, se debatirá sobre los puntos comunes en los supuestos de Paulo Freire e István Mészáros sobre la educación. Para ello, en un primer momento se realizó la presentación de los autores y sus principales aportaciones al campo. Mediante el uso de conceptos y categorías emergentes de la obra marxista, los autores eligen la educación como un acto político y, por tanto, capaz de transformar la realidad. Se entiende que los sujetos heredan las condiciones sociales que les fueron transmitidas en forma previa y actúan de acuerdo a las posibilidades concretas de la vida material, que compondrán el ciclo de transmisión, continuando el proceso social y la historia de la humanidad. En esta perspectiva, Paulo Freire e István Meszáros defienden la promoción de la educación como instrumento emancipador de los sujetos, proceso iniciado por el reconocimiento del hombre ante las condiciones históricas, económicas y sociales. En el año de la conmemoración del centenario de Paulo Freire, este artículo se presenta como una invitación: una invitación a la lucha por la educación, el respeto, el reconocimiento y la valoración de los trabajadores de la Educación. Palabras clave: Conciencia de clase. Desigualdad. István Mészáros. Paulo Freire. Educación emancipadora.

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Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros Thaís Carneiro Carvalho, Caio Corrêa Derossi, Karla Helena Ladeira Fonseca

1 Introdução O presente artigo de abordagem qualitativa e de natureza bibliográfica e documental objetiva propor uma aproximação entre os pressupostos teóricos de Paulo Freire e István Mészáros para o campo educacional, com especial atenção para a categoria de educação emancipadora, que articula o texto e as contribuições dos autores. Para tanto, com base nas teorias de Karl Marx, pensador que inspira de sobremaneira os pesquisadores estudados, reconhece-se a educação como ato político e, por conseguinte, emancipador e capaz de transformar a sociedade, por meio da agência dos sujeitos. Tanto Freire quanto Mészáros apostam em uma educação, que, por ter como característica principal a emancipação, fomente a ação social em prol da ruptura das condições de desigualdades vigentes, reconhecendo as idiossincrasias dos contextos vividos e construídos, bem como o ser humano como partícipe ativo da construção de uma sociedade mais justa. O texto ainda tem um caráter especial, pois representa, em primeiro lugar, um movimento de reconhecimento de parte do legado de Paulo Freire, no ano de seu centenário de vida. Em um segundo momento, o artigo sinaliza para um esforço de resistência e de luta pela educação, em um cenário sensível, de desinvestimento público de recursos para o setor, bem como um pedido de justiça pelas mais de quatrocentas e sessenta mil mortes, em decorrência da pandemia de coronavírus e da ingerência estatal. Em termos de organização, excetuando-se a introdução e as considerações finais, o artigo está dividido em três seções. A primeira concentrará em destacar os aspectos de vida, de formação e de produção acadêmica de Paulo Freire. A segunda fará um movimento análogo com as perspectivas de István Mészáros. Cumpre destacar que os elementos sublinhados dos pensadores estão articulados ao ponto central da educação emancipadora. A terceira discute a educação enquanto processo histórico, observando os sujeitos e os contextos, com a finalidade de sinalizar os limites e as potencialidades da educação emancipadora na/para formação humana.

2 Paulo Freire: a educação emancipadora e comprometida com o social A presente seção traz na forma de uma visada panorâmica os principais destaques da vida, da formação e da obra de Paulo Freire, refletindo o campo educacional e a educação emancipadora. Considerado um dos educadores mais influentes na contemporaneidade com reconhecimento mundial, Freire (1921-1997) teve suas obras eternizadas no campo da Educação. Fazem parte da sua vasta produção literária: “Educação como Prática de Liberdade” (1967); “Pedagogia do Oprimido” (1968); “Cartas à Guiné Bissau” (1992) e “À sombra desta mangueira” (1995). Todas essas ocupam lugar de destaque na literatura brasileira, sendo a “Pedagogia do Oprimido” uma obra de grande repercussão entre os educadores. Nesse livro, Freire problematiza a educação descomprometida com o ser social, ressalta a importância da tomada de consciência pelo homem e a sua ressignificação na estrutura social através do reconhecimento de classe. Para o autor, a alienação é um grave problema passível de ser superado por meio da educação emancipatória. Nessa perspectiva Freire ressalta a premência do homem se tornar um sujeito consciente da sua realidade, sendo esse o requisito primordial para o processo de desalienação. Somente assim será possível se desprender da condição de oprimido outrora naturalizada, e promover a mobilização com vistas à superação da opressão. Na “Pedagogia do Oprimido”,

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Paulo Freire propõe uma explicação da importância e necessidade de uma pedagogia dialógica emancipatória do oprimido, em oposição à pedagogia da classe dominante, que contribua para a sua libertação e sua transformação em sujeito cognoscente e autor da sua própria história através da práxis enquanto unificação entre ação e reflexão (CABRAL, 2005, p. 200).

O objetivo do autor é incentivar a promoção da educação emancipatória capaz de libertar os sujeitos e mobilizá-los a agir coletivamente para transformar a realidade. Germano (1997) retrata que em 1963 uma notícia subvertia as manchetes que retratavam o contexto da região Nordeste brasileira. A fome, a miséria e a seca deram espaço para a educação, em virtude do que ocorria no município de Angicos, no Rio Grande do Norte, que em 45 dias alfabetizou 300 trabalhadores do campo. A ação realizada por 15 estudantes de Ensino Superior virou foco de pesquisadores e veículos de imprensa do Brasil e do mundo, uma vez que a educação foi e é um desafio para todos. O processo se dava no encontro dos alfabetizandos nos círculos de cultura, que não tinham como objetivo central o domínio das técnicas de leitura e de escrita, mas sim, que aqueles sujeitos se entendessem como atores e autores da sua própria história, e construtores da realidade social que partilhavam. Nesse sentido, Freire (1967) acreditava que a educação era o ponto essencial para a mudança do quadro de ignorância da população e posterior ampliação dos processos democráticos. Cumpre ressaltar que a ignorância não se refere apenas ao analfabetismo, mas também corresponde à falta de participação e de gerência em processos coletivos, que faziam com que o povo não conseguisse se enxergar como sujeito que pode optar e decidir sobre os caminhos que trilha. Freire integrava o Movimento de Cultura Popular de Recife em Pernambuco, trabalhando diretamente com a educação de jovens e adultos. Nesse sentido, toda a sua proposição educativa era dialógica, na perspectiva que tensionava os conhecimentos teóricos e as produções pregressas com as experiências, os vocabulários dos educandos. E no decorrer desse processo, a perspectiva libertadora da educação acontece, a partir do reconhecimento processual das consciências ingênua e crítica. Cumpre ressaltar que Freire (1983) afirmara que muitos criticavam a sua perspectiva de alfabetização como doutrinadora e criavam sentidos negativos ao uso dos termos emancipação, liberdade e conscientização utilizado por ele. Entretanto, o autor advoga que a sua proposição encaminha justamente para o reconhecimento do sujeito enquanto ator histórico e atuante no mundo, fazendo com que ele entenda os processos de desigualdade dos quais ele (não) participa. Segundo Beisiegel (2010), Freire estava muito animado com o êxito da experiência de alfabetização no Rio Grande de Norte, tanto pelos rápidos resultados, quanto pela forma que a leitura e a escrita eram propiciadas, a partir da discussão da realidade e dos problemas locais e nacionais. Assim, visto o seu envolvimento com a educação popular e de jovens e adultos, Freire dirige em 1960 a Divisão de Pesquisas do Movimento de Cultura Popular (MCP) da prefeitura de Recife. Em 1962 foi diretor do Serviço de Extensão Cultural da Universidade de Recife que, em 1965, passa a ser denominada de Universidade Federal de Pernambuco. Em 1963 foi presidente da Comissão Nacional de Cultura Popular, criada pelo Ministério da Educação e em 1964 foi coordenador do Programa Nacional de Alfabetização, podendo propor para o segmento de jovens e adultos a experiência educativa análoga à de Angicos. Freire já contava com mais de 15 anos de experiência com a educação de jovens e adultos trabalhadores do campo e da cidade. Porém, o próprio autor reconhecia os números aquém com relação a alfabetização e ao próprio processo de escolarização. Freire retrata, em 1967, a existência de 16 milhões de analfabetos, entre jovens e adultos a partir de 14 anos e de 4 milhões de crianças que não frequentavam 408 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 405-424, maio/ago. 2021


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a escola, embora estivessem em idade escolar. Nesse sentido, a aposta de Freire para a educação passava pela democratização da cultura, para gerar a emancipação e fomentar os ideários da democracia. Germano (1997) retrata que a proposta de educação de jovens e adultos despertou o interesse do presidente João Goulart que em 1963 compareceu ao encerramento de atividades de um círculo de cultura em Angicos. O contexto vivido nos anos de 1960 era bastante dinâmico em termos de movimentação e organização popular. Nesse sentido, os variados sindicatos de trabalhadores, as ligas camponesas, as comunidades eclesiais de base (CEBs), o movimento de educação de base (MEB) e as agremiações de juventudes universitária, católica e operária se reuniam em torno das reformas política, econômica, fiscal, agrária e educacional propostas por João Goulart. O MEB, que era ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), atuou em regiões do nordeste brasileiro, historicamente reconhecidas pelas condições precárias de vida, e pautava suas ações educativas a partir dos princípios freirianos. Em uma dimensão internacional, o mundo vivia o período da Guerra Fria (1946-1991) que marcava a disputa ideológica das potências que representavam o capitalismo e o socialismo, Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, respectivamente. O clima de perseguição e de propaganda contrárias ao comunismo se intensificou após o êxito da Revolução Cubana de 1959. Voltando ao Brasil, desde a década de 1950 no governo Vargas, já se tinha um descontentamento por parte da elite em razão das suas políticas nacional-trabalhistas, que oferecia aumento do salário mínimo, estatização do petróleo e controle das remessas de dinheiro das empresas estrangeiras. A situação política é tensionada ainda mais na década de 1960, com a política externa independente proposta por Jânio Quadros, que retomava as relações diplomáticas do Brasil com países socialistas, como Cuba e China. A renúncia de Jânio e a posse de João Goulart sinalizavam que as políticas de cunho trabalhista e contrárias às desigualdades iriam continuar. Nesse sentido, Germano (1997) destaca que havia o entendimento de que era necessário investir na educação de jovens e de adultos para que o país alcançasse o desenvolvimento. Assim, a criação do Plano Nacional de Alfabetização, em 1964 orientado pelos pressupostos de Freire, entendia a educação como um instrumento capaz de mudar a sociedade, em razão do seu potencial de formação da consciência política de participação popular. Portanto, para Freire (1967), as demandas e reivindicações feitas pelo povo consciente de seus direitos e de sua realidade empreenderiam mudanças nos campos econômico, técnico e político. Logo, fica explícita a premissa freiriana (1989) que educar é um ato político, não podendo ser neutro, já que no decorrer do seu processo a criticidade e a autonomia vão sendo constituídas, revelando a consciência da participação e das suas relações com o mundo. Desse modo, a educação, sendo um ato político, torna-se uma ação de criação, já que não trata apenas de memorizar ou repetir sílabas e/ou conteúdos, mas sim de construir relações, significações entre os saberes e o mundo, refletindo, assim, as questões que são próprias do sujeito e do contexto. Entretanto, as ações foram suspensas com o advento do Golpe Civil-Militar de 1964 que, nas palavras de Germano (1997, p. 391) representou: […] a reação das classes dominantes, e dos seus aliados norte-americanos, de amplos setores das classes médias e das Forças Armadas redundou na deposição de Jango e na implantação de um regime político de cunho ditatorial cuja principal preocupação era estancar, conter, as mobilizações sociais. É claro que a repressão atingiu duramente o campo educacional, a educação popular. Entre os atingidos encontrava-se, evidentemente, Paulo Freire: preso, processado, exilado, considerado subversivo.

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O que se observou, portanto, foi o reconhecimento da educação popular como uma ameaça aos interesses dos grupos ligados às elites. A educação crítica, que busca a conscientização política, a participação e a emancipação foram postas sob à égide de comunistas, não tendo mais espaço para elas na conjuntura presente. Freire ficou 72 dias presos após o golpe e depois foi exilado no Chile. Em 1968 lança sua obra “Pedagogia do Oprimido”, que foi publicada em 1970 nos Estados Unidos e em 1974 no Brasil. Os 21 anos de ditadura civil-militar foram marcados por violência, repressão, tortura, prisões ilegais e perseguição a sindicatos, organizações e entidades populares da sociedade civil e ligadas a instituições religiosas. Houve uma destacada ação da propaganda e de órgãos de controle e censura que ditaram os modi operandi do período em meio a resistências diversas. Já no final da década de 1970, com o desgaste do regime e a marcada transição democrática segura, lenta e gradual, homologa-se a Lei nº 6.683 de 1979 (BRASIL, 1979), que anistiou quem praticou e quem sofreu as sanções do regime. Nesse sentido, cabem dois comentários principais. O primeiro é que Paulo Freire retorna ao Brasil depois do seu exílio, com grande reconhecimento internacional, e vai trabalhar na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) com uma série de obras produzidas que seguiam a perspectiva da educação como ato político. O outro ponto que merece destaque é que a configuração da Lei da Anistia que perdoou quem praticou as ações da ditadura, ponto inédito quando observada outras normativas do tema nos demais países, não possibilitou que o país se reencontrasse com a própria história, fomentando revisionismos, negacionismos e até pedidos de retorno dos militares ao poder e ataques a instituições democráticas no contexto de emergência de ideias neoconservadoras.

3 István Mészáros: a crítica ao modelo educacional capitalista A presente seção faz a partir de uma mirada panorâmica o levantamento dos principais aspectos de vida, de formação acadêmica e das obras de István Mészáros. Em relação ao autor, trata-se de “um filósofo conhecido por abordar temas como a globalização; a crise do capital; o imperialismo econômico; a sociologia do trabalho; o movimento socialista e demais assuntos do marxismo contemporâneo” (GONÇALVES, 2010, p. 632). Nascido em 1930 e falecido em 2017, o filósofo húngaro se interessa pelas questões de filosofia e política ainda na juventude, em razão do trabalho de operário que realizava em uma fábrica junto com a mãe. Para além das condições laborais precárias, o que mais o incomodava era a diferença salarial entre ele e a sua mãe, embora ela tivesse uma carga horária de trabalho igual ou superior à dele. Estudou com o filósofo Georg Lukács e se tornou um dos mais conhecidos comentaristas de sua teoria. Foi professor emérito da Universidade de Sussex no Reino Unido e teve a recepção de suas obras no Brasil a partir da década de 1980 com o livro “A Teoria da Alienação em Marx”. Mészáros tem como proposições a crítica ao capitalismo, marcando a revisão das bases da sociedade e do sistema como um todo, direcionando para o socialismo viável e as mudanças nas práticas educativas superando a perversidade do capital, que representa o fomento das desigualdades em suas distintas ordens. A respeito da sua obra A educação para além do capital, trata-se de um ensaio produzido para a abertura do Fórum Mundial de Educação realizado em Porto Alegre no ano de 2004. O pequeno volume da obra é proporcionalmente inverso à sua relevância para a compreensão do papel da educação na organização social. De forma densa, o autor expõe a complexa relação existente entre a educação e o capital, ressaltando a urgência de se romper com a lógica vigente.

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Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros Thaís Carneiro Carvalho, Caio Corrêa Derossi, Karla Helena Ladeira Fonseca

Inicialmente, em sua obra, Mészáros apresenta citações de Paracelso (século XVI), José Martí e Marx acerca da educação, a fim de demonstrar a necessária mudança estrutural que possa nos levar para além do capital (ALBUQUERQUE; TAFFAREL, 2008). Posteriormente ele discorre acerca do capitalismo e seu impacto sobre a educação, e afirma que as soluções para superação do sistema não podem ser apenas formais, elas devem ser essenciais. Além disso o autor defende que a vida é aprendizagem desde a juventude até a velhice. Mészáros vê na educação a possibilidade da transcendência positiva da autoalienação do trabalho. O autor assinala as potencialidades do conhecimento para a promoção da mudança social. Recorrendo a Marx e Gramsci, ele faz uma retrospectiva historiográfica das ideologias que direcionaram as políticas educacionais no capitalismo (OLIVEIRA, 2006). Mészáros entende que a proposição de emancipação realizada por Marx está intimamente ligada com as questões educacionais. Embora não se tenha uma obra marxista específica para a educação, o tema se apresenta como um componente contextual do período retratado em seus livros (FRIAS, 2006). O projeto emancipador de Marx que libera os sujeitos da condição de opressão e que os ascende ao reconhecimento dos diversos níveis de consciência, começa para Mészáros na transformação educativa, tendo, portanto, a educação papel fundamental na crítica ao capital. O autor inserido na sua crítica ao capitalismo prevê que o sistema educacional deve ser revisto em suas bases, desde as heranças do Iluminismo, que formaram o ideal do homem moderno direcionado ao trabalho alienado, como pode ser observado nas diretrizes da educação fabril de Adam Smith até as fases atuais do capital, que mantêm a educação como reprodutora das desigualdades e dos discursos dominantes. Nesse sentido, a doutrinação e a internalização, são as duas categorias centrais que Mészáros nos apresenta para a crítica ao modelo educacional capitalista e necessárias ao novo projeto de sociedade. Na visão meszariana, a doutrinação representa as tentativas e as ações, na maioria das vezes, bemsucedidas, de que os indivíduos sejam educados para aceitar com naturalidade as condições impostas pelo capital, mesmo que elas sejam alienantes e reprodutoras das desigualdades. A perspectiva doutrinadora é alimentada ainda pelos discursos que apontam a ausência de alternativas e/ou de possibilidades de outros caminhos a serem percorridos, uma vez que, o capitalismo, através da doutrinação, foi posto como valor social corrente, ordem natural, racional e ideológica sofisticadas que não se devem alterar. Já a internalização é para Mészáros a forma que a doutrinação ganha maior força, já que se refere aos processos de legitimação dos interesses capitalistas nas distintas bases da sociedade, ganhando aparência democrática e legal. Dessa forma, o sujeito internaliza as demandas e as pressões do modelo capitalista, inviabilizando as possibilidades de mudanças educacionais e dos valores preconizados na sociedade. Desde a obra “A Teoria da Alienação em Marx”, Mészáros (2006) já dispõe que internalização é um mecanismo central para a manutenção da ordem vigente do capitalismo, pois legitima e justifica o uso de violências diversas como prática necessária à conquista de seus objetivos. Assim, para o autor (2006, p. 44), […] enquanto a internalização consegue fazer seu bom trabalho assegurando os paramentos reprodutivos gerais do sistema do capital, a brutalidade e a violência, podem ser relegadas a um segundo plano (embora de modo nenhum sejam permanentemente abandonadas) posto que são modalidades dispendiosas da imposição de valores.

A crítica meszariana sobre o processo de internacionalização do capital se intensifica quando encontra os estabelecimentos de ensino que são, para o autor, uma das instituições responsáveis por formar e internalizar os pressupostos capitalistas nos sujeitos. O autor destaca, porém, que embora não sejam os únicos a cumprir esse papel, existe um papel preponderante dos sistemas educativos. Desse modo, para Mészáros (2005, p. 44), 411 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 405-424, maio/ago. 2021


Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros Thaís Carneiro Carvalho, Caio Corrêa Derossi, Karla Helena Ladeira Fonseca as instituições formais de educação certamente são uma parte importante do sistema global de internalização. Mas apenas uma parte. Quer os indivíduos participem ou não por mais ou por menos tempo, mas sempre em um número de anos bastante limitado das instituições formais de educação, eles devem ser induzidos a uma aceitação ativa (ou mais ou menos resignada) dos princípios orientadores dominantes na própria sociedade, adequados a sua posição na ordem social e de acordo com as tarefas reprodutivas que lhe foram atribuídas.

A partir do destaque, percebe-se que o movimento de internalização é relevante, pois para além das questões da doutrinação, é requerido que as demandas do capital sejam colocadas de forma a parecerem legítimas, racionais e indispensáveis, tendo os aparelhos ideológicos do Estado um papel fundamental na inserção dos indivíduos para o cumprimento das proposições do sistema, bem como para preconizar reformas que estão a serviço dos interesses do capital. Na perspectiva meszariana, a internalização propõe que os sujeitos projetem para si a reprodução das metas e dos objetivos do sistema capitalista. Logo, quando o indivíduo toma para si os objetivos educacionais pró-capital, ele se afasta, cada vez mais, do sentido de educação defendido por Mészáros, sintetizado pela epígrafe supracitada de Paracelso. Assim, a internalização é entendida por Mészáros como um mecanismo que garante a autosssustentação dos princípios capitalistas, defendidos na educação formal, que acaba por criar um movimento de consenso, de conformidade institucional e legal, que perpetua a ideia de que nada pode ser mudado. Em direção oposta à aceitação da alienação e das reformas educacionais implementadas sob a égide do capital, Mészáros propõe um entendimento de educação ampliado, que não se restringe aos processos educativos formais, que como dito, endossam a reprodução das práticas capitalistas. Dessa forma, o autor (2005, p. 48) escreve sobre sua proposta educativa que: Considerando esse mais amplo e mais profundo significado da educação, que inclui de forma proeminente todos os momentos da vida ativa, pode concordar com Paracelso em que muitas coisas (praticamente tudo) é decidida para o bem ou para o mal, não apenas para nós como indivíduos mas simultaneamente também para a humanidade, em todas aquelas inevitáveis horas que não podemos ‘passar sem aprender’, isto porque a aprendizagem é a nossa própria vida.

Diferenciando do processo educativo do capital, que doutrina e internaliza interesses restritivos, Mészáros, novamente baseado em Paracelso, aproxima o aprender e o ensinar da vida cotidiana e das relações sociais das quais os sujeitos participam. Assim, na visão meszariana, existe a demarcação do compromisso social da educação com a transformação da sociedade, não podendo ficar ela sujeita às amarras do capital. Nesse sentido, o autor propõe um projeto educacional que é composto pela formação continuada das consciências a partir do modelo socialista, concebendo a educação de forma articulada com a mudança abrangente da sociedade. Mészáros frisa esse ponto, pois a formação da consciência socialista é o ponto de partida para a emancipação e para o reconhecimento de agência no processo de transformação social, subvertendo a ordem capitalista contrária a qualquer tipo de mudança estrutural. A proposta de Mészáros ainda prevê que, a partir da educação como principal aliada para a formação da consciência socialista, se apresente uma crítica histórica dos modelos educativos prócapitalistas, bem como de seus instrumentos de doutrinação e internalização, orientando o par ensinoaprendizagem para as experiências da própria vida, da própria realidade social. Nesse sentido, os processos da formação da consciência socialista, aliados aos demais fatores, conduzirão as transformações educacionais e a escrita de uma nova história.

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O autor entende que a formação da consciência socialista é um desafio, principalmente no contexto atual de sociedade, mas que ela deve ser posta em prioridade, entendendo as dimensões de seus caracteres teórico e prático. Desse modo, Mészáros na obra “O desafio e o fardo do tempo histórico” reafirma que é através da consciência socialista formada que se conseguirá a intervenção e posterior mudança na sociedade, uma vez que para ele (2007, p. 302): o papel da educação socialista é muito importante nesse sentido, sua determinação interna simultaneamente social e individual lhe confere um papel histórico único, com base na reciprocidade pela qual ela pode exercer sua influência e produzir um grande impacto sobre o desenvolvimento social em sua integridade.

Em razão das questões impostas pelo tempo em que vivemos, o desenvolvimento da consciência socialista faz-se necessário para que junto de uma nova filosofia educacional alcancemos os pressupostos de uma educação que forme para a vida e que desenvolva integralmente os sujeitos. Mészáros (2005, p. 17) ainda nos alerta que, em paralelo com a formação da consciência socialista, os sujeitos devem buscar e defender propostas sólidas de uma educação transformadora, já que Naturalmente não é qualquer teoria que poderia fazê-lo. Uma vez que se tratava de constituir uma relação apropriada entre teoria comprometida com a ideia de uma mudança societária fundamental e com a força material que poderia fazer a diferença, era preciso satisfazer algumas condições de importância vital, sem as quais a ideia defendida da “teoria que penetra nas massas” equivaleria nada mais que um lema moralista vazio, como frequentemente foi o caso do discurso sectário/elitista.

Assim, a obra de Mészáros demonstra que é possível pensar em uma sociedade e em uma educação que transpõem as barreiras do capital, a partir da formação da consciência socialista, pautada em ações sistematizadas para o trabalho e para a transformação social da ordem vigente. O autor sublinha que tanto para as mudanças quanto para a formação da consciência, as questões educacionais não podem ser concebidas de forma apartada da sociedade, a fim de empreender a constituição de novos valores, bem como subverter as ordens da doutrinação e da internalização, que naturalizam as demandas de desigualdade e de reprodução dos interesses capitalistas. Nesse sentido, a educação tem papel fundamental para a conquista da emancipação dos sujeitos, uma vez que se configura como um instrumental potente para o enfrentamento do sistema capitalista e posterior mudança social. Nas palavras do autor (2007, p. 307), somente por meio do mais ativo e constante envolvimento da educação no processo de transformação social-alcançado pela sua capacidade de ativar a reciprocidade dialética e progressivamente mais consciente entre os indivíduos e sua sociedade- é possível transformar em força operativa, efetiva, historicamente progressiva e concreta o que no início podem ser apenas princípios e valores orientadores genéticos.

Logo, Mészáros propõe uma organização de ações em prol da mudança da educação e da sociedade capitalista, comprometida com as propostas da agenda socialista e com o compromisso social da educação e do educador com a mudança do mundo em que vivemos. Em meio às variadas crises presentes na contemporaneidade, Mészáros entende que elas podem ser chaves para a esperança ativa de subversão da ordem vigente, tendo a educação um papel central de duas vias. A primeira refere-se ao impacto causado pela crise do capital e as tendências de reprodução da alienação. Pela outra via, a educação é uma das responsáveis pela transformação da sociedade, uma vez que, depois de superadas a alienação e a internalização, 413 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 405-424, maio/ago. 2021


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os sujeitos podem encontrar um sistema teórico-prático que os forma e os desenvolve integralmente, superando o modelo excludente do capitalismo. Tal como exposto nos escritos de Freire, Mészáros indica que é preciso promover a formação das consciências para que seja possível romper com o domínio do capital, fortalecer a militância política e fomentar a mudança social (SANTOS; BERTOLDO, 2016). A aproximação das concepções de Freire e Mészàros é reafirmada por Hasse (2016) que assinala “[…] a coadunação das ideias de ambos autores, que partem da compreensão da sociedade tendo como parâmetro o ser humano e que tendem a resgatar o sentido estruturante da educação e de sua relação com o trabalho”. Paludo (2015) destaca que ambos autores têm a educação como ato político e, portanto, deve ser compreendida em sua totalidade e reconhecida como parte estruturante da sociedade. Nessa mesma perspectiva, Almeida (2004) e Contreras (2012) endossam o viés ontológico e humanista presente em ambos autores na proposição de ações que promovam a superação da alienação através da conscientização das camadas populares, tornando-as capazes de romper com o ciclo de naturalização do capitalismo.

4 Educação: uma questão histórica O contexto social e político da educação brasileira é permeado por uma história de negligência e exclusão no qual a educação é marcada pela influência eurocêntrica, pela herança colonial de exploração e pelas profundas desigualdades sociais. À vista disso, a educação consiste em um subproduto cultural histórico da dominação imposta de fora para dentro, do centro para a periferia. O analfabetismo, a crise da escola, e a dificuldade de aprendizagem da maioria dos alunos evidenciam que a educação nacional representa e sempre representou problema social grave que impede a construção de uma nação efetivamente democrática (GUIMARÃES-IOSIF, 2009, p. 23).

A busca pela justiça e igualdade em uma sociedade fundamentada nos princípios liberais, traz em sua concepção a meritocracia como um instrumento de manutenção dos diferentes estratos sociais nos quais a sociedade foi elaborada. Até a década de 1960, a orientação escolar estava diretamente vinculada ao nascimento do indivíduo, ou seja, a ele seria ofertada a escolaridade condizente à sua classe. A discussão da justiça escolar na atualidade tem como ponto central a igualdade de acesso. Entretanto, o acesso à escola não garante o nivelamento da igualdade e não torna a competição que se estabelece, no contexto educacional, justa. Isso ocorre devido aos diferentes contextos sociais, econômicos e culturais nos quais os alunos estão inseridos, os quais exercem total influência sob sua trajetória escolar. Nesse cenário ocorreram importantes transformações no pensamento de Paulo Freire, que salienta que somente a mudança interna dos indivíduos não ocasionará a transformação da realidade como um todo, que para isso será preciso romper com a realidade opressora. Essa conscientização ocorre a partir da apreensão da história e do marxismo, da compreensão daquilo que, embora estivesse presente em sua realidade, ainda não havia figurado no entendimento sobre a construção cultural dos sujeitos. As leituras de Marx e Hegel ofereceram a Freire o entendimento de um novo sujeito formado em um processo histórico material baseado nas condições reais da existência.

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Freire (2011) na obra “Pedagogia da Autonomia” trata que a educabilidade, que se refere à capacidade de aprender, reside no reconhecimento do sujeito enquanto ser incompleto, indeterminado e que se constrói socio-historicamente nas relações. Entre as dinâmicas relacionais possíveis encontra-se o trabalho, que é compartilhado por Freire e por Marx como uma ação planejada e consciente do ser humano na natureza, capaz de o produzir socialmente. Conforme cita Marx (2013, p. 327), “[…] agindo sobre a natureza externa e modificando-a por meio desse movimento, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências que nela jazem latentes e submete o jogo de suas forças a seu próprio domínio”. Lukács (2013) concorda com Marx que o trabalho transforma o sujeito em ser social, já que é o responsável por um salto ontológico, que transforma a essência e rompe com o que seria a ordem natural das coisas. Nesse sentido, a educação é necessária para a continuidade da quebra da animalidade e da constituição dos sujeitos históricos, com a produção e com a socialização dos conhecimentos produzidos. Portanto, enquanto o trabalho produz o ser humano, a educação o conscientiza da necessidade de sua (re)produção em cada sujeito. Desse modo, Freire (2011) entende que a educação é uma prática formadora, por constituir os sujeitos considerando os aspectos sociais e históricos. Logo, a educação é a ação social que oferece oportunidade para que a vida social seja continuada, a partir da (re)produção da humanidade em cada sujeito. Portanto, Freire (2011) dispõe que a prática educativa, que é responsável pela continuidade do mundo social, não pode ser neutra, já que é uma forma de intervenção no mundo, composta por uma série de 27 saberes próprios do fazer docente, que evocam dimensões técnico-científicas do educador e suas formas humanas de experienciar e mudar o mundo. Sobre isso, Freire (2011, p. 23) afirma que […] devo deixar claro que, embora seja meu interesse central considerar neste texto saberes que me parecem indispensáveis à prática docente de educadoras ou educadores críticos, progressistas, alguns deles são igualmente necessários a educadores conservadores. São saberes demandados pela prática educativa em si mesma, qualquer que seja a opção política do educador ou educadora.

Com relação aos saberes didático-pedagógicos, o autor dispõe que independentemente do posicionamento ideológico do docente, ele deve buscá-los de forma sólida e comprometida com sua formação, já que são necessários à prática educativa e reverberam na constituição da autonomia dos estudantes. Embora sejam indispensáveis, Freire alerta que o processo educativo não se reduz ao treinamento nem à compreensão técnica dos conteúdos. Assim, o autor dispõe do reconhecimento da docência enquanto atividade própria dos seres humanos, compreendendo que o ato de formar, para além das disciplinas, é envolto do encontro com a boniteza, com a escuta, com a decência, com o afeto, com o diálogo, com a diversidade, com a humildade e com o desejo de bem ao próximo. Logo, a prática educativa deve coadunar os saberes técnicos com o amor e a alegria, representando os anseios e questões que fazem sentido aos alunos e a sociedade. Dessa forma, novamente se endossa que a educação não é neutra, pois discentes e docentes falam de posições sociais distintas e que vivem e compõem práticas educativas em uma sociedade que é clivada por divisões em classes e que disputam projetos de cidadania, de democracia e de direitos humanos distintos. No mesmo sentido, Freire (2011, p. 108-109) afirma que […] para que a educação fosse neutra era preciso que não houvesse discordância nenhuma entre as pessoas com relação aos modos de vida individual e social, com relação ao estilo político a ser posto em prática, aos valores a serem encarnados. Era preciso que não houvesse, em nosso caso, por exemplo, nenhuma divergência em face da fome e da miséria no Brasil e no mundo; era necessário que toda a população nacional aceitasse mesmo que elas, miséria e fome, aqui e fora

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Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros Thaís Carneiro Carvalho, Caio Corrêa Derossi, Karla Helena Ladeira Fonseca daqui, são uma fatalidade do fim do século. Era preciso também que houvesse unanimidade na forma de enfrentá-las para superá-las. Para que a educação não fosse uma forma política de intervenção no mundo era indispensável que o mundo em que ela se desse não fosse humano. Há uma incompatibilidade total entre o mundo humano da fala, da percepção, da inteligibilidade, da comunicabilidade, da ação, da observação, da comparação, da verificação, da busca, da escolha, da decisão, da ruptura, da ética e da possibilidade de sua transgressão e a neutralidade não importa de quê.

Frente à uma sociedade clivada e dividida na perspectiva de classes com projetos sociais antagônicos para os sujeitos, não é possível a educação atender a todas as demandas colocadas pelos sujeitos, uma vez que ela precisa corresponder dentro de sua práxis social, a algumas das questões presentes, propondo a intervenção, ou não, no cotidiano. Assim, Freire (2011, p. 75) discorre que […] não me parece possível nem aceitável a posição ingênua ou, pior, astutamente neutra de quem estuda, seja o físico, o biólogo, o sociólogo, o matemático, ou o pensador da educação. Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra. Não posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A acomodação em mim é apenas caminho para a inserção, que implica decisão, escolha, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas insistentemente por todos nós e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar. […]. Em favor de que estudo? Em favor de quem? Contra que estudo? Contra quem estudo?

Destarte, observa-se como um dos legados de Paulo Freire o reconhecimento da inerência de aspectos políticos, sociais e históricos na atividade educativa. Apesar dos constantes ataques e desqualificações das propostas freirianas na educação, realizados por grupos neoconservadores e reacionários, o discurso de Freire vive e é retomado com urgência como possibilidade de um horizonte para superarmos as mazelas educacionais que vivemos. Neste movimento de entender o sujeito em sua realidade material, Freire (1992) retoma o conceito ontológico do termo “oprimido”, evidenciando-o como conceito de ordem dialética central para os dois autores quando retratam sobre a formação. Em um primeiro momento, entendido como um sujeito colonizado ao qual foi negada a própria história, e posteriormente, concebido também como aquele que em certo momento virá a emancipar-se, mas encontra-se preso às limitações impostas pela opressão. Assim, ainda que lhe seja permitida uma “libertação”, ela ocorrerá de acordo com as condições estabelecidas pelos opressores. O referido autor apresenta o sujeito como produto de uma construção histórica e estabelece uma distinção entre o subalterno e o oprimido. Ao primeiro, em um contexto capitalista europeu, lhe foi retirado o capital. Ao segundo, lhe foi naturalizada a condição de inferioridade em relação ao outro. Assim, […] o caráter iniludível da desumanização não se mostra apenas em algo que está “escancarado” aos olhos de todos, como a miséria, a desnutrição, etc. Além de quaisquer dimensões formais, sob a perspectiva do oprimido, o caráter “iniludível” da desumanização o impele na luta por saber mais de si e das relações de opressão que determinam na sua existência como ser-para-outro (CHABALGOITY, 2015, p. 168).

Daí a importância de se tornar um ser de decisão, como os homens e mulheres que participaram dos movimentos revolucionários da década de 1960, sendo preciso refletir sobre o sentido mais antropológico do que antropocêntrico em nossas lutas. Somente dessa forma, ao entender o mundo em sua ampla e real complexidade será possível pensar em estratégias que rompam com o sistema opressor,

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onde “[…] poucos vivem à custa do sofrimento de muitos” (CHABALGOITY, 2015, p.168). Para compreender a educação no contexto social, Freire ressalta a importância do diálogo, concebendo a palavra enquanto uma categoria, que possibilita apreender as relações estabelecidas a partir da dialogicidade que ocorrerá através do contato com o outro. A palavra é uma estrutura complexa constituída por duas dimensões, a ação e a reflexão, que isoladas perdem todo o sentido e o potencial transformador. A empregabilidade da palavra só se caracteriza enquanto meio de transformação a partir da práxis, da junção do refletir e agir conscientemente sobre determinado contexto. A palavra sem reflexão torna-se inautêntica, um verbalismo sem implicação social. Por sua vez, a ação sem a palavra consiste em um ativismo infundado. Portanto é na dialogicidade que os homens exercem sua existência, sua condição humana de pronunciar o mundo. É no encontro dos homens dispostos a dialogar a partir de suas práxis que a criação acontece. Para o exercício de criar e recriar o mundo em dialogicidade com os homens, a empatia e a humildade entre estes e destes para com o ambiente são bases fundadoras de sua elaboração. Freire assinala que a autossuficiência é incompatível com o diálogo. É no encontro que o conhecimento é construído, na perspectiva de comunhão e não de sobreposição de saberes que privilegie este ou aquele. Não existem ignorantes ou sábios absolutos, existem homens em constante formação. Partindo dessa premissa outro elemento fundamental ao diálogo apontado pelo autor é a fé nos homens. Acreditar na capacidade de ser mais como um direito de todos e não apenas de grupos privilegiados. Ao mencionar a fé, Freire reitera a criticidade que deve acompanhá-la. Distante de uma crença cega, alienada a um propósito, a fé no homem caracteriza a sua existência enquanto agente de transformação. Ao passo que a confiança na ação dialógica proporciona a concretização das relações horizontais e da libertação. Assim como Freire (1983), Mészáros (2005) identifica a educação enquanto instrumento de libertação, capaz de promover o pensamento crítico e a construção de conhecimentos significativos os quais são originados nos contextos sociais. Ambos os autores discorrem sobre a consciência da realidade, sendo esta mediatizadora e promotora de uma educação como prática da liberdade. A busca por esse entendimento consiste na investigação do que Freire chama de universo temático. No entanto as políticas empregadas nas instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas, se orientam por uma lógica de quase mercado que tem na competição e nos resultados a finalidade da educação. A meritocracia atribui exclusivamente ao indivíduo a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso obtido em seu percurso. Aqueles que são convidados, ainda que indiretamente, a desistirem dos estudos são tachados como fracassados, desconsiderando todos os fatores externos que contribuíram para isso. Como apontado por Dubet (2004, p. 542), o modelo meritocrático está longe, portanto, de sua realização; a competição não é perfeitamente justa. Em uma palavra: quanto mais favorecido o meio do qual o aluno se origina, maior sua probabilidade de ser um bom aluno, quanto mais ele for um bom aluno, maior será sua possibilidade de ascender a uma educação melhor, mais diplomas ele obterá e mais ele será favorecido.

Nesse sentido a educação e o trabalho estão interligados de modo que a primeira se torna condicionante para a obtenção de êxito no segundo. O valor atribuído aos diplomas não deve ser de responsabilidade exclusiva da escola, mas isso não a faz alheia ao processo de valorização de certas áreas em detrimento de outras. Segundo o autor: existe uma clara injustiça quando se constata que os filhos das famílias desfavorecidas têm toda chance de ser conduzidos para ocupações não qualificadas e que, no fundo, a escola não é totalmente responsável por essa situação de fato. No entanto, existe uma injustiça ainda maior

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Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros Thaís Carneiro Carvalho, Caio Corrêa Derossi, Karla Helena Ladeira Fonseca quando essa reprodução das desigualdades vem acompanhada de uma estigmatização e de uma desvalorização dos indivíduos. É ao mesmo tempo inútil e cruel, é uma injustiça feita aos alunos mais fracos, aos vencidos na competição escolar (DUBET, 2004, p. 552).

A justiça distributiva consiste na compensação das desigualdades levando em conta a realidade desigual das classes sociais, o que caracteriza uma discriminação positiva. Contudo, essa prática não soluciona o problema e pode resultar em uma política de garantia mínima das competências, limitando/nivelando o desenvolvimento dos indivíduos oriundos das classes menos favorecidas. Nesse sentido, Mészáros (2005) aponta que no capitalismo “[…] para que se aceite que todos são iguais diante da lei, se faz necessário um sistema ideológico que proclame e inculque cotidianamente esses valores na mente das pessoas” (MÉSZÁROS, 2005, p. 16). Ao inculcar esses valores, a desigualdade ganha respaldo sobre o discurso do mérito, no qual se desenvolve aquele que por esforço próprio, alcança o sucesso esperado. Mészáros acreditava que a educação estava no centro da proposta de transformação socialista, de um modo sustentável e pleno. Mas, para assumir esse papel transformador, a educação precisa também ter centralidade nos processos de (re)produção da vida humana, garantindo sua existência, para além da continuidade das relações próprias do capital. Por isso, a (re)produção da vida humana e a educação precisam estar aliadas para que não se perpetue a visão de uma sociedade dividida, sem caráter revolucionário (MARX; ENGELS, 2007). Assim, Mészaros (2006) dispõe que “nenhuma sociedade pode perdurar sem seu sistema próprio de educação”, visto a centralidade na produção da vida. O autor (2006, p. 295) assevera que a concepção de educação encaminha para “o significado real de educação, digno de seu preceito, é fazer os indivíduos viverem positivamente à altura dos desafios das condições sociais historicamente em transformação – das quais são também os produtores mesmo sob as circunstâncias mais difíceis.” Observa-se uma aproximação com o entendimento de educação de Lukács (2013, p. 76) que afirma que “o essencial da educação dos homens, (…) consiste em capacitá-los a reagir adequadamente aos acontecimentos e às situações novas e imprevisíveis que vierem a ocorrer depois em sua vida”, além de um direcionamento marxista, de que os sujeitos fazem história, conforme os contextos sociais e as suas formas de transmissão. Portanto, os sujeitos herdam as condições sociais que lhes foram transmitidas de forma pregressa e atuam conforme as possibilidades concretas da vida material, que comporão o ciclo de transmissão dando continuidade ao processo social e a história da humanidade. Nesse sentido, é interessante refletir sobre a articulação meszariana que a educação possui com outras categorias de sua teoria, para que se possa alcançar a emancipação humana, a partir da transformação socialista que a educação propõe. Embora possam parecer truísmos evidentes, é importante ter clareza que, para Marx (2013), a história da humanidade é marcada pela presença dos seres humanos que desde sempre consumiam e produziam objetos para a sua própria existência. Logo, as mudanças na natureza geradas pelas atividades produtivas é marca indissociável da (re)produção da vida. Entretanto, Marx (2004) entende que a vida do ser humano está atrelada à natureza, já que ele precisa dela para viver, para satisfazer suas vontades. Assim, é o humano que constrói e que é construído como a natureza se apresenta, e como ele pode transformá-la, humanizando-a com o seu trabalho. As relações entre o homem, o trabalho e a natureza são amplas e complexas, tendo o próprio trabalho papel na transformação ontológica do ser humano, bem como na mudança da natureza, fruto da relação entre sujeito e objeto. Para Mészáros (2006, p. 145), o trabalho é entendido como

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Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros Thaís Carneiro Carvalho, Caio Corrêa Derossi, Karla Helena Ladeira Fonseca poderes essenciais do homem são as características e poderes especificamente humanos, isto é, aqueles que distinguem o homem das outras partes da natureza (…) [e] o denominador comum de todos esses poderes humanos é a socialidade. Mesmo os nossos cinco sentidos não são simplesmente parte de nossa herança animal. São desenvolvidos e refinados humanamente como resultado de processos e atividades sociais.

A sociabilidade em Mészáros é análoga ao sentido de essência humana em Marx e Engels (2007), que atribuem como uma abstração do indivíduo no conjunto das relações sociais. Assim, o trabalho é também a oportunidade para a fundação de novas possibilidades de questões e de necessidades, que representa a necessidade de autoconstituição e mediação do ser humano, na visão meszariana (2006). Destarte, o trabalho pode ser entendido como causa, meio e fim da dinâmica constituinte do ser humano, enquanto sujeito social e histórico, uma vez que o diferencia da natureza, é responsável pela sua humanização e representa a sua condição de produção e de satisfação das questões que o forma enquanto humanos. Assim, os processos educativos e formativos são gerados a partir do acúmulo de transformações sociais e históricas geradas pelo trabalho, evidenciando a relação ontológica e inseparável do trabalho e da educação, em razão da produção do humano e de sua transmissão para a continuidade da humanidade. Entretanto, se o humano for alienado do trabalho, põe-se o sujeito em uma posição de servidão, uma vez que o objeto produzido não pertence mais ao homem, já que não é ele mais que humaniza e subjetiva de forma objetiva o seu pertencimento. O encontro é com algo hostil, estranho que o inferioriza. Portanto, o ser humano não se reconhece na produção do seu trabalho, já que o produto não é a exteriorização ativa do seu processo laboral (MARX, 2004). Assim, frente ao processo de alienação do trabalho que atinge as relações humanas com os objetos produzidos e com o próprio fazer do trabalho, Mészáros (2006, p. 80) retrata que o sujeito se separa da sua forma genérica, entendida como “um ser que tem consciência da espécie a que pertence, ou, dito de outro modo, um ser cuja essência não coincide diretamente com sua individualidade”, não se reconhecendo mais como humano e/ou entendendo seu trabalho como forma de humanização. Para Marx (2004, p. 83-84), o homem é um ser genérico (Gattungswesen), não somente quando prática e teoricamente faz do gênero, tanto do seu próprio quanto do restante das coisas, o seu objeto, mas também – e isto é somente uma outra expressão da mesma coisa – quando se relaciona consigo mesmo como [com] o gênero vivo, presente, quando se relaciona consigo mesmo como [com] um ser universal, [e] por isso livre.

Logo, como a produção do trabalho do ser humano é alienada, ele acaba se alienando da relação com outros sujeitos. Nesse sentido, fica marcada a valorização do capital e da sua produção, que não é mais para o humano. Marx (2004, p. 83) retrata, então, que chega-se, por conseguinte, ao resultado de que o homem (o trabalhador) só se sente como [ser] livre e ativo em suas funções animais, comer, beber e procriar, quando muito ainda habitação, adornos etc., e em suas funções humanas só [se sente] como animal. O animal se torna humano, e o humano, animal. Comer, beber e procriar etc., são também, é verdade, funções genuína[mente] humanas. Porém na abstração que as separa da esfera restante da atividade humana, e faz delas finalidades últimas e exclusivas, são funções [animais].

A humanidade, portanto, só se é sentida, fora do trabalho, evidenciando que a alienação, no mínimo, dificulta as relações entre os sujeitos e a natureza. Para Mészáros (2006, p. 78), a alienação pode ser observada como uma 419 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 405-424, maio/ago. 2021


Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros Thaís Carneiro Carvalho, Caio Corrêa Derossi, Karla Helena Ladeira Fonseca “mediação da mediação”, isto é, uma mediação historicamente específica da automediação ontologicamente fundamental do homem com a natureza. Essa “mediação de segunda ordem” só pode nascer com base na ontologicamente necessária “mediação de primeira ordem” – como a forma específica, alienada, desta última.

Observa-se a redução das relações entre os seres humanos e a natureza a partir do par trabalho assalariado e capital, não focando mais na realização própria do sujeito. Por isso, especificando mais, Mészáros (2006, p. 81) compreende “a atividade produtiva é, então, atividade alienada quando se afasta de sua função apropriada de mediar humanamente a relação sujeito-objeto entre homem e natureza, e tende, em vez disso, a levar o indivíduo isolado e reificado a ser reabsorvido pela ‘natureza’.” O sujeito já não contempla mais a sua produção, mas, sim, fica reduzido ao objeto produzido. Nessa perspectiva, Marx (2004) entende que o trabalho produz privação e deformidades, diferentemente do que as classes elitizadas usufruem. Assim, a relação de trabalho entre o ser humano e a natureza é restrita ao salário e a uma forma perversa de subsistência, desconsiderando totalmente os objetos que foram produzidos. Os sujeitos são desumanizados e medidos com as demandas do capital, tendo a sua existência sentido único: a do trabalho na perspectiva capitalista. Quando se pensa a educação nesse panorama, ela deve ser reduzida e circunscrita à formação para o trabalho, o qual, segundo Marx (2013, p. 271-272), deve ser de “padrão médio de habilidade, eficiência e celeridade”, direcionada ao laboro. É nessa direção que Mészáros (2006) entende a alienação do trabalho como expressão comum e causa das demais alienações, já que existe uma inversão do sentido do trabalho: ele deixa de ser elemento fundante e responsável pela (re)produção da vida e da humanidade, para se reduzir a uma produção estranha no capitalismo e uma formação reduzida. Por isso, é relevante pensar a categoria de alienação em Mészáros para entender sua compreensão de educação, já que ela está relacionada com a humanização e com a transformação socialista da sociedade. Destarte, a mediação política, ponto a ser tratado a seguir, é um outro elemento que corrobora possíveis explicações para que o trabalho continue sendo uma atividade alienada. Marx (2004) entende que a revolução social é aberta quando se tem uma contradição entre as relações de produção e de propriedade existentes. Nesse sentido, a dimensão política é importante para mediar e chancelar os conflitos próprios das ordens de produção. Assim, para além de um processo econômico, observa-se a necessidade de atuação da esfera política para que outras formas de produção e a revolução social ocorram. Logo, para Marx (2012), a política precisa ser entendida em uma direção de mediação, uma vez que a homologação de leis ou de sanções, restritamente não conseguirão reestabelecer a humanização e a continuidade da humanidade pelo trabalho. Mészáros (2006) sublinha que a ação política isolada em si, não é capaz de superar a alienação, uma vez que, mesmo que qualquer Estado seja destruído, continuarão existindo estruturas, tais como da propriedade privada, que estão a serviço da reprodução do capital. Nessa perspectiva, a educação assume para Mészáros (2006) uma postura mediadora que orienta a se desenvolver refletindo sobre a humanização do trabalho e a (re)produção da vida, já que aprendemos continuamente. Contudo, é preciso estar atento sobre o que se aprende e a quem a aprendizagem serve: a satisfação dos sujeitos ou a alienação do capital? Pensando em uma educação para além do capital, Mészáros dispõe que existem indivíduos que sobrepõem relações individuais para o coletivo, reificando uma dimensão capitalista, entendendo o significado da (re)produção da vida como fomento da ideologia dominante. Nesse sentido, a educação não está restrita a instituições formais de ensino, pois, segundo o autor, elas são em grande maioria, mas não as únicas, responsáveis pela internalização dos pressupostos capitalistas. Cumpre ressaltar que não se

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tem aqui uma negativa das contribuições da educação formal, mas sim o entendimento estrutural que tais instituições têm servido de forma sistemática aos interesses do capital. O que Mészáros (2005, p. 58-59) reivindica é uma educação plena, para a vida, que contribua para a transformação socialista e que todas as dimensões da educação podem ser reunidas. Dessa forma, os princípios orientadores da educação formal devem ser desatados do seu tegumento da lógica do capital, de imposição de conformidade, e em vez disso mover-se em direção a um intercâmbio ativo e efetivo com práticas educacionais mais abrangentes (…). Sem um progressivo e consciente intercâmbio com processos de educação abrangentes como “a nossa própria vida”, a educação formal não pode realizar as suas muito necessárias aspirações emancipadoras. Se, entretanto, os elementos progressistas da educação formal forem bem-sucedidos em redefinir a sua tarefa num espírito orientado em direção à perspectiva de uma alternativa hegemônica à ordem existente, eles poderão dar uma contribuição vital para romper a lógica do capital, não só no seu próprio e mais limitado domínio como também na sociedade como um todo.

Assim, vislumbra-se a criação de uma alternativa de educação distinta à do capital, que pode ser concretizada por um processo revolucionário, que congrega aspectos políticos e que ao mesmo tempo, subverte as legislações e normas. Por isso, Mészáros (2007) insiste no papel da educação no combate à alienação e no reencontro do sujeito com a potência da (re)produção da humanidade. Tanto Mészáros quanto Freire expressam a partir dos seus textos a ideia de que a educação, do modo como está instituída, é um mecanismo de manutenção da estrutura capitalista e por isso defendem a necessidade de romper com essa lógica. Mészáros destaca que a educação institucionalizada, serviu - no seu todo – ao propósito não só de fornecer os conhecimentos e o pessoal necessário à máquina produtiva em expansão do sistema capital, como também gerou e transmitiu o quadro de valores que legitima os interesses dominantes. Ele deixa claro que não é a educação formal que consolida o capital, assim como ela sozinha não se configura como uma alternativa para a emancipação. A educação formal deve estar acompanhada das demais práticas de ensino na busca pelo rompimento da lógica de mercado, o que dialoga com Freire, quando este afirma que o homem não está separado do mundo, ele está a todo momento se relacionando, e consequentemente, aprendendo com e por meio da realidade que o cerca. Afinal, “a educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens” (FREIRE, 1987, p. 70). De acordo com a concepção freiriana, uma educação libertadora é aquela que possui como função transformar o modo de pensar das pessoas, para que elas possam promover a mudança. Nesse sentido compartilha da concepção dada por Mészáros, ao passo que este afirma que a educação para ser libertária e emancipatória deve reconhecer que os acontecimentos, que a dinâmica histórica, é resultado da intervenção dos seres humanos. Os dois autores expressam a ideia da transformação, ressaltam a importância dela, uma vez que não basta enxergar e compreender o mundo no qual encontra-se inserido, é necessário agir. Essas ações devem ser progressivas, sendo a conscientização a estratégia fundamental para a revolução social. À vista disso, a educação é o instrumento primordial para alterar a concepção de mundo eurocêntrica. Para ambos os autores, educar não é só transferir conhecimento, é fazer com que os indivíduos reconheçam que a história é dialética, que os sujeitos são ativos e, portanto, possuidores do direito de conduzir e construir sua própria realidade. Ambos compreendem a educação como elemento fundamental para a emancipação humana, como uma prática libertadora e fundamental para a leitura e pronúncia do mundo. 421 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 405-424, maio/ago. 2021


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5 Considerações finais O presente artigo se propôs a elucidar a proximidade entre o pensamento freiriano e meszariano, os quais defendem que o direito ao acesso à educação de qualidade seja assegurado a todos. Freire e Mészáros acreditam na potencialidade da educação como instrumento de emancipação e, consequentemente, de promoção da libertação do homem. Além disso, reconhecem o interesse do capital sobre a mesma, as fragilidades da educação frente ao contexto social, político e econômico, e a necessidade de superar as limitações através da conscientização e do reconhecimento de classe. Para ambos, a mudança ocorrerá a partir do pensamento e da ação coletiva. Posto isso, ressaltamos a urgência da mobilização coletiva em prol da emancipação, sendo fundamental substituir a competição pela cooperação. A tomada de consciência e o reconhecimento de classe são fundamentais para impedir que a ignorância leve à deturpação da realidade. Esses são os primeiros passos para o caminho da superação das desigualdades. Para tanto, o texto propôs a discussão acerca da categoria de educação emancipadora, observando os estudos de Freire e Mészáros. Nesse sentido, além de destacar os elementos idiossincráticos de vida e de formação, elencou-se o entendimento comum de educação, ressaltando o seu caráter de proposição de mudanças sociais, em razão da agência dos sujeitos que constroem e são construídos em um processo dialético, entre os indivíduos, os contextos e os tempos históricos. O exercício realizado, foi no mínimo indicioso, para se refletir sobre o reconhecimento da educação e do educador, em um sentido emancipatório, propor críticas e outros horizontes para que seja preconizado um processo formativo holístico, integral, laico e de qualidade socialmente referenciada. Em tempos em que o negacionismo encontra respaldo nos discursos oficiais do governo brasileiro, torna-se ainda mais urgente o que Freire e Meszáros há muito identificaram: a conscientização coletiva dos sujeitos com vistas à transformação da realidade. No ano de comemoração do centenário de Paulo Freire, o presente artigo se apresenta como um convite, um convite à luta pela educação, pelo respeito, pelo reconhecimento e valorização dos trabalhadores da Educação. Que o obscurantismo sucumba à luz do conhecimento, que o individualismo dê espaço à coletividade e que a educação, em seu sentido mais amplo, aconteça de acordo com a premissa do nosso Patrono Nacional da Educação, transformando pessoas, para que elas transformem o mundo.

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COMO CITAR (ABNT): CARVALHO, T. C.; DEROSSI, C. C.; FONSECA, K. H. L. Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 405-424, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p405-424. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/16010. COMO CITAR (APA): Carvalho, T. C., Derossi, C. C. & Fonseca, K. H. L. (2021). Educação emancipatória: uma aproximação entre os conceitos de Paulo Freire e István Mészáros. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 405-424. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p405-424

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Submetido em: 8 jan. 2021 Aceito em: 17 mar. 2021

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p425-436

As concepções de criatividade na Base Nacional Comum Curricular de Língua Portuguesa Washington Elias Paes https://orcid.org/0000-0002-8806-4070 Assistente em administração do Instituto Federal Fluminense Campus Quissamã. Aluno da Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense – Brasil. E-mail: wa.paes97@gmail.com. Carlos Mágno Domás da Silva https://orcid.org/0000-0002-7699-3796 Aluno da Graduação em Letras do Instituto Federal Fluminense Campus Campos Centro – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: carlosdomass@gmail.com.

Resumo O objetivo deste artigo é analisar as concepções de criatividade que embasam as proposições presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) no componente curricular Língua Portuguesa. Justifica-se tal estudo pela crescente relevância socialmente atribuída à criatividade e à sua expressão. Inicia-se pela análise de alguns conceitos e perspectivas sobre o fenômeno da criatividade. Em seguida, analisam-se as ocorrências do termo “criatividade” e cognatos na BNCC, buscando relacionar as manifestações do documento às concepções teóricas discutidas previamente. Por fim, destacamos que, apesar do uso frequente de termos como “criativo”, nas seções de Língua Portuguesa da BNCC, não encontramos uma abordagem sistemática e crítica do tema. A criatividade está vinculada, sobretudo, à produção textual, em especial à construção de narrativas ficcionais. Em sentido sócio-histórico, é tratada de forma pragmática e imediatista, estando presente apenas quando demonstrada por resultados, isto é, na criação de processos e produtos que atendam a demandas. A metodologia de pesquisa fundamenta-se na revisão de tipo bibliográfica. Palavras-chave: Criatividade. BNCC. Língua Portuguesa.

The conceptions of creativity in the National Common Curricular Base of Portuguese Language Abstract The objective of this paper is to analyze the concepts of creativity that underlie the propositions given by the National Common Curricular Base (BNCC) for the Portuguese Language curricular component. This study is justified by the growing social relevance attributed to creativity and its expression. It begins with the analysis of some concepts and perspectives on the phenomenon of creativity. Following, the occurrences of the term “creativity” and cognates in the BNCC are analyzed, relating its manifestations to the theoretical concepts discussed in the study. Finally, we emphasize that, despite the frequent use of terms such as “creative”, in the Portuguese Language sections of the BNCC, we do not find a systematic and critical approach to the theme, to the encouragement and development of creativity and creative expression. Creativity is linked, above all, to textual production, especially the construction of fictional narratives. In a socio-historical sense, it is treated in a pragmatic and immediate manner, being present only when demonstrated by results, that is, in the creation of processes and products that meet the demands. The research methodology is based on literature review. Keywords: Creativity. BNCC. Portuguese Language.

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Las concepciones de la creatividad en la Base Curricular Nacional Común de la Lengua Portuguesa Resumen El objetivo de este artículo es analizar las concepciones de creatividad que subyacen a las proposiciones presentes en la Base Curricular Común Nacional (BNCC) en el componente curricular de Lengua Portuguesa. Este estudio se justifica por la creciente relevancia social atribuida a la creatividad y su expresión. Se inicia con el análisis de algunos conceptos y perspectivas sobre el fenómeno de la creatividad. Luego, se analizan las apariciones del término “creatividad” y afines en el BNCC, buscando relacionar las manifestaciones del documento con los conceptos teóricos discutidos anteriormente. Finalmente, destacamos que, a pesar del uso frecuente de términos como “creativo”, en las secciones de Lengua Portuguesa del BNCC, no encontramos un acercamiento sistemático y crítico al tema, el estímulo y desarrollo de la creatividad y la expresión creativa. La creatividad está ligada, sobre todo, a la producción textual, especialmente a la construcción de narrativas de ficción. En un sentido sociohistórico, se trata de manera pragmática e inmediata, estando presente solo cuando lo demuestran los resultados, es decir, en la creación de procesos y productos que satisfagan las demandas. La metodología de investigación se basa en la revisión bibliográfica. Palabras clave: Creatividad. BNCC. Lengua portuguesa.

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As concepções de criatividade na Base Nacional Comum Curricular de Língua Portuguesa Washington Elias Paes, Carlos Mágno Domás da Silva

1 Introdução A criatividade tornou-se pauta recorrente nos espaços educacionais e empresariais nas últimas décadas. O mundo está passando por profundas transformações, sendo o momento atual caracterizado como de grande turbulência e incerteza, no mercado de trabalho e na sociedade em geral (GONÇALVES et al., 2011). Nesse contexto, a criatividade vem assumindo um papel de extrema importância em todos os domínios da sociedade (DIAS et al., 2017). Alves e Castro (2015) apontam a importância da criatividade em um contexto criativo amplo, como nas artes, nas ciências, nas atividades profissionais e nas diferentes atuações do cotidiano. A despeito do reconhecimento de sua importância, existe pouco estímulo ao desenvolvimento da criatividade no contexto escolar (GONÇALVES et al., 2011). Segundo Alencar e Fleith (2004, p. 105), Há um reconhecimento crescente de que é necessário preparar o aluno para o presente cenário, onde a capacidade de pensar e resolver novos problemas ocupa um lugar central. Iniciativas que vêm sendo tomadas por governos de distintos países no sentido de promover um debate e implementar uma política educacional que assegure o desenvolvimento das habilidades criativas dos estudantes fora, por exemplo, apontadas por autores diversos […] Paralelamente a este reconhecimento, observa-se, entretanto, que falhas têm sido constatadas no que diz respeito à promoção da criatividade nos distintos níveis de ensino […] que não é raro a escola desencorajar a expressão da criatividade e mesmo puni-la. (ALENCAR; FLEIT, 2004, p. 105).

Segundo Moraes e Alencar (2015, p. 744), Observa-se que, embora a criatividade seja, muitas vezes, considerada importante pelos professores e que exista uma vasta literatura a respeito de características de ambientes educacionais e procedimentos didáticos que estimulam a expressão criativa […] tem sido constatado que o desenvolvimento da mesma não constitui prioridade nos diversos níveis de ensino, não recebendo as habilidades criativas a atenção devida. (MORAES; ALENCAR, 2015, p. 744).

Muniz e Martínez (2015, p. 1043) nos lembram que “Na escola, confrontar-se com os conteúdos é quase uma exceção, dificultando as possibilidades de emergência da criatividade, na geração de ideias próprias, que de fato terão impactos na vida do aprendiz e não simplesmente servem para obter uma nota”. O confronto entre a valorização social e profissional da criatividade no campo do discurso e a baixíssima importância efetivamente dada a esse fenômeno no espaço escolar justifica a necessidade de se estudar esta temática, não apenas enquanto constructo teórico, mas enquanto prática pedagógica e política pública. Segundo o documento oficial analisado (BRASIL, 2018, p. 7): A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE). [grifo dos autores].

A BNCC é um documento prescritivo da ação pedagógica nacional e uma política curricular de Estado, que aponta o conteúdo mínimo a ser ensinado nas instituições de ensino de todo o país. Dessa forma, entender as concepções de criatividade presentes nessa normativa, em última instância, é começar a compreender o(s) espaço(s) da criatividade nas práticas de ensino de Língua Portuguesa.

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As concepções de criatividade na Base Nacional Comum Curricular de Língua Portuguesa Washington Elias Paes, Carlos Mágno Domás da Silva

Por conseguinte, este trabalho visa apresentar algumas definições a respeito do fenômeno que denominamos de criatividade, ancorado nos trabalhos de Alencar (2007), Alencar & Fleith (2003a, 2003b, 2004), Dubois et al. (2014), Dalvi (2019), entre outros. Objetivamos também discutir as concepções de criatividade presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de Língua Portuguesa, relacionando-as ao material teórico. Para isso, mapeamos e analisamos criticamente as ocorrências do termo “criatividade” e seus cognatos na BNCC, com foco no componente curricular de Língua Portuguesa.

2 Concepções de criatividade Embora seja usada nos contextos comuns de interação sem causar nenhum conflito ou embaraço sobre seus significados, na literatura especializada, a criatividade é frequentemente descrita como um fenômeno complexo e plurideterminado (ALENCAR; FLEITH, 2004), multidimensional e de natureza complexa (ALVES; CASTRO, 2015) ou ainda como complexo e transdisciplinar (RIBEIRO; MORAES, 2014). Há concordância entre os teóricos que embasam este trabalho sobre o caráter complexo da criatividade, mas não existe uma definição única para o conceito e não há consenso entre as definições desses autores. A dificuldade de se alcançar um nível mínimo de convergência entre os diversos enfoques sobre a criatividade é reconhecida (RIBEIRO; MORAES, 2014). No entanto, buscar-se-á nesta parte do trabalho analisar algumas definições e unificar uma conceituação que nos instrumentalize para a análise posterior da Base Nacional Comum Curricular. Ao construir um panorama conceitual, as autoras Ribeiro e Moraes (2014, p. 99) observam: Atualmente, em que pese o número em demasia de conceitos e interpretações, o mais utilizado, assim como a forma mais corrente de se referir à criatividade nos novos tempos, é dizer que se trata de um fenômeno complexo, multifatorial, multidimensional, plural, entre outros termos que sinalizam, na contemporaneidade, visões mais abertas. Já se tornou mais corrente também o discurso de que se deve levar em consideração não apenas os aspectos individuais e cognitivos, mas se devem alcançar os aspectos psicossociais, ambientais, enfim, instiga-nos a acreditar que os prejuízos da fragmentação já foram ou estão sendo gradativamente percebidos.

Essas mesmas autoras, ao discutir os múltiplos conceitos e interpretações sobre a criatividade, listam algumas concepções sobre o fenômeno, baseando-se na obra Compreender y evaluar la creatividad, de Torre e Violant, publicada em 2006: A criatividade que torna o cotidiano algo valioso e, em algumas ocasiões, extraordinário, é favorecida e propiciada por um clima permanente de liberdade e responsabilidade, uma atmosfera geral, integral e global que estimula, promove e valoriza o pensamento que busca a excelência. É o termômetro que nos indica se o clima é cordial ou hostil, frio ou cálido, criativo ou tradicional, reflexivo ou impulsivo, harmonioso ou desequilibrado. Uma atmosfera criativa deve estar associada aos valores humanos (J. Betancourt). A criatividade é o processo e a qualidade que permite ao ser humano e às organizações transformar a realidade e autotransformar-se, por intermédio da inserção da novidade útil, a fim de responder às necessidades de um contexto interno e externo, mutável (L. Dabdoub).

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As concepções de criatividade na Base Nacional Comum Curricular de Língua Portuguesa Washington Elias Paes, Carlos Mágno Domás da Silva A criatividade é entendida a partir do formativo como dimensão humana, transformadora do ser e do meio, é um conceito integral que incorpora a visão energética como fonte de transformação e desenvolvimento humano. Também se expressa em termos de processo integrador de sentimento e pensamento, de ideias e realizações, materializadas em produtos dinâmicos e vitais. Essa visão multidimensional da criatividade e do criativo requer a construção de cenários que a tornem possível, entre eles, a Educação e o Ambiente, como condicionadores primários para a criatividade (C. A. Quintián González). Para liberar a criatividade que existe em cada um de nós, precisamos investir uma grande quantidade de energia psíquica. Nem as recompensas extrínsecas nem as capacidades cognitivas, por si só, garantem o despertar da criatividade (F. Menchen). A natureza traz consigo uma criatividade intrínseca à própria essência da matéria e permite a emergência de novos sistemas, de novas totalidades/ partes, de algo novo e criativo, com propriedades e qualidades novas que vão mais além do que era anteriormente (M. C. Moraes). A criatividade é multidimensional e complexa, e suas manifestações dependem do campo concreto ao qual se aplica. Porém, quando se trata da criatividade em arte dramática, a multidimensionalidade e a complexidade crescem, por este âmbito, um espaço, por natureza de integração e encontro de linguagens, de modos de expressão, de formas, de papéis desempenhados e de finalidades diversas (T. Motos). Os homens seriam ressonâncias da Criação original. Somos reverberações, réplicas em miniatura da Criação que se multiplica como ecos, entre montanhas, vales e fendas do universo. O criativo é um ator da criação (J. C. Rosman). A criatividade consiste em possibilitar a emergência de novas unidades de ação (Binnig). (RIBEIRO; MORAES, 2014, p. 132-133 apud TORRE; VIOLANT, 2006) [grifos nossos].

Notam-se perspectivas com foco em diferentes aspectos da criatividade, como o ambiental, o processo, o ser (ou criador) e o produto. Isso nos indica o caráter divergente das concepções e, principalmente, as diversas perspectivas pelas quais o fenômeno pode ser abordado, de acordo com o autor ou a autora e a corrente teórica à qual ele ou ela se vincula. Alencar caracteriza o fenômeno da criatividade com as seguintes assertivas: Sabe-se que o fenômeno é complexo, multifacetado e plurideterminado. A sua expressão resulta de uma rede complexa de interações entre fatores do indivíduo e variáveis do contexto sóciohistórico-cultural que interfere na produção criativa, com impacto nas expressões criativas, nas oportunidades oferecidas para o desenvolvimento do talento criativo e ainda nas modalidades de expressão criativa, reconhecidas e valorizadas. (ALENCAR, 2007, p. 48).

Esse modo de entender o fenômeno, não o restringindo ao âmbito da individualidade, faz parte de uma abordagem sistêmica que considera não só o aspecto psicofisiológico, como o contexto sóciohistórico e cultural, os ambientes nos quais o indivíduo está inserido, as motivações, os conhecimentos acumulados, os tipos de personalidade, entre outros elementos.

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Criatividade, numa perspectiva estritamente linguística1, afasta-se drasticamente das concepções filosóficas e psicológicas. Segundo o Dicionário de Linguística, de Dubois et al. (2014, p. 151-152): Criatividade é a aptidão do falante para produzir espontaneamente e para compreender um número infinito de frase que nunca pronunciou ou ouviu antes. […] Podem-se distinguir dois tipos de criatividade: a primeira consiste em variações individuais, cujo acúmulo pode modificar o sistema de regras (criatividade que muda as regras); a segunda consiste em produzir frases novas por meio de regras recursivas da gramática (criatividade provocada pelas regras). [grifos dos autores].

Segundo Almeida (2002, p. 110), a noção chomskiana de criatividade linguística seria “representada por um esquema recursivo de engendramento infinito de expressões” (2002, p. 110). Essa criatividade é tomada como propriedade basilar das línguas humanas, podendo ser entendida, não sem extrema simplificação, como a capacidade que temos de compreender frases e textos desconhecidos e de produzir novas frases e novos textos de modo recursivo e virtualmente infinito. A autora observa: Esta noção de criatividade lingüística, que interessa a Chomsky descrever, é chamada por ele de “criatividade governada por regras” e distinguir-se-ia, para este autor, de um outro tipo de criatividade, não tão interessante do ponto de vista do conhecimento do sujeito humano, designada como “criatividade que modifica regras”. Enquanto a primeira diz respeito à língua, à competência do falante enquanto sistema de regras, a segunda diria respeito à fala, à performance, aos múltiplos desvios individuais que poderiam suceder quando da realização da fala. É a “criatividade governada por regras” que caracteriza a atividade da linguagem como atividade infinita de um sistema de regras […] (ALMEIDA, 2002, p. 111).

Citamos neste trabalho a conceituação própria dos estudos linguísticos por considerarmos que mesmo essa “criatividade linguística” possui traços de interseção com a criatividade em sentido mais amplo, em especial, quando se fala em “modificar regras”. Essa criatividade, conforme analisa Almeida (2002), diz “respeito à fala, à performance, aos múltiplos desvios individuais que poderiam suceder quando da realização da fala” e, certamente, também da escrita. Alencar (2003a), no livro “Criatividade: múltiplas perspectivas”, após apontar que não há consenso sobre o que seria a criatividade, afirma haver alguns elementos recorrentes nas conceituações do fenômeno: “uma das principais dimensões presentes nas mais diversas definições de criatividade implica a emergência de um produto novo, seja uma ideia ou uma invenção original, seja a reelaboração e o aperfeiçoamento de produtos ou ideias já existentes”. (2003a, p. 13-14) A perspectiva linguística afasta a criatividade dos sentidos de cunho psicológico e filosófico, mas preserva os fatores mais essenciais dessas últimas concepções, a saber: “a emergência de um produto novo” e “a reelaboração e o aperfeiçoamento de produtos ou ideias já existentes”. No campo da linguagem, obviamente, esses produtos e ideias são linguísticos. É válido ressaltar que a criatividade linguística é um tema muito mais complexo do que nossa abordagem pode demonstrar. Estamos nesse momento buscando aproximar o conceito linguístico do conceito de base psicofisiológica e histórico-cultural, pois acreditamos ser possível e preciso entender o campo de interseção entre os dois conceitos para falar em criatividade na aula de Língua Portuguesa. 1

Não há espaço aqui para uma discussão aprofundada do aspecto criativo da linguagem numa perspectiva estritamente linguística, por isso não adentraremos nas leituras e proposições de Noam Chomsky, apesar de reconhecermos sua importância nessa temática. Suas concepções gerais estão representadas nas referências às obras de Dubois et al. (2014) e Almeida (2002). Optou-se também por não discutir aqui a perspectiva do professor Carlos Franchi, mas indicamos fortemente a leitura do ensaio “Gramática e Criatividade”, publicado em 1987.

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Ao associarmos a criatividade ao uso da linguagem, o mais comum é buscarmos observar a expressão da criatividade na materialidade linguística dos textos, orais ou escritos. Segundo Aquino e Silva Júnior (2012, p. 56), o texto entendido como criativo se caracteriza pela “liberdade de expressar o novo, seja ele manifestado por uma maneira pessoal de usar a língua ou pela apresentação de ideias originais, produzidas a partir da elaboração individual de experiências” (apud GIGLIO, 1996, n.p). Se extrapolarmos as observações da autora, poderíamos questionar até que ponto um texto pode expressar grau de criatividade relevante2 sem haver domínio expressivo das capacidades da criatividade linguística com copresença da criatividade em sentido amplo, isto é, no nível das ideias e das invenções. O senso comum costuma resumir a criatividade a um talento ou a uma capacidade de criar, de inventar, de inovar, isto é, de ser original e de fazer algo diferente daquilo que é dado. Esse sentido também é aquele retratado pelos dicionários de Língua Portuguesa. Entendemos que, apesar de sua superficialidade, tal definição dá conta daqueles traços semânticos que atravessam diversas definições de criatividade, conforme observado em Alencar (2003a). Em outras palavras, criatividade é a capacidade de um sujeito, dentro de um contexto definido, de um espaço e um momento histórico dado, deslocar-se do espaço do banal, do recorrente, rumo ao que não é recorrente, daquilo que é, em algum grau, socialmente percebido como “diferente”. Não se pretendeu efetuar neste tópico do artigo uma análise profunda e extensa sobre os conceitos de criatividade, mas demonstrar algumas concepções que nos nortearam quando analisamos a BNCC. Por tal motivo, adotamos conscientemente uma perspectiva generalista, isto é, que pudesse englobar as diversas conceituações que poderiam estar presentes na normativa.

3 A criatividade na Base Nacional Comum Curricular de Língua Portuguesa3 Ao analisarmos a BNCC, localizamos a seguinte menção à criatividade, que julgamos relevante para nossa discussão e que trata do componente Língua Portuguesa no Ensino Fundamental: Essa consideração dos novos e multiletramentos; e das práticas da cultura digital no currículo não contribui somente para que uma participação mais efetiva e crítica nas práticas contemporâneas de linguagem por parte dos estudantes possa ter lugar, mas permite também que se possa ter em mente mais do que um “usuário da língua/das linguagens”, na direção do que alguns autores vão denominar de designer: alguém que toma algo que já existe (inclusive textos escritos), mescla, remixa, transforma, redistribui, produzindo novos sentidos, processo que alguns autores associam à criatividade. Parte do sentido de criatividade em circulação nos dias atuais (“economias criativas”, “cidades criativas” etc.) tem algum tipo de relação com esses fenômenos de reciclagem, mistura, apropriação e redistribuição. (BRASIL, 2018, p. 70) [grifos nossos]

2

Estamos aqui nos baseando nas seguintes afirmativas de Alencar e Fleith “criatividade é uma questão de grau, com alguns indivíduos mais e outros menos” (2003a, p. 15) e “o tipo de ambiente que facilita o desenvolvimento e realização do potencial criativo depende também de outros fatores, como, por exemplo, do nível do potencial criativo da pessoa” (2003b, p. 4). 3 Não faz parte dos objetivos deste artigo reproduzir a totalidade das ocorrências do termo “criatividade” e seus cognatos presente no componente curricular de Língua Portuguesa da BNCC. Efetuamos o levantamento dessas ocorrências; optamos, porém, por citar somente os trechos mais relevantes e exemplificativos das concepções detectadas na BNCC, excluindo, assim, perspectivas que se repetem e sequências que pouco acrescentam à nossa análise.

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Essa parte do documento oficial entende a criatividade na perspectiva mais recorrente sobre o assunto, embora a seleção lexical se diferencie da usada pelo senso comum. Como tratado na seção anterior deste artigo, há nessa conceituação a “emergência de um produto novo, seja uma ideia ou uma invenção original, seja a reelaboração e o aperfeiçoamento de produtos ou ideias já existentes” (ALENCAR, 2003a, p. 13-14). Nos objetivos de conhecimento da “Escrita autônoma e compartilhada” do componente Língua Portuguesa do 3.º ao 5.º ano do Ensino Fundamental, a BNCC estipula como objetivo: “Criar narrativas ficcionais, com certa autonomia, utilizando detalhes descritivos, sequências de eventos e imagens apropriadas para sustentar o sentido do texto, e marcadores de tempo, espaço e de fala de personagens.” (BRASIL, 2018, p. 133). No trecho acima, observamos a presença de um conceito de criatividade amplo, mas agora associado às escolhas narrativas nas atividades de produção de textos. É importante dizer que, apesar de a BNCC colocar a produção de narrativas ficcionais autônomas como uma das “aprendizagens essenciais”, segundo Moraes e Alencar (2015, p. 744): “No que diz respeito à redação de textos pelo estudante, que poderia ser uma oportunidade ímpar para se trabalhar a produção criativa, o mais frequente é ser utilizada em escolas brasileiras para castigar alunos e turmas irrequietas ou para preencher um tempo ocioso.” (MORAES; ALENCAR, 2015, p. 744). Ainda sobre tal assunto, as autoras acrescentam: A escola, acostumada a trabalhar com a dicotomia certo/errado, exibe modelos a serem seguidos, deixando de oferecer ao aluno a possibilidade de construir seus próprios métodos criativos. O resultado dessa ideologia dominante são produções textuais muitas vezes corretas, mas isentas de personalidade e de criatividade, vazias de sentido e recheadas de frases feitas (MORAES; ALENCAR, 2015, p. 744).

Na seção “As juventudes e o Ensino Médio” da BNCC, encontra-se o seguinte trecho: Para formar esses jovens como sujeitos críticos, criativos, autônomos e responsáveis, cabe às escolas de Ensino Médio proporcionar experiências e processos que lhes garantam as aprendizagens necessárias para a leitura da realidade, o enfrentamento dos novos desafios da contemporaneidade (sociais, econômicos e ambientais) e a tomada de decisões éticas e fundamentadas. O mundo deve lhes ser apresentado como campo aberto para investigação e intervenção quanto a seus aspectos políticos, sociais, produtivos, ambientais e culturais, de modo que se sintam estimulados a equacionar e resolver questões legadas pelas gerações anteriores – e que se refletem nos contextos atuais –, abrindo-se criativamente para o novo. (BRASIL, 2018, p. 463) [grifos nossos]

A citação acima relaciona criatividade à ideia de intervenção na sociedade, sendo, à primeira vista, representante de uma concepção crítica e transformadora do conceito de “criatividade”. No entanto, assim como aponta Dalvi (2019), ao finalizar o parágrafo com o trecho “abrindo-se criativamente para o novo” o documento está, na verdade, invocando uma postura de submissão e adequação ao novo. Conforme escreveu Dalvi (2019) sobre o discurso oficial do documento, “não pensando criativamente o novo, não questionando criativamente o novo, não transformando criativamente o novo, mas ‘abrindo-se criativamente’ para ele” (DALVI, 2019, p. 292). A BNCC, ao abordar os itinerários formativos, estabelece que eles devem se organizar em torno de um ou mais eixos estruturantes, sendo um deles o eixo “processos criativos”: “II – processos criativos: supõem o uso e o aprofundamento do conhecimento científico na construção e criação de experimentos, modelos, protótipos para a criação de processos ou produtos que atendam a demandas para a resolução de problemas identificados na sociedade” (BRASIL, 2018, p. 478). 432 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 425-436, maio/ago. 2021


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Aqui a criatividade é tomada com foco em seus produtos, isto é, do ponto de vista do produto criativo. Essa abordagem ainda dialoga com a concepção de “criação de algo novo”, embora esse “novo” possua um objetivo pragmático determinado: “a resolução de problemas identificados na sociedade”. Em Dalvi (2019), encontramos uma crítica contundente a essa visão pragmatista e imediatista da capacidade criativa. Segundo a autora, a criatividade na BNCC só está presente quando demonstrada por resultados, isto é, na “criação de processos e produtos que atendam a demandas” (DALVI, 2019, p. 290). A BNCC da área de Linguagens e suas Tecnologias no Ensino Médio prioriza, dentro de cinco campos de atuação social, o campo artístico, definido da seguinte forma: O campo artístico é o espaço de circulação das manifestações artísticas em geral, contribuindo para a construção da apreciação estética, significativa para a constituição de identidades, a vivência de processos criativos, o reconhecimento da diversidade e da multiculturalidade e a expressão de sentimentos e emoções. Possibilita aos estudantes, portanto, reconhecer, valorizar, fruir e produzir tais manifestações, com base em critérios estéticos e no exercício da sensibilidade. (BRASIL, 2018, p. 489).

Das competências específicas de Linguagens e suas Tecnologias para o Ensino Médio, fazem parte: 3. Utilizar diferentes linguagens (artísticas, corporais e verbais) para exercer, com autonomia e colaboração, protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva, de forma crítica, criativa, ética e solidária, defendendo pontos de vista que respeitem o outro e promovam os Direitos Humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável, em âmbito local, regional e global. […] 6. Apreciar esteticamente as mais diversas produções artísticas e culturais, considerando suas características locais, regionais e globais, e mobilizar seus conhecimentos sobre as linguagens artísticas para dar significado e (re)construir produções autorais individuais e coletivas, exercendo protagonismo de maneira crítica e criativa, com respeito à diversidade de saberes, identidades e culturas. 7. Mobilizar práticas de linguagem no universo digital, considerando as dimensões técnicas, críticas, criativas, éticas e estéticas, para expandir as formas de produzir sentidos, de engajar-se em práticas autorais e coletivas, e de aprender a aprender nos campos da ciência, cultura, trabalho, informação e vida pessoal e coletiva. (BRASIL, 2018, p. 490) [grifos nossos]

Essas concepções dialogam com os conceitos de criatividade e processos criativos tratados no componente curricular Arte. Nas seções destinadas à Arte, a criatividade aparece com maior frequência, criticidade e sistematização. No entanto, o objetivo deste trabalho é discutir as percepções de criatividade no componente Língua Portuguesa, embora reconheçamos, desde já, a pouca sistematização dada ao tema pela BNCC quando se fala do desenvolvimento e expressão da criatividade na aula de Português. A BNCC de Língua Portuguesa para o Ensino Médio define a progressão das aprendizagens e habilidades considerando, entre outros: a atenção maior nas habilidades envolvidas na produção de textos multissemióticos mais analíticos, críticos, propositivos e criativos, abarcando sínteses mais complexas, produzidos em contextos que suponham apuração de fatos, curadoria, levantamentos e pesquisas e que possam ser vinculados de forma significativa aos contextos de estudo/construção de conhecimentos em diferentes áreas, a experiências estéticas e produções da cultura digital e à discussão e proposição de ações e projetos de relevância pessoal e para a comunidade (BRASIL, 2018, p. 500, grifos nossos).

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Observa-se a recorrência do adjetivo “criativo” numa sequência de caracterização de processos, como detectado na seção da BNCC que trata das competências específicas de Linguagens e suas Tecnologias, transcritas poucos parágrafos acima. Segundo o texto normativo, o fator “criatividade”, assim como a capacidade analítica, crítica e propositiva, deve estar presente na produção textual. Sobre o campo das práticas de estudo e pesquisa, proposto para contextualizar as práticas do Ensino Médio em Língua Portuguesa, afirma-se: “Além de fazer uso competente da língua e das outras semioses, os estudantes devem ter uma atitude investigativa e criativa em relação a elas e compreender princípios e procedimentos metodológicos que orientam a produção do conhecimento sobre a língua e as linguagens e a formulação de regras.” (BRASIL, 2018, p. 504, grifos nossos). Aqui, uma concepção linguística de criatividade parece emergir, na medida em que se fala do uso competente da língua, de conhecimentos linguísticos e da formulação de regras associados à investigação e à criatividade. O uso do adjetivo “criativo” nesse trecho, ao que parece, não foi mero acaso, mas representa o uso da língua que “muda as regras” conforme definido por Dubois et al. (2014) e Almeida (2002), ou seja, que se trata da criatividade da “performance” e dos “múltiplos desvios individuais”.

4 Considerações finais Nas últimas décadas, a criatividade no espaço escolar vem tendo sua relevância reconhecida, sob a justificativa de preparar os estudantes para o mundo incerto e complexo do trabalho, além de ser apontada por muitos como uma das habilidades indispensáveis para o século XXI (MORAES; ALENCAR, 2015). Para Ribeiro e Moraes (2014, p. 110), “a humanidade alcançou um período histórico-cultural em que a urgência se impõe sobre a necessidade de mudança numa infinidade de aspectos, parecendo transcender exponencialmente qualquer necessidade antes experimentada”. O fato é que a vida contemporânea se caracteriza pela instabilidade, pela insegurança e pela complexidade. Assim, a pessoa inventiva e original, que resolve problemas e cria novos caminhos, isto é, a pessoa criativa, passou a ser valorizada em praticamente todos os espaços, ao menos no campo do discurso. Apesar disso, a criatividade no contexto escolar é tema ainda pouco explorado pela pesquisa acadêmica e frequentemente entendida de maneira errônea por professores e alunos (VIEIRA; MAIA, 2018, p. 130). Este artigo teve o objetivo de mapear as concepções de criatividade presentes na Base Nacional Comum Curricular de Língua Portuguesa. Para isso, discutimos alguns conceitos e, em seguida, procedemos com a localização e análise dos usos do termo “criatividade” e seus cognatos na BNCC. Apesar da grande frequência de termos como “criativo”, não se detectou no documento oficial, nas seções de Língua Portuguesa, uma abordagem sistemática e crítica do tema. Na BNCC, criatividade está vinculada, sobretudo, à produção textual, em especial à construção de narrativas ficcionais. Em sentido sóciohistórico, conforme apontado por Dalvi (2019), ela é tratada de modo pragmático e imediatista e está presente apenas quando demonstrada por resultados, isto é, na “criação de processos e produtos que atendam a demandas” (DALVI, 2019, p. 293). Entender as concepções de criatividade é entender o que embasa ou poderia embasar as ações pedagógicas do professor de Português. Na BNCC de Língua Portuguesa, as concepções de criatividade podem ser divididas da seguinte maneira: em uma perspectiva generalista, vincula-se à ideia de originalidade e inovação, com foco na geração de um produto novo e que responda a uma demanda; em uma perspectiva mais linguística e literária, articula-se à produção artístico-literária, sobretudo, à produção de textos. No entanto, até mesmo essa última concepção recebe pouca atenção do documento oficial. 434 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 425-436, maio/ago. 2021


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As concepções de criatividade na Base Nacional Comum Curricular de Língua Portuguesa Washington Elias Paes, Carlos Mágno Domás da Silva

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Submetido em: 17 dez. 2020 Aceito em: 15 mar. 2021

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p437-460

Evasão Escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015 Denise Bianca Maduro Silva https://orcid.org/0000-0002-4909-1850 Doutora em Educação pelo Doutorado Latino-americano em Educação (UFMG). Técnica em Assuntos Educacionais na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte/MG – Brasil. E-mail: denisebianca@ufmg.br. Remi Castioni https://orcid.org/0000-0002-5459-3492 Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor-pesquisador no Programa de PósGraduação em Educação (acadêmico e profissional) na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) – Brasília/DF – Brasil. E-mail: remi@unb.br. Rogfel Thompson Martínez https://orcid.org/0000-0002-0605-6561 Doutorando em Mecatrônica no Programa de Pós-Graduação em Sistemas Mecatrônicos (PPMEC) do Departamento de Engenharia Mecânica (ENM) da Faculdade de Tecnologia (FT) da Universidade de Brasília (UnB) – Brasília/DF – Brasil. E-mail: rogfel@gmail.com.

Resumo O artigo discute o contexto de produção de dados quantitativos sobre evasão escolar na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, no Brasil, com especial atenção para o ensino médio técnico, entre 2003 e 2015. Por meio de análise documental e entrevistas a gestores, são apresentadas as ações do governo federal ao tratarem da formulação de indicadores que quantifiquem a evasão escolar. Especial atenção é dada às mudanças nas bases de dados, nas formas de cálculos e na estrutura e cultura institucional necessárias para se medir a evasão escolar. As escolhas institucionais do governo federal para lidar com a evasão escolar revelam a complexidade do problema e os limites e possibilidades das políticas públicas implementadas. Explicita-se um Estado regulador e avaliador, distante dos modos de combate à evasão. Palavras-chave: Evasão Escolar. Ensino Médio Técnico. Indicadores. Educação Profissional. Políticas Públicas.

School dropout and the indicators of the Federal Professional Education System in Brazil between 2003 and 2015 Abstract The article discusses the context of production of quantitative data on school dropout at the Federal Network of Vocational and Technological Education in Brazil, especially at vocational high schools, between 2003 and 2015. Based on documental analysis and interviews with managers, the actions of the federal government in the formulation of indicators that quantify school dropout are presented. The study focuses on changes in the databases, forms of calculations, and institutional structure and culture required to measure dropout. The institutional choices of the federal government to deal with dropout reveal the complexity of the problem, as well as the limits and possibilities of the implemented public policies. This demonstrates a regulatory and evaluative State away from the modes of combating school dropout. Keywords: School Dropout. Vocational High Schools. Performance Indicators. Vocational Education. Public Policy.

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Deserción escolar y los Indicadores de la Red Federal de Educación Profesional en Brasil entre 2003 y 2015 Resumen El artículo discute el contexto de producción de datos cuantitativos sobre la deserción escolar en la Red Federal de Educación Profesional y Tecnológica en Brasil, con especial atención a la secundaria técnica, entre 2003 y 2015. A través del análisis documental y entrevistas con los gerentes, se presentan las acciones del gobierno federal en la formulación de indicadores que cuantifiquen la deserción escolar. Se presta especial atención a los cambios en las bases de datos, en las formas de cálculo y en la estructura y la cultura institucional necesarias para medir la deserción. Las opciones institucionales del gobierno federal para enfrentar la deserción escolar revelan la complejidad del problema y los límites y posibilidades de las políticas públicas implementadas. Un Estado regulador y evaluativo se revela, alejándose de los modos de combatir la deserción escolar. Palabras clave: Deserción escolar. Secundaria Técnica. Indicadores de desempeño. Educación profesional. Política pública.

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1 Introdução: Questões sociológicas do ensino médio e da evasão escolar No Brasil, a partir de 2016, a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino foram ampliadas, abrangendo quatorze anos de duração, indo dos 4 aos 17 anos de idade, conforme determinou a Emenda Constitucional 59/2009, passando a incluir o ensino médio, que, paralelamente aos investimentos realizados nos últimos anos na educação profissional, passou a atrair o olhar dos interessados para a oferta em sua modalidade técnica. A educação profissional recebeu no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e no primeiro governo de Dilma Rousseff (2011-2014) massivos investimentos. De 1909 a 2002, foram construídas 140 escolas técnicas federais no país. Entre 2003 e 2010, o Ministério da Educação construiu 214 escolas técnicas, previstas no plano de expansão da rede federal de educação profissional. Além disso, outras escolas foram federalizadas. Segundo o informe final de gestão do governo Dilma para o período de 2011 e 2014, apresentado ao Congresso Nacional em 2015, com essa expansão a Rede Federal passou a contar com 562 unidades em 512 municípios, gerando 600 mil vagas, com investimentos de R$ 678 milhões apenas em 2014. Percebe-se que o governo federal entre 2003 e 2015 atribuiu ênfase na educação profissional técnica no Brasil, investindo em sua expansão e estruturação (CASTIONI; MORAES; PASSADES, 2019). Esses investimentos, no entanto, não significaram o desaparecimento do problema da evasão escolar na educação profissional. A obrigatoriedade do ensino médio e o aumento de sua cobertura na modalidade técnico-profissional têm relação direta com o tratamento dado ao problema da evasão escolar pelas políticas públicas. Para Dussel (2009), em se tratando do ensino médio, há uma tensão entre a pretensão republicana igualitarista da escola para todos e a capacidade efetiva de realização desse ideal, que vai ser processada de maneiras muito distintas entre a realidade educativa e o discurso das políticas. No Brasil, a evasão escolar encontrada nesse nível de ensino e na modalidade técnica ainda é um grande problema, em que pese os investimentos realizados nos últimos anos. A partir das análises da Rede Ibero-Americana de Estudos sobre Educação Profissional e Evasão Escolar - RIMEPES1, percebem-se como aspectos centrais para discussão sobre evasão escolar no ensino médio técnico: o sentido do trabalho (apontado como principal fator associado à evasão) tanto nas propostas educativas nacionais e institucionais como na sociedade e na cultura; o sentido social do ensino médio –contraditório por ter uma função social compreensiva e, ao mesmo tempo, seletiva, com reflexos dentro da escola (que se associam a fatores institucionais de abandono e sua dualidade, que segmenta a população, produzindo e reproduzindo desigualdades sociais); a incidência em educação das reformas neoliberais dos organismos mundiais; e a construção de políticas públicas, ações institucionais e atuação e formação dos professores em função do combate à evasão (DORE et al., 2014). Os estudos de Dore e Lüscher (2011) e Dore, Sales e Castro (2014) encontraram três formas predominantes de abordagem do problema da evasão nas pesquisas científicas: a) Fatores individuais: comportamento do aluno, atitude perante a vida escolar, convivência social com outros estudantes, professores e comunidade escolar, nível educacional dos pais e renda familiar, dentre outros.

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Santos (2017), em estado da arte sobre as investigações em evasão escolar na educação profissional, encontrou que aproximadamente 80% de toda a produção acadêmica no Brasil sobre o tema encontram-se no âmbito de produção da RIMEPES.

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Evasão Escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015 Denise Bianca Maduro Silva, Remi Castioni, Rogfel Thompson Martínez

b) Fatores institucionais da escola: recursos da instituição, práticas pedagógicas, perfil do corpo discente e características estruturais da escola, dentre outros. c) Fatores do sistema: políticas públicas, mecanismos de retorno e práticas de estímulo à permanência e conclusão. Ou seja, são possibilidades formais do sistema. Ainda sobre as formas de abordagem do problema da evasão, em revisão bibliográfica, pesquisadores da RIMEPES encontraram muitos estudos realizados no Brasil. A grande maioria se centra na educação básica (ensino fundamental e médio) e nos fatores institucionais e individuais, porém sem um olhar mais detido para a educação profissional. Dore, Sales e Castro (2014, p. 381-382) encontraram, em levantamento realizado na base de dados da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, apenas cinco estudos sobre evasão no ensino médio técnico. Cada um versava conceitos distintos: como exclusão da escola, como abandono da escola ou desistência de prosseguir com os estudos, como abandono sem transferir para outra escola, como abandono a partir do primeiro mês de início do curso e como exclusão e esvaziamento do sentido da escola. Apesar da evasão escolar no ensino médio técnico ser um problema, há uma grande lacuna de estudos teóricos e de informações sistematizadas sobre evasão na educação profissional tanto no Brasil quanto em outros países (DORE; LÜSCHER, 2011). Isso se dá, entre outros fatores, pela falta de um conceito comum sobre o termo evasão, podendo se apresentar com diferentes entendimentos, como citado em Dore, Sales, Castro (2014) e exemplificado neste texto. Também colabora para a problemática a falta de incentivo para o registro da evasão, como argumentado por LaPlante (2014), acarretando carência de registros estatísticos consistentes e uniformes. A evasão escolar tem sido associada a situações muito diversas. Pode-se referir à retenção e repetência do aluno na escola; à saída do aluno da instituição; à saída do aluno do sistema de ensino; a não conclusão de um determinado nível de ensino; ao abandono da escola e posterior retorno. Abrange indivíduos que nunca ingressaram em um determinado nível de ensino, especialmente na educação compulsória, bem como o estudante que conclui uma etapa do ensino, mas se comporta como um dropout (DORE; LÜSCHER, 2011, p. 150).

Conforme os estudos apresentados, a evasão escolar dos adolescentes e dos jovens da educação profissional, em especial no nível médio técnico, não é um fenômeno simples de análise, mas complexo e multifacetado. Abordando fatores sistêmicos, o presente artigo trata de uma temática muito relevante – e menos presente do que deveria – no campo da Avaliação Educacional: a evasão do ensino médio técnico, com foco na Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica- RFEPT. Não se propõe analisar os fatores que levam à evasão, mas discutir como medi-la à luz de indicadores de gestão educacional. Neste estudo, especial atenção é dada às mudanças nas bases de dados, nas formas de cálculos e na estrutura e cultura institucional necessárias, para se poder medir a evasão escolar. Ressalta-se o caráter que o acompanhamento da evasão escolar assume como etapa de monitoramento das políticas públicas para a educação profissional. No atual cenário, com a redução dos recursos para o sistema federal por conta das restrições fiscais, as escolas deverão dedicar mais tempo e atenção a esse processo uma vez que ele é definidor para a construção dos orçamentos de cada instituição. No sentido de contribuir para solução do problema da escassez de informações sistematizadas sobre evasão escolar no ensino médio técnico no Brasil, numa perspectiva sistêmica, analisa-se, a seguir, como estudo

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Evasão Escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015 Denise Bianca Maduro Silva, Remi Castioni, Rogfel Thompson Martínez

de caso, o contexto de produção de dados quantitativos sobre evasão escolar na RFEPT, no Brasil, com especial atenção ao ensino médio técnico, entre 2003 e 2015. São apresentadas as ações da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação - SETEC/MEC, ao tratarem especificamente da formulação de indicadores que quantifiquem a evasão escolar na RFEPT, atendendo à indicação do Tribunal de Contas da União - TCU.

2 Metodologia A construção de indicadores tem aspectos conceituais, gerenciais, políticos, informacionais e comunicacionais que devem ser levados em conta para garantia de sua adequabilidade (GUIMARÃES; JANNUZZI, 2004). São propriedades desejáveis aos indicadores: relevância social, validade, confiabilidade, cobertura, sensibilidade, especificidade, inteligibilidade, comunicabilidade, factibilidade para obtenção, periodicidade na atualização, desagregabilidade e historicidade (JANNUZZI, 2006). O presente estudo de caso serve à reflexão do que é necessário teoricamente e concretamente, ao identificar as fragilidades reais do processo de criação e implementação de indicadores educacionais. Explicitar os problemas dos indicadores, suas incongruências e dificuldades de elaboração e implementação, permite, ademais, a desmistificação do discurso da gestão, promovendo sua necessária contextualização histórica dentro das instituições e na sociedade capitalista, à luz das lutas de poder pela direção das políticas e do Estado. Ao analisar as políticas públicas de educação, uma opção é buscá-las como produto institucional estatal, envolvendo o estudo de instituições governamentais que oficialmente estabelecem, implementam e fazem cumprir as políticas públicas (DYE, 2009). Cortes e Lima (2012) defendem que a sociologia pode contribuir para a análise de políticas públicas porque: fornece recursos teóricos para o estudo de temas dos grupos sociais (beneficiários, demandantes, formuladores, implementadores e atores em rede); possibilita analisar a importância das normativas nos processos políticos que produzem as políticas públicas (contribuição dos neoinstitucionalistas); e leva em conta a importância das estruturas sociais e das instituições para a construção e o desenvolvimento de políticas. Immergut (2007) ressalta a importância dos processos políticos como condicionantes de seus impactos. A autora evidencia a singular trama de poder que envolve as políticas públicas e a importância dos filtros institucionais ao ditarem interpretações e favorecerem certos interesses em detrimento de outros na política, entendida como o resultado de diferentes representações. A abordagem neoinstitucionalista histórica recente permite discutir e criticar os sentidos dados às políticas pelas instituições. Na análise sociológica de políticas públicas, Hall e Taylor (2003) partem do princípio de que o Estado não é agente neutro, e sim capaz de estruturar a natureza e os resultados dos conflitos entre os grupos sociais. Aparentemente, a ênfase está nas normas, regras e convenções oficiais, bem como nas informações estratégicas que as instituições fornecem para o entendimento das políticas, mas o interesse, de fato, está na assimetria de poder que conforma essas políticas públicas e são por elas mantidas. Somando ao marco analítico, os discursos das políticas e dos políticos conformam um campo rico de interpretações, na leitura de Faria (2003), já que, por meio da história contada, é possível perceber a compreensão que os atores têm do problema educacional. As perspectivas teóricas discorridas possibilitam analisar melhor a natureza do objeto, os problemas a resolver referentes ao objeto e as práticas sociais às quais ele está ligado. Nesse marco, como opção analíticometodológica, sustenta-se neste artigo a relevância de se voltar para a escuta dos gestores das instituições governamentais de educação profissional envolvidos com políticas para combater a evasão dos estudantes

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Evasão Escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015 Denise Bianca Maduro Silva, Remi Castioni, Rogfel Thompson Martínez

do ensino médio técnico, na medida em que possibilita compreender melhor o problema dentro dos sistemas educacionais. Assim, a construção do presente trabalho apoia-se em análise documental e em entrevistas semiestruturadas com 18 gestores 2 formuladores, coordenadores e implementadores dessas políticas, vinculados durante o período de análise à SETEC/MEC e a Instituição Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, além de outros informantes-chave. As entrevistas voluntárias, realizadas no segundo semestre de 2016 e primeiro semestre de 2017 em Brasília, foram gravadas, transcritas, enviadas aos entrevistados para conferência e, então, categorizadas para análise dos discursos (CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999) com auxílio de software científico de pesquisa qualitativa. Apresentam-se aqui extratos representativos dos discursos que foram recorrentes e contrastantes sobre os indicadores de evasão escolar na RFEPT. Os documentos e discursos que servem de base para presente análise foram indicados pelos gestores da RFEPT e apresentam a trajetória ao longo de uma década em busca por uma definição de evasão escolar passível de aferição quantitativa, conformando um modo de gestão e condicionando as estratégias pensadas para o combate ao problema da evasão escolar no ensino médio técnico. As escolhas da SETEC/MEC deixam transparecer a função do Estado nacional como fundamentalmente avaliador, assim como os alcances, os limites e os sentidos atribuídos a essa avaliação.

3 Dado, informação, conhecimento e tomada de decisões Os dados constituem a matéria-prima da informação, representam um ou mais significados de um sistema e isoladamente não podem transmitir uma mensagem ou representar algum conhecimento (DAVENPORT; PRUSAK, 1998). Depois que os dados são tratados e agrupados em conjuntos, passam a ter algum significado. A informação é qualquer estrutura ou organização desses dados, registrada em suporte físico ou intangível, disponível à assimilação crítica para produção de conhecimento (LE COADIC, 1996). A informação (matéria-prima para o conhecimento) é um bem comum ao qual todo cidadão deve ter direito/acesso, levando à socialização da informação, das oportunidades e do poder (DAVENPORT; PRUSAK, 1998). No momento em que uma informação ocasiona alguma alteração no cognitivo de um indivíduo, no modo dele pensar e agir, este passa a ser considerado “conhecimento” (SETZER, 1999). O conhecimento é a capacidade de agir e prever o resultado de uma ação, com base ao processamento da informação adicionado ao repertório individual. Aprendizagem é toda exposição a novas informações adquiridas que modificam o nosso comportamento e relacionamento com o meio ambiente. O conhecimento é dinâmico. Quem conhece pode estabelecer novas relações, tirar novas conclusões, fazer novas inferências, agregar novas informações, reformular significados. Ao exercitar o conhecimento, ele se consolida e cresce (DAVENPORT; PRUSAK, 1998). No fluxo do conhecimento fica claro que a produção de dados equivocados pode gerar baixa qualidade de informações e um falso conhecimento, levando às errôneas interpretações e tomadas de decisões. 2

A coleta de dados se deu no âmbito da tese doutoral defendida em 2018 por Maduro Silva. Para resguardar o anonimato dos entrevistados, utiliza-se neste texto de nomes fantasia. As abordagens e os instrumentos metodológicos utilizados obedeceram aos procedimentos éticos estabelecidos para a pesquisa científica em Ciências Humanas.

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Informações antiquadas, inexatas ou difíceis de entender não são significativas, úteis ou valiosas para os usuários finais. Os atributos para garantir a qualidade da informação se agrupam nas dimensões de tempo, conteúdo e forma (Quadro 1). Quadro 1. As três dimensões da qualidade da informação Prontidão: A informação deve ser fornecida quando for necessária Aceitação: A informação deve estar atualizada quando for necessária Frequência: A informação deve ser fornecida tantas vezes quantas forem necessárias Período: A informação pode ser fornecida sobre períodos passados, presente e futuros Dimensão do Precisão: A informação deve estar isenta de erros Conteúdo Relevância: A informação deve estar relacionada às necessidades de informação de um receptor específico para uma situação específica Integridade: Toda informação que for necessária deve ser fornecida Amplitude: A informação pode ter um alcance amplo ou estreito, ou um foco interno ou externo Desempenho: A informação pode revelar desempenho pela mensuração das atividades concluídas, do progresso realizado ou dos recursos acumulados Dimensão da Clareza: A informação deve ser fornecida de uma forma que seja fácil de compreender Forma Detalhe: A informação pode ser fornecida em forma detalhada ou resumida Ordem: A informação pode ser organizada em uma sequência predeterminada Apresentação: A informação pode ser apresentada em forma narrativa, numérica, gráfica ou outras Mídia: A informação pode ser fornecida na forma de documentos em papel impresso, monitores de vídeo ou outras mídias Fonte: Adaptado de O’Brien (2004) Dimensão do Tempo

Pode-se considerar que alguns dos atributos de qualidade têm um caráter obrigatório para toda informação, outros se fazem obrigatórios em face às características dos sistemas de informação específicos. No Quadro 1, foram ressaltados os atributos obrigatórios para garantir a qualidade de um sistema de gerenciamento de informação, como no caso dos indicadores de evasão escolar da RFEPT. A baixa qualidade no processo de captura dos dados, o incumprimento das dimensões da informação necessárias a qualquer novo conhecimento pode levar à tomada de decisões erradas. A seguir, explicita-se a incongruência de informações presente nos indicadores da RFEPT entre 2003 e 2015.

4 Desenvolvimento 4.1 A Evasão Escolar na Análise dos Indicadores de Gestão: premissas Reconhece-se que existem ações concernentes ao combate à evasão escolar de longa data nas instituições que compõem a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – RFEPT (OLIVEIRA, 2015). Porém, no período após a eleição do presidente Lula em 2003, os acórdãos, relatórios e análises do Tribunal de Contas da União – TCU – serviram como marco desencadeador da necessidade de uma coordenação nacional na SETEC/MEC para o tratamento da temática da evasão escolar na RFEPT.

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Evasão Escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015 Denise Bianca Maduro Silva, Remi Castioni, Rogfel Thompson Martínez Então, assim, a equipe inteira preocupada com expansão e respondendo demanda que surge todos os dias. Eu acho que foi assim, ficando, e o relatório do TCU, ele foi no sentido de colocar como prioridade (Sistemas Informacionais, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 162). Na verdade, o TCU, ele veio para dar a ignição. Ele veio com a faísca. Como dizer assim: “Vamos incendiar uma ação que é necessária” (Comissão Permanente de Permanência e Êxito / Sistemas, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 162). Na verdade, o TCU vem assim constatar números, e numa preocupação que procede do órgão de controle que é de, digamos assim, cutucar a gestão maior, que é o Ministério da Educação, para tomar atitudes mais sistêmicas, porque se você deixa as atitudes serem tomadas pelas instituições, pelas autarquias, elas ficam pontuais, segmentadas, e nem sempre todas as instituições estão maduras suficiente para terem uma ação efetiva e mais sistêmica (Comissão Permanente de Permanência e Êxito /Planejamento, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 162).

Em 2004, o TCU (BRASIL, 2005a) realizou auditoria para avaliar as consequências das mudanças implementadas com a edição do Decreto 2.208/97 (BRASIL, 1997), especialmente em relação ao atendimento de estudantes de baixa renda, como instrumento de inclusão social. A auditoria inicialmente estava voltada para os problemas relacionados à implantação do Programa de Reforma da Educação Profissional -PROEP, mas foi adquirindo novos sentidos com o passar do tempo, dando especial atenção para as formas de se aferirem os resultados das políticas públicas de educação profissional no Brasil. Em seção plenária do TCU de 27/04/2005, estabeleceu-se o Acórdão 480/2005 (BRASIL, 2005b), que deliberou que a SETEC/MEC deveria definir um “conjunto de dados e de indicadores de gestão” que comporiam relatório de gestão com a execução financeira e operacional das Instituições Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFETs). O relator da matéria no TCU apontou em relação aos indicadores que “a proposta justificava- se ante a fragilidade das informações disponíveis sobre a rede de escolas de educação tecnológica no país refletida nos trabalhos de fiscalização” (BRASIL, 2005a, p. 4). Após a discussão de mais de 30 indicadores (BRASIL, 2005d), o TCU no Acórdão n. 480/2005 (BRASIL, 2005b, p. 3- 4), ratifica 11 indicadores de desempenho administrativo e acadêmico para as IFETs. Os indicadores contemplam os aspectos de eficácia, eficiência e de economicidade, abrangendo áreas dos corpos discente e docente. Essas indicações também estariam presentes, posteriormente, no Acórdão do TCU 2.267/2005 (BRASIL, 2005c), que recomenda que a SETEC/MEC faça um relatório de gestão das contas anuais contendo apreciação crítica sobre a evolução dos indicadores, com base na análise consolidada das informações apresentadas pelas IFETs, destacando aspectos positivos e oportunidades de melhoria da RFEPT. Centra-se, no presente texto, na análise dos indicadores presentes nos relatórios de gestão da SETEC, que representam numericamente a evasão escolar na RFEPT3 entre 2008 e 2015. São eles: Relação Concluinte por Aluno (ou Relação de Concluintes por Matrícula Atendida- RCM) - visa medir a capacidade de se alcançar o êxito acadêmico; Índice de Eficiência do Fluxo Escolar (ou Índice de Eficiência Acadêmica de Concluintes - EAC) – visa medir a capacidade de alcançar êxito entre os alunos que finalizam

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O manual de cálculo de indicadores de gestão das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica foi publicado inicialmente em 2012 e atualizado pela SETEC/MEC em 2016 (BRASIL, 2016a). Em 2016 (BRASIL, 2016a), foram criados novos indicadores de evasão escolar, permanência e êxito acadêmico. Esses novos indicadores, dada sua data de implantação, não constam nos relatórios de gestão disponibilizados até 2016.

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o curso; Índice de Retenção do Fluxo Escolar4 (RFE) – visa medir a relação de alunos que não concluem seus cursos no período previsto. As fórmulas dos indicadores são (BRASIL, 2016a): RCM =

Concluintes ×100 Matrículas atendidas

EAC =

RFE =

(1)

×

(2)

×

(3)

í

O Manual (BRASIL, 2016a) vem pacificar alguns conceitos e fórmulas que se mostraram problemáticos durante o processo de implementação dos indicadores, como será apresentado no próximo tópico deste artigo. Segundo o referido Manual, a pacificação de conceitos tem por preocupação criar “indicadores que expressem a ampliação da oferta e a melhoria da eficiência, da eficácia e da efetividade das instituições federais de educação profissional” (p. 7). Para se entender e discutir os indicadores, faz-se necessário ter em conta os seguintes termos utilizados para sua composição. Desligado: É o aluno que solicita o cancelamento de sua matrícula junto à secretaria da unidade escolar (BRASIL, 2016a, p. 10). Evadido: É o aluno que não possui nenhuma possibilidade regulamentar de retorno ao curso no mesmo ciclo de matrícula, geralmente por faltas além de 25% e não trancamento5 de matrícula (BRASIL, 2016a, p. 10). Integralizado Fase Escolar (Integralizado): É o aluno que conclui disciplinas, módulos ou créditos, mas que por não ter sido aprovado no estágio obrigatório ou ter concluído o TCC [Trabalho de Conclusão de Curso], ainda não está apto a colar grau e não é considerado “concluinte” (BRASIL, 2016a, p. 11). Matrículas atendidas corresponde ao número total de matrículas na Instituição dentro de um determinado período de tempo, independentemente da situação atual da matrícula. […] [Ex.:] As matrículas atendias do intervalo entre 01/01/15 e 31/12/2015, são a soma de todos os alunos que tiveram “situação final” registrada ao longo do período de 2015, mais os alunos que ainda estavam com situação “em curso” no último mês de ocorrência do período considerado para a análise (BRASIL, 2016a, p. 11).

4

Incluiu-se na presente análise o indicador de retenção, partindo-se da premissa de que os alunos com maior nível de atraso são mais propensos a evadir (DORE et al., 2014). 5 Observa-se que, segundo o Relatório do TCU (BRASIL, 2012a) e a Nota Técnica do Instituto Federal de Santa Catarina -IFSC (2013), nem sempre a opção trancamento esteve disponível no SISTEC. “Quando da auditoria do TCU, o Sistec possuía seis categorias de situações em que os estudantes poderiam estar classificados em determinado tempo: Concluído; Evadido; Transferência Interna; Transferência externa; Reprovado; e Em Curso” (BRASIL, 2012a, p.19). Portanto, segundo o IFSC (2013), todos os alunos com matrícula trancada no sistema constavam com o status “em curso”, enquanto nos demais sistemas para estatísticas educacionais, como o CenSup e o Educacenso, eles apareceram com o status de trancado. Também não havia como incluir registro de falecimento ou transferência ex officio.

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Evasão Escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015 Denise Bianca Maduro Silva, Remi Castioni, Rogfel Thompson Martínez Matrículas Finalizadas (Finalizadas): Refere-se às matrículas que foram finalizadas, independentemente de êxito ou não do aluno. Ou seja, o aluno pode ter concluído, evadido, desligado ou transferido (BRASIL, 2016a, p. 11). Número de alunos retidos (Retidos): é o número de alunos que permanece matriculado por período superior ao tempo previsto para integralização do curso. Representa o total de alunos de um dado ciclo de matrícula que estejam em situação ativo, concluinte ou integralizado fase escolar, que tenham mês de ocorrência posterior a data final prevista para o ciclo de matrícula, e que pertençam a um mesmo ciclo de matrícula (BRASIL, 2016a, p. 11-12). Retenção Escolar refere-se à subdivisão acadêmica de reprovação ou trancamento. O aluno reprovado ou que realizou trancamento e retornar para o mesmo curso, só que em nova turma, não deverá ter seu ciclo de matrícula trocado (BRASIL, 2016a, p. 11-12). Número de concluintes (concluintes): Concluinte é o aluno que integralizou todas as fases do curso, incluindo disciplinas, módulos ou créditos, estágio obrigatório, Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), etc. e está apto a colar grau (BRASIL, 2016a, p. 12). Reprovado: É o aluno que foi reprovado definitivamente, sem possibilidade de continuação (BRASIL, 2016a, p. 13). Transferido Externo: O aluno é transferido de uma unidade para a outra unidade de ensino (BRASIL, 2016a, p. 13). Matrículas Finalizadas Evadidas6: Todas matrículas que tiverem alteração de status para Evadido, Desligado ou Transferido Externo” nos meses de referência do intervalo de análise (BRASIL, 2016a, p. 24) Matrículas Continuadas Regular: Todas as matrículas que estiveram Em Curso por pelo menos um dia no período analisado e que não estavam retidas no início do período de análise. Neste componente não são considerados os ingressantes do período de análise (BRASIL, 2016a, p. 25). Matrículas Continuadas Retidas: Todas as matrículas que estiveram Em Curso por pelo menos um dia no período analisado e que já estavam retidas no início do período de análise. Neste componente não são considerados os ingressantes do período de análise (BRASIL, 2016a, p. 26). Concluídos no Prazo: Todas matrículas que tiveram alteração de status para [concluído] nos meses de referência do intervalo de análise e que não estavam retidas (BRASIL, 2016a, p. 26). Previstos: Todas as matrículas de ciclos com previsão de término dentro de intervalo de análise, independente da situação da matrícula (BRASIL, 2016a, p. 26).

Os valores encontrados para o RCM, o EAC e o RFE presentes nos “Relatórios de Análise dos Indicadores de Gestão das Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica”, contendo análises para as Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica, à exceção das 24 Escolas Técnicas vinculadas às Universidades Federais que permanecem sob a supervisão da Secretaria de Ensino Superior do MEC, entre 2009 e 2015, estão nas Tabelas 1 e 2.

6

Campo anteriormente denominado “Finalizados-Sem-Êxito”, conforme Nota Informativa 138/15 SETEC/MEC (BRASIL, 2015d).

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Tabela 1. Indicadores de gestão das instituições federais de EPT – Ensino geral (%) Média nacional - Ensino geral 2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

RCM

14,2

12,8

15,4

15,2

12,97

11,37

11,45

EAC

54,2

47,8

50,7

53,4

49,26

54,40

45,41

RFE

14,8

14,5

34,0

39,6

36,25

40,04

43,62

Fonte: Adaptado de Maduro Silva (2018)

Tabela 2. Indicadores de gestão das instituições federais de EPT – Ensino médio técnico Média Nacional – Ensino médio técnico 2011

RCM

2012

Matrículas

366.598

452.606

Concluintes RCM (%)

48.151 13,1

46.351 10,2

2011

2012

109.642 48.151

108.584 46.351

43,9 2011

42,7 2012

118.361 366.598

169.095 452.606

32,3

37,4

EAC Finalizados Concluintes EAC (%) RFE Retidos Matriculados RFE (%) Fonte: Adaptado de Maduro Silva (2018)

A Tabela 1 contém o resumo dos valores dos indicadores selecionados durante o período de 2009 a 2015 ; e, a Tabela 2, o valor para o ensino médio técnico em separado, quando disponível nos Relatórios de gestão analisados (BRASIL, 2009a, 2011c, 2012b, 2013a, 2014, 2015a). Percebe-se que a capacidade geral de se conseguir êxito acadêmico na RFEPT, representada pelo indicador RCM, mantém-se entre 15% e 11%, não sendo diferente ao se olhar especificamente para o ensino médio técnico, que, em 2011 e 2012, foi de 13% e 10%, respectivamente. São valores baixos, os quais se justificam dada a extraordinária expansão nas matrículas, com abertura de cursos novos e de longa duração, o que irá sobrecarregar um dos fatores da equação. No entanto, estabilizado o crescimento e após a previsão de conclusão dos cursos de maior duração, é inquietante observar que o indicador continua a apresentar valores baixos. Seria importante desagregar por tipo de curso, como feito em 2011 e 2012, para se perceber melhor as causas do fato, que podem estar intrinsecamente ligadas à evasão escolar. 7

7

Apesar de existir Relatório de Gestão para o ano de 2008 (BRASIL, 2009a), excluiu-se da série por ser de metodologia amostral em apenas dois cursos.

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Para dizer da evasão escolar na RFEPT, o melhor indicador, dentre os operacionalizados até 2015 nos Relatórios de Gestão, é o EAC, que visa medir a capacidade de alcançar êxito entre os alunos que finalizam o curso. O desempenho desse indicador é preocupante, por revelar que, aproximadamente, 50% dos alunos não concluem seus cursos no tempo previsto. O indicador ficou ainda mais preciso a partir de 2011, com a adoção do ciclo de matrícula, e avançou também metodologicamente, posteriormente, ao desconsiderar os alunos pendentes de trabalho final de curso e estágio dentre os alunos concluintes; porém, essas alterações resultaram no menor valor para a série histórica, apontando apenas, aproximadamente, 45% de êxito em 2015. O ensino médio técnico apresenta para 2011 e 2012 valores inferiores, mas não muito distantes aos da média nacional, figurando com aproximadamente 44% e 43%, respectivamente. Para uma melhor análise, seria necessário desagregar os valores do ensino médio técnico para toda a série histórica e por tipo de oferta, se subsequente, concomitante ou integrado, dado que tanto os dados do TCU (BRASIL, 2012a) quanto a pesquisa empírica por meio de entrevistas com gestores mostram a percepção de que a evasão na formação profissional de nível médio técnico integrada é menor (MADURO SILVA, 2018). O indicador RFE visa medir a relação de alunos que não concluem seus cursos no período previsto. Os valores apresentados no período analisado são consoantes com os valores de EAC, dado que à medida que foram se aperfeiçoando ambos os indicadores o valor encontrado de RFE foi aumentando, incluindo, por fim, em 2015, os alunos integralizados em fase escolar (ou seja, que não finalizaram o trabalho final de curso ou o estágio) e apresentando, assim, seu maior valor para a série histórica, 43,62%. Com relação ao RFE, entre 2009 e 2015, há uma diferença em torno de 29 pontos percentuais, que foi crescendo a cada ano da série. Também para o ensino médio técnico, a RFE irá apresentar uma pequena alta entre 2011 e 2012, com valores de 32,2% e 37,4% respectivamente, estando condizentes com e até um pouco abaixo da média nacional para esses anos, que foi de 34% e 39,6%, respectivamente. Como os próprios Relatórios de Gestão indicam, considera-se a hipótese de que um grande percentual, dentre os que figuram como retidos esteja, em realidade, com registro desatualizado no Sistema Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica - SISTEC, sendo já evadidos. Apesar dessa primeira análise quantitativa, é importante olhar os indicadores tendo consciência das ressalvas, apresentadas na sequência, que surgiram durante sua construção, fazendo com que cada ano fosse quase único e incomparável com o outro, levantando dúvidas quanto à validade técnica e ao sentido político da gestão por números. Uma análise aprofundada dos “Relatórios de Análise dos Indicadores de Gestão das Instituições Federais de Educação Profissional e Tecnológica”, entre 2008 e 2015, em atendimento aos Acórdãos do TCU 480/2005 (BRASIL, 2005b), 2.267/2005 (BRASIL, 2005c), 104/2011 (BRASIL, 2011a) e 2.508/2011 (BRASIL, 2011b), revelam alguns dos problemas enfrentados para se gerarem dados quantitativos consistentes sobre evasão escolar na educação profissional e no ensino médio técnico, com impactos na construção de políticas públicas.

4.2 A Evasão Escolar na Análise dos Indicadores de Gestão: discussão O primeiro relatório disponibilizado (BRASIL, 2009a) apresenta indicadores para 2007 e 2008 e contém análises em forma de estudo de caso para os cursos de técnico agropecuário e técnico em eletrotécnica. Essa escolha por parte da SETEC se deu, segundo o Relatório, porque faltava uma série histórica de dados para apreciação crítica dos indicadores. Como os indicadores eram calculados à época

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com o auxílio do Sistema Integrado de Gestão (SIG), criado em 2005, dependia-se do preenchimento por parte dos IFETs, o que demandava uma mudança da cultura institucional, ainda em processo. O referido Relatório (BRASIL, 2009a) foi criticado pelo Acórdão 104/2011 – TCU/Plenário (BRASIL, 2011a) e pelo Acórdão 2.508/2011 – TCU/ 1ª Câmara (BRASIL, 2011b), ressaltando a necessidade de se fazer a coleta de informações de forma eletrônica e eficiente para toda a Rede e de se estimular a coleta socioeconômica, ao invés de optar por estudos de casos. O Relatório referente ao período de 2009 e 2010 (BRASIL, 2011c) tenta sanar alguns dos problemas encontrados no relatório anterior, ampliando sua cobertura. Assim, visando à melhoria dos indicadores, foi instituído um grupo de trabalho específico (BRASIL, 2011d). Tendo agora por base a Lei que cria os Institutos Federais, de dezembro de 2008 (BRASIL, 2008), o preenchimento do SIG mostrou-se insuficiente, por não dar conta de todas as características dos Institutos Federais. Então, passou-se a usar o Sistema Integrado de Monitoramento do Ministério da Educação (SIMEC) e o SISTEC para a composição dos indicadores. Ademais, os próprios relatórios de gestão de cada IF passaram a incorporar a maioria dos indicadores em sua elaboração. Especificamente em relação ao cálculo do RCM, um problema apontado pelo relatório (BRASIL, 2011c) é que se conformaram no período muitos cursos e turmas novas, o que torna um termo da equação (o número de alunos) muito superior ao outro (número de concluintes), portanto a taxa de conclusão pareceria cair de um ano ao outro. Para um cálculo real, seria necessário individualizar por curso e turma. Com relação ao EAC, aponta-se (BRASIL, 2011c) que nem todos os Institutos Federais adotam o sistema computacional de gestão acadêmica e que muitos cursos, alguns de longa duração, como o técnico de nível médio integrado e as licenciaturas8, não têm ainda concluintes nas novas unidades, que somam mais de 50% dos Institutos Federais. Como fatores que tornaram complexa a produção de indicadores para os RFEPT à época, o Relatório SETEC/MEC (BRASIL, 2011c) aponta ainda: a) campi em fases diferentes da expansão; b) cursos em fase de implantação, de difícil avaliação diante do mercado e dos outros cursos, até dentro do mesmo Instituto; c) servidores novos, demandando tempo para a assimilação dos processos, em especial no “registro das informações”, o que compromete os indicadores; d) nem todos os campi têm internet e os sistemas não se comunicam; e) as diferentes formas de acesso têm implicações diferenciadas para os indicadores, que deveriam ser consideradas; e f ) a análise dos indicadores deve levar em conta as alterações ocorridas no exercício, a exemplo de contingenciamentos e problemas para a execução orçamentária. O Relatório (BRASIL, 2011c) também aponta que, no sentido de combater a evasão escolar, o Governo Federal aumentou os recursos repassados para RFEPT sob a forma de Assistência Estudantil, elevando-se o auxílio em mais de 3000% de 2003 a 2011, passando de 5.151.958 para 42.943.938,00 em 2010, e para 162.051.472,00 em 2011. Para a SETEC, no entanto, para medir a eficácia do uso desses recursos, seriam necessários outros indicadores para acompanhar e melhorar o processo de ensino aprendizagem. O Relatório referente ao exercício de 2011 (BRASIL, 2012b) analisa três bancos de dados disponíveis para a geração dos indicadores com base nos registros de alunos. Primeiro, o SIG, mas considera que esse se mostrou insuficiente quando da criação dos Institutos, em razão de seu sistema de “verificação” e “auditagem” ser de “difícil operacionalização”. Segundo, o SIMEC, com relação ao módulo Cadastro Nacional de Cursos Técnicos (CNCT), “o processo de alimentação dos dados continuava sujeito 8

Em que pesem os percentuais destes impostos pela lei de 2008, de 50% e 20% das matrículas nos Institutos Federais, respectivamente.

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a inconsistências, pela falta de padronização em sua geração e análise” (BRASIL, 2012b, p. 3). Terceiro, o SISTEC, que se mostrou útil para o registro de informações dos cursos técnicos dos Institutos Federais, incluindo os alunos em cada curso, conforme Parecer do CNE/CEB 14/2009 (BRASIL, 2009b), passando a ser utilizado para o cálculo dos indicadores. A Resolução CNE/CEB 03, de 30 de setembro de 2009 (BRASIL, 2009c), focada no ensino médio técnico, instituiu o SISTEC em substituição ao CNCT. Metodologicamente, a principal mudança com relação ao Relatório anterior está no uso do Ciclo de Matrícula, buscando uma melhor análise dos dados do SISTEC, condicionando a análise das matrículas dentro de um mesmo período. O Ciclo de Matrícula permite o registro e consequente acompanhamento individualizado de cada matrícula a partir do CPF do aluno. O Ciclo de Matrícula congrega - independentemente da organização em turmas e/ou turnos – o conjunto de matrículas na Unidade de Ensino, que possui: a) mesmo curso; b) mesmo tipo de oferta (subsequente, concomitante ou integrado); c) mesmas datas de início e previsão de término (BRASIL, 2012b, p. 5).

Também no Relatório de 2012, a SETEC realizou uma modificação no cálculo inicialmente proposto para os “Concluintes” das fórmulas de RCM e EAC. Os “Concluintes” passaram a ser as matrículas que estiveram ativas (em curso) e que foram finalizadas com êxito (alteradas para concluído ou integralizada fase escolar) durante o período em análise. Ao somar o integralizado em fase escolar, a fórmula passou a considerar aqueles que já cumpriram as disciplinas obrigatórias, mas não finalizaram a entrega do TCC ou estágio. Como se percebe, essa ainda não será a fórmula final informada no Manual de Indicadores de 2016 (BRASIL, 2016a), que irá voltar atrás e retirar esses registros da fórmula. As mudanças metodológicas e de cálculo, ainda que necessárias, inviabilizam comparações para uma série histórica. O RFE também irá sofrer mudança da metodologia (BRASIL, 2012b): o retido passou a ser entendido como aquele que não concluiu o curso no Ciclo de Matrícula. Interpreta-se que eventuais reprovações em componentes ou módulos individualizados durante o curso não configuram qualquer tipo de retenção (BRASIL, 2012b, p. 38). Como críticas finais, o Relatório (BRASIL, 2012b, p. 38) considera que falta a muitos Institutos apresentarem uma análise crítica das tabelas construídas e que diversos Institutos usam bases de dados próprias, e não o SISTEC, o que inviabiliza a comparação entre instituições e um cálculo fidedigno dos indicadores que contam com bases de dados estruturados de forma distinta. O Relatório referente ao exercício de 2012 (BRASIL, 2013a) segue a padronização do processo de geração e análise dos indicadores, priorizando o uso do SISTEC no que tange ao registro de alunos. Os dados primários foram extraídos na mesma data e para todas as instituições de forma centralizada na SETEC, com posterior conferência dos dados pelas instituições, com ganho de consistência nos resultados agregados. Na prática, porém, constatou-se que, ainda no segundo semestre de 2016, foram apresentados problemas de automação dos relatórios no SISTEC, necessitando da intervenção manual dos analistas para a extração dos dados brutos na SETEC antes de serem enviados às instituições de ensino para conferência. O SISTEC ainda não consegue dar o retorno das informações às instituições de forma simples, como relatório, desses dados. Então, para geração de relatórios de indicadores, por exemplo, a SETEC atua pegando a base geral, fazendo o tratamento e encaminhando para a instituição, dado a dado: “Assim, olha, esse aqui é o grupo de dados da sua instituição” (Comissão Permanente de Permanência e Êxito / Sistemas, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 174).

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Evasão Escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015 Denise Bianca Maduro Silva, Remi Castioni, Rogfel Thompson Martínez E até hoje nós temos problemas seríssimos com o SISTEC. Então, hoje, as instituições conseguem lançar os dados no sistema, mas a gente não consegue ter relatórios ainda gerenciais para acompanhar como é que estão essas matrículas. Então, nós usamos outros sistemas de uma maneira não tão bonita e nem tão inteligente para tirar esses números (Sistemas Informacionais, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 174). Dá trabalho um pouquinho. A gente vem tentando, ao longo do tempo, criar mecanismo no sistema para que ele dê esse retorno diretamente para a instituição. Ainda não conseguimos implementar, devido a detalhes que, infelizmente, não conseguem ser resolvidos em um botão. O problema “sistema”, a gente pensa que é um botão, mas é uma coisa muito mais complexa por trás. Então, a gente não está conseguindo criar esse mecanismo de retorno automático para eles. Então, a gente continua trabalhando aqui, tratando a informação e tentando encaminhar para a instituição esses dados (Comissão Permanente de Permanência e Êxito / Sistemas, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 175).  Mesmo com crescimento da base, que todo ano aparece “quatrocentos mil novas matrículas”. Vai se crescendo essa base, e a gente não consegue tratar (Comissão Permanente de Permanência e Êxito / Sistemas, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 175).

A RFEPT se manteve em expansão em 2012, com o aumento significativo do número de unidades de ensino e com o consequente incremento do número de vagas ofertadas, representando os cursos técnicos de nível médio 58% de toda oferta (BRASIL, 2013a, p. 36). Em suas Considerações Finais, o Relatório aponta sua incapacidade de adequar os indicadores à realidade da Rede Federal, em contínua expansão, e diante dos novos programas de incentivo à EPT que vinham surgindo no âmbito nacional, como o Bolsa Formação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego -PRONATEC e a Rede e-Tec9 (BRASIL, 2013a, p. 39). O Relatório referente ao exercício de 2013 (BRASIL, 2014) mantém a metodologia de extração e validação dos dados para composição dos indicadores, sem mencionar grandes mudanças conceituais. Para 2014 (BRASIL, 2015a), não foram considerados os dados relativos ao Programa Rede e-Tec Brasil (em 2014, essas vagas puderam ser separadas a partir de uma nova funcionalidade no SISTEC, algo próximo a 50 mil vagas), visando aproximar ao máximo os dados apenas das matrículas tidas como regulares, assim como no último relatório não haviam sido contabilizados os dados da Ação Bolsa Formação do PRONATEC. Somente matrículas regulares permaneceram, porque os programas que possuem financiamento próprio possuem, também, gestão própria e metodologia de execução particular (BRASIL, 2015a, p. 3-4). Em que pese essa justificativa, não considerar esses programas é também desconsiderar o esforço da Rede para implementá-los e o público que atende, subestimando seus dados e dificultando análises globais. Ademais, essas constantes mudanças nos dados considerados para análise continuam a inviabilizar comparações consistentes entre as séries históricas. O relatório referente a 2015 (BRASIL, 2016b) apresenta a mesma metodologia de extração e conferência dos dados para os chamados “cursos regulares”. No entanto, três mudanças conceituais irão impactar significativamente o resultado dos indicadores. Em 2015, foi regulamentado o conceito de “aluno equivalente”, conforme a Lei 11.892/2008 (BRASIL, 2008) e as Portarias MEC 818 (BRASIL, 2015b) e SETEC 25 (BRASIL, 2015c), que definem conceitos para a formulação de indicadores de gestão da RFEPT. O conceito de aluno equivalente incide 9

Baseada no ensino a distância, que oferece cursos na modalidade EPT gratuitos, realizados pelas escolas de ensino técnico (municipais, estaduais, federais) e universidades.

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sobre o cálculo da Relação Aluno por Professor. O cálculo baseado em número de matriculados, usado largamente na administração pública da educação desde a descentralização, incide diretamente sobre os recursos que serão recebidos por cada instituição. Pesquisas teóricas (LAPLANTE, 2014) e os depoimentos coletados, consideram importante ter em conta que tal pressuposto pode levar a erros na contabilidade dos evadidos, porque representa perda de financiamento. Mas é ainda pior do que isso, muito pior do que isso, que é a matriz orçamentária. Porque o recurso que vai para as instituições, quando ele chega no MEC, chega: “Aqui, ó, esse recurso é destinado para todas as instituições da Rede”. Quanto que cada instituição dessa vai receber desse bolo que a SETEC tem é dividido pelo número de matrículas. Então, é muito interessante para a escola que o aluno esteja ainda em curso, não só pela questão de “A minha escola não tem retenção, a minha retenção é baixa”, como principalmente por causa da matriz orçamentária, porque, numa divisão quem tem mais alunos leva um pedaço do bolo maior (Sistemas Informacionais, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 178). Para o cálculo da matriz orçamentária, vários desses conceitos também são aplicados. E um dos conceitos que têm no cálculo do aluno equivalente é a gente considerar: (talvez tenha sido pegar leve com as instituições) mas o aluno estava previsto para terminar um curso de dois anos, e ele está lá há quatro, ele já nem está entrando no cálculo do aluno equivalente. Poderia ser: a gente considerar três? Poderia. Mas, como não é uma coisa que está normatizada em lugar nenhum, a gente criou essa regra para tentar enxugar os números, porque nós sabemos que os números não são reais, mas a gente também não sabe dizer o que é real. (...) Então, essas metodologias, nós utilizamos para o cálculo dos indicadores. Mas o que é ruim? Não está normatizado. E a gente nem sabe da legalidade disso. Então, como o indicador a gente é que está criando, então nós criamos e falamos: “Ó, para esse indicador a regra é essa. Ponto” (Sistemas Informacionais, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 178).

Outras mudanças importantes aconteceram nos conceitos que fundamentam os termos dos cálculos dos indicadores consolidados na versão final presente no Manual de 2016 (BRASIL, 2016a): ● O aluno que deve apenas o trabalho final de curso ou estágio, no caso do ensino médio técnico, foi retirado do conceito de Concluintes. A SETEC passou a considerar que o discente em Integralização de Fase ainda não concluiu de forma exitosa o curso (BRASIL, 2016b, p. 5). A mudança no conceito de “Concluintes” muda os valores considerados para RCM e EAC. Apesar de adequar o cálculo à realidade e dar visibilidade a esses alunos que de fato não concluíram, muda toda a dinâmica dos cálculos anteriores, dificultando comparações, novamente. ● Em Finalizados, desde 2012, consideravam-se matrículas que foram finalizadas alteradas para o status Evadido, Abandonado, Transferido, Concluído ou Integralizada Fase Escolar, tendo mudado nas análises referentes a 2015. Percebe-se que passou a se considerar em Finalizado o status Reprovado, o que não ocorria antes, e retirou-se Integralizado em Fase Escolar (aluno que cumpriu as disciplinas obrigatórias, mas deve trabalho final de curso ou estágio). A fórmula EAC tem, assim, mudança nos dois termos de sua equação. ● De outro lado, em Matrículas Atendidas, passou-se a somar os Integralizado Em Fase Escolar. Assim, os indicadores RCM e o RFE na análise que tem por referência o ano de 2015 passaram a contabilizar também os que estiveram como Integralizado Em Fase Escolar após a previsão de fim do ciclo de matrícula, mudando os dois termos de suas equações.

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Por fim, o Relatório (BRASIL, 2016a) traz como inovação nos cálculos dos registros dos alunos o Fator de correção: “Se a matrícula é efetuada em anos anteriores ao ano do início do ciclo ou com 90 dias de antecedência ou mais ao início do ciclo, é considerada como data da matrícula, a data do início do ciclo” (BRASIL, 2016b, p. 6). Assim, cada indicador que considera o registro de matrículas irá ter seu Fator de correção, em sintonia, no outro termo da equação. O RCM e o EAC têm no outro termo da equação o Fator de Correção. Se a matrícula alterada para Concluído não for considerada como matrícula atendida no mesmo período, o registro não é considerado. O RFE também soma o “Fator de Correção” em Retidos da fórmula: “Se matrícula retida não for considerada como matrícula atendida no mesmo período, o registro não é considerado” (BRASIL, 2016b, p. 7). Os novos delineamentos para os cálculos são necessários e consistentes já que analisam a eficiência acadêmica do período determinado, mas dificultam comparações entre os relatórios. Apesar do contingenciamento de recursos em 2015 (por exemplo, Gasto com Investimento teve um corte de 47% de capital em 2015), o Relatório (BRASIL, 2016b) informa que a assistência estudantil, da Fonte 100, por sua vez, não sofreu cortes, mas aumento substancial no valor nominal, saindo de mais de 162 milhões em 2011 para mais de 414 milhões em 2015, representando, aproximadamente, 250% de acréscimo no período. Apesar do aumento dos valores destinados à assistência estudantil nos últimos anos, o Indicador Eficiência Acadêmica de Concluintes – EAC – diminuiu e o Indicador de Retenção do Fluxo Escolar – RFE- aumentou. Apesar do aumento contínuo no número de matriculados ao longo dos anos analisados, o Indicador Relação Concluinte por Aluno – RCM – não tem aumentado de forma proporcional às matrículas, mostrando que, “para haver aumento, medidas mitigadoras e inovadoras devem ser adotadas, tanto na permanência como no êxito dos alunos” (BRASIL, 2016b, p. 25). Os relatores denunciam que há dados de abandono cadastrados como retenção não atualizados no SISTEC (BRASIL, 2016b), o que também foi mencionada nas entrevistas10. Porque tem a questão do abandono e da evasão, a diferença de abandono para evasão. O aluno deixou de frequentar, a matrícula dele tem que ser reservada. Se ele quiser voltar, ele tem o direito a continuar os estudos. Mas, a partir de quando que a gente encerra ele? Então, há uma dificuldade que a gente tem muito grande no Sistec, que as instituições têm na ponta. Acaba que cada uma adota uma metodologia diferente. Mas quando você vai fazer uma análise de Brasil você nunca tem parâmetros muito determinados, parâmetros certos (Sistemas Informacionais, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 181).  Então, assim, a retenção já é um ponto de atenção muito grande. Agora, o fato de estar lá retido não significa dizer que o aluno necessariamente esteja na escola. Pode ser que ele ainda esteja nesse tempo até a instituição considerar como abandono (Sistemas Informacionais, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 181).

Finalizando, ressalta-se que os discursos e os documentos destacados pela SETEC/MEC neste estudo demonstram uma confusão real, ao longo de quase uma década, sobre o que é o aluno evadido na educação profissional, em especial no ensino médio técnico, o qual, apesar de sua especificidade, fica subsumido dentro de um bloco de Educação Profissional e Tecnológica- EPT. 10

Os relatores (BRASIL, 2016b) consideram os índices preocupantes e citam os Planos Estratégicos de Permanência e Êxito, que estavam sendo implementados em 2015, como atendimento à demanda do TCU (BRASIL, 2013b). (MADURO SILVA, 2018) discute a referida estratégia e constata que até o segundo semestre de 2016 a SETEC ainda estava em fase de recebimento dos Planos pelos Institutos Federais e de recomposição da equipe gestora responsável pelo acompanhamento da estratégia.

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Evasão Escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015 Denise Bianca Maduro Silva, Remi Castioni, Rogfel Thompson Martínez Ah! Eu acho que uma questão que é importante destacar, isso em âmbito nacional, é a regulação. Não! Regulação não é o nome certo, mas a normatização disso, a normatização de conceito. Igual ao exemplo que eu dei: O que que é uma evasão? A partir de quando que ela é considerada? O que que é êxito? É o aluno que está lá trabalhando? É o aluno que está fazendo pesquisa na área? Ou é o aluno que ele nem conseguiu diploma? Ou é o aluno que tem o diploma e, por exemplo, não está trabalhando? Eu acho que, em nível de Brasil, está faltando essa conceituação assim, pelo menos no nível de educação profissional. Nós ainda não temos uma política de evasão definida conceitualmente. (Sistemas Informacionais, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 182).  Claramente, hoje, para estudar a evasão na educação profissional, a gente não tem um indicador palpável. A gente não tem como dizer que essa evasão é assim por causa disso. Então, a gente até hoje no Ministério não tem. Se você perguntar para qualquer diretoria da SETEC que cuida da educação profissional aqui, nenhuma das diretorias tem um estudo conciso de evasão, porque a gente não consegue criterizar o que seria de fato a evasão na educação profissional (Bolsa Formação, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 182).  R2: […] E falta ter um conceito consolidado do que é evasão. Você tem que saber calcular no sistema, e as instituições que ofertam a educação profissional tecnológica têm que também ter esse entendimento, exatamente para entender lá na instituição o que é evasão, porque não adianta cada um ter um conceito de evasão e calcular a evasão diferentemente uma da outra. Então, a gente tem que ter um conceito. Qual a diferença entre evasão e retenção? R1: É. Existe um problema conceitual. O que é evasão em Minas não é evasão no Rio Grande do Norte. Então, você tem que colocar na discussão da sua tese. R2: Isso é importantíssimo. R1: É necessário uma uniformização ou uma padronização conceitual (Política II, Entrevista concedida a MADURO SILVA, 2018, p. 182).

5 Considerações finais A produção de dados numéricos sobre a evasão escolar na RFEPT está condicionada à existência de uma base de dados sobre a qual seriam realizados os procedimentos para sua obtenção. Sem ter acesso à base de dados brutos e refazer os cálculos com as diretrizes que foram surgindo, é impossível realizar comparações consistentes sobre o avanço ou retrocesso quantitativo da evasão escolar na RFEPT, em especial em relação ao ensino médio técnico. Ademais, nem sempre as novas diretrizes serão aplicáveis à base nos anos anteriores, porque o Sistema era outro – quando se utilizou o SIMEC ou os sistemas de cada instituição, implicando uma lógica completamente diversa em todos os sentidos (de arquitetura, conceitual, de coleta etc.), ou porque o mesmo Sistema em anos anteriores não oferecia determinada funcionalidade – como a separação dos dados referentes à Rede e-Tec – ou não existia determinado campo para lançamento do dado – por exemplo, o status trancamento, que até 2013 não existia – ou o campo teve sentidos distintos ao longo do tempo – como integralizado em fase escolar. Essas variações, ainda que dentro de um mesmo sistema, compromete todo o banco, porque o usuário, ao tentar realocar a realidade às categorias inexistentes à época, dará outras interpretações ao registro. Sem as modificações de cálculo, que variaram desde a fórmula até o que cabe em cada variável a cada tempo ou, mesmo, a própria existência da variável, fica impossibilitada uma comparação quantitativa com validade metodológica. Outro ponto a aperfeiçoar seria a própria formulação dos indicadores, que foi se adaptando entre a necessidade de se contabilizar e a realidade vivida pelos alunos transposta para os registros escolares e os sistemas de informática unidos em rede nacional. Trata-se de uma dinâmica complexa, que demanda 454 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 437-460, maio/ago. 2021


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atenção da gestão, a qual - principalmente no âmbito de um quadro de pessoal exíguo, como o da SETEC/MEC, e que se divide entre diferentes atividades - pode ficar relegada a segundo plano, caso o combate à evasão escolar não seja colocado como prioridade. Por meio da análise discorrida, percebe-se uma diversidade de situações e de entendimentos possíveis do termo evadido. As diferentes formas de conceituar e medir a evasão escolar mostram a complexidade de se analisar o problema quantitativamente e, ainda mais, comparativamente com bases de dados distintas, correndo-se o risco de deixar de comparar as mesmas unidades. Na RFEPT, ao longo de quase dez anos, vê-se a tentativa de pacificação de conceitos relacionados à evasão escolar para sua quantificação, o que não se dará sem divergências, pela dificuldade de um entendimento comum sobre o problema. Nesse processo também desempenhou papel fundamental a falta de uma estrutura gestora para a informação. É uma complexa dinâmica de gestão, que envolve: controle central e autonomia da instituição de ensino, operacionalização dos registros acadêmicos em um sistema eletrônico de registro e elaboração de cálculos que permitam dizer do todo e das partes ao mesmo tempo que estas se relacionam com as demais situações de registros existentes. Porém, é fundamental entender que apenas a existência dos sistemas eletrônicos para o registro e seu monitoramento quantitativo não garante a eficiência do combate à evasão escolar. Conclui-se da análise dos Relatórios de Gestão da SETEC/MEC, entre 2008 e 2015, que as modificações nos conceitos e fórmulas para se calcular quantitativos que possam dizer da evasão escolar na RFEPT constituíram-se em um processo lento e intimamente relacionado à falta de um consenso teórico e prático do que seria a evasão na EPT. Só com métodos, técnicas e procedimentos claros de gestão se pode construir uma política efetiva de combate à evasão escolar na RFEPT: com indicadores contextualizados, passíveis de serem utilizados para se fazer política com sentido na/de ação em prol de melhorias concretas e não apenas como manobras discursivas para implementação de políticas arbitrárias conforme interesses privados dos atores estatais. Ainda que fuja do período proposto para análise neste artigo, ressalta-se a criação da Plataforma Nilo Peçanha, gestada no ano de 2017 e instituída pela Portaria SETEC n.1, de 03 de janeiro de 2018, que surge com a finalidade de reunir informações acadêmicas e administrativas de todas as unidades da RFEPT (MORAES et al., 2018). A Plataforma foi uma resposta aos constantes questionamentos dos órgãos de controle, como o TCU, por indicadores de gestão para a RFEPT, e tem, dentre suas principais preocupações, a definição de conceitos, a modelagem dos indicadores, as estratégias de coleta e validação dos dados e os procedimentos para a divulgação dos seus resultados. A Plataforma Nilo Peçanha representa um avanço para o aperfeiçoamento e acompanhamento das estatísticas e criação de indicadores para a Rede, devendo ser objeto de análise em trabalhos futuros, para os quais este artigo pode representar uma fonte de comparação histórica. Em vista das discussões apresentadas, por fim, a presente análise do processo de construção dos indicadores, entre 2003 e 2015, como forma de mapeamento da evasão escolar na RFEPT desnaturaliza o discurso tecnicista da gestão que leva ao esvaziamento político, demonstrando suas arbitrariedades e revelando que a construção de indicadores implica escolhas baseadas em questões culturais e sociais, em conhecimentos práticos, teóricos e metodológicos, em normas institucionais e, em última instância, no sentido e na direção esperada para as políticas públicas de educação profissional. É preciso estabelecer formas de combate à evasão escolar na RFEPT, em especial no ensino médio técnico, para além do numérico e do meramente econômico, de forma consciente e contando com a participação da comunidade escolar; fazendo a mudança onde realmente importa para que, assim, incontáveis trajetórias estudantis de jovens não sejam interrompidas.

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Agradecimentos Apoio Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

COMO CITAR (ABNT): MADURO SILVA, D. B.; CASTIONI, R.; THOMPSON MARTÍNEZ, R. Evasão escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 437-460, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p437-460. Disponível em: http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15936. COMO CITAR (APA): Maduro Silva, D. B., Castioni, R. & Thompson Martínez, R. (2021). Evasão escolar e os Indicadores da Rede Federal de Educação Profissional no Brasil entre 2003 e 2015. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 437-460. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p437-460.

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Submetido em: 1 fev. 2021 Aceito em: 1 maio 2021

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p461-483

Caracterização das questões de Biologia do Vestibular Estadual do Rio de Janeiro e do Exame Nacional do Ensino Médio Renata Gaudard Pacheco https://orcid.org/0000-0001-6341-1155 Licenciada em Pedagogia pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) Campus Cabo Frio/RJ – Brasil. E-mail: regaudard@gmail.com. Jorge Augusto de Souza Santos https://orcid.org/0000-0001-7363-0204 Especialista em Anatomia e Biomecânica pela Universidade Castelo Branco (UCB) – Rio de Janeiro/RJ – Brasil. E-mail: jorge.santos@e24h.com.br. Alexandre Mioth Soares https://orcid.org/0000-0002-4492-2440 Mestre em Engenharia Ambiental pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense). Servidor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) Campus Arraial do Cabo/RJ – Brasil. E-mail: alexandre.soares@ifrj.edu.br.

Resumo O presente trabalho teve por objetivo a caracterização das questões de Biologia do Exame Nacional do Ensino Médio e do Vestibular Estadual do Rio de Janeiro. Os temas analisados neste estudo foram: Introdução à Vida, Bioquímica, Biologia Celular, Tecidos Animais, Seres Vivos, Anatomia e Fisiologia Comparadas, Genética, Evolução, Ecologia e Ciências Ambientais e Morfologia, Fisiologia dos Vegetais. Como resultado, foram encontradas 320 questões de Biologia no Vestibular Estadual, entre os anos de 1997 e 2020, e 396 no ENEM, entre os anos de 1998 e 2019. O Vestibular Estadual foi caracterizado pelo predomínio de questões relacionadas à estrutura e ao funcionamento do corpo humano, enquanto que o ENEM se caracterizou pelo predomínio de questões de Ecologia e Meio Ambiente. Espera-se que este trabalho sirva de base para o melhor entendimento das diferenças entre esses dois modelos de avaliação de acesso ao ensino superior. Palavras-chave: Biologia. Ciências da Natureza. Exame Nacional do Ensino Médio. Vestibular Estadual do Rio de Janeiro.

Characterization of Biology questions in the Rio de Janeiro State and the National High School Entrance Exam Abstract This study aimed to characterize Biology questions on the National High School Exam and the Rio de Janeiro State University Entrance Test. The topics analyzed in this study were: Introduction to Life, Biochemistry, Cell Biology, Animal Tissues, Living Beings, Compared Anatomy and Physiology, Genetics, Evolution, Ecology and Environmental Sciences, Morphology and Physiology of Vegetables. As a result, we have found 320 Biology questions in the Rio de Janeiro State Entrance Test, between the years 1997 and 2020, and 396 in the National High School Entrance Exam, between the years 1998 and 2019. The Rio de Janeiro State Entrance Test was characterized by the predominance of questions related to the structure and function of the human body, while the National High School Exam was characterized by the predominance of Ecology and Environment issues. As a result, it is expected that this study be useful as a basis for better understanding of the differences between these two higher education assessment tests. Keywords: Biology. Natural Science. National High School Exam. Rio de Janeiro State Entrance Test.

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Caracterización de las preguntas de Biología del Examen de Ingreso del Estado de Rio de Janeiro y del Examen Nacional de la Escuela Secundaria Resumen El presente estudio tuvo como objetivo caracterizar las preguntas de Biología del Examen Nacional de la Escuela Secundaria y del Examen de Ingreso del Estado de Río de Janeiro. Los temas tratados en este estudio fueron: Introducción a la Vida, Bioquímica, Biología Celular, Tejidos Animales, Seres Vivos, Anatomía y Fisiología Comparadas, Genética, Evolución, Ecología y Ciencias Ambientales, Morfología y Fisiología de Vegetales. Como resultado, se encontraron 320 preguntas de Biología en el Examen de Ingreso del Estado de Río de Janeiro, entre 1997 y 2020, y 396 en el Examen Nacional de la Escuela Secundaria, entre 1998 y 2019. El Examen de Ingreso del Estado de Río de Janeiro se caracterizó por el predominio de temas relacionados a la estructura y funcionamiento del cuerpo humano, mientras que el Examen Nacional de la Escuela Secundaria se caracterizó por el predominio de cuestiones de Ecología y Medio Ambiente. Se espera que este trabajo sirva de base para una mejor comprensión de las diferencias entre estos dos modelos de evaluación de acceso a la educación superior. Palabras clave: Biología. Ciencias de la Naturaleza. Examen Nacional de la Escuela Secundaria. Examen de Ingreso del Estado de Rio de Janeiro.

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1 Introdução O ingresso ao ensino superior é um tema repleto de polêmicas e discordâncias (MANZANO; LOPES, 2010). Em conformidade com Barros (2014), desde a sua criação, o sistema de seleção à educação superior no Brasil converteu-se em um problema complexo, impregnado por barreiras, às vezes ocultas, mas bastante eficientes. Segundo esse autor, oficialmente, o primeiro instrumento de seleção foi definido pelo Decreto 8.659, de 5 de outubro de 1911 (BRAZIL, 1911), que aprovou a Lei Orgânica do Ensino Superior e do Fundamental. No artigo 65 do presente instrumento legal estava previsto que “para concessão da matricula, o candidato passará por exame que habilite a um juizo de conjuncto sobre o seu desenvolvimento intellectual e capacidade para emprehender efficazmente o estudo das materias que constituem o ensino da faculdade”. Porém, conforme afirma Santos (1988), citado por Dias et al. (2008), foi a partir de 1953 que se criaram exames de habilitação que tinham a finalidade de verificar se os alunos apresentavam condição mínima de frequentar um curso superior e de classificar os candidatos em ordem de desempenho médio final. Considerando a elevada desigualdade social que assola o país há décadas, existem grandes evidências de que os estudantes selecionados eram historicamente os indivíduos brancos e os de classes sociais mais favorecidas. Mais recentemente, novos instrumentos legais vêm trazer luz sobre a redução dessas desigualdades. De acordo com a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 2016, p. 123), a educação deverá ser direito de todos e dever do Estado e deverá ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), o ensino deverá ser ministrado, dentre outros princípios, na igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. No entanto, apesar desses dispositivos, devido à enorme heterogeneidade social e à falta de vagas nas universidades públicas associada às elevadas mensalidades nas privadas, um grande número de jovens ainda se veem excluídos do acesso ao ensino superior. Restava, então, ao governo federal, a adoção de medidas que viessem a mensurar o desempenho dos estudantes ao final da educação básica como política pública de democratização e melhoria da qualidade da educação. Neste contexto, foi criado o Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM. O ENEM foi criado em 1998 pelo Ministério da Educação para avaliar as competências e habilidades desenvolvidas pelos alunos que estão concluindo ou já concluíram o Ensino Médio (SANTOS, 2011). O exame, inicialmente, tinha como objetivo fornecer informações sobre estratos específicos para ações do poder público e disponibilizar informações aos estudantes para que eles mesmos avaliassem seu desempenho em comparação com os dados gerais e não se voltar para avaliação individual (VIGGIANO; MATTOS, 2013). Entre 1998 e 2008, as provas foram compostas por 63 questões estruturadas a partir de uma matriz de 21 habilidades e uma redação aplicadas em um único dia (INEP, 2019). No que tange ao novo ENEM, realizado a partir de 2009, este é composto por testes de rendimento (provas) em quatro áreas do conhecimento humano, a saber: a) linguagens, códigos e suas tecnologias (incluindo redação); b) ciências humanas e suas tecnologias; c) ciências da natureza e suas tecnologias; e d) matemática e suas tecnologias (ANDRIOLA, 2011). Também a partir de 2009, medidas governamentais estimularam o uso do ENEM não apenas como um processo de avaliação do Ensino Médio, mas como forma de acesso ao ensino superior no Brasil (SILVEIRA et al., 2015). Segundo esses autores, o Sistema de Seleção Unificada (SiSU) passou a operar em larga escala no processo de alocação dos candidatos. No entanto, nem todas as 463 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 461-483, maio/ago. 2021


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universidades brasileiras aderiram ao ENEM como forma de seleção. Uma das universidades de prestígio que manteve seu vestibular como forma de acesso aos seus cursos de graduação foi a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A Universidade do Estado do Rio de Janeiro foi criada no então Distrito Federal por força da Lei Municipal nº 547, de 4 de dezembro de 1950, cujo teor a define como herdeira da primeira Universidade do Distrito Federal, criada no ano de 1935 sob inspiração de Anísio Teixeira (UERJ, 2014, 2015). Ela foi constituída pela junção de quatro faculdades: Faculdade de Direito (criada em 1935), Faculdade de Filosofia do Instituto La-Fayette (criada em 1939), Faculdade de Ciências Econômicas do Estado do Rio de Janeiro (criada em 1930) e Faculdade de Ciências Médicas (criada em 1940) (UERJ, 2014, 2015). Segundo Almeida et al. (2018), a UERJ é considerada a primeira universidade do Brasil a adotar a política de reserva de vagas. De acordo com Machado e Paura (2007), o ingresso nas vagas reservadas teve início no vestibular de 2003, abarcando as duas universidades estaduais do Rio de Janeiro, a UERJ e a UENF. O sistema de cotas nessas universidades deu-se por meio de dois dispositivos (RIO DE JANEIRO, 2000, 2001), o primeiro relativo aos estudantes da rede pública e o segundo aos afrodescendentes. Em relação aos seus processos de seleção, a UERJ acompanhou um movimento organizado em seu vestibular, com duas fases de provas: o exame de qualificação, com questões de múltipla escolha, e o exame discursivo (BERNARDO et al., 2018). No que diz respeito a esses exames, a área de Ciências da Natureza, sobretudo a Biologia, apresenta um papel de destaque. A Biologia divide com outras ciências o feito de estabelecer perguntas sobre o meio natural, refletir sobre as situações da vida cotidiana e do âmbito científico e, ainda, eleger as respostas mais adequadas dentre as possibilidades aplicadas a cada realidade (DIAS et al., 2010). Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (BRASIL, 2000), é objeto de estudo da Biologia o fenômeno vida em toda sua diversidade de manifestações, sendo esse caracterizado por um conjunto de processos organizados e integrados, no nível de uma célula, de um indivíduo, ou ainda de organismos no seu meio. Porém, conforme Borges e Lima (2007), o ensino de Biologia organiza-se ainda hoje de modo a privilegiar o estudo de conceitos, linguagens e metodologias desse campo, tornando as aprendizagens pouco adequadas para a interpretação e a intervenção na realidade. Segundo esses autores, atender às demandas atuais exige uma reflexão profunda sobre os conteúdos abordados e sobre os encaminhamentos metodológicos propostos nas situações de ensino. Diante do apresentado, o presente estudo teve por objetivo caracterizar as questões de Biologia do Exame Nacional do Ensino Médio e do Vestibular Estadual do Rio de Janeiro como base para melhor compreensão das diferenças entre esses dois modelos de avaliação, além de integrar projeto maior de elaboração de banco de questões de Biologia para uso de professores e alunos da rede pública de ensino.

2 Metodologia As questões de Biologia do presente estudo foram extraídas da homepage do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP, 2020) e de portais de vestibular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ, 2020a, 2020b). A utilização de dois portais diferentes da UERJ justifica-se pelo fato de que as provas de 2012 a 2020 da instituição estavam hospedadas em um site (www.vestibular.uerj.br), enquanto as de 1997 a 2011 estavam hospedadas em outro 464 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 461-483, maio/ago. 2021


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(www.vestibular.dsea.uerj.br). Das questões extraídas, optou-se pela utilização daquelas relacionadas apenas aos conteúdos de Biologia. Itens interdisciplinares, que dependiam de conhecimentos complexos de outras disciplinas para a resolução, como Matemática, Física e Química, foram excluídos da pesquisa. Como alguns arquivos encontravam-se bloqueados para edição, foi necessária a utilização de programas on-line para o desbloqueio desses arquivos. Foram eles: o smallpdf.com e o www.ilovepdf.com. Em relação ao ENEM, de 1998 a 2008, foi utilizado o caderno amarelo de provas, que dispunha de 63 itens interdisciplinares, sem articulação direta com os conteúdos ministrados no ensino médio, enquanto de 2009 a 2016, foi utilizado o caderno de provas azul, caracterizado por 180 perguntas objetivas em quatro áreas do conhecimento (incluindo redação), sendo cada área composta com 45 questões cada (ANDRIOLA, 2011). De 2017 a 2019 foram utilizados novamente os cadernos amarelos, porém com uma estrutura totalmente reformulada quando comparada à da primeira geração do exame. No caso do Vestibular Estadual (UERJ/UENF), foram utilizadas as provas de Biologia dos Vestibulares de 1997 a 2000, com 15 questões cada, e as do 1° e 2° Exames de Qualificação do vestibular, sendo que, neste estudo, não houve uma separação entre os exames de qualificação para melhor comparação com os resultados do ENEM. Além desses, foram utilizados o Exame Final de 2004 e os Simulados da UERJ de 2018 e 2019. Para a distribuição dos conteúdos, foi utilizada a disposição proposta por livros de Biologia do Ensino Médio, sendo o principal o livro BIOLOGIA HOJE, de autoria de Sérgio Linhares e Fernando Gewandsznajder (LINHARES; GEWANDSZNAJDER, 2013a; 2013b; 2013c), e de forma secundária, o livro BIOLOGIA MODERNA, de autoria de José Mariano Amabis e Gilberto Rodrigues Martho (AMABIS; MARTHO, 2016a; 2016b; 2016c). Esses livros foram escolhidos porque apresentaram resultado satisfatório no levantamento de livros didáticos de Biologia, do Programa Nacional do Livro do Ensino Médio (PNLEM), conduzido por El-Fani et al. (2011). Nesse estudo, BIOLOGIA HOJE ficou em primeiro lugar, com 18 pontos, enquanto BIOLOGIA MODERNA ficou em terceiro, com 15 pontos, em um total de nove livros recomendados. Os conteúdos de Biologia do presente estudo ficaram organizados da seguinte forma: Introdução à Biologia ou Visão Geral da Vida, Bioquímica ou Química da Vida, Biologia Celular, Histologia ou Tecidos Animais, Seres Vivos, Anatomia e Fisiologia Comparadas dos Animais, Genética, Evolução, Ecologia e Ciências Ambientais e Morfologia e Fisiologia das Angiospermas. A distribuição dos conteúdos de Biologia no estudo pode ser identificada no mapa mental abaixo, elaborado através do website Coggle.it (Figura 1).

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Figura 1. Mapa mental contendo dez grandes temas da Biologia normalmente abordados no Ensino Médio e cobrados no ENEM e no Vestibular Estadual do Rio de Janeiro (UERJ/UENF)

Fonte: autoria própria

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3 Resultados e Discussões Apesar de a Biologia ser uma disciplina cujos conceitos se entrelaçam durante os três ou quatro anos do Ensino Médio, é bastante comum a sua setorização em grandes temas para facilitar seu aprendizado. No presente estudo, optou-se por dividir a Biologia em Introdução ao Estudo da Vida, Bioquímica, Biologia Celular, Tecidos Animais, Os Seres Vivos, Anatomia e Fisiologia Comparadas, Genética, Evolução, Ecologia e Ciências Ambientais e Morfologia e Fisiologia dos Vegetais. Esta proposição, no entanto, não tem a ambição de ser a mais apropriada. Cada educador tem a autonomia para construir seu programa de Biologia com base nas suas experiências pessoais e profissionais, no seu envolvimento com o meio ambiente, na sua forma de integração com a sociedade, além de outros fatores que possam interferir, de forma direta e indireta, na escolha e na ordenação dos conteúdos. No que diz respeito a análise das questões de Biologia do ENEM e de outros processos seletivos de acesso ao ensino superior, que é objeto deste estudo, percebe-se que pode existir uma variação nos resultados obtidos por diferentes estudos. Um exemplo dessa variação foram os resultados encontrados por Mancini et al. (2017, 2019) e por Stadler e Hussein (2017). Ambos os trabalhos analisaram as provas do ENEM de 2009 a 2014. No entanto, enquanto o primeiro estudo encontrou 96 itens, o segundo identificou 108. Essas diferenças podem ser justificadas por procedimentos metodológicos distintos ou pelo escopo da pesquisa definido pelo autor. Mancini et al. (2017, 2019), por exemplo, utilizaram a Taxonomia de Bloom Revisada como procedimento metodológico, enquanto Stadler e Hussein (2017) realizaram estudo sobre interdisciplinaridade e contextualização nas provas de Ciências da Natureza. Neste estudo, que objetivou a comparação das questões de Biologia do ENEM e do Vestibular Estadual do Rio de Janeiro, foram selecionadas as questões de Biologia que apresentaram o menor grau de interdisciplinaridade possível, ou seja, aquelas que não necessitam de conhecimentos complexos de outras disciplinas para que elas pudessem ser resolvidas. Nesse contexto, foram identificadas 320 questões de Biologia no Vestibular Estadual e 396 questões no ENEM. No caso do Vestibular Estadual, houve predominância de questões sobre Biologia Celular, com 74 itens, e Anatomia e Fisiologia Comparadas, com 63. No caso do ENEM, houve uma predominância de questões sobre Ecologia e Ciências Ambientais, com 168 itens. Apesar do tamanho amostral de ENEM ser menor, de 1998 a 2019, o maior número de questões de Biologia nesse exame pode ser justificado pela mudança no seu modelo. Enquanto nos primeiros anos (1998 a 2008), havia apenas 63 questões em um caderno único, em 2009 houve um acréscimo significativo de questões em razão da adoção de quatro áreas de conhecimento com 45 questões cada (180 no total). No Vestibular Estadual, o modelo de avaliação tem sido o mesmo desde 2001: dois Exames de Qualificação e um Exame Discursivo, incluindo a redação. Nas figuras 2 e 3, é possível verificar a frequência de questões por conteúdo no Vestibular Estadual do Rio de Janeiro (entre 1997 e 2020) e no Exame Nacional do Ensino Médio (entre 1998 e 2019).

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Figura 2. Frequência de questões de Biologia por conteúdo no Vestibular Estadual do Rio de Janeiro 0

20

Introdução à Biologia

40

60

80

100

120

140

160

180

200

9

Química da Vida

33

Biologia Celular

74

Tecidos Animais

13

Os Seres Vivos

36

Anatomia e Fisiologia Comparadas

63

Genética

19

Evolução

18

Ecologia

48

Morfologia e Fisiologia Vegetais

7

Fonte: autoria própria (2020)

Figura 3. Frequência de questões de Biologia por conteúdo no Exame Nacional do Ensino Médio 0

20

Introdução à Biologia

40

60

80

100

120

140

180

7

Química da Vida

13

Biologia Celular

40

Tecidos Animais

13

Os Seres Vivos

54

Anatomia e Fisiologia Comparadas

46

Genética

22

Evolução

30

Ecologia Morfologia e Fisiologia Vegetais

160

168 3

Fonte: autoria própria (2020)

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200


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Na transição do 9° ano do Ensino Fundamental para o 1° ano do Ensino Médio, verificam-se mudanças profundas nos conteúdos e nos métodos utilizados, sendo uma das mais complexas a transformação de Ciências em Química, Física e Biologia. Educadores mais experientes e os ainda em formação devem ter um cuidado redobrado com este público, pois além das mudanças acadêmicas, é necessário que se destaquem as alterações biológicas típicas desse grupo. Com vistas a atenuar o impacto que essas disciplinas possam causar no início do Ensino Médio, são necessárias estratégias pedagógicas que tornem mais palatáveis os conteúdos apresentados. Posto isso, no âmbito da Biologia, é necessário que se apresentem conceitos fundamentais que, embora ainda pareçam superficiais, serão fundamentais para a compreensão dos que virão no futuro. Sendo assim, neste estudo foram elencados como conceitos fundamentais em Biologia as características gerais dos seres vivos (o que eles apresentam que os diferenciam da matéria bruta), a origem da vida (que hipóteses existem para o surgimento das primeiras formas de vida), os níveis de organização da vida (de que forma a vida se organiza) e o método científico (de que forma se estuda a vida). Neste estudo, a quantidade de questões de Introdução à Biologia foi bastante reduzida tanto no Vestibular Estadual como no ENEM. No caso do Vestibular Estadual, destacou-se o tema Investigação Científica, com seis questões (Figura 4). Figura 4. Quantidade de questões por conteúdo (Visão Geral da Vida) no Vestibular Estadual e no ENEM Vestibular Estadual do Rio de Janeiro 10

Exame Nacional do Ensino Médio 10

8

Características Gerais

8

Características Gerais

6

A Organização da Vida

6

A Organização da Vida

4

A Investigação Científica

4

A Investigação Científica

2

A Origem da Vida

2

A Origem da Vida

0

0

Fonte: autoria própria (2020)

A relevância da Bioquímica para a sociedade nunca foi tão grande; o impacto da biotecnologia e os avanços na medicina, agricultura, ciências do meio ambiente, ciências forenses e muitos outros campos apresentam profundas implicações para o futuro da humanidade (GOMES; RANGEL, 2006 apud SOLNER et al., 2020). Apesar da importância, o ensino de Bioquímica pode ser considerado um dos desafios mais complexos do Ensino Médio, uma vez que essa disciplina tem como foco o estudo de moléculas invisíveis ao microscópio óptico convencional, restando aos alunos a observação dessas estruturas por meio de imagens via livros didáticos ou por meio de ilustrações ou animações via rede mundial de computadores (internet), não sendo possível sua observação de forma direta. No presente estudo, foi possível perceber uma maior quantidade de questões de Bioquímica no Vestibular Estadual, com predomínio de questões sobre Enzimas ou Catalisadores Biológicos. A utilização de questões sobre este tópico no Vestibular Estadual pode ser justificada por sua importância biológica, uma vez que as 469 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 461-483, maio/ago. 2021


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enzimas são responsáveis pelos mais diversos processos metabólicos do organismo, sejam eles de síntese ou de degradação. Além disso, o tema Enzimas envolve aspectos relevantes de seu funcionamento, como o seu mecanismo de chave-fechadura (especificidade para um determinado substrato) e os fatores que influenciam a velocidade das reações enzimáticas, como a concentração de substrato, o pH e temperatura. No ENEM, o tópico com maior número de questões foi Água e Sais Minerais, com apenas sete itens entre os anos de 1998 a 2019 (Figura 5). Figura 5. Quantidade de questões por conteúdo (Química da Vida) no Vestibular Estadual e no ENEM 20

Vestibular Estadual do Rio de Janeiro Água e Sais Minerais Glicídios e Lipídios

15

Aminoácidos e Proteínas

10

Enzimas

20

Exame Nacional do Ensino Médio

15

10

Água e Sais Minerais Glicídios e Lipídios Aminoácidos e Proteínas Enzimas

5

Vitaminas

5

Vitaminas

0

Metabolismo Energético

0

Metabolismo Energético

Fonte: autoria própria (2020)

A Biologia Celular é relevante para entender a dinâmica da vida no seu conceito mais simples e basal, ou seja, de que todos os seres vivos são formados por células independente do seu grau de complexidade (SANTOS; CORTELAZZO, 2013). Para Ferreira e Batista (2020), a Biologia Celular é uma ciência que explora as atividades que ocorrem no interior de uma célula e aborda diversos aspectos microscópicos e submicroscópicos da vida, como moléculas e macromoléculas, ligações químicas e energia, organelas e ambientes químicos. Apesar da importância, a Biologia Celular também apresenta a mesma problemática da Bioquímica: as estruturas celulares são bastante reduzidas, o que dificulta a observação direta. Dependendo do equipamento e da técnica empregada, componentes macrocelulares, como a membrana, o citoplasma e o núcleo, podem até ser observados pelo microscópio óptico convencional, porém sem o nível de detalhamento adequado para a compreensão da organização e do funcionamento dessas estruturas. Um outro problema relacionado ao estudo da Biologia Celular foi reportado por Pacheco e Soares (2020) em estudo sobre o acompanhamento dos indicadores da educação básica em um município do litoral fluminense, onde a existência de laboratórios de Ciências nas escolas das redes pública e privada foi considerada apenas rara com porcentagem de ocorrência de variando de 13,6% a 18,2%. Sem infraestrutura de laboratórios, os estudantes se voltam para o estudo do tópico por meio de livros didáticos e imagens e animações via internet. Uma alternativa viável, utilizada por alguns educadores e muito exitosa, é a construção de modelos 3D pelos alunos com materiais diversos. Voltado para o cerne da questão da presença do tema Biologia Celular no ENEM e no Vestibular, encontrou-se na literatura o trabalho de Andrade e Souza (2018) sobre a análise de questões de Biologia Celular no Vestibular da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), cujos assuntos mais abordados foram: as células dos tecidos, as organelas e o citoplasma e a divisão celular. No presente estudo, tanto no Vestibular Estadual como no ENEM, o assunto mais abordado foi o núcleo celular. Apesar da importância de todas as 470 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 461-483, maio/ago. 2021


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estruturas e organelas citoplasmáticas, incluindo a estrutura de mosaico fluido da membrana e a organização e o funcionamento de mitocôndrias e cloroplastos, presume-se que a maior quantidade de questões sobre o núcleo celular tenha ocorrido em função da relevância do papel dos ácidos nucleicos na transmissão das características hereditárias e na síntese de proteínas do organismo (Figura 6). Figura 6. Quantidade de questões por conteúdo (Biologia Celular) no Vestibular Estadual e no ENEM Vestibular Estadual do Rio de Janeiro Membrana Plasmática Citoplasma

20 15

Mitocôndrias e Respiração Cloroplastos e Fotossíntese Núcleo Celular

10 5

Exame Nacional do Ensino Médio Membrana Plasmática Citoplasma e Organelas Mitocôndrias e Respiração Cloroplastos e Fotossíntese Núcleo Celular

20 15 10 5

A Divisão Celular 0

A Divisão Celular 0

Fonte: autoria própria (2020)

Segundo as características morfológicas e as propriedades funcionais, há quatro tipos básicos de tecidos nos animais: o tecido epitelial, o tecido conjuntivo, o tecido muscular e o tecido nervoso (ROSS; PAWLINA, 2012 apud MONTANARI, 2016). De acordo com Dias (2020), essa subdivisão é por muitas vezes considerada entediante no Ensino Médio, desperta pouco interesse nos estudantes e causa discrepância no processo de ensino e aprendizagem quando comparada com outras áreas da Biologia. A quantidade de questões sobre Tecidos Animais foi muito reduzida no Vestibular Estadual e no ENEM, apenas 13 em cada exame. No ENEM, no entanto, ocorreu um predomínio absoluto de itens sobre Tecido Conjuntivo Hematopoiético e Sistema Imunitário (Figura 7). Figura 7. Quantidade de questões por conteúdo (Tecidos Animais) no Vestibular Estadual e no ENEM

Vestibular Estadual do Rio de Janeiro 20

Tecido Epitelial

18 16

Exame Nacional do Ensino Médio 20 18

Tecido Epitelial

16

14

Tecido Conjuntivo e Sist. Imunitário

12 10

14 12

Tecido Conjuntivo e Sist. Imunitário

10

8

Tecido Muscular

6

8

Tecido Muscular

6

4

4

2

Tecido Nervoso

0

2 0

Fonte: autoria própria (2020)

471 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 461-483, maio/ago. 2021

Tecido Nervoso


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O assunto Seres Vivos no Ensino Médio é um tema bastante extenso, que vai desde a classificação biológica, proposta pela naturalista sueco Carl von Linné, até o estudo dos vertebrados superiores. Esse tema também costuma acolher o estudo de vários organismos causadores de doenças, como os vírus, as bactérias e os protozoários. Devido à enorme complexidade do assunto, é comum a divisão desse item em ciências específicas. Por essa razão, vírus, bactérias e protozoários costumam ser objetos de uma disciplina chamada Microbiologia. Os fungos são objeto de estudo da Micologia, os vegetais são estudados pela Botânica e os animais pela Zoologia. No caso da Microbiologia, a mesma está intimamente ligada ao exercício da cidadania, pois sua incompreensão pode permitir pensamentos de senso comum, como o de que determinadas doenças são específicas e naturais das camadas menos privilegiadas da sociedade ou de uma determinada região do planeta (CAMARGO et al., 2018). Por meio de considerações sobre contextualização e interdisciplinaridade na abordagem da Microbiologia no novo ENEM, Sodré-Neto e Medeiros (2018) encontraram 36 itens com algum conteúdo de Microbiologia entre os anos de 2009 e 2015. Quanto à Botânica, é um ramo da Biologia que se preocupa em estudar as características dos vegetais, sendo a fisiologia, a morfologia e a anatomia algumas delas (BATISTA; ARAÚJO, 2015). Segundo esses autores, o ensino de Botânica no contexto escolar, por conter termos científicos e conteúdo de difícil compreensão, pode tornar o tema exaustivo, desmotivador e desinteressante para os estudantes. Em estudo sobre conteúdos de Botânica em provas de ingresso ao ensino superior no Piauí entre os anos de 2006 e 2010, Silva e Abreu (2014) identificaram 17 questões sobre esse tema na Universidade Federal do Piauí, 14 itens na Universidade Estadual do Piauí e sete no ENEM. O ensino de Zoologia no Ensino Médio compreende a apresentação de diversos filos animais, invertebrados e vertebrados. Devido à extensão do assunto, à falta de tempo do professor (carga horária reduzida) e a ausência de laboratórios de Ciências, esses grupos costumam ser abordados de forma superficial. São grupos invertebrados presentes no ensino de Biologia no Ensino Médio: poríferos, cnidários, platelmintos, nematódeos, moluscos, anelídeos, artrópodes e equinodermas. Protocordados, peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos são os grupos de vertebrados presentes no Ensino Médio. Em estudo sobre abordagem dos conteúdos zoológicos no ENEM entre os anos de 2009 e 2016, Silva e Silva (2020) identificaram 34 itens de Zoologia das 450 questões da área de Ciências da Natureza do ENEM, pois consideraram que estes tinham algum conteúdo referente ao estudo dos animais. No presente estudo, verificou-se uma maior quantidade de questões de Microbiologia nas provas do ENEM, principalmente devido à ocorrência de itens sobre as algas e os protozoários, o que não ocorreu no Vestibular Estadual. O tema Fungos apresentou um número bastante reduzido de questões: nenhuma na UERJ/UENF e uma no ENEM. Em relação à Botânica, o Vestibular Estadual apresentou nove itens, enquanto que o ENEM apresentou quatro. Quanto à Zoologia, parece haver uma semelhança entre os dois tipos de exames, com o predomínio de questões sobre invertebrados (Figura 8).

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Figura 8. Quantidade de questões por conteúdo (Os Seres Vivos) no Vestibular Estadual e no ENEM Vestibular Estadual do Rio de Janeiro Exame Nacional do Ensino Médio Classificação 20

Vírus Os Procariontes

15

Classificação 20 15

Algas e Protozoários 10

Os Fungos As Plantas

5

Os Vertebrados

Os Procariontes Algas e Protozoários

10 5

Os Invertebrados 0

Vírus

Os Fungos As Plantas Os Invertebrados

0

Os Vertebrados

Fonte: autoria própria (2020)

A Anatomia e a Fisiologia Humana vêm despertando o interesse de diversos intelectuais há séculos. Segundo o Jornal da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, 2013), Leonardo da Vinci desenhou órgãos e elementos dos sistemas anatomofuncionais do corpo humano em um estudo que começou pela leitura das obras de autores da medicina pré-renascentista, como Galeno de Pérgamo (129200), Mondino dei Luzzi (1270-1326) e Avicena (980-1037), como também participou de dissecações do corpo humano e de diversos animais. Atualmente, embora a Anatomia e a Fisiologia Humana sejam estudadas de forma separada no ensino superior, no ensino médio costumam ser analisadas de forma simultânea. Outra característica do ensino dessas disciplinas no ensino médio é a vinculação da Anatomia e Fisiologia Humanas à análise dos atributos anatômicos e fisiológicos de outros animais, o que fez surgir uma nova abordagem: a Anatomia e a Fisiologia Comparada dos Animais. Analisando os conteúdos das questões de Fisiologia Humana das provas de Ciências da Natureza do ENEM, entre os anos de 1998 e 2016, Miranda et al. (2019) verificaram a ocorrência de 38 questões relacionadas a essa temática dentre os 294 itens de Biologia analisados. No Vestibular Estadual do Rio de Janeiro, o tema mais frequente foi Sistema Respiratório, com 12 questões, enquanto que o assunto de maior ocorrência no ENEM foi Sistema Circulatório, com 11 itens (Figura 9). Figura 9. Quantidade de questões por conteúdo (Anatomia e Fisiologia Comparadas) no Vestibular Estadual e no ENEM Vestibular Estadual do Rio de Janeiro

Exame Nacional do Ensino Médio

Nutrição e Digestão

Nutrição e Digestão

20

Sistema Respiratório Sistema Circulatório

15

Sistema Excretor

10

20 15

Sistema Nervoso e Sensorial Sistema Tegumentar

0

Sistema Circulatório Sistema Excretor

10 Sistema Endócrino

Sistema Endócrino 5

Sistema Respiratório

5 0

Sistema Nervoso e Sensorial Sistema Tegumentar

Fonte: autoria própria (2020) 473 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 461-483, maio/ago. 2021


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A genética tem sido pesquisada e estudada de maneira crescente, contribuindo constantemente com a ampliação dos conhecimentos no universo científico (GOMES et al., 2019). Apesar de ser estudada de modo crescente, são baixos os índices de aprendizagem em sua escolarização, provavelmente como reflexo de um modelo de ensino ainda livresco e abstrato, restringindo-se, em muitos casos, à memorização de conteúdos por vezes fragmentados e desassociados da vida cotidiana (BONÁDIO et al., 2015 apud LEAL et al., 2019). Segundo Leal et al. (2016), a compartimentação dos conteúdos no caso da Genética mais atrapalha do que ajuda, já que para compreendê-la são requeridos outros conhecimentos ofertados em distintas séries escolares. Em estudo sobre os conteúdos de Genética nas provas do ENEM de 2005 a 2014, Malimpensa e Rink (2017) identificaram a ocorrência de 47 questões de Genética dentre os 179 itens de Biologia analisados. Em outro estudo sobre Genética no vestibular, na Universidade Federal de Santa Catarina entre os anos 1991 e 2001, Nascimento (2003) identificou a presença de 36 questões sobre a temática Genética dentre as 168 questões de Biologia encontradas. Gomes et al. (2019), em outra análise do conteúdo de Genética no ENEM, entre os anos de 2009 e 2017, verificaram a existência de 44 questões de Genética, com predomínio da área de Biotecnologia e Engenharia Genética (43,2% das questões da temática). No presente estudo, verificou-se que a quantidade de questões sobre Conceitos Fundamentais foi muito semelhante à de Genética Molecular nas provas da UERJ/UENF, enquanto que há um predomínio quase que absoluto de questões sobre Genética Molecular nas provas do ENEM (Figura 10). Figura 10. Quantidade de questões por conteúdo (Genética) no Vestibular Estadual e no ENEM Exame Nacional do Ensino Médio Vestibular Estadual do Rio de Janeiro Primeira e Segunda Leis 20 Polialelia e Grupos Sanguíneos

15

Interação Gênica/Pleiotropia 10

Ligação gênica

18 16 14 12 10 8

Primeira e Segunda Leis Polialelia e Grupos Sanguíneos Interação Gênica/Pleiotropia Ligação gênica

6 Sexo e Herança Genética

5

Genética Molecular

0

4 2 0

Sexo e Herança Genética Genética Molecular

Fonte: autoria própria (2020)

Segundo Porto e Falcão (2010), dificuldades se evidenciam nos espaços escolares quando aí são ensinados os conteúdos referentes à evolução dos seres vivos, dada a coexistência de diferentes explicações para o fenômeno: a científica, tal como mostrada nos livros de Biologia, e as religiosas, trazidas de outros espaços de vivência pelos sujeitos que aí transitam. Do ponto de vista científico, dois naturalistas europeus se destacam pela formulação das primeiras teorias evolutivas. Enquanto o francês Jean-Baptiste Lamarck (1744-1829) se consagrou pelo desenvolvimento da Lei do Uso e Desuso e pela Lei da Herança das Características Adquiridas, o britânico Charles Robert Darwin (1809-1882) ficou famoso ao publicar o seu estudo sobre a evolução das espécies, cujo tema central é a Seleção Natural, fenômeno no qual somente os mais adaptados ao meio sobrevivem. Devido às limitações tecnológicas da época, como a ausência de estudos moleculares, essas teorias foram perdendo força, mas não foram abandonadas completamente.

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Pelo contrário, a teoria de Seleção Natural de Charles Darwin, por exemplo, foi reformulada e adquiriu um novo sentido por meio da Teoria Sintética da Evolução ou Neodarwinismo. Além desses temas, outros assuntos sobre a origem e evolução da vida, não menos importantes, podem ser encontrados no Ensino Médio e nos exames de acesso ao ensino superior: a Genética de Populações (como os genes estão distribuídos dentro de uma dada população), a Especiação (a formação de novas espécies), os Métodos de Estudo (as evidências da evolução) e a História da Vida e Evolução Humana. Em estudo sobre concepções alternativas em Biologia e análise do ENEM, Brito e Gebara (2015) identificaram apenas duas questões sobre origem e evolução da vida nas provas de 2011 e 2012 do ENEM. Através da análise dos conteúdos de Paleontologia nos livros didáticos e nas provas de vestibular da Universidade Federal do Sergipe e do ENEM, Vieira et al. (2010) constataram que sempre havia questões referentes à Evolução no vestibular da UFS entre os anos de 2002 a 2008, ao contrário do ENEM, que não apresentou nenhuma questão relativa a esse tema nos anos de 1999, 2001 e 2003 dentre as oito provas analisadas (1998 a 2005). No presente estudo, que comparou as questões do Vestibular Estadual do Rio de Janeiro com as do ENEM, houve uma predominância de itens sobre Teoria Sintética e Seleção Natural nas provas da UERJ/UENF, com nove questões, enquanto que o tema História da Vida e Evolução Humana foi o tópico mais frequente no ENEM no período, com 20 itens no período (Figura 11). Figura 11. Quantidade de questões por conteúdo (Evolução) no Vestibular Estadual e no ENEM

Vestibular Estadual do Rio de Janeiro As Primeiras Teorias

20

Teoria Sintética e Seleção Natural

15

Exame Nacional do Ensino Médio 20 15

Genética de Populações

10

Formação de Novas Espécies

As Primeiras Teorias Teoria Sintética e Seleção Natural Genética de Populações

10

Formação de Novas Espécies

5

Métodos de Estudo

5

Métodos de Estudo

0

História da Vida e Evol. Humana

0

História da Vida e Evol. Humana

Fonte: autoria própria (2020)

A Ecologia data de 1866, ano em que o biólogo Ernst Haeckel formalizou o termo e, como qualquer área do conhecimento científico, está influenciada por necessidades ideológicas de diferentes grupos em diferentes épocas (MOTOKANE; TRIVELATO, 1999). No contexto escolar, a compreensão da Ecologia é imprescindível, pois o aluno em formação precisa dominar e apropriar-se da linguagem e dos conceitos científicos para desenvolver atitudes e práticas críticas e responsáveis frente ao uso de recursos naturais (ROCHA et al., 2009). Retornando ao cerne da caracterização das questões do ENEM e do Vestibular Estadual, por meio de estudo das concepções alternativas em Biologia na análise do ENEM, Brito e Gebara (2015) identificaram 20 questões de Ecologia dos 41 itens de Biologia presentes nas provas do ENEM 2011 e 2012. Através de pesquisa de categorização das temáticas de Biologia no ENEM, entre os anos de 2012 e 2016, Silva et al. (2019) verificaram a ocorrência de 75 questões voltadas para a área de Biologia, estando o tópico Ecologia e Ciências Ambientais presente em 40% das provas dos anos de 2012,

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Caracterização das questões de Biologia do Vestibular Estadual do Rio de Janeiro e do Exame Nacional do Ensino Médio Renata Gaudard Pacheco, Jorge Augusto de Souza Santos, Alexandre Mioth Soares

2014 e 2016. No Vestibular Estadual, o tópico Cadeias e Teias Alimentares foi predominante, com 19 questões. Nas provas do ENEM, no entanto, o assunto mais frequente foi Poluição Ambiental, com 98 questões. A partir dessa informação, presume-se que as provas do ENEM tenham maior preocupação ambiental que as do Vestibular Estadual, pois a quantidade de itens de Ecologia no ENEM foi três vezes e meia maior do que a da UERJ/UENF (Figura 12). Figura 12. Quantidade de questões por conteúdo (Ecologia) no Vestibular Estadual e no ENEM Vestibular Estadual do Rio de Janeiro

Exame Nacional do Ensino Médio

Conceitos Fundamentais

100

Cadeias e Teias Alimentares Ciclos Biogeoquímicos

80

Populações

60

Conceitos Fundamentais

100 80 60

Relações Ecológicas

40

Sucessão Ecológica

20

Distribuição dos Organismos Poluição Ambiental

0

Cadeias e Teias Alimentares Ciclos Biogeoquímicos Populações Relações Ecológicas

40 20 0

Sucessão Ecológica Distribuição dos Organismos Poluição Ambiental

Fonte: autoria própria (2020)

A Fisiologia Vegetal pode ser definida como a ciência que estuda os fenômenos vitais das plantas, ou seja, constitui o ramo que abrange o conhecimento dos processos e funções naturais que ocorrem nesses organismos (PEIXOTO, 2020). Já a Morfologia Vegetal, por sua vez, é uma área da Botânica que estuda as estruturas externas e internas dos organismos vegetais (CORTEZ et al., 2016). Em estudo sobre a Botânica nos vestibulares da Universidade Estadual do Ceará e no ENEM, durante os anos de 2004 a 2013, Gomes et al. (2021) identificaram as quantidades de itens sobre Morfologia e Fisiologia Vegetal nesses dois exames: enquanto na UECE o número de itens sobre esse tema foi de 66% do total de itens de Botânica (cerca de 34 questões), no ENEM a quantidade de itens foi igual a 10. No presente estudo, a quantidade de itens sobre Morfologia e Fisiologia Vegetal no Vestibular Estadual foi igual a sete. No ENEM, estiveram presentes apenas três itens sobre esse tópico entre 1998 e 2019. A diferença encontrada entre os resultados desta pesquisa e os reportados por Gomes et al. (2021) pode ser justificada pelo fato de que algumas questões podem ter sido atribuídas ao tema Os Vegetais (Briófitas, Pteridófitas, Gimnospermas e Angiospermas), uma vez que as subáreas do Botânica não são hermeticamente fechadas, e sim partes do conhecimento científico botânico que podem transitar umas pelas outras a fim de complementá-las entre si (Figura 13).

476 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 461-483, maio/ago. 2021


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Figura 13. Quantidade de questões por conteúdo (Morfologia e Fisiologia dos Vegetais) no Vestibular Estadual e no ENEM Vestibular Estadual do Rio de Janeiro Morfologia das Angiospermas

20 15

Nutrição e Transporte da Seiva

10

Exame Nacional do Ensino Médio 20 15

Morfologia das Angiospermas Nutrição e Transporte da Seiva

10 Hormônios e Movimentos Vegetais

5

Fotoperiodismo e Fitocromos

0

5 0

Hormônios e Movimentos Vegetais Fotoperiodismo e Fitocromos

Fonte: autoria própria (2020)

4 Considerações finais Esta pesquisa não pretende encerrar o debate sobre a caracterização das questões de Biologia do Vestibular Estadual do Rio de Janeiro e do Exame Nacional do Ensino Médio, uma vez que muitos dos itens apresentados não são exclusivos de uma determinada área. O professor, nas suas tarefas cotidianas, tem total liberdade para manuseá-las de acordo com múltiplos fatores que nem sempre parecem evidentes numa primeira avaliação. Por ser uma disciplina bastante extensa, e cuja carga horária nem sempre está de acordo com as necessidades da matéria, foi identificada no artigo uma elevada importância, pois através dele o leitor pode presumir os temas de maior relevância. Nesse sentido, professores e estudantes podem traçar estratégias mais adequadas para a preparação para esses exames, embora esse não seja o propósito primaz da educação. É necessário que se destaque que o objetivo da educação é a formação de cidadãos críticos para o enfrentamento das mais complexas questões sociais, ambientais, tecnológicas, de saúde e do mundo do trabalho, e não a mera memorização de conteúdos para a aprovação nesses exames. A memorização de conteúdos no âmbito da Biologia como estratégia para a realização de exames de acesso é extremamente arriscada: ou o estudante se esquece do conceito (não houve aprendizado); ou o conceito ora “aprendido” não se encaixa na questão proposta, que exige muito mais interpretação do que um grande conhecimento sobre o tema. No Vestibular Estadual do Rio de Janeiro, os assuntos Biologia Celular e Anatomia e Fisiologia Comparadas foram os tópicos mais frequentes, enquanto que o tema Ecologia e Ciências Ambientais foi a temática mais abordada no ENEM. Uma provável justificativa para esse elevado número de itens sobre Ecologia e Ciências Ambientais no ENEM pode estar no fato de que não havia separação entre as disciplinas entre os anos de 1998 a 2008. Durante esse período, o exame era caracterizado por 63 questões distribuídas em um único caderno. Nesse sentido, é possível que itens sobre Ecologia e Ciências Ambientais tenham transitados por outras disciplinas, como a Geografia, por exemplo. Como questões sobre gestão de recursos hídricos e poluição ambiental não têm um limite bem definido, podendo se sobrepor sobre essas disciplinas, é possível que este estudo tenha se apropriado das questões 477 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 461-483, maio/ago. 2021


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de cunho ambiental presentes nesse exame durante o período mencionado. No entanto, esta é apenas uma hipótese para explicar a elevada quantidade de questões sobre Ecologia no ENEM, que pode ser testada em trabalhos futuros, mas que até o presente momento, não foi o escopo dessa pesquisa. Por fim, esperase que este trabalho venha a contribuir para o melhor entendimento das diferenças existentes entre os dois modelos de avaliação de acesso ao ensino superior. Além disso, esta pesquisa integra projeto maior de elaboração de banco de questões de Biologia, de qualidade similar aos existentes no mercado e totalmente gratuito, para uso de professores e alunos da rede pública de ensino.

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Caracterização das questões de Biologia do Vestibular Estadual do Rio de Janeiro e do Exame Nacional do Ensino Médio Renata Gaudard Pacheco, Jorge Augusto de Souza Santos, Alexandre Mioth Soares

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Submetido em: 20 nov. 2020 Aceito em: 1 fev. 2021

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p484-500

A "fantasia" da pandemia de Covid-19 em discursos políticos: as aspas e seus efeitos de sentido no gênero jornalístico artigo de opinião Letícia Cunha Braga https://orcid.org/0000-0001-7957-2148 Licencianda em Letras - Português e Literaturas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) Campus Campos Centro – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: leticiacunhabraga@gmail.com. Thiago Eugênio Lorêdo Bêtta https://orcid.org/0000-0002-8844-9229 Doutor em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e professor de Português e Literaturas no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFFluminense) Campus Campos Centro – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: thiago.eugenio@gmail.com.

Resumo Conforme as concepções de Maingueneau (1997), o qual enfatiza a relevância de considerarmos as condições de produção diante do uso das aspas, este trabalho visa discutir os efeitos de sentido sinalizados pelo sinal gráfico, que, além de marca linguística, é um recurso discursivo-argumentativo presente no gênero jornalístico artigo de opinião, no qual o teor opinativo sobressai. Adotamos a metodologia da pesquisa exploratória com base nas teorias discursivas, abarcando as perspectivas de, sobretudo, Maingueneau (1997), Charaudeau (2013), Orlandi (2008) e Pêcheux (1997). Em uma abordagem qualitativa, analisamos o artigo de opinião “Trump e Bolsonaro: aves de mesma plumagem”, publicado na Folha de São Paulo, para investigarmos os efeitos de sentido que as aspas desempenham em enunciados variados. Os resultados evidenciam que é fundamental considerar os aspectos circunstanciais do processo discursivo para a interpretação dos efeitos de sentido gerados pelas aspas e que o gênero artigo de opinião tem muito a oferecer para uma análise linguístico-discursiva devido às articulações elaboradas com a premissa de persuadir os leitores a aderirem a um ponto de vista, segundo o posicionamento do articulista sobre o tema desenvolvido no texto. Palavras-chave: Linguística Discursiva. Gêneros do discurso. Artigo de opinião. Aspas.

The "fantasy" of the Covid-19 pandemic in political speeches: the quotation marks and their effects in the journalistic genre opinion article Abstract According to Maingueneau’s (1997) conceptions, which emphasizes the relevance of considering the conditions of production when using quotation marks, this work aims to discuss the effects of meaning signaled by the graphic sign, which, besides being a linguistic mark, it is a discursive and argumentative resource present in the journalistic genre opinion article, in which the opinionated content stands out. We adopted the methodology of exploratory research based on discursive theories, covering the perspectives of Maingueneau (1997), Charaudeau (2013), Orlandi (2008) and Pêcheux (1997). In a qualitative approach, we have analyzed the opinion article “Trump e Bolsonaro: aves de mesma plumagem”, published in Folha de São Paulo, to investigate the effects of meaning that quotation marks play in varied statements. The results show that it is essential to consider the circumstantial aspects of the discursive process for the interpretation of the meaning effects produced by the quotation marks and that the genre opinion article has a lot to offer for a linguistic-discursive analysis due to the articulations elaborated with the premise of persuading readers to adhere to a point of view, according to the writers’ political position. Keywords: Discursive Linguistics. Speech genres. Opinion article. Quotation marks.

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La "fantasía" de la pandemia Covid-19 en los discursos políticos: las comillas y sus efectos en el género periodístico artículo de opinión Resumen Según las concepciones de Maingueneau (1997), quien enfatiza la relevancia de considerar las condiciones de producción cuando se utilizan comillas, este trabajo objetiva discutir los efectos de sentido señalados por el signo gráfico, que además de ser una marca lingüística, es un recurso discursivo-argumentativo presente en el género periodístico artículo de opinión, en el que se destaca el contenido polemista. Adoptamos la metodología de investigación exploratoria basada en teorías discursivas, cubriendo la perspectiva de Maingueneau (1997), Charaudeau (2013), Orlandi (2008) y Pêcheux (1997). En un enfoque cualitativo, analizamos el artículo de opinión “Trump e Bolsonaro: aves de mesma plumagem”, publicado en Folha de São Paulo, para investigar los efectos de sentido que las comillas juegan en varios enunciados. Los resultados muestran que es fundamental considerar los aspectos coyunturales del proceso discursivo para la interpretación de los efectos de sentido generados por las comillas y que el género artículo de opinión tiene mucho que ofrecer para un análisis lingüístico-discursivo por los recursos elaborados con la premisa de persuadir a los lectores de que acepten un punto de vista, de acuerdo con la posición política del articulista. Palabras clave: Lingüística discursiva. Géneros del discurso. Artículo de opinión. Comillas.

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A "fantasia" da pandemia de Covid-19 em discursos políticos: as aspas e seus efeitos de sentido no gênero jornalístico artigo de opinião Letícia Cunha Braga, Thiago Eugênio Lorêdo Bêtta

1 Introdução Atrelando-se ao projeto de pesquisa e extensão “A experiência do texto: por uma metodologia para ler, compreender e analisar textos jornalísticos atuais no Ensino Médio”, do Instituto Federal Fluminense Campus Campos Centro, sendo parte do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), o presente trabalho adere à concepção de Antunes (2010) sobre a leitura e a análise linguística de gêneros textuais: é analisando textos que justificativas das escolhas linguísticas feitas pelo autor surgem, orientando leituras a partir de efeitos de sentido criados e engajando perspectivas a respeito do posicionamento discursivo dos autores. No projeto de pesquisa e extensão, defendemos um aprofundamento da análise de gêneros jornalísticos atuais com o intuito de promover conhecimentos linguísticos, leitura crítica e olhar analítico dos leitores diante de enunciados que repercutem temáticas contemporâneas sob um ponto de vista da realidade. Examinamos, dessa forma, de que maneira os discursos são construídos, com quais recursos lexicais e gramaticais, para analisarmos como e para quem é norteado o discurso, tendo em vista as estratégias discursivas que desencadeiam efeitos de sentido implícita e explicitamente (ANTUNES, 2010). À vista disso, devemos considerar as circunstâncias da produção, as posições sociais dos autores, entre outros aspectos no cerne da Análise de Discurso (AD). Filiada à Linguística Textual (LT), Antunes (2010) reconhece que fazer recortes de um texto e criar frases sem a complexidade de um contexto de produção contido, por exemplo, nos gêneros jornalísticos é diminuir a potencialidade discursiva dessa interação social, norteando-a para uma artificialidade. Afinal, uma frase ou expressão criadas para uma atividade gramatical podem ganhar novos significados e valores quando ponderadas em um cenário sociodiscursivo, entrelaçado por crenças, preferências ideológicas, intenções e objetivos comunicacionais. Assim como as unidades linguísticas, a citar sintagmas e conjunções, as pontuações são marcas linguísticas capazes de contribuir para a produção de sentido pretendida pelo locutor. As pontuações são empregadas tendo em vista um propósito comunicativo e as regras gramaticais, norteando a elaboração do discurso para obter as interpretações esperadas. Um dos sinais gráficos que demarca a atribuição de novos sentidos a um termo ou a um enunciado são as aspas, que podem exprimir ironia ou discurso direto, por exemplo. Dessa forma, análises linguísticas dessa pontuação podem proporcionar considerações relacionadas a possíveis novas formas de implementar as aspas como um recurso discursivo-argumentativo no desencadeamento das ideias em um texto e, consequentemente, distinguir os significados de cada emprego conforme os aspectos da produção textual. Analisar linguística e discursivamente é desvendar os porquês das decisões tomadas em um texto e o modo como as escolhas linguísticas impactam nos efeitos de sentido e podem contribuir para o propósito comunicativo estabelecido. Descobrimos, partindo disso, o percurso da argumentação, “que demanda apresentação e organização de ideias, bem como estruturação do raciocínio que será orientado em defesa da tese ou ponto de vista” (KOCH; ELIAS, 2016, p. 24), com base no princípio de que a argumentação está inscrita tanto no nível linguístico, como no uso de operadores argumentativos, quanto no nível discursivo, como na seleção lexical adotada pelo enunciador e nos efeitos de sentido decorrentes. No presente estudo, demonstramos a utilização das aspas com variadas funções no gênero jornalístico artigo de opinião. A escolha do gênero como objeto de estudo deu-se em virtude do caráter mais opinativo e argumentativo, que o difere do gênero editorial, o qual, embora construído com argumentos, geralmente não é acompanhado de uma assinatura do sujeito enunciador, sendo marcado pela primeira 486 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 484-500, maio/ago. 2021


A "fantasia" da pandemia de Covid-19 em discursos políticos: as aspas e seus efeitos de sentido no gênero jornalístico artigo de opinião Letícia Cunha Braga, Thiago Eugênio Lorêdo Bêtta

pessoa do discurso, pois representa o posicionamento do veículo de imprensa sobre a temática em questão. Por outro lado, os especialistas convidados a escrever um artigo de opinião trazem uma diversidade de conhecimentos, tanto intelectuais quanto discursivos, que ocasionam novos usos de recursos linguísticos e demonstram a expressividade da língua e sua flexibilidade conforme as intenções, as circunstâncias da produção e, principalmente, o posicionamento pessoal sobre o tema. Abre-se, com isso, espaço de discussão sobre como as aspas são empregadas e para quais finalidades são utilizadas como mais um recurso discursivo-argumentativo na construção da opinião divulgada a partir da intencionalidade prevista. Conduzir reflexões quanto às estratégias discursivas inclusas nos gêneros jornalísticos enriquece a compreensão linguística e textual dos leitores (ANTUNES, 2010), norteando-os para uma visão analítica, a fim de que possam perceber a fictícia neutralidade da língua embasada no seu funcionamento discursivo. Buscamos responder à seguinte pergunta: Se as condições de produção do discurso afetam o efeito de sentido das aspas em um texto, como esse sinal gráfico pode manifestar-se nas diversas situações enunciativas do gênero jornalístico artigo de opinião? A metodologia definida foi a pesquisa exploratória para reunir estudos de linguística discursiva, englobando Análise do Discurso francesa, Linguística Textual e Análise Dialógica de Discurso do Bakhtin. A reunião dessas teorias linguísticas justifica-se pelas suas diferentes contribuições diante da análise do corpus proposto. As concepções de Bakhtin (2003) sobre os gêneros discursivos e o aspecto dialógico do discurso são a base da fundamentação teórica, introduzindo discussões a respeito da maneira como as condições específicas e os propósitos comunicativos de cada gênero discursivo são refletidos nos enunciados elaborados em interações sociais. Pêcheux (1997), expoente da AD francesa, e Orlandi (1988), precursora desse campo da linguística no Brasil, contribuem para esta pesquisa com suas ponderações acerca da influência direta dos aspectos circunstanciais na construção do discurso, que incluem a motivação e o posicionamento político do sujeito enunciador, o contexto histórico e outras especificidades em relação ao lugar de origem do discurso. Embora Rodrigues (2001) seja filiada aos estudos bakhtinianos, a autora é convocada como referencial teórico para discutirmos as particularidades do gênero jornalístico artigo de opinião. Koch e Elias (2016), afiliados à Linguística Textual, por sua vez, são referidos quando a fundamentação circunda os elementos linguísticos que servem para contribuir na criação de força argumentativa em discursos com conteúdo opinativo principalmente, como o gênero analisado nesta pesquisa. Maingueneau (1997), vinculado à Análise de Discurso francesa, fornece a esta pesquisa respaldos quanto aos funcionamentos das aspas identificados na análise linguístico-discursiva do artigo de opinião, enquanto que Charaudeau (2013) é trazido para esclarecer estratégias discursivas em gêneros jornalísticos, sobretudo as que evocam vozes de terceiros como recurso discursivo-argumentativo. Iniciamos com discussões acerca das teorias da linguística discursiva, guiados pelos conceitos de Bakhtin (2003) acerca dos gêneros discursivos e Pêcheux (1997) para conceituar a Análise de Discurso francesa. Após isso, apresentamos o gênero jornalístico em foco, o artigo de opinião, esclarecendo as regularidades constituintes do gênero. Por fim, analisamos como esse sinal gráfico é usado – para qual fim e efeito de sentido – no artigo de opinião “Trump e Bolsonaro: aves de mesma plumagem”, publicado na Folha de São Paulo e escrito pela professora norte-americana de antropologia Maxine Margolis. Investigaremos as possibilidades de sentido suscitadas a partir do emprego das aspas no texto – utilizada treze vezes pela articulista no texto em questão –, entendendo-o não só no âmbito dos aspectos estruturais e linguísticos, mas, primordialmente, em sua inscrição sociodiscursiva, como situação “real” de interação linguística. 487 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 484-500, maio/ago. 2021


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2 Fundamentação teórica Compreendemos que apresentarmos pressupostos dos campos teóricos que fundamentam a pesquisa, Análise do Discurso francesa, Linguística Textual e Análise Dialógica de Discurso do Bakhtin, é primordial para o desenvolvimento e suporte científico do trabalho. Essas concepções teóricas, ratificadas pela comunidade acadêmica, contribuem para as produções científicas que buscam implementá-las em cenários e objetos de análises originais e contemporâneos, tornando os pressupostos dos autores adotados pontos de partida para a elaboração da análise do funcionamento discursivo das aspas em um artigo de opinião. Nesse sentido, a seguir são apresentadas as fundamentações teóricas a partir da linguística discursiva, com destaque ao conceito de gêneros discursivos, conforme Bakhtin. Posteriormente, abordamos as regularidades linguísticas e discursivas que caracterizam o gênero artigo de opinião, objeto desta investigação.

2.1 A linguística discursiva e suas vertentes Parte constitutiva da realidade social, a linguagem é transformada em paralelo a épocas, dimensões sócio-históricas e culturas múltiplas, elementos constituintes do contexto de produção e circulação de enunciados verbais. Em virtude dessa dinamicidade da língua, discussões teóricas têm abarcado a heterogeneidade das situações de produção e como são construídos os discursos socialmente. Os pressupostos de Bakhtin (2003) contribuíram para a mudança de paradigma na área da Linguística, de estruturalista para um paradigma discursivista, a partir da segunda metade do século XX, norteando os estudos para as práticas discursivas emergidas pela interação verbal entre sujeitos. Na perspectiva do teórico russo, a linguagem é concebida por meio da relação dialógica entre discursos na interação humana, sendo todo enunciado uma recuperação de vozes anteriormente manifestadas (BAKHTIN, 2003). A inter-relação que se estabelece entre o discurso do outro quando inserido no discurso atual apresenta alguma convergência, seja no tema, no ponto de vista ou nas formas dos enunciados. A concepção dialógica, portanto, abrange as situações e ideias do meio social dos enunciadores devido ao seu impacto na receptividade e compreensão do enunciado. Novas circunstâncias determinantes para a compreensão e análise dos efeitos de sentido são produzidas nas interações humanas, visto que os indivíduos são permeados por necessidades sociais que são adequadas a partir da linguagem e de acordo com o contexto. Novas formas de enunciação são construídas para suprir propósitos comunicativos singulares. Bakhtin reconhece que nessa diversidade há “tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros de discurso” (BAKHTIN, 2003, p. 262), em voga nas interações sociais. A teoria define os gêneros discursivos como elementos organizadores do processo discursivo, estruturação com regularidades socialmente convencionadas de nossos enunciados. Os gêneros discursivos são constituídos por três elementos: conteúdo temático, estilo e construção composicional. Acrescentando especificidade para cada gênero do discurso inserido em determinada esfera de comunicação, o conteúdo temático refere-se ao sentido e assunto que o texto traz; o estilo diz respeito às preferências individuais (induzidas também pelo gênero discursivo em pauta) por meio das escolhas gramaticais e do nível da linguagem, por exemplo; e a construção composicional relaciona-se à estruturação textual em partes, incluindo a extensão do texto e a organização em parágrafos (BAKHTIN, 2003). 488 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 484-500, maio/ago. 2021


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A partir dos postulados bakhtinianos, análises englobando as várias esferas comunicacionais na sociedade são propostas e efetuadas, ressaltando as mudanças de critérios de organização, contextos da produção e outros elementos dos gêneros discursivos. A situação interacional dita, da mesma maneira que a perspectiva do locutor e sua intenção como produtor de sentido, como que a linguagem é manifestada e as escolhas na construção discursiva, tendo em vista as possibilidades de entendimento e posicionamento dos interlocutores. Considerando as variantes enunciativas nas interações sociais, os estudos de Análise de Discurso (AD) fundamentam investigações a respeito das condições de produção e circulação de um texto, que materializa um discurso, para demarcar relações ideológicas, propósitos comunicacionais e posicionamentos discursivos, contribuindo para a elucidação do “pano de fundo específico dos discursos, que torna possível sua formulação e sua compreensão” (PÊCHEUX, 1997, p. 75). Os processos que dão origem ao fenômeno linguístico são o cerne inicial para a AD, diferenciandose da linguística estrutural, que tem seu foco no produto (o sistema linguístico) desse processo. Os aspectos histórico-sociais influenciam fortemente na produção da linguagem nos gêneros discursivos e interações verbais, resultando em discursos. Por conta disso, a preocupação da Análise de Discurso é abordá-los considerando as relações de poder, as posições sociais do locutor, para quem ele está se dirigindo, entre outros fatores capazes de demonstrar que “o estudo da linguagem não pode estar apartado da sociedade que a produz” (ORLANDI, 2008, p. 17). O substrato dessa disciplina, estabelecida na França por Michel Pêcheux no final da década de 60, abre questões no campo da linguística que incidem no conceito de língua, historicidade e sujeito do discurso. Conforme Pêcheux enfatiza em sua obra “Análise Automática do Discurso” (1997), cabe à AD francesa considerar que a construção do discurso é sempre influenciada pelos lugares sociais de origem, que são atravessados, ou seja, respaldam-se em uma perspectiva da realidade, posicionamento ideológico e valores subjetivos. De acordo com Pêcheux (1997), é por meio desses posicionamentos de ideias que descobrimos a formação ideológica do enunciador, a qual é constituída por “um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem 'individuais' nem 'universais', mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras" (PÊCHEUX, 1997, p. 166). Servem também para determinar o que pode e deve ser dito de acordo com uma posição social numa conjuntura. Dessa forma, os discursos apresentam uma motivação do sujeito enunciador, seja implícita ou explicitamente. É pela linguagem que as circunstâncias do contexto ganham materialidade. Na esfera jornalística, mesmo os gêneros classificados como informativos – a notícia e a reportagem, por exemplo – e idealizados como imparciais são redigidos com objetivos traçados, como impactar os leitores a partir da manchete exagerada, sob o viés sensacionalista, e alcançar um público-alvo para propagar uma ideia naquele grupo social. Estratégias discursivas que expõem convicções e juízos de valor são mais evidentes nos gêneros jornalísticos opinativos, como é o caso do artigo de opinião, objeto desta pesquisa. Apresentaremos mais sobre o gênero mencionado e reflexões sobre as produções jornalísticas a seguir.

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2.2 Artigo de opinião e suas regularidades Uma das finalidades elementares dos veículos de comunicação em nossa cultura é propagar informações de acontecimentos inseridos no contexto histórico-social do momento, ou recapitular eventos do passado para reflexões que estejam em voga nas pautas da atualidade. Para a consecução desse objetivo, no entanto, é inevitável que a apuração e o relato dos fatos sejam desempenhados por um sujeito com visão de mundo, perspectiva particular da realidade e crenças, aspectos esses que são moduladores do discurso – talvez sutis, talvez chamativos. Em vista disso, tenhamos em mente que a mídia é constituída por sujeitos que materializam a língua por meio de articulações as quais favoreçam seu discurso e ideais manifestados, tornando a análise dessa discursividade um recurso para “tentar compreender a maneira como as verdades são produzidas e enunciadas (GREGOLIN, 2008, p. 15). Se, nas notícias e reportagens, cujo compromisso permanece sendo a imparcialidade (RODRIGUES, 2001), estratégias discursivas são acionadas quanto à maneira de reportar as eventualidades e como elaborar uma manchete que resuma e atraia leitores; nos gêneros jornalísticos incumbidos de comentá-las e debatê-las, os recursos discursivo-argumentativos serão notórios, como pontua Charaudeau (2013). Segundo Rodrigues (2001), o artigo de opinião é um gênero do campo jornalístico que disponibiliza aos leitores a possibilidade de conferirem observações e detalhes das questões abordadas pelos gêneros informativos por um olhar subjetivo. Os autores, chamados também de articulistas, são especialistas de áreas de conhecimento diversas, convidados pelo jornal, os quais, apesar de elaborarem um texto sobretudo argumentativo, não precisam necessariamente comprovar o seu ponto de vista objetivamente, a não ser por meio de argumentos. Por isso, a tipologia predominante é a argumentativa, e os verbos são conjugados na primeira e terceira pessoa, respectivamente, em relação ao enunciador e ao objeto/assunto do texto. O articulista condiciona o assunto a partir de suas experiências profissionais e pessoais, sendo comum manifestar suas opiniões utilizando exemplos de sua área de atuação, depositando credibilidade nas argumentações. Os dois principais critérios seguidos nesse gênero discursivo são a atualidade e a opinião. O primeiro, por ser preciso que se crie convergência com as conjunturas contemporâneas do meio social, e o segundo, em razão de ser o espaço do jornal – digital e impresso – fornecido para que haja disseminação de argumentos e posicionamentos categóricos de prestígio. Há, como pontua a autora, uma “valoração explícita quanto aos acontecimentos” (RODRIGUES, 2001, p. 117), ou seja, um juízo de valor perante os fatos discutidos. Por conta disso, apresenta um discurso persuasivo, projetado para fazer com que os efeitos de sentido construídos pela situação de interação locutor-interlocutor tenham êxito e o ponto de vista do articulista seja propagado. As coerções desse gênero jornalístico demandam a exposição ideológica e subjetiva do articulista. A construção do discurso é conduzida, além das regularidades provenientes da estrutura, do tema e da circulação, pelas marcas linguísticas, termos e expressões incutidos no discurso que guiam o leitor a interpretar o texto de uma maneira, que pode ou não coincidir com a esperada pelo locutor. As marcas geram, pois, uma orientação argumentativa e podem revelar as relações entre o texto e o contexto em que foi produzido (ORLANDI, 2008). A opinião do articulista materializa-se, portanto, nas escolhas linguísticas efetuadas no processo de elaboração do texto.

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É por meio de recursos discursivo-argumentativos, os quais delineiam uma lógica na discursividade para fins de credibilidade e adesão de sua visão de mundo, que o caráter opinativo é concedido ao gênero discursivo. Conforme Koch e Elias (2016), há elementos linguísticos que são intensificadores da argumentação produzida nos discursos e que sinalizam juízos de valor, posicionamentos e intencionalidades. Esses recursos constituem-se em marcas linguísticas importantes para gêneros opinativos, como o artigo de opinião, na criação da força argumentativa do discurso jornalístico. Contendo citações de terceiros para fins de credibilidade e orientação argumentativa, subjetividades em tons irônicos e contrajunções entre o posicionamento do articulista e termos ou expressões usadas, as aspas têm presença recorrente nos artigos de opinião. A utilização do sinal gráfico pode, no entanto, produzir efeitos de sentido que escapam à intencionalidade do enunciador. Maingueneau (1997) discorre sobre a relevância de considerarmos as condições de produção diante do uso das aspas, pois, “fora de contexto, não é possível interpretar a colocação entre aspas; para tanto, deve-se reconstruir, apoiando-se em índices variados, a significação da operação da qual as aspas são o vestígio” (MAINGUENEAU, 1997, p. 90). A falta de investigação sobre seu efeito de sentido em um dado contexto, considerando suas circunstâncias de produção e a mutabilidade da língua, ocasiona um esvaziamento do processo discursivo. Afinal, os sentidos decorrem na interação.

3 Metodologia Este trabalho, conforme anunciado, é composto metodologicamente por uma pesquisa exploratória, a fim de selecionar um artigo de opinião publicado no jornal Folha de São Paulo que reúne diversos empregos do sinal gráfico aspas como um recurso discursivo-argumentativo. Autores do campo da linguística e suas vertentes foram convocados para nortear discussões sobre os efeitos de sentido gerados pelas aspas no contexto da produção do gênero jornalístico artigo de opinião. A abordagem qualitativa da pesquisa é justificada devido à análise de um fenômeno linguístico-discursivo, as aspas, em apenas um corpus, distanciando-se de uma amostragem extensa, característica da abordagem quantitativa. No início da pesquisa, procedemos à localização de um artigo de opinião publicado no mês de agosto de 2020 no qual as aspas fossem empregadas em variados momentos na construção textual, sendo, dessa forma, um objeto de análise capaz de desencadear uma rentabilidade satisfatória de debates teóricos por meio de variados enunciados, a partir dos quais buscássemos depreender os possíveis efeitos de sentido. Optamos em pesquisar em edições digitais do jornal Folha de São Paulo, o qual dispõe de um reconhecimento nacional e credibilidade jornalística, perfazendo 100 anos de circulação em 2021. Outro critério para a escolha do texto foi a abordagem dos principais fatos do contexto situacional do Brasil à época. O panorama brasileiro incluía a pandemia da Covid-19, que ocorreu aceleradamente no país, com aglomerações descontroladas e numerosos novos casos a cada semana desde março de 2020; a crise econômica, com queda do PIB, paralisação das atividades econômicas e desemprego em massa; e a impopularidade governamental, principalmente em razão do descaso no aumento de óbitos por conta do novo coronavírus e dos escândalos políticos relacionados ao posicionamento ideológico e crenças do governante, envolvendo também seu núcleo familiar.

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O jornal Folha de São Paulo possui um sistema de cobrança por seu conteúdo digital. Assinantes têm acesso ilimitado a todas as reportagens, colunas, editoriais e outros materiais do jornal. O artigo de opinião selecionado para análise é exclusivo para assinantes, levando-nos a presumir que o público leitor pertence a uma classe social favorecida, sendo urbanizada e escolarizada, com hábitos de leitura e cujo interesse paira nos acontecimentos relacionados às questões políticas, econômicas e sociais do país e do mundo.

4 Resultados e discussão Tendo em vista a abordagem qualitativa deste trabalho do campo da linguística, esta seção compila a explanação dos aspectos gerais do texto em análise, apresentando as ocasiões nas quais as aspas são incorporadas dentro da discursividade da articulista, e as perspectivas e conceitos dos teóricos do referencial bibliográfico, expondo conformidades entre os efeitos de sentido percebidos e as discussões teóricas, validando a análise conduzida. Assim, analisamos os enunciados que são inseridos entre as aspas no artigo de opinião selecionado, com o foco nos efeitos de sentido produzidos considerando os aspectos circunstanciais do texto, enquanto convocamos os autores do levantamento bibliográfico para fundamentar as análises concebidas a partir de concepções dadas ao uso das aspas na literatura a respeito da linguística discursiva.

4.1 O funcionamento discursivo das aspas no artigo “Trump e Bolsonaro: aves de mesma plumagem” Publicado na Folha de São Paulo dia 19 de agosto de 2020, o artigo de opinião “Trump e Bolsonaro: aves de mesma plumagem” traz à tona, como conteúdo temático, as semelhanças comportamentais e ideológicas entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro. Conforme afirma Bakhtin (2003), o enunciado construído reflete “as condições específicas e as finalidades de cada referido campo da atividade humana” (BAKHTIN, 2003, p. 261) e, por isso, o estilo manifestado, relacionado aos recursos linguísticos utilizados na organização da argumentação no texto, segue as regularidades previstas para o gênero artigo de opinião. Nesse sentido, a construção composicional, ou seja, a estruturação textual, a qual inclui título, assinatura da autora, parágrafos de introdução, argumentação do ponto de vista defendido e conclusão, também apresenta consonância com o gênero jornalístico em questão. A articulista americana Maxine Margolis, professora emérita de antropologia na Universidade da Flórida e pesquisadora-adjunta sênior no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia, expõe, na progressão textual do gênero, as paridades nas governanças brasileira e estadunidense, incluindo ações tomadas perante o aumento dos contágios de Covid-19 – dois países que registraram mais de um milhão de casos confirmados. É possível verificar que as características socioculturais do sujeito produtor da linguagem materializada no texto, a autora, são evidenciadas pelas particularidades da discursividade, tendo em vista experiências e conhecimentos prévios relacionados ao enunciado construído (ORLANDI, 2008) e, deste modo, compreendemos melhor a direção argumentativa criada. Autora de livros que abordam as condições socioeconômicas de imigrantes brasileiros nos Estados Unidos e premiada com o Lifetime Contribution Award em 2013 pelos seus estudos sobre a relação Brasil-EUA nesse processo de imigração,

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Maxine Margolis é reconhecida por suas contribuições significativas no campo acadêmico para a promoção dos estudos brasileiros em solo norte-americano. Iniciando a argumentação para guiar os leitores a compreenderem as afinidades dos governantes, Maxine designa Jair Bolsonaro como “Trump tropical”, afirmando em seguida que essa é “uma descrição bem adequada ao líder autoritário à frente da sexta nação mais populosa do mundo”. A alcunha, empregada entre aspas, é disseminada principalmente nas redes sociais. Aderindo ao apelido popularmente utilizado para referir-se ao presidente brasileiro, a articulista indica pelas aspas que a expressão acumula menção e grande adesão, uma das funções previstas do sinal gráfico por Maingueneau (1997). É comum a atribuição desse efeito de sentido para as aspas estarem acompanhadas de indicativos de quem usa o termo em questão, “como X diz” ou “onde X remete” (MAINGUENEAU, 1997, p. 89), para sinalizar a procedência do dizer, como a opinião pública. No artigo de opinião analisado, Maxine adiciona “é chamado de”, não especificando qual grupo social adere à alcunha, mas ajudando a reforçar que a reprodução da expressão é de quantidade significativa o bastante para os leitores do texto reconhecerem como opinião pública. A recorrência da denominação “Trump tropical”, ou seja, sua popularidade nos discursos sobre o líder da nação brasileira não estaria salientada caso as aspas fossem identificadas apenas como recurso para dar um sentido particular ou valor significativo a uma expressão, dando-lhe destaque, ou como uma citação direta, designações inclusas na prescrição gramatical. Citações, afinal, carregam apenas a ideia de que aquelas palavras já foram proferidas por enunciadores geralmente relevantes para o contexto discursivo. No segundo parágrafo do texto, a articulista primeiramente aponta uma discrepância no histórico familiar dos governantes, sendo Bolsonaro filho de um dentista itinerante e Trump oriundo de uma família afortunada. Maxine alega que o perfil de Trump encaixa-se no estereótipo brasileiro de “filhinho de papai”, utilizando o termo entre aspas. Trata-se de uma gíria, termo do vocabulário da cultura brasileira utilizado em contextos informais para referir-se a homens com pais de renda financeira acima da média, que ostentam luxos e benefícios e agem de forma esnobe por acharem-se superiores aos outros. Quando o contexto de produção é examinado, no entanto, podemos apreender um efeito de sentido que evidencia a nacionalidade da articulista, sendo essa norte-americana. Segundo Maingueneau (1997), as aspas podem significar um afastamento entre o discurso e o enunciador quando o que está isolado pelo sinal gráfico não pertence ao espaço familiar do enunciador, ou seja, “quando se trata de empregar palavras pertencentes a uma língua estrangeira, a outro nível de língua ou a vocabulários especializados” (MAINGUENEAU, 1997, p. 90). Em vista disso, é possível que analisemos a aplicação de aspas a fim de grifar um estrangeirismo na perspectiva da norte-americana Maxine Margolis durante a escrita do texto. Na prescrição gramatical, tanto a marcação feita pelas aspas de gíria quanto a de estrangeirismo são ressaltadas conjuntamente em um tópico, o qual esclarece o efeito de sentido das aspas de destacar termos ou expressões incomuns à linguagem do enunciador, abrangendo estrangeirismos, arcaísmos, neologismos e vulgarismos. Observamos, nessas primeiras duas ocorrências de aspas, que o trabalho discursivo desempenhado pela mídia em relação à disseminação de modelos de identidades e de generalizações socialmente aceitas está contemplado no artigo de opinião. Tem-se na mídia hegemônica, dessa forma, a circulação de “paradigmas, estereótipos, maneiras de agir e pensar que simbolicamente inserem o sujeito na ‘comunidade imaginada’” (GREGOLIN, 2008, p. 17), como “Trump tropical” e “filhinho de papai”, agindo como um dispositivo de rotulações.

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Após pontuar a diferença de origens familiares, a finalidade de persuadir os leitores a assentirem e a notarem a similaridade dos líderes nacionais é evidenciada, como é prevista no gênero opinativo por adotar uma valoração explícita quanto a acontecimentos em voga (RODRIGUES, 2001). A articulista compara as ações tomadas pelos presidentes citados na pauta de legislações do meio ambiente, desvalorizando agências de fiscalização ambiental e incentivando minerações e outras atividades para extração de recursos naturais em regiões de patrimônios naturais, além da negligência de ambos com as minorias da coletividade. Maxine prossegue o texto expondo o caráter misógino dos chefes de estado, mencionando a ocasião na qual Bolsonaro atacou verbalmente uma deputada federal dizendo que ela ‘“não merecia ser estuprada” por ser muito feia e a situação na qual Trump referiu-se a Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados, como “uma pessoa inerentemente imbecil”. A utilização das aspas nesses casos incorpora o efeito de sentido de, sobretudo, diferenciar os enunciados dos governantes do discurso da articulista, causando, de acordo com Bakhtin (2003), a transposição da “alternância dos sujeitos do discurso transferida para o interior do enunciado” (BAKHTIN, 2003, p. 299), acentuando o aspecto dialógico do discurso. O enunciado de Trump demarcado por aspas é um trecho de uma postagem feita em sua conta na rede social Twitter, em 2020, reprodução exata, porém traduzida, do que foi escrito. Já a fala de Bolsonaro ganhou uma adaptação da maneira como ele dirigiu-se à deputada federal em questão, Maria do Rosário, devido à mudança de tempo verbal, originalmente proferida no presente do indicativo e transcrita no pretérito imperfeito do indicativo. O uso das aspas para isolar citações de terceiros com o propósito de distingui-las do resto do contexto é costumeiro em gêneros jornalísticos para gerar credibilidade na informação ou ponto de vista exposto. Por causa disso, as citações diretas e indiretas são chamadas de recursos de autoridade, ou argumentos de autoridade, por Koch e Elias (2016), os quais demonstram a característica intertextual dos gêneros jornalísticos opinativos com explicitação da fonte do dizer para construir uma relação de confiança com os leitores. Embora o sentido do enunciado marcado por aspas não tenha sido prejudicado de maneira alguma, a adaptação contida na fala do líder brasileiro e iniciada com “Bolsonaro disse que” segue as particularidades de uma citação indireta, descrita por Charaudeau (2013) como uma integração parcial do dizer original de forma a demonstrar aquele que relata por meio da terceira pessoa do singular. Em razão disso, há modificações do dizer como os pronomes e o tempo verbal utilizados, agora acompanhando o “momento de enunciação do locutor que relata. Assim: ‘Minha vida corre perigo’ será relatado como: ‘Ele disse que sua vida corria perigo’ […] (CHARAUDEAU, 2013, p. 165). A integração do discurso do outro assemelha-se, entretanto, a uma citação direta, que proporciona à articulista a benesse de eximir-se das possíveis responsabilidades sucedidas pela exposição de um discurso controverso e polêmico – e tal responsabilidade aumenta na implementação de discursos indiretos (KOCH; ELIAS, 2016). Podemos compreender, com base na fundamentação apresentada e analisando o teor polêmico do contexto de produção do enunciado incluído com aspas, que a articulista optou por inserir a fala controversa como citação direta em razão da preservação do sentido original e do distanciamento do enunciador, afastando-se das consequências de uma interpretação errônea por leitores desavisados do discurso feito em 2014 pelo atual presidente do Brasil. Maingueneau (1997) faz uma associação parecida com o uso das aspas para citações diretas, no qual o intuito de quem emprega o discurso do outro é “proteger-se antecipadamente de uma crítica do leitor, que, supostamente, esperará um distanciamento frente a determinada palavra” (p. 91). É esse 494 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 484-500, maio/ago. 2021


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mesmo efeito de sentido produzido pelas aspas que podemos perceber quando Maxine, no sétimo parágrafo, reproduz os dizeres de Jair Bolsonaro em relação à pandemia de Covid-19, classificando-a como “fantasia” e “exagero”. Distancia-se, mais uma vez, de um discurso pejorativo, que destaca o descaso e displicência no comportamento e ações do chefe de estado do Brasil perante aumento de casos e mortes pelo vírus. Em seguida, a articulista compara o posicionamento negligente do presidente brasileiro quanto ao avanço de contágios do novo coronavírus e à maneira que critica como os veículos midiáticos estão transmitindo tais acontecimentos com a postura do republicano Trump, o qual acusa a mídia de sabotar a economia estadunidense e sua reeleição por espalhar medo e deixar o país fechado. Maxine pontua a expressão usada por ele, “lamestream media”, e sua tradução subjetiva, “a grande pequena mídia”. “Lamestream media” é uma versão depreciativa do termo “mainstream media”, que significa “mídia convencional” em português, algo como o que caracterizamos de “mídia hegemônica” no Brasil, veículos de comunicação relevantes que se solidificaram como redes discursivas de grande alcance e influência. O jornal Folha de São Paulo, por exemplo, encaixa-se nesse perfil, detentor de um público leitor assíduo e credibilidade na esfera jornalística. Inclusive, registrou crescimento significativo nas assinaturas em meio à pandemia. A troca de “main” por “lame”, uma palavra informal para referir-se a algo desinteressante ou de pouco valor, visa a desvirtuar os veículos midiáticos de maior prestígio, julgados por relatar fatos distorcidamente e manipular a opinião pública para resultados pertinentes aos envolvidos. Por ser uma expressão estrangeira informal, os efeitos de sentido causados pelas aspas são variados. Caso considerássemos apenas o texto e sua construção sintática, o efeito de sentido preponderante seria de demarcação do estrangeirismo, seguido de sinalização de uma citação direta. Todavia a acepção das aspas, tendo em vista o contexto ligado ao termo pejorativo, pode nortear os leitores a perceberem a utilização informal do termo, tratando-se de uma gíria que deve ser destacada, e sua ampla repercussão, desde jovens ao presidente dos EUA em redes sociais. Dessa forma, as aspas ressaltam um termo ou expressão costumeira àquele enunciador de origem e, neste caso, também a outros cidadãos americanos, “introduzindo uma expressão que está na moda” e “significando ‘como se diz neste momento’” (CHARAUDEAU, 2013, p. 166). No segundo caso, inserem-se as aspas na tradução realizada pela articulista para assinalar o significado da frase anterior em língua estrangeira. As prescrições gramaticais mencionam que, em trabalhos científicos sobre línguas, aspas simples podem enfatizar significados ou sentidos das línguas pesquisadas. Ainda no mesmo período, temos a frase nominal “a força dominante”, designação de Donaldo Trump sobre a mídia citada. Em razão da ausência de alterações no enunciado entre aspas e de não ser uma frase compartilhada por muitos outros sujeitos enunciadores, o efeito de sentido compreendido é de especificação de citação direta. Quando uma expressão linguística é costumeira a outras vozes identificadas no texto, as aspas, conforme Charaudeau (2013), são inseridas para evocar um dizer que não pertence ao enunciador com um sentido de “como ele mesmo diz”. Isso ocorre no fragmento do artigo de opinião que comenta a eventual infecção do governante brasileiro: “Em julho de 2020, o próprio Bolsonaro foi diagnosticado com sua ‘gripezinha’”. Além da “gripezinha” ter sido um rótulo recorrente para a doença Covid-19 por Bolsonaro nos primeiros meses da aparição do vírus em solo brasileiro, há nessa menção da articulista um tom irônico.

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Examinarmos o contexto de produção é primordial para indicarmos a ironia existente na sequência discursiva, pois é no embate de posicionamentos ideológicos contrastantes que a crítica pode ser manifestada como “zombaria”. De acordo com Maingueneau (1997), o enunciador de um discurso irônico pode estar numa posição defensiva ou ofensiva, sendo a ironia um recurso para desqualificar e ridicularizar o outro. As marcas linguísticas aspas servem, por isso, como índices da entonação irônica, a qual não pode ser reproduzida sonoramente dada a inexistência dessa funcionalidade na construção textual. No mesmo parágrafo, a articulista insere o fato de que o presidente do Brasil subestima o uso de máscaras em meio à pandemia e ridiculariza aqueles que a utilizam, rotulando a ação como “uma coisa de viado”. Novamente buscando o distanciamento discursivo com o enunciado do outro, devido ao preconceito desmedido, Margolis emoldura o dito com as aspas, “colocando na boca de outro a responsabilidade dessa avaliação negativa” (RODRIGUES, 2001, p. 192), tornando-o, assim, uma estratégia para desqualificar o ponto de vista por via indireta. No caminho da conclusão dos argumentos criados para construir um paralelo entre os dois governantes, Maxine afirma que ambos externaram, por meio de falas e posturas, em meio à imprensa hegemônica, insensibilidade no tocante à gravidade da pandemia e ao aumento disparado nos óbitos por Covid-19, como bem relembra a articulista ao incorporar um dos discursos proferidos por Jair Bolsonaro quando questionado sobre as numerosas mortes: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. Posteriormente também apresenta declaração contestável do líder norte-americano: “nosso número total de óbitos, os números por milhão de habitantes, são muito, muito bons”.) A articulista optou, dessa forma, por encerrar a discussão e seu ponto de vista no gênero jornalístico agregando citações diretas dos dois chefes de estado, fiéis aos dizeres originais. Reforça-se, por consequência, a veracidade das informações e a coerência na argumentação produzida no artigo de opinião (CHARAUDEAU, 2013), sendo o efeito de sentido das aspas elemento discursivo importante para causar um impacto no desfecho do artigo de opinião e na tese levantada por Maxine, sobressaindo o propósito comunicativo do texto.

5 Considerações finais Neste artigo, averiguamos como as aspas podem conceber efeitos de sentido na discursividade construída no artigo de opinião, revelando que as circunstâncias de produção, como a nacionalidade e o posicionamento ideológico da articulista, são indissociáveis ao emprego do sinal gráfico e, consequentemente, do sentido produzido. A articulista Maxine Margolis, pesquisadora de estudos brasileiros em solo norte-americano, mobilizou sua experiência acadêmica para posicionar-se e construir a argumentatividade do texto. Retomando os empregos do sinal gráfico e os efeitos de sentido incitados, as aspas foram utilizadas para inserir uma alcunha popularmente usada para referir-se ao presidente Jair Bolsonaro e o termo “lamestream media”, extrapolando o sentido atribuído às aspas de acrescentar o dizer do outro, apenas como uma gíria ou citação direta, uma vez que indica a proliferação demasiada da expressão pelos falantes do português brasileiro e inglês, respectivamente. Aparentemente não comum ao seu vocabulário devido à sua nacionalidade, a articulista emoldurou a gíria “filhinho de papai” com o sinal gráfico, manifestando o afastamento linguístico entre o termo e a sua linguagem. Tais leituras são possíveis diante da percepção dos aspectos circunstanciais do processo discursivo formulado, elementos norteadores da concatenação de ideias mobilizadas.

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Outros empregos da marca linguística em questão serviram para diferenciar enunciados de terceiros no discurso da articulista, com ou sem modificações do dizer pelos pronomes e tempo verbal utilizados, o que acentua o aspecto dialógico da interação social; distanciar a articulista de discursos proferidos por outros enunciadores com teor controverso e pejorativo, eximindo-a das responsabilidades pertencentes a tal posicionamento; traduções de gírias de sua cultura para o português; e desqualificar o ponto de vista de um discurso alheio. Dessa forma, a análise linguística e discursiva das aspas viabiliza a compreensão e produção de textos argumentativos, pois revela seus efeitos de sentido, os quais podem suscitar os propósitos comunicativos de persuasão, ironia, desejo de distanciamento do discurso alheio, entre outros construídos no texto e construídos pelo leitor. A partir da análise discursivo-linguística realizada, reconhecemos que, embora a maioria dos efeitos de sentido gerados pelas aspas sejam apresentados em gramáticas prescritivas, as complexidades enunciativas presentes nas interações humanas, como os gêneros discursivos, excedem a previsibilidade normativa a partir da intencionalidade e lugar sócio-histórico do enunciador, não sendo passíveis de serem catalogadas em sua totalidade. Recordamos assim a dinamicidade da língua, um organismo vivo realizado no processo de interação e com potencialidade de produzir infinitas formas de expressão, comunicação e sentidos constitutivo das necessidades interacionais dos falantes. Constatamos, por meio desta pesquisa, a amplitude do campo de estudos linguísticos associado aos gêneros jornalísticos contemporâneos, propício para análises mais aprofundadas de marcas linguísticas, como as aspas, investigando em contextos de produção variados como essas são articuladas para benefício do enunciador, e, por meio disso, enfatizando a falsa neutralidade dos discursos na interação social. Estudar os gêneros jornalísticos como unidades reais da comunicação discursiva significa fomentar a compreensão da funcionalidade da linguagem no ato de interação social e conduz os leitores a refletirem sobre as construções linguísticas feitas a partir de onde o discurso é divulgado, com suas regularidades e propósitos discursivos debatidos, bem como o perfil do autor, sem desvirtuar a complexidade dos textos para meras rotulações gramaticais, congruente com os temas pesquisados e a proposta de ensino de língua portuguesa debatida no projeto de pesquisa e extensão do IFFluminense “A experiência do texto: por uma metodologia para ler, compreender e analisar textos jornalísticos atuais no ensino Médio”, ao qual este trabalho se integra.

Referências ANTUNES, I. Análise de textos: fundamentos e práticas. São Paulo: Parábola, 2010. BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. CHARAUDEAU, P. Discurso das mídias. 2. ed. 2. reimpr. São Paulo, SP: Contexto, 2013. GREGOLIN, M. R. V. Análise do discurso e mídia: a (re) produção de identidades. Comunicação mídia e consumo, v. 4, n. 11, p. 11-25, 2008. KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Escrever e argumentar. São Paulo: Contexto, 2016.

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MAINGUENEAU, D. Novas tendências em análise do discurso. 3. ed. Campinas, SP: Pontes, 1997. MARGOLIS, M. Trump e Bolsonaro: aves de mesma plumagem. Folha de São Paulo, São Paulo, 19 ago. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2020/08/trump-e-bolsonaro-avesde-mesma-plumagem.shtml. Acesso em: 7 set. 2020. ORLANDI, E. P. Discurso e Leitura. São Paulo: Cortez Editora, 2008. PÊCHEUX, M. Análise Automática do Discurso. In: GADET, F. HAK, T. (org.). Por uma Análise Automática do Discurso: Uma Introdução à Obra de Michel Pêcheux. 3. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997. RODRIGUES, R. H. A constituição e o funcionamento do gênero jornalístico artigo: cronotopo e dialogismo. 2001. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001.

Anexo A – Artigo de opinião em análise Trump e Bolsonaro: aves de mesma plumagem Presidentes são espetacularmente ineptos e incapazes de liderar seus países

Maxine L. Margolis Professora emérita de antropologia na Universidade da Flórida e pesquisadora-adjunta sênior no Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia

Jair Bolsonaro é chamado de “Trump tropical”, uma descrição bem adequada ao líder autoritário à frente da sexta nação mais populosa do mundo. Como brasilianista e americana politicamente engajada, admiram-me as semelhanças notáveis entre Jair Bolsonaro e Donald Trump no âmbito de suas políticas, personalidade e ideologia. Seu histórico, evidentemente, difere marcadamente. Bolsonaro é filho de um dentista itinerante de áreas rurais do Brasil, capitão reformado do Exército brasileiro e deputado federal por vários mandatos. Trump? Trump seria o que os brasileiros chamariam de “filhinho de papai”, um garoto rico e mimado. Ainda assim, mostram-se paralelas as políticas para o meio ambiente promovidas por Bolsonaro e por Trump. Aqui, Trump está para a mineração de carvão e exploração de petróleo em bacias marítimas como Bolsonaro está para a mineração de ouro, pecuária e plantação de soja na região amazônica. Bolsonaro apoia as mineradoras, independentemente do estrago ambiental que suas atividades causem, assim como Trump apoia suas aguerridas mineradoras de carvão, apesar dos custos para o mundo natural. Ambos também esvaziaram parcialmente as agências responsáveis por fiscalização ambiental, causando um enfraquecimento dramático na aplicação das respectivas legislações. 498 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 484-500, maio/ago. 2021


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Assemelha-se também o modo como tratam populações marginalizadas. Trump e Bolsonaro agem de forma a favorecer os ricos e poderosos, piorando as condições das minorias, que, no Brasil, incluem os povos indígenas. Ambos são misóginos famigerados. Certa vez, durante uma altercação com outra deputada federal, Bolsonaro disse que ela “não merecia ser estuprada” por ser muito feia. O desprezo pelas mulheres constitui também uma marca característica do governo de Trump, que chamou Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados e mulher mais poderosa do governo americano, de “uma pessoa inerentemente imbecil”. A verdade é que a patente incompetência que ambos têm demonstrado na atual crise de saúde mostra-se quase imbatível e, não por acaso, EUA e Brasil destacam-se como os únicos países do mundo com um número muito superior a um milhão de casos confirmados de Covid-19. Nas duas nações, governadores estaduais basicamente não contaram com respaldo algum para a adoção de regras de confinamento. Tanto um como o outro veem interesses políticos espreitando por detrás da pandemia, assim como da resposta contra ela. Bolsonaro caracterizou o surto de “fantasia” e “exagero” propagado pela imprensa e ignorou a orientação médica de não apertar mãos ou participar de aglomerações. Trump assumiu postura semelhante, acusando o que chama de “lamestream media”, algo como “a grande pequena mídia”, de ser “a força dominante” dentre as que procuram forçá-lo a manter o país fechado pelo maior tempo possível. Ele insinuou também que governadores e prefeitos do Partido Democrático davam continuidade a restrições relacionadas ao coronavírus unicamente para prejudicar a recuperação econômica e, assim, suas perspectivas eleitorais. Em julho de 2020, o próprio Bolsonaro foi diagnosticado com sua “gripezinha”. E ele não é fã de máscaras. Caçoou de seus próprios funcionários, alegando ser o uso de máscara “uma coisa de viado”. Por sua vez, Trump se recusa a envergar máscara e transformou seu uso em manifestação de inclinação política: quem o segue na recusa é visto como apoiador. Trump aparenta também ser impermeável à sugestão de que ele, como cidadão idoso e obeso, poderia desenvolver uma forma grave da doença caso contraísse o vírus. Ambos exibem assombrosa falta de empatia, enxergando a crise só no que lhes afeta pessoalmente. Questionado a respeito dos muitos milhares de mortes causadas pelo coronavírus, Bolsonaro respondeu “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. Ao passo que Trump, claro, queixa-se de ter sido a maior vítima da Covid-19, blindando-se contra o sofrimento de toda uma nação e declarando que “nosso número total de óbitos, os números por milhão de habitantes, são muito, muito bons”. Ou seja, sugeriu que seu governo mereça crédito por prevenir uma situação muito pior. E é isso. Dois indivíduos espetacularmente ineptos, ambos moral e intelectualmente incapazes de liderar seus respectivos países. No momento, prova-se impossível estimar a magnitude do dano causado aos Estados Unidos e ao Brasil, assim como o tempo que será necessário para que essas nações se recuperem destes dois seres humanos tão abomináveis.

Agradecimentos Ao Instituto Federal Fluminense, pelo apoio educacional e fomento da iniciação científica dos licenciandos. Ao professor Thiago Eugênio, orientador, pela dedicação, estímulo, auxílio e atenção durante o desenvolvimento deste trabalho. A meu companheiro de vida, Rafael Freitas, pelo incentivo e entusiasmo dados para encorajar-me. Aos amigos e familiares queridos que sempre torcem pelo meu crescimento pessoal e profissional. Enfim, a todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a produção deste trabalho.

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COMO CITAR (ABNT): BRAGA, L. C., BÊTTA, T. E. L. A "fantasia" da pandemia de Covid-19 em discursos políticos: as aspas e seus efeitos de sentido no gênero jornalístico artigo de opinião. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 484-500, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p484-500. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15917. COMO CITAR (APA): Braga, L. C. & Bêtta, T. E. L. (2021). A "fantasia" da pandemia de Covid-19 em discursos políticos: as aspas e seus efeitos de sentido no gênero jornalístico artigo de opinião. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 484-500. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p484-500

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Submetido em: 1 fev. 2021 Aceito em: 25 maio 2021

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p501-514

A importância dos indicadores sociais nas pesquisas voltadas para as relações raciais Cristiane Lourenço https://orcid.org/0000-0001-6341-1155 Assistente Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutoranda do Programa de Estudos Pós Graduados em Política Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói/RJ – Brasil. E-mail: cristianelourencodoutoradouff@gmail.com.

Resumo Estudos voltados para a análise das relações raciais mostram que, no Brasil, a leitura social do fenótipo se constitui em um dos principais elementos de classificação social. Diante disto, este trabalho se propõe a investigar, à luz das Ciências Sociais Aplicadas e com base nos teóricos que tratam do tema, como tais categorias foram construídas e ressignificadas quando se trata de avaliação de políticas sociais no estado brasileiro. Nossa intenção com este artigo é realizar uma análise teórica a respeito da produção de indicadores sociais tendo como elemento central as categoriais sociais pretos e pardos. Seu desenvolvimento encontra-se estruturado da seguinte forma: iniciamos com a Teoria dos Campos de Pierre Bourdieu como um dos elementos teóricos que baseiam este estudo. Em seguida o artigo aborda a forma como as relações raciais no Brasil são construídas e reproduzidas. O texto se encerra com a busca em compreender a importância da escolha e construção de indicadores para a avaliação de políticas sociais. Palavras-chave: Raça. Racismo. Indicadores sociais.

The importance of social indicators in research focused on race relations Abstract Studies focused on the analysis of race relations show that, in Brazil, the social reading of the phenotype is one of the main elements of social classification. In view of this, this work proposes to investigate, in the light of Applied Social Sciences and based on the theorists that deal with the theme, how such categories were constructed and reframed when it comes to the evaluation of social policies in the Brazilian State. Our intention with this article is to carry out a theoretical analysis regarding the production of social indicators with black and brown social categories as the central element. Its development is structured as follows: we started with Pierre Bourdieu's Field Theory as one of the theoretical elements that base this study. Next, the article discusses how race relations in Brazil are built and reproduced. The text ends with the search to understand the importance of choosing and building indicators for the evaluation of social policies. Keywords: Biology. Race. Racism. Social indicators.

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La importancia de los indicadores sociales en la investigación centrada en las relaciones raciales Resumen Los estudios centrados en el análisis de las relaciones raciales muestran que, en Brasil, la lectura social del fenotipo constituye uno de los principales elementos de la clasificación social. Ante esto, este trabajo se propone investigar, a la luz de las Ciencias Sociales Aplicadas y a partir de los teóricos que abordan el tema, cómo se construyeron y reformularon tales categorías en la evaluación de las políticas sociales en el Estado brasileño. Nuestra intención con este artículo es realizar un análisis teórico sobre la producción de indicadores sociales con las categorías sociales negras y pardas como elemento central. Su desarrollo se estructura de la siguiente manera: partimos de la Teoría del Campo de Pierre Bourdieu como uno de los elementos teóricos que fundamentan este estudio. A continuación, el artículo analiza cómo se construyen y reproducen las relaciones raciales en Brasil. El texto finaliza con la búsqueda por comprender la importancia de elegir y construir indicadores para la evaluación de políticas sociales. Palabras clave: Raza. Racismo. Indicadores sociales.

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1 Introdução Quando se observam os sistemas de classificação racial no Brasil, é possível verificar que esse sistema vem se moldando como um retrato da composição racial brasileira. A categoria cor, enquanto elemento de construção racial e social, está historicamente pautada nas variações fenotípicas dos agentes e se constitui em um mecanismo de classificação social que hierarquiza as relações e o acesso a determinados espaços sociais. A produção de indicadores sociais e suas contribuições para o diagnóstico da realidade social refletem, de certa maneira, as correlações de forças existentes no momento de inserção e formulação de dada política. Neste sentido, os estudos voltados para o exame das categorias sociais cor e raça, e mais especificamente das categorias pretos e pardos, têm se apresentado como fundamentais para compreender as desiguais sociais históricas presentes na sociedade brasileira. A partir do entendimento de que para certa matéria ser inserida na agenda pública é preciso uma conjunção de fatores como o número de agentes afetados, da maneira como o tema será posto e especialmente da capacidade dos grupos organizados em se organizarem e darem visibilidade ao assunto (SUBIRATS, 2006), o debate sobre a produção de indicadores sociais que utilizam as categorias cor e raça deve ser realizado considerando as concepções histórico e políticas que permeiam as relações raciais no Brasil. Nossa proposta com este artigo é contribuir para as reflexões sobre a importância das categorias pretos e pardos na construção de indicadores sociais. Nos parece que este é um tema que requer maior exploração no âmbito das Ciências Sociais Aplicadas, por isso nossa opção metodológica é analisar as referências teóricas que contribuem para o melhor entendimento dos temas relações raciais e indicadores sociais. A decisão sobre qual indicador será utilizado na realização de uma pesquisa – seja diagnóstica ou acadêmica – não é aleatória. Ele vem carregada de signos e de historicidade. Inserir no questionário o quesito cor ou raça significa assumir que esses marcadores podem influenciar a elaboração da política e seus objetivos. Pierre Bourdieu e sua Teoria dos Campos (2015) nos ajudam a perceber que não se trata apenas de uma escolha metodológica: a inserção de um indicador pressupõe negociações e disputas dentro do campo. A raça, enquanto construção histórica e social, deve ser considerada quando se produzem indicadores sociais. Ao considerar esse fator, o pesquisador e/o gestor assumem que em nossa sociedade a cor da pele é um elemento de distinção social e que conhecer o perfil racial da população pode ser um mecanismo de produção de políticas antirracistas.

2 A teoria dos campos em Bourdieu Ao analisar o estabelecimento das relações raciais no Brasil, supomos ser possível nos ancorar nos apontamentos de Bourdieu a respeito da teoria dos campos. Segundo o autor, “em cada campo se encontrará uma luta, da qual se deve, cada vez, procurar as formas específicas, entre o novo que está entrando e que tenta forçar o direito de entrada e o dominante que tenta defender o monopólio e excluir a concorrência” (BOURDIEU, 1989, p. 89). O campo é uma configuração de relações objetivas entre as posições simbólicas ocupadas por agentes e/ou instituições. A estrutura do campo é determinada pelo distanciamento entre as posições e pelas relações objetivas. As interações entre desigualdades sociais e o racismo à brasileira passam pela análise das categorias pretos e pardos e sua importância para a construção de indicadores que são fundamentais para a elaboração de pesquisas, formulação de agenda e implementação de políticas e programas voltados para a garantia dos mínimos sociais.

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Eleger qual indicador possui ou não relevância para dada pesquisa ou produção de dados, ou ainda para a formulação de certa política pública é um campo de disputas entre os diferentes atores, um campo de lutas em que a atuação dos agentes se dá conforme as posições estabelecidas e buscam manter, alterar ou transformar o espaço social que ocupam e um campo de forças, que seria a estrutura que de certa forma, manteria os agentes no espaço social ao qual estão inseridos (BOURDIEU, 1996). As reflexões, a partir do conceito bourdiesiano, indicam que a relação é cheia de embates, de luta e estratégias de tomada de poder. Os agentes inseridos no campo procuram manter ou modificar sua posição dentro do campo (BOURDIEU, 2004). De acordo com cada situação e interesse específicos as tensões aumentam ou diminuem, os objetivos se mantém ou são alterados. Não há uma definição prévia de quem está apto a entrar no campo de disputas. A exigência é ter conhecimento das regras do jogo e do que está em disputa. As relações de força são determinadas pelas ações e posturas de cada um dos agentes. Assim, aqueles que detêm o capital legitimado no campo possuem certo monopólio sobre aqueles que não o detêm. Deste modo, os primeiros apresentam maiores chances de serem acolhidos em suas demandas, posicionamentos e opções. Entretanto, ressalta o autor (1983), apesar de contrastante, que todos os que participam da luta têm em comum certa crença no valor daquilo que é disputado. Vale salientar que o campo está em contínuo movimento e constantemente se reorganiza conforme os objetos e os agentes nele inseridos. Assim, quando examinamos as relações raciais no Brasil e a produção de indicadores raciais, nos parece que esse é um campo constante de disputas, visto que o resultado dos indicadores pode apontar o quão grave são as questões pautadas na raça e no racismo e a pouca eficácia das políticas sociais para minimizar as desigualdades relacionadas à cor da pele.

3 Raça e racismo à brasileira No Brasil o conceito de “raça” adquire um significado histórico e cultural mais consistente, a partir da segunda metade dos anos de 1920. Naquele momento, os “homens de cor” passaram a se definir como “negros” e a aceitar que os mestiços claros se definissem como “brancos”. De acordo com as ciências sociais aplicadas, raça pode ser compreendida como um organismo socialmente construído, sem base biológica, contudo é usada para designar as classificações sociais, sendo estruturada e estruturante de nossa sociedade. Guimarães (1999) compreende raça como uma construção social pautada em um conceito biológico equivocado, que gera, produz e reproduz diferenciações dentro do espaço social. Neste sentido a cor seria o traço mais evidente e seria um “instrumento” utilizado para a classificação social. Raça aqui significa a compreensão a partir da leitura fenotípica, leitura esta que é utilizada como elemento de classificação social. Os apontamentos Telles (2004) indicam que: Os brasileiros, frequentemente, preferem a noção de cor ao invés da de raça, porque este termo capta melhor a fluidez das relações raciais. Mesmo assim, a noção de cor dos brasileiros é equivalente ao conceito de raça, pois está associada à ideologia racial que hierarquiza as pessoas de cores diferentes. Independentemente do uso do conceito de cor ou raça, as pessoas são tipicamente racializadas e a percepção de seu status depende de sua categorização racial ou de cor. (TELLES, 2004, p. 180).

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Assim, o termo “negro” ganha significado para definir pretos e pardos. Cabem aqui as considerações de Nogueira (2006) sobre a composição racial brasileira. Para Nogueira, no Brasil o que existiria seria raça de marca (que inclusive, definiria o racismo brasileiro), e a identificação racial se daria pelas características fenotípicas e não raça de origem. Ou seja, o tom da pele seria uma espécie de passaporte para o acesso ou não a certos espaços sociais. De um modo geral, os característicos aqui apontados, no que se refere à situação racial brasileira, ou já foram reconhecidos pelos autores dos estudos indicados – desde o de Donald Pierson aos patrocinados pela Unesco – ou se baseiam em dados e fatos que eles apresentam. A própria expressão “preconceito de marca” não constitui senão uma reformulação da expressão “preconceito de cor”, que se encontra não apenas nos autores referidos e em outros escritos relativos à “situação racial” brasileira, como chega, mesmo, a ser corrente, em certos círculos, na sociedade brasileira, quando se discute a questão. (NOGUEIRA, 2006, p. 292).

Entendemos ser importante pontuar o modo como o racismo estrutura e se estrutura na sociedade brasileira. De acordo com Guimarães (1999) são três os processos históricos que fundamentam o racismo no Brasil: o primeiro refere-se a nossa historicidade em que ser ex-escravizados pretos e mestiço significava possuir um marcador prévio de inferioridade. O segundo, diz respeito à interseccionalidade raça-gêneroclasse, uma vez que os três são utilizados de forma hierarquizante em nossa sociedade. O terceiro está relacionado diretamente com as transformações e efeitos do capitalismo no Brasil (GUIMARÃES, 1999). O racismo à brasileira está intimamente relacionado à nossa formação social enquanto nação. No clássico Casa Grande e Senzala (1933), Gilberto Freyre nos apresenta a cultura portuguesa, dominante e cordial, com uma convivência quase familiar com o negro escravizado. A relação de afetividade e de diálogo entre o português e o escravizado apontado por Freyre seria uma espécie de DNA da nossa brasilidade, em que a cordialidade superaria as diferenças e desigualdades existentes. A “democracia racial” brasileira teria como base a miscigenação e a harmonia entre os diferentes grupos raciais. Nesta interpretação a sociedade brasileira ultrapassa os conflitos de origem, pois o fator que prevalece na análise é a miscigenação em si, destituída das condições e dos aspectos violentos que a ocasionaram. É como se as diferentes raças formadoras sociedade brasileira simplesmente tivessem se misturado e selado acordos de convivência harmoniosos, quando comparados com a sociedade dos Estados Unidos, por exemplo. E foram sintetizadoras da crença em uma real democracia racial no país, um mito que se instalou no imaginário do pensamento nacional e que abafou as discussões sobre relações raciais e racismo em várias instâncias, principalmente no universo acadêmico. (SILVA, 2017, p. 49).

Florestan Fernandes (1978) analisa o chamado mito da democracia racial a partir de um prolongamento ideológico dos antigos comportamentos dedicados ao negro enquanto escravo, mas agora na condição de cidadão livre. Na perspectiva do autor, a ambiguidade nas relações raciais ocorre a partir do instante em que não foram estabelecidos impedimentos judiciais para ascensão do negro e não ocorreu nenhuma manifestação contrária à sua inserção na sociedade, ao menos explicitamente. Isto ocorria ao mesmo tempo em que as preferências raciais impediam, ainda que de maneira invisível, o acesso dos negros aos bens sociais. A formação do conceito de raça e a opinião a respeito da questão racial no Brasil derivam, em grande medida, dos discursos presentes nas instituições formalmente organizadas. Elas apresentam uma supervalorização dos brancos, transformando-os em ícones de beleza e inteligência. O acesso aos espaços

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políticos e culturais e aos espaços de produção de conhecimento ainda hoje é baseado na lógica do embranquecimento, agravado pela invisibilidade do racismo e suas práticas. Em suma, a raça, como traço fenotípico historicamente elaborado, é um dos critérios mais relevantes que regulam os mecanismos de recrutamento para ocupar posições na estrutura de classes e no sistema de estratificação social. Apesar de suas diferentes formas (através do tempo e do espaço), o racismo caracteriza todas as sociedades capitalistas multirraciais contemporâneas. Como ideologia e como conjunto de práticas cuja eficácia estrutural manifesta se numa divisão racial do trabalho, o racismo é mais do que reflexo epifenomênico da estrutura econômica ou um instrumento conspiratório usado pelas classes dominantes para dividir os trabalhadores. Sua persistência histórica não deveria ser explicada como mero legado do passado, mas como servindo aos complexos e diversificados interesses do grupo racialmente supra ordenado no presente. (HASENBALG, 1979, p. 1118).

Existe em nosso país certa dificuldade em caracterizar dada postura como racista, visto que algumas atitudes estão arraigadas no cotidiano brasileiro e são entendidas como ofensa pessoal e não como ofensa racial. O racismo, enquanto “uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios, a depender ao grupo racial ao qual pertençam” (ALMEIDA, 2018, p. 25), torna-se invisibilizado pelo senso comum, já que as bases histórico-sociais brasileiras durante muito tempo se ancoraram no mito da democracia racial e sua capa de cordialidade e harmonia. A situação aparece de forma estabilizada e naturalizada, como se as posições sociais desiguais fossem quase um desígnio da natureza, e atitudes racistas, minoritárias e excepcionais: na ausência de uma política discriminatória oficial, estamos envoltos no país de uma "boa consciência" que nega o preconceito ou o reconhece como mais brando. Afirma-se de modo genérico e sem questionamento uma certa harmonia racial e joga-se para o plano pessoal os possíveis conflitos. (SCHWARCZ, 1998, p. 179).

Nos parece ser correto afirmar que, no caso brasileiro, a invisibilidade do racismo é o principal impedimento para uma discussão aprofundada sobre os modos de vida e acesso aos serviços da população preta e parda. O discurso de que as desigualdades são apenas relacionadas à classe social, por anos fortaleceu práticas racializadas em nossa sociedade. Práticas estas inseridas em nosso dia a dia e reproduzidas com naturalizada pelos mais diversos grupos sociais. Os indicadores sociais produzidos devem, em nosso entendimento, considerar os dados cor e raça para que, ao conhecer o perfil sociorracial da população, o gestor ou o pesquisador tenham elementos para propor ações que efetivamente garantam a igualdade de direitos a pretos e pardos. A seguir, discorreremos brevemente sobre o processo de coleta de dados estatísticos no Brasil.

4 A coleta de dados estatísticos no Brasil Desde a primeira coleta de dados no Brasil, as informações sobre a cor da pele são requeridas e utilizadas como elemento de classificação social. Em 1872, a população foi classificada entre livre e escrava, e caberia ao censo definir a cor dos agentes (MUNIZ, 2010). A abordagem estatística daquela época apenas buscava separar brancos de pretos e pardos. Indígenas eram ignorados. À época, o censo utilizou um critério misto que agregava aspectos fenótipos e descendência como modo de identificar racialmente a população. 506 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 501-514, maio/ago. 2021


A importância dos indicadores sociais nas pesquisas voltadas para as relações raciais Cristiane Lourenço Os termos escolhidos para classificar a população foram: branco, preto, pardo e caboclo. Pardos são compreendidos como resultantes da união de pretos e brancos; caboclos são os indígenas e seus descendentes. Considerando que os termos branco, preto e pardo são cores e caboclo possui raiz na origem racial, o Censo de 1872 parece ter usado um critério misto de fenótipos e descendência para a caracterização racial da população. O Censo de 1890, segundo censo geral da população, publicou dados sobre cor somente para a população geral e por estado civil. Utilizou os termos branco, preto, caboclo e mestiço. O critério misto é novamente utilizado, só que, neste caso, mestiço (referindo-se exclusivamente ao resultante da união de pretos e brancos) e caboclo estão vinculados à descendência. (PIZA & ROSEMBERG, 1998-99, p. 124).

Nos censos subsequentes em 1900 e 1920, a classificação cor/raça não foi inserida. Eram tempos em que as teorias relacionadas ao racismo científico, que associavam a negritude a traços de violência e inferioridade sociocultural, estavam em voga. Vale aqui tecer breves considerações sobre a teoria eugenista. O eugenismo, teoria que se popularizou nos anos 20, relacionava o embranquecimento da população ao desenvolvimento do país. A especificidade do discurso eugenista por aqui produzido está ligada ao fato de que, sendo tributário do discurso racialista local, incorporou a perspectiva de que a verdadeira nacionalidade poderia surgir por meio de um tipo homogeneização biológica que eliminasse a degenerescência racial do corpo coletivo nacional. A eugenia ofereceu, portanto, a confiança na possibilidade de que a ciência pudesse estabelecer uma forma racional de equacionar o ideal do progresso com a realidade singular desse laboratório racial que era considerado o Brasil. (KERN, 2016 p. 115).

Neste sentido, para o movimento eugenista havia duas possibilidades de garantir a nacionalidade do povo brasileiro: a primeira parte da ideia de que a miscigenação levaria à esterilidade biológica e cultural, inviabilizando a possibilidade de a nação tornar-se civilizada; a segunda parte da premissa de que a solução para o problema da miscigenação estaria no gradual branqueamento da população. Neste sentido devemos lembrar que a temática da miscigenação relacionada ao negro foi utilizada como ato político, ideológico e racista. No imaginário coletivo do brasileiro, o país é conhecido como mestiço, o que, de novo reforça a ideologia e o mito da democracia racial, que, na verdade, tinha a intenção de instituir uma Identidade Nacional, pensada como possível após algumas gerações, com o embranquecimento da população brasileira. (ANDRÉ, 2008, p. 136).

No censo de 1950, ocorre a reinserção da categoria pardos que abrangeria mulatos, cafuzos, caboclos e mamelucos. Esse recenseamento foi o primeiro em que apareceram recomendações técnicas voltadas para a autodeclaração do respondente durante a coleta de dados. Em 1970, durante a ditadura militar, os dados referentes à classificação racial foram novamente suprimidos. A intenção dos militares era reforçar o mito da democracia racial, pautado em um ideal antirracista. O pensamento da época era: se não falar em raça, o racismo deixa de existir. A partir dos anos 1990, o censo assume os contornos que temos atualmente, com a categoria indígena sendo finalmente inserida enquanto categoria racial. E desde então se tem o modelo censitário que contempla as categorias branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Nos anos 2000 o sistema e classificação foi mantido e em 2010 a categoria cor/raça se torna uma pergunta presente em todos os questionários do censo e os dados deixam de ser coletados em formato de amostra. Foi também neste último censo que pela primeira vez o percentual de pessoas que se declaram negras – entendidas aqui

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como a junção de pretos (7,6%) e pardos (43,1%), totalizando 50,7% da população – passa a ser maioria. Brancos somam 47,7%, amarelos 1,1% e 0,4% se autodeclaram indígenas. Longe de ser um procedimento meramente técnico, a realização dos censos demográficos reflete projetos políticos que transparecem nas questões elaboradas, na metodologia empregada e, evidentemente, nas opções de respostas oferecidas. Para se aproximar de alguma classificação racial da população brasileira, é necessário escolher quais categorias sociais se pretende tornar visível em detrimento de outras e, assim, influenciar a construção das lentes através das quais a própria sociedade poderá se enxergar em termos de relações raciais. (SENKEVICS et al., 2016, p. 12).

Neste breve histórico aqui apresentado chama atenção a hibridez da categoria pardo. Ora agrupa várias cores, ora inclui os grupos indígenas. Sobre essa categoria vale dizer, que no Brasil, ser pardo acaba por ser tornar um subterfúgio, um estratagema que os agentes podem utilizar para se inserirem em determinados espaços sociais, em que ter a pele mais ou menos retinta pode significar ter mais ou menos status. As provocações de Munanga (1999) nos ajudam a refletir sobre o uso do marcador cor para a classificação social dos agentes. O que significa ser branco, ser negro, ser amarelo, ser mestiço, ou homem de cor? Para o senso comum, essas denominações parecem resultar da evidência e recobrir realidades biológicas que se impõem por si mesmas. No entanto, trata-se, de fato, de categorias cognitivas largamente herdadas da história da colonização, apesar da nossa percepção da diferença situar-se no campo do visível. É através dessas categorias cognitivas, cujo conteúdo é mais ideológico do que biológico, que adquirimos o hábito de pensar nossas identidades sem nos darmos conta da manipulação do biológico pelo ideológico. (MUNANGA, 1999, p. 18).

Nos parece inconteste que a nacionalidade brasileira se constrói a partir da crença na miscigenação e na democracia racial. A mestiçagem, marca da nossa brasilidade influenciaria diretamente no modo como os agentes se identificariam racialmente e no modo como as relações raciais são estabelecidas e reproduzidas. De fato, o sistema brasileiro usou a miscigenação ou as fluidas relações horizontais para permitir que a injustiça e a desigualdade raciais permanecessem, sem a intervenção do poder público, por relativamente bastante tempo. Os brasileiros têm apontado para a miscigenação como prova de que há pouco ou nenhum racismo no país, evitando, assim, que o racismo seja examinado como fonte da desigualdade racial do Brasil. (TELLES, 2004, p. 191).

Ainda que não seja o escopo deste estudo, cabe tecer breves considerações sobre o Movimento Negro Unificado – MNU. O MNU é um dos agentes fundamentais quando se pensa o campo das relações raciais no Brasil, sobretudo na construção de uma nova interpretação histórica sobre a formação do povo negro. “Enquanto a ideia de nação brasileira foi construída a partir do conceito de um povo unificado e racialmente tolerante, forjado pela miscigenação, o movimento negro apresenta uma visão contrária, baseada em identidades raciais fortes, para fazer oposição ao racismo e à desigualdade racial” (TELLES, 2004, p. 193). Nas palavras de Gomes (2017, p. 26), “essa interpretação da raça como estrutural e estruturante para se compreender a complexidade do quadro de discriminação e desigualdades no Brasil, realizada pelo Movimento Negro, aos poucos passa a ocupar espaço nas análises sociológicas e entre os formuladores de políticas públicas”. A atuação do movimento negro trouxe uma ressignificação do que se entendia por raça, ao reforçar a importância deste termo enquanto marcador social e político.

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A importância dos indicadores sociais nas pesquisas voltadas para as relações raciais Cristiane Lourenço A essa “realidade estrutural” das desigualdades raciais se seguem consequências políticas. Isto é, se a classificação racial branco/não branco é determinante das oportunidades sociais, então ela deve também conformar as identidades políticas, rompendo a cortina ideológica do mito da democracia racial que permite, no plano político, que a ordem racial desigual seja reproduzida. (COSTA, 2002, p. 48).

Aqui convém retomar a teoria de campo de Pierre Bourdieu. Nota-se que a admissão ou não de dada categoria em dado momento histórico está condicionado pelo grau pertença ao campo, qual seja, à posição em que cada agente ocupa determina ou não a entrada daquilo que lhe é interessante. O campo, apreendido como um espaço estruturado pelas relações objetivas determina a forma das interações, das posições e das inserções. (BOURDIEU, 1996). A desigualdade socioeconômica é um dos fenômenos mais graves do Brasil e a cor da pele está diretamente associada a essa questão. A adoção de ações antirracistas, passa, em grande parte, pela produção de indicadores que mostrem a realidade social do momento, apresentem tendências e contribuam para a implantação de ações governamentais e não governamentais que visem minimizar os efeitos perversos do racismo. Deste modo, consideramos ser importante compreender como se dá a utilização dos indicadores sociais no país.

5 Indicadores sociais O debate sobre a implantação, formulação e execução de políticas e seus processos de avaliação de resultados e impactos é fundamental para que as ações – governamentais ou não – sejam executadas. No campo das Ciências Sociais Aplicadas, os indicadores sociais podem ser compreendidos como categorias que possibilitam instrumentalização de um conceito ou demandas. Um indicador social é uma medida em geral quantitativa dotada de significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para formulação de políticas). É um recurso metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças que estão se processando na mesma. (JANNUZZI, 2005, p. 15).

É através dos resultados trazidos pelos indicadores que os interesses sociais são definidos, as estratégias estabelecidas e decisões técnicas ou políticas tomadas. São eles que sugerem, fomentam, apontam e traduzem os interesses postos, e podem ser determinantes na formação da agenda e nas correlações de forças estabelecidas. Os indicadores estão presentes nos diferentes campos governamentais e acadêmicos, uma vez que são utilizados para monitorar e acompanhar as políticas públicas e contribuem para o aprofundamento da pesquisa científica nas diferentes áreas. Para o pesquisador, a seleção de indicadores que se comportem conforme o resultado almejado na pesquisa, bem como o conhecimento acerca do objeto a ser pesquisado, examinado ou avaliado é fundamental para que os resultados produzidos sejam confiáveis. Nas palavras de Bourdieu (2010, p. 21): “Só se pode realmente dirigir uma pesquisa – pois é disso que se trata – com a condição de a fazer verdadeiramente com aquele que tem a responsabilidade direta dela: o que implica que se trabalhe na preparação do questionário, na leitura dos quadros estatísticos ou na interpretação dos documentos […]”.

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No Brasil, a utilização de indicadores sociais ganha corpo em fins dos anos 1960, com a criação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD. Com as taxas de crescimento econômico elevadas ao mesmo tempo em que a pobreza e a desigualdade mantinham níveis altos, os indicadores são instituídos com o objetivo de medir e acompanhar o modo como o planejamento social era realizado naquele período. O principal objetivo era aferir as variações nos níveis de bem-estar da população (SIMÕES; ALKIMIM, 2017). O considerado primeiro “relatório de indicadores sociais”, foi na verdade um apontamento para a necessidade de produção de informações sociais para o monitoramento de temas sociais considerados relevantes: saúde; mobilidade social; meio ambiente; pobreza e renda; ordem pública e segurança; conhecimento, ciência e arte; participação e alienação. (SIMÕES; ALKIMIM 2017, s.p).

Os anos 1980 são significativos para a produção e análise de indicadores sociais com o estabelecimento de uma parceria entre o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) voltada para avaliar a situação das crianças e adolescentes brasileiros. Como resultado, a UNICEF recomendou que seria necessário que o Brasil aprofundasse os diagnósticos para grupos populacionais considerados vulneráveis, trazendo assim um novo processo de trabalho nos que se refere aos processos avaliativos. (SIMÕES; ALKIMIM, 2017, s.p). Vale ressaltar que, naquele período, as recomendações eram pautadas no contexto de internacionalização do capital e consequente neoliberalismo1, com prioridade para a redução do papel do Estado. Os indicadores sociais assumem um caráter normativo, com o fortalecimento da relação indicador social x crescimento econômico em detrimento da relação indicador social x redução de desigualdade. Pautadas na crítica aos gastos públicos, especialmente com aspectos sociais, as políticas propostas eram voltadas para corrigir a chamada “falha de mercado” que é como eram denominados os gastos sociais considerados excessivos (SANTAGADA, 2007). Na década de 1990, a produção de indicadores se volta para a abordagem de questões relacionadas às desigualdades e a análise das condições de vida da população. Surgem propostas de novas agendas internacionais, e, ainda que continuassem voltadas para a centralidade do mercado, passa também a observar as questões sociais. Assim, marcadores como raça, educação, gênero e localidade aparecem de forma mais sistemática nas avaliações. A Síntese de Indicadores Sociais, publicação do IBGE que teve sua primeira vinculação em 1999, pode ser considerada um divisor de águas no que se refere à produção de dados no Brasil. Organizada de forma temática, com um conteúdo teórico-analítico e relatórios consistentes, a Síntese dos Indicadores Sociais se torna o principal instrumento de publicização de informações sobre as condições de vida e desigualdades populacionais a partir dos anos 2000. Em 2011, com vistas a acompanhar a evolução dos indicadores voltados para o mercado de trabalho e a evolução do desenvolvimento socioeconômico do país, é instituída a PNAD Contínua. A intenção era produzir indicadores trimestrais sobre trabalho, renda, tecnologia da informação dentre outros. Seus indicadores são amplamente utilizados pela esfera governamental e pelos pesquisadores, sendo uma ferramenta quase que indispensável quando se discute políticas públicas. As abordagens sobre desenvolvimento social, bem como os indicadores produzidos, trouxeram um novo paradigma no que diz respeito ao modo de análise dos dados. Os indicadores sociais no Brasil trazem a noção de que o desenvolvimento não significa somente crescimento econômico, mas seus efeitos sobre as condições de vida da população. E é a partir dessas contradições, bem como das demandas sociais, que 1

A este respeito ler: ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In: SADER, Emir & GENTILI, Pablo (org.). Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995, p. 09-23.

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as agendas são formadas e indicadores produzidos. Jannuzzi (2005) argumenta que o indicador social indica uma tendência, um aspecto não antes observado, ou mesmo reforça questões já levantadas, porém não substitui o conceito que o originou. Destarte, o indicador não deve ser utilizado como medida isolada e nem como único instrumento de avaliação de dado contexto social. O autor afirma que inúmeras vezes os indicadores produzidos são reduzidos à expressão exata ou ideal daquilo que foi indicado. Sem que seja contextualizado, o indicador nada mais é que mero apontamento. Na maioria dos casos, o processo de produção de um indicador ou de um conjunto de indicadores segue o seguinte ciclo: Demanda dos grupos → Inserção na agenda → Escolha dos indicadores. (JANNUZZI, 2005). Os indicadores sociais desempenham a tarefa de dimensionar as questões sociais, que demandadas pelos grupos de interesse, podem ou não entrar na agenda. São os indicadores, que de um lado, instrumentalizam os pleitos dos grupos socialmente organizados, e de outro, dão aos pesquisadores subsídios para investigação. Em um contexto de formulação, implementação e avaliação de políticas, a relevância para a agenda político-social pode ser considerada a primeira funcionalidade de um indicador (CARVALHO, 2001). A produção e o modo com que serão analisados é o resultado de um processo dinâmico que possui inúmeras nuances como os interesses envolvidos e as correlações de força. Os indicadores buscam responder questões trazidas pelos diferentes grupos sociais, e o formulador de políticas públicas deve estar atento à dinâmica social, às mudanças que atravessam a sociedade, à dinamicidade dos contextos, sem, contudo, perder a dimensão de suas limitações metodológicas. Deste modo, temos acordo com a afirmação de Jannuzzi (2005, p.141): “[…] a boa prática de pesquisa social recomenda que os procedimentos de construção dos indicadores sejam claros e transparentes, que as decisões metodológicas sejam justificadas, que as escolhas subjetivas – invariavelmente frequentes – sejam explicitadas de forma objetiva”. A partir do conceito de políticas públicas como “um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos” (SARAVIA, 2006, p. 29), se entende que a eleição dos indicadores e os resultados provenientes dessa escolha são o que justifica o modo de intervenção em dada realidade social. Quando refletimos sobre as cinco categorias de cor determinadas pelo IBGE para a produção de indicadores, é preciso observar que elas não podem ser apreendidas como meramente objetivas. O argumento de Guimarães (2003, p. 106) nos parece ser apropriado quando nos debruçamos sobre essa matéria: “O que eu estou tentando defender é que qualquer categoria só faz sentido no interior de um discurso, no nosso caso, racial; quando nos deparamos com uma resposta sobre identidade, temos que investigar qual o discurso que está orientando as respostas”.

6 Considerações finais A efetividade de uma política pública depende de fatores que vão além da produção e análise corretas de um indicador social. A qualidade dos dados produzidos e principalmente das análises resultantes potencializa as chances de se ter melhor percepção da realidade social. A eleição de quais indicadores serão empregados na realização da avaliação de dada política depende, além de suas propriedades, do fim as quais se destinam. Os indicadores sociais em sua matriz devem contemplar as inúmeras políticas setoriais, além das várias etapas do processo. Quando um padrão de avaliação é proposto, o pesquisador deve criar uma matriz complexa, que contemple indicadores que atendam as diferentes políticas sociais, as inúmeras fases

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do processo de implementação do programa/projeto e os objetivos aos quais se destinam. Neste sentido, a eleição de quais indicadores serão avaliados, da utilização dos dados e se os resultados serão ou não utilizados pelo gestor da política/programa são passíveis de disputas. Neste sentido, a Teoria dos Campos de Pierre Bourdieu contribui para o entendimento de como o conhecimento dos agentes e as disputas existentes no interior do campo podem ser determinantes para o êxito ou não de dada política. A produção de dados estatísticos no Brasil data do fim do século XIX, entretanto a utilização dos dados enquanto elementos de aferição e de análise das desigualdades sociais presentes em nossa sociedade pode ser considerada recente. A partir da instituição da Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, temos, no país, um mapa aproximado da realidade brasileira que possibilita a elaboração de políticas voltadas para os extratos mais vulneráveis da população. Em nosso entendimento, a produção dos indicadores é fundamental para que os diagnósticos sociais sejam realizados com mais exatidão, o que permite a inserção de temas que até então poderiam ser considerados irrelevantes no tocante a investimentos públicos. No caso da categoria pretos e pardos e seus desdobramentos no que concerne à produção de indicadores sociais, é preciso compreender que não se trata de uma categoria que se encerra em si mesma. Ainda que passível de discussões, o que se tem hoje é um sistema de produção de indicadores que nos possibilita apontar tendências, refletir sobre as ações executadas e avaliar os avanços e limites das políticas antirracistas. Mesmo em uma sociedade racializada como a brasileira, é possível, a partir da produção e análise dos indicadores, implementar políticas que contribuam para que pretos e pardos tenham acesso às políticas sociais do mesmo modo que os brancos. Esse seria, em última instância, o resultado da correlação de forças que existe dentro do campo das ideologias a respeito da questão racial no Brasil. Valorizar a produção de pesquisas, estudos e agendas antirracistas reflete o resultado da luta histórica por políticas de representação e reconhecimento, ao mesmo tempo que são ferramentas para a formulação de políticas sociais para uma significativa parcela da população.

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COMO CITAR (ABNT): LOURENÇO, C. A importância dos indicadores sociais nas pesquisas voltadas para as relações raciais. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 501-514, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p501-514. Disponível em: http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15953. COMO CITAR (APA): Lourenço, C. (2021). A importância dos indicadores sociais nas pesquisas voltadas para as relações raciais. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 501-514. https://doi.org/10.19180/18092667.v23n22021p501-514 514 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 501-514, maio/ago. 2021


Submetido em: 11 dez. 2020 Aceito em: 2 fev. 2021

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p515-525

Severidade do míldio da cebola em plantio direto fertirrigado sob parcelamento de nutrientes e densidades populacionais Francisco Olmar Gervini de Menezes Júnior https://orcid.org/0000-0001-7957-2148 Doutor (2003) em Produção Vegetal pela Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel (FAEM) – Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Agente Técnico de Formação Superior IV - Pesquisador em Olericultura da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) – Ituporanga/SC – Brasil. E-mail: franciscomenezes@epagri.sc.gov.br. Edivânio Rodrigues de Araújo https://orcid.org/0000-0001-6872-613X Doutor em Fitopatologia pela Universidade de Brasília (UnB). Pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) – Ituporanga/SC – Brasil. E-mail: edivanioaraujo@epagri.sc.gov.br. https://orcid.org/0000-0002-7169-7920 Renata Sousa Resende Doutorado em Agronomia (Fitopatologia) pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Pesquisadora da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) – Ituporanga/SC – Brasil. E-mail: renataresende@epagri.sc.gov.br.

Resumo Analisou-se a relação entre o parcelamento de nutrientes (N e K) e a densidade populacional sobre a severidade de míldio da cebola sob cultivo em plantio direto fertirrigado nas condições do Alto Vale do Itajaí - SC. Com este propósito foram conduzidos ensaios de campo nos anos de 2017, 2018 e 2019, em Ituporanga - SC. Os tratamentos corresponderam a quatro densidades populacionais (300, 400, 500 e 600 mil plantas ha-1) submetidas a aplicações de nitrogênio (150 kg N ha-1) e potássio (127,5 kg K2O ha-1) distribuídas ao longo do ciclo vegetativo da cultura via fertirrigação de forma semanal, quinzenal e mensal, tendo por base a curva de absorção dos referidos nutrientes para o cultivar Empasc 352 - Bola Precoce. Em sistema de plantio direto fertirrigado o parcelamento de nutrientes (N e K) não influencia a severidade do míldio. A severidade do míldio aumenta de forma linear com o aumento da densidade populacional, em especial, a partir de 500 mil plantas por ha-1. Palavras-chave: Allium cepa. População de plantas. Peronospora destructor.

Severity of onion downy mildew in no-tillage fertigated system under installment of nutrients and plant densities Abstract The study analyzed the relationship between nutrient splitting (N and K) and population density on the severity of onion downy mildew under no-tillage cultivation within the conditions of Alto Vale do Itajaí (Brazil). For this purpose, field trials were conducted in the years 2017, 2018 and 2019, in Ituporanga (Brazil). The treatments corresponded to four plant densities (300, 400, 500 and 600 thousand plants ha-1) submitted to applications of nitrogen (150 kg N ha-1) and potassium (127.5 kg K2O ha-1). The doses of nutrients were distributed along the vegetative cycle of the culture via fertigation on a weekly, biweekly and monthly, based on the absorption curve of nutrients for the cultivar Empasc 352 - Bola Precoce. In fertigated no-tillage systems, the distribution of nutrients (N and K) does not influence the severity of downy mildew. Mildew severity increases linearly with increasing population density especially from 500 thousand plants per ha-1. Keywords: Allium cepa. Plant population. Peronospora destructor.

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Severidad del mildiú velloso de la cebolla en el sistema de fertirrigación con labranza cero bajo abono parcelado de nutrientes y densidades de plantas Resumen Se analizó la relación entre la entrega de nutrientes (N y K) y la densidad poblacional sobre la severidad del mildiú velloso de cebolla bajo labranza cero en las condiciones de Alto Vale do Itajaí (Brasil). Para ello, se realizaron ensayos de campo en los años 2017, 2018 y 2019, en Ituporanga (Brasil). Los tratamientos correspondieron a cuatro densidades poblacionales (300, 400, 500 y 600 mil plantas ha-1) sometidas a aplicaciones de nitrógeno (150 kg N ha-1) y potasio (127,5 kg K2O ha-1) distribuidas a lo largo del ciclo vegetativo del cultivo vía fertirrigación en forma semanal, quincenal y mensual, en base a la curva de absorción de dichos nutrientes para el cultivar Empasc 352 - Bola Precoce. En sistemas de labranza cero con fertirrigación, la distribución de nutrientes (N y K) no influye en la severidad del mildiú velloso. La gravedad del mildiú aumenta linealmente con el aumento de la densidad de población, especialmente de 500 mil plantas por ha-1. Palabras clave: Allium cepa. Población de plantas. Peronospora destructor.

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Severidade do míldio da cebola em plantio direto fertirrigado sob parcelamento de nutrientes e densidades populacionais Francisco Olmar Gervini de Menezes Júnior, Edivânio Rodrigues de Araújo, Renata Sousa Resende

1 Introdução O míldio da cebola (Peronospora destructor (Berk.) Casp.) é considerado uma das principais doenças da cultura em regiões de clima temperado onde apresenta alto potencial destrutivo, com a capacidade de reduzir em até 75% a produtividade da cebola (DEVELASH; SUGHA, 1997). No Alto Vale do Itajaí - SC, o míldio é uma doença que tende a se manifestar em maiores proporções no período pós-transplante, o que se deve à coincidência de condições climáticas (alta umidade relativa, temperaturas amenas e nebulosidade) favoráveis à doença no período de cultivo (BOFF, 1996; MARCUZZO, 2017; MARCUZZO; ARAÚJO, 2016). A esporulação do míldio depende da alternância de períodos diurnos e noturnos, com temperaturas noturnas de 7 a 22 ºC, desde que não ocorram precipitações e que no dia anterior haja temperatura média de 23 ºC (HILDEBRAND; SUTTON, 1984). A produção de esporângios ocorre somente à noite e em condições favoráveis (umidade relativa do ar acima de 93% e temperaturas entre 4 a 24 ºC) enquanto temperaturas diurnas acima de 25 ºC podem inibir a esporulação na noite subsequente, e sob umidades relativas do ar abaixo de 80% e temperaturas acima de 24 °C ocorre a paralisação do desenvolvimento e não há esporulação de P. destructor (DOMINGUES; TÖFOLI, 2009; PEREIRA; OLIVEIRA; PINHEIRO, 2014). Além das condições climáticas favoráveis, as epidemias de míldio tendem a ser favorecidas pelo aumento da população de plantas, baixa ventilação entre as fileiras de plantas e adubação excessiva com fertilizantes minerais solúveis, em especial, com nitrogênio (BOFF, 2004; DOMINGUES; TÖFOLI, 2009; GONÇALVES; SOUZA E SILVA; WORDELL FILHO; BOFF, 2006). Outros estudos indicam que o aumento das doses de potássio é capaz de retardar o desenvolvimento da doença (DEVELASH; SUGHA, 1997). Na bibliografia, verificam-se estudos que buscam relacionar a severidade do míldio à população de plantas e doses de nutrientes (BOFF, 1995; BOFF, 2004; DEVELASH; SUGHA, 1997; GONÇALVES; SOUZA E SILVA). No entanto, salvo rara exceção, não se dispõe de pesquisas que relacionem o parcelamento de nutrientes com a severidade do míldio. Além disso, para as condições do Alto Vale do Itajaí - SC, inexistem ensaios que façam tais relações para o sistema de plantio direto fertirrigado. Considerando esses aspectos, o trabalho teve por objetivo estudar o efeito do parcelamento de nutrientes (nitrogênio e potássio) e da população de plantas na severidade do míldio em sistema de plantio direto fertirrigado para as condições do Alto Vale do Itajaí-SC.

2 Metodologia O experimento foi realizado no período de três safras (2017/18, 2018/19 e 2019/20), na Epagri/ Estação Experimental (EE) de Ituporanga, localizada no município de Ituporanga-SC (27º38’S, 49º60’O, altitude de 475 metros). Segundo a classificação de Köeppen, o clima local é do tipo Cfa. A cultivar utilizada foi Empasc 352 - Bola Precoce. O solo da área experimental é classificado como Cambissolo Háplico de textura argilosa.

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Severidade do míldio da cebola em plantio direto fertirrigado sob parcelamento de nutrientes e densidades populacionais Francisco Olmar Gervini de Menezes Júnior, Edivânio Rodrigues de Araújo, Renata Sousa Resende

A análise química do solo da área experimental apresentou para amostras retiradas na profundidade de 0 - 20 cm, nos anos de 2017, 2018 e 2019: argila = 500; 435; 420 g kg-1; pH(H2O) = 6,0; 5,8; 5,7; pH (índice SMP) = 6,1; 6,0; 5,8; M.O. = 37,0; 32,0; 21,5 g kg-1; P (Mehlich-1) = 25,4; 10,5; 21,7 mg dm-3; K = 156,0; 111,0; 152,0 mg dm-3; Ca = 8,3; 7,4; 11,4 cmolc dm-3; Mg = 3,3; 2,8; 5,0 cmolc dm-3; S = 13,0; 40,5; 20,9 mg kg-1; CTC (pH 7,0) = 16,10; 14,84; 22,71 cmolc dm-3; Al = 0,0; 0,0; 0,0 cmolc dm-3; H+Al = 4,1; 4,4; 5,9 cmolc dm-3, Cu = 4,3; 2,0; 2,1 mg dm-3; Zn = 6,9; 4,5; 4,2 mg dm-3; Fe = 87,0; 103,0; 88,0 mg dm-3; Mn = 25,5; 24,2; 32,5 mg dm-3; B = 0,8; 0,3; 0,3 mg dm-3. Mudas do cultivar Empasc 352 Bola Precoce foram produzidas com base nos referenciais tecnológicos propostos pelo Sistema de Produção para a Cebola (EPAGRI, 2013) e Manual de Boas Práticas Agrícolas (MENEZES JÚNIOR, 2016). As semeaduras foram realizadas em 20/04/2017, 18/04/2018 e 23/04/2019; os transplantes, em 20/07/2017, 17/07/2018 e 16/07/2019; e as colheitas, em 16/11/2017, 21/11/18 e 11/11/2019. As áreas experimentais foram semeadas no final de dezembro e abril de cada ano com milheto (30 kg sementes ha-1) e nabo forrageiro (10 kg sementes ha-1) + centeio (60 kg sementes ha-1), respectivamente. Antes do transplante das mudas, as plantas de cobertura/adubação verde foram dessecadas com glifosato, sendo, após a passagem de uma grande leve, deixadas sobre o solo. Depois foram aplicados, em pulverização, 10 kg de ácido bórico ha-1 e 20 kg de sulfato de zinco ha-1. Utilizou-se o delineamento experimental inteiramente casualizado com seis repetições. A área total de cada parcela experimental foi de 7,5 m2 (2,5 x 3,0 m), tendo como área útil 3,0 m2. Os tratamentos corresponderam a quatro densidades de plantas (300, 400, 500 e 600 mil plantas ha-1) submetidas a aplicações de nitrogênio (150 kg N ha-1; nitrato de amônio) e potássio (127,5 kg K2O ha-1; cloreto de potássio). A dose total desses nutrientes foi distribuída ao longo do ciclo da cultura via fertirrigação, semanalmente, quinzenalmente e mensalmente, tendo por base a curva de absorção dos referidos nutrientes para o cultivar Empasc 352 - Bola Precoce. Os sulcos de transplantio foram abertos com o auxílio de uma sulcadeira mecânica. Nestes, tendo por finalidade equiparar os níveis de fósforo no solo, procedeu-se à adubação de plantio com superfosfato simples na dose de 160 kg de P2O5 ha-1. Por ocasião do transplante, as mudas foram dispostas em linhas duplas (10 x 10 cm entre linhas) distanciadas umas das outras em 40 cm. A obtenção da densidade de plantas desejada, populações de 300, 400, 500 e 600 mil plantas ha-1, foi realizada, reduzindo o espaçamento entre plantas na linha de transplante, correspondente a 13,3 cm, 10,0 cm, 8,0 cm e 6,7 cm, respectivamente. O sistema de fertirrigação, utilizado para o fornecimento de nutrientes, foi composto por um conjunto moto-bomba, linha principal condutora (mangueira de ¾ de polegada) e linha secundária distribuidora (mangueira de ¾ de polegada) com registros onde foram adaptadas fitas de irrigação com espaçamento entre gotejadores de 10 cm. As fitas gotejadoras foram dispostas no centro das linhas duplas (10 x 10 cm entre linhas) de forma a uniformizar o suprimento de água e nutrientes. A cada fertirrigação semanal, aplicou-se uma lâmina de irrigação correspondente a 6,21 mm. Durante o ciclo da cultura, quando necessário, procedeu-se ao controle das plantas indesejáveis com os herbicidas pendimetalina, ioxilina e bentazona nas doses recomendadas pelos fabricantes. Para o manejo do míldio, foram realizadas pulverizações semanais de fungicidas registrados para a cultura, nas respectivas doses recomendadas pelo fabricante. Em 2017, utilizaram-se fungicidas que continham os seguintes princípios ativos: metalaxil-m + mancozebe, metalaxil-m + clorotalonil, mancozebe e oxicloreto de cobre. Em 2018 e 2019, além dos princípios ativos citados, utilizaram-se fungicidas que continham: propinebe, cloridrato de propamocarbe + fluopicolida, e cimoxanil + famoxadona.

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A severidade do míldio foi mensurada semanalmente em 2017 e quinzenalmente em 2018 e 2019, utilizando uma escala de notas de área foliar lesionada por parcela experimental, proposta por Mohibullah (1992). Os valores das notas de área foliar lesionada foram integralizados e calculados pela área abaixo da curva de progresso da doença - AACPD (SHANER; FINNEY, 1977). Durante os experimentos de 2017, 2018 e 2019, registraram-se na Estação Meteorológica da EE de Ituporanga da Epagri as variáveis meteorológicas para os distintos períodos de desenvolvimento da cebola (Tabela 1, Figura 1) (EPAGRI, 2020). Os dados experimentais foram submetidos à análise de variância, à análise de regressão e ao teste de Tukey a 5% de probabilidade de erro com o programa estatístico “R” (R CORE TEAM, 2017).

Tabela 1. Variáveis meteorológicas ocorrentes nos períodos de desenvolvimento da cebola nos anos agrícolas de 2017, 2018 e 2019. Epagri, Ituporanga, SC Variáveis Desenvolvimento Desenvolvimento e Ciclo meteorológicas inicial maturação dos bulbos

Tº média (ºC) Tº min média (ºC) Tº máx média (ºC) UR%

Precipitação (mm)

julho a setembro 2017 2018 16,2 15,3 11,6 11,3 23,3 21,2 81,4 86,5 julho a setembro 2017 2018 214,0

301,2

2019

outubro a novembro 2017 2018 2019 18,6 19,3 20,6 14,0 15,8 17,3 24,9 24,3 25,9 77,1 87,7 81,1 outubro a novembro 2017 2018 2019

Média no ciclo 2017 2018 2019 17,2 16,9 17,6 12,6 13,1 13,9 24,0 22,4 23,2 79,7 87,0 83,3 Soma no ciclo 2017 2018 2019

128,6

176,0

390,0

2019 15,6 11,7 21,3 84,8

165,4

249,8

Fonte: Epagri/Ciram (2020)

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466,6

378,4


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Figura 1. Variação diária da precipitação (em mm), da temperatura média (ºC) e da umidade relativa do ar (%) nos períodos experimentais (transplante a colheita) em 2017, 2018 e 2019. Epagri, Ituporanga, SC

Fonte: Epagri/Ciram (2020)

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Severidade do míldio da cebola em plantio direto fertirrigado sob parcelamento de nutrientes e densidades populacionais Francisco Olmar Gervini de Menezes Júnior, Edivânio Rodrigues de Araújo, Renata Sousa Resende

3 Resultados e discussão Os dados experimentais revelam a ausência de interações significativas (p>0,05) para a severidade do míldio, calculada pela AACPD, entre o parcelamento de nutrientes (nitrogênio e potássio) e a densidade de plantas para as safras avaliadas (Tabela 2). O parcelamento de nutrientes não influenciou significativamente (p>0,05) a AACPD em nenhum dos anos agrícolas. Portanto, aplicações semanais, quinzenais e mensais dos nutrientes (nitrogênio e potássio) não interferiram na AACPD em sistema de plantio direto fertirrigado da cebola. As epidemias do míldio podem ser favorecidas pela adubação excessiva com fertilizantes minerais solúveis, em especial, do nitrogênio (WORDELL FILHO; BOFF, 2006). Estudos realizados por Acharya & Shrestha (2018), revelaram que doses de nitrogênio acima de 140% das recomendadas podem promover o aumento da severidade do míldio em plantas de cebola. No entanto, Gonçalves; Souza e Silva; Boff (2004) não observaram efeito da adubação mineral sobre a infestação de míldio para doses de N e K entre a normal e até três vezes a recomendada. No presente experimento, a recomendação com base na análise de solo da Comissão de Química e Fertilidade do Solo - RS/SC (CQFS-RS-SC, 2016) para produtividades de 30 t ha-1, foi de 100 kg N ha-1 (para 2017 e 2018) e de 120 kg N ha-1 (para 2019) e para o potássio de 90 kg K2O ha-1. No ensaio foram utilizadas doses de 150 kg N ha-1 e de 127,5 kg K2O ha-1, portanto doses superiores em 50 e 40% às recomendadas, respectivamente. Além disso, segundo Huber (1991) e Huber e Watson (1974), citados por Huber (1994), o aumento da AACPD pela adição de adubos nitrogenados ocorre com o N na forma nítrica, que é prontamente disponível nos tecidos foliares, onde ocorre a infestação de parasitas obrigatórios, enquanto que o N na forma amoniacal é primariamente metabolizado nas raízes. Dessa forma, a ausência de relação entre o parcelamento de nutrientes e a AACPD pode estar relacionada tanto à dose fornecida dos nutrientes, considerada baixa em relação as doses citadas por Acharya & Shrestha (2018) que podem promover o aumento da severidade do míldio, quanto, no caso do nitrogênio, à fonte utilizada (nitrato de amônio). Isso indica que a metodologia adotada permitiu que os nutrientes fossem fornecidos de forma a não interferir no processo doença. Ao considerar o ciclo do transplante a colheita da cebola e que a aplicação semanal corresponde a 16 aplicações de nutrientes, o parcelamento de nutrientes (nitrogênio e potássio) em sistema fertirrigado poderá ser realizado de forma mensal (ou seja, em apenas quatro ocasiões) sem afetar a ocorrência de míldio. Em sistemas convencionais de produção, o parcelamento de nutrientes é comumente realizado para o nitrogênio. Para a cultura da cebola, com base na análise de solo, indica-se a aplicação de 15% da dose no plantio e o restante em no mínimo três parcelas da dose total em cobertura aos 35, 60 e 85 dias após o transplante (CQFS-RS/SC, 2016). Observa-se, portanto, que há uma certa similaridade de parcelamentos entre o sistema convencional, em que os nutrientes são dispostos sobre o solo na forma sólida, e fertirrigado. Com a diferença que em sistema fertirrigado a primeira dose dos nutrientes (N e K) é fornecida 13 dias após o transplante. Por sua vez, o aumento da densidade populacional proporcionou aumentos significativos (P>0,05) na AACPD, em especial, a partir de 500 mil plantas ha-1 (Tabela 2). Harms et al. (2015), para duas safras agrícolas com o cultivar Bola Precoce na região de Ponta Grossa/PR, não observaram diferenças significativas para a severidade do míldio em relação a populações de 363 a 606 mil plantas ha-1. No entanto, nas condições do Alto Vale do Itajaí, em Ituporanga/SC, a

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Severidade do míldio da cebola em plantio direto fertirrigado sob parcelamento de nutrientes e densidades populacionais Francisco Olmar Gervini de Menezes Júnior, Edivânio Rodrigues de Araújo, Renata Sousa Resende

semelhança do presente trabalho, tem sido observado o aumento da severidade do míldio quando se eleva a densidade populacional para 500 mil plantas ha-1 (BOFF, 1995). Os dados meteorológicos, registrados no presente trabalho durante os anos experimentais (Tabela 1, Figura 1), indicam que as condições foram favoráveis à incidência do míldio (DOMINGUES; TÖFOLI, 2009; HILDEBRAND; SUTTON, 1984; PEREIRA; OLIVEIRA; PINHEIRO, 2014). Somado a isso, é importante salientar que o Alto Vale do Itajaí é a principal região produtora de bulbos de cebola do estado de Santa Catarina, sendo, portanto, esperada alta presença de inóculo do patógeno durante o cultivo. A menor AACPD média foi observada em 2019 quando da ocorrência de precipitações maiores na fase de desenvolvimento e maturação dos bulbos (Tabela 2). É possível que neste ano a remoção dos esporângios, pelo impacto das gotas da chuva nas folhas, tenha dificultado a esporulação para novos sítios de infecção e prejudicado o desenvolvimento da doença (HILDEBRAND; SUTTON, 1982; MARCUZZO; CARVALHO; NASCIMENTO, 2017). Para todos os anos experimentais, o aumento na população de plantas aumentou de forma linear a AACPD (Figura 2). De 300 para 600 mil plantas ha-1 os aumentos corresponderam a 6, 13 e 18% para os anos de 2017, 2018 e 2019, respectivamente. Portanto, em anos com menor incidência de míldio foram observados os maiores aumentos na AACPD com o aumento da densidade de plantas. Isso comprova o maior número de plantas por área como fator adicional às condições meteorológicas, que propiciam um microclima favorável à doença.

Tabela 2. Área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD) ocasionada pelo míldio da cebola (Peronospora destructor), em resposta ao parcelamento de nutrientes -nitrogênio e potássio (Parcelamento) e a densidade de plantas (Densidade). Epagri, Ituporanga, SC Fatores/variáveis Parcelamento Semanal Quinzenal Mensal Densidade (plantas ha-1) 300.000 400.000 500.000 600.000 Média CV (%)

2017

AACPD 2018

2019

335,4 ns 340,7 342,6

174,1 ns 182,0 180,5

133,9 ns 135,6 130,7

328,4 b 335,2 b 346,5 a 348,1 a 339,6 3,49

169,9 b 172,7 b 181,6 ab 191,3 a 178,9 8,40

122,1 b 128,3 b 138,8 a 144,3 a 133,4 8,88

Fonte: Os autores Médias seguidas pela mesma letra na coluna não diferem entre si, pelo teste de Tukey, a 5% de significância. ns = não significativo.

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Figura 2. Área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD) ocasionada pelo míldio da cebola (Peronospora destructor), em resposta à densidade de plantas. Epagri, Ituporanga, SC

Fonte: Os autores

4 Conclusões De acordo com os dados experimentais, verifica-se que, em sistema de plantio direto fertirrigado, o parcelamento de nutrientes (N e K) não influenciou a severidade do míldio, a qual aumentou de forma linear com o aumento da densidade populacional, em especial, a partir de 500 mil plantas por ha-1.

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Severidade do míldio da cebola em plantio direto fertirrigado sob parcelamento de nutrientes e densidades populacionais Francisco Olmar Gervini de Menezes Júnior, Edivânio Rodrigues de Araújo, Renata Sousa Resende

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COMO CITAR (ABNT): MENEZES JÚNIOR, F. O. G.; ARAÚJO, E. R.; RESENDE, R. S. Severidade do míldio da cebola em plantio direto fertirrigado sob parcelamento de nutrientes e densidades populacionais. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 515-525, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/18092667.v23n22021p515-525. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15932. COMO CITAR (APA): Menezes Júnior, F. O. G.; Araújo, E. R. & Resende, R. S. (2021). Severidade do míldio da cebola em plantio direto fertirrigado sob parcelamento de nutrientes e densidades populacionais. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 515-525. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p515-525

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Submetido em: 22 set. 2020 Aceito em: 29 mar. 2021

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p526-537

Efeitos adversos da maquiagem para a área dos olhos e notificação no NOTIVISA Maria de Fátima Vieira de Sousa https://orcid.org/0000-0003-1643-4498 Acadêmica do Curso de Graduação em Farmácia na Faculdade de Medicina de Campos (FMC) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: mariaasousa11@hotmail.com. Jaise Silva Ferreira https://orcid.org/0000-0002-6480-7570 Mestre em Ciência Animal pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). Professora de Farmacotécnica, Atenção Farmacêutica, Homeopatia, Cosmetologia, Saúde Pública e Bioquímica no Curso de Farmácia da Faculdade de Medicina de Campos (Fundação Benedito Pereira Nunes) – Campos dos Goytacazes/RJ – Brasil. E-mail: jaisesf@gmail.com.

Resumo A maquiagem para a área dos olhos é utilizada por muitas mulheres em todo o mundo. O rímel, lápis de olho, delineador e sombra para as pálpebras são alguns dos cosméticos utilizados. O objetivo deste estudo foi avaliar o conhecimento das mulheres de Campos dos Goytacazes-RJ sobre os possíveis efeitos adversos da maquiagem para a área dos olhos e o possível conhecimento e utilização do Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária (NOTIVISA) para registro, em caso de ocorrência desses efeitos. Foi enviado um formulário on-line por meio das mídias sociais como Facebook, Instagram e WhatsApp. Foram entrevistadas 196 mulheres, dentre elas 159 residentes da cidade de Campos dos Goytacazes-RJ. A pesquisa revelou que 64,8% das mulheres entrevistadas desconhecem os efeitos adversos que a maquiagem para a área dos olhos pode causar, 79,9% não conhecem o sistema NOTIVISA e 95,0% nunca o utilizaram. Sugere-se o desenvolvimento de formas de divulgação do sistema NOTIVISA e campanhas de conscientização do uso desses produtos cosméticos, principalmente por serem considerados produtos inofensivos à saúde. Palavras-chave: Maquiagem. Efeitos adversos. Cosmetovigilância.

Adverse effects of makeup for the eye area and reports to NOTIVISA Abstract Makeup for the eye area is used by many women around the world. Mascara, eyeliner, eyeliner and eye shadow are some of the cosmetics used. The objective of this study was to evaluate the knowledge of women in Campos dos Goytacazes (Brazil) about possible adverse effects of eye makeup, and whether they know and / or have already reported to the Health Surveillance Notification System (NOTIVISA) in case of such effects. An online form was sent via social media such as Facebook, Instagram and WhatsApp. A group of 196 women were interviewed, among them 159 residing in the city of Campos dos Goytacazes (Brazil). The survey revealed that 66.7% of the women interviewed are unaware of the adverse effects that can be caused by eye makeup, 79.9% do not know the NOTIVISA system, and 95.0% have never used it. The study suggests the development of ways of disseminating the NOTIVISA system, as well as awareness campaigns on the use of these cosmetic products, mainly because they are considered harmless to health. Keywords: Makeup. Adverse effects. Cosmetovigilance.

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Efectos adversos del maquillaje para el contorno de ojos y notificación en NOTIVISA Resumen Muchas mujeres de todo el mundo utilizan maquillaje para la zona de los ojos. Rímel, delineador de ojos, delineador de ojos y sombra de ojos son algunos de los cosméticos utilizados. El objetivo de este estudio fue evaluar el conocimiento de las mujeres de Campos dos Goytacazes (Brasil) sobre los posibles efectos adversos del maquillaje para el área de los ojos y el posible conocimiento y uso del Sistema de Notificación de Vigilancia Sanitaria (NOTIVISA) para el registro, en caso de aparición de estos efectos. Se envió un formulario en línea a través de redes sociales como Facebook, Instagram y WhatsApp. Se entrevistaron 196 mujeres, entre ellas 159 residentes de la ciudad de Campos dos Goytacazes (Brasil). La encuesta reveló que el 64,8% de las mujeres entrevistadas desconocen los efectos adversos que puede provocar el maquillaje para la zona de los ojos, el 79,9% desconoce el sistema NOTIVISA y el 95,0% nunca lo ha utilizado. Se sugiere el desarrollo de formas de dar a conocer el sistema NOTIVISA y campañas de sensibilización sobre el uso de estos productos cosméticos, principalmente porque son considerados inocuos para la salud. Palabras clave: Maquillaje. Efectos adversos. Cosmetovigilancia.

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Efeitos adversos da maquiagem para a área dos olhos e notificação no NOTIVISA Maria de Fátima Vieira de Sousa, Jaise Silva Ferreira

1 Introdução Os produtos cosméticos são considerados produtos essenciais para muitas pessoas. Cosméticos para a área dos olhos- rímel, lápis de olho, delineador e sombra para as pálpebras-além de melhorarem a aparência, estão fortemente ligados à melhora da autoestima de muitas mulheres em todo mundo (GARBOSSA; CAMPOS, 2016). O Brasil é um dos maiores consumidores de cosméticos do mundo, ficando atrás somente dos EUA e da China. A diversidade dos produtos só aumenta, devido à grande procura pelas consumidoras e à variedade de insumos que podem ser adicionados nessas formulações, as quais ser sintéticas ou naturais (ALMEIDA, 2016). Os cosméticos para a área dos olhos podem parecer inofensivos para a maioria das consumidoras por se tratarem de um produto de embelezamento e não um medicamento, mas isso não os isenta de causar efeitos adversos, sendo alguns deles, muito graves para saúde humana (ALMEIDA, 2016). Entende-se como efeito adverso um resultado negativo, prejudicial ou indesejável para o paciente que parece se relacionar ao tratamento (WHO, 2020). De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD, 2016), se as maquiagens estiverem guardadas em condições desfavoráveis - ambientes quentes e úmidos-, vencidas há bastante tempo ou se forem usadas de maneira incorreta, podem causar infecções de pele, dermatites, lesões nos olhos, inflamações nas pálpebras, irritações na córnea, vermelhidão, ardor, intoxicação por metais pesados e outros (CUNICO; LIMA, 2011; ŚWIERCZEK et al., 2019). Com o crescimento das Indústrias Cosméticas (IC), torna-se necessário avaliar a segurança desses produtos. A livre comercialização dos produtos é um fator que precisa de atenção, pois o acesso pode ser feito de forma fácil e indiscriminada. Mesmo sendo fabricadas há várias décadas pelas IC, no Brasil, apenas em 1997 foi publicada a Portaria n.º 348/97 que se refere à regulamentação das Boas Práticas de Fabricação (BPF), nas Indústrias Cosméticas “devido à necessidade de atualizar o controle de saúde na área de produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes.” (BRASIL, 1997; GARBOSSA; CAMPOS, 2016). A referida Portaria foi a primeira publicação relacionada às BPF para o ramo da cosmética, sendo considerada a última publicação desse ramo antes da criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (GARBOSSA; CAMPOS, 2016). A ANVISA foi criada em 26 de janeiro de 1999 pela lei n.º 9.782, tendo como objetivo a proteção dos consumidores por meio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços. Assim, a ANVISA colabora na avaliação do impacto que os produtos e serviços causam à saúde do consumidor (BRASIL, 1999). Os produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfumes são classificados em Grau I e II pela ANVISA. As maquiagens usadas na área dos olhos (lápis de olho, máscara de cílios e sombra para as pálpebras) são listadas no grau I por possuírem propriedades básicas. A comprovação de segurança ou eficácia desses produtos não é inicialmente necessária, não requer informações detalhadas quanto ao seu modo de usar e não possui restrições de uso (ANVISA, 2015). Para melhorar a vigilância e garantir o cumprimento dos requisitos obrigatórios à segurança e eficácia dos produtos foi aplicada a RDC n.o 332/2005 que diz que “As empresas fabricantes e/ou importadoras de Produtos de Higiene Pessoal Cosméticos e Perfumes, instaladas no território nacional, deverão implementar um Sistema de Cosmetovigilância, a partir de 31 de dezembro de 2005” (ANVISA, 2005). Esse sistema visa analisar eventos adversos, queixas técnicas e inefetividade dos produtos cosméticos produzidos, ou seja, um monitoramento pós-comercialização do produto (ANVISA, 2018).

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A criação e implementação do Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária (NOTIVISA) foi de suma importância para a saúde, devido à visibilidade, à informação e à segurança. De acordo com o estudo de Oliveira, Xavier e Junior (2013), que analisou o número de eventos adversos notificados no NOTIVISA, no período de 2006 a 2011, constata-se que as notificações por cosméticos aumentaram com o passar dos anos, chegando ao total de 735 notificações no período estudado. Contudo, não se sabe se todas as mulheres têm acesso a essas informações e se utilizam o NOTIVISA para notificar os efeitos adversos dos produtos cosméticos para a área dos olhos. A expectativa é que a ampliação das informações sobre os efeitos adversos leve ao crescimento do número de notificações no NOTIVISA. Essas informações podem ser grandes aliadas para o sistema, ao evitarem novos casos de efeitos adversos, melhorarem a segurança, aumentarem o conhecimento desses cosméticos, identificarem desvios de qualidade, regularem produtos comercializados no país e promoverem ações de proteção à saúde pública. Além disso, servem também como alerta para a população sobre a responsabilidade da aplicação da maquiagem, já que podem representar um grande risco à saúde. Diante disso, o estudo objetiva a avaliação do possível conhecimento das mulheres de Campos dos Goytacazes/RJ sobre os efeitos adversos dos produtos cosméticos destinados à área dos olhos. Também se avalia nesta pesquisa a utilização do sistema NOTIVISA para registro desses efeitos, em caso de ocorrência.

2 Metodologia 2.1 Tipificação do estudo Foi realizado um estudo descritivo observacional transversal sobre o uso de cosméticos para a área dos olhos, o conhecimento dos seus efeitos adversos e o uso do Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária, em caso de alguma ocorrência.

2.2 População estudada e caracterização das variáveis A quantidade de mulheres residentes em Campos dos Goytacazes, RJ, foi verificada a partir do censo do IBGE de 2010. Com isso, definiu-se o cálculo amostral, considerando um nível de confiança de 90% e margem de erro de 5%, totalizando 269 mulheres. As variáveis selecionadas para o estudo e coletadas por meio de um formulário de pesquisa foram: nome completo, CPF (não obrigatório), aceitação em participar da pesquisa, local de moradia, a idade, qual(is) maquiagem(ns) para a área dos olhos utiliza, conhecimento sobre a origem do produto e seus possíveis efeitos adversos, experiência de reação adversa por cosméticos para a área dos olhos, utilização e conhecimento do NOTIVISA.

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2.3 Técnicas para coleta de dados e questões éticas Inicialmente, foram realizadas entrevistas com mulheres abordadas na área central de Campos dos Goytacazes/RJ, sendo interrompido e inviabilizado devido à medida de isolamento social decorrente da pandemia mundial do novo coronavírus. A pesquisa foi redirecionada para um formulário on-line estruturado no Google Forms. O requisito para participação seria estar conectada a uma conta da Google válida. O formulário foi enviado por meio das mídias sociais Facebook, Instagram, e WhatsApp para aproximadamente 800 mulheres, entre os meses de maio e junho de 2020. Dessas, 196 mulheres responderam à pesquisa. Esse método on-line permitiu maior abrangência de participantes, porém não se sabe o motivo de não ter a aceitabilidade e retorno previsto. As informações foram coletadas com o consentimento livre e esclarecido das participantes, mantendo-se a confidencialidade dos dados. Foram excluídos participantes homens e mulheres não residentes em Campos dos Goytacazes/RJ, menores de 18 anos e mulheres que não utilizam nenhuma maquiagem para a área dos olhos. O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres Humanos (CEPSH) da Faculdade de Medicina de Campos (FMC) e aprovado conforme protocolo CAAE: 27036119.0.0000.5244, com número do parecer: 3.840.506.

2.4 Intepretação dos dados Os dados foram ordenados em uma planilha por meio de tabelas, no software Microsoft Office Excel® versão 2010. A análise desses dados foi realizada no próprio Excel 2010, a partir de estatísticas descritivas e representadas em gráficos e tabelas. Foi realizado ainda um levantamento bibliográfico para a elaboração do presente estudo. Leituras das publicações científicas eletrônicas obtidas ocorreram, após busca e seleção nas bases de dados e sites: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Google Acadêmico, Scientific Eletronic Library Online (SCIELO), Portal de Periódicos CAPES, Portal da ANVISA, sites do Conselho Federal de Farmácia (CFF) e Conselhos Regionais de Farmácia (CRFs). Foram selecionados artigos nos idiomas Português e Inglês, utilizando as palavras-chave: Maquiagem, Cosmetovigilância, Cosmetovigilance, Cosmetic Safety, Cosmetic e Heavy Metals.

3 Resultados e Discussão Foram entrevistadas 196 mulheres, dentre elas 159 residentes da cidade de Campos dos Goytacazes/ RJ. Verificou-se que as mulheres, nas faixas etárias de 18 a 32 anos, as mais jovens, utilizam maquiagem para os olhos com mais frequência, sendo o maior percentual na faixa de 23 a 27 (35,22%) anos de idade (Figura 1).

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Figura 1. Idade das mulheres entrevistadas sobre uso de maquiagem para os olhos

Fonte: Elaboração das autoras (2020)

Observou-se que os olhos representam uma parte muito importante para muitas mulheres e o uso da maquiagem, nessa área específica, tem diversas finalidades. Das maquiagens utilizadas, o rímel é o item mais aderido entre as entrevistadas, somando 30,66%. Em seguida, a sombra para as pálpebras, com 24,10% e o lápis de olho com 23,68% (Figura 2). Na pesquisa, as entrevistadas demonstraram que também fazem uso do delineador (18,0%) e do corretivo (2,3%) nas maquiagens. Figura 2. Maquiagem para os olhos utilizada pelas mulheres entrevistadas

Fonte: Elaboração das autoras (2020) *Base, corretivo, kool em pó, primer, cola para cílios postiços e cílios postiços

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Em busca de qualidade e diversidade, muitas usuárias procuram produtos importados no momento da aquisição da maquiagem. Uma pesquisa feita por Ferraz, Yabrude e Thives (2011) mostrou que, para 69% das entrevistadas, o fator de mais importância na compra da maquiagem é a qualidade. Para 68%, os produtos importados são preferidos. Contudo, no presente estudo, grande parte das entrevistadas, (66,7%) (Figura 3), não sabe o país de origem do produto utilizado. Não ter conhecimento dessa informação pode gerar riscos e causar efeitos adversos. Figura 3. Conhecimento do país de origem da maquiagem para os olhos utilizada

Fonte: Elaboração das autoras (2020)

Em relação ao conhecimento das usuárias sobre os efeitos adversos que a maquiagem para a área dos olhos pode causar, 103 (64,8%) desconhecem tais efeitos (Figura 4). O desconhecimento dos efeitos adversos pode estar relacionado à falta de acesso ou interesse de maiores informações sobre esses produtos, considerados indispensáveis para muitas mulheres. Figura 4. Conhecimento sobre os efeitos adversos que a maquiagem para a área dos olhos pode causar

Fonte: Elaboração das autoras (2020)

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A pesquisa revelou que quase metade das mulheres (43,4%) já apresentou algum efeito adverso à maquiagem para a área dos olhos (Figura 5). Esse número é bastante relevante, tendo em vista que são produtos utilizados em uma parte do corpo vulnerável a alergias e irritações. Pelo fato de a pele, próxima à área dos olhos, ser muito fina, as substâncias podem ser mais facilmente absorvidas pela corrente sanguínea e causar riscos à saúde (ŚWIERCZEK et al., 2019). Figura 5. Presença de reação adversa com o uso da maquiagem para a área dos olhos

Fonte: Elaboração das autoras (2020)

Na Figura 6, é possível observar que grande parcela das entrevistadas (65,0%) relatou o efeito adverso de irritação nos olhos. O terçol foi o segundo efeito mais relatado (13,0%), seguido da dermatite de contato (7,0%), obstrução do canal lacrimal (7,0%), conjuntivite (6,0%), lesão na córnea (1,0%) e intoxicação por metais pesados (1,0%). Figura 6. Efeitos adversos apresentados por usuárias de maquiagem para área dos olhos

Fonte: Elaboração das autoras (2020) 533 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 526-537, maio/ago. 2021


Efeitos adversos da maquiagem para a área dos olhos e notificação no NOTIVISA Maria de Fátima Vieira de Sousa, Jaise Silva Ferreira

Verificou-se, no presente estudo, que 79,9% das entrevistadas não conhecem o sistema NOTIVISA (Figura 7) e 95,0% nunca utilizaram esse sistema (Figura 8). Isso confirma o trabalho de Huf et al. (2013), com 200 indivíduos, no qual 38% declararam reação adversa (RA) para algum produto cosmético utilizado nos últimos dois anos e, apenas 1,5% dos entrevistados afirmou conhecer o sistema NOTIVISA. No mesmo estudo, os autores descrevem que duas pessoas notificaram a reação ao Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) do fabricante e 22 pessoas consultaram um médico a respeito das reações, mas ninguém utilizou o NOTIVISA (HUF et al., 2013). Figura 7. Conhecimento do Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária (NOTIVISA)

Fonte: Elaboração das autoras (2020)

Figura 8. Utilização do Sistema de Notificação em Vigilância Sanitária (NOTIVISA)

Fonte: Elaboração das autoras (2020) 534 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 526-537, maio/ago. 2021


Efeitos adversos da maquiagem para a área dos olhos e notificação no NOTIVISA Maria de Fátima Vieira de Sousa, Jaise Silva Ferreira

4 Considerações finais O desenvolvimento do presente estudo possibilitou avaliar o conhecimento das mulheres entrevistadas da cidade de Campos dos Goytacazes-RJ, revelando que mais da metade delas desconhece os efeitos adversos que a maquiagem para a área dos olhos pode causar. Quanto aos efeitos adversos ocorridos com o uso de maquiagem para a área dos olhos, o mais citado foi irritação nos olhos, em quase dois terços das participantes. Ficou evidenciado que as entrevistadas não têm conhecimento sobre o sistema NOTIVISA, o que ajuda a justificar o fato de não utilizarem o sistema, ainda que quase a metade delas tenha relatado ter sofrido algum efeito adverso. Dada a importância do assunto, torna-se necessário o desenvolvimento de formas de divulgação do sistema NOTIVISA nas mídias e conscientização do uso desses produtos cosméticos, considerados inofensivos à saúde. Nesse sentido, a utilização de recursos digitais para contato com a NOTIVISA pode facilitar acessibilidade e segurança das usuárias desses produtos. O incentivo para utilização do sistema NOTIVISA, além de permitir o acesso à informação pode ajudar na retirada de produtos de qualidade duvidosa e até mesmo falsificados, na grande maioria das vezes, causadores de diversos efeitos adversos.

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Efeitos adversos da maquiagem para a área dos olhos e notificação no NOTIVISA Maria de Fátima Vieira de Sousa, Jaise Silva Ferreira

COMO CITAR (ABNT): SOUSA, M. F. V.; FERREIRA, J. S. Efeitos adversos da maquiagem para a área dos olhos e notificação no NOTIVISA. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 526-537, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p526-537. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15876. COMO CITAR (APA): Sousa, M. F. V. & Ferreira, J. S. (2021). Efeitos adversos da maquiagem para a área dos olhos e notificação no NOTIVISA. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 526-537. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p526-537 537 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 526-537, maio/ago. 2021


Submetido em: 10 ago. 2020 Aceito em: 17 nov. 2020

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p538-559

Avaliação do conhecimento da população do estado do Rio de Janeiro sobre a pandemia de Covid-19 Gregório Kappaun Rocha https://orcid.org/0000-0002-3071-6101 Doutor em Modelagem Computacional (LNCC). Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal Fluminense Campus Macaé/RJ – Brasil. E-mail: gregorio.rocha@iff.edu.br. Caroline Leles Amaral https://orcid.org/0000-0002-4038-2002 Discente do curso de Ensino Médio Integrado em Automação Industrial do Instituto Federal Fluminense Campus Macaé/RJ – Brasil. E-mail: carol_amaral_2012@hotmail.com. Victória Cruz de Barros https://orcid.org/0000-0002-5520-0144 Discente do curso de Ensino Médio Integrado em Meio Ambiente do Instituto Federal Fluminense Campus Macaé/RJ – Brasil. E-mail: viccruzbarros@gmail.com. Gabriela Pereira da Conceição https://orcid.org/0000-0002-9143-2196 Discente do curso de Ensino Médio Integrado em Automação Industrial do Instituto Federal Fluminense Campus Macaé/RJ – Brasil. E-mail: pgabriela610@gmail.com. Vitória Martins Batalha da Silva https://orcid.org/0000-0003-3821-5528 Discente do curso de Ensino Médio Integrado em Automação Industrial do Instituto Federal Fluminense Campus Macaé/RJ – Brasil. E-mail: vivi125.batalha@gmail.com. Aurea Yuki Sugai https://orcid.org/0000-0002-6157-9947 Doutora em Engenharia Química (USP). Professora do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal Fluminense Campus Macaé/RJ – Brasil. E-mail: aurea.sugai@iff.edu.br.

Resumo Em março de 2020 foi registrado o primeiro caso de Covid-19 no estado do Rio de Janeiro. A heterogeneidade de suas regiões é um notável aspecto de sua demografia, tornando o enfrentamento à pandemia desafiador. Devido ao alto impacto da pandemia na sociedade, é crucial que se entenda a percepção da população sobre as medidas sanitárias propostas e que falhas no processo informativo sejam identificadas. Uma população bem instruída a respeito de uma doença torna-se menos vulnerável. Este estudo investiga o grau de esclarecimento relacionado à Covid-19 na população do Rio de Janeiro. Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário on-line, aplicado a 857 residentes do estado. Pelos resultados, nota-se que a maioria dos participantes classifica a situação da pandemia no estado como grave e sinaliza a necessidade de ampliação de ações de controle e fiscalização. A população entende que pesquisas científicas são importantes para orientar ações sanitárias. Investir em comunicação direta e com linguagem acessível aumenta a conscientização, cria comportamentos favoráveis e permite que o enfrentamento à pandemia ocorra de maneira efetiva. Infere-se, assim, que é crucial prosseguir com o planejamento de disseminação de informações. Palavras-chave: Covid-19. Coronavírus. Pandemia. Rio de Janeiro. Conhecimento.

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Evaluation of the knowledge of the Rio de Janeiro state population about the Covid-19 pandemic Abstract In March 2020, the first case of Covid-19 was registered in the state of Rio de Janeiro. The heterogeneity of its regions is a notable aspect of its demographics, which makes tackling the pandemic challenging. Due to the high impact of the pandemic on society, it is crucial to understand the population's perception of the proposed sanitary measures and identify flaws in the information process. A well-educated population about a disease becomes less vulnerable. This study investigates the degree of clarification related to Covid-19 in the population of Rio de Janeiro. For data collection, an on-line form was used, applied to 857 residents of the state. Among the results, it is noted that most participants classify the situation of the pandemic in the state as serious, and signal the need for expansion of control and inspection actions. The population understands that scientific research is important to guide health actions. Investing in direct communication and with accessible language increases awareness, creates favorable behaviors and allows the pandemic to be tackled effectively. It is inferred, therefore, that it is crucial to proceed with information dissemination planning. Keywords: Covid-19. Coronavirus. Pandemic. Rio de Janeiro. Knowledge.

Evaluación del conocimiento de la población del estado de Río de Janeiro sobre la pandemia Covid-19 Resumen En marzo de 2020 se registró el primer caso de Covid-19 en el estado de Río de Janeiro. La heterogeneidad de sus regiones es un aspecto notable de su demografía, lo que dificulta hacer frente a la pandemia. Debido al alto impacto de la pandemia en la sociedad, es fundamental comprender la percepción de la población sobre las medidas sanitarias propuestas y que se identifiquen las fallas en el proceso de información. Una población bien informada sobre una enfermedad se vuelve menos vulnerable. Este estudio investiga el grado de esclarecimiento relacionado con Covid-19 en la población de Río de Janeiro. Para la recolección de datos se utilizó un cuestionario en línea, aplicado a 857 residentes del estado. Entre los resultados, se observa que la mayoría de los participantes clasifican la situación de la pandemia en el estado como grave, y señalan la necesidad de ampliar las acciones de control e inspección. La población comprende que la investigación científica es importante para orientar las acciones de salud. Invertir en la comunicación directa y con un lenguaje accesible aumenta la conciencia, crea comportamientos favorables y permite abordar la pandemia de manera eficaz. Se infiere, por tanto, que es fundamental proceder con la planificación de la difusión de información. Palabras clave: Covid-19. Coronavirus. Pandemia. Rio de Janeiro. Conocimiento.

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Avaliação do conhecimento da população do estado do Rio de Janeiro sobre a pandemia de Covid-19 Gregório Kappaun Rocha, Caroline Leles Amaral, Victória Cruz de Barros, Gabriela Pereira da Conceição, Vitória Martins Batalha da Silva, Aurea Yuki Sugai

1 Introdução Os coronavírus (CoV), pertencentes à família Coronaviridae, são vírus envelopados de RNA positivo que possuem um genoma incomumente grande, variando de 24 kb a 32 kb (LU et al., 2020; WU et al., 2020). Tais vírus foram identificados em humanos pela primeira vez em 1937 e descritos como CoV em 1965, quando análises de microscopia revelaram uma aparência semelhante a uma coroa (FEHR; PERLMAN, 2015). Os CoV são agentes etiológicos conhecidos em mamíferos e aves, causando doenças respiratórias, entéricas, hepáticas e neurológicas (DE WILDE et al., 2018). Por apresentarem material genético na forma de RNA, os CoV possuem uma tendência maior de sofrerem mutações (SEVAJOL et al., 2014) e de se disseminarem com facilidade, frequentemente causando picos epidêmicos (MURRAY; ROSENTHAL; PFALLER, 2008). Dois CoV, chamados SARS-CoV (agente etiológico da Síndrome Respiratória Aguda Grave - SARS) e MERS-CoV (agente etiológico da Síndrome Respiratória do Oriente Médio - MERS), despertaram a atenção das organizações sanitárias mundiais e foram a causa de epidemias em 2002 e 2012, respectivamente (JIANG et al., 2020), já indicando que os CoV zoonóticos poderiam saltar a barreira das espécies, constituindo grave ameaça (ANDERSEN et al., 2020). A atual pandemia (BRANSWELL; JOSEPH, 2020) de Covid-19 (do inglês, Corona VIrus Disease 2019), causada por um novo CoV chamado SARS-CoV-2 (Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2), teve sua origem em Wuhan, na China, em dezembro de 2019 (WU et al., 2020). A Covid-19 resulta em um quadro clínico que varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves (JIANG et al., 2020) e, até 21 de julho de 2020, já havia infectado mais de 14 milhões de pessoas e resultado na morte de mais de 607 mil pacientes no mundo (WHO, 2020). O primeiro país a ter caso de Covid-19 na América Latina foi o Brasil, que notificou a primeira ocorrência em 26 de fevereiro de 2020 (RODRIGUEZ-MORALES, 2020), na cidade de São Paulo. O vírus espalhou-se rapidamente por todo o território brasileiro e, no dia 5 de março de 2020, foi registrado o primeiro caso no estado do Rio de Janeiro (RJ) (GANDRA, 2020). O estado do RJ é subdividido em 92 municípios e abriga uma população de 6.718.903 habitantes distribuídos em uma área territorial de 1.200,329 km² (IBGE, 2019). O aspecto mais notável detectado em um estudo demográfico do estado do RJ – intitulado Município em Dados (ACSELRAD, 2010) – a partir das informações do censo demográfico (IBGE, 2011), consiste na heterogeneidade interna de suas regiões, presente tanto nos aspectos econômico e educacional quanto na área social (incluída aqui, a área de saúde). Desse modo, o enfrentamento à pandemia no estado do RJ torna-se bastante desafiador, devendo ser conduzido levando em conta todo esse contraste observado entre e dentro de cada município. A rápida disseminação e a gravidade da pandemia desencadearam medidas de grande intensidade pelos órgãos governamentais, como o fechamento de unidades educacionais, restrição de circulação com imposição de barreiras sanitárias, entre outras medidas que buscavam aumentar o distanciamento social (PREM et al., 2020). O intuito dessas ações é reduzir a velocidade de infecção de novos indivíduos e aliviar a sobrecarga no sistema de saúde. Não obstante, tais medidas promoveram uma mudança brusca na vida de muitas pessoas (PIRES, 2020). Para além das questões sanitárias, as consequências da epidemia na dinâmica econômica, social, política e cultural da população mundial pôs à prova a governança dos países e agências internacionais, evidenciando os limites da globalização (BEZERRA et al., 2020). O alto potencial de propagação do SARS-CoV-2 em espaços fechados e o apelo pelo distanciamento social aumentaram o papel e a força dos meios digitais como fonte de informação sobre a pandemia. Neste momento, medidas que promovam a educação em saúde são fundamentais e atuam 540 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 538-559, maio/ago. 2021


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como importantes aliadas às ações governamentais, levando informação qualificada e em tempo oportuno de como proceder em nível individual e coletivo (SARTI et al., 2020; CECCON; SCHNEIDER, 2020). O conhecimento científico tem grande importância para organizar atividades de saúde (CECCON; SCHNEIDER, 2020). Barreto (2004, p. 329) afirma que: “A ideia de política baseada em evidência foi apropriada pelo Estado moderno, e na saúde vem recebendo especial atenção. Avalia-se que, assim procedendo, se ampliam as chances de se tomar decisões mais efetivas, trazendo maiores benefícios à saúde da população, com menos custos econômicos ou sociais.” Entretanto, com o avanço das mídias sociais, o fluxo de informações falsas tem aumentado em todo o mundo (MENEZES; RODEMBUSCH, 2019) e, com relação à pandemia de Covid-19, esse quadro não é diferente. Pode-se observar uma grande quantidade de todo tipo de informação sem veracidade sendo diariamente divulgada, resultando na criação de uma página destinada ao combate de notícias falsas pelo Ministério da Saúde do Brasil (https://www.saude.gov.br/fakenews). Conhecer o grau de conhecimento da população sobre um determinado assunto é fundamental para guiar ações governamentais e estabelecer estratégias de divulgação de informação. Uma população bem instruída a respeito de uma doença torna-se menos vulnerável às suas consequências (ANDRADE, 2008). Várias pesquisas vêm sendo conduzidas neste sentido, tais como: o estudo realizado por Cirino et al. (2010), que investigou o conhecimento da população na prevenção do câncer de colo uterino e HPV em adolescentes; o estudo realizado por de Carvalho et al. (2004) envolvendo o conhecimento da população sobre transmissão e medidas de prevenção para dengue e febre amarela; o estudo realizado por Garbin et al. (2010) sobre a percepção de adolescentes em relação a doenças sexualmente transmissíveis e métodos contraceptivos; os estudos de Lima et al. (2020) e do DATAFOLHA (2020) com foco na Covid-19; entre outros. A natureza altamente contagiosa do vírus e seu grande impacto na sociedade tornam crucial que os pesquisadores detectem a percepção da população sobre as medidas sanitárias propostas e identifiquem falhas no processo de divulgação de informação. Assim, o presente estudo tem como objetivo investigar o grau de esclarecimento relacionado à pandemia de Covid-19 na população do estado do RJ e contribuir para apontar ações que poderão ser direcionadas para aumentar a eficiência na contenção da pandemia.

2 Materiais e Métodos Os dados foram coletados, de forma anônima, entre os dias 28/04/2020 a 07/05/2020, através de questionário on-line divulgado em aplicativos de mensagens (Whatsapp) e redes sociais (Facebook e Instagram). Os participantes foram esclarecidos a respeito da pesquisa e tiveram o direito de não participar. Os dados coletados foram filtrados manualmente para remover duplicatas, respostas abortadas e participantes residentes em regiões fora do escopo da pesquisa. Após a filtragem, 857 respostas de pessoas residentes no estado do Rio de Janeiro e com mais de 18 anos foram avaliadas. A distribuição das respostas entre os municípios encontra-se no Apêndice A. Elementos estruturados foram utilizados no questionário, no qual apenas uma alternativa era possível como resposta. Uma avaliação descritiva dos dados coletados foi realizada. A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética de Pesquisa (CAAE: 31009520.5.0000.5699).

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3 Desenvolvimento Como consequência do método utilizado para a divulgação da pesquisa – as redes sociais e aplicativos de mensagens –, observa-se a predominância de jovens e adultos entre os participantes, com uma menor representatividade de respostas provindas de pessoas idosas1 (Figura 1). Figura 1. Distribuição dos participantes por faixa etária

Fonte: Os autores (2020)

Observa-se, na Tabela 1, uma maior participação de mulheres na pesquisa. Verifica-se, ainda, que 55,42% das respostas obtidas são de pessoas que possuem Ensino Superior Completo. A amostragem do presente estudo não reflete a formação da população do estado do RJ, da qual, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, apenas 10,9% apresentava Ensino Superior Completo (IBGE, 2010). Tabela 1. Distribuição dos participantes por gênero e escolaridade Gênero

Geral

Ensino Fundamental Incompleto

Ensino Fundamental Completo

Feminino

66,20%

1,28%

3,03%

24,03%

37,80%

Masculino

33,80%

0,23%

2,21%

13,53%

17,61%

1,63%

5,25%

37,57%

55,42%

Total

Ensino Ensino Superior Médio Completo Completo

Fonte: Os autores (2020)

1

De acordo com a OMS (2005), idoso é todo indivíduo com 60 anos ou mais.

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Nota-se, na Figura 2, que 11,41% dos participantes da pesquisa encontram-se Desempregados ou em um Emprego Informal. Um agravamento desse quadro em decorrência de problemas econômicos causados pela pandemia já está sendo observado no país. Em 17 de Julho de 2020, o IBGE divulgou que a taxa de desemprego no Brasil era de 13,1%, a maior registrada desde o começo de maio, quando totalizava 10,5% (MATTURO, 2020). Tal situação prejudica ainda mais o combate à pandemia e a adoção de medidas preventivas adequadas, uma vez que a busca por trabalho e por complementação de renda aumentam a exposição da população ao vírus. Figura 2. Tipo de emprego entre os participantes da pesquisa

Fonte: Os autores (2020)

Por conta das vias de transmissão do vírus causador da Covid-19, é imprescindível adotar medidas de distanciamento social. Assim, é possível reduzir a velocidade de propagação da pandemia, garantindo a estabilidade do sistema de saúde pública do país. Em situações nas quais há um indivíduo com suspeita ou diagnosticado com a doença, o isolamento deve ser feito também dentro do domicílio. Essa não é uma tarefa fácil para pessoas que vivem em residências com adensamento domiciliar excessivo2, uma vez que as orientações3 de isolamento para o combate à Covid-19 indicam que o doente deva permanecer em quarto/cômodo individual, isolado por 14 dias. Desse modo, o problema de moradia torna-se extremamente crítico para o combate ao vírus. Verifica-se, na presente pesquisa, que aproximadamente 10,0% dos participantes vivem em residências com adensamento domiciliar de uma pessoa ou mais por cômodo (Tabela 2). Para esse grupo de pessoas, o isolamento domiciliar deverá ser conduzido com uma rígida rotina de higienização de ambientes, em conjunto com medidas auxiliares, tais como o uso constante de máscaras, ampla ventilação e seleção de um único membro da família como cuidador. 2

O IBGE considera como excessivamente adensado um domicílio onde existam mais de três moradores por dormitório (critério do Ministério das Cidades), o que foi observado em 3,2% dos lares brasileiros em 2015. Fonte: Síntese de indicadores sociais. IBGE, Coordenação de População e Indicadores Sociais. RJ. 2015. 137p. 3 Orientações sobre o isolamento domiciliar: Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/Isolamento_domiciliar_populacao_APS_20200319_ver001.pdf

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Tabela 2. Adensamento residencial nas moradias dos participantes da pesquisa Número de cômodos

Número de pessoas

Menos de 3

3

4

5

6

7 ou mais

1

0,81%

0,81%

1,28%

1,75%

1,16%

0,23%

2

0,93%

1,75%

4,20%

6,06%

5,95%

7,93%

3

0,70%

2,45%

2,33%

8,40%

7,23%

10,73%

4

0,11%

0,93%

1,28%

4,66%

5,83%

10,15%

5

0,00%

0,23%

0,81%

0,81%

1,98%

5,13%

6 ou mais

0,00%

0,00%

0,23%

0,46%

0,70%

1,63%

Fonte: Os autores (2020) Nota: Em vermelho, destaca-se a parcela dos participantes que vive em domicílios com adensamento de uma pessoa ou mais por cômodo.

Figura 3. Presença de idosos vivendo na mesma residência

Fonte: Os autores (2020)

Com relação ao convívio com pessoas na faixa etária de maior risco de complicações para a Covid-19, 23,4% dos participantes afirmam compartilhar a sua moradia com um ou mais idosos (Figura 3), destacando a importância de se identificar, acompanhar e instruir os moradores de tais residências.

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Avaliação do conhecimento da população do estado do Rio de Janeiro sobre a pandemia de Covid-19 Gregório Kappaun Rocha, Caroline Leles Amaral, Victória Cruz de Barros, Gabriela Pereira da Conceição, Vitória Martins Batalha da Silva, Aurea Yuki Sugai

Figura 4. Respostas identificadas com relação ao nome do vírus causador da pandemia atual

Fonte: Os autores (2020)

Figura 5. Respostas identificadas com relação ao nome da doença associada à pandemia atual

Fonte: Os autores (2020)

O vírus causador da atual pandemia é chamado de SARS-CoV-2. Dentre os resultados apresentados na Figura 4, observa-se que 52,81% dos participantes não foram capazes de identificar o nome do vírus de maneira correta e 48,83% confunde-o com o nome da doença. Quando questionados sobre o nome da doença causada pelo novo CoV (Figura 5), 75% dos participantes foram capazes de identificá-la de maneira correta: Covid-19. Identifica-se que 64% dos entrevistados apontaram que o vírus surgiu a partir de mutações existentes em vírus que infectavam outros animais. Ademais, 36% marcaram outras opções (Figura 6). É importante destacar que estudos genômicos comparativos indicam, de fato, a origem zoonótica do novo CoV e descartam o surgimento a partir de manipulação laboratorial (ANDERSEN et al., 2020). O trecho do livro Contágio: Infecções de origem animal e a evolução das pandemias (QUAMMEN, 2013) ilustra esse rompimento das fronteiras entre espécies já observado em muitos vírus:

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Avaliação do conhecimento da população do estado do Rio de Janeiro sobre a pandemia de Covid-19 Gregório Kappaun Rocha, Caroline Leles Amaral, Victória Cruz de Barros, Gabriela Pereira da Conceição, Vitória Martins Batalha da Silva, Aurea Yuki Sugai Invadimos florestas tropicais e outras paisagens selvagens, que abrigam tantas espécies de animais e plantas – e dentro dessas criaturas, tantos vírus desconhecidos. Cortamos as árvores; matamos os animais ou os engaiolamos e os enviamos aos mercados. Destruímos os ecossistemas e liberamos os vírus de seus hospedeiros naturais. Quando isso acontece, eles precisam de um novo hospedeiro. Muitas vezes, somos nós. (QUAMMEN, 2020, Prefácio).

Figura 6. Conhecimento da população em relação à origem do vírus

Fonte: Os autores (2020)

Acerca das formas de transmissão indicadas pelos participantes em uma pergunta aberta, pode-se destacar que uma parcela significativa dos entrevistados indicaram formas corretas de contaminação: a inalação ou contato com gotículas de saliva (28,6%); o contato direto com pessoas contaminadas, através de abraços, beijos e apertos de mãos (24,6%); o contato com superfícies e/ou objetos contaminados (18,6%); a falta de higiene (17,1%); a transmissão pelo ar (6,5%); a aglomeração em ambientes com pessoas contaminadas (3,03%). É interessante destacar que uma parcela pequena indicou outros meios de transmissão, tais como o que ocorre através de relações sexuais (ainda não completamente esclarecido) e via contato com as fezes de alguém contaminado. Até o momento, não há comprovação científica sobre a transmissão do SARS-CoV-2 através de relação sexual. Sabe-se que outros CoV não são transmissíveis por vias sexuais. Porém, o contato íntimo durante a relação sexual aumenta a probabilidade de transmissão do vírus, já que o vírus é transmitido pela saliva. É relevante destacar, ainda, que o novo CoV já foi identificado em fezes humanas. Desse modo, o uso de preservativos durante sexo anal e/ou oral deve ser adotado para reduzir o risco de contaminação (FIOCRUZ, 2020).

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Figura 7. Sintomas da Covid-19 identificados pelos participantes da pesquisa

Fonte: Os autores (2020)

Figura 8. Conhecimento da população com relação às orientações das organizações de saúde

Fonte: Os autores (2020)

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Nota-se, na Figura 7, que febre, tosse e falta de ar representam os sintomas mais conhecidos pelos participantes, seguidos de dor de garganta e dificuldade de respirar. Os dados demonstram que uma boa parcela da população avaliada conhece os sintomas iniciais mais comuns da Covid-19. Observa-se, na Figura 8, que 92,3% dos participantes têm conhecimento acerca da orientação das organizações de saúde – Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde do Brasil –, caso apresente os sintomas iniciais da Covid-19, o que é extremamente importante para se evitar superlotação de ambientes que já apresentam por natureza um maior potencial de contaminação de seus frequentadores, além da circulação de pessoas com comorbidades diversas. Figura 9. Conhecimento sobre efeitos da Covid-19 em diferentes grupos populacionais. Nesta pergunta, o participante poderia assinalar quantas opções julgasse necessário

Fonte: Os autores (2020)

Quando questionados sobre o efeito do vírus em diferentes grupos populacionais, 99% dos entrevistados souberam reconhecer que idosos, diabéticos e pessoas com problemas crônicos apresentam mais chances de morrer em decorrência da Covid-19 (Figura 9). Entretanto, mais de 20% dos entrevistados sinalizaram ao menos uma informação errônea relacionada ao efeito da doença sobre jovens e crianças, uma vez que, embora, nesses dois grupos, a taxa de mortalidade seja menor do que nos idosos, a possibilidade de morte existe já havendo sido relatados diversos casos. Os resultados da pesquisa demonstram que 98,5% dos participantes identificaram que não há, até o momento da pesquisa, uma vacina para se prevenir da Covid-19 disponível para o uso da população. Apesar de ainda não existir uma vacina aprovada para uso em massa para prevenção do novo CoV, instituições ao redor do mundo já iniciaram pesquisas para o seu desenvolvimento (LE et al., 2020). Não é possível, entretanto, afirmar uma data para a liberação de vacinas confiáveis para toda a população.

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Figura 10. Estratégias utilizadas pela população para reduzir as chances de contágio com o vírus em resposta à pergunta: Você faz uso de alguma dessas estratégias acreditando melhorar suas chances de combate ao vírus? Destacam-se, dentre as estratégias apontadas, algumas abordagens ineficientes. Nesta pergunta, o participante poderia assinalar quantas opções julgasse necessário.

Fonte: Os autores (2020)

Constata-se que uma parcela considerável da população do RJ detém conhecimento acerca das medidas preventivas estabelecidas pelas organizações de saúde como, por exemplo (Figura 10): lavar as mãos regularmente com água e sabão – o sabão é capaz de atuar destruindo o envelope viral; evitar aglomerações a fim de reduzir a velocidade de propagação; utilizar máscaras para reduzir a dispersão do vírus; utilizar álcool 70% para higienizar mãos e objetos. Nota-se, ainda, que estratégias relacionadas ao aumento da imunidade (mas que não reduzem a chance de contágio) como o uso de própolis e de vitaminas C e D, além de certa preocupação com a hidratação vêm sendo adotadas por parte da população. Apesar disso, artifícios não eficazes para o combate à pandemia vêm sendo adotados por uma parcela da população em razão da disseminação de informações falsas, tais como: beber água frequentemente para que o vírus seja engolido e destruído no estômago; fazer gargarejo com sal e vinagre; beber chá quente. Por conseguinte, é importante salientar a importância da verificação da veracidade de informações recebidas. Observou-se que 84,4% dos participantes não acreditam que a população esteja respeitando as orientações das autoridades com relação às medidas de distanciamento social propostas. Esse quadro reflete a desconfiança de uma grande parcela dos entrevistados com relação acerca da capacidade de entendimento e cumprimento de medidas coletivas por parte da população do RJ, havendo 80,9% dos participantes, por conseguinte, classificado a situação atual da pandemia no Brasil como Grave ou Muito grave, o que reforça esta visão pouco otimista (Figura 11).

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Figura 11. Percepção da população com relação à situação do Brasil frente à pandemia

Fonte: Os autores (2020)

Observou-se que 96% dos participantes coloca-se a favor do fechamento das unidades educacionais (escolas, creches e universidades) durante a pandemia. Os dados apontam para um entendimento da população com relação ao alto risco de transmissão do SARS-CoV-2 em ambientes educacionais. Os participantes foram questionados sobre a importância da Ciência no momento atual, e 96,7% dos entrevistados afirmaram acreditar que um maior investimento na área poderia contribuir para um combate mais eficiente da pandemia. De fato, boa parte das esperanças para o controle da Covid-19 vem sendo depositada em pesquisas científicas para o desenvolvimento de drogas eficientes contra o vírus e de vacinas, havendo a população demonstrado entender a importância desse segmento. De modo símile ao cumprimento de medidas de distanciamento social para evitar o contágio da população pelo novo CoV, estar informado quanto aos fatos da pandemia e evitar o alarmismo e a rápida propagação de conteúdos sem a devida verificação é de extrema importância. Dentre os entrevistados, 86,69% afirmam estar Muito Informado ou Informado sobre a pandemia (Figura 12). A porcentagem que afirma estar Pouco ou Nada informado é bastante pequena. Ademais, em uma escala de 1 a 10 sobre a verificação das informações recebidas quanto à pandemia, 88,5% dos entrevistados deram nota igual ou maior que 7, demonstrando um bom grau de preocupação (Figura 13). Figura 12. Percepção da população com relação ao próprio grau de informação sobre a pandemia

Fonte: Os autores (2020) 550 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 538-559, maio/ago. 2021


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Figura 13. Grau de verificação adotado pela população com relação às informações recebidas sobre a pandemia

Fonte: Os autores (2020)

Embora a verificação de informações seja fundamental, os meios utilizados para tal são tão importantes quanto ela. Quando perguntados sobre os meios utilizados para verificar a veracidade das informações que chegam a eles, apenas 1,6% afirmam não verificar veracidade das informações que recebem. Além disso, 17,5% declaram consultar em mídias sociais como Instagram e Facebook, lugares onde a disseminação de informações não verídicas pode ocorrer mais facilmente. Porém, é interessante destacar que 80,1% dos entrevistados dizem verificar as informações em jornais, um meio de divulgação que, em geral, apresenta por rotina a verificação das informações divulgadas (Figura 14). Quando questionados sobre o retorno da vida à completa normalidade, 16,3% não souberam responder. É tácito que essa não é uma tarefa trivial e até mesmo pesquisadores da área têm tido dificuldades para apresentar uma data final para a pandemia, uma vez que existe a dependência do avanço de pesquisas científicas, de decisões políticas, de um maior conhecimento do vírus, etc. 28% dos entrevistados acredita que apenas em 2021 a vida voltará à completa normalidade (Figura 15). Figura 14. Como você verifica as informações que chegam a você?

Fonte: Os autores (2020)

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Figura 15. Percepção em relação ao retorno da vida à sua completa normalidade

Fonte: Os autores (2020)

Os participantes foram convidados a deixar sugestões e/ou a apontar ações que deveriam ser intensificadas na sua região para aumentar o combate à pandemia. As respostas foram agrupadas por categorias e estão descritas na Figura 16. Observa-se que ações de controle e fiscalização foram as mais sugeridas. Com relação à importância da presente pesquisa, 95,3% deram nota igual ou maior que sete, em uma escala de 1 a 10 (Figura 17). Entende-se, desse modo, que uma grande parcela dos entrevistados reconhece a importância e a necessidade de se verificar o conhecimento da população em relação à pandemia de Covid-19. Figura 16. Sugestões apontadas pelos participantes para serem intensificadas na sua região

Fonte: Os autores (2020)

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Figura 17. Avaliação da importância da pesquisa pelos participantes

Fonte: Os autores (2020)

4 Considerações finais Depreende-se que o isolamento domiciliar, apesar de extremamente importante para o combate à Covid-19, torna-se um desafio para uma parcela da população do estado do RJ residente em moradias com grande adensamento de pessoas. Ademais, o comum compartilhamento de moradia entre jovens e idosos destaca a importância da identificação dos locais de maior propagação da doença por meio do aumento da testagem e outras estratégias sanitárias. Torna-se, deste modo, ainda mais imprescindível instruir a população residente em áreas mais carentes em relação às medidas adequadas para evitar a transmissão do novo CoV. Enfrentar o problema de moradia e de saneamento é urgente e garantirá uma maior efetividade no combate não apenas da Covid-19, mas também no enfrentamento de outras doenças. Observou-se que os participantes reconhecem os sintomas iniciais e as principais formas de transmissão do vírus causador da Covid-19, além de entenderem o procedimento de busca de atendimento médico. Portanto, nota-se o efeito das campanhas informativas e que o conhecimento acerca das medidas preventivas estabelecidas para combater a pandemia encontra-se difundido por boa parte da população do RJ. O conhecimento mais específico de termos associados à pandemia (por exemplo, nome do vírus e da doença, origem do vírus) ainda não é de conhecimento de parte da população, entretanto este não constitui um problema grave com relação às ações de controle e combate à pandemia. Observou-se que grande parte dos participantes concordam com o fechamento de creches, escolas e universidades, apontando para um entendimento da população com relação ao alto risco de transmissão do SARS-CoV-2 nesses locais. Nota-se, ainda, que estratégias não eficazes para o combate à pandemia vêm sendo adotadas por uma parcela da população, dada a disseminação de informações falsas. Dessa maneira, destaca-se a necessidade de verificação das informações recebidas. Um ponto importante observado é a percepção – por uma pequena parcela dos participantes, mas ainda preocupante – de que certos grupos populacionais, jovens e crianças não são afetados pela Covid-19. Alertar para esse quadro é valoroso neste momento. Observa-se uma desacreditação no cumprimento, por parte da população, das medidas estabelecidas pelas entidades sanitárias com relação ao distanciamento social, apontando para a necessidade de promover ações que busquem o desenvolvimento da importância do pensamento coletivo neste momento. Somado a essa percepção, a maioria dos participantes classificam a situação da pandemia no estado do RJ como grave e sinalizam a necessidade de ampliação de ações de controle e fiscalização.

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A população entende que pesquisas científicas são importantes ferramentas para orientar ações sanitárias. Deste modo, investir em comunicação clara, direta e com linguagem acessível aumenta a conscientização, cria comportamentos favoráveis e permite que o enfrentamento à pandemia ocorra de maneira mais efetiva. Infere-se, portanto, que é de suma importância prosseguir com o planejamento de disseminação de informações. É importante ressaltar que a metodologia usada para coleta de dados não garantiu uma amostragem setorizada e perfeitamente randomizada da população do estado do Rio de Janeiro. Os dados coletados podem ter se concentrado nas redes de contato mais próximas às origens de emissão da pesquisa, além de não ter alcançado a parcela da população que não possui acesso à tecnologia e às redes sociais. Desse modo, os resultados podem apresentar distorções. Pesquisas com um maior número de participantes e com uma setorização mais ampla são necessárias para aumentar o entendimento sobre os temas aqui abordados e alcançar uma melhor representatividade do estado do Rio de Janeiro.

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QUAMMEN, D. Contágio: Infecções de origem animal e a evolução das pandemias. Tradutor: Fernanda Abreu, Isa M. Lando, Laura T. Motta, Pedro M. Soares. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 30 jun. 2020. 730 p. (Kindle Edition). RODRIGUEZ-MORALES, A. J. et al. COVID-19 in Latin America: The implications of the first confirmed case in Brazil. Travel Med Infect Dis., v. 35, n. 101613, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.tmaid.2020.101613. Acesso em: 13 ago. 2020. SARTI, T. D. et al. Qual o papel da Atenção Primária à Saúde diante da pandemia provocada pela COVID-19?. Epidemiol. Serv. Saúde [online], v. 29, n. 2, 2020. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S223796222020000200903&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 13 ago. 2020. SEVAJOL, M. et al. Insights into RNA synthesis, capping, and proofreading mechanisms of SARScoronavirus. Virus Res., v. 194, p. 90–99, 2014. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25451065/. Acesso em: 13 ago. 2020. WHO. World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) Situation Report – 183. 2020. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/wha-70-and-phe/20200721-covid-19-sitrep183.pdf?sfvrsn=b3869b3_2. Acesso em: 22 jul. 2020. WU, F. et al. A new coronavirus associated with human respiratory disease in China. Nature, v. 579, p. 265-269, 2020. DOI: https://doi.org/10.1038/s41586-020-2008-3.

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Avaliação do conhecimento da população do estado do Rio de Janeiro sobre a pandemia de Covid-19 Gregório Kappaun Rocha, Caroline Leles Amaral, Victória Cruz de Barros, Gabriela Pereira da Conceição, Vitória Martins Batalha da Silva, Aurea Yuki Sugai

Apêndice A. Distribuição das respostas por municípios do estado do Rio de Janeiro Município

Nº de Participantes

Município

Nº de Participantes

Angra dos Reis

3

Mesquita

2

Araruama

2

Nilópolis

4

Areal

1

Niterói

10

Arraial do Cabo

2

Nova Friburgo

3

Barra do Piraí

2

Nova Iguaçu

6

Barra Mansa

1

Petrópolis

92

Belford Roxo

1

Paracambi

5

Bom Jesus do Itabapoana

3

Pinheiral

2

Búzios

3

Piraí

3

Cabo Frio

18

Queimados

1

Campos dos Goytacazes

40

Resende

5

Carapebus

1

Rio das Ostras

112

Cardoso Moreira

5

Rio de Janeiro

112

Casimiro de Abreu

19

Santa Maria Madalena

7

Conceição de Macabu

6

Santo Antônio de Pádua

2

Duque de Caxias

6

São Fidélis

1

Iguaba Grande

3

São Francisco de Itabapoana

1

Itaboraí

1

São Gonçalo

11

Itaguaí

1

São João de Meriti

2

Itaperuna

1

São Pedro da Aldeia

3

Itatiaia

1

Saquarema

4

Macaé

446

Teresópolis

5

Maricá

4

Três Rios

2

Volta Redonda

13

Seropédica

1

Japeri

1

Total de participantes

857

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Avaliação do conhecimento da população do estado do Rio de Janeiro sobre a pandemia de Covid-19 Gregório Kappaun Rocha, Caroline Leles Amaral, Victória Cruz de Barros, Gabriela Pereira da Conceição, Vitória Martins Batalha da Silva, Aurea Yuki Sugai

Agradecimentos Os autores agradecem à FAPERJ pelo financiamento através do Programa Jovens Talentos.

COMO CITAR (ABNT): ROCHA, G. K. et al. Avaliação do conhecimento da população do estado do Rio de Janeiro sobre a pandemia de Covid-19. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 538-559, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p538-559. Disponível em: http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15642. COMO CITAR (APA): Rocha, G. K., Amaral, C. L., Barros, V. C., Conceição, G. P., Silva, V. M. B. & Sugai, A. Y. (2021). Avaliação do conhecimento da população do estado do Rio de Janeiro sobre a pandemia de Covid-19. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 538-559. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p538-559

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Submetido em: 3 out. 2020 Aceito em: 6 abr. 2021

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p560-579

Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos https://orcid.org/0000-0002-6089-5286 Técnica em Meio Ambiente pela Escola Técnica Helber Vignoli Muniz (FAETEC) – Saquarema/RJ – Brasil. E-mail: laura.azeredosantos@gmail.com. Bárbara Castro Alves da Silva https://orcid.org/0000-0001-6751-627X Técnica em Meio Ambiente pela Escola Técnica Helber Vignoli Muniz (FAETEC) – Saquarema/RJ – Brasil. E-mail: babi4silva@gmail.com. Karina Cardoso Ramos Silva https://orcid.org/0000-0002-6045-7104 Técnica em Meio Ambiente pela Escola Técnica Helber Vignoli Muniz (FAETEC) – Saquarema/RJ – Brasil. E-mail: kacardososilva@outlook.com. Renan Costa dos Santos https://orcid.org/0000-0002-4023-2792 Técnico em Meio Ambiente pela Escola Técnica Helber Vignoli Muniz (FAETEC) – Saquarema/RJ – Brasil. E-mail: recossan@outlook.com. Esterfani Melo de Sousa https://orcid.org/0000-0003-3235-7314 Técnica em Meio Ambiente pela Escola Técnica Helber Vignoli Muniz (FAETEC) – Saquarema/RJ – Brasil. E-mail: fanimello0320@gmail.com. Raquel de Azeredo Muniz https://orcid.org/0000-0002-0307-5142 Doutora formada pela Escola Nacional de Botânica Tropical - JBRJ (2008). Professora/Pesquisadora do Curso Técnico em Meio Ambiente, do Laboratório de Biologia e Química e do Laboratório de Meio Ambiente da Escola Técnica Estadual Helber Vignoli Muniz (FAETEC) – Saquarema /RJ – Brasil. E-mail: raquelmuniz7@gmail.com. Amilcar Brum Barbosa https://orcid.org/0000-0001-6061-4950 Doutor em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Biociências da Universidade Estado do Rio de Janeiro – PPGB/UERJ (2015). Professor/Pesquisador do Curso Técnico em Meio Ambiente, do Laboratório de Biologia e Química e do Laboratório de Meio Ambiente da Escola Técnica Estadual Helber Vignoli Muniz (FAETEC) – Saquarema /RJ – Brasil. E-mail: milkabrum@yahoo.com.br.

Resumo O presente estudo objetiva descrever as ocorrências de branqueamentos dos corais e de outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ), observadas em fevereiro (verão) e maio (outono) de 2019, relacionando-as com possíveis eventos de aquecimento das águas superficiais do oceano. As cartas de anomalias térmicas foram obtidas pelo INMET e os trabalhos de campo foram desenvolvidos baseados no Protocolo AGRRA. Foram utilizados dois transectos de 10 m de comprimento, colocados de forma contínua e paralelos ao eixo maior do costão rochoso, onde foram distribuídos quadrats de 36X36 cm, nas posições demarcadas em: 1, 3, 5, 7 e 9 m ao longo destes transectos e fotografados para obtenção dos dados. Foram calculados: o número total de colônias, número de colônias branqueadas e a média da área de cada espécie de cnidário bentônico afetada por diferentes intensidades de branqueamento (fraco ou forte). Quatro espécies de cnidários bentônicos foram identificadas, dentre estas, Millepora alcicornis e Palythoa caribaeorum sofreram branqueamento forte e fraco, com aumento principalmente do branqueamento forte no mês de maio – período antecedido, por anomalia térmica de valor 2,0 oC durante todo o mês de março e na segunda quinzena de abril; enquanto Siderastrea stellata e Zoanthus sp. não sofreram branqueamento. Palavras-chave: Branqueamento de coral. Anomalia térmica. Praia do Forno. Arraial do Cabo. Costão rochoso.

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Coral and other benthic cnidarians bleaching on the rocky shore of Forno Beach (Arraial do Cabo, Brazil) during the thermal anomalies of the ocean water surface in February and May 2019 Abstract The present study aims to describe the occurrences of coral bleaching and other benthic cnidarians on the rocky shore of Forno Beach (Arraial do Cabo, RJ), observed in February (summer) and May (autumn) 2019, relating them to possible ocean warming events. The thermal anomalies charts were taken by INMET and the fieldwork were developed based on the AGRRA Protocol. Two 10 m long transects were used, placed continuously and parallel to the larger rocky shore axis, where quadrats of 36X36 cm were distributed at positions demarcated in 1, 3, 5, 7 and 9 m along these transects and photographed to obtain the data. The total number of colonies, number of bleached colonies and the average area of each species of benthic cnidarians affected by different bleaching intensities (strong degree and weak degree) were calculated. Four species of benthic cnidarian have been identified, among them the Millepora alcicornis and the Palythoa caribaeorum were the ones that suffer bleaching (strong degree and weak degree), with an increase mainly of the strong degree in the month of May - a period preceded by a thermal anomaly of 2.0 oC throughout the month of March and in the second half of April; while the Siderastrea stellata and Zoanthus sp. did not suffer bleaching.

Keywords: Coral bleaching. Thermal anomalies. Forno Beach. Arraial do Cabo. Rocky shore.

Blanqueamiento de corales y otros cnidarios bentónicos en la orilla rocosa de la Praia do Forno (Arraial do Cabo, Brasil) durante las anomalías térmicas de las aguas superficiales del océano ocurridas en los meses de febrero y mayo de 2019 Resumen El presente estudio tiene como objetivo describir casos de blanqueamiento de corales y otros cnidarios bentónicos en la orilla rocosa de la Playa de Forno (Arraial do Cabo, Brasil), observadas en febrero (verano) y mayo (otoño) de 2019, relacionándolas con posibles eventos de calentamiento de las aguas superficiales del océano. Los mapas de anomalías térmicas fueron obtenidos por INMET y el trabajo de campo se desarrolló con base en el Protocolo AGRRA. Se utilizaron dos transectos de 10 m de largo, paralelo al eje mayor de la orilla rocosa, donde se distribuyeron cuadrados de 36x36 cm, en las posiciones demarcadas em 1, 3, 5, 7 y 9 m a lo largo de estos transectos y cuadrados fotografiados para obtener los datos. Se calculó lo siguiente: el número total de colonias, el número de colonias blanqueadas y el área media de cada especie de cnidario bentónico afectada por diferentes intensidades de blanqueamiento (débil o fuerte). Se han identificado cuatro especies de cnidarios bentónicos, entre estas Millepora alcicornis e Palythoa caribaeorum sufrieron blanqueamiento fuerte y débil, con aumento principalmente de blanqueamiento fuerte en mayo - período precedido por una anomalía térmica de 2.0 oC durante todo el mes de marzo y en la segunda quincena de abril; mientras que Siderastrea stellata y Zoanthus sp. no han sido blanqueadas. Palabras clave: Blanqueamiento de coral. Anomalías térmicas. Playa de Forno. Arraial do Cabo. Orilla rocosa.

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

1 Introdução Os ecossistemas recifais são de grande importância ecológica, pois atuam como áreas de desova, abrigo, reprodução e alimentação para uma grande variedade de organismos marinhos, além de servirem como uma barreira mitigadora da erosão costeira (MOBERG; FOLKE, 1999). Economicamente, geram inúmeros bens e serviços ecossistêmicos utilizados pela sociedade (CASTRO; ZILBERBERG, 2016; PICCIANI et al., 2016). Destacam-se pela grande riqueza e abundância de organismos, que produzem uma complexa comunidade biológica de considerável beleza cênica, o que torna os ecossistemas recifais pontos turísticos relevantes no mundo todo, gerando empregos e fontes de renda diretos e indiretos (CASTRO; ZILBERBERG, 2016; PICCIANI et al., 2016). Distribuídos ao longo de 3.000 km da costa brasileira, os ecossistemas recifais ocorrem em latitudes equatoriais até a subtropicais, compreendendo a maior e mais rica área do Atlântico Sul (LEÃO et al., 2016). Apesar de serem considerados menos diversos, quando comparados a outros ambientes recifais distribuídos no mundo, os recifes brasileiros, que possuem 23 espécies de corais e cinco espécies de hidrocorais (LEÃO et al., 2016), apresentam alto grau de endemismo (LEÃO; KIKUCHI; TESTA, 2003). Neste contexto, chama-se a atenção para o fato de que seis das espécies de corais construtores dos recifes brasileiros são endêmicas: Mussismilia braziliensis, Mussismilia hispida, Mussismilia hartii, Favia leptophylla, Siderastrea stellata e Favia gravida (LEÃO; KIKUCHI; TESTA, 2003). Em relação aos impactos, estima-se que as principais causas da degradação dos ambientes recifais atualmente ocorrem em função do amplo desenvolvimento costeiro de forma desordenada, o que leva a outros desdobramentos como: aumento da poluição, aumento da sedimentação e consequente soterramento dos organismos e a sobre-exploração dos recursos marinhos (FERREIRA; MAIDA, 2006; LEÃO et al., 2016). Destacam-se também outros impactos globais, como o aquecimento e acidificação dos oceanos (BRIDGE; HUGUES; BONGAERTS, 2013), que levam a anomalias térmicas das águas superficiais, que causam o fenômeno do branqueamento. Além das anomalias térmicas, os corais também são afetados diretamente pelos mergulhos recreativos que, na maioria das vezes, ocorre de maneira inadequada permitindo o contato físico com os organismos, promovendo sua quebra, além da ressuspensão de sedimento, deslocamento das colônias (GUZNER et al., 2010; LUNA-PÉREZ; VALLEPÉREZ; SÁNCHEZ-LIZASO, 2011; POONIAN; DAVIS; MCNAUGHTON, 2010) e danos causados pelo ancoramento das embarcações (DINSDALE; HARRIOTT, 2004). O branqueamento consiste na perda da coloração dos corais vivos devido à expulsão dos seus endossimbiontes (zooxantelas), e/ou de seus pigmentos fotossintéticos (KELMO, 1998). As zooxantelas são responsáveis por produzir componentes orgânicos, através da fotossíntese, que lhes provê assim como aos corais, em relação mutualística. Em contrapartida, o coral provê abrigo para as algas e lhes fornece elementos químicos necessários à sua sobrevivência (HISSA et al., 2009; LEÃO; KIKUCHI; OLIVEIRA, 2008). Ainda segundo Kelmo (1998), é possível destacar outros efeitos oriundos desse processo de branqueamento, tais como: aumento na taxa respiratória dos corais e o declínio nos níveis de proteínas, lipídios e carboidratos das colônias escleractínias. Além disso, como constatou Correia (2016), muitos eventos de doenças são identificados durante, ou após episódios de branqueamento, uma vez que colônias branqueadas são mais suscetíveis a infecções por terem as propriedades antibióticas do muco reduzidas.

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

Outros cnidários bentônicos como os zoantídeos (Palythoa e Zoanthus, por exemplo), também são acometidos pelo branqueamento devido às anomalias térmicas (KEMP et al., 2006; LESSER et al., 1990; SANTOS et al., 2016). Esses cnidários não secretam o esqueleto calcário como nos corais, entretanto são frequentemente os principais organismos que formam a estrutura das comunidades bentônicas de ambientes recifais nas regiões tropicais e temperadas (CASTRO; PIRES, 2001; OIGMAN-PSZCZOL; FIGUEIREDO; CREED, 2004). O fenômeno do branqueamento de corais vem se intensificando em episódios de larga escala e maior tempo de duração (HUGHES et al., 2019). Hughes et al. (2018) verificaram que a frequência e a intensidade de eventos de branqueamento estão ocorrendo de forma global e insustentável. Em 1998, no Oceano Índico mais de 90% dos recifes de corais morreram em decorrência, principalmente, da elevação da temperatura das águas superficiais (HOEGH-GULDBERG, 1999). A frequência de eventos de branqueamento severo quintuplicou nas últimas quatro décadas, de um a cada 25 a 30 anos no início dos anos 1980, a um a cada 5,9 anos, em 2016 (HUGHES et al., 2018). Devido ao aquecimento global se observa o gradual aumento das temperaturas médias das águas superficiais dos oceanos nas regiões tropicais, principalmente quando ocorre o fenômeno do El-Niño (ENSO) (HUGHES et al., 2018). No Brasil, o fenômeno de branqueamento tem sido registrado desde 1993, conforme a tendência global (CASTRO, PIRES, 1999; LEÃO et al., 2010; SOUZA, 2013). As anomalias térmicas são uma das causas deste fenômeno e são monitoradas, na costa brasileira, por imagens de satélites do National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), desde 1998 (MIRANDA; CRUZ; LEÃO, 2013). Conforme estudo realizado por Leão, Kikuchi e Oliveira (2008), entre os anos de 1998 a 2008, é visível a ocorrência de recifes de corais branqueados na costa do estado da Bahia, variando em diferentes graus. Dentre as regiões afetadas segundo a pesquisa, destacam-se: Litoral Norte, Baía de Todos os Santos, ilhas de Tinharé e Boipeba, Cabrália, Itacolomis e Abrolhos (LEÃO; KIKUCHI; OLIVEIRA, 2008). Em relação a outros ambientes recifais no mundo, Mies et al. (2020) verificaram que os recifes da região do Atlântico Sul apresentaram proporcionalmente menos episódios de branqueamento de corais com mortalidade do que nas regiões do Indo-Pacífico e do Caribe. A maioria dos episódios de branqueamento ocorridos no Atlântico Sul ocorreram no nordeste do Brasil, particularmente na costa do estado da Bahia (MIES et al., 2020). No entanto, em 80% dos episódios de branqueamento não foi observada a mortalidade dos corais nesta região, dados que corroboraram trabalhos de Leão et al. (2016) e Teixeira et al. (2019). Esse fato pode estar relacionado à maior resistência a condições adversas, por esses corais, que geralmente ocupam zonas de maior profundidade, serem tolerantes a maior turbidez e concentração de nitrato, mais resistentes morfologicamente (maioria massivos com tecidos mais espessos) e apresentarem maior diversidade de algas simbiontes (MIES et al., 2020), o que os torna relativamente menos afetados pelo branqueamento. Em relação à distribuição dos ambientes recifais no Brasil, o município de Arraial do Cabo, na região de Cabo Frio (RJ) é considerada o limite sul, para a ocorrência de várias espécies de corais da costa brasileira (CASTRO; PIRES, 2001; LIMA; COUTINHO, 2016; LABOREL, 1970). Seu território é reconhecidamente rico em fauna e flora marinha e conta com a Reserva Extrativista Marinha para conservar os interesses ecológico-sociais, e para proteger a cultura da pesca artesanal em Arraial do Cabo (FONSECAKRUEL; PEIXOTO, 2004). Nesta região, a Praia do Forno, considerada um dos principais atrativos turísticos, é uma das que mais recebe visitantes e, portanto, merece uma especial atenção, pois abriga uma grande variedade de peixes, dentre outras espécies marinhas, por conter áreas protegidas e locais sujeitos à exposição de ondas (FERREIRA; GONÇALVES; COUTINHO, 2001).

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

Em Arraial do Cabo, a prática da sobrepesca, a introdução de espécies exóticas e de agentes patogênicos de diferentes regiões do mundo (MELO et al., 2009), somado ao turismo predatório com grandes massas se deslocando todos os anos para esta região (CARNEIRO; VIEIRA; COLUCCI, 2012) são as principais causas da degradação dos ecossistemas marinhos locais. Com isto, as atividades de turismo, e do Porto do Forno oferecem altos riscos antropogênicos, tornando a sustentabilidade da Reserva Extrativista um desafio constante (CARNEIRO; VIEIRA; COLUCCI, 2012). Além disso, a região é considerada a capital brasileira do mergulho, e, portanto, a saúde dos corais e de outros cnidários bentônicos é de vital importância para a manutenção das atividades econômicas da população residente. Sendo assim, em função da grande importância ecológica e econômica desses organismos, o objetivo geral deste estudo é descrever as ocorrências de branqueamento de corais e demais cnidários bentônicos presentes no costão da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ), observadas no mês de fevereiro (verão) e maio (outono) do ano de 2019, relacionando-as com possíveis eventos de aquecimento das águas superficiais do oceano.

2 Metodologia 2.1 Área de estudo O presente estudo foi realizado em Arraial do Cabo, RJ, costa sudeste do Brasil (22º 56’ 06.0”S e 42° 00’ 56.1”W), onde ocorre o fenômeno da ressurgência (VALENTIN, 1984). Esse fenômeno consiste no afloramento das Águas Centrais do Atlântico Sul (ACAS) que são frias e ricas em nutrientes e que, portanto, fertilizam a cadeia trófica no encontro com as correntes tropicais, tornando a região mais rica e com abundante biodiversidade (CARNEIRO; VIEIRA; COLUCCI, 2012). A coleta de dados foi realizada na Praia do Forno (Figura 1), que apresenta uma extensão de 580 m. O costão rochoso visitado é caracterizado por uma estrutura de rochas graníticas, terminando em um fundo de areia, com a presença de cascalho em alguns pontos (FERREIRA; GONÇALVES; COUTINHO, 2001). Essa enseada proporciona condições para o desenvolvimento de uma rica comunidade recifal (FERREIRA; GONÇALVES; COUTINHO, 2001; GUIMARAENS; COUTINHO, 1996; ORNELLAS; COUTINHO, 1998), sendo associada a áreas mais rasas, entre 2 e 3 m de profundidade, e temperatura da água com média maior do que as áreas expostas ao oceano (aproximadamente 22 oC) (FERREIRA; GONÇALVES; COUTINHO, 2001).

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

Figura 1. Localização da Praia do Forno em Arraial do Cabo/RJ e a área analisada durante o presente estudo (•)

Fonte: adaptado de https://www.marinha.mil.br/chm/dados-do-segnav/cartas-raster

As expedições foram realizadas nos dias 22 de fevereiro e 06 de maio de 2019, através de mergulho livre. Nas visitas à campo, foram levantados dados de branqueamento classificados como forte e fraco, levando-se em consideração a intensidade de coloração das colônias (branca e pálida, respectivamente).

2.2 Levantamento dos dados climáticos As anomalias térmicas para a região da Praia do Forno foram obtidas utilizando-se as cartas de anomalias térmicas da superfície do mar produzidas pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), disponíveis no seguinte portal eletrônico: http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=clima/temperaturaSuperficieMar. Foram utilizados dados da 1.a e 2.a quinzena de cada mês no período entre janeiro e maio de 2019, os quais correspondem ao final do verão e ao início do outono no hemisfério sul, respectivamente.

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

2.3 Aquisição dos dados de campo Ambos os trabalhos de campo foram desenvolvidos com adaptações da metodologia proposta no Protocolo AGRRA (Atlantic and Gulf Rapid Reef Assessment, LANG et al., 2010). A técnica utilizada para a coleta dos dados descrita no protocolo AGRRA baseia-se na utilização de senso visual dos organismos, por meio de unidades amostrais quadradas dispostas ao longo de transectos. Para avaliar as condições dos corais no único local estudado foram colocados de forma contínua dois transectos de 10 m de comprimento, distribuídos paralelamente ao eixo maior do infralitoral do costão rochoso. Ao longo de cada transecto, foram distribuídos cinco quadrados (36 cm x 36 cm) nas posições demarcadas em 1, 3, 5, 7 e 9 m para a obtenção dos dados. Os transectos não foram fixados, mas procurou-se posicioná-los no mesmo local durante as duas expedições. Cada quadrado foi fotografado, para a identificação de possível branqueamento dos cnidários. No dia 22 de fevereiro, foi utilizada a câmera de alta resolução do IPHONE 7, dentro de uma capa a prova d’água universal, e no dia 6 de maio, foram utilizadas as câmeras de alta resolução do IPHONE 7 dentro de uma capa impermeável, e do modelo Samsung S860 em caixa estanque. A análise dos dados foi realizada adaptando a metodologia descrita por Miranda, Cruz e Leão (2013). Desta forma, foram obtidos dados baseados nas fotografias dos quadrados feitas durante as expedições (Figura 2). Em cada um destes foram contados o número de colônias (NC), número de colônias branqueadas (NCB) e a média (+DP) da porcentagem da área estimada da colônia afetada por diferentes intensidades de branqueamento (fraco ou forte) por cada espécie de organismo. Foi realizado o cálculo estimado da porcentagem da área afetada da colônia pelo branqueamento total (BT), o branqueamento fraco (BFR) e o branqueamento forte (BFO). A normalidade dos dados foi testada utilizando-se o teste de Skewness e como parte dos dados não foram paramétricos, optamos por avaliar possíveis diferenças estatísticas entre os parâmetros por meio do teste de Kruskal-Wallis com nível de significância p<0,05 que indica diferença significativa entre os parâmetros analisados (ZAR, 1999). Comparamos as médias dos parâmetros do branqueamento total (BT), branqueamento fraco (BFR) e branqueamento forte (BFO) entre as duas expedições e avaliamos as diferenças entre as médias dentro da expedição de maio (período que foi antecedido pelos maiores valores de anomalia térmica) do branqueamento total (BT), branqueamento fraco (BFR) e branqueamento forte (BFO) entre as diferentes espécies encontradas. Foram realizadas correlações entre: a temperatura da água da superfície do mar (TSM) e a porcentagem do branqueamento total (BT) – (TSM x BT), entre esta e o branqueamento fraco (BFR) – (TSM x BFR), e entre esta e o branqueamento forte (BFO) – (TSM x BFO), respectivamente para as duas espécies que apresentaram branqueamento. Avaliamos em qual correlação o coeficiente se apresentou positivo através do sinal â1 da regressão (o que indica uma relação de proporcionalidade direta entre as variáveis) e a qualidade da regressão através do valor absoluto de r (ARANGO, 2005).

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

Figura 2. Quadrats utilizado para aquisição das fotos subaquáticas dos cnidários bentônicos na Praia do Forno em Arraial do Cabo/RJ

Fonte: os autores

A intensidade do branqueamento (fraco ou forte) foi atribuída de acordo com a tonalidade da colônia (pálida ou branca) (LEÃO; KIKUCHI; OLIVEIRA, 2008).

3 Resultados Foram identificadas quatro espécies de cnidários bentônicos no costão rochoso estudado: o hidrocoral Millepora alcicornis, o coral escleratíneo Siderastrea stellata e as duas espécies de zoantídeos Palythoa caribaeorum e Zoanthus sp.

3.1 Relação entre anomalias térmicas e intensidades de branqueamento Pôde-se observar que, em janeiro, a anomalia térmica manteve-se constante em 1,0 °C nas duas quinzenas, apresentando queda de 0,5 °C na primeira quinzena de fevereiro, e retornando ao valor de 1,0 °C na segunda quinzena do mesmo mês. Posteriormente, o valor de anomalia térmica observada foi de 1,0 °C durante a primeira quinzena de abril e na segunda quinzena de maio. Os valores máximos de anomalia (2,0 °C), foram observados ao longo de março, na segunda quinzena de abril e na primeira de maio (Figura 3).

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

Figura 3. Anomalia da temperatura das águas superficiais oceânicas para a costa de Arraial do Cabo em 2019, obtidas de imagens orbitais. Origem dos dados http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=clima/temperatura SuperficieMar. O tempo cronológico utilizado são as 1ª e 2ª quinzenas dos cinco (5) meses apresentados: janeiro, fevereiro, março, abril e maio.

Fonte: os autores

Quanto ao fenômeno do branqueamento, nos dois meses de estudo (fevereiro e maio), registrouse a presença de branqueamento forte e fraco na área da coleta de dados. Do total de quatro espécies de cnidários bentônicos registradas na Praia do Forno, em duas delas foi identificada presença de algum grau de branqueamento, são elas Palythoa caribaeorum e Millepora alcicornis. A anomalia térmica na primeira quinzena de fevereiro foi de 0,5 °C e na segunda quinzena deste mês foi de 1,0 oC (Figura 3), durante essa primeira expedição foi registrado branqueamento em 76% das 25 colônias avaliadas nesse período (Tabela 1). Anomalias térmicas ocorreram entre os meses de março até o período da primeira quinzena de maio, quando realizamos a segunda expedição. A anomalia térmica nas duas quinzenas do mês de março atingiu valor de 2,0 °C, assim como na segunda quinzena de abril e na primeira quinzena de maio. Durante essa segunda expedição, foi registrado branqueamento em 66,6% das 27 colônias avaliadas nesse período.

3.2 Branqueamento das espécies avaliadas As espécies Millepora alcicornis e Palythoa caribaeorum (Figura 4) apresentaram diferentes porcentagens e intensidades (forte/fraco) de branqueamento nas áreas estudadas (Tabela 1). Zoanthus sp. e Siderastrea stellata (Figura 4) não sofreram branqueamento.

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

Figura 4. Espécies de cnidários bentônicos analisadas na Praia do Forno, Arraial do Cabo/RJ. A Palythoa caribaeorum; B -Zoanthus sp; C - Millepora alcicornis; D - Siderastrea stellata; E - Millepora alcicornis com branqueamento forte; F - Palythoa caribaeorum com branqueamento forte; G Millepora alcicornis com branqueamento fraco; H - Palythoa caribaeorum com branqueamento fraco.

Fonte: os autores

Palythoa caribaeorum – foi a espécie de cnidário bentônico mais abundante. Do total de colônias observadas, 76,20% foram afetadas por branqueamento durante a primeira expedição, em que ocorreu uma anomalia térmica de 1,0 °C (Figura 3). O branqueamento afetou 35,71% da área colonial deste zoantídeo na primeira expedição, destes 22,13% foi por branqueamento fraco e 13,59% foi por branqueamento forte (Tabela 1). Na segunda expedição, o branqueamento afetou 87,5% do número total de colônias observadas quando ocorreu uma anomalia de 2,0 °C durante a segunda quinzena de abril e primeira quinzena de maio (Figura 3). A área colonial afetada por branqueamento foi de 49,07% - destes 18,59% foi por branqueamento fraco e 30,47% foi por branqueamento forte (Tabela 1). O teste de Kruskal-Wallis não mostrou diferença significativa entre a primeira expedição e a segunda expedição para os parâmetros branqueamento total (H =29,00; p > 0,05), branqueamento fraco (H = 42,50; p > 0,05) e branqueamento forte (H = 42,50; p > 0,05).

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

Millepora alcicornis – foi a segunda espécie de cnidário bentônico mais abundante e a mais afetada pelo branqueamento forte durante as duas expedições, ambas com 100% do número total das colônias observadas apresentando algum tipo de branqueamento (fraco ou forte). O branqueamento afetou 21% da área colonial deste hidrocoral na primeira expedição, sendo 5% por branqueamento fraco e 15,90% por branqueamento forte (Tabela 1). Na segunda expedição, 51,22% da área colonial deste cnidário apresentou branqueamento, sendo o mais alto valor observado entre todas as espécies estudadas, além de ter o mais alto percentual de branqueamento forte (41,65%); o branqueamento fraco apresentou 9,52% da área colonial desta espécie (Tabela 1). O teste de Kruskal-Wallis não mostrou diferença significativa entre as duas expedições para os parâmetros branqueamento total (H = 4,50; p > 0,05), branqueamento fraco (H = 3,00; p > 0,05) e branqueamento forte (H = 4,00; p > 0,05). Comparando estatisticamente as quatro espécies observadas na expedição de maio de 2019, o teste de Kruskal-Wallis não mostrou diferença significativa para os parâmetros branqueamento total (H = 7,77; p > 0,05), branqueamento fraco (H = 3,46; p > 0,05) e o branqueamento forte (H = 7,50; p > 0,05). Embora os testes não tenham mostrado uma diferença significativa de branqueamento relacionado com a anomalia térmica de 2 oC no período correspondente à expedição de maio, há uma tendência no aumento principalmente das proporções de branqueamento forte (BFO) nas espécies que sofreram algum grau de branqueamento (Tabela 1). Foi feita a análise de correlação entre a temperatura da superfície do mar (TSM) e a porcentagem do branqueamento total (BT), branqueamento fraco (BFR) e branqueamento forte (BFO) das duas espécies que apresentaram branqueamento (Millepora alcicornis e Palythoa caribaeorum). Os resultados mostraram que somente a correlação entre a temperatura da superfície do mar (TSM) e o branqueamento forte (BFO) da espécie Palythoa caribaeorum foi positiva e significativa (r=0,61). Apesar de essa correlação apresentar-se fraca, indica uma tendência de influência da temperatura da superfície do mar com o branqueamento forte nesta espécie. Figura 5. Correlação entre a temperatura superficial do mar (TSM) X branqueamento forte (BFO) sofrido pela espécie Palythoa caribaeorum da Praia do Forno, Arraial do Cabo em 2019 (r = 0,61). Origem dos dados http://www.inmet.gov.br/portal/index.php?r=clima/temperatura SuperficieMar.

Fonte: os autores Legenda: BFO – branqueamento forte; TSM – temperatura da superfície do mar

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4 Discussão No presente trabalho foram identificadas quatro espécies de cnidários bentônicos (Millepora alcicornis, Siderastrea stellata, Palythoa caribaeorum e Zoanthus sp.). Em trabalho realizado por Rogers et al. (2014) nesta mesma área de estudo, foi identificada também a espécie Mussismilia hispida. Em contrapartida, espécimes do gênero Zoanthus foram registradas no presente estudo, corroborando com o realizado por Macedo (1986), nesta praia. Quanto à Palythoa caribaeorum esta é uma espécie frequentemente encontrada cobrindo costões rochosos da costa sudeste do Brasil (CASTRO; PIRES, 2001; OIGMANPSZCZOL; CREED, 2004), e também recifes biogênicos na costa nordeste (RAMOS et al., 2010), e, portanto, o seu registro já era esperado para a região estudada. Em relação à Millepora alcicornis, Leão, Kikushi e Oliveira (2008) verificaram que esta também foi a segunda espécie de coral mais abundante em recifes costeiros da Bahia, assim como observado na Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ), neste estudo. O branqueamento de P. caribaeorum e M. alcicornis pode estar relacionado com a ocorrência de anomalias térmicas das águas superficiais do oceano, conforme observado. O registro de uma anomalia térmica de 2,0 °C que perdurou durante quatro semanas (entre abril e maio) pode ter provocado a maior proporção de branqueamento forte, registrada neste estudo. Essa hipótese é reforçada pelo estudo realizado por Leão, Kikuchi e Oliveira (2008), que observaram que anomalias térmicas entre 0,50 °C e 0,75 °C, durante três semanas causaram o branqueamento de 20% recifes de corais registrados no mês de maio de 2005, no arquipélago de Abrolhos. Isso sugere que uma anomalia de 2,0 °C durante um período de quatro semanas pode ser considerado suficiente para causar branqueamento forte em alguns dos cnidários bentônicos da Praia do Forno. Os recifes de corais da região da costa do nordeste do Brasil é onde tem ocorrido a maioria dos episódios de branqueamento do Atlântico Sul, principalmente no litoral do estado da Bahia. A mortalidade de corais em decorrência do processo de branqueamento na região do oceano Atlântico Sul foi menor do que 20% (LEÃO et al., 2016; MIES et al., 2020; TEIXEIRA et al., 2019), o que é aproximadamente 60% menor que no oceano Indo-Pacífico (MIES et al., 2020; RODGERS et al., 2017) e 50% menor que a que ocorre na região do Caribe (MIES et al., 2020). A maior tolerância dos corais do Atlântico Sul deve-se à adaptação aos estressores ambientais como maior turbidez e concentração de nitrato; apresentam em sua maioria forma massiva com tecidos mais espessos, possuem maior diversidade de endossimbiontes e habitam zonas de maior profundidade – fatores que em combinação tornaram as espécies mais resistentes ao branqueamento e mortalidade (MIES et al., 2020). Registrar e compreender a recuperação em recifes marginais (ou seja, em condições subótimas por exemplo de turbidez, baixa temperatura) pode gerar conhecimentos importantes sobre o branqueamento como um fenômeno global (LONGO; CORREIA; MELLO, 2020). Em relação à suscetibilidade e ao grau de branqueamento, foi observado no presente estudo, que a espécie Palythoa caribaeorum foi a mais abundante (maior área colonial) e a segunda mais intensamente afetada por este fenômeno, enquanto Millepora alcicornis foi proporcionalmente mais branqueada. Rogers et al. (2014) também indicaram a maior abundância de Palythoa caribaeorum seguida por Millepora alcicornis – resultados semelhantes foram encontrados no presente trabalho. Em estudo realizado por Hissa et al. (2009) foi observado que P. caribaeorum apresentou sensibilidade intermediária a temperaturas mais altas, uma vez que houve a ocorrência de branqueamento completo em 48 horas, quando submetidos a 45 °C e em 72 horas, quando submetidos a 40 °C. Já a 35 °C, as colônias não apresentaram branqueamento (HISSA et al., 2009).

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

Em relação à M. alcicornis, esta espécie apresentou proporção de branqueamento do grau forte maior que no mês de fevereiro, além de apresentar maior proporção de branqueamento forte, quando comparada com P. caribaeorum. Esses resultados corroboram com a pesquisa de Miranda, Cruz e Leão (2013), que também trabalharam com Millepora alcicornis, nos recifes de Caramuanas, no estado da Bahia. Os autores observaram que essa foi a espécie mais afetada pelo branqueamento forte, durante as anomalias térmicas, tendo 37,14% de sua área total afetada. No presente trabalho e no publicado por Miranda, Cruz e Leão (2013) esta espécie mostrou-se sensível ao branqueamento, mas sem taxa de mortalidade relacionada ao evento da anomalia térmica. Duarte et al. (2020) analisando M. alcicornis na Reserva Extrativista Marinha de Corumbau (litoral do estado da Bahia) registraram mortalidade entre 43% e 89% entre os lugares amostrados, coincidindo com a onda de calor registrada no ano de 2019. Embora os testes não tenham mostrado diferença significativa do branqueamento relacionado à anomalia térmica no período correspondente à anomalia térmica de 2 °C (segunda quinzena de abril - primeira quinzena de maio) há uma tendência de influência da temperatura da superfície do mar com a ocorrência de branqueamento ocorrido nas duas espécies afetadas (P. caribaeorum, M. alcicornis). Importante salientar a necessidade de estudos futuros aumentando a amostragem para se confirmar ou não essa tendência da maior proporção de branqueamento relacionado com as anomalias térmicas e se o fenômeno da ressurgência pode ter relação com a menor porcentagem de branqueamento, devido à habilidade dos corais em se adaptar às condições (baixa turbidez e temperatura) onde ocorrem esse fenômeno (LIMA; COUTINHO, 2016). Em relação à resistência ao fenômeno do branqueamento, foi observado que Zoanthus sp. e Siderastrea stellata não sofreram esse impacto, nesse período, assim como observado por Rogers et al. (2014), que detectaram uma baixa porcentagem de branqueamento na espécie S. stellata (0,2%) na Praia do Forno. A partir das anomalias térmicas baixas de fevereiro (de até 1,0 °C), a espécie Palythoa caribaeorum apresentou grau de branqueamento predominante fraco, enquanto no mês de maio, quando as anomalias térmicas encontravam-se relativamente altas (2,0 °C), as duas espécies (Palythoa caribaeorum e Millepora alcicornis) foram afetadas pelo branqueamento forte, sendo que a Millepora alcicornis apresentou uma proporção maior, com 100% de suas colônias branqueadas - com 41,65% de sua área afetada pelo branqueamento forte. De acordo com o estudo de Macedo (1986), na Praia do Forno, Arraial do Cabo/RJ, foi encontrada grande predominância de zoantídeos nos costões rochosos próximos à praia (Palythoa caribaeorum e Zoanthus sp.). Através das proporções e porcentagem de branqueamento, pode-se observar que a espécie Zoanthus sp. foi a mais resistente, levando-se em consideração que nenhuma colônia sofreu o branqueamento, em nenhum dos meses avaliados. Desse modo, é possível afirmar que a presente espécie é capaz de suportar as anomalias térmicas de até 2,0 °C nas condições ambientais presentes no local de estudo. Esse fato coincide com o relato de Hissa et al. (2009), cujas amostras de Zoanthus sociatus coletadas nos recifes de arenito em duas praias na costa cearense (Paracuru e Praia dos Dois Coqueiros) mostraramse mais resistentes à elevação de temperatura a partir de 40 ºC. A espécie Siderastrea stellata também não sofreu branqueamento, sugerindo que também é capaz de suportar anomalias térmicas de até 2,0 °C nas condições ambientais presentes no local de estudo. No presente estudo não fizemos a caracterização da zooxantela presente nos corais e zoantídeos. Um fator que contribui com a maior resistência e menor porcentagem de branqueamento em S. stellata é a simbiose com a zooxantela Cladocopium sp., que apresenta uma ampla tolerância a temperatura (KARAKOLAMPERT et al., 2004), presença esta corroborada por Sassi et al. (2014) em pesquisa realizada nesses escleratíneos dos recifes costeiros de Cabo Branco (litoral do estado da Paraíba).

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Para finalizar, é necessário salientar que estudos de monitoramento desses organismos na área de estudo são extremamente importantes, pois os eventos de branqueamento em ambientes recifais tem como consequência, direta e indireta, a perda de cobertura da área recifal; declínio da riqueza de espécies associadas de forma geral (algas, vertebrados, invertebrados); dominância de espécies resistentes ao branqueamento e consequente perda de diversidade (BURT; AL-HARTHI; AL-CIBAHI, 2011; GLYNN, 1993); desestabilização da estrutura dos corais com danos em sua estrutura e que, dependendo da escala e magnitude, a recuperação pode ser um processo muito lento (GLYNN, 1993). Portanto, o manejo dos ambientes recifais ao redor do mundo é de grande importância para a preservação da diversidade biológica marinha, que garantem inúmeros serviços ecossistêmicos para sociedade (CASTRO; ZILBERBERG, 2016; MOBERG; FOLKE, 1999; PICCIANI et al., 2016).

5 Conclusões As quatro espécies de cnidários registradas já eram previstas para a área de estudo, e apresentaram diferentes respostas de branqueamento, em relação à espécie, e em relação ao tempo de estudo, relacionado diretamente à variação térmica das águas superficiais. Desta forma, pôde ser observado que as espécies mais sensíveis às anomalias térmicas registradas foram Palythoa caribaeorum e a Millepora alcicornis, enquanto que Zoanthus sp. e a Siderastrea stellata foram mais resistentes. Foi observada, portanto, uma tendência da influência da temperatura da superfície do mar com a ocorrência de branqueamento ocorrido nessas duas espécies, e que embora não estatisticamente significativa, aponta para a necessidade de uma amostragem temporal mais extensa, para a melhor compreensão do branqueamento na região de Arraial do Cabo, área de intensa influência da ressurgência. Em vista as causas da degradação dos corais, é fundamental a adoção de medidas mitigadoras para esse processo. Fatores antropogênicos que influenciam o aumento das anomalias térmicas das águas superficiais dos oceanos e os distúrbios do El Niño, devido às mudanças climáticas globais estão associados ao branqueamento dos corais. Esse aumento da temperatura das águas superficiais dos oceanos está ligado principalmente com a queima de combustíveis fósseis e, consequentemente, a liberação do gás carbônico, um dos principais fatores do efeito estufa. Além das mudanças na matriz energética de maneira global, outras medidas importantes para a preservação dos corais devem ser tomadas para diminuir a poluição, sedimentação, sobre-explotação e o turismo destrutivo, juntamente com a conscientização por mudanças de hábito do cidadão comum.

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

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Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

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Agradecimentos Agradecemos a Escola Técnica Estadual Helber Vignoli Muniz (FAETEC), pois, este manuscrito é resultado do Trabalho de Conclusão do Curso Técnico Integrado em Meio Ambiente; somos gratos a todo o suporte que nos foi oferecido. Agradecemos também aos editores e aos revisores anônimos que contribuíram com valiosas sugestões aperfeiçoando a versão final deste artigo. 578 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 560-579, maio/ago. 2021


Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019 Laura de Azeredo Santos, Bárbara Castro Alves da Silva, Karina Cardoso Ramos Silva, Renan Costa dos Santos, Esterfani Melo de Sousa, Raquel de Azeredo Muniz, Amilcar Brum Barbosa

COMO CITAR (ABNT): SANTOS, L. A. et al. Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 560-579, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p560-579. Disponível em: https://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15892. COMO CITAR (APA): Santos, L. A., Silva, B. C. A., Silva, K. C. R., Santos, R. C., Sousa, E. M., Muniz, R. A. & Barbosa, A. B. (2021). Branqueamento de corais e outros cnidários bentônicos no costão rochoso da Praia do Forno (Arraial do Cabo, RJ) durante as anomalias térmicas das águas superficiais do oceano ocorridas nos meses de fevereiro e maio de 2019. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 560-579. https://doi.org/10.19180/18092667.v23n22021p560-579

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Submetido em: 30 ago. 2020 Aceito em: 6 dez. 2020

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p580-589

Proposta de uma matriz de risco para programa de gerenciamento de risco em atividades rotineiras Wanderson Lyrio Bermudes https://orcid.org/0000-0003-3767-0318 Doutor em Ciências Florestais pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santos (IFES) Campus Vitória, Vitória/ES – Brasil. E-mail: wbermudes@ifes.edu.br.

Resumo Atividades profissionais podem causar lesão ao trabalhador e sua ocorrência varia de acordo com a probabilidade e gravidade. Diante da necessidade de estabelecer um modelo que possa auxiliar o gestor de risco a priorizar ações em atividades rotineiras de trabalho, este estudo por meio de aplicação de contexto legal e normativo, legislações previdenciárias, normas regulamentadoras e de pesquisas, propõe a aplicação de uma matriz de risco para avaliação dos fatores e ou fontes de risco ocupacional. A matriz inclui análise de probabilidade (improvável, provável e altamente provável), gravidade (sem lesão, lesão leve, lesão grave ou doença ocupacional e fatal ou incapacidade permanente) e do número de trabalhadores, e tem como resultado quatro tipos de graduação: Risco Crítico, Alto, Moderado e Baixo. Atividades de risco crítico têm prioridade nas ações de eliminação de risco, seguida pelo risco alto, moderado e baixo. Atividades de risco crítico, além da rotina de trabalho, devem também incluir uma análise de risco, quando essa não for exigida por alguma normativa. Atividades de risco crítico e alto devem fazer parte de inspeções periódicas. Palavras-chave: Avaliação. Matriz. Perigo. Risco.

Proposal of a risk matrix for risk management program in routine activities Abstract Professional activities can cause injury to the worker and their occurrence varies according to the probability and severity. In face of the need of establishing a model that can help the risk manager to prioritize actions in routine work activities, this study, through the application of legal and regulatory context, social security laws, regulatory and research norms, proposes the application of a matrix risk assessment for factors and / or sources of occupational risk. The matrix includes analysis of probability (unlikely, probable and highly probable), severity (without injury, minor injury, serious injury or occupational and fatal illness or permanent disability) and the number of workers and results in four types of graduation: Critical Risk, High, Moderate and Low. Critical Risk Activities, takes priority in actions to eliminate risk, followed by high, moderate and low risk. Critical Risk activities, beyond the routine of work, should include a risk analysis, when this is not required by any regulations. Critical and high-risk activities should be part of periodic inspections. Keywords: Evaluation. Matrix. Danger. Risk.

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Propuesta de una matriz de riesgos para el programa de gestión de riesgos en actividades rutinarias Resumen Las actividades profesionales pueden ocasionar lesiones al trabajador y su ocurrencia varía según la probabilidad y gravedad. Ante la necesidad de establecer un modelo que pueda ayudar al gestor de riesgos a priorizar acciones en las actividades laborales rutinarias, este estudio, mediante la aplicación del contexto legal y regulatorio, leyes de seguridad social, normas regulatorias y de investigación, propone la aplicación de una matriz de riesgos para la evaluación de factores y / o fuentes de riesgo laboral. La matriz incluye análisis de probabilidad (improbable, probable y altamente probable), gravedad (sin lesión, lesión menor, lesión grave o enfermedad ocupacional y fatal o discapacidad permanente) y el número de trabajadores y da como resultado cuatro tipos de graduación: Riesgo crítico, Alto, Moderado y Bajo. Actividades de riesgo crítico tienen prioridad en las acciones para eliminar el riesgo, seguido por el riesgo alto, moderado y bajo. Las actividades de riesgo crítico deben ir más allá de la rutina de trabajo, deben incluir un análisis de riesgo, cuando esto no sea requerido por ninguna normativa. Las actividades de riesgo crítico y alto deben formar parte de las inspecciones periódicas. Palabras clave: Evaluación. Matriz. Peligro. Riesgo.

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Proposta de uma matriz de risco para programa de gerenciamento de risco em atividades rotineiras Wanderson Lyrio Bermudes

1 Introdução Toda atividade profissional tem potencial de perigo a seu executante e consequentemente é capaz de causar alguma lesão ou agravo a sua saúde, que podem variar conforme sua gravidade. O custo dos acidentes de trabalho pode impactar até 4% do Produto Interno Bruto (PIB) de alguns países e esses eventos poderiam ser impedidos se as organizações implementassem métodos eficientes de gerenciamento dos trabalhos, de forma a influenciar positivamente a prática laboral e a adoção de técnicas de análise de riscos para resolver os problemas relacionados à segurança do trabalho (ABNT, 2012; BERMUDES, 2018; FLORIANI NETO; RIBEIRO, 2016; OMS, 2004; PORTO, 2000; VINODKUMAR; BHASI, 2010). Apesar de uma variedade de técnicas de análise de risco disponíveis na literatura, como Análise de modo e efeito de falha - FEMA, Hazard and operability studies – Hazop, Análise de árvore de decisões, entre outras, há uma ausência da aplicação de matrizes de julgamento de risco, pois não possuem uma aproximação com a realidade da legislação brasileira em matéria de Segurança e Saúde no Trabalho – SST (ABNT, 2012; BERMUDES, 2018). Essa ausência é justificada pela inexistência do uso de termos relacionados com a legislação trabalhista ou previdenciária brasileira, como tempo de exposição e nível de risco, o que dificulta a priorização e o planejamento de medidas de proteção e execução do trabalho que possam reduzir os acidentes de trabalho (BORDAS et al., 2001; GADOW, 2000; ITANI; VILELA JUNIOR, 2007; TRUCCO; CAVALLIN, 2006). Diante dessa necessidade, este trabalho desenvolveu uma matriz, que possa, por meio de seus princípios, avaliar o nível de riscos ocupacionais dos perigos que se originam nas atividades rotineiras de trabalho, de forma a contribuir para o planejamento e implantação de um sistema de controle, aliado a mecanismos de mensuração, que vise à saúde e à segurança dos trabalhadores e, consequentemente, que resulte na melhor gestão proativa e eficiente por parte do empregador.

2 Metodologia A construção de uma matriz de risco, para atividades rotineiras de trabalho, busca incluir contexto e nomenclatura de normas técnicas ou legislação e pesquisas que abordam essa temática. Para o estabelecimento dos fatores a serem considerados na avaliação do nível de risco da atividade foi aplicado o descrito na Norma Regulamentadora – NR 01 da Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia do Brasil, que cita a probabilidade de ocorrer o perigo, o potencial da gravidade e o número de trabalhadores inseridos na atividade (BRASIL, 2020). Nesse contexto a NR – 01 descreve os conceitos de perigo e risco, que serão objetos para estabelecer a matriz e o nível de risco (Quadro 1). Quadro 1. Definição de perigo e risco CONCEITO DEFINIÇÃO O perigo ou fator/fonte de risco Fonte com o potencial de causar lesões ou agravos à saúde. ocupacional Elemento que isoladamente ou em combinação com outros tem o potencial intrínseco de dar origem a lesões ou agravos à saúde.” Risco

Combinação da probabilidade de ocorrer lesão ou agravo à saúde causados por um evento perigoso, exposição a agente nocivo ou exigência da atividade de trabalho e da severidade dessa lesão ou agravo à saúde.

Fonte: BRASIL (2020)

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Para a interpretação dos quesitos de probabilidade e gravidade do perigo observados, foram adotas as legislações, pesquisas científicas e normas técnicas e regulamentadoras para aproximar essa avaliação com os abordados na parte prática de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho – SST, podemos citar a NR-01, NR-09, Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (BRASIL, 1991; BRASIL, 2019). A avaliação da probabilidade utilizará os nomes e interpretações descritos por Manuele (2008) nos perigos qualitativos, e para os quantitativos a interpretação será com a análise da NR – 09 - Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA (BRASIL, 2019). A probabilidade, sugerida de forma qualitativa neste estudo, terá três alternativas: Improvável, quando não há registros do evento ou os controles estabelecidos eliminam essa possibilidade; Provável, podendo ocorrer em algum momento, mesmo com controles aplicados; e Altamente provável, quando um evento ocorre de forma repetida mesmo com os controles estabelecidos. A nomenclatura do parâmetro probabilidade foi adaptada de Manuele (2008). Na análise de probabilidade em que exista resultado de avaliação quantitativa, conforme preconiza a NR-09, a probabilidade de ocorrência do evento, que nesse caso pode ser doença ocupacional, deve ser estabelecida com a análise do uso do Equipamento de Proteção Individual (EPI) e sugerido da seguinte forma: Improvável, quando o resultado da avaliação quantitativa é inferior ao nível de ação estabelecido na NR – 09 ou na ausências destes os adotados pela American Conference of Governmental Industrial Hygienists - ACGIH ou a utilização da proteção individual capaz de reduzir a intensidade do risco para valores inferiores ao nível de ação, conforme Certificado de Aprovação (CA) emitidos por órgão nacional competente em matéria de segurança e saúde no trabalho; Provável, quando o resultado de avaliação quantitativa for inferior ao limite de tolerância, porém superior ao nível de ação, ou a utilização da proteção individual reduz a intensidade do risco para valores inferiores ao limite de tolerância e superior ao nível de ação; e Altamente provável, quando mesmo com a proteção individual o fator de risco não atinge valores inferiores ao limite de tolerância (BERMUDES, 2018; BRASIL, 2019). Na avaliação da gravidade foi adotado o descrito na Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (BRASIL, 1991), que no seu texto descreve os tipos de afastamento do trabalho que podem ocorrer devido a lesão sofrida. Nesse contexto foram adotadas quatro nomenclaturas similares ao descrito na legislação, oriundas do conceito de acidente sem lesão e com lesão, analisado com a aplicação dos controles: Sem lesão, quando não é capaz de lesionar o trabalhador; Lesão leve, quando a lesão sofrida pelo trabalhador não impede de retomar suas atividades no mesmo dia ou até quinze dias da ocorrência; Lesão grave, sendo aquela lesão que pode causar incapacidade superior a quinze dias e as doenças ocupacionais; e Fatal ou incapacidade permanente, como aquela lesão que pode ocasionar a incapacidade permanente para o trabalho, ou que o acidentado pode vir a óbito (BERMUDES, 2018; BRASIL, 1991). A avaliação do nível de risco ocupacional inclui também o quantitativo de trabalhadores na atividade, pois quanto mais pessoas expostas maior o impacto do acidente conforme cita a NR-01. Nesse quesito foram divididos, conforme o número de trabalhadores: 1 ou 2; 3 a 5; 5 a 10 e superior a 10. Para estabelecer a relação dos três parâmetros, foram atribuídos valores para cada fator analisado. A probabilidade para determinada ocorrência perigosa variou de 1 a 3, da gravidade de 1 a 4 e de número de trabalhadores expostos de 0 a 5. Ao atribuir os valores numéricos, indicados para cada aspecto, foi aplicada a multiplicação entre os elementos de probabilidade e gravidade e então adicionado o valor correspondente ao número de trabalhadores expostos (Equação 1), obtendo-se uma gradação do nível de risco descrita na Tabela 1.

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Nível de risco = PxG+ N

(1)

em que: P = Probabilidade; G = Gravidade e N = Número de trabalhadores envolvidos na atividade.

3 Resultado e discussão O objetivo do estudo em estabelecer uma matriz de risco para as atividades, vinculando os parâmetros de probabilidade, gravidade e número de trabalhadores conforme NR01, por meio da multiplicação dos fatores, ocasionou 18 possibilidades de classificação do nível de risco que variam de 1 a 18 (Tabela 1).

Tabela 1. Matriz de risco proposta com resultado numérico do PARCF MATRIZ DE RISCO OCUPACIONAL - MRO Quantidade de trabalhadores

Probabilidade do fator de risco Gravidade

1 ou 2 (0) 3 a 5 (1) 5 a 10 (2) Superior a 10 (3) 1 ou 2 (1) 3 a 5 (2) 5 a 10 (3) Superior a 10 (4) 1 ou 2 (1) 3 a 5 (2) 5 a 10 (3) Superior a 10 (4) 1 ou 2 (2) 3 a 5 (3) 5 a 10 (4) Superior a 10 (5)

Sem lesão (1)

Lesão leve (2)

Lesão grave ou doença ocupacional (3)

Fatal ou incapacidade permanente (4)

Improvável (1)

Provável (2)

Altamente Provável (3)

1 2 3 4 3 4 5 6 5 6 7 8 7 8 9 10

2 3 4 5 5 6 7 8 8 9 10 11 11 12 13 14

3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18

Fonte: Bermudes (2017)

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Para a classificação de nível de risco foi adotado o seguinte julgamento: 1 a 3 Risco Baixo – RB; 4 a 6 Risco Moderado – RM; 7 e 9 Risco Alto – RA; e de 10 a 18 Risco Crítico – RC, tendo em consideração as atividades de maior risco e com maior probabilidade de ocorrência as de RA e RC e as com menor possibilidade e menor consequência as de RB e RM respectivamente. Com o julgamento do nível de risco apresentado anteriormente, foi criado o Quadro 2, onde está indicada a categoria do nível de risco na matriz. Quadro 2. Matriz de risco ocupacional como resultado do nível de risco MATRIZ DE RISCO OCUPACIONAL - MRO Quantidade de Probabilidade do fator de risco trabalhadores Gravidade Improvável (1) Provável (2) Altamente Provável (3) 1 ou 2 (0) 3 a 5 (2) 5 a 10 (3) Superior a 10 (4) 1 ou 2 (1) 3 a 5 (2) 5 a 10 (3) Superior a 10 (4) 1 ou 2 (1) 3 a 5 (2) 5 a 10 (3) Superior a 10 (4) 1 ou 2 (2) 3 a 5 (3) 5 a 10 (4) Superior a 10 (5)

Sem lesão (1)

Lesão leve (2)

Lesão grave ou doença ocupacional (3)

Fatal ou incapacidade permanente (4)

RB RB RB RM RB RM RM RM RM RM RA RA RA RA RA RC

RB RB RM RM RM RM RA RA RA RA RC RC RC RC RC RC

RB RM RM RM RA RA RA RC RC RC RC RC RC RC RC RC

Fonte: Bermudes (2017) Legenda: Risco Baixo – RB; Risco Moderado – RM; Risco Alto – RA; Risco Crítico – RC

As classificações de nível de risco denominadas como baixa, média, alta e crítica busca estabelecer prioridades de ações após o levantamento dos perigos em cada atividade (BRASIL, 2020). Para auxiliar a identificação de níveis de risco mais elevados, esta pesquisa atribui cores a matriz estabelecida, do seguinte modo: azul - nível de risco baixo; verde – nível de risco médio; amarelo – nível de risco alto e vermelho para nível de risco crítico (Quadro 3).

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Quadro 3. Matriz de risco proposta com resultado separado por cores MATRIZ DE RISCO OCUPACIONAL - MRO Quantidade de Probabilidade do fator de risco trabalhadores Gravidade Improvável (1) Provável (2) Altamente Provável (3) 1 ou 2 (0) 3 a 5 (1) 5 a 10 (2) Superior a 10 (3) 1 ou 2 (1) 3 a 5 (2) 5 a 10 (3) Superior a 10 (4) 1 ou 2 (1) 3 a 5 (2) 5 a 10 (3) Superior a 10 (4) 1 ou 2 (2) 3 a 5 (3) 5 a 10 (4) Superior a 10 (5)

Sem lesão (1)

Lesão leve (2)

Lesão grave ou doença ocupacional (3)

Fatal ou incapacidade permanente (4)

Fonte: Bermudes (2017)

A classificação com cores adotadas auxilia o avaliador ou a equipe a identificar principalmente as atividades crítica e assim melhor apresentar para o empregador e para os trabalhadores em treinamento. Essa mesma classificação é muito adotada em atendimento hospitalar para triagem de paciente em hospitais (OLIVEIRA et al., 2016). Diante das possibilidades de categorias de nível risco, conforme julgamento proposto, exemplificado no Quadro 4, a Matriz de Risco Ocupacional (MRC) indica aos avaliadores as prioridades de ações que devem ser adotadas conforme o nível. Os níveis da MRC devem ser priorizados na aplicação de recursos e ações de controle, seguindo nessa ordem RC, RA, RM e RB. Quadro 4. Práticas de organização sobre as ações e documentos do PARCF CATEGORIA DO RISCO DESCRIÇÃO Baixo Atividades com possibilidade de baixo impacto.

Alto

Atividade com possibilidade de moderado impacto. Atividade com possibilidade de alto impacto.

Crítico

Atividade com possibilidade de risco crítico.

Moderado

Fonte: Bermudes (2017)

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Proposta de uma matriz de risco para programa de gerenciamento de risco em atividades rotineiras Wanderson Lyrio Bermudes

As atividades classificadas como categoria baixo, indicam reduzido impacto à saúde do trabalhador e organização, os controles devem ser mantidos, mas não há necessidade maiores estudos nas melhorias das condições de trabalho, porém recomenda-se uma nova avaliação a cada 2 anos. A classificação de moderado indica a possibilidade de impactos leves e necessitam de reavaliação também a cada dois anos com o intuito de propor novos avanços na prevenção de perigos nessas atividades. A classificação alta indica a possibilidade de impactos elevados, necessita de avaliação anual e deve incluir nas rotinas de inspeção de segurança pela empresa em períodos predeterminado. O nível de risco crítico é a pior classificação de atividade pela possibilidade de graves acidentes, exige reavaliação anual, inclusão da atividade na rotina de inspeção e a obrigatoriedade de realizar análise de risco prévia, mesmo sem a exigência de normas regulamentadores. A necessidade de criar uma categoria de gestão para destacar o nível de risco da atividade aos executantes, é relevante pois apresenta ao gestor da atividade a exigência ou não de maior aplicação de recursos, ampliação dos estudos de engenharia, organização do trabalho, treinamentos e até mesmo proteção individual (BRASIL, 2019).

4 Conclusão O imperativo de estabelecer um método de avaliação de risco para atividades rotineiras conforme NR 01, também auxilia esclarecer aos envolvidos, principalmente os com cargo de gestão, a necessidade de um parâmetro para a tomada de decisão. Nesse contexto o estudo apresentou uma matriz de avaliação de risco, incluindo os fatores de probabilidade e gravidade da ocorrência do evento perigo e o número de trabalhadores envolvidos na atividade. O resultado apresentou a matriz com 48 possibilidades de classificação do nível de risco com 16 de RC, 13 RM, 12 RA e 7 RB, obtido pelo avaliador conforme resultado da expressão da matemática proposta. Os RC possuem prioridade em aplicação de recursos financeiros para eliminação do risco, ações de engenharias para a redução do nível do risco, mudança da organização de trabalho e o fornecimento de proteção individual, seguido pelo RA, RM e RB respectivamente. Exige-se nos riscos críticos, além do cumprimento dos procedimentos estabelecidos para a atividade, a elaboração de análise de risco prévio, mesmo que as normativas regulamentares não obriguem, devido a elevada possibilidade de dano ao trabalhador e à empresa.

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Proposta de uma matriz de risco para programa de gerenciamento de risco em atividades rotineiras Wanderson Lyrio Bermudes

COMO CITAR (ABNT): BERMUDES, W. L. Proposta de uma matriz de risco para programa de gerenciamento de risco em atividades rotineiras. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 580-589, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p580-589. Disponível em: http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/15825. COMO CITAR (APA): Bermudes, W. L. (2021). Proposta de uma matriz de risco para programa de gerenciamento de risco em atividades rotineiras. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 580-589. https://doi.org/10.19180/18092667.v23n22021p580-589

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Submetido em: 17 maio 2019 Aceito em: 25 jun. 2020

DOI: 10.19180/1809-2667.v23n22021p590-607

Estudo de caso da eficiência do filtro de carvão ativado granular para remoção de ácidos haloacéticos em amostras sintéticas* Elton Santos Franco http://orcid.org/0000-0001-5296-4790 Doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor/Pesquisador no Instituto de Ciência, Engenharia e Tecnologia (ICET) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) Campus do Mucuri – Teófilo Otoni/MG – Brasil. E-mail: elton.santos@ufvjm.edu.br. Júlia Araújo Camargo https://orcid.org/0000-0003-4602-1010 Bacharela em Ciência e Tecnologia; Bacharelanda em Engenharia Civil pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) Campus do Mucuri – Teófilo Otoni/ MG – Brasil. E-mail: camarggo.julia@gmail.com. Nathalia Pereira Hirle https://orcid.org/0000-0003-0039-6298 Bacharelanda em Ciência e Tecnologia pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) Campus do Mucuri – Teófilo Otoni/ MG – Brasil. E-mail: nathaliahirle@hotmail.com. Izabel Cristina Marques https://orcid.org/0000-0001-5322-1307 Mestre em Ciência Florestal pela Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM). Professora/ Pesquisadora no Instituto de Ciência, Engenharia e Tecnologia (ICET) da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) Campus do Mucuri – Teófilo Otoni/MG – Brasil. E-mail: izabel.marques@ufvjm.edu.br.

Resumo Este trabalho teve como objetivo avaliar a eficiência do carvão ativado para remoção de ácidos haloacéticos em águas sintéticas a fim de simular sua formação nas redes de abastecimento. A partir de um método validado por extração líquido-líquido associado à cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massas (ELL-CG-EM), foram preparadas soluções sintéticas nas concentrações 58 e 116 μg.L-1, sendo a primeira abaixo e a segunda acima do valor máximo permitido (80 μg.L-1) pela Portaria da Consolidação n.º 5 de 28 de setembro de 2017 do Ministério da Saúde. As análises foram feitas em escala laboratorial e a partir dos resultados obtidos pode-se comprovar que a filtração com carvão ativado granular é eficiente na remoção dos ácidos haloacéticos, visto que houve remoção de no mínimo 77% dos subprodutos. Palavras-chave: Carvão ativado. Ácidos haloacéticos. Remoção de subprodutos.

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O conteúdo deste artigo é fruto da Tese de Doutorado intitulada “Avaliação da formação de trialometanos e ácidos haloacéticos decorrentes da cloração de águas de abastecimento contendo cianobactérias”, defendida no Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito à obtenção do título de Doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos, em março de 2018.

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Case study of the granular activated coal filter efficiency for removal of haloacetic acids in synthetic samples Abstract This study aimed to evaluate the efficiency of activated carbon for removing haloacetic acids in synthetic water in order to simulate its formation in supply system. From a validated method by liquid-liquid extraction associated with gas chromatography coupled with mass spectrometry (LLE-GC-MS), synthetic solutions were prepared in concentrations 58 and 116 μg.L-1, being the first below and the second above the maximum allowed value (80 μg.L-1) by Consolidation Ordinance n° 5 of September 28th, 2017 of de Ministry of Health. The analyzes were made on a laboratory scale and from the results obtained it can be proved that the filtration with granular activated carbon is efficient to remove haloacetic acids, since at least 77% of the by-products were removed. Keywords: Carbon activated. Haloacetic acids. Removal of chlorination by-products.

Estudio de caso de la eficiencia del filtro de carbón activado granular para la eliminación de ácidos haloacéticos en muestras sintéticas Resumen Este estudio tenía como objetivo evaluar la eficiencia del carbón activado para eliminar los ácidos haloacéticos en el agua sintética con el fin de simular su formación en el sistema de suministro. A partir de un método validado por extracción líquidolíquido asociada a la cromatografía de gases junto con espectrometría de masas (LLE-GC-MS), se prepararon soluciones sintéticas en las concentraciones 58 y 116, la primera es inferior y la segunda por encima del valor máximo permitido (80) por la Ordenanza de Consolidación No 5 del 28 de septiembre de 2017 del Ministerio de Salud. Los análisis se realizaron a escala de laboratorio y a partir de los resultados obtenidos se puede demostrar que la filtración con carbón activado granular es eficiente para eliminar los ácidos haloacéticos, ya que al menos el 77% de los subproductos fueron eliminados. Palabras clave: Carbón activado. Ácidos haloacéticos. Eliminación de subproductos de cloración.

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Estudo de caso da eficiência do filtro de carvão ativado granular para remoção de ácidos haloacéticos em amostras sintéticas Elton Santos Franco, Júlia Araújo Camargo, Nathalia Pereira Hirle, Izabel Cristina Marques

1 Introdução No Brasil, as águas destinadas ao consumo humano devem obedecer aos padrões de potabilidade especificados pela Portaria da Consolidação n.º 5, de 28 de setembro de 2017, do Ministério da Saúde (MS), a qual estabelece procedimentos de controle e vigilância de qualidade da água para consumo humano. Um dos procedimentos utilizados nas estações de tratamento de água (ETA) visando atender tal portaria é a desinfecção, que consiste em eliminar o risco de transmissão de doenças e inativar microrganismos patogênicos, além de controlar o odor e sabor da água, e pode ser realizada por agentes físicos ou químicos (PROSAB, 2001). De acordo com Leão (2008), o oxidante a ser utilizado nessa etapa do tratamento de água é escolhido em função de fatores como a quantidade necessária de reagente, facilidade de operação, segurança e custo. Assim, o principal agente oxidante utilizado nas ETA é o cloro, devido ao seu baixo custo, praticidade de aplicação, residual persistente e efetividade na inativação de microrganismos patogênicos quando comparados aos demais oxidantes (LIBÂNIO, 2010). Embora o cloro promova inúmeros benefícios no controle de patógenos, estudos demonstram que seu uso pode contribuir para a formação de subprodutos orgânicos halogenados (SOH) indesejados, como os trihalometanos (TAM) e ácidos haloacéticos (AHA), quando há matéria orgânica natural (MON) na água. A MON pode ser formada pela matéria orgânica algogênica (MOA), composta por algas e cianobactérias, e pela decomposição da vegetação terrestre e aquática. Além dos supracitados, há relatos na literatura de outros subprodutos provenientes da cloração que também são potencialmente prejudiciais à saúde humana, como os haloaldeídos (HAD), halocetonas (HK), halofenóis (HF), halopicrinas (HP) e tricloronitrometano (TCNM) (CARDADOR; SALGUERO; GALLEGO, 2015; FLORENTIN; HAUTEMANIÈRE; HARTEMANN, 2011; KIM; YU, 2005; LEGAY et al., 2010; LIMA, 2014). Segundo USEPA (2012) há poucos estudos a longo prazo relacionando os AHA ao câncer, todavia foram suficientes para comprovar a suscetibilidade do ácido dicloroacético (ADCA) e ácido tricloroacético (ATCA) na ocorrência de tumores malignos em cobaias. De acordo com Health Canada (2008), os efeitos à saúde ocasionados pela ingestão ou exposição de AHA varia de acordo com o composto. O ácido monocloroacético (AMCA) e ácido monobromoacético (AMBA), por exemplo, são improváveis de ocasionar câncer em humanos devido à falta de evidências relacionadas a carcinogenicidade. O ADCA e ATCA são considerados como possíveis carcinogênicos, devido a estudos realizados com camundongos que comprovaram a presença de tumor no fígado dos animais após os mesmos serem expostos a tais compostos. Ainda, há estudos que mostram a presença de tumores em diversos órgãos em ratos e camundongos após a exposição dos mesmos ao ácido dibromoacético (ADBA). A metodologia mais usual para detecção e quantificação de SOH em amostras aquosas é a cromatografia gasosa (CG), a qual é reconhecida e recomendada por vários organismos relacionados com o tratamento de água, como o Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater e a USEPA. A metodologia normalmente é usada acoplada a detectores, como o espectrômetro de massas (EM), detector de ionização por chamas (DIC) e detector de captura eletrônica (DCE). Para a análise de SOH não voláteis como os AHA, devido a suas características ácidas e hidrofílicas, é necessária uma etapa de derivatização antes de realizar as análises através do equipamento. Ainda, para essa metodologia é necessária uma etapa de extração dos compostos, sendo os métodos de extração mais comuns aplicados na preparação de amostras de água com SOH: Purge&Trap, Headspace, microextração em fase sólida, extração em fase sólida e extração líquido-líquido (ELL) (LEITE, 2009; PAVON et al., 2008; USEPA, 1995a, 1995b). 592 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 590-607, maio/ago. 2021


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Os AHA, regulamentados no Brasil pela primeira vez pela Portaria 2.914/2011, são compostos derivados do ácido acético, em que os hidrogênios do grupo metilo podem ser substituídos por cloro e/ou bromo e iodo, acarretando na formação de espécies diferentes de AHA: ácido monocloroacético (AMCA), ácido monobromoacético (AMBA), ácido dicloroacético (ADCA), ácido dibromoacético (ADBA), ácido tricloroacético (ATCA), ácido tribromoacético (ATBA), ácido bromocloroacético (ABCA), ácido dibromocloroacético (ADBCA), ácido bromodicloroacético (ABDCA), ácido cloroiodoacético (ACIA), ácido bromoiodoacético (ABIA) e ácido diiodoacético (ADIA) (CARDADOR; SALGUERO; GALLEGO, 2015). Eles passaram a ser regulamentados pela Portaria da Consolidação (2017) a qual estabelece que o valor máximo permitido para os ácidos haloacéticos totais na água destinada ao abastecimento público é 80 μg.L-1, sendo esse valor obtido pelo somatório do AMCA, AMBA, ADCA, ATCA, ABCA, ADBA, ABDCA e 2,2 - dicloropropiônico (DALAPON). Estudos relacionados aos possíveis riscos à saúde dos seres humanos ocasionou a modificação da legislação de potabilidade de vários países, sendo incluídos alguns dos compostos como obrigatórios no processo de monitoramento nas ETA, visto que os AHA formam um grupo de substâncias de interesse para os gerenciadores das estações de tratamento de água, vigilância da qualidade da água e comunidade científica. A USEPA, por exemplo, estabelece um valor máximo permitido de 60 μg.L-1, enquanto o Canadá permite um máximo de 80 μg.L-1 (HEALTH CANADA, 2019; USEPA, 1998). Segundo Leão (2008), o controle de subprodutos pode ser feito a partir da remoção de seus precursores ou de sua remoção após os mesmos serem formados. A diminuição da concentração dos precursores pode ser feita através de técnicas como a clarificação, ultrafiltração, controle de precursores no manancial, resinas trocadoras de íons e uso de oxidantes alternativos como ozônio, dióxido de cloro, permanganato de potássio, entre outros. A remoção dos SOH após a formação pode ser feita por aeração, filtro de carvão ativado, biofiltração, osmose reversa ou sistemas de destilação (HEALTH CANADA, 2008; LEÃO, 2008). Alguns autores recomendam que a solução do problema seja feita a partir da aplicação de técnicas para a remoção após a formação, mesmo que inevitavelmente formados em situações específicas, como adsorção em carvão ativado (pó ou granular), aeração, agitação, membranas, entre outras (ABE et al., 2014; CRINI, 2006; CUNHA, 2010; KRASNER, 2009; UYAK et al., 2008). Dentre as técnicas de remoção supracitadas, o carvão ativado tem sido cada vez mais utilizado no tratamento de água, pois elimina cor, odor e gostos indesejáveis, e remove substâncias orgânicas e inorgânicas dissolvidas, além de ser uma alternativa eficiente a baixo custo, podendo ser implantadas em domicílios e, assim, assegurar a remoção de tais substâncias após sua formação nas redes de abastecimento (GOLIN, 2007). A eficiência do carvão ativado não está relacionada somente com sua área superficial, mas também com o volume de distribuição dos poros, o diâmetro dos poros e as propriedades químicas do mesmo (OLIVEIRA, 2014). Meyer (1994) aborda que o uso do carvão granular ativado é uma forma eficaz para a remoção da concentração de subprodutos, porém a necessidade de regenerar o meio filtrante com frequência para garantir a eficiência é uma desvantagem. As informações fornecidas pelos fabricantes são de que o filtro deve ser substituído considerando o tempo de uso (6 meses), ou volume máximo que pode ser filtrado (3000 L), a partir do primeiro dia de uso, sugestão dada para o monitoramento dentro de domicílios. De acordo com o estudo de Kuroda (2006), os resultados obtidos mostraram que o uso do carvão ativado granular como pós-tratamento foi bastante eficiente para assegurar a qualidade final das amostras analisadas, principalmente com relação à remoção de células de Microcystis ssp, que são precursoras para a formação de subprodutos como os AHA. 593 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 590-607, maio/ago. 2021


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Ainda, é importante ressaltar que outra alternativa para o controle de SOH em águas de abastecimento é o uso de oxidantes alternativos ao usual cloro e derivados, como por exemplo, ozônio, permanganato de potássio, peróxido de hidrogênio e ultravioleta (UV). De acordo com Silva et al. (2011), o ozônio é uma ótima alternativa na substituição do cloro nas estações de tratamento, pois apresenta conformidade a todas as exigências da legislação; porém ele pode promover a formação de outros subprodutos diferentes dos AHA. Sanches et al. (2003) relatam que o ozônio já está sendo utilizado em outros países, como França, Alemanha e Estados Unidos, entretanto, para o Brasil, há falta de investimentos na área, uma vez que a implantação do oxidante é onerosa, sendo de 10 a 15 vezes maior que do cloro. Chu et al. (2014) opta pelo uso do UV como pré-oxidante, porém ele só possui resultados positivos quando aliado ao peróxido de hidrogênio na remoção de algumas espécies de AHA, e como não há muitos estudos sobre a utilização dessa técnica, é imprescindível o desenvolvimento de pesquisas para avaliar a técnica. Após pesquisar o preço das velas do carvão ativado em sites de buscas, foi observado o preço médio de R$10,00. A instalação da vela nos filtros caseiros, com a troca em determinada faixa de tempo (8 a 12 meses de uso), pode ser uma alternativa para a remoção dos AHA formados após a cloração. Por fim, torna-se primordial avaliar a eficiência de técnicas de baixo custo, como o carvão ativado, para a remoção dos AHA.

2 Metodologia 2.1 Reagentes e materiais De acordo com a Portaria da Consolidação (2017), o valor correspondente ao somatório do AMCA, ADCA, ATCA, AMBA, ABCA, ADBA, ABDCA e DALAPON não deve ultrapassar 80 μg.L-1 na água destinada ao abastecimento público. Como não foi possível a aquisição de um padrão em que apenas os compostos da portaria supracitada estivessem contidos, procedeu-se a aquisição de um padrão com nove espécies de AHA em que os compostos monitorados pela portaria estivessem presentes. Foram adquiridos padrões certificados de pureza cromatográfica de AHA (AMCA, AMBA, ADCA, ADBA, ATCA, ATBA, ABCA, ADBCA e ABDCA) (4-7787, TraceCERT®) e do padrão interno 1,2,3 tricloropropano (47669-U, TraceCERT®), ambos diluídos em éter metil terc-butílico (MTBE, methyl tert-butyl ether) da marca Sigma. Para a extração líquido-líquido (ELL), foram utilizados metanol (646377), MTBE (34875), também da Sigma, H2SO4 destilado (obtido através do destilador sub-ferroso de quartzo Kurner - Analysentechnik, Rosenheim, Alemanha, para aumento de pureza), Na2SO4 e Cu2O4 (agentes secantes da fase orgânica) e NaHCO3.

2.2 Preparo e extração/derivatização para a curva de calibração Os parâmetros utilizados para a validação do método são apresentados por Franco et al. (2019). A curva analítica é a capacidade do método de apresentar resultados diretamente proporcionais à concentração da substância analisada. A correlação entre o sinal medido e a concentração do composto pode ser expressa por uma equação da reta. De acordo com os autores, essa correlação foi maior que 0,99, respeitando as recomendações de ANVISA (2017) e INMETRO (2016). Ainda, é importante ressaltar que os erros residuais foram distribuídos aleatoriamente em torno de zero, com valores residuais padronizados inferiores a 2. 594 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 590-607, maio/ago. 2021


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Para a determinação cromatográfica, o método utilizado foi determinado com base nas recomendações da USEPA 552.2 (USEPA, 1995b) e 552.3 (USEPA, 2003). A etapa de derivatização, efetuada por uma metilação ácida, foi necessária para transformar os ácidos carboxílicos em ésteres. Como as concentrações originais dos padrões são elevadas, foi necessário fazer a diluição dos mesmos. As diluições do padrão combinado de AHA (200-2000 μg.mL-1) (4-7787, TraceCERT®) foram feitas em MTBE, com as seguintes concentrações: ATCA e ADBA: 200 μg.mL-1; AMBA, ABCA e ABDCA: 400 μg.mL-1; AMCA e ADCA: 600 μg.mL-1; ADBCA: 1000 μg.mL-1; ATBA: 2000 μg.mL-1, assim como do padrão interno 1,2,3 - tricloropropano (1000 μg.mL-1). Em balões volumétricos alongados de 50 mL, foram adicionadas alíquotas de água isenta de compostos orgânicos voláteis em concentrações distintas, que variaram de 200 a 2000 μg.L-1, sendo a primeira correspondente às menores concentrações (ATCA e ADBA) e a segunda para a maior concentração (ATBA). Foram realizadas a ELL e a derivatização, para escolher a melhor sensibilidade e identificar os tempos de retenção livre de interferências dos compostos. Foi gerado o cromatograma modo TIC (total ion current, respostas correspondentes a todas substâncias eluídas), com as respostas da sensibilidade (intensidade) de nove espécies-alvo de AHA e do 1,2,3 - tricloropropano, além de cada modo SIR (selected ion recording), construído a partir do TIC, mas apenas usando fragmentos dos compostos de interesse) separadamente. As respostas obtidas para algumas espécies apresentaram interferências nessas primeiras corridas cromatográficas, também relatadas por Xie (2001), e para minimizá-las procedeu-se à destilação do H2SO4. Através de ensaios de sensibilidade, conforme estudo de Franco et al. (2019), foram definidos seis (p=6, para a curva de calibração) pontos em concentrações variadas para cada espécie de AHA em triplicata (n=3) para o processo de extração e derivatização, e posteriormente, elaboração da curva de calibração:

AMCA: 6, 12, 18, 24, 30, 45 μg.L-1

AMBA: 4, 8, 12, 16, 20, 30 μg.L-1;

ADCA: 6, 12, 18, 24, 30, 45 μg.L-1;

ATCA: 2, 4, 6, 8, 10, 15 μg.L-1;

ABCA: 4, 8, 12, 16, 20, 30 μg.L-1;

ADBA: 2, 6, 8, 15, 40, 60 μg.L-1;

ABDCA: 4, 12, 16, 20, 80, 120 μg.L-1;

ADBCA: 10, 30, 40, 50, 200, 300 μg.L-1;

ATBA: 20, 40, 60, 80, 100, 600 μg.L-1.

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Assim, para a extração em cada concentração e do branco (n=10, sem adição de concentrações de AHA), as alíquotas foram transferidas para balões volumétricos alongados de 50 mL e imediatamente foi adicionado o volume de 500 μL do padrão interno 1,2,3 - tricloropropano (através da diluição do padrão para 20 μg.mL-1). Em seguida, a amostra foi acidificada com 1 mL de H2SO4 destilado e acrescentaramse 2 g de CuSO4, 16 g de Na2SO4 e 3,5 mL de MTBE (resfriado) para posterior agitação por 3 minutos para ser resfriado em geladeira por 5 minutos (repouso para a separação das fases). Esse procedimento ocasiona uma reação exotérmica, então o resfriamento é muito importante para que não haja perdas dos compostos na amostra (Figura 1A). Em seguida, para a derivatização, transferiram-se 2 mL da fase orgânica para um frasco âmbar com tampa rosqueável, no qual foi adicionado 1 mL de solução ácida de metanol 10% (utilizando-se H2SO4 destilado). Após fechamento, o mesmo foi mantido sob aquecimento imerso em banho de água a 50 °C por 2 horas. Depois, o frasco foi resfriado e adicionaram-se 4 mL de solução saturada de NaHCO3 em incrementos de 1 mL e depois agitado por 3 minutos, seguido pelo mesmo tempo de repouso em freezer. O extrato obtido, conforme apresentado na Figura 1B, foi transferido para um frasco vial de 2 mL e armazenado em freezer (validade analítica de 14 dias); um volume de 3,5 μL foi injetado no CG-EM. Figura 1. (A) Extração dos AHA e (B) extrato obtido após a etapa de derivatização

Fonte: Os autores (2020)

2.3 Instrumentação e condições cromatográficas Para as análises utilizou-se o CG CLARUS 680 SQ 8PerkinElmer (USA), nas seguintes condições otimizadas: volume de extrato injetado: 3,5 μL; modo de injeção: splitless; temperatura do injetor: 280 °C; coluna capilar ZEBRON ZB - 5MS 30 m length x 0,25 mm diameter x 0,25 μm film; fase G27 – 5% fenil arileno e 95% dimetilpolisiloxano; programação do forno: 30 °C por 8 minutos, com taxa de aquecimento de 2 °C.min-1 até 35 °C, seguido de aquecimento de 5 °C.min-1 até 90 °C; acompanhado de aquecimento de 20 °C.min-1 até 200 °C; gás de arraste: hélio de grau de pureza 99,9995% (Air Products); fluxo do gás de arraste: 1,2 mL.min-1 (constante). O EM foi usado no modo de impacto de elétrons (EI+) e nas seguintes condições: tempo de corte do solvente: 2,7 minutos; velocidade de aquisição: 0,5 s.scan-1; modo de ionização: impacto eletrônico 70 eV; intervalo de leitura m.z-1: 50 a 260 u.m.a.; temperatura do trap: 210 °C; temperatura do Manifold: 70 °C; temperatura da linha de transferência: 280 °C. 596 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 590-607, maio/ago. 2021


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2.4 Remoção de AHA por adsorção por carvão ativado granular domiciliar Para essa etapa, foram preparadas amostras em concentrações de subprodutos que estivessem próximas ou acima do valor máximo permitido pela Portaria da Consolidação (2017). A capacidade de retenção dos AHA foi avaliada de acordo com os procedimentos detalhados a seguir.

2.5 Determinações da concentração de subprodutos antes dos ensaios Foram preparadas amostras de 200 mL contendo concentrações de AHA obtidas a partir dos padrões certificados de pureza cromatográfica e do padrão interno especificados na subseção 2.2. Na Tabela 1 estão apresentadas as concentrações de estudo de cada espécie de AHA.

Tabela 1. Concentrações das amostras nos ensaios de remoção de AHA por carvão ativado granular domiciliar e agitação Concentrações de estudo (μg.L-1) AHA A

B

AMCA

6

12

AMBA

4

8

ADCA

6

12

ATCA

2

4

ABCA

4

8

ADBA

2

4

ABDCA

4

8

ADBCA

10

20

ATBA

20

40

AHA9

58

116

Fonte: Os autores

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2.6 Determinações da concentração de subprodutos antes dos ensaios O carvão utilizado neste estudo é também utilizado em filtros em bebedouros e purificadores de água, e tem por finalidade reter as impurezas presentes na água, reduzir concentração de cloro, odores e sabores na água. O filtro de carvão ativado que foi utilizado é da marca Líder; apresenta vida útil de 6 meses ou 3000 L, a contar do primeiro dia de uso; e deve ser conservado em local limpo, seco e sem exposição à luz solar, conforme orientações do fabricante. As amostras foram submetidas a filtração em um filtro contendo uma vela de carvão ativado granular adquirido comercialmente (suspenso por uma garra de condensador, presa a um suporte) e coletadas em recipiente âmbar para análise, conforme mostrado na Figura 2. Foi conectada uma mangueira, junto à parte superior de um kitassato, para conexão de uma bomba a vácuo e, desta maneira, criar a pressão diferencial necessária para remover o filtrado. Figura 2. (A) Aparato para os ensaios de adsorção por filtro de carvão ativado granular e (B) vela de carvão ativado

Fonte: Os autores (2020)

3 Resultados e discussões 3.1 Otimização das condições cromatográficas, precisão e limites de detecção e quantificação Para identificação das espécies dos AHA, foram realizadas seis extrações para obter os parâmetros iniciais da rampa da corrida cromatográfica do método, e para isso utilizaram-se como referência os valores monitorados por Xie (2001). Depois de identificar a massa (m.z-1) de cada composto, procedeu-se à otimização da rampa, através dos modos TIC e SIR, para separação de cada destes e do padrão interno 1,2,3-tricloropropano. Na Figura 3 é apresentado o cromatograma obtido no modo TIC e SIR, inclusive do padrão interno supracitado, que foi obtido por injeção a partir de uma extração nas variadas concentrações de AHA (80-800 μg.L-1).

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Figura 3. Cromatograma nos modos TIC e SIR obtidos através da otimização da rampa dos AHA, inclusive do padrão interno 1,2,3-tricloropropano, conforme método validado por Franco et al. (2019)

Fonte: Os autores (2020)

Pode-se observar o primeiro composto a ser identificado foi o AMCA, com tempo de retenção de 6,93 minutos; o segundo foi o AMBA, com 10,47 minutos; o terceiro foi o ADCA, com 11,23 minutos; o quarto foi o ATCA, com 14,96 minutos; o quinto foi o ABCA, com 15,32 minutos; o sexto foi o padrão interno, com 15,63 minutos; o sétimo foi o ADBA, com 18,64 minutos; o oitavo foi o ABDCA, com 18,79 minutos; o nono foi ADBCA, com 22,04 minutos; e o último foi o ATBA, com 24,59 minutos. Essa sequência de compostos de AHA nas corridas cromatográficas pode ser explicada devido às características químicas distintas dos compostos. O AMCA foi detectado primeiro, pois apresenta menor massa molar, enquanto o ATBA foi o último a ser identificado por apresentar maior massa molar. Outras respostas que podem ser identificadas no modo TIC se devem a interações físicas com a composição da coluna, e não influencia na sensibilidade do método. A precisão do método, de acordo com Franco et al. (2019), foi determinada pela estimativa do desvio padrão em níveis de repetitividade e intermediária, e apresentou valores inferiores que 20%; portanto encontra-se dentro do limite aceitável. Conforme Franco et al. (2019), a partir do método utilizado e de parâmetros da curva analítica foi possível obter os limites de detecção e de quantificação. O limite de detecção (n=10) foi calculado pela relação de 3,3 vezes do desvio padrão do branco dividido pelo coeficiente angular da curva analítica, obtido por equações da reta. O limite de quantificação (n=10) foi determinado pela relação de 10 vezes o desvio padrão do branco dividido pelo coeficiente angular da curva analítica. Assim, os autores mostraram que o método é capaz de detectar e quantificar baixas concentrações em todas as espécies. Na Tabela 2 são apresentados os limites de detecção e quantificação obtidos para cada espécie de AHA. 599 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 590-607, maio/ago. 2021


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Tabela 2. Limites de detecção e quantificação obtidos através da curva analítica, conforme Franco et al. (2019) LIMITE DE DETECÇÃO (μg.L-1)

LIMITE DE QUANTIFICAÇÃO (μg.L-1)

AMCA

0,52

1,57

AMBA

0,08

0,25

ADCA

0,02

0,06

ATCA

0,04

0,14

ABCA

0,01

0,01

ADBA

0,13

0,43

ABDCA

0,11

0,33

ADBCA

0,86

1,98

ATBA

2,64

3,90

Fonte: Adaptado de Franco et al. (2019)

3.2 Remoção de AHA com filtro de carvão ativado domiciliar Na Tabela 3 são apresentados os valores de concentrações obtidos de AHA9 após o processo de remoção através da adsorção por carvão ativado granular, e nas Figuras 4 e 5 é apresentada a distribuição das concentrações restantes obtidas em cada amostra.

Tabela 3. Concentrações de AHA9 obtidas após o processo de remoção por carvão ativado granular Concentração AHA9 58 μg.L

-1

116 μg.L

-1

1

2

3

4

5

6

7

Desvio Padrão

9,51

9,28

9,5

9,56

9,47

7,41

7,57

0,97

Remoção média (%) 84,66

26,19

26,54

29,22

28,06

27,18

26,87

27,88

1,04

76,36

Amostra/concentração restante μg.L-1

Fonte: Os autores (2020)

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Figura 4. Distribuição das concentrações restantes nas amostras com concentração inicial de 58 μg.L-1

Fonte: Os autores (2020)

Figura 5. Distribuição das concentrações restantes nas amostras com concentração inicial de 116 μg.L-1

Fonte: Os autores (2020)

De acordo com os resultados apresentados na Tabela 2, a remoção de AHA9 através da adsorção por carvão ativado foi eficiente tanto para a concentração 58 μg.L-1, que é o valor abaixo do permitido pela atual portaria vigente (80 μg.L-1), quanto para 116 μg.L-1, que é acima do valor permitido. Para o ensaio com a menor concentração, houve uma remoção máxima de cerca de 87,5% de AHA9, enquanto que para a maior concentração, foi de 77,5%, aproximadamente. A partir da Figura 4, pode-se observar que para os ensaios com amostras contendo concentração inicial igual a 58 μg.L-1, o conjunto de dados apresentou pouca variabilidade e ausência outliers (dados discrepantes). Como a mediana está posicionada próxima ao terceiro quartil, pode-se afirmar que até 50% dos resultados obtidos foram menores que 9,47 μg.L-1, os quais apresentaram maior

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discrepância. Com relação a Figura 5, que apresenta os resultados das amostras contendo concentração inicial de 116 μg.L-1, há maior dispersão nos dados e, assim como na Figura , não há outliers. A partir da posição da mediana pode-se observar que a maior variabilidade de dados encontra-se acima de 27,18 μg.L-1. Segundo Cunha (2010), o tipo de carvão ativado a ser utilizado é escolhido de acordo com sua aplicação, pois alguns possuem área superficial maior, atingindo maiores eficiências na remoção de subprodutos. O autor ressalta ainda a importância de se escolher adequadamente o tipo de carvão, pelo fato de alguns poderem apresentar baixa eficiência quando utilizados para a remoção de subprodutos, fazendo-se necessários estudos complementares para verificar sua viabilidade a longo prazo no ponto de consumo. Mesmo neste estudo tendo sido utilizado o carvão ativado granular, que apresenta área superficial menor quando comparado ao carvão ativado em pó, os resultados obtidos foram satisfatórios pois as amostras que apresentavam concentração inicial de 116 μg.L-1, acima do limite estabelecido pela Portaria da Consolidação (2017), após a filtração apresentaram redução de até 77,5%, que equivale a concentração final de 26,19 μg.L-1. O sistema abordado por Kim e Kang (2008), também utilizando adsorção por carvão ativado granular em um sistema de tratamento de água, para remoção de AHA5 (AMCA, AMBA, ADCA, ADBA e ATCA), apresentou reduções significativas (maiores que 99%) nos primeiros três meses de operação do sistema. Porém, após 3 meses e meio de funcionamento foi observado um aumento na concentração desses subprodutos nos efluentes que eram filtrados com carvão ativado granular, mostrando que a capacidade de adsorção do carvão diminuiu com o tempo. Diante disso, o carvão ativado granular deste estudo, que é comumente utilizado como filtros para bebedouros e purificadores de água, se apresenta como solução eficiente e de baixo custo (preço médio de R$10,00), para remoção dos subprodutos quando esse sistema, ao ser utilizado em ETA, não apresentar mais a eficiência inicial. Silva et al. (2012) utilizaram o filtro de carvão ativado granular para analisar a remoção de AHA9 em ETA, os quais foram formados a partir da cloração de amostras contendo cianobactérias. Para uma cloração com tempo de contato de 24 horas, após a filtração através do carvão ativado granular a amostra apresentou concentração de AHA máxima de 27,01 μg.L-1. Apesar de o valor obtido já estar em conformidade com o estabelecido pela atual portaria, o uso do filtro de carvão ativado granular domiciliar, utilizado nas análises deste estudo, torna-se importante visto que pode ocorrer a formação desses subprodutos, os quais podem estar relacionados a cânceres, ao longo da rede de abastecimento. O estudo de Franquini (2010) analisa a remoção de subprodutos com carvão ativado em pó e apresenta uma estimativa de custo para aplicação deste recurso nos sistemas de tratamento de água. De acordo com o autor, o custo para tratar 1 m³ de água é R$0,50 e para um ETA que opere, por exemplo, com uma vazão nominal de 3 m³.s-1 e 100 mg.L-1 do carvão, haveria um custo de R$129.600,00 por dia para remoção de TAM, e R$4.017.600,00 por mês, considerando 31 dias, fazendo com que o processo de tratamento se torne mais oneroso. Por outro lado, o filtro de carvão ativado granular domiciliar utilizado no presente estudo custa em média R$10,00 e apresenta vida útil de 6 meses ou 3000 L, além de ter se mostrado eficiente para remoção de AHA e, segundo Boneberg (2013), também apresenta elevada eficiência na remoção de TAM. Ainda, o uso deste filtro domiciliar pode auxiliar na remoção de subprodutos que se formem ao longo da rede de distribuição. Outros estudos realizados para remoção de subprodutos da cloração, como o de Uyak et al. (2008), a partir da filtração com membrana e nanofiltração, não apresentaram eficiência na remoção dos AHA pois os mesmos não são compostos voláteis. Demonstrando que para tais subprodutos, o sistema que se apresenta maior eficiência de remoção é o de adsorção por carvão ativado.

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5 Considerações finais O uso do filtro de carvão ativado granular se mostrou eficiente na remoção de AHA9, visto que em todos os ensaios a concentração final foi menor que o estabelecido pela Portaria da Consolidação (2017), que é de 80 μg.L-1. Entretanto, é importante ressaltar a necessidade de se fazer a análise com amostras extraídas da rede de abastecimento para analisar se demais compostos presentes na água influenciam na remoção dos AHA pelo filtro de carvão. O método utilizado para identificar e quantificar os compostos em questão se mostrou simples e eficiente, se apresentando como alternativa a métodos mais onerosos, como a cromatografia gasosa acoplada ao detector de captura eletrônica.

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Agradecimentos Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (CNPq), as bolsas de iniciação científica vinculadas à pesquisa; e à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), pelo apoio financeiro.

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Estudo de caso da eficiência do filtro de carvão ativado granular para remoção de ácidos haloacéticos em amostras sintéticas Elton Santos Franco, Júlia Araújo Camargo, Nathalia Pereira Hirle, Izabel Cristina Marques

COMO CITAR (ABNT): FRANCO, E. S. et al. Estudo de caso da eficiência do filtro de carvão ativado granular para remoção de ácidos haloacéticos em amostras sintéticas. Vértices (Campos dos Goitacazes), v. 23, n. 2, p. 590-607, 2021. DOI: https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p590-607. Disponível em: http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/14002. COMO CITAR (APA): Franco, E. S., Camargo, J. A., Hirle, N. P. & Marques, I. C. (2021). Estudo de caso da eficiência do filtro de carvão ativado granular para remoção de ácidos haloacéticos em amostras sintéticas. Vértices (Campos dos Goitacazes), 23(2), 590-607. https://doi.org/10.19180/1809-2667.v23n22021p590-607

607 | VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.23, n.2, p. 590-607, maio/ago. 2021


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