Divã ocidento-oriental, de Johann Wolfgang von Goethe

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Marcus Mazzari, professor de teoria literária e literatura comparada na FFLCH-USP

“Divã” é uma palavra oriunda do persa (diwan) e é a viagem literária de Goethe pelo Oriente, pelo antigo mundo das Mil e uma noites, pelas civilizações dos livros sagrados. Nascido do encontro arrebatador com a obra do poeta persa Hafez, este Divã — coletânea, ciclo — canta o amor, a guerra, a própria poesia, o êxtase do vinho, as religiões abraâmicas, o zoroastrismo, a sabedoria popular e a mística islâmica do sufismo, deixando transparecer a espiritualidade panteísta que marcou a vida madura de Goethe. Aos poemas segue-se uma seção na qual o autor, em sua prosa inconfundivelmente poderosa, elucida suas fontes, destrincha seu fazer poético e brinda suas ideias sobre a história da literatura e da tradução.

GOETHE DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL

TRADUÇÃO E POSFÁCIO

CAPA montada Divã Ocidento-oriental.indd 1

9 788574 483078

DANIEL MARTINESCHEN

ISBN 978-85-7448-307- 8

JOHANN WOLFGANG VON GOETHE, nascido em Frankfurt em 28 de agosto de 1749, é um dos nomes fundamentais da história da literatura alemã. Com 25 anos, publicou Os sofrimentos do jovem Werther (também traduzido por esta editora), fenômeno cultural que fez do jovem autor uma celebridade literária na Europa. Foi precursor do romantismo, junto ao amigo Friedrich Schiller. Sua vasta obra artística, ladeada por uma carreira como homem da corte em Weimar e por investigações nas ciências naturais, representa uma reflexão aguda sobre o destino humano individual e coletivo no raiar da modernidade. Seu efeito em toda a arte e pensamento europeus no século XIX foi dramático e definidor, tendo Goethe influenciado de Napoleão a Hegel, de Nietzsche a Darwin. Além de Werther, outras de suas obras referenciais incluem Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister [1797], Fausto [1806] e As afinidades eletivas [1809]. Morreu na cidade de Weimar, em 22 de março de 1832.

em sentido literário significa “coletânea”, “ciclo”. O divã que se apresenta aqui ao leitor brasileiro, em apuradíssima tradução, é fruto do fascínio que o sexagenário Goethe experimentou pela cultura e pela poesia do Oriente, especialmente pelo seu “gêmeo” (assim diz o poema “Ilimitado”) Hafez, que viveu em Xiraz no século XIV. Esse fascínio trouxe consigo o rejuvenescimento que num dos poemas iniciais faz o poeta exclamar: “Tu, velho querido,/ não deves chorar;/ teu cabelo é embranquecido,/ mas tu vais amar”. Goethe encontrou então — durante viagem pela região do Reno em 1814 — Marianne von Willemer, logo transfigurada na Zuleica, parceira amorosa do poeta, que por sua vez assume o disfarce oriental de Hatem. Desse encontro nasce o magnífico “Livro de Zuleica”, o mais extenso dos doze livros que compõem a coletânea. E à semelhança do que ocorre na poesia persa, também em Goethe o tema amoroso entrelaça-se com outro proeminente motivo: o vinho, propiciador tanto do êxtase erótico quanto do religioso, conforme postula o “Livro da Taverna”.

Divã ocidento-oriental

DIVÃ OCIDENTO-ORIENTAL

que respiram desses comentários deixam entrever a profunda identificação do poeta com o mundo oriental a que emprestou sua voz: “Essa religião, mitologia e costumes maometanos abrem espaço a uma poesia tal como convém aos meus anos. [...] amor, empatia flutuando entre dois mundos, todo o real purificado, esvanecendo-se simbolicamente”, conforme formulou numa carta a seu amigo Zelter.

JOHANN WOLFGANG VON GOETHE

Ainda sob a influência de Hafez (e tantos outros poetas persas e árabes), este ciclo abre amplo espaço ao Islã, mas em sua corrente sufista, cuja mística é intensificada por Goethe a fim de distanciar-se de toda ortodoxia: “morre e te transforma!”, na mensagem místico-religiosa de “Anelo abençoado”, poema que Manuel Bandeira — outro admirador dos gazéis hafezianos — traduzira apenas como “Anelo”. O leitor perceberá assim estar às voltas com uma religiosidade mundana, no fundo de caráter panteísta, e poderá talvez vislumbrar afinidades entre o “Livro do Paraíso”, que fecha o divã goethiano, e a última cena do Fausto, igualmente impregnada de uma religiosidade sui generis, que culmina no símbolo do Eterno-Feminino. Para propiciar aos leitores uma fruição mais intensa de seus poemas, Goethe acrescentou-lhes um décimo terceiro livro para “melhor compreensão do Divã ocidento-oriental”. A leveza e o frescor

06/03/20 11:37


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